H. A. KIPPER
A HAPPY
HOUSE
IN A BLACK
PLANET 2:
UMA
INTRODUÇÃO
À SUBCULTURA
GÓTICA
1ª ediÇÃo
SÃO PAULO
2018
HENRIQUE ANTONIO KIPPER
2
Agradecimentos desta obra
3
4
SUMÁRIO:
PARTE 1:
MÚSICA, POLÍTICA SUBCULTURAL & VISUAL
5
PARTE 2:
ARQUEOLOGIA SIMBÓLICA
& LITERATURA GÓTICA
6
PARTE 3:
GÓTICO E SUBCULTURAS
NO SÉCULO XXI
PARTE 4:
CONTEXTO SOCIOLÓGICO
- BIBLIOGRAFIA 162
- Biografia do Autor 166
7
8
INTRODUÇÃO:
Passados dez anos, muita coisa mudou, as questões urgentes são ou-
tras e não temos mais certos problemas, que deram lugar a outros.
Senti que chegava a hora de aprofundar alguns temas que foram
tocados intencionalmente de forma apenas introdutória na época.
De fato, alguns capítulos que foram retirados do primeiro volume
para que ele não ficasse muito longo ou complexo, agora ganham
seu espaço neste novo volume.
Uma das partes que foi apenas citada no primeiro capítulo foi me-
lhor desenvolvida neste volume 2: o tema sobre a formação do ima-
ginário gótico na história e literatura. Uma outra parte se dedica as
9
questões subculturais mais complexas.
Não há uma ordem específica para ler essas partes e você pode ler
conforme seu interesse, supondo que já leu o volume 1.
Espero que goste e que este livro o ajude a encontrar novas curio-
sidades e interesses na subcultura gótica.
E continue se divertindo.
Kipper, 2018
11
12
PARTE 1:
MÚSICA,
POLÍTICA
SUBCULTURAL,
& VISUAL
13
1. CARTA AOS NEÓFITOS*
NA SUBCULTURA GÓTICA
Seja bem-vindo!
Que bom que você se interessou pela subcultura gótica! Que bom
que a música, as roupas, as maquiagens, as festas, a literatura ou
qualquer outra coisa te encantou e apaixonou.
Contudo, nem tudo são rosas negras e belos luares. Você pode en-
frentar alguns problemas e frustrações no começo, como todos nós
que vivemos a subcultura gótica há mais tempo também enfrenta-
mos no passado.
Mas algo chato que ainda pode acontecer é você ser julgado ou
rotulado por algumas pessoas. Eu as chamo de “caça posers” ou
“polícia gótica”, pessoas que podem te fazer pensar que têm algu-
ma autoridade para te julgar e ofender, mas não têm.
Assim, toda vez que alguém agir contra você como se fosse o sumo
sacerdote de uma seita ou membro de alguma elite, simplesmente
ignore. Continue seguindo seu prazer e interesse pela subcultura
gótica. É o prazer que levara a busca por conhecimento, não qual-
quer fiscalização.
15
Você não precisa beijar a mão de ninguém para poder ser gótico.
Ninguém tem o direito de aplicar um teste de “verdadeiro gótico”
em você. Você não depende de ninguém para ter informação. Posso
apontar caminhos possíveis para ajudar, mas quem vai trilhá-los ou
não é você.
Outras pessoas vão dizer que você não pode ser gótico porque vive
em uma cidade sem “cena” gótica. Isso é outra bobagem: em pleno
século XXI, você pode ter mais identificação com música, estética e
cultura gótica via internet do que se tinha dançando em um porão
dos anos 1980.
Além disso, boa parte das pessoas que frequentam as festas góticas
em determinado período se afastam e desinteressam depois. Isso
se deve ao fato de que estavam apenas saindo com os amigos e a
galera. Portanto, a vivência presencial não é o que vai determinar
sua identificação subcultural no longo prazo.
Sim, góticos não têm classe social definida. Não importa se você é
pobre, classe média ou rico. Ninguém tem o direito de te olhar torto
por isso.
16
Outra coisa: não conheço ninguém com mais de dois neurônios que
curta um único estilo musical.
Ah, antes que eu esqueça: o gótico não acabou nos 1980. Mas isso
você já deve saber.
Mas esse visual ainda não tinha todos os elementos nem a especia-
lização que veríamos no gótico dos anos 1980.
Ser gótico não significa que você vai gostar de tudo, mas que vai
gostar muito de pelo menos uma parte. Alguns góticos apreciam
apenas algumas vertentes musicais goth/wave, e não gostam de ou-
tras, isso é normal. Isso não significa que você vai deixar de gostar
também de estilos não aceitos nas cenas góticas.
Divirta-se, comece conhecendo estas e depois procure mais bandas
dos estilos que você mai s gostar! Veja mais em nosso site:
www.gothicstation.com.br
28
ANOS 1980: ANOS 1990: SÉCULO 21:
SIOUXSIE AND SOPOR AETERNUS DIVA
THE BANSHEES* DESTRUCTION*
DIARY OF DREAMS
CLAN OF BLUTENGEL
XYMOX LONDON
AFTER MIDNIGHT MONO INC.
OPERA
MULTI STEEL SWITCHBLADE L’AME
SYMPHONY IMORTELLE*
POESIE NOIRE
DAS ICH THE BEAUTY
THE CURE* OF GEMINA
WOLFSHEIM*
THE SISTERS OTTO DIX
OF MERCY CRUXSHADOWS
FAUN
BAUHAUS* QNTAL
EGO LIKENESS*
DEAD FAITH AND
CAN DANCE THE MUSE ANGELS
OF LIBERTY
THE MISSION TWO WITCHES
TIRAMIST
THE FIELDS LACRIMOSA
OF THE NEPHILIM GOLDEN APES
COLLECTION
DEINE LAKAIEN D’ARNELL- TROBAR DE
ANDREA* MORTE
CASSANDRA
COMPLEX PROJECT THE EDEN HOUSE
PITCHFORK
SPECIMEN KRIISTAL ANN
THE HOUSE OF
JOY DIVISION* USHER THE HAXANS
CHRISTIAN THE FROZEN LEBANON
DEATH AUTUMN HANOVER
DIE FORM ROSETTA STONE LORD OF
THE LOST
ALIEN SEX FIEND THE AWAKENING
DRAB
THE DAMNED* LYCIA* MAJESTY
TRISOMIE 21 GARDEN SHE PAST AWAY
OF DELIGHT
X MAL CINEMA
DEUTSCHLAND ATARAXIA STRANGE
* = começaram no final década anterior, mas marcaram décadas nas seguintes.
29
6. BANDAS GÓTICAS MAIS RECENTES
No primeiro volume listamos bandas góticas, divididas por gera-
ções, até aproximadamente 2008. Veja as gerações anteriores no
volume 1. Seguindo os mesmos critérios, vamos atualizar essa lista
com algumas das mais recentes.
Estas listagens não buscam ser nem perfeitas nem completas, mas
apenas dar um panorama da riqueza do cenário musical Gótico/
Darkwave e, principalmente, de sua renovação.
Merciful Nuns, Drab Majesty, Mono Inc., Faun, La Scaltra, The Be-
auty of Gemina, Omnia, Numa Echos, Soror Dolorosa, Kriistal Ann,
The Eden House, Trobar de Morte, Ash Code, Markus Midnight,
Angels of Liberty, Eisbrecher, Omnia, Snakeskin, Tiramist, Ariel
Maniki and The Black Halos, Theodor Bastard, Grausame Tochter,
Aesthetic Perfection, Lebanon Hanover, Noblesse Oblige, Demonia
Nymphe, Haxans, Lizette Lizette, Seelennacht, Then Comes Silen-
ce, Heimataerde, Golden Apes, The Spitirual Bat, Global Citizen,
Selofan, Descendants of Cain, Frank The Baptist, Gothzilla, Rabia
Sorda, She Past Away, Aeon Sable, Otto Dix, Principe Valiente, Ter-
minal Gods, Zanias, William Control, Kælan Mikla, Astari Nite… e
muitas mais.
30
Das Projekt, Back Long Arch (retorno), Les Chat Noirs, The Knutz,
In Auroram, Electro Bromance, Blue Butterfly, Euphorbia, Among
The Machines, Jardim do Silêncio, Noturna Régia, Almas Mortas,
Gangue Morcego, Orquídeas Francesas, Pecadores, Wonder Dark,
Fake Angel, Outro Destino, Sitético Ministério, Gargula Valzer, Si-
glo XIII, Drei Hexen, Desroche, Modus Operandi, Poemas de Maio,
Black Night Frequency, Gattopardo, e muitas mais.
7. SUBCULTURA GÓTICA:
DIVERSIFICADA NO VISUAL E NA MÚSICA
A subcultura gótica é bastante diversificada tanto no visual como
nos gêneros musicais. Apesar de alguns estilos musicais terem seu
equivalente visual (como comentamos no texto sobre Homologia
Subcultural) , é comum os góticos curtirem diversos dos subestilos
musicais góticos e usarem diversos tipos de visual. O gótico não se
prende sempre a um único tipo de visual ou música, nem as combi-
nações da música com o visual são fixas ou restritivas.
Já nas pistas você verá um gótico com visual mais Deathrocker dan-
çando Ethereal ou Electro Goth, ou uma fada de visual Ethereal sal-
titando ao som de Gothic Rock ou ainda um gótico de visual Cyber
Goth agitando Deathrock ou Medieval e várias outras combinações
imagináveis.
Aliás, uma das grandes diversões das cenas góticas pelo mundo é
ver como as pessoas misturam as várias sub-tendências de visual
31
gótico, demonstrando sua criatividade e individualidade. Também
muitas pessoas variam de subestilo de visual gótico ao longo do
tempo, do humor ou… do tempo disponível para se “montar”.
OUTROS ASPECTOS:
É mais fácil definir o que não é Gótico do que aquilo que é Gótico,
exatamente como Patrice Bollon comenta em “A Moral da Máscara”
e aborda a questão da recusa ao comentar sistemas estéticos:
Por exemplo, o álbum “Vision Thing” (1991) foi rejeitado por puris-
tas por abraçar um sonoridade mais hard rock. Algo que o Fields of
the Nephilim já mostrara nos primeiros álbuns (desde 1987). Nesse
momento, na virada dos anos 80 para os anos 90 já temos um con-
flito entre gothic rockers e os que consideravam apenas post punk e
minimal eletronics como aceitáveis.
Lacrimosa era uma banda popular, como eram Sisters e Fields. Gar-
den of Delight tem uma grande produção nos anos 90, e sua conti-
nuação atual com o vocalista Artaud, o Merciful Nuns, segue com
uma sonoridade característica.
34
Paradise Lost fez alguns álbuns entre 1997 e 2002 que se pareciam
mais com Depeche Mode e Sisters of Mercy do que com algo metal.
Seus álbuns “One Second” (1997) e Symbol of Life (2002) se insere
perfeitamente na tradição Sisters/Fields. Os dois intermediários (de
1999 e 2001) são até mais “Depechianos”. Para quem aceita hoje
Suicide Commando e Hocico, todas essas são bandas água com
açúcar...
Ainda nos anos 90, também quem estava acostumado com Dead
can Dance e Sisters of Mercy/ Fields, continuou “catando uvas” ou
“limpando teias de aranha” (dois estilos de dança ethereal/gótica)
com o álbum “Aegis” do Theatre of Tragedy. O feeling mudava
muito pouco em relação a outras bandas ethereal/wave, comparado
a bandas com influência de doom mais arrastado. Algo bem diferen-
te da vertente black metal mais extrema.
Na cena Brasileira, a banda era muito bem aceita nas casas de São
Paulo já nos anos 90, inserida em sets tradicionais de música gótica,
e compartilhando especiais com Christian Death, Siouxsie, etc,
como comprovam flyers de época, e claro, muitos góticos que hoje
já estão na faixa dos 40 anos ou mais. Lacrimosa é um fenômeno
mais antigo e duradouro dentro da cena gótica, tanto nacional como
internacional.
Foi uma grande luta explicar que uma cena metal não era a cena gó-
tica. Tivemos que lembrar a maioria de novos chegados que já tinha
alguém morando naquela “casa” há bastante tempo, e mostrar que
tínhamos a nossa própria tradição musical atual.
Precisamos tomar cuidado para não repetir esses erros. Por isso
tudo é importante não aceitar a negação de partes da própria evolu-
ção musical dentro da subcultura gótica, nem de segmentos de esti-
lo tradicionais, caindo em purismos radicais de uma ou outra parte
da tradição histórica da subcultura gótica. E, muito menos, negação
de estilos e segmentos de pessoas, como muitas vezes ocorre, sob
o disfarce de preconceito estilístico ou musical.
Por outro lado quem sempre odiou as “guitarras pesadas estilo Sis-
ters e Fields”, ou estilos darkwave, synth goth ou eletrônicos, apro-
veitou para tirar sua casquinha...
9. O GÓTICO
NÃO “VEIO DO” PUNK
O fato autoevidente é que Punk e Gótico se tornaram já nos anos
80 subculturas com valores, características e estéticas radicalmente
diferentes, quando não divergentes ou conflitantes. Por que então
existe o mito de “o gótico veio do punk”?
O “Vir” que nos interessa aqui tem a ver com os conteúdos: símbo-
los, musicalidades e discursos que o gótico adotou como seus nos
anos 1980 e nas décadas de 1990 e até hoje. Conteúdos que são
singulares e peculiares na forma que tomam na subcultura gótica.
Sem falar em inúmeras influências do cinema dos anos 70, que atu-
alizaram vários temas do cinema expressionista e cine B: Cabaret
(1972), Rocky Horror Picture Show (1975) e o Nosferatu de Herzog
(1979), etc. Claro, e tudo que David Bowie fazia.
Um desfile feito por estilistas do grupo Blitz Kids em 1980 foi im-
portante neste sentido, ao usar imaginário eclesiástico, penteados e
maquiagens que não existiam na época, definindo o visual tradicio-
nal gótico posteriormente.
Em meados dos anos 80, fica claro ver o visual padrão gótico -e ati-
tudes- como fortemente influenciado pelos Blitz Kids, entre outras
influências. Não vemos muita diferença de inspiração estre estes e
os visuais góticos atuais.
BANDAS:
Os membros do Dead Can Dance podem ter tido antes uma banda
post-punk/new wave na Austrália, mas a sonoridade e lírica da ban-
da que encantou os góticos e se tornou modelo para várias gerações
de bandas (e tendências inteiras) não tinha mais nada que se possa
chamar de punk.
Com o fim do Bauhaus, também Love and Rockets e Peter Murphy
solo mostram uma grande diversidade de influências pré-punk, es-
pecialmente Glam e 60’s. The Mission e The Cult idem. A mesma
lógica se aplica a maioria dos casos.
43
Da mesma forma Andrew Eldritch cita Motorhead e Suicide como
influências em seu site oficial do The Sisters Of Mercy. Franck Ló-
pez do Opera Multi Steel tinha uma banda folk tradicional (chama-
da Avaric) e gravou vários álbuns com ela antes de 1983, e depois
misturou sons folk, eruditos a new wave e synth, criando um tipo
de mistura que se tornou tracional na cena gótica, gerando outras
bandas que misturam música eletrônica e antiga.
Mas em 1983 era muito tarde para tentar colar outro rótulo em um
movimento que já tinha se disseminado e absorvidos conceitos que
não cabiam mais no que o punk já se tornara há anos. E meses de-
pois veríamos que a ideia de gótico torna algo espalhado pelo mun-
do. Como Mick Mercer comenta em relato do site Scathe:
- Caráter Prometeico
- Ausência de maniqueísmo típico do Romantismo tradicional (OU
“herói Byroniano”)
- A linguagem mais crua (em relação ao Romantismo)
- Personagens com corpos e sensações, erotismo e sensualidade
expressos de forma escandalosa para os padrões da época, in-
cluindo sadismo, perversão, incesto, etc.
- O mal interior se apresenta como degeneração físico-moral da
alma e do corpo.
- Anticlericalismo e iconoclastismo
- Busca do Sublime
A CRÍTICA DA CRÍTICA:
A crítica musical do final dos século XX fez com o Punk algo pa-
recido com que a crítica literária fez com o Romantismo no final do
século XVIII e início do XIX, em ambos os casos, curiosamente, em
detrimento do estilo gótico (antes literário, depois como subcultu-
ra): determinou que um estilo era sério e importante na cultura e o
outro era “de mau gosto e popularesco, algo superficial e exagera-
do”. Como no século XIX, autores e artistas ficam no fogo cruzado
entre crítica e público.
CONCLUSÃO:
10. GOTICISMO:
UMA PALAVRA
TORTURADA...
Crie um filho de brasileiros em uma família chinesa no interior da
China e ele será culturalmente Chinês e se comportará, moverá,
sentirá e pensará como um Chinês.
Portanto, não há gene gótico, nem alma gótica nem nenhum tipo de
essência que exista antes da vivência.
Tanto que esse mesmo aporte estético é explorado por outras sub-
culturas, com outros resultados e significados. O que mostra que
não se pode reduzir (nem estudar) nenhuma subcultura a um de
seus elementos.
11. AS CATEDRAIS
ERAM GÓTICAS?
A frase acima serve bem para ilustrar como funciona nossa mente
em relação a nomenclaturas do passado: projetamos as classifica-
ções do presente sobre o passado, imaginando que elas sempre
foram assim. Mas a verdade é que Cabral não descobriu o Brasil:
“o Brasil” só vai existir muito tempo depois pela junção de vários
territórios invadidos por Portugueses e Espanhóis no século XVI.
Da mesma forma, referimo-nos às Catedrais como “Góticas” e a
Idade Media como “Idade das Trevas”: estamos repetindo o concei-
to que Renascentistas e depois a literatura Gótica desenvolveram e
Românticos popularizaram.
52
A forma como a ficção literária do século XVIII e XIX descreveu a
Idade Média molda nossa visão do passado até hoje. É importante,
portanto, não confundir história com ficção, nem ficção com ideo-
logia de época. Toda arte é influenciada pela ideologia de sua época
(e a expressa, a favor ou contra), usando o passado, o futuro e o
desconhecido para falar o que pensa do seu “aqui” e “agora”.
Por isso, cada gótico ou gótica tem a liberdade de ter ou não ter –
enquanto escolha pessoal e privada – a religião ou crença que bem
entender. Apenas é importante respeitar a escolha do outro, pois
este respeito é que garante a tua liberdade pessoal.
Assim, ter essa ou aquela religião, ou não ter nenhuma, não faz de
você mais ou menos Gótico ou Gótica. A subcultura gótica não
prescreve nenhuma religião, nem proíbe nenhuma.
O QUE É LAICO?
O engraçado é ver que o que foi “modismo” dez anos atrás ser
considerado símbolo de status “old-school” hoje. Seria interessante
56
um pouco mais de senso crítico, pois subculturas, como qualquer
cultura, dependem da boa relação entre as gerações.
SUPERANDO O PRECONCEITO
Se não for consensual, não está nem sendo humano, logo não tem a
menor chance de ser alternativo.
Quando não está, não significa que não houve insistência suficiente
ou falta de “virilidade”. O pretendente pode exatamente ter sido
muito insistente e pegajoso. Ou, simplesmente, ele pode não ter
sido o escolhido. Porque as mulheres escolhem… Desculpe surpre-
ender mais alguns!
62
PARTE 2:
LITERATURA
GÓTICA
&
ARQUEOLOGIA
SIMBÓLICA
63
INTRODUÇÃO DA PARTE 2:
THIS CORROSION
OF BODY AND SOUL*
Há apenas 150 anos Darwin nos ensinou sobre nosso lugar na fa-
mília da natureza. Há pouco mais de 50 anos as mulheres votam e
vestem calças no ocidente. Há só duas décadas “descobrimos” que
a homossexualidade não é doença nem crime no Brasil.
O Romance como forma de leitura popular tem pouco mais de 200
anos. Nosso imaginário sobre arte, loucura e o que é gótico não
passa de 250 anos. O Brasil como o conhecemos tem menos de 200
anos.
64
Portanto, não faz sentido imaginar que as referências históricas usa-
das pela ficção gótica faz com que aqueles períodos mais antigos
sejam góticos.
* Como o título deste livro, o subtítulo deste capítulo também é uma brincadeira
juntando o nome de duas músicas famosas na cena gótica: This Corrosion e Body
and Soul, do The Sisters of Mercy
65
1. CIDADES DOS CONDENADOS:
FOUCAULT E AS ORIGENS
DO IMAGINÁRIO DO MEDO OCIDENTAL
Por que os mais populares personagens ligados ao horror possuem
as características de transmissibilidade, como em uma doença con-
tagiosa? Vampiros, Zumbis e Lobisomens nos transmitem suas ca-
racterísticas por mordidas ou ferimentos. Ou morremos ou nos tor-
namos um deles ou ambas as coisas. Com eles, algumas perguntas
tentam sair daquela sala proibida e trancada que fica nas profunde-
zas escuras de um labirinto subterrâneo:
67
O CRIME ORIGINAL
Até esse ponto a loucura não era um problema médico. Era uma
“imprevisível liberdade” animal. Era o homem ligado a besta, a
fera. O confinamento era destinado a controlar “a animalidade da
loucura e a imoralidade da desrazão”. Coisas a serem temidas. Uma
ameaça a todos, mas distante e separada da humanidade e da so-
ciedade.
Além deles, tantos outros até 130 anos depois de Otranto, o literal
asilo de Drácula, de Bran Stoker: aí a metáfora é explícita. Mesmo
quando temos a descrição de um sanatório em o “Triste Fim de Po-
licarpo Quaresma” (1915), o imaginário gótico emerge na narrativa.
Além disso, todos nós podemos nos lembrar das características co-
muns atribuídas aos personagens góticos em seu caminho para as
trevas e da perda de sua mente ou alma: doenças nervosas, cala-
frios, membros enrijecidos, olhos vítreos, decadência física paralela
a corrosão moral etc. Todo um vocabulário ilustrativo da perda da
razão.
Assim foi formado todo imaginário simbólico que vai ser conjurado
pela literatura gótica e que é compartilhado por nós até hoje.
Parte 1 (1764-1800):
Enquanto isso, muita gente, que não devia aprender a ler, estava
aprendendo e esses novos leitores fizeram do estilo gótico o primei-
ro caso do que chamaríamos hoje de “Best-sellers”, para a infelici-
dade dos críticos literários que defendiam o bom gosto aristocrático
e, principalmente, o seu próprio status como especialistas.
A CRÍTICA
78
4. CARACTERÍSTICAS
DA LITERATURA GÓTICA
E DIFERENÇAS ENTRE ROMANCE GÓTICO E ROMANCE
ROMÂNTICO (GOTHIC NOVELS X ROMANTIC NOVELS)
WALPOLE
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS
DA LITERATURA GÓTICA:
Tanto autores góticos quanto Sade sofreram críticas pelos seus aten-
tados contra a moral e o bom gosto. Sade, como se sabe, passou
por isso muito tempo enclausurado.
Estes cenários fazem sentido em uma obra gótica, porque são uma
expressão na forma da estética do conteúdo mais estrutural.
5. RECEPÇÃO
E CRÍTICA LITERÁRIA
DO ESTILO GÓTICO
Se Shakespeare tivesse usado a forma de romance e publicado Ma-
cbeth no final do século XIX, com certeza receberia críticas morais
e literárias negativas, tendo sua obra classificada como gótica.
Mas com certeza também faria sucesso popular como fizera com
suas peças antes. Então, por que no final do século XIX Shakespe-
are era endeusado e os romances góticos criticados?
86
A ETERNA GUERRA ENTRE LEITORES,
CRÍTICA E AUTORES
Por isso é importante que olhemos com mais atenção para as carac-
terísticas essenciais do romanticismo e do goticismo, para perce-
bermos suas características, semelhanças e diferenças.
89
6. O INÍCIO:
OTRANTO, VATHEK E O MONGE
Dois nomes são essenciais para entender o começo da estética Gó-
tica entre 1764 e 1800: Horace Walpole e William Beckford. Estes
dois autores não apenas criaram o Gótico como um estilo literário,
mas criaram a estética Gótica como a entendemos desde aquela
época, envolvendo recriação arquitetônica, paisagismo, decoração,
design, vestimenta e outros detalhes.
O SOBRENATURAL EXPLICADO
7. RELAÇÕES ENTRE
O GÓTICO SUBCULTURAL
E A LITERATURA GÓTICA
Há 250 anos o estilo Gótico comenta o presente olhando para o fu-
turo, vestindo passados cerzidos em uma manta de retalhos.
FUTURO
96
PARTE 3:
GÓTICO
E
SUBCULTURAS
NO SÉCULO
XXI
97
1. ALGUMAS DIFERENÇAS
ENTRE OS CONCEITOS
DE “TRIBO” E “SUBCULTURA”
No volume 1 fizemos uma introdução explicando o conceito de sub-
cultura e subcultura translocal. Aqui vamos partir deste ponto e
aprofundar esses temas com novas questões relativas ao século XXI.
- DIFERENCIAÇÃO CONSISTENTE
- IDENTIDADE
- COMPROMETIMENTO
- AUTONOMIA
100
Esses fatores são explicados um por um no capítulo 6.1) Indicadores
de Consistência Subcultural de “A Happy House in a Black Planet”.
Por isso, convém não tomar o termo subcultura como usado ante-
riormente: os conceitos ultrapassado da teoria subculturalista já
foram criticados e revisados pelos próprios autores que hoje usam
o termo atualizado e contextualizado para o século XXI.
101
2. CULTURAS E SUBCULTURAS
NUNCA ESTÃO “PRONTAS”
Existem dois tipos principais de mudança em uma cultura: os mo-
tivados internamente e os motivados (ou impostos) externamente.
No primeiro caso, da motivação interna, imagine se, por um aci-
dente histórico, uma sociedade de habitantes indígenas da América
tivesse permanecido isolada desde 1400 até hoje sem colonização
de nenhum tipo.
Ela não estaria igual à 500 anos atrás: teria continuado a mudar e
a evoluir coerentemente de acordo com seus valores e dinâmicas
internas. Ou seja: mesmo uma cultura mantida em um estado ideal
de “pureza” mudaria com o tempo. (R. B. Laraia, 2009)
103
3. O QUE É HOMOLOGIA:
O SIGNIFICADO DOS ESTILOS
“… quando aquele objeto é colocado dentro de um conjunto total-
mente diferente, um novo discurso é constituído, uma nova men-
sagem é veiculada.” (Clarcke, 1976, em Hebdige, 1979)
Uma das principais diferenças entre o estilo em uma subcultura e o
estilo no mercado de massas é a questão da homologia subcultural.
Subculturas e culturas estabelecem redes de símbolos homólogos,
historicamente fundados e mais estáveis (apesar da atualização
constante e absorção de novos elementos). Já o mercado de massa
trabalha com fragmentos mais desconectados que são descartados
por outro fragmento sem ligação no próximo ciclo e este por outro
e assim por diante.
“
“Homologia é o estudo das coisas homólogas. Coisas homólogas
seriam aquelas que, apesar de diferentes na forma, guardam uma
relação de significado ou, ainda, a relação entre um conceito ou
ideia e suas formas e símbolos.
4. O QUE É RESSIGNIFICAÇÃO
E REAPROPRIAÇÃO
Como o mesmo significa outra coisa?
5. A TRANSLOCALIDADE
DA POPULAÇÃO GÓTICA
Desde o final do século XX, as subculturas ou culturas alternativas
são translocais ou glocais. O que significa translocal e glocal?
“As subculturas hoje se estendem pelo mundo todo, sem que ne-
cessariamente um indivíduo dependa de uma ‘liderança’ ou ‘gru-
po’ local para mediar sua participação subcultural. Esse processo
se torna mais notável nas subculturas substanciais e de longa
duração, como a Gótica.” (Paul Hodkinson, 2002)
Isso é diferente do que acontecia até os anos 1950 ou 1960. Por
exemplo, os “Zoot-Suiters” tinham uma delimitação local nos EUA.
Os “Teds”, igualmente, na Inglaterra. Com o advento da televisão,
nos anos 1950, estilos começam a ser conhecidos globalmente, mas
a comunicação entre os membros continua extremamente local, até
com disputas, como vimos entre “Mods” e “Rockers”. “Beatnicks”
e “Hippies” seguem na mesma estrutura.
Nos anos 1970, 1980 e início dos 1990 do século passado subcul-
turas como a Glam, Gótica e Punk também são divulgadas global-
mente, mas a comunicação entre membros continua local e limitada
pela presencialidade.
Hoje, mesmo isolado em uma cidade distante, você pode ter acesso
a toda música, literatura, visuais, vídeos e interação social virtual
que desejar e sua identificação com a subcultura gótica (ou qualquer
outra) dependerá apenas de você.
Assim, temos hoje uma população gótica espalhada, com alto nível
de acesso a informação e interação social cotidiana virtual e afetiva.
Parte dela tem interação presencial com periodicidade que varia de
acordo com diversos fatores e outra parte não.
111
Entre os que tem participação presencial, essa varia de acordo com
vários fatores: idade, condição econômica, trabalho, formação de
família etc.
Outra boa notícia é que não há mais locais específicos para ser
aceito ou não. Sua identidade depende de sua identificação afetiva e
cultural. E isso depende só de você, não depende de local, tempo,
idade, geografia ou de qualquer outra pessoa.
Isso não significa que “qualquer coisa seja Gótico”, mas significa
que qualquer um, em qualquer lugar, pode ser Gótico.
Mas se a geração pós internet não tem informação via mídia de mas-
sa como no passado, tem várias outras vantagens.
Hoje você pode ser um gótico isolado em uma cidade sem outros
góticos e talvez tenha mais identificação e conhecimento sobre a
subcultura gótica do que alguém que frequente uma festa em uma
grande cidade e não tenha outro interesse além de sair com os ami-
gos (o que também é muito bom e saudável, mas existe desde que
o mundo é mundo e não é um comportamento alternativo ou sub-
cultural em si).
113
6. MICROMÍDIA E MICROCOMÉRCIO
NAS SUBCULTURAS TRANSLOCAIS
Nas últimas duas décadas, a existência de redes de micromídia e
microcomércio mostrou ser um dos elementos essenciais para a
existência (1) de subculturas alternativas com as características de:
diferenciação, translocalidade, identidade, comprometimento e au-
tonomia (ver Happy House 1, capítulo 6.1) . Aqui falamos especial-
mente da subcultura Gótica, mas estes conceitos podem ser aplica-
dos a outras subculturas.
(1) Esse fato ficou mais claro nos últimos 25 anos, contradizendo a teorização
e previsões de duas das principais e antagônicas correntes de pensamento dos
últimos 50 anos. Tanto os descendentes da teoria crítica da cultura de massa
quanto os apologistas da pós-modernidade (e também os pós-subculturalistas ou
antisubculturalistas, deles derivados). Os primeiros acreditavam que a existência
circuitos de mídia e comércio condenavam a cultura a degeneração e os segun-
dos celebravam estes circuitos, mas acreditavam que não existiria mais culturas
substanciais neste contexto. No ponto específico das subculturas alternativas,
ambos falharam pelo extremismo de suas previsões e podemos dizer que outro
caminho tem sido buscado por uma nova teoria subculturalista desde o final dos
anos 1990.
116
7. O TEMPO & O RITMO
NA ECONOMIA SUBCULTURAL
“A velocidade é a velhice do mundo... carregados por sua violên-
cia, nós não vamos a lugar algum, nós nos contentamos de partir e
nos separar do vivo em proveito do vazio da rapidez” (Paulo Virilo,
1977, Vitesse et Politique)
A ideia de underground foi desenvolvida no século passado como
resistência ou alternativa a outro modelo de sociedade. Sua trans-
posição para nosso século traz inúmeras inadequações, pois as rela-
ções sociais são diferentes hoje.
117
MICRO MÍDIA E MICRO COMÉRCIO
A SERVIÇO DAS SUBCULTURAS
Por outro lado, outra pessoa pode consumir aquele CD como parte
de seu sistema de visão de mundo da subcultura X ou Y. Prova-
velmente neste segundo caso o produto não vai ser tão facilmente
119
descartado, porque significa algo mais para o indivíduo.
SUBCULTURAS: RESISTÊNCIA
CONTRA A “CULTURA” DA “NÃO-CULTURA”
“Temos nosso próprio tempo”, como diz a canção do Legião Urbana, e esse
tempo é motivado internamente, tem duração de vida (Bergson) e é geralmente
mais lento.
123
8. O CONHECIMENTO
“DESLOCALIZADO”
Por isso, ficamos cada dia mais exigentes com o acesso as novida-
des do mundo inteiro como se estivéssemos lá. Aliás “lá” e “aqui”
deixam de fazer sentido.
Mas não vamos mais a esses lugares para conhecer o novo. O novo
já conhecemos e selecionamos antes, online.
Isso gerou uma corrida irracional pela busca de estilos cada vez
mais obscuros ou raros, a ponto de se chegar a escolha de itens
claramente “ruins” que seriam rejeitados mesmo que acessados. De
qualquer forma, ficou claro até para os mais conservadores que era
impossível defender qualquer tipo de “cidadela de status”, pois uma
vez estabelecida, ela seria imediatamente varrida como um castelo
de areia construído na orla marítima.
Uma azeitona verde não tem a escolha de ser ou não ser azeitona…
nem de ser uma azeitona preta. Por isso, colocamos rótulos nos
grupos de azeitonas em potes, mas aos grupos de seres humanos
aplicamos classificações.
130
Além disso, você já ouviu alguém reclamando “não me rotule de
inteligente!!” ou “não me rotule de especial!” ou “não me rotule de
linda!”? Pois é…
Assim, não são góticos apenas os que estão saindo no rolê. Isso
sempre foi apenas a ponta do iceberg... e a parte que derrete, some
e reaparece de acordo com as estações.
Claro que isso incomoda muita gente: todos aqueles que no século
passado detinham o poder de intermediar e selecionar informação
nos locais de acesso. Esses locais ainda existem, mas a relação de
poder com as pessoas que os acessam deixou de ser unilateral, para
ser no mínimo uma via de mão dupla.
Sem perceber, tentamos fazer o melhor possível com ideias que nos
condenam sempre ao fracasso… e ainda nos surpreendemos por
isso acontecer!
Contudo, nos últimos 30 anos, os estilos e subculturas evoluíram e
o mundo mudou totalmente. Para fazer algo com a mesma essência
de antigamente, é preciso fazer algo diferente nos tempos atuais.
Esse era o século XX: havia uma divisão clara entre o que era
“mainstream” e o que era alternativo. O “mainstream” tinha gran-
des financiamentos e era reproduzido nos grandes e poucos meios
de comunicação da época. O alternativo tinha poucos territórios e
locais específicos, dependia de relações pessoais de mútuo apoio
e relações de poder e seleção severa de novos integrantes, seleção
essa que buscava preservar a pureza desses espaços.
O PROBLEMA ESCONDIDO
A boa notícia é que você pode fazer sua banda ser famosa na Eu-
ropa antes de tocar na cidade vizinha; a má é que você concorrerá
pela atenção das pessoas em pé de igualdade com bandas do Brasil
e mundo inteiro. Nesse sentido as cenas musicais locais não existem
mais: são “glocais” ou “translocais”, ou seja, locais e globais ao
mesmo tempo.
Continua não sendo fácil, mas é completamente diferente do passa-
do: hoje depende totalmente do artista e seu trabalho. Isso não quer
dizer que você virará o próximo U2 ou Rolling Stones, mas que pode
138
conseguir, pelo menos, viver do seu trabalho alternativo sem pre-
cisar vender a alma e mudar de estilo para uma grande gravadora.
Afinal, boa parte dos jovens que estão “saindo de rolê” estão fazen-
do isso apenas pela afetividade do “rolê” e não pela identificação
mais duradoura.
Até o século XIX as guerras eram feitas de uma forma que se tornou
suicida quando aplicada à realidade do século XX. Mudanças de
tecnologia e contexto histórico exigem que a mesma coisa seja feita
de forma diferente para que signifique a mesma coisa, ou para que
realize a mesma função social.
142
13. EXISTE UMA IDEOLOGIA GÓTICA?
Muitos perguntam qual é a ideologia gótica. Isso é o mesmo que
perguntar qual a é a ideologia de movimentos artísticos como o Ro-
mantismo, Simbolismo ou Cubismo. A ideologia destes movimen-
tos está expressa no seu uso da estética, gerando uma visão e dis-
curso sobre o mundo. Melhor: oferecem um tipo de lente para ver
o mundo. Esperar uma ideologia do tipo “ideologia política” - ou
partidária - expressa em um manual é equivocado: a arte é extrema-
mente política, mas pelos seus próprios meios, estética e linguagem.
145
1. GLOCAL: ETNOPAISAGENS
E DROMOCRACIA
Se o tempo é o principal campo de batalha da atualidade e a velo-
cidade o principal vetor de dominação cultural, fragmentação iden-
titária e expropriação de valor (Virilio, 1977; Trivinho, 2001, 2005)
um dos eixos de resistência das subculturas contemporâneas é a
produção orgânica - e logo mais lenta - de sua atualização e evo-
lução, internamente motivada, como já comentamos, e baseada na
sua integração homológica das áreas ou “esferas de conhecimento”
(Kurz, 1997).
Dito de outra forma: se você não torce nem para o time X nem Y,
ou nem gosta de futebol, estar no meio da torcida no estádio não
integra você em um grupo social, nem o torna torcedor. Mas se você
for torcedor, continuaria sendo até mesmo sozinho com um radinho
de pilha em uma ilha deserta.
148
ETNOFOBIA: DEMONIZAÇÃO
DA IDENTIDADE CULTURAL
NO DISCURSO PÓS-MODERNO
Nossa intenção aqui é apenas deixar claro que cultura não é um ter-
mo singular nem é sinônimo de civilização. A antropologia já nos
ensinou que culturas diversas, muitas vezes, desenvolvem-se em di-
reções opostas. O que é avanço para uma pode parecer regressão
aos olhos de outra. Temos um exemplo no trecho abaixo de Davi
Kopenawa Yanomami:
149
“Os brancos são engenhosos, têm muitas máquinas e mercado-
rias, mas não têm nenhuma sabedoria. (…) Quando viajei para
longe, vi a terra dos brancos, lá onde havia muito tempo viviam
seus ancestrais. Visitei a terra que eles chamam de Europa.(...) eles
acabaram com suas florestas e sujaram seus rios. Agora só bebem
água ‘embrulhada’, que precisam comprar. (…) o pensamento
dos brancos está cheio de vertigens, (…) Eles não fazem mais que
dizer ‘Estamos muito contentes de rodar e de voar! Continuemos!
Procuremos petróleo, ouro e ferro! Os Yanomami são mentirosos!’
(…) Seu pensamento está cheio de esquecimento. Eles continuam
a fixá-lo em suas mercadorias como se fossem suas namoradas”
(YANOMAMI, 1999, p. 15-21).
Também é preciso ter clara a distinção entre Cultura como sistema
cultural de um grupo social e Cultura como erudição ou acúmulo de
conhecimento. Apenas por motivos de clareza, neste texto grafare-
mos a primeira com letra maiúscula.
154
O etnocídio praticado pelo colonialismo tradicional visava destruir
(ou “civilizar”) outras Culturas de forma material e grosseira. Po-
rém, nos últimos 50 anos ou mais, os centros mais avançados da
Cultura econômico industrial já realizaram no seio de suas próprias
sociedades uma cisão e redução da esfera da cultura para um cam-
po não significativo, reduzido apenas a entretenimento, lazer ou
erudição.
161
BIBLIOGRAFIA GERAL
& SUGESTÕES DE LEITURA
163
nomia dos bens simbólicos” Porto Alegre, Editora Zouk, 2001
BORDIEU, Pierre - Producão da Crenca, A: Contribuicao Para Uma Economia dos
Bens Simbólicos - Zouk; Cincias Humanas e Sociais edition 2004)
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas y estrategias comunicacionales. Es-
tudio sobre las culturas contemporaneas. Colima, México: Universidad de Coli-
ma, v. 3, n. 5, p. 109-128, 1997, p. 126. Disponível em: <http://redalyc.uaemex.mx/
pdf/316/31600507.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2009.
CLASTRES, Pierre. Arqueologia da violência: ensaio de antropologia política.
Trad. Paulo Neves. São Paulo: Brasiliense, 1982.
COLDSTREAM, Nicola et Al. -Medieval Architecture (Oxford History of Art) -Ni-
cola Coldstream- 2002- Oxford University Press
EAGLETON, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Trad. Elisabeth Barbosa.
Rio de Janeiro: J. Zahar Ed., 1998.
ENRIQUEZ, Eugène. A interioridade está acabando? In: LÉVY, André et alii.
Psicossociologia: análise social e intervenção. Trad. Marília Novaes da Mata Ma-
chado et alii. Petrópolis: Vozes, 1994
FOUCAULT, Michel - Madness and Civilization: A History of Insanity in the Age
of Reason- (English version: 1964) Vintage; 1 edition (November 28, 1988)
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A idade média: nascimento do ocidente. S. Paulo: Bra-
siliense, 2001. Disponível em <http://pt.scribd.com/doc/7208323/Hilario-Franco-
-Jr-A-Idade-Media-PDF>. Acesso em: 2 abr. 2011.
FIORIN, J. L- Linguagem e Ideologia – Editora Ática, 1988
FREITAS, L. C. A Avaliação e as reformas dos anos 1990: novas formas de exclu-
são, velhas formas de subordinação. Educação & Sociedade,
Campinas, n. 86, v. .25, p. 131-170, 2004.
HALL. Edward T. A dimensão oculta. Martins Fontes, 2005.
Ed. Orig. português, Francisco Alves, 1977. Ed. Orig. inglês The Hidden Dimen-
sion - Anchor Books, 1966
HARVEY, David. A condição pós-moderna. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria
Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2005.
HOBSBAWN, Eric- 1789-1848, A Era das Revoluções- (1978) Ed. Paz e Terra
HUIZINGA, Johan - Homo Ludens - (1938 /1955) Ed. Perspectiva, 2001
JAMESON, Fredric. Pos-Modernismo: a lógica cultural do modernismo tardio.
Trad. Maria Elisa Cevasco. São Paulo: Ática, 2002.
JACOBSON, Jacokbson, em uma introdução da obra de Bakhtin: “Marxismo e
Filosofia Da Linguagem- BAKHTIN, Mikhail - Hucitec; 11 edition (2004)
KURZ, Robert. A estética da modernização: da cisão à integração negativa da
arte. Trad. Cláudio Roberto Duarte. Disponível em <http://obeco.planetaclix.pt/
rkurz76.htm>. Acesso em: 15 out. 2009 e 12 dez. 2017.
LEVI-STRAUSS, Claude -O Pensamento Selvagem- (1962) Papirus (1990)
LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contempo-
râneo. Trad.Miguel Serras Pereira e Ana Luísa Faria. São Paulo: Manole, 2005.
MAFFESOLI, Michel. Saturação. Trad. Ana Goldberger.
164
São Paulo: Iluminuras, 2010.
MIGNOLO, Walter D. Histórias locais / projetos globais: colonialidade, saberes
subalternos e pensamento liminar. Trad. Solange Ribeiro de Oliveira.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 003.
MOORE, Charles Herbert -Development and Character of Gothic Architecture-
Scan da versão de 1906 consultado em 2017:
https://archive.org/details/developmentchara00mooriala
ORLANDI E. P. - Análise do Discurso: princípios & procedimentos –
8a ed. Pontes, 2009
VILA NOVA, Sebastião. Introdução à sociologia. (1985) São Paulo: Atlas , 2004.
VIRILIO, Paul - Velocidade e Política- (Vitesse et Politique, 1977) .
Ed. Estação Liberdade, 1996
VIRILIO, Paul - Introdução à dromocracia cibercultural: contextualização socio-
dromológica da violência invisível da técnica e da civilização mediática avançada.
Revista FAMECOS • Porto Alegre, nº 28, dezembro 2005
LARAIA, Roque de Barros - Cultura: um conceito Antropológico -
Ed. Zahar, 2009
TODOROV, Tzvetan - Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade
humana. Trad. Sergio Goes de Paula. Rio de Janeiro: J. Zahar Ed., 1993.
TRIVINHO, Eugenio- O Mal Estar da Teoria- Quartet;
Cincias Humanas e Sociais, 2001
TRIVINHO, Eugenio- Comunicação, glocal e cibercultura. Bunkerização da exis-
tência no imaginário mediático contemporâneo. Revista Fronteiras – estudos mi-
diáticos VII(1): 61-76, janeiro/abril 2005 - Unisinos
YANOMAMI, Davi Kopenawa. Descobrindo os brancos. In: NOVAES, Adauto et
alii. (Org.). A outra margem do ocidente. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999, p. 15-21.
WOODS, Ellen Meiksins. A origem do capitalismo. Trad. Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: J. Zahar Ed., 2001
ZIZEK, Slavoj. Em defensa de la intolerância. Trad. Javier Eraso Ceballos e Antó-
nio José Antón Fernández. Madri: Sequitur, 2008.
165
BIOGRAFIA DO AUTOR
Paralelamente fez carreira nas artes aplicadas e imprensa desde 1988 como de-
senhista, ilustrador, cartunista e roteirista, publicando nas maiores revistas e
jornais do Brasil e Portugal. Organizou coletivos artísticos como o FRONT e foi
seu co-editor (1998-2003), premiada série mix de HQ autoral e artes gráficas.
Graduado em Letras e Literatura, é também apaixonado pelas Ciências Sociais.
www.gothicstation.com.br/
www.facebook.com/hakipper/
166
167
168