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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

FABIANA MARQUES BARBOSA NASCIUTTI

TRAVESSIAS – O GRUPO COMO FONTE DE DESENVOLVIMENTO


PROFISSIONAL

CAMPINAS
2017
FABIANA MARQUES BARBOSA NASCIUTTI

TRAVESSIAS – O GRUPO COMO FONTE DE DESENVOLVIMENTO


PROFISSIONAL

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Estadual de Campinas
para obtenção do título de Doutora em Educação,
na área de concentração de Educação.

ORIENTADORA: PROFª DRª ANA MARIA FALCÃO DE ARAGÃO

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À


VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA
PELA ALUNA FABIANA MARQUES
BARBOSA NASCIUTTI, E ORIENTADA
PELA PROFª. DRª ANA MARIA FALCÃO
DE ARAGÃO.

CAMPINAS
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

TRAVESSIAS – O GRUPO COMO FONTE DE DESENVOLVIMENTO


PROFISSIONAL

FABIANA MARQUES BARBOSA NASCIUTTI

COMISSÃO JULGADORA
Orientadora Profa. Drª. Ana Maria Falcão de Aragão
Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado
Profª Drª Luciana Haddad Ferreira
Profª Drª Maria Silvia Pinto de Moura Librandi da
Rocha
Profª Drª Silvia Maria Cintra da Silva

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

2017
À Luiza, Lícia, Alice, Abayomi, Valentina, Ana
Elisa, Peter, Tadeu, Isadora e Rosa por terem sido
companhias fundamentais nessa jornada.
AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Ana Aragão, por me acolher, por me olhar amorosamente, por cada
sábia palavra em momentos necessários, por me ensinar o valor do trabalho coletivo e da
fruição pessoal na dimensão profissional... Somos uma dupla!

Ao Professor Nikolai Veresov, gratidão imensa por ter me recebido e me ensinado tanto,
fortalecendo ainda mais minha escolha pela Teoria Histórico-Cultural.

Ao Professor Guilherme do Val Toledo Prado e aos colegas do GEPEC, com quem muito
aprendi nesse período.

À minha sempre orientadora Professora Silvia Maria Cintra da Silva, por estar presente
pessoal e profissionalmente com ternura e generosidade.

Ao Grupo Seleto, pela parceria com uma farta dose de afeto.

À banca de Qualificação e Defesa, por colocações pertinentes e fundamentais ao trabalho.

Ao grupo de pesquisa Child and Community Development, da Monash University, que me


recebeu generosamente durante o Doutorado Sanduíche e, em especial, às colegas de pós-
graduação da Monash, que se tornaram grandes amigas, por terem me feito sentir em casa,
mesmo do outro lado do mundo.

À Patrícia Infanger, por não ter medido esforços para me ajudar no meu primeiro ano de
viagens à Campinas, acolhendo-me em sua casa sempre que precisei.

À minha família, por me instigar a ir além. Em especial, aos meus pais Carlos e Ivanilce e
minha irmã Carolina, que dividem amorosamente comigo as alegrias e desafios da vida.

Ao apoio incondicional do meu companheiro Thiago, por acreditar em mim, por ir de mãos
dadas comigo aonde quer que seja – amo você até a Austrália, ida e volta.

À CAPES, pelo financiamento da pesquisa


em âmbito nacional e internacional, por meio do PDSE
(Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior)
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a
forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam
sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos
fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

– Tempo de Travessia, Fernando Teixeira de Andrade –


Resumo

Esta investigação teve o desenvolvimento profissional como tema e o principal objetivo foi
analisar o grupo colaborativo como fonte de desenvolvimento para profissionais que
trabalham com demandas educacionais. De setembro a novembro de 2014, foi oferecido um
Curso de Difusão Científica, vinculado à Extecamp (Escola de Extensão da Unicamp) para
profissionais diversos que lidavam com questões do campo educacional e que estivessem
interessados em discuti-las coletivamente. Ao todo tivemos seis psicólogas de diferentes
áreas de atuação – clínica particular, rede pública e privada de ensino, saúde, serviço social;
uma fonoaudióloga; uma professora da Educação Infantil; um professor da Educação Básica
e uma professora que atuava como coordenadora pedagógica e tinha também a formação em
Psicologia. Os encontros tiveram a colaboração e as interações entre as participantes como
princípios. As ações e estratégias pautaram-se no: a) diálogo e produção conjunta de
conhecimentos; b) exercício de coordenar o grupo e ao mesmo tempo incluir as participantes
como corresponsáveis; c) exercício de uma postura reflexiva ao longo dos encontros de modo
a não apresentar uma ementa pronta, mas construir a proposta ao longo do curso. Os Grupos
Colaborativos, bem como a Psicologia Escolar e Educacional Crítica subsidiaram o
desenvolvimento da investigação. Ademais, a Teoria Histórico-Cultural teve lugar central na
produção e análise do material empírico, oferecendo conceitos analíticos chave – situação
social de desenvolvimento, drama e perejivanie. A unidade dialética entre estes conceitos
revelou dimensões importantes, explicando como o grupo colaborativo foi fonte de
desenvolvimento profissional. O Paradigma Indiciário e os Núcleos de Significação
contribuíram para organizar o material empírico e encontrar indícios de análise, com a
criação de quatro Núcleos: i) A constituição de uma proposta colaborativa como um processo
que se dá a partir das interações sociais e que se apresenta repleto de crises e contradições; ii)
O manejo do grupo, como uma ação que exige tanto uma postura vertical quanto a
horizontalidade nas relações estabelecidas; iii) A construção de conhecimentos sobre o
trabalho com demandas educacionais, por meio de uma conscientização coletiva dos
problemas enfrentados, produzindo questionamentos e buscando subsídios teóricos de
enfrentamento; iv) A importância dos vínculos afetivos, indicando a indissociabilidade entre
a dimensão pessoal e profissional. Fundamentalmente esta pesquisa revelou que
desenvolvimento profissional diz respeito ao processo de desenvolvimento humano como um
todo, no qual as relações sociais têm lugar privilegiado, por meio da criação de condições de
desenvolvimento, em um processo permeado por contradições e crises. Por fim, a formação
colaborativa entre profissionais de diferentes áreas indicou a importância do desenvolvimento
de relações solidárias no trabalho com demandas educacionais.

Palavras-chave: desenvolvimento profissional; teoria histórico-cultural; psicologia escolar e


educacional; grupo colaborativo.
Abstract

This research had professional development as a subject and its main purpose was to analyze
the collaborative group as a source of development for professionals who work with
educational demands. From September to November, 2014 a professional development
program associated with Extecamp (Extension School of Unicamp, Brazil) was offered to
professionals from different areas, who deal with educational issues and who were interested
in discussing this topic collectively. Altogether, we had six psychologists from different work
fields: one early childhood teacher, one primary teacher, one speech therapist and one
educational counselor who also had a degree in Psychology. The meetings had the
collaboration and interactions between participants as core principles. Therefore, strategies
were based on: a) the dialogue and collaborative generation of knowledge; b) the exercise of
coordinating the group, including participants as co-responsible for the proposal; c) the
exercise of a reflexive attitude throughout the meetings, building the proposal along the
program. Collaborative Groups perspective, as well as a critical perspective in Educational
Psychology, underpinned the research development. Moreover, Cultural-Historical Theory
had the main contribution on data analysis, offering key analytical concepts – social situation
of development, drama and perezhivanie. The dialectical unit between those concepts
disclosed important dimensions, explaining how the collaborative group was a source of
professional development. The Inditiary Paradigm as well as the Core Meaning perspective
contributed to organize the research data and to find evidences of analysis, with the creation
of four categories: i) The constitution of a collaborative proposal as a process that arises from
social interactions and it is plenty of crises and contradictions; ii) The management of the
group, as an action that requires both a vertical and horizontal positioning; iii) The
construction of knowledge about the work with educational demands, through a collective
awareness of the problems faced, by questioning and searching for theoretical underpinning;
iv) The importance of affective bonds, indicating the inextricable
connection between personal and professional dimension. Essentially, this research indicates
that professional development is about human development as a whole, in which social
relations have a central place, by creating conditions of development, in a process filled with
contradictions and crises. Lastly, the collaboration between professionals from different areas
indicated the importance of solidary relationships to face educational demands.

Keywords: professional development; cultural-historical theory; school and educational


psychology; collaborative group.
SUMÁRIO

1. O preparo para a partida: rotas escolhidas, bagagens que levo................................................ 11

1.1. Navegar é (im) preciso, escrever também: palavras iniciais ....................................................... 11


1.2. Sobre memórias: minhas bagagens .............................................................................................. 20

2. Fundamentação teórica: apresentando os parceiros de viagem ............................................... 40

2.1 Psicologia ciência e profissão: aspectos históricos e relações com o campo


educacional .......................................................................................................................................... 40
2.2 Considerações sobre a Psicologia Escolar e Educacional ........................................................... 46
2.2.1 A formação do psicólogo para trabalhar om demandas educacionais: impasses
e desafios atuais ........................................................................................................................... 51
2.3 Desenvolvimento profissional e as contribuições dos grupos colaborativos ................................ 58
2.4 Fundamentos da Teoria Histórico-Cultural e conceitos-chave de análise ................................... 69

3. Planejar a rota, percorrer caminhos: sobre as escolhas de pesquisa ........................................ 81

3.1. Norte, sul, leste, oeste: apresentando as coordenadas de pesquisa ............................................. 81


3.2. Com mapa em mãos: apresentando a proposta ............................................................................ 84

4. Das estradas percorridas, dos destinos visitados: as análises da pesquisa ...................................................... 110

PRIMEIRO MOVIMENTO – “Paradas” ................................................................................................................ 114


SEGUNDO MOVIMENTO – Indicadores de análise ............................................................................................ 131
TERCEIRO MOVIMENTO: “Travessias” .............................................................................................................. 142

TRAVESSIA 1 .................................................................................................................................. 144


“Da crise à oportunidade”: sobre a construção de um grupo colaborativo

TRAVESSIA 2 .................................................................................................................................. 155


Participante-propositora-pesquisadora: sobre o manejo do grupo

TRAVESSIA 3 .................................................................................................................................. 163


“Trabalho de borboleta”: sobre os conhecimentos construídos colaborativamente

TRAVESSIA 4 .................................................................................................................................. 171


“Engraçado, né? Teve mudança”: sobre os vínculos afetivos como parte do processo de
desenvolvimento profissional

TRAVESSIA FINAL OU FINAL DE UMA TRAVESSIA? ............................................................................... 179


Elementos para uma proposta modelizadora

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 185


REFERÊNCIAS DAS EPÍGRAFES .................................................................................................. 194
APÊNDICES ...................................................................................................................................... 195
11

1. O preparo para a partida: rotas escolhidas, bagagens que levo

1.1 Navegar é (im) preciso1, escrever também: palavras iniciais

As placas indicavam o
contrário
A menina dobrou o mapa,
guardou a bússola, dispensou a
lógica,
a máxima, o sextante,
quebrou o molde,
rasgou o formulário,
seguiu adiante.
Preferiu se aventurar no
imaginário.
– Rotatória, Flora
Figueiredo2–

A escrita de uma Tese não é uma tarefa fácil. Ao mesmo tempo, dar forma aos
acontecimentos e entendimentos possibilitados pelo fazer de pesquisa é compromisso do
pesquisador, afinal pesquisa-se para, de alguma forma, contribuir com o desenvolvimento do
campo sobre o qual se analisa e isso, sem dúvida, exige a escrita como meio de comunicar o
que se fez, como se fez, por que se fez e quais as implicações do que se investiga, o que torna
a tarefa da escrita ainda mais inquietante: como comunicar tudo isso? De que forma? No livro
Para quem pesquisamos? Para quem escrevemos? O impasse dos intelectuais, Soares (2011)
nos convida a refletir sobre a seguinte questão: por que, em geral, a escrita é para o
pesquisador momento de sacrifício? A autora tece uma interessante analogia entre o autor-
pesquisador e o autor-artista: para o primeiro, o ato de escrever é uma obrigação. Escreve-se
para contar o que se aprendeu. Para o segundo, o ato da escrita é uma forma de se questionar
e de estar constantemente a aprender. Fico a pensar: para além do inegável e indispensável
desafio que a escrita de uma Tese apresenta, é possível inspirar-nos no ofício dos autores-
artistas para que esta seja uma tarefa que também traga leveza e deleite?

1
Em referência ao poema de Fernando Pessoa, faço um jogo com as palavras – navegar é necessário (preciso) e
também incerto (impreciso), assim como é também o ato de escrita.
2
As referências das epígrafes se encontram na página 194
12

Para assumir o compromisso de desenvolver um texto que apresentasse um


formato prazeroso, considerei eleger uma imagem que acompanhe de forma poética os
capítulos apresentados.

A primeira coisa que me vem à mente na idealização de um conto é, pois,


uma imagem que por uma razão qualquer apresenta-se a mim carregada de
significado, mesmo que eu não o saiba formular em termos discursivos ou
conceituais. A partir do momento em que a imagem adquire uma certa
nitidez em minha mente, ponho-me a desenvolvê-la numa história, ou
melhor, são as próprias imagens que desenvolvem suas potencialidades
implícitas, o conto que trazem dentro de si. Em torno de cada imagem
escondem-se outras, forma-se um campo de analogias, simetrias e
contraposições. (CALVINO, 1990, p. 104)

Como na descrição do processo criativo de Calvino, busquei uma imagem na qual


identificasse o processo da pesquisa e que fosse prenhe de sentidos, de modo ajudar a narrar o
que aprendi, compondo e organizando a escrita.
Do primeiro ano do Doutorado até meados do segundo, morei em São Joaquim da
Barra - SP, cidade que fica a cerca de 290 km de Campinas. Portanto, desde o início do curso,
as viagens semanais compuseram minha rotina. Recordo que, na entrevista do processo
seletivo, uma das principais perguntas da banca foi sobre como eu gerenciaria esse fator da
distância. Inocentemente, disse que não haveria o menor problema em viajar e passar a
semana em Campinas. Porém, logo no primeiro mês me aventurando estrada afora percebi
que não seria tão simples enfrentar essa rotina.
Quando viajamos vivenciamos situações, tais como: arrumar malas – O que
levar? O que deixar? Quanta coisa é preciso carregar conosco. Por outro lado, como é
importante escolher o essencial para que essa bagagem não fique tão pesada; escolher o lugar
de destino – aonde quero chegar? Quais paisagens ver, quais passeios pretendo fazer?;
planejar a rota de viagem – qual o melhor caminho? Quais conduções me levarão ao até lá?
É melhor planejar cada passo e cada roteiro ou deixar-me também conduzir pelos caminhos
trilhados?; embarcar e seguir pela estrada – admirar as paisagens, aproveitar as paradas,
conviver com o cansaço, suportar a ansiedade, lidar com os imprevistos; chegar ao novo
lugar – reconhecer a terra em que piso, pedir ajuda, acomodar-me, fazer novas amizades,
desbravar novos lugares; retornar para casa – momento de rememorar as experiências e
aprendizagens.
Em meio às intempéries que essa condição me impôs, pois nem sempre pude
participar de todas as atividades acadêmicas de que gostaria, além do cansaço e desconforto
13

de estar fora de casa, acabei percebendo que a cada semana de viagem voltava para casa
plena de novas e interessantes aprendizagens. Em agosto de 2015, embarquei para a
Austrália, em uma das viagens mais significativas da minha trajetória, para realizar um ano
de Doutorado Sanduíche na Monash University em Melbourne3, sob a orientação do
Professor Nikolai Veresov. Viajei acompanhada por meu marido que, também envolto pela
possibilidade que a viagem nos traz como experiência, decidiu se aventurar ao meu lado.
Mais que conhecimentos acadêmicos, o período na Austrália foi um marco em minha vida,
que tornou ainda mais nítida a escolha pela imagem poética do viajar para este trabalho.
Buscarei, por meio dos títulos e estilo de escrita, significados relacionados ao ato
de viajar que possam ajudar o leitor a acompanhar os caminhos que percorri. Considero,
portanto, que, para além de comunicar os saberes possibilitados por esta pesquisa, a escrita
deste texto será ela mesma um ato de aprendizagem, pois, à medida que eu escrever darei
sentido às experiências que tive e, assim, registrarei tanto as análises possíveis quanto – e
indissociavelmente relacionado a elas – as repercussões e transformações que esta
investigação provocou em mim. É preciso lembrar que quem vai para o campo de pesquisa
munido de certezas acaba por minar o processo investigativo, pois quem sabe a resposta de
antemão já não precisa de perguntas e muito menos de uma investigação para respondê-las:
“Hoje sabemos que a dúvida, a incerteza, a insegurança, a consciência de nosso ainda não
saber é que nos convida a investigar e, investigando, podemos aprender algo que antes não
sabíamos” (GARCIA, 2011, p. 20). O que eu não sabia e pude aprender com a Tese?
Identifico-me com esse lugar de incertezas e dúvidas. Penso que ocupá-lo foi fundamental
para a produção do material desta pesquisa, pois me colocou em constante movimento e em
busca de novos saberes e fazeres que pudessem me ajudar a desenvolver a investigação.
Saber da importância dos questionamentos para idealização e desenvolvimento de
uma pesquisa convida a outra postura: encontrar uma escrita que seja igualmente inquieta e
que possa, de algum modo, fugir dos padrões por vezes excessivamente formais e que não
raro apresentam-se como uma mera repetição de palavras já ditas por outros, deixando à
margem das citações e das normas as considerações do próprio autor. Ainda assim, partindo
do princípio de que somos seres constituídos nas e pelas relações sociais, precisamos das
ideias e dos escritos de pensadores que antecedem nossos textos e pesquisas. Como
justificam Prado e Soligo (2005, p. 49) ao se referirem aos autores nos quais se basearam

3
Aqui reforço meus agradecimentos à CAPES, pelo auxílio financeiro por meio do Programa de Doutorado
Sanduíche no Exterior (PDSE). Agradeço também à Monash University por ter me recebido como aluna
visitante.
14

para escrever, “(...) achamos por bem abusar das citações, que são a forma mais honesta de
dar o devido valor aos que disseram o que gostaríamos de ter dito de um modo melhor do que
poderíamos no momento”. Também eu “abusarei” de citações, não apenas por uma
convenção acadêmica, mas por reconhecer a necessidade de diversas vozes para que nelas eu
possa constituir a minha própria. Por isso, a partir da contribuição de outros, tentarei me
apropriar de uma escrita que possa trazer quem eu sou.
Quando comecei a escrever o projeto de pesquisa, em meados de 2014, minha
orientadora e eu esboçamos alguns tópicos teóricos que seriam interessantes para produzir o
projeto. Dentre eles, muitos temas que já havia discutido na Dissertação de Mestrado
(BARBOSA, F. 2013) e em outras produções. Por alguns instantes fiquei tentada a retomar
esses escritos e partir deles para a escrita do projeto, mas percebi que esta não seria uma boa
escolha. Senti que deveria me arriscar a um outro modo de escrever e de me expressar, para
não correr o risco de simplesmente repetir o que já disse, não encontrando novas reflexões.
Nessa ocasião, escrevi um pequeno texto em meu diário de anotações pessoais4:

(re) aprender a escrever (de um jeito outro) o que eu achava já estar


consolidado em meu pensamento. Questionar as frases já tão bem
ensaiadas. Demorar na leitura do que eu mesma escrevi. Buscar sentidos
que brincam de se esconder entre as palavras tão familiares. Abrir espaço
para perguntas. Renovar o que estava confortavelmente amarelo e mofado.
Suportar as dores das mudanças. Sentir com prazer o cheiro de fruta fresca,
colhida no pé, das novidades que se aconchegam em mim.
(13/06/14)

Ao iniciar a escrita da Tese, senti como se as palavras faltassem e a tela em


branco do computador se tornasse um elemento angustiante nas horas dedicadas à árdua
tarefa. Decidi começar, então, a leitura do livro Pedagogia Profana, de Jorge Larrosa (2000),
autor que, desde o Mestrado, a partir do texto Notas sobre a experiência e sobre o saber da
experiência (2002) me inspira a romper a escrita que se impõe e que emudece outras
possibilidades de estilo e de reflexões sobre o que vejo, sinto, vivencio. Ao deleitar-me em
suas palavras, senti-me movida a escrever. Os motivos desse encantamento pelo trabalho de
Larrosa talvez sejam por sua escrita ser inusitada e por ele conseguir romper com a

4
No decorrer do trabalho, referir-me-ei a dois tipos de diários: a) Diário de anotações pessoais: compilado de
narrativas que produzo de acordo com experiências marcantes do meu cotidiano, relacionadas ou não às
atividades profissionais; b) Diário de bordo: registros, impressões e reflexões pessoais escritas durante a
produção do material empírico da pesquisa e que me permitiram ter dimensão das dúvidas, dificuldades e
potencialidades que permeiam o processo da pesquisa (BOSI, 2003). As citações dessas fontes serão destacadas
em itálico.
15

“verborragia reiterativa da qual estamos rodeados” (LARROSA, 2000, p. 49) e o quanto me


convida a pensar, a partir do (difícil) exercício de não oferecer sentidos prontos e
prescritivos, abrindo meu olhar sobre o mundo – ou pelo menos sobre o pequeno (grande)
mundo que me dispus a compreender a partir do meu trabalho de Doutorado.
O livro ao qual me refiro é uma coletânea de textos do autor, nos quais ele discute
temas diversos do campo da Educação, em especial sobre os processos de formação humana.
Nele, ao contrário de um manual instrutivo, Larrosa desconstrói certezas arraigadas no
discurso pedagógico dominante, inspirando-nos a ler, pensar e aprender de outras maneiras,
talvez mais indisciplinadas, inseguras e impróprias – para citar algumas de suas palavras. Em
meio a uma rotina cansativa de doutoranda que viajava semanalmente para desenvolver as
atividades acadêmicas, essa leitura me fortaleceu de um modo leve e ácido, confortante e
provocativo, na medida do que eu precisava para aquele momento.
Larrosa (2000) se refere à importância do silêncio para o ato da escrita, não de
um silêncio imposto pelo medo de se expressar, tampouco daquele causado pela falta do que
dizer, mas aquele que se faz necessário diante da dimensão do vivido: “Uma escrita
silenciosa produz uma atenção concentrada e algo assim como um estar voltado para si
mesmo. Mas tem também outra qualidade não menos importante: fazer com que o mundo
apareça aberto” (LARROSA, 2000, p.49).
Já tenho trabalhado com Psicologia Escolar e Educacional há algum tempo. É
esse o campo que escolhi como psicóloga-pesquisadora. Entretanto, o encontro com as
participantes5 que compuseram o grupo de produção do material empírico6 desta pesquisa me
convidou a silenciar alguns entendimentos já cristalizados sobre a Psicologia Escolar e
Educacional. Inicialmente, o convite foi feito para psicólogos que atuam com demandas
educacionais. Porém, fui surpreendida pela diversidade de contextos em que estes
profissionais atuam: clínica particular, escola particular, Secretaria de Educação, Unidade
Básica de Saúde, Centro de Referência em Assistência Social e também pelo interesse de
profissionais de outras áreas pelo grupo – dois professores da Educação Básica e uma
fonoaudióloga.
A disponibilidade de estarem ali semanalmente para conversar sobre algo em
comum – o trabalho com demandas educacionais – me fez pensar: o que é a Psicologia

5
Escolho usar o termo no gênero feminino, em respeito à maioria de mulheres participantes do grupo.
6
O termo “material empírico” foi uma sugestão da Profª Drª Maria Silvia Pinto de Moura Librandi da Rocha, da
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, durante a defesa de mestrado de Raul Cabral França (2017).
Comumente os pesquisadores usam o termo “dados de pesquisa”, que remete a algo já existente, que apenas
vamos a campo para obter, enquanto “material empírico” refere-se a algo que foi produzido naquele campo.
16

Escolar e Educacional? Quem são os psicólogos escolares na conjuntura atual? Qual a


importância do trabalho multidisciplinar no atendimento às demandas educacionais? Silenciar
alguns dos meus entendimentos no decorrer dos oito encontros para exercitar a escuta do que
esse grupo poderia me contar já foi um bom começo:

Porque, às vezes, nos livros, ou nos filmes ou, até mesmo, na paisagem, há
tantos bordões que nada está aberto. Nenhuma possibilidade de experiência.
Tudo aparece de tal modo que está despojado de mistério, despojado de
realidade, despojado de vida. No entanto, há às vezes em que um livro, ou
um filme, ou uma música nos faz olhar pela janela e, aí, na paisagem, tudo
parece novo; ou nos faz pensar em alguém e, de repente, sentimos mais
nitidamente sua presença; ou simplesmente faz nos determos um momento e
nos sentimos, a nós mesmos, de uma forma particularmente intensa.
(LARROSA, 2000, p. 49)

Quando comecei o planejamento para o primeiro encontro, antes mesmo de


conhecer as participantes, escrevi um relato dizendo me sentir como uma equilibrista na
corda bamba: a equilibrista tem segurança do que faz, sabe o que quer e aonde quer chegar.
Ao mesmo tempo, está vulnerável ao que pode acontecer no caminho que atravessa. Após o
início do grupo, senti que meu lugar seria outro. A equilibrista está sozinha na tarefa, que
exige precisão para ser cumprida sem nenhum acidente. Não foi assim que me senti no grupo.
O texto Pesquisa Narrativa em três dimensões (PRADO, SOLIGO & SIMAS, 2014),
discutido em uma das reuniões do Seminário do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
(GEPEC)7 ofereceu-me a imagem da produção do material empírico como “estar à deriva”
durante o percurso, escolhendo alguns direcionamentos para a navegação, mas também se
abrindo ao novo e ao surpreendente. Movida por esse texto, escrevi, posteriormente, em meu
diário de bordo que, como propositora da pesquisa, sentia-me como alguém que navega em
um barco que tem direcionamentos, mas que, de certa forma, também se encontra à deriva
dos acontecimentos:

Aos poucos, no decorrer dos primeiros encontros, percebi que o controle e


o medo de estar na corda bamba não vão ao encontro do lugar que
almejo, que quero construir. Sei que algumas vezes me coloco nesse lugar,
mas, quando me imagino em um barco à deriva, sinto-me mais livre e
potente para remar para lugares desconhecidos, porém ciente dos rumos
que escolho. Não sei o exato destino da viagem, quero me surpreender no
caminho, deixar o vento conduzir, ajustar a rota quando precisar e
compreender que nesse barco não me encontro só, outros remam comigo

7
O Seminário do GEPEC é uma atividade da pós-graduação, na qual os professores do grupo e seus respectivos
orientandos se reúnem quinzenalmente para discutir aspectos diversos dos trabalhos em andamento.
17

e compõem essa viagem que está apenas no início. Aqui começo a


entender de modo mais profundo que a construção deste grupo como um
espaço formativo está muito mais no manejo das discussões, com
colocações que me ajudem a compreender o processo de reflexividade
deles no grupo e que também revele, inevitavelmente, o lugar de onde eu
falo (psicóloga, que estuda a Psicologia Escolar em uma perspectiva
crítica e a Teoria Histórico-Cultural), do que em um suposto saber que eu
tenha que simplesmente transmitir. É esta postura colaborativa-
horizontal-mediada que me deixa confortável para seguir adiante na
viagem.
(Diário de Bordo, 14/10/14)

Ao longo deste trabalho, é importante compreender a Psicologia Escolar e


Educacional a partir das participantes de pesquisa. O que contam sobre o trabalho do com
demandas educacionais? Que sentidos são possíveis? Que práticas são desenvolvidas? Quais
entendimentos surgiram ao longo de nossas conversas?
Os objetivos iniciais da proposta formativa e da pesquisa foram modificados a
partir do encontro com o grupo. O trabalho não envolveu apenas o desenvolvimento
profissional de psicólogas. Por ser um grupo heterogêneo, a formação foi proporcionada para
todas, indicando que o desenvolvimento profissional do psicólogo não pode se dar somente
entre seus pares, mas também entre os diversos profissionais que o acompanham no trabalho
com demandas educacionais. Por outro lado, o grupo foi coordenado por mim, psicóloga do
campo educacional, o que, sem dúvida, guiou as temáticas e discussões tecidas ao longo dos
encontros.
A Teoria Histórico-Cultural (THC) compôs, desde o início, as lentes através das
quais olhei para a elaboração e condução do grupo e para as análises do material. No Exame
de Qualificação, em julho de 2015, a banca sugeriu que eu não precisava de uma coletânea de
conceitos da THC na Tese, mas escolher conceitos-chave, de acordo com meus objetivos, que
ajudassem a analisar o material produzido no grupo. Logo no início do estágio de Doutorado
Sanduíche, depois de explicar minha pesquisa ao Professor Nikolai, a primeira tarefa foi
discutirmos os conceitos-chave da THC que ajudariam a revelar8 o material empírico. Com a
ajuda dele, entendi que minha pesquisa é sobre desenvolvimento no sentido vigotskiano, pois
procuro entender a origem e o processo de mudanças qualitativas a partir de um dado
contexto social. Além disso, o grupo colaborativo não foi um mero elemento, mas foi a
própria fonte de desenvolvimento e, ainda, a fonte não foi a mera reunião de pessoas em um

8
O verbo em inglês utilizado aqui é to disclose, que em meu entendimento vai além da tradução aproximada de
“revelar”, seria abrir algo, para deixar sair o que está dentro. Assim também o fazemos com o material empírico,
usamos os conceitos como ferramentas para abri-los.
18

grupo, mas as interações sociais que se constituíram por meio dos encontros e das atividades
propostas.
Os primeiros textos que discuti em supervisão com o Professor Nikolai foram um
artigo e um capítulo de livro9 de sua autoria que oferecem um panorama geral sobre os
principais fundamentos da THC. A partir deles, percebi que o processo de desenvolvimento
humano é muito amplo e que, por isso, em uma investigação há que se escolher quais
aspectos desse processo queremos estudar e quais conceitos nos ajudam a analisar o material
de pesquisa. Como a intenção foi compreender o papel do grupo no desenvolvimento
individual das participantes, a tarefa central consistiu em analisar o processo de
internalização das relações sociais, como força que move o processo de desenvolvimento
considerando que não são quaisquer relações sociais e quaisquer condições de mediação que
resultam em aprendizagem e desenvolvimento, mas apenas aquelas interações desafiadoras e
intensas.
Os aspectos bem como os conceitos referentes a eles e a articulação com as
análises serão explorados ao longo da Tese, o mais importante para este momento é partir
dessa elaboração inicial para delinear os objetivos de pesquisa:

O tema da Tese é desenvolvimento profissional, com o objetivo principal de analisar o


grupo colaborativo como fonte de desenvolvimento para profissionais que trabalham com
demandas educacionais.

Discutirei, portanto, ao longo da minha escrita, sobre possibilidades de


desenvolvimento profissional a partir de espaço colaborativo de conversa e reflexão sobre a
prática profissional. Um espaço constituído por pessoas interessadas em dialogar sobre
questões diversas relacionadas à Educação, Psicologia, processos de ensino e de
desenvolvimento, trabalho com demandas educacionais e outras tantas temáticas que, ao
longo dos nossos encontros, fizeram-se importantes para nós.
Portanto, defendo a Tese do grupo como fonte de desenvolvimento para
profissionais que trabalham com demandas educacionais – as relações sociais como fonte de
desenvolvimento já eram um princípio antes mesmo de produzir o material empírico e,
consequentemente, as minhas ações em cada proposta na produção do material empírico
foram baseadas neste princípio. Porém, não havia garantias de como o grupo aconteceria:

9
Veresov (2010; 2014).
19

minha intenção era, portanto, olhar para as singularidades deste processo, para encontrar
indícios de mudanças por meio da proposta realizada.
Retomando a pergunta do título do livro Para quem pesquisamos? Para quem
escrevemos? de Soares (2011): pesquiso e escrevo esta Tese para todos os profissionais que
lidam em suas práticas cotidianas com questões educacionais diversas, a partir das
interlocuções entre Psicologia e Educação e que queriam conhecer possibilidades de
desenvolvimento profissional a partir de uma proposta colaborativa. Pesquiso e escrevo
também sobre esse tema pelo encantamento que me provoca há tanto tempo, a partir do início
da minha graduação em Psicologia, que me apresentou um amplo horizonte de espaços em
que o psicólogo poderia atuar, dentre eles, a escola. Essa história merece lugar especial no
texto, por isso, considerando que as dimensões profissional e pessoal são indissociáveis
(ARAGÃO, 2010), apresento a seguir meu Memorial de Formação, destacando bagagens que
levo comigo e que compõem quem sou e como a pesquisa se constitui em mim.
20

1.2. Sobre memórias: minhas bagagens


IMAGEM 1 - Ilustração de Angel Bolígan

Cada um tem que fazer um trabalho sobre si


mesmo até encontrar aquilo que o define e o
distingue. E ninguém se conhece sem partir. Sim,
parte, divide-te em partes. Sem viagem não há
conhecimento. E sempre que se bifurquem os
caminhos a sua frente, segue por aquele que tiver
sido menos percorrido. É isso que marcará tua
diferença como investigador. Sem coragem não há
conhecimento.
– Carta a um jovem investigador, António Nóvoa –

A produção do Memorial de Formação talvez seja uma das etapas mais delicadas
da pesquisa. Pensar sobre si, rememorar a própria trajetória, olhar para os caminhos
construídos e compreender, a partir deles, os lugares ocupados no momento presente. Um
exercício cronológico? Não. O movimento que rege a teia dos acontecimentos rompe com a
mera descrição dos fatos. O Memorial de Formação deve identificar acontecimentos
considerados importantes para o pesquisador, analisando o contexto que constitui as
memórias individuais, os sentimentos e pensamentos suscitados a partir do que se narra
(PRADO & SOLIGO, 2005), destacando inclusive as tensões e contradições que emergem ao
analisarmos os fatos passados (SOARES, 2001). É um tempo outro, guiado pela fluidez das
lembranças, que busca elementos findos que possam, no presente, evidenciar contradições,
produzir questionamentos e dar sentido ao que se viveu e ao que se é.
Em meio a essa tarefa, por várias vezes me coloquei à frente do computador para
tentar rememorar as histórias que gostaria de registrar e acabei não conseguindo.
Curiosamente, aos poucos e eventualmente em situações de descanso ou mesmo nas horas em
silêncio durante as viagens para Campinas, lapsos e episódios da minha história foram
surgindo e as palavras para compor essa narrativa foram tomando forma. No segundo
21

semestre de 2014, cursei a disciplina Arte, Psicologia e Conhecimento, conduzida pela


Professora Ana Angélica Albano. No decorrer das aulas, tivemos a arte como temática
central, como uma dimensão que permite o exercício de um olhar sensível diante do que
observamos como pesquisadores. A proposta avaliativa da disciplina foi a escrita do
Memorial de Formação, atividade sobremaneira formativa para mim – para além de um
caráter meramente burocrático, esse exercício reafirmou que a pesquisa acadêmica é
indissociável da dimensão pessoal. O texto que apresento a seguir teve início, portanto, na
atividade avaliativa que produzi na referida disciplina e foi melhor desenvolvido ao longo da
escrita da Tese.
E para quem contamos nossas histórias? Prado e Soligo (2005) ressaltam que
narrar pressupõe necessariamente a presença de um outro, que vai ler e se apropriar de algum
modo da nossa narrativa. No desenvolvimento de uma pesquisa, contamos nossa trajetória de
formação por apostar que a particularidade desta narrativa pode trazer também algo com o
qual outras pessoas possam se identificar:

Ao recordar, passamos a refletir sobre como compreendemos nossa própria


história e a dos que nos cercam, vamos nos inscrevendo numa história que
não está mais distante e, sim, impregnada das memórias que nos tomam e da
qual muitos outros fazem parte. (PRADO & SOLIGO, 2005, p.56)

O Memorial é o primeiro lugar da Tese em que fazemos o uso da primeira pessoa


do singular de modo enfático, não como categoria narcísica, mas como afirmação do caráter
autoral da pesquisa, tendo como direcionadores os princípios da indissociação entre
pessoal/profissional, teoria/prática (ARAGÃO, 2010; 201710). Por isso, os eventos escolhidos
para o Memorial devem comunicar algo a outros, partindo de uma experiência individual
para uma experiência que merece ser partilhada (SOARES, 2001).
Compreendo memória a partir da perspectiva vigotskiana11 que a considera uma
função psicológica superior, cuja gênese se encontra nas relações sociais. Aquilo de que me
recordo é fruto de vivências que me foram significativas e que tiveram origem no plano das
relações sociais, que por sua vez se inserem e são constituídas por um contexto histórico e

10
Em apresentação no Concurso para Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas.
11
Uma discussão mais elaborada sobre os conceitos de L. S. Vigotski será realizada no capítulo teórico. Por ora,
considero importante apenas definir o entendimento de memória a partir dessa perspectiva para a composição do
Memorial de Formação.
22

cultural mais amplo. Vigotski12 (1925/2001) considera a dimensão individual e a social como
uma unidade dialética, de modo que o social está presente mesmo quando tomamos um
sujeito apenas. Interações sociais emocional e cognitivamente intensas, que provocam
tensões e questionamentos, impulsionam o desenvolvimento de funções psíquicas
individuais, dentre elas a memória (VERESOV, 2015).
Há uma relação dialética entre a memória coletiva e a memória individual
(POLLAK, 1989/3). Por isso, um memorial formativo não é uma compilação de fatos, mas
uma interpretação, na qual seleciono fatos do passado em função de seus efeitos no presente,
buscando indícios das condições concretas e ideológicas que constituíram os acontecimentos
que relato: o que eu pensava naquela época? Por que pensava assim? Qual era o contexto
social? Quais mudanças enxergo? Que implicações isso tem hoje? Não é simplesmente
buscar conhecer o que se passou, mas pensar o que se passou, elevar a experiência a uma
compreensão mais complexa sobre ela mesma (SOARES, 2001).
Recordar as vivências idas... Que fios tecem a memória? Longe de serem fios
empoeirados e gastos pelo tempo, essa tessitura é viva, pois lembrar as experiências é um
processo que acontece no presente, conduzindo a difícil e bonita tarefa de compreender as
escolhas e trilhar caminhos futuros. Difícil e bonita? Sim. Ao olhar para o que passou me dou
conta das dores, dos desencontros, das perdas. E também percebo o belo que encontrei e que
construí na trajetória rememorada.
A imagem apresentada neste tópico ilustra um viajante partindo com suas
bagagens para outros destinos, com sua sombra ligada às origens e caminhos trilhados. Na
epígrafe, Nóvoa (2014) pontua que precisamos partir em viagem para nos conhecer,
desbravar novos caminhos, vivenciar as tensões e colisões de cada escolha para encontrar
aquilo que nos define. Trago aqui a metáfora da Travessia para compor as memórias
apresentadas. Por definição13, travessia é o “ato ou efeito de atravessar uma região, um
continente, um mar” ou ainda “longo trecho de caminho desabitado”. Em uma definição
poética, apresento um trecho da música Travessia, de Milton Nascimento e Fernando Brant:

Hoje eu tenho que chorar


Minha casa não é minha e nem é meu este lugar
Estou só e não resisto, muito tenho pra falar
Solto a voz nas estradas, já não quero parar

12
Existem diversas grafias para o nome do autor: Vigotski, Vygotky, Vigotskii, dentre outras (PRESTES,
2010), escolho padronizar no texto a grafia “Vigotski”, que mais se aproxima da língua portuguesa, ainda
quando a citação decorre de textos em inglês, cujo padrão é “Vygotsky”.
13
Dicionário Michaelis Online – http://michaelis.uol.com.br
23

Meu caminho é de pedra, como posso sonhar

Atravessar é ter coragem de se aventurar ao desconhecido, é se inquietar e


almejar a transformação, o que não se faz sem tensões e contradições. Escrevo o Memorial
por Travessias, destacando as memórias individuais constituídas a partir da dimensão social
de memórias coletivas e buscando na trama dramática14 de cada uma delas as mudanças que
me fizeram ser que sou hoje e que me levaram a escrever essa Tese tendo como tema o
processo de desenvolvimento profissional. Considerando que o presente é a fonte para
compreendermos nosso passado e as escolhas que nos fizeram ser quem hoje somos, inicio
esse Memorial às avessas, com perguntas atuais: Quem sou eu? Por que estudar
“desenvolvimento profissional”? Quais as travessias até a Tese que hoje escrevo? Quais
crises identifico? Quais mudanças encontro?

Travessias do presente: quem sou eu?

No texto Carta a um jovem investigador em Educação, Nóvoa (2014) confessa


que ingressou no campo da Educação por acaso, mas que, desde então, vem se questionando
e buscando respostas que o ajudam a ocupar esse lugar, constituindo sua identidade
profissional. Também eu já afirmo logo de início que não sei ao certo por que vim parar onde
estou hoje – no campo da Psicologia e da Educação – mas durante essa trajetória tive
momentos cruciais de reflexão sobre minhas escolhas e sobre o que foi possível fazer com as
oportunidades que tive. Por isso, começo essa narrativa com um acontecimento recente, que
me ajudou a olhar para mim mesma e entender um pouco mais quem sou e os motivos pelos
quais escolhi esse caminho profissional, dentre tantos.
A viajem para a Austrália me transformou profundamente, foi minha primeira
experiência internacional e hoje penso em quão corajosa fui ao encarar, não apenas uma
viagem para outro país do outro lado do globo, mas também ao partir de mudança para lá
morar por um ano, estudando parte do Doutorado. A parceria de meu marido foi fundamental
para que essa vivência fosse mais prazerosa e/porque partilhada com alguém que tem sido
meu companheiro há tantos anos. Ainda assim, estar em um lugar diferente, com costumes
diferentes, falando um segundo idioma não deixou de ser desafiador e difícil para nós dois.
Os sentimentos de euforia e encantamento diante das novidades e de desbravar uma cidade

14
A palavra drama é usada, aqui, em referência ao conceito vigotskiano, a ser desenvolvido no capítulo teórico,
segundo o qual somente aquelas interações sociais ‘dramáticas’ – emocionalmente intensas, nas quais o
indivíduo tem uma participação ativa – são internalizadas e levam a uma mudança psíquica (VERESOV, 2015).
24

tão bonita e culturalmente rica como Melbourne se mesclava com a dificuldade em lidar com
questões simples do cotidiano, como pedir uma informação (e entender a resposta), encontrar
um item no supermercado sem saber ao certo se era aquilo mesmo que estávamos
procurando, entender do início ao fim uma reunião de trabalho ou uma discussão teórica na
faculdade e, no caso de dúvidas (e eram muitas), ter coragem de perguntar sem antes se
questionar muitas vezes sobre como expressar o pensamento em um outro idioma, ao ponto
de por vezes desistir e torcer para que um outro colega fizesse a pergunta.
Ao retomar algumas anotações pessoais feitas no período, percebo que, junto com
a sensação de me sentir estrangeira e das crises decorrentes dessa vivência encontrei também
pessoas que se solidarizaram e me acolheram, em interações que me fizeram perceber que os
relacionamentos humanos podem ser significativos mesmo em um contexto de grandes
diferenças culturais.
Aqui destaco o fato de a Austrália ser, em geral, um país aberto a diferentes
nacionalidades, Melbourne, em especial, é uma cidade cosmopolita, de modo que andando
nas ruas e principalmente no espaço da universidade encontrava pessoas falando diversos
idiomas, usando trajes típicos de seus países de origem, com feições e costumes vários.
Apesar de ser estrangeira, eu não estava só, senti-me identificada e acolhida por colegas na
mesma condição. Em minha primeira orientação com o Professor Nikolai, fui recebida com
um abraço e em seguida ele disse: “As Brazilians do” (Como fazem os brasileiros), em um
gesto de gentileza e acolhida à minha cultura, que jamais esquecerei. Ao começarmos nossa
primeira supervisão, desculpei-me pela dificuldade em colocar minhas ideias em inglês e ele,
de origem russa, tendo também o inglês como segundo idioma, disse me compreender quanto
a isso. Além dos australianos, tive colegas da Nova Zelândia, Bangladesh, Paquistão,
Indonésia, Brunei, Coréia do Sul, Vietnã, China, Japão, Arábia Saudita, México. Vejamos o
que meu relato pessoal revela sobre algumas lições aprendidas por meio dessa vivência:

A convivência com o diferente em terras estrangeiras, potencializada por


estar na Austrália, país tão multicultural, não tem sido para mim um mero
fator a que devo me adaptar ao longo desse ano fora do meu país, mas tem
sido por si só fonte de desenvolvimento para mim. Encontrar diariamente o
que me causa certa estranheza e me dar conta de que aquilo que me é
familiar é só uma parte ínfima do que constitui esse mundo tem me
proporcionado um novo encontro comigo mesma e com o outro. Tenho
percebido a alegria e nobreza que existem em escutar, em contemplar e
estar aberta ao diálogo. E que não preciso ser afiada na resposta ou afoita
em impor meus ‘achismos’. Um olhar, um sorriso e uma palavra de
gentileza me apresentam mais ao outro do que meia dúzia de palavras
gastas sobre as verdades que acho ter. (Diário de anotações pessoais,
2015)
25

Enquanto escrevia essa reflexão, recordo-me que pensava no período de crise


política e das relações sociais pelas quais o Brasil passava e ainda passa, enquanto escrevo a
Tese. As eleições presidenciais de 2014, marcadas pela revolta e descontentamento
provocados pelos escândalos emergentes de corrupção política, aliadas a um movimento
conservador de extrema direita, descontente com os avanços no campo social, provocaram
uma intensa polarização de opiniões políticas nas redes sociais e nos relacionamentos entre as
pessoas, gerando discussões por vezes infundadas, suprimindo o diálogo com quem pensa
diferente, dando lugar a meras ofensas pautadas em informações parciais e acríticas.
Encontrar-me com pessoas tão distintas de mim, por vezes até no modo de vestir – tive
colegas de religião muçulmana, que usavam trajes que mostravam apenas as mãos e o rosto,
por exemplo – me fez refletir sobre como tenho aceitado o diferente e que há uma
diversidade cultural no mundo para muito além dos valores e costumes locais que me
constituem. Percebi, ainda, que a comunicação vai além dos signos produzidos pela
linguagem oral – gestos, olhares, silêncios e uma escuta cuidadosa ao que o outro me conta
também indicam solidariedade e me aproximam daquilo que é diferente de mim, fazendo-me
perceber, respeitar e aprender com o outro.
A intensidade, o estranhamento e a novidade das tantas situações desafiadoras
que vivenciei nas terras de lá faziam com que eu me questionasse com mais frequência sobre
meus saberes e escolhas. Além dos encontros com o grupo de pesquisa para discussão de
conceitos teóricos e das pesquisas desenvolvidas pelos colegas, eu tinha também encontros
individuais e periódicos com Professor Nikolai. No início do estágio, fizemos um plano de
trabalho, cujo principal objetivo era discutir minha pesquisa, encontrando conceitos-chave da
Teoria Histórico-Cultural (THC) para análise do material, para que, assim, pudéssemos
aprofundar no estudo destes conceitos ao longo da minha estadia, elegendo manuscritos do
próprio Vigotski e artigos relacionados que ajudassem nesse debate. Os encontros com
Professor Nikolai eram de uma profundidade teórica tal que por vezes eu passava o dia
seguinte tentando elaborar o que aprendi, escrevendo e sintetizando as reflexões por ele
provocadas.
Em um desses encontros, um dos mais marcantes para mim, que aconteceu em
meados do meu estágio, escolhemos estudar um texto de Vigotski conhecido no Brasil como
Manuscrito de 1929, cujo título em inglês é Concrete Human Psychology (Psicologia
Concreta do Humano). Este é um dos escritos mais curiosos de Vigotski a que tive acesso,
pois não é um texto pronto, com introdução, desenvolvimento e conclusão, mas um rascunho
de ideias e anotações, como se por meio de cada tópico pudéssemos ter acesso ao processo
26

criativo de Vigotski na elaboração de ideias fundamentais da THC. A leitura desse


manuscrito me suscitou uma pergunta básica: por que a teoria é denominada Teoria
Histórico-Cultural? Por que “histórico”? Por que “cultural”?
Professor Nikolai me relembrou, nesse encontro, que Vigotski passou a maior
parte de sua produção científica doente, a tuberculose era sempre um peso a lembrá-lo que
ele teria pouco tempo de vida. Por isso, ele tinha urgência em encontrar o cerne explicativo
para sua pergunta principal: como se dá o processo de desenvolvimento psíquico do ser
humano? O Professor acrescentou que a elaboração da THC como a compreendemos hoje se
deu na última fase produtiva de Vigotski e que o Manuscrito de 1929 apresenta um
importante início de transição de uma fase em que ele considerava os signos e ferramentas
ainda dentro do paradigma comportamental de “estímulo-resposta”, para outro em que as
relações sociais são fonte de desenvolvimento psíquico, em um paradigma histórico-cultural.
Nesse momento, Vigotski estava muito doente e estava vivendo, portanto, uma crise
particular, ao mesmo tempo em que vivia a “crise da Psicologia” de sua época, analisada no
manuscrito O significado histórico da crise na Psicologia, de 1927, momento em que essa
ciência, diante da multiplicidade de abordagens sobre os fenômenos psicológicos, não
conseguia encontrar princípios que de fato explicassem as questões humanas, para além de
uma descrição abstrata ou simplista.
Vigotski, portanto, expõe de forma humana e honesta a sua crise neste
manuscrito, questiona-se sobre o que é o desenvolvimento humano e encontra na cultura, nas
relações sociais e nos processos históricos a chave para dar algumas respostas. Ao final desse
encontro, depois de discutirmos conceitos centrais desse manuscrito, Professor Nikolai
apresentou uma reflexão que me fez entender profundamente o porquê de eu ter escolhido a
Teoria Histórico-Cultural, dentre tantas, para subsidiar, não apenas as análises da Tese, mas
quem eu sou como pessoa15:

Vigotski veio da arte para a psicologia. Ele estava tentando entender o


sentido mais profundo do ser humano, este era o ponto principal para ele.
Então, se eu sou uma pessoa que está sempre buscando formas melhores de
viver e de me relacionar com os outros, esta é a teoria certa para mim.
Para ser um bom pesquisador da THC, primeiro eu preciso estar disponível
para ser uma pessoa melhor e então eu vou perceber que esta é a teoria
certa para mim. A THC é para pessoas que questionam elas mesmas e o
mundo: “Eu sou uma boa pessoa? Eu gosto do jeito como sou? Como posso
ser melhor?”. Se o maior postulado dessa teoria é que nos tornamos

15
Apresento a fala do Professor Nikolai traduzida para o português, a partir das minhas anotações pessoais.
27

humanos a partir das relações sociais e, portanto, nossa mente é formada


por signos e ferramentas, então devemos usar e criar ferramentas para nos
tornamos melhores como seres humanos. Devemos selecionar o que vemos,
o que ouvimos, com quem nos relacionamentos, os lugares que
frequentamos... Por isso que Vigotski veio da arte para a psicologia, porque
a arte pode nos ajudar a nos tornarmos seres humanos melhores. Mas a
pergunta é: eu quero mudar? E se sim, que tipo de ferramentas culturais
estou selecionando diariamente? Eu reflito sobre minhas ações e as
questiono? O que pode ser diferente?
(Prof. Nikolai Veresov, 01/03/2016)

Ao reler meu diário de anotações pessoais, consigo perceber uma pessoa inquieta,
que expõe momentos de crise, que se questiona sobre o porquê ter escolhido ser psicóloga, ter
escolhido a carreira acadêmica no campo educacional, ter escolhido a THC... precisei me
deslocar para tão longe para encontrar indícios de resposta para essas questões – Escolhi esse
caminho e não outro porque eu sou (me tornei) isso: drama, intensidade, profundidade... vivo
em um constante repensar sobre mim mesma e sobre minha relação com o mundo que me
cerca. Defendo o drama como princípio explicativo do desenvolvimento humano por ter a
audácia de abrir as portas de cada vivência para crises, angústias, sensibilidade, reflexões.
Quem sou? Sou/estou a me formar psicóloga/pesquisadora/docente no campo do
desenvolvimento humano. Estudo os processos de desenvolvimento em uma perspectiva
histórico-cultural. Nesta Tese, investigo o processo de desenvolvimento profissional de
pessoas que trabalham com demandas educacionais analisando o grupo como fonte de
desenvolvimento. No penúltimo encontro de trabalho com Professor Nikolai, discutimos os
encaminhamentos finais de um artigo que escrevemos juntos, em parceria com minha
orientadora, com as análises parciais da minha Tese16. O Professor disse que meu trabalho é
interessante por considerar o desenvolvimento profissional não como apenas o processo de
desenvolver habilidades e conhecimentos profissionais, mas como um processo de
desenvolvimento humano, envolvendo a dimensão pessoal, uma vez que as atividades
propostas no grupo possibilitaram às participantes expressarem seus entendimentos sobre o
que vivenciaram. Disse a ele que tenho noção de que o grupo que desenvolvi foi apenas um
momento na vida daquelas pessoas, provavelmente não o mais importante e que minha Tese é
uma humilde contribuição nesse campo. Ele então me respondeu:

Você está dando apenas os primeiros passos. É pequeno? Sim, é pequeno.


Humilde? Sim, é humilde. Mas é um começo e a semente vai crescer. Se
você olhar para as árvores, todas elas começam de uma pequena semente.

16
O artigo foi publicado em 2016, pela revista Outlines: critical practice studies. Acesso pelo link:
http://ojs.statsbiblioteket.dk/index.php/outlines/article/view/24207
28

Se não há uma semente, não haverá uma árvore. Se você olhar para você e
para mim, nós todos fomos uma pequena célula um dia. Uma pequena
célula. E agora é você, sou eu. Tudo começa de coisas muito pequenas e
simples. Mas que desenvolvem e dão resultados. Lembre-se do primeiro
passo que deu quando era criança, foi um passo muito pequeno e humilde e
você caiu, mas agora você anda usando suas próprias pernas e isso
começou com um esforço pequeno para dar um passo e ficar de pé e você
conseguiu. Tudo vai se desenvolver e então você fará mais e mais. É um
começo, mas é um começo muito bom, no futuro, você verá.
(Prof. Nikolai Veresov, 16/06/2016)

Olhar para essas memórias recentes me faz perceber uma travessia em pleno
curso, que me levará por ora a concluir uma das jornadas mais importantes do meu percurso
profissional – tornar-me Doutora em Educação, que nada será do que mais um passo diante
de tantos que darei daqui em diante. Com um pouco mais de clareza sobre o presente,
pergunto: e os passos anteriores a esse que me fizeram chegar até aqui?
Durante o período na Austrália, tive o privilégio de conhecer a cidade de Sydney,
um dos cartões postais mais famosos do mundo. Ao visitar o museu de arte contemporânea
da cidade, uma obra me chamou atenção: Suitcase Museum (2015) da artista indiana
Dayanita Singh:

IMAGEM 2: Suitcase Museum, Dayanita Singh17 (Fotografia do meu acervo pessoal)

17
Dayanita Singh [1961] - Nova Deli, Índia
29

A obra é composta por fotografias da artista expostas nas paredes e ao centro


algumas malas abertas e outras fechadas, com livros contendo outros trabalhos da artista. Ao
ver essa obra pensei imediatamente na metáfora da viagem como a composição de nossas
vidas. O que somos ora fica exposto, ora fica guardado em nossas lembranças. Que outras
bagagens eu levo?

Travessias de infância e juventude: indícios de um olhar sensível de pesquisadora

Mineira, nascida em Belo Horizonte, criada desde pequena em Araguari, no


Triângulo Mineiro, interior do estado, só fui me dar conta da minha mineirice nos últimos
tempos em que eu, agora menina crescida, resolvi me aventurar pelas bandas do estado de
São Paulo. Vivendo em outras terras, pude perceber com mais clareza meu sotaque, além de
conhecer novas pessoas, novos jeitos de ser e de pensar. Pude, enfim, me dar conta das
minhas raízes e me orgulhar das origens singelas da minha família.
Apesar de uma vida sempre urbana, o contato com a roça onde meus avós
maternos moraram sempre se fez presença marcante: os passeios no mato, as brincadeiras
inventadas com as primas, a comida no fogão à lenha, a família reunida na cozinha para
almoçar e para ouvir, de quebra, as longas e instigantes histórias do meu avô, a rotina simples
que fazia o dia durar mais. Algumas dessas vivências bucólicas me remetem a memórias de
uma menina Fabiana curiosa, que adorava conhecer o mundo ao redor. Inspirada também
pela paixão do meu pai pela natureza, recordo-me de que gostava de aprender os nomes dos
animais e plantas do cerrado, de procurar joaninhas no jardim, de tentar achar pedras
preciosas na beira do rio e de passar horas a fio olhando as estrelas, em busca de algum
fenômeno surpreendente, como um cometa ou uma estrela cadente.
A curiosidade pelo mundo era despertada também pelo cuidado dos meus pais
com nossa educação. A família do meu pai tinha condições financeiras melhores e ele teve a
chance de estudar e se formar em Administração e fazer um intercâmbio de um ano nos
Estados Unidos, quando era adolescente. Minha mãe não teve as mesmas oportunidades,
interrompendo os estudos no Ensino Fundamental, chegando a concluí-los anos mais tarde,
quando minha irmã e eu estávamos na faculdade. Talvez pela presença marcante da
escolarização de formas diversas na vida dos meus pais, desde cedo aprendi com eles que a
educação escolar deve ter espaço privilegiado na vida. Quando criança já percebia o esforço
dos dois para colocar minha irmã e eu em boas escolas, para ter livros sempre presentes nas
30

estantes da nossa casa, especialmente uma coleção de enciclopédias, que meu pai conta com
todo orgulho ter comprado pouco antes de eu nascer e que, como uma espécie de brincadeira,
eu gostava de folhear cuidadosamente, deixando-me encantar pelas imagens e palavras tão
novas, em uma época ainda distante das pesquisas na internet. Lembro-me de tentar, certa
vez, construir uma câmera fotográfica com uma caixa de papelão, ao ler sobre os primeiros
registros de imagens feitos no experimento da câmara escura.
Minha mãe relata que quando mudamos de Belo Horizonte para Araguari, um dos
meus primeiros pedidos que fiz foi para que ela me colocasse na escola, eu tinha três anos de
idade na época. Recordo-me da escola onde estudei quase todo o Ensino Fundamental (das
antigas 1ª à 7ª série) como um espaço de prazer. Era um colégio particular, na modalidade de
“cooperativa de ensino”, na qual os próprios pais tinham cargos administrativos na escola e,
portanto, uma participação ativa na construção daquele espaço. Havia aulas diferentes do que
podia ser encontrado em outros colégios particulares da cidade: um laboratório de ciências
com aulas práticas e direito a usar o microscópio, aulas de teatro e de xadrez, que eram as
minhas favoritas. Lembro que também tínhamos atividades extracurriculares peculiares,
como por exemplo, a escolha de representantes de turma, por meio de eleições – tínhamos até
mesmo que montar partidos, fazer campanha e discurso – fui eleita representante de turma da
quarta série.
Recordo de uma frase comum usada por professores para me definir: “a Fabiana é
uma menina estudiosa” e me recordo que nem sempre isso era visto como um elogio por
parte dos meus colegas, que muitas vezes usavam critérios ligados a estereótipos de gênero
para formação dos grupos de amizade – para os meninos, o legal era transgredir as regras e
não gostar de fazer tarefas e para as meninas, era ser vaidosa e usar roupas de marca –
lembrando que esse era um colégio considerado de classe alta na cidade. Muitas vezes não
me via em nenhum desses grupos e era vista como “certinha” demais, além de destoar da
condição socioeconômica dos demais, o que me causava sofrimento e um sentimento de
exclusão. Hoje, percebo que esses conflitos não foram vistos ou acolhidos no contexto da
própria escola. Havia o esforço por oferecer um ensino prazeroso em termos de conteúdo,
mas as relações interpessoais nem sempre eram tratadas como parte do processo de
escolarização.
Ao pensar sobre meus anos iniciais na escola com o olhar que tenho hoje, percebo
o quanto esse espaço é marcante na minha subjetividade – apesar dos conflitos que marcaram
esse período, hoje me orgulho ao me perceber, desde aquela época, sedenta pelo
conhecimento. Captar o mundo, conhecer o que me cercava, não de um modo meramente
31

contemplativo, mas implicado, que olha atentamente, que busca, que explora. Menina
inquieta e atenta. Uma pesquisadora iniciante? Bom, se havia ou não indícios esse desejo ali,
não sei, mas entendo que ao me divertir no universo de brincadeiras que inventava e ao me
deleitar com o que aprendi na escola, entendi também que não seria nada fácil ver além das
estrelas e das pedras preciosas, tampouco construir uma câmera fotográfica. E essa, sem
dúvida, é uma grande lição atrelada ao meu fazer como psicóloga/pesquisadora hoje, quando
volto meu olhar curioso de menina crescida para compreender os processos de
desenvolvimento humano.

Travessias no campo da Psicologia e da Educação: caminhos de desenvolvimento


profissional

E onde surgiu a Psicologia na minha história? Quando penso sobre minha escolha
profissional, não me vem aquele velho clichê que começa com: “Desde pequena...”. Pelo
contrário, quando criança pouco sabia eu sobre a existência de psicólogos mundo afora. O
desejo pelo curso aconteceu por volta do segundo ano do Ensino Médio. A escola privada
onde estudei nesse período oferecia espaços tomados quase por completo pelo discurso
imperioso de aprovação no vestibular em uma universidade pública. Recordo que a vontade
de estar em uma universidade pública e também a grande expectativa de que ‘a Fabiana,
sempre tão boa aluna’ fosse aprovada eram mais sedutores naquele momento do que uma
profunda reflexão sobre o que é uma escolha profissional. Nessa época havia o vestibular
seriado, que era realizado em três etapas a começar no primeiro ano do Ensino Médio.
Recordo-me da primeira etapa da prova que fiz, ao final do primeiro colegial e no quanto
estava nervosa e apreensiva. Mais importante do que conhecer quem éramos e o que
queríamos como profissão, era a pontuação do vestibular, para provar nossa inteligência e
vangloriar a fama de aprovação do colégio. Hoje vejo com um olhar crítico a forma como
minha formação foi conduzida nesse momento. Como ainda é comum, também naquela
época éramos treinados para fazer uma prova e não havia uma preocupação efetiva com o
desenvolvimento dos alunos em uma perspectiva integral e reflexiva.
Ao olhar hoje para a Fabiana tão menina daquele tempo fico a pensar: sabia ela
que implicações tinham essa escolha? Tinha ela clareza dos desejos, dúvidas,
questionamentos que impulsionaram essa decisão? Em meio à ingenuidade e meninice
daquela época, aliada aos poucos espaços de reflexão na escola para além do slogan
‘aprovados’, há algo de que me lembro com clareza: a possibilidade de aprender sobre o ser
32

humano, sobre relações, afetos, vínculos me causou um fascínio inexplicável, quando cogitei
pela primeira vez cursar Psicologia na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A
Psicologia me tomou lá pelos tempos da adolescência, sem questionamentos muito
complexos, sem saber bem por onde eu me enveredaria ao dar esse passo... E poderia ser
diferente? Que escolhas não trazem a misteriosa cortina entre o tempo presente e os desafios
que virão?
Em meio a estas perguntas, retomo aqui a menina Fabiana tão curiosa e instigada
a conhecer sempre mais. Do encantamento pela natureza (registro que encontrei inclusive em
um texto meu quando criança, em que escrevi que eu gostaria de ser uma ‘ecologista’ quando
crescesse), meus interesses aos poucos se voltaram para a área de Humanas – talvez por
sempre preferir as letras aos números e conseguir/gostar de me expressar por elas em cartas,
produções de textos, diários... Talvez o fascínio pela literatura, talvez por tanto me identificar
com as matérias de História, Filosofia, Sociologia, Arte e começar a pensar que esses
conteúdos, do modo como eram ensinados na escola, me ajudavam a analisar o mundo de um
jeito melhor do que a Matemática e a Física. Talvez por começar a perceber algo diferente no
meu pai: crises que vinham de tempos em tempos, trazendo sofrimento a ele e a nossa
família. Apesar de estes episódios acontecerem desde minha infância, foi no momento da
adolescência que comecei a percebê-los com mais clareza e foi também nessa época também
que suspeitamos de algum problema de ordem psicológica: ‘Transtorno Bipolar’ – esse foi o
nome que ouvi para o que o meu pai vivenciava, mas que havia tratamento e uma vida que
segue. Ainda assim, havia tantas dúvidas sobre essa questão... Que condição seria essa?
Como as pessoas ‘funcionam’? Que mundo curioso seria esse que nos constitui como gente?
Narro essa parte da minha história com coragem, pois não é fácil encará-la. De algum modo,
hoje, me sinto fortalecida para contá-la e reconhecer que a condição do meu pai também me
inspirou a buscar na Psicologia a compreensão sobre o ser humano, sobre as relações, sobre
as dores e as delícias de ser gente. E o que seria da trajetória de formação profissional se não
fosse a dimensão pessoal que a constitui? Somos sujeitos inteiros...

(...) para escrever o memorial de formação, a referência principal é sempre o


lugar profissional que ocupamos (...) e então, quando necessário, lançamos
mão das memórias relacionadas a outras experiências – de filho, de neto,
amigo, etc. que foram relevantes para nosso processo formativo. (PRADO
& SOLIGO, 2005)

E com essa escolha, o vestibular. Com ele, a aprovação. E, assim, o início do


curso em 2006. Qual não é a minha surpresa quando me deparo, já no começo, com uma
33

infinidade de jeitos de pensar o ser humano e de atuar em Psicologia. O psicólogo não precisa
trabalhar somente no consultório diagnosticando psicopatologias? Quantas linhas teóricas!
Quantos lugares o psicólogo pode ocupar!
Essa reflexão foi possibilitada logo no início do curso por um espaço de
acolhimento aos calouros, proposto pela Professora Silvia Maria Cintra da Silva, pessoa
querida e fundamental no meu processo de formação, que se tornaria alguns anos depois,
minha orientadora de Mestrado. Este projeto consistia na realização de um grupo para os
alunos do 1º período, no qual, a partir do diálogo com arte, discutiríamos questões relativas
ao ingresso no curso de Psicologia, principalmente quanto às possibilidades deste campo
como ciência e profissão. Foi por meio deste projeto que aprendi, pela primeira vez, que o
psicólogo não trabalha somente envolto por quatro paredes e um divã. Aprendi que este
profissional também trabalha nas instituições e, surpreendentemente, na escola. De modo
especial, foi por meio do olhar acolhedor, sensível e crítico da Silvia e dos estagiários dela –
que conduziam o projeto com a nossa turma – que conheci pela primeira vez algumas
importantes possibilidades da Psicologia, em especial, no campo da Educação. Olhar
acolhedor, pois me lembro de este ser um espaço que ajudou muito no meu processo de
identificação com o curso, instigando-me a seguir na jornada que me aguardava. Olhar
sensível, pois todos os encontros eram banhados por arte – filmes, músicas, artes visuais –
apostando que tais elementos são fundamentais para mediar a compreensão sobre o humano.
Olhar crítico, pois recordo que me encantei com a desconstrução da ideia de um ser humano
puramente guiado pela dimensão biológica e com as discussões pautadas a partir do contexto
social, histórico, cultural em que este se insere. Apesar de ainda não entender muito bem esse
posicionamento naquele momento, com ele me identifiquei.
As disciplinas relacionadas à Educação foram momentos marcantes na minha
formação, uma vez que traziam questões relacionadas aos processos de ensino e de
aprendizagem coerentes com esta concepção social de ser humano, que citei há pouco. Por
que há alunos que não aprendem ler e escrever? O que está envolvido nas dificuldades
relacionadas ao aprender? O que acontece no processo de ensinar e de aprender para além dos
estereótipos preconceituosos, tais como: “a culpa é do aluno!”, “a culpa é da família!”, “é um
problema neurológico!”? Como aprendemos? Como nos desenvolvemos? Como o psicólogo
pode atuar junto a estas questões? Sem dúvida, a mediação e a formação das docentes
responsáveis por essas disciplinas contribuíram sobremaneira para que eu me encantasse com
essas questões. A Professora Silvia Maria, que já mencionei e a Professora Lúcia Helena
Ferreira Mendonça Costa, cada qual responsável por uma disciplina da área, desenvolveram
34

conosco trabalhos que envolviam o contato direto com o contexto educativo, nos
supervisionando no desenvolvimento de projetos em escolas e outras instituições, como parte
das atividades da disciplina. Essas experiências, aliadas às consistentes leituras de textos
relacionados ao tema, que articulavam questionamentos sobre as condições da Educação
brasileira, conquistaram-me para continuar estudando e aprendendo mais sobre as
possibilidades de trabalho do psicólogo na Educação. A lição mais preciosa deste primeiro
momento e que levo até hoje no meu jeito de enxergar o mundo é que há sempre vários atores
e elementos na configuração de uma condição humana, seja ela qual for. É preciso questionar
concepções reducionistas, instauradas nos diagnósticos psicológicos fechados, atribuídos sem
uma reflexão crítica e cuidadosa acerca do sujeito que o recebe. É preciso remar contra a
maré da patologização dos processos de aprendizagem e da vida humana como um todo,
questionando sempre: que sujeito há por trás dos rótulos?
No quinto período, comecei a participar de um grupo de pesquisa
interinstitucional, denominado A atuação do psicólogo na rede pública de educação frente à
demanda escolar: concepções, práticas e inovações18. Este estudo teve como objetivo
analisar concepções e práticas desenvolvidas por psicólogos da rede pública de Educação em
relação às queixas procedentes do sistema educacional, para compreender em que medida os
profissionais apresentariam elementos inovadores e pertinentes às recentes discussões na área
de Psicologia Escolar e Educacional. Ao conhecermos o cotidiano de profissionais alocados
em Secretarias de Educação do estado de Minas Gerais, identificamos psicólogas e
psicólogos que lidavam diariamente com grandes dificuldades em suas práticas, denunciando
a desvalorização do trabalho de Psicologia, a falta de recursos, além do desafio de abarcar
elementos teóricos em suas ações ou, em muitos casos, o desconhecimento quase total dos
avanços recentes da área (SOUZA, SILVA & YAMAMOTO, 2014). Diante destes
elementos, o grupo de pesquisa começou a se perguntar sobre a formação destes psicólogos:
como tem sido proposta? Como os fundamentos teóricos têm sido apropriados pelos
profissionais em formação?
Estes questionamentos sobre a formação do psicólogo escolar deram origem a
outra pesquisa neste mesmo formato, da qual participei já como profissional colaboradora,
denominada: A formação do psicólogo escolar e as Diretrizes Curriculares em Psicologia:

18
A pesquisa abrangeu sete estados brasileiros. No âmbito nacional, foi coordenada pela Profª Drª Marilene
Proença Rebello de Souza, da Universidade de São Paulo. Em Minas Gerais, foi financiada pela FAPEMIG
(Fundação de Apoio à Pesquisa de Minas Gerais) e coordenada pela Profª Drª Silvia Maria Cintra da Silva, da
Universidade Federal de Uberlândia.
35

concepções teóricas, bases metodológicas e atuação profissional19, que teve como principal
objetivo analisar a formação em Psicologia, tendo como base as Novas Diretrizes
Curriculares para os cursos de graduação, buscando entender mais especificamente como os
cursos têm formado seus alunos para atuar junto aos processos educativos.
A participação na primeira investigação, ainda durante a graduação, apresentou-
me ao universo da pesquisa. ‘Mas não seria necessário um laboratório, com tubos de ensaio e
outros materiais mirabolantes para ser pesquisador?’. Para minha surpresa, não. A pesquisa
em ciências humanas podia ser tecida de outro jeito, por meio da inserção nos espaços
cotidianos, a partir de um olhar para as relações interpessoais, da análise minuciosa e sempre
atenta ao contexto.
Inspirada pelas vivências como pesquisadora iniciante e com imenso desejo de
mergulhar na carreira acadêmica, iniciei o Mestrado em Psicologia, em 2011, na
Universidade Federal de Uberlândia, orientada pela Professora Silvia Maria. Como recém-
formada em Psicologia e imersa no campo da Psicologia Escolar e Educacional, queria
aprofundar meus conhecimentos nessa área. A história da Psicologia Escolar e Educacional,
especialmente no contexto brasileiro é marcada pela luta contra práticas individualizantes e
descontextualizadas, tais como a mera aplicação dos testes de inteligência e a atribuição de
diagnósticos de problemas de aprendizagem sem considerar o contexto de ensino da sala de
aula e de inserção social e política da Educação, em busca de construir ações pautadas em
uma análise complexa dos fenômenos. A proposta da Psicologia Escolar e Educacional em
uma perspectiva que denominamos crítica20 é, portanto, uma forma de pensar o homem e a
sociedade que exige a ruptura com o raciocínio cartesiano, racionalista e individualizante
com o qual estamos acostumados, haja vista nossa própria constituição histórica marcada por
este modo de pensar.
Estava eu pesquisando sobre a atuação e a formação do psicólogo em uma
perspectiva crítica, ao mesmo tempo em que iniciava minha própria atuação como psicóloga
nos estágios profissionalizantes, vivenciando os desafios de colocar em prática o
conhecimento que aprendia. Por isso, meus questionamentos eram: considerando as
mudanças e avanços no campo da Psicologia Escolar, tais fundamentos têm sido apropriados

19
Esta pesquisa contou com a participação de quatro estados brasileiros, sendo coordenada nacionalmente pela
Profª Drª Marilene Proença Rebello de Souza e em Minas Gerais pela Profª Silvia Maria Cintra da Silva.
20
Esta perspectiva será discutida detalhadamente no Capítulo 2, referente à fundamentação teórica. Por hora,
algumas referências na área: PATTO (1984, 1996); MACHADO & SOUZA (1997); BOCK (1999);
TANAMACHI, PROENÇA & ROCHA (2000); MEIRA & ANTUNES (2003a, 2003b); MARTINEZ (2007);
SOUZA, B. (2007).
36

pelos alunos de graduação? De que forma? Como se aprende e como se ensina esta
perspectiva teórico-prática? A partir dessas reflexões, surgiu, então, o interesse em
compreender, no Mestrado, o seguinte processo: a apropriação de uma perspectiva crítica em
Psicologia Escolar e Educacional pelos sujeitos supervisora e estagiária, ao longo de suas
trajetórias de formação profissional. Era uma pergunta de pesquisa e uma pergunta para mim
mesma: como me tornar uma psicóloga que de fato se apropria de um posicionamento crítico
em sua atuação?
A escolha por investigar a trajetória de formação de uma estagiária e uma
supervisora se deu por considerar que o estágio profissionalizante é uma etapa de formação
que permite intensa articulação entre os conceitos práticos e a vivência teórica, tanto para o
estagiário, que se encontra no lugar de quem aprende quanto para o supervisor, que se
encontra no lugar de quem ensina. Foram entrevistadas, portanto, uma supervisora e uma
estagiária de Psicologia Escolar, vinculadas a uma Instituição de Ensino Superior pública de
Minas Gerais. Foi utilizada a modalidade da história oral temática (MEIHY, 2002), com a
realização de quatro sessões de entrevista com cada uma, sem modelo prévio de perguntas,
apenas com uma questão inicial, relativa ao objetivo de pesquisa, sobre a qual as
participantes discorreram livremente.
Dentre as principais análises dessa investigação, destacam-se os seguintes
aspectos: a mediação como processo imprescindível tanto para as escolhas profissionais
quanto para a aprendizagem teórico-prática, indicando que a aprendizagem de um conceito
científico e de um fazer profissional são constituídos intrinsecamente a partir da dimensão
social; a aprendizagem não decorre de uma lógica linear ou causal e, sim, dialética, sendo os
desafios encontrados no exercício da prática fundamentais para o processo de aprendizagem,
indicando que a apropriação de uma perspectiva teórica consiste em um processo vivo,
dinâmico e contínuo; a atividade prática e os estudos teóricos se mostraram nas análises
como componentes indispensáveis para a apropriação conceitual, sendo importante
considerar a unidade dialética de teoria e prática, constitutiva do processo de aprendizagem.
Além disto, ficou nítida a compreensão de que a aprendizagem de uma determinada
perspectiva, que abarca necessariamente a apropriação de conceitos científicos, depende do
conhecimento escolar, sistematizado e pedagogicamente organizado. Ainda assim, o
depoimento das participantes também indica que vivências pessoais para além do contexto da
escolarização formal são muito importantes neste processo. Por fim, o estágio
supervisionado destacou-se como atividade essencial para a apropriação de uma perspectiva
crítica em Psicologia Escolar, revelando o modo como a mediação supervisora-estagiária foi
37

fundamental para a apropriação teórico-prática de uma perspectiva crítica em Psicologia


Escolar por parte da estagiária, bem como a importância das ações pedagógicas da
supervisora neste processo.
A pesquisa indicou que os professores dos cursos de graduação, os supervisores
de estágio profissionalizante, os próprios estagiários e as políticas públicas relativas ao
Ensino Superior têm importante lugar na discussão sobre a formação profissional e na busca
por um trabalho coletivo que, ao incorporar os avanços da Psicologia Escolar e Educacional,
possa concretizar esta formação de modo cientificamente respaldado, social e eticamente
comprometido.
Após o Mestrado, trabalhei por um breve período em duas instituições diferentes.
Uma delas foi um colégio de Ensino Médio e a outra, uma casa de acolhimento para crianças
e adolescentes em situação de risco. Em ambas, pude vivenciar os desafios da inserção e do
reconhecimento do trabalho do psicólogo. O colégio contava com um histórico significativo
de rotatividade dos profissionais da Psicologia que, geralmente, eram contratados em seu
primeiro emprego, como foi meu caso, e logo saíam por terem conseguido outras
oportunidades consideradas melhores ou por não se adequarem ao trabalho. Na época,
conversei com alguns colegas que já haviam trabalhado lá e ouvi relatos sobre os impasses de
constituir um serviço de Psicologia devidamente reconhecido e efetivo. Durante minha breve
passagem, meu trabalho foi no sentido de buscar problematizar junto aos pais, alunos e
profissionais da escola a ideia de um psicólogo que simplesmente diagnostica problemas e
traz soluções rápidas e simples, na tentativa de construir um espaço de diálogo, tendo o
psicólogo como parceiro para pensar junto, discutir, refletir sobre as questões do contexto
educacional. Em algumas ocasiões, houve estranhamento quanto a essa postura e, em outras,
curiosidade e apoio para conhecer mais sobre essa modalidade de trabalho. Na instituição de
acolhimento, as características e demandas eram bem diferentes, mas o posicionamento sobre
o trabalho da Psicologia era semelhante ao do colégio. Estava presente todo o tempo a
concepção de um psicólogo que tudo sabe e que deve dar respostas e, em geral, respostas que
contenham uma explicação sobre “o que a criança tem” (no sentido patológico). Nesse
trabalho pude me surpreender com um universo do humano que até então não conhecia ao
vivo: violência, miséria, negligência cruel não apenas por parte das famílias, mas (e talvez
muito mais) das políticas sociais.
Deparei-me aí com a minha insipiência na área, com um universo a ser
conhecido, compreendido... Como a Psicologia poderia contribuir no trabalho com aquelas
crianças? E com suas famílias? E com os profissionais da instituição? Recordo-me que, nesse
38

período, eu sentia uma grande impotência e sofrimento, como se estivesse remando


arduamente contra a maré. Havia uma sede em mim de não ceder a visões reducionistas sobre
os alunos ou as crianças com quem lidava, mas havia também a dificuldade em encontrar
estratégias para lidar com as tensões e conflitos que surgiam. Desafios imensos, que me
fizeram compreender que, de fato, a formação é um processo contínuo atrelado aos desafios
que a vivência profissional inscreve. Nesse mesmo semestre de crises e conflitos na estreia
como psicóloga, estava me preparando para me casar em poucos meses. Então, acabei
tomando a decisão de me ausentar destes dois empregos neste período de intensas mudanças.
Hoje, penso que foi a decisão possível para o momento e que estive por um período muito
curto em cada instituição. O trabalho do psicólogo requer tempo e disponibilidade para
compreender e elaborar as tensões e contradições inerentes à condição humana,
especialmente quando trabalhamos com instituições educacionais.
Em agosto de 2013, meu esposo foi transferido para São Joaquim de Barra (SP).
Começar a vida em uma nova cidade me fortaleceu para pensar em novos projetos e buscar o
que já era meu interesse – ingressar no curso de Doutorado, dando continuidade a minha
formação como docente e pesquisadora, carreira com a qual tanto me identifico.
Decidi prestar o processo seletivo da Universidade Estadual de Campinas,
considerando minha admiração pelo trabalho da Professora Ana Aragão, que conheci por
estudar seu trabalho de Doutorado (SADALLA, 1998) na Graduação e Mestrado e também
pessoalmente, durante uma palestra conferida por ela em Uberlândia em 2010, por intermédio
da minha orientadora de Mestrado, que foi sua aluna de graduação. Concomitantemente,
prestei o processo seletivo de Doutorado do Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo e fui aprovada nas duas instituições. Tive dúvidas em qual delas escolher e minha
decisão pela Unicamp foi em decorrência especialmente do dia da entrevista, última etapa do
processo seletivo. Jamais esquecerei a leveza e o afeto com que fui acolhida nesse dia pela
Profª Ana Aragão, pela Profª Adriana de Carvalho Koyama e pelo Profº Guilherme do Val
Toledo Prado, membros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada
(GEPEC). Ao me recordar daquele momento, tive certeza da minha escolha pela Unicamp e
de que esse seria o início de uma viagem incrível e instigante, principalmente por estar em
um campo diferente da minha formação inicial.
Agradeço imensamente à Ana por ter me aceito em sua vida. Com ela, aprendo a
cada dia o valor do trabalho coletivo e da indissociabilidade teoria e prática, pessoal e
profissional. Com ela sei que tenho apoio não apenas para a Tese, mas para qualquer situação
39

que precisar sei que serei acolhida por inteira e incondicionalmente. Como costumamos dizer
desde o início do Doutorado: “somos uma dupla”!
E assim tem sido. Ao final desse percurso, encontro-me encantada pela
diversidade de áreas de formação, teorias e pesquisas que encontro na Faculdade de
Educação da Unicamp. O diálogo intenso com colegas e docentes nas disciplinas, no grupo
de pesquisa e nos corredores da Faculdade foram valiosos para minha formação.
Continuo como viajante que tem a Psicologia Escolar e Educacional como uma
grande companheira, buscando entender os dilemas, desafios e possibilidades que os
profissionais que trabalham com demandas educacionais vivenciam em seus cotidianos de
trabalho. No segundo semestre de 2014, para a produção do material empírico da Tese,
propus um Curso de Difusão Científica vinculado à Escola de Extensão da Unicamp
(EXTECAMP) voltado para a formação de profissionais que trabalham com demandas
educacionais. Mais que sujeitos de pesquisa, encontrei grandes parceiros de profissão. Para
muito além de um mero fornecimento de informações, construímos um espaço de
desenvolvimento profissional, em que foi possível partilhar angústias, dúvidas, ideias, afetos
e encontrar algumas possibilidades, a partir das vivências levadas por cada um. É a partir da
vivência com este grupo que tecerei as análises desta Tese.

Ao contar minhas histórias nessas breves linhas, questionei-me em alguns


momentos: quais serão os entendimentos de quem as lerá? Que filme se passa por entre estas
linhas e parágrafos? Ficou alguma cena importante de fora? Será que fui explicativa demais?
Obscura demais? Penso que fiz escolhas e teci a escrita possível para esse momento. Fui
capturada pelos clarões que surgiram na memória, colocando no papel o que acredito ser
importante partilhar com que lerá estes escritos. Ainda me encanto e não acho palavras
conclusivas para explicar como e por que motivo a Psicologia e a Educação tornaram-se
dimensões tão importantes em minha vida. Estas serão perguntas que, para além de respostas,
me instigam a seguir em frente. Finalizo, então, com um pequeno poema que fiz no X
Congresso de Psicologia Escolar e Educacional de que participei em 2011, certa da
impossibilidade de finalizar uma história ainda em curso, mas nutrida com indícios de que
estou no caminho possível:

Mais um encontro com a Psicologia Escolar, a mesma emoção de tantos


outros. Emoção inquieta. Desejo, paixão. Pathos. Ser tombado. É assim que
me jogo ainda tão criança, tão perdida, tão encontrada, nesse jeito
transformador de ser.
40

2. Fundamentação teórica: apresentando os parceiros de viagem

No percurso de construção de uma Tese, nunca estamos sozinhos. A voz do


pesquisador sempre traz interlocutores, que ajudam a compor sentidos e entendimentos. Esses
parceiros de conversa são como melhores amigos que toparam uma grande aventura ao nosso
lado, tornando o trajeto mais leve, permeado por uma prosa boa e instigante. Na companhia
deles, a viagem certamente resultará em ótimas lembranças. Apresento, neste capítulo,
inseparáveis companheiros de viagem que seguiram comigo pela estrada, segurando-me pela
mão, ajudando-me a contemplar as paisagens de modo que, ao final, contássemos boas
histórias sobre o que vivenciamos juntos.
Na primeira parte, apresento uma breve análise histórica sobre a Psicologia
como ciência e profissão, seguida por uma discussão sobre a Psicologia Escolar e
Educacional, em especial no contexto brasileiro, a fim de refletir sobre possibilidades,
avanços, lacunas e caminhos a percorrer e discuto o trabalho com demandas educacionais
como campo comum não só a psicólogos, mas a toda uma rede de profissionais.
Adiante, trago uma reflexão sobre a formação do psicólogo para atuar na
Educação, a partir de uma revisão bibliográfica e em seguida, apresento a temática do
desenvolvimento profissional e a proposta dos grupos colaborativos, ampliando a revisão de
literatura para compreender como a dimensão colaborativa tem sido abordada no campo do
desenvolvimento profissional na área educacional.
Por fim, apresento a Teoria Histórico-Cultural, a partir das contribuições de
Lev S. Vigotski, discutindo a concepção de desenvolvimento humano que fundamenta a Tese
e definindo os conceitos-chave para as análises do material empírico.

2.1 Psicologia ciência e profissão: aspectos históricos e relações com o campo educacional

A Psicologia é uma ciência relativamente recente, que apresenta uma função


social importante, pois, desde seus primórdios, tem se dedicado a compreender e atuar sobre
questões humanas. Para entender o lugar dessa ciência como campo diretamente envolvido
com o ser humano em seus mais diversos contextos e problemáticas é importante discutir seu
processo histórico de surgimento e de desenvolvimento, assinalando os avanços conquistados
e também os desafios que ainda temos pela frente. Como afirma Antunes, 2007:
41

(...) os problemas do presente e os que vislumbramos para um futuro


próximo impõem à Psicologia tarefas cada vez maiores e mais desafiadoras;
disso decorre a imperativa necessidade de reflexão sobre seu significado e
sua responsabilidade na construção do devir histórico. (ANTUNES, 2007, p.
9)

Os problemas referidos pela autora no trecho destacado são incontáveis. Vivemos


em um contexto permeado por contradições gritantes. Se por um lado, contamos com
inovações tecnológicas nunca antes imaginadas, por outro ainda não conseguimos superar
condições de degradação humana que nos assolam há tanto tempo, como a miséria, a
violência, o acesso desigual a direitos básicos de saúde e de educação. Mas, afinal, o que a
Psicologia tem a ver com isso? Como pontua Paulo Freire, a Educação sozinha não consegue
mudanças, mas sem ela a sociedade é incapaz de se transformar. Considero que podemos
dizer algo semelhante sobre a Psicologia, afirmando que ela tem muito a contribuir com o
processo de transformação social, ainda que seja apenas um dentre tantos outros
conhecimentos necessários.
Apesar de sua inquestionável importância, a história de surgimento da Psicologia,
tanto em nível mundial quanto no Brasil, apresenta contradições que merecem destaque. De
acordo com Figueiredo (1989/2012), o interesse pelo estudo do sujeito nasce com a ciência
moderna, a partir da Revolução Industrial na Inglaterra e Alemanha e da Revolução Francesa,
em uma conjuntura histórica, social e econômica que permitiu uma mudança de pensamento
e de prática: entre os séculos XVII e XVIII já se nota uma mudança na concepção de sujeito e
de conhecimento – o sujeito não apenas contempla o mundo, mas pensa racionalmente sobre
ele e é capaz de transformá-lo, além disso, há a emergência da ideia de subjetividade, uma
vez que neste momento a comunidade e a religião não mais definiam os papeis sociais de
forma tão imperativa, mas estes passaram a ser definidos a partir das relações e de uma luta
por interesses individuais, conjuntura que contribuiu com o surgimento da ideia de indivíduo,
que possui características e funcionamento próprio.
Ainda que o interesse pelos fenômenos psicológicos tenha surgido principalmente
com o advento da idade moderna, o nascimento oficial da Psicologia científica é datado do
final do século XIX, a partir dos estudos e da criação do laboratório experimental fundado
por Wundt, na Alemanha. Segundo Figueiredo e Santi (1991/2008), Wundt tinha interesse
também pela Psicologia Social, por meio de estudos que consideravam a cultura como fator
importante, porém acabou ficando mais conhecido por seus estudos experimentais, fundando
os primórdios da Psicologia como ciência que, de acordo com Gimenez (2011) desenvolveu-
se baseada nos mesmos fundamentos que legitimavam as ciências naturais da época –
42

empirismo, racionalismo, mecanicismo – para ganhar visibilidade e status de ciência, com o


objetivo de controlar, mensurar, criar leis e explicações universais para o psiquismo humano.
Barbosa, D. (2011) acrescenta que este surgimento decorre também da ampla
expansão capitalista que ocorria nesse mesmo período. Em meio ao intenso crescimento
urbano a partir do processo de industrialização, a Psicologia apresentou-se como um dos
campos de saber privilegiado sobre o psiquismo humano, auxiliando principalmente na
seleção de trabalhadores, ao mensurar habilidades e capacidades mentais, indicando as
pessoas aptas para cada função. Assim como outros campos do saber e atuação profissional
que nasceram e se fortaleceram nessa conjuntura, a Psicologia é apontada por Patto (1984)
como cúmplice da ideologia capitalista, uma vez que colaborava diretamente para a
adaptação do ser humano a uma conjuntura de exploração e alienação. Por outro lado, essas
foram as condições possíveis para que a Psicologia emergisse naquela época, o que também
beneficiou a sociedade, a partir do início de um esforço por compreender de forma mais
profunda os processos psíquicos.
Na dimensão científica e intelectual, a Psicologia foi construída sobre alicerces
positivistas, que valorizavam a neutralidade científica e demais premissas próprias das
ciências naturais. Havia o interesse em mensurar e descrever o funcionamento psíquico a
partir de experimentos em laboratório, de forma mecânica e com base fundamentalmente nos
aspectos biológicos. Essa escolha metodológica decorre principalmente da tentativa de
conferir credibilidade à Psicologia dentro dos padrões da época, buscando distanciar esse
campo da Filosofia e de outras vertentes metafísicas (PATTO, 2007, ANTUNES 2007,
BARBOSA, D., 2011).
Desde seu nascimento com a ciência moderna, diversas escolas e abordagens
teóricas se desenvolveram no campo da Psicologia, de modo que poderíamos nomear esta
ciência no plural, afirmando haver não apenas uma, mas várias ‘Psicologias’, como apontam
Bock, Furtado e Teixeira (1999). Os autores indicam que essa diversidade de
posicionamentos teóricos decorre tanto por a Psicologia ser uma ciência recente e ainda em
pleno processo de constituição de seu escopo, quanto pelo fato de que o estudo dessa ciência
envolve, necessariamente, as concepções de mundo e de ser humano do próprio pesquisador,
o que abarca jeitos diferentes de compreender um mesmo objeto.
Figueiredo (1989/2012) acrescenta que no projeto de afirmar a Psicologia como
ciência podemos identificar duas matrizes básicas. Além das correntes que tentavam se valer
do método positivista e das ciências naturais para se afirmarem, como no caso da Psicologia
Experimental de Wundt, surgiram também matrizes subjetivistas que buscavam o
43

reconhecimento da especificidade do objeto estudado, abrindo mão das exigências do que era
considerado “científico” e enfrentando, assim, graves rejeições por parte da comunidade
intelectual, por exemplo, as perspectivas humanistas e fenomenológicas e a psicanálise. Uma
análise atual indica que a vertente subjetivista apresentou ao longo do tempo um vertiginoso
crescimento e visibilidade. Segundo Furtado (2012), a hipervalorização dos processos
subjetivos se transformou, inclusive, em um promissor mercado de consumo, com a
propagação de livros de autoajuda e programas de talk-show e reality show, dando
visibilidade a uma dimensão da Psicologia não como ciência, mas como espetáculo.
Como já sublinhado, a Psicologia, ainda hoje, apresenta uma composição diversa,
em que ora as concepções teóricas dialogam e ora se afastam, ocupando polos opostos e
ainda mantendo muitas vezes as posições dicotômicas que estão presentes desde o seu
surgimento – ora o foco só na subjetividade, ora o foco somente no meio, ora cindindo
cognição e emoções, corpo e mente – de modo a desconsiderar de forma recorrente as
relações mais complexas entre as diversas instâncias que constituem o ser humano. Vigotski
(1927/2004) discutiu essa questão, ao escrever o manuscrito O significado histórico da crise
na psicologia, indicando preocupação quanto aos embates entre diferentes correntes teóricas
e à dificuldade dessas abordagens em, de fato, explicarem os fenômenos psíquicos, ao invés
de meramente descrevê-los olhando apenas para uma dimensão ou fator. Figueiredo
(1989/2012) nos lembra de que o fundamental, ao olhar para toda essa diversidade de
abordagens, é exercitarmos um olhar questionador sobre uma ou outra, compreendendo suas
raízes históricas, culturais, bem como os motivos pelos quais foram desenvolvidas.
Semelhante à trajetória mundial da Psicologia, no Brasil, ela apresenta também
uma configuração interessante, pois, mesmo tendo sido regulamentada como profissão
somente em 1962, o interesse pelos conhecimentos psicológicos já entremeava o país desde
os tempos de colônia portuguesa (ANTUNES, 2007). Cabe ressaltar, em especial, que a
Educação desde o início teve lugar fundamental para o desenvolvimento da Psicologia,
servindo como um dos mais férteis terrenos para que essa disciplina se tornasse uma
profissão.
Já existiam indícios, no Brasil colônia, de um interesse pelos fenômenos
psicológicos. Há registros de trabalhos que abordavam essa dimensão de um ponto de vista
religioso ou moral, decorrente do processo de ensino da cultura católica europeia a índios e
colonos brasileiros, por meio dos jesuítas. Dentre os temas que comparecem em algumas
obras deste período, há, por exemplo, o interesse pelas emoções, autoconhecimento,
sensações e sentidos, educação de crianças e o papel da mulher. O amplo comparecimento de
44

temáticas ligadas a processos educativos e moralizantes é coerente, considerando que nossa


colônia visava claramente à exploração de recursos naturais e humanos para enriquecimento
da metrópole. Portanto, fazia-se necessário ‘doutrinar’ os nativos e demais trabalhadores, a
fim de facilitar o processo opressivo (ANTUNES, 2007).
O século XIX é marcado pelo fim da condição de colônia, ainda que o país tenha
continuado sob as égides do império português. Contudo, esse período conta com grandes
mudanças na sociedade brasileira, principalmente a expansão do ensino e das instituições de
saúde, por meio da criação de escolas, universidades e hospitais. O surgimento dessas
instituições também estava diretamente ligado aos graves problemas decorrentes do processo
de urbanização, industrialização e expansão capitalista, que acabou por intensificar velhos
problemas e criar outros, para os quais eram necessárias soluções, convidando principalmente
a Medicina e a Educação para resolvê-los. Por trás das soluções apontadas pela Medicina
para resolver problemas como doenças, fome, mortalidade, causados pela urbanização, havia
um ideal higienista e de imposição moral, normalizando condutas e reprimindo
comportamentos considerados inadequados. Essas práticas foram propagadas nas escolas, que
foi alvo de intervenções higienistas na época, por meio de ações que buscavam testar,
classificar e rotular os alunos de acordo com os padrões considerados aceitáveis.
Antunes (2007) destaca que por trás do importante avanço com a criação de
instituições educacionais, havia o forte interesse pela formação profissionalizante de mão de
obra em detrimento de uma preocupação genuína com a produção de conhecimento. Ainda
assim, é inegável que esse momento marcou o crescente interesse pelo campo psicológico,
que a partir daí passa a comparecer em instituições como as Escolas Normais e os centros de
pesquisa em Educação, para estudar e compreender o processo de aprendizagem dos alunos.
No entanto, os fundamentos teóricos que sustentavam as pesquisas em Psicologia nesse
momento eram fundados em concepções positivistas, inspirados nos modelos advindos da
Europa e Estados Unidos. Os testes psicológicos eram usados tanto para selecionar
trabalhadores e homens para trabalharem no exército, quanto para classificar alunos quanto
ao nível de aprendizagem. Barbosa, D. (2011) ressalta que há registros de que os
psicologistas21 da época produziam e aplicavam testes em larga escala nas escolas, a fim de
classificar os alunos de acordo com habilidades específicas e assim colaborar com o trabalho
do professor. Era no interior das Escolas Normais que os primeiros laboratórios de Psicologia

21
Segundo a autora, havia profissionais que estudavam e exerciam a função de aplicação de métodos e técnicas
psicológicas, mas que por não haver ainda a regulamentação da profissão de psicólogo, podem ser denominados
‘psicologistas’.
45

surgiram com o principal propósito de realizar pesquisas e desenvolver instrumentos e


técnicas psicométricas, fato diretamente ligado às origens da Psicologia Escolar no Brasil
(PFROMM NETTO, 1996).
Pelos fatos enunciados, há indícios de que a Psicologia, no Brasil, surge
imbricada no campo educacional e pautada em concepções de medida e testagem,
desconsiderando o contexto mais amplo envolvido nos processos educacionais. A história,
porém, não é linear e apresenta contradições. Assim, vale destacar que este período de
construção de uma Psicologia Científica no Brasil também apresentou práticas contrárias à
mera aplicação de testes, como, por exemplo, as contribuições de Manoel Bonfim, que
defendia que a difusão da Educação como “um instrumento contra a opressão e não
simplesmente meio para superar o atraso econômico” (ANTUNES, 2007, p. 65) e de Helena
Antipoff, que contribuiu com importantes estudos e práticas voltadas para a Educação
Especial.
Somente em 1962, com a Lei 4.119, a Psicologia foi regulamentada como
profissão no Brasil, ocasionando a adequação dos currículos de cursos que já ofereciam uma
formação em Psicologia e a criação de tantos outros. Em entrevista, Arrigo Angelini
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2012), que tem o primeiro registro no
Conselho Regional de São Paulo e que participou ativamente do processo de criação da Lei
4.119/62, comenta que inicialmente houve resistência da comunidade médica quanto ao tipo
de atividade que poderia ou não ser exclusiva do psicólogo. Nesse primeiro momento,
decidiu-se que a psicoterapia e outras práticas clínicas não entrariam no rol de especificidades
do psicólogo, elegendo como função privativa do psicólogo a utilização de métodos e
técnicas psicológicas. Além do longo histórico de embate com o campo da Medicina que aí já
aparece e perdura até os dias atuais, esse fato também revela que houve uma restrição das
possibilidades de intervenção do psicólogo, por vezes interpretada como se a única
especificidade deste profissional fosse ‘aplicar testes’. Aqui pergunto: que elementos dessa
história carregamos ainda hoje? Quais avanços foram possíveis e quais ainda temos a
alcançar?
É fato que a Psicologia tem conquistado cada vez mais espaços de atuação: hoje
temos psicólogos em instituições de saúde em seus vários níveis de atendimento, em espaços
jurídicos, na assistência social, no esporte e em tantos outros campos envolvem atividades
humanas. Porém, ao olhar para a seara educacional, percebemos que, apesar de seu inegável
destaque, o psicólogo foi afastado das escolas com o passar dos anos, passando a atender
essas demandas em outros espaços vinculados principalmente ao campo da saúde. Souza e
46

Rocha (2008) indicam que as práticas adaptativas, meramente pautadas em princípios


clínicos e diagnósticos foram o principal motim desse distanciamento:

A hegemonia que foi fortalecida nas práticas do psicólogo do pensamento


de que o profissional de psicologia pertencia somente à área da saúde e com
uma abordagem que não contempla o âmbito da complexidade do processo
institucional, enfraqueceu outras áreas de atuação existentes, como por
exemplo, a educacional. (SOUZA & ROCHA, 2008, p. 32)

Considerar esses elementos nos ajuda a pensar que ainda temos muito a caminhar.
Como conquistar novamente o espaço no campo educacional a partir de um lugar outro que
não aquele da mera aplicação de testes para classificar e rotular alunos? De um lugar que
possa convidar os profissionais da escola a uma parceria, em que os saberes não se
hierarquizam, mas se entrelaçam para pensarem juntos a Educação? Apesar de ainda serem
hegemônicas concepções e ações individualizantes que não consideram a complexidade dos
fenômenos psicológicos, em especial no campo educacional, há esperanças de rupturas que se
encontram em curso, principalmente a partir surgimento de um movimento na Psicologia
Escolar e Educacional que decidiu olhar para essa história, reconhecendo lacunas e
contradições, para buscar novos rumos, comprometidos com um olhar crítico e transformador
sobre os processos educacionais. A seguir, alguns conceitos e reflexões sobre a Psicologia
Escolar e Educacional em uma vertente crítica.

2.2 Considerações sobre a Psicologia Escolar e Educacional

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois


passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez
passos e o horizonte corre dez passos. Por mais
que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve
a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe
de caminhar.
– Para que serve a utopia?, Eduardo Galeano –

Com a regulamentação da profissão de psicólogo em 1962, houve uma forte


expansão de cursos universitários para formação deste profissional, além de um aumento de
oportunidades de trabalho em diversos campos, dentre eles na escola (PFROMM NETTO,
1996; ANTUNES, 2003a). Na história da Psicologia Escolar e Educacional brasileira, este
período desencadeou importantes acontecimentos, como a introdução da disciplina de
Psicologia Escolar nos currículos, a criação da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e
47

Educacional (ABRAPEE)22 e também a emergência de congressos na área, como, por


exemplo, o Congresso de Psicologia Escolar e Educacional, que em 2017 completará sua 13ª
edição.
Antunes (2003a) destaca, ainda, que nos primeiros anos de regulamentação da
profissão, a formação do psicólogo escolar focalizava o atendimento individual e a visão do
aluno como cerne dos problemas de aprendizagem, práticas que não contribuíram
efetivamente para resolver os problemas educacionais, levando, como já apontado na seção
anterior, ao afastamento desse profissional do chão da escola. Insatisfeitos com estas
concepções e posturas, em meados de 1970 psicólogos e educadores iniciam uma
problematização ao modo como a Psicologia vinha compreendendo e intervindo no campo
educacional.
A obra de Patto (1984) Psicologia e Ideologia: uma introdução crítica à
psicologia escolar é um dos importantes marcos deste movimento que denuncia as práticas e
concepções a serviço do mero controle e classificação dos alunos quanto à aprendizagem,
defendendo que os fatores históricos, sociais, culturais e políticos devem ser considerados na
análise das questões educacionais. Desde então, pesquisas e propostas de atuação têm
composto o referido movimento, configurando o que se pode denominar como uma
perspectiva crítica em Psicologia Escolar e Educacional. A partir desse marco, houve uma
intensa produção teórico-prática sobre esse assunto, como podemos perceber a partir de
referências como: Patto (1996, 2005); Machado e Souza, M. (1997); Bock (1999);
Tanamachi, Proença & Rocha (2000); Meira & Antunes (2003a, 2003b); Viégas e Angelucci
(2006); Martínez (2007); Souza, B. (2007); Araujo e Almeida (2008), Azzi e Gianfaldoni
(2011); Meira (2012); Guzzo (2007; 2014).
Esta perspectiva afirma que as concepções individualizantes enraizadas no modo
tradicional de atuação da Psicologia Escolar não conseguiram colaborar efetivamente para o
desenvolvimento do contexto educacional. Um dos exemplos mais contundentes disso é
quando o psicólogo é chamado a atender um “aluno que não aprende” e procede com
diagnósticos e intervenções que acabam por atribuir as dificuldades de escolarização somente
a problemas intrínsecos ao sujeito, contribuindo para a exclusão do aluno em questão, por
meio da mera atribuição de rótulos diagnósticos que produzem estigmas e preconceitos,
ignorando a rede de relações e determinações que compõem as dificuldades no processo de
aprendizagem: família, escola, políticas educacionais, contexto social. Tanamachi (2014)

22
http://abrapee.wordpress.com/
48

assinala que a postura classificatória na prática do psicólogo escolar é infrutífera, pois


conforma e imobiliza a busca por superações da condição de não aprendizagem. Não basta
perguntar “por que não aprende?”, mas é preciso compreender profundamente as condições e
contexto de surgimento de uma dada queixa para, assim, buscar possíveis caminhos.
Quando voltamos nosso olhar para as questões educacionais a partir de uma
perspectiva mais ampla, percebemos que por trás da emergência de tantas demandas de
‘alunos que não aprendem’ há um cenário de profunda desigualdade social, permeado pela
mercantilizarão do ensino e das relações, no qual:

Viver o cotidiano da escola tem sido viver o desalento de um processo


adaptativo e domesticador em relação ao mundo. Pouco se conhece acerca
das crianças que a frequentam. Pouco se faz pelas possibilidades de
transformação coletiva e individual, enfim, tem-se a visão de um imenso
espaço onde as pessoas não aparecem como sujeitos e, portanto, não se pode
transformar. (GUZZO, 2007, p. 19)

Porém, ao mesmo tempo em que a Educação se apresenta como parte do aparato


de exclusão e promoção da desigualdade social, ela também comparece dialeticamente como
espaço privilegiado para propor uma superação dessa realidade. Guzzo (2007) pontua que,
para que isso se efetive, é necessário um amplo processo de conscientização e de ações que
promovam a responsabilização, a autonomia e a libertação dos sujeitos envolvidos no
processo educativo.
O panorama de mudanças teórico-práticas no campo da Psicologia Escolar e
Educacional tem indicado que o psicólogo pode ser um grande parceiro nesse processo de
transformação, desde que paute sua atuação em um compromisso social, por meio de esforços
para que a Educação seja uma instância que respeite e promova os processos de
aprendizagem e desenvolvimento, a inclusão social, a diversidade e os direitos humanos. Para
isso, é fundamental que o psicólogo rompa com o lugar de detentor do conhecimento,
subjugando ou desvalorizando os saberes docentes, assumindo um posicionamento
colaborativo, no qual possa, a partir dos conhecimentos específicos do campo da Psicologia,
ajudar professores, alunos, famílias e demais sujeitos a compreenderem o processo de
produção das demandas educacionais:

O psicólogo é o mediador no processo de compreensão e elaboração das


condições necessárias para a superação da queixa/demanda, mediação
necessária à superação das histórias de fracasso e/ou sucesso. (...) A
queixa/demanda é entendida como síntese de múltiplas determinações,
portanto, a superação das condições nas quais se apresentam depende de
49

uma ação comprometida e consciente de todos os envolvidos, mediada pelo


psicólogo. (TANAMACHI, 2014, p. 178)

Em suma, um posicionamento crítico não significa a depreciação de um


conhecimento em detrimento de outro, mas, como recordam Foracchi e Martins (1977),
implica em ir à raiz de um dado conhecimento, buscando as determinações históricas das
concepções que o sustentam. Concordo com as definições de Meira (2012) sobre as
características de um pensamento crítico na Psicologia, pautadas em conceitos marxistas,
que, para além de um mero discurso, devem implicar em ações transformadoras da realidade.
São elas: a) reflexão dialética, a partir da compreensão de que os fenômenos psicológicos
devem ser compreendidos em seu processo de movimento e transformação, constituídos por
múltiplas determinações b) crítica do conhecimento, compreendendo que a produção de
saberes é determinada pelas relações sociais de produção e que, portanto, é preciso
compreender suas raízes histórias e desvelar os compromissos ideológicos que assumem; c)
denúncia da degradação, da alienação e da heteronomia humana impostas pelo modo de
produção capitalista, buscando desvelar todo e qualquer processo que impede o
desenvolvimento autônomo e digno do ser humano, criando possibilidades para a construção
de uma sociedade mais igualitária.
Ao delinear alguns princípios e defender a premência por um posicionamento
crítico, cabe questionar: quem é o psicólogo escolar? Defendo que essa acepção não deve se
restringir a um local específico de trabalho ou a uma simples especialidade, mas a toda
atuação no campo da Psicologia que articule de algum modo o trabalho com demandas
educacionais. Aqui vale um adendo sobre esse termo. No início da profissionalização da
Psicologia, entre as décadas de 1960 e 70, era comum a nomenclatura Psicologia do Escolar
ou ainda problemas de aprendizagem, terminologia ainda popular atualmente e que denotam
que as questões emergentes no contexto escolar estariam alocadas em uma patologia ou
dificuldade inerente ao aluno. Barbosa, D. (2011) ressalta que com a emergência do
movimento de crítica às práticas de ajustamento e culpabilização dos alunos deu origem a
novos termos, dentre eles, fracasso escolar (PATTO, 1996) e queixa escolar (MACHADO,
1997; SOUZA, 2007), indicando que as problemáticas que surgem na escola têm uma
dimensão institucional e não somente individual e devem ser tratadas considerando todo o
contexto de relações que a compõe.
Em publicação de 2008, o Conselho Federal de Psicologia (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2008) reitera que as possibilidades de atuação do psicólogo
no campo educativo se estendem a diversos tipos de instituições: escolas, abrigos, centros
50

socioeducativos; abrangendo variados níveis de ensino: infantil, fundamental, médio,


superior, profissionalizante. Isso reitera que a atuação deste profissional não se define pelo
local físico de trabalho, mas pelo tipo de demanda com a qual lida e, acima de tudo, a partir
do compromisso teórico-prático deste profissional com as questões educacionais, a partir de
um olhar ético e político (TANAMACHI & MEIRA, 2003, CRUCES, 2007).
Ainda assim, considero fundamental explicitar o termo Psicologia Escolar e
Educacional, assegurando esse campo como legítimo e necessário, em busca de espaços de
atuação cada vez mais próximos das instituições educacionais. Afirmar o lugar da Psicologia
Escolar e Educacional não significa isolar esse campo como uma especialização da
Psicologia, mas destacar que a dimensão educativa comparece em uma infinidade de
contextos humanos e merece atenção especial. A importância em afirmar os termos Escolar e
Educacional é apontada por Barbosa, D. (2011) como um modo de revelar o processo de
construção histórica desse campo na Psicologia: antes da regulamentação da profissão, já
havia o ensino e interesse por questões psicológicas no campo educacional, sendo que,
mediante o reconhecimento da profissão do psicólogo, incluiu-se o termo escolar na
nomenclatura, para denominar o campo de atuação desse profissional. A autora sugere,
inclusive, a terminologia Psicologia Educacional e Escolar, para revelar a historicidade do
processo de constituição desse campo.
Nesta Tese, opto pelo termo psicólogo que trabalha com demandas educacionais
para deixar explícita tanto a determinação social, histórica e cultural dos problemas, quer
sejam de aprendizagem, comportamento ou relacionamento interpessoal relacionados ao
aluno, família e/ou educadores que surgem em contextos educacionais ou que estejam, de
algum modo, relacionados à Educação, quanto a diversidade de contextos em que se pode
articular Psicologia e Educação, coerente com a realidade que encontrei nas participantes do
grupo, visto que apenas duas atuavam efetivamente em escolas (um participante trabalhava
em escola particular e outra em Secretaria Municipal de Educação).
O interesse de outros profissionais sobre o tema atendimento a demandas
educacionais deu destaque para o importante fato de que a queixa que surge na escola quase
nunca é atendida diretamente um psicólogo escolar e somente por ele. Aliás, como já
comentado anteriormente e afirmado em pesquisa sobre a atuação do psicólogo na rede
pública de educação (SILVA, SOUZA & YAMAMOTO, 2014), há poucos psicólogos
escolares efetivamente trabalhando na rede educacional. É importante ressaltar que a queixa é
atendida por uma rede de profissionais – se olharmos para as escolas públicas, por exemplo,
geralmente o professor identifica um problema no aluno, que é discutido e atendido pelos
51

educadores da própria instituição, a família é chamada e, se considerarem necessário,


encaminham este aluno para a rede de saúde ou assistência social, onde será atendido por
psicólogos, fonoaudiólogos, médicos, nutricionistas e outros profissionais, muitas vezes de
forma restrita a uma perspectiva individualizante de avaliação e diagnóstico psicológico,
desconsiderando a dimensão institucional de surgimento da queixa (GIMENEZ, 2011;
ROSA, 2011).
Em decorrência dessa rede que sustenta os encaminhamentos das demandas
educacionais e diante da diversidade não só de psicólogos, mas também de outros
profissionais que participaram do grupo colaborativo, amplio este termo na Tese para
profissionais que atuam com demandas educacionais, em consonância com Aragão (2010)
que defende que a Psicologia sozinha não é capaz de dar resposta a todas os problemas da
escola, não porque não seja competente o suficiente, mas porque não consegue elaborar todas
as perguntas que podem surgir. Defendo, portanto, que o psicólogo seja parceiro de outros
profissionais e que busquem juntos diversas áreas do conhecimento para dar conta das
demandas emergentes.
A partir desses postulados, reitero meu compromisso, nessa Tese, com Psicologia
Escolar e Educacional, em busca de uma atuação crítica junto às demandas educacionais, em
diversos contextos e em parceria com outros profissionais.
A seguir, apresento algumas reflexões sobre a formação do psicólogo para
trabalhar no campo educacional e na seção seguinte apresento a temática do desenvolvimento
profissional em uma dimensão colaborativa, oferecendo uma revisão bibliográfica sobre o
assunto.

2.2.1 A formação do psicólogo para trabalhar om demandas educacionais: impasses e


desafios atuais

Como já posto anteriormente, a Psicologia é uma profissão nova, regulamentada


em 1962 (Lei 4.119/62). Seu crescimento, no entanto, tem sido vertiginoso: um levantamento
no site do Ministério da Educação23 indica que, em 2017, há 699 cursos de Psicologia
credenciados, entre instituições públicas e privadas. O censo realizado em 2014 pelo Instituto
Brasileiro de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) indica que houve
20.663 concluintes em cursos de Psicologia no Brasil, ocupando o 9º lugar como o curso com

23
http://emec.mec.gov.br/
52

maior número de egressos do país. Em dados de 2017, o Conselho Federal de Psicologia


informa que o país possui, no momento, 291.373 psicólogas (os) registrados24.
A pesquisa “Quem é o psicólogo brasileiro” (BASTOS & GOMIDE, 1989)
apontou que a área mais escolhida como atuação profissional era a clínica particular, por
meio de atendimentos individuais. As áreas educacional e organizacional vinham em segundo
e terceiro lugar, respectivamente. Um dado interessante é que a área escolar, em geral, era
escolhida por motivações pessoais, mas abandonada por condições precárias de trabalho, em
especial de remuneração. Em pesquisas mais recentes (CRUCES, 2007; BASTOS &
GONDIM, 2010), a Psicologia Escolar e Educacional continua como um campo importante
de inserção do psicólogo, mas ainda atrás da área clínica. Apesar de a Psicologia Escolar
ainda ser uma das importantes áreas de inserção profissional, a investigação sobre a atuação
do psicólogo na rede pública de Educação (SILVA, SOUZA & YAMAMOTO, 2014) revela
que, de fato, há poucos psicólogos inseridos na Educação e que aqueles que lá se encontram
não raro desconhecem as especificidades do trabalho com demandas educacionais e acabam
desenvolvendo práticas relacionadas à atuação individual, sugerindo lacunas em sua
formação inicial.
Cruces (2007) desenvolveu uma pesquisa com os egressos nos cursos de
Psicologia em todo o país, com o objetivo de compreender seus interesses, inserção no
mercado de trabalho e práticas desenvolvidas. Os resultados apontaram que a maioria atua na
área clínica e da saúde, em segundo lugar fica a área organizacional e do trabalho e a
educação foi a terceira maior área de atuação, dado que reforça a relevância da Psicologia
Escolar. Além destas, houve outros campos de trabalho sugeridos em menor intensidade
pelas participantes: institucional e social; acadêmica e de pesquisa; do esporte; do trânsito;
jurídica e criminal. A pesquisa ainda revelou um dado curioso: a maioria das participantes
que não trabalha na área escolar e educacional indicou que, se houvesse oportunidade e boas
condições de trabalho, teria interesse em atuar nesta área.
Souza e Rocha (2008) ressaltam que as próprias práticas psicológicas adaptativas
e pautadas em um modelo médico acabaram por afastar este profissional da Educação,
realocando-o no campo da Saúde e enfraquecendo atuações institucionais. A partir
principalmente das mudanças desencadeadas pela Psicologia Escolar crítica, há uma busca
dos profissionais e pesquisadores por reverter este cenário e conquistar políticas públicas

24
As informações sobre o número de egressos em cursos de Psicologia, o número de psicólogos com registro
ativo no Brasil e no estado de São Paulo foram obtidas por consulta ao site do INEP e do Conselho Federal de
Psicologia, em 2017.
53

efetivas para inserção do psicólogo no âmbito educacional, o que é uma luta necessária e
ainda em curso. Um projeto do ano 2000 (PL 3688/2000) previu a inclusão de psicólogos e
assistentes sociais na rede pública de Educação Básica; somente em 2013 o projeto foi
aprovado pela Câmara dos Deputados. A Associação Brasileira de Psicologia Escolar e
Educacional merece destaque aqui, uma vez que tem militado na promoção de condições para
o reconhecimento legal da necessidade do trabalho do psicólogo no âmbito educacional. Em
maio de 2015, a ABRAPEE participou de uma audiência na Câmara dos Deputados,
juntamente com o Conselho Federal de Psicologia e a Associação Brasileira de Ensino de
Psicologia (ABEP) e outras entidades regionais da categoria. Nessa ocasião, houve a
aprovação do parecer sobre o projeto de lei pela Câmara de Constituição e Justiça e de
Cidadania (CCJC)25, que agora aguarda apreciação no Plenário. A importância de que o
psicólogo ocupe efetivamente estes espaços está principalmente na parceria que pode ter com
educadores, famílias e alunos, promovendo diálogos e reflexões que contribuam para a
qualidade das relações e para o desenvolvimento de todos os sujeitos que participam dos
processos educacionais.
Com o intuito de conhecer a atuação de psicólogos que já atuam neste campo e
propor referências técnicas, o Centro de Referência Técnica em Psicologia (CREPOP),
vinculado ao Sistema Conselhos de Psicologia, realizou, em 2009, uma pesquisa com
psicólogos que trabalham nos serviços públicos ligados à Educação Básica, para conhecer o
perfil destes profissionais e sua inserção na área (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2013). Participaram 302 profissionais que, em sua maioria, trabalhavam
recentemente neste campo (menos de quatro anos), corroborando com a discussão anterior
sobre a deficiência de políticas públicas de inserção do psicólogo na Educação. Os
informantes destacaram como dificuldades: baixos salários, grande volume de demandas e
falta de clareza de suas atribuições no contexto de trabalho, que muitas vezes exige uma
atuação limitada ao atendimento individual de alunos, com o objetivo de diagnosticá-los.
Com o objetivo de conhecer produções contemporâneas relacionadas à formação
continuada do psicólogo, realizei, em 2014, no início do Doutorado, uma revisão
bibliográfica com artigos, Teses e Dissertações em um intervalo de dez anos [2003-2013].
Para a elaboração desse projeto, optei pela busca em dois principais bancos de dados: Scielo
(Scientific Electronic Library Online) e BVS-Psi (Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia).

25
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=20050
54

Ressalto que, nesse primeiro exercício de revisão bibliográfica, não havia dado
início à produção do material empírico, portanto o foco ainda era a formação continuada do
psicólogo escolar. A importância desse levantamento foi conhecer as interlocuções dos
trabalhos recentes com a pesquisa. Por isso, considero relevante apresentar o número de
produções encontradas e realizar também uma breve análise qualitativa, indicando as
aproximações dos trabalhos com o tema investigado.
No BVS-Psi, utilizei como descritores “psicologia escolar e educacional” para
uma visão geral do que tem sido produzido na área como um todo. Para uma compreensão
mais específica, escolhi a combinação dos descritores: “psicologia escolar + desenvolvimento
profissional”; “psicologia escolar + formação do psicólogo” e “psicologia escolar + educação
continuada”. Já no Scielo, busquei somente com as combinações entre os descritores, por
considerar já suficientes para compor o projeto os trabalhos encontrados no BVS-Psi com a
palavra-chave “psicologia escolar e educacional”. A tabela abaixo indica a quantidade de
trabalhos encontrados:

Tabela 1: Artigos encontrados em bases de dados nacionais

Scielo Bvs-psi

psicologia escolar e (este descritor não foi usado) 176


educacional

psicologia escolar + 7 8
formação do psicólogo

psicologia escolar +
desenvolvimento
profissional --- 2

psicologia escolar+ 1 3
educação continuada

TOTAL26 6 180

A partir da leitura dos resumos, foram organizadas categorias, para compreender


qualitativamente a produção encontrada:

26
O valor da soma total dos artigos não confere com a quantidade por descritores, pois algumas produções se
repetiram em decorrência da busca com descritores semelhantes. Portanto, no valor total, consideraram-se as
entradas repetidas.
55

a) Estudos teóricos: os trabalhos localizados subdividem-se em dois grupos:


revisões teóricas sobre a obra de autores da Psicologia/Educação; estudos sobre a história da
Psicologia Escolar e Educacional ou sobre concepções e direcionamentos de atuação em uma
perspectiva crítica.
b) Pesquisas sobre os processos de aprendizagem e/ou comportamento de
alunos: os trabalhos encontrados abordaram este tema de modos diversificados – em uma
perspectiva quantitativa/estatística, com o uso de testes ou escalas; em uma metodologia
qualitativa, por meio de entrevistas ou trabalhos em grupo; encontrei também pesquisas sobre
o processo de aprendizagem em crianças adoecidas/hospitalizadas.
c) Pesquisas sobre o cotidiano educacional à luz da Psicologia Escolar:
localizei investigações sobre a escola ou outras instituições educacionais, analisadas por meio
do referencial da Educação e/ou da Psicologia Escolar e Educacional. Os assuntos abordados
foram: currículo; avaliação; relação família-escola; relação professor-aluno; relação
professor-supervisão/gestão escolar; estudos sobre o cotidiano da sala de aula, sobre a prática
do professor; investigações sobre educação inclusiva.
d) Relatos e reflexões sobre a atuação do psicólogo em contextos
educacionais: os trabalhos encontrados abordaram discussões sobre as práticas de estagiários
e psicólogos em escolas e instituições de educação não formal, nos seguintes níveis de
ensino: educação infantil, ensino fundamental, médio e superior. Os temas mais abordados:
estudos de caso sobre atendimento à queixa escolar e intervenções institucionais; trabalho de
orientação profissional e formação de professores; dilemas vivenciados na prática; construção
da identidade do psicólogo escolar, indicando, em geral, preocupação em incorporar o
referencial crítico em Psicologia Escolar.
e) Formação inicial do psicólogo escolar: os trabalhos localizados analisam a
formação do psicólogo e do psicólogo escolar na graduação, por meio de pesquisas tanto
quantitativas (análise das notas do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes -
ENADE, por exemplo) quanto qualitativas, com análise do currículo, propostas para
melhorar a qualidade da formação, estudos sobre estágio supervisionado, entrevistas com
alunos e docentes para conhecer o processo formativo.
f) Formação continuada do psicólogo escolar: localizei trabalhos com egressos
dos cursos de Psicologia, para compreender a preferência por áreas e inserção no mercado de
trabalho e estudos sobre a atuação e a formação de psicólogos escolares inseridos na rede
pública de educação.
56

O que chamou a atenção foi a escassez de trabalhos sobre o desenvolvimento


profissional do psicólogo escolar. Dentre os poucos trabalhos sobre esse assunto, destaco
algumas produções que ajudaram a compreender um pouco mais sobre como os psicólogos
escolares têm atuado. Para Barreto, Calafange e Lima (2009) há indicativos de ampliação das
práticas para um fazer institucional e interdisciplinar, mas ainda existe uma indefinição do
papel do psicólogo na escola, onde muitas vezes é cobrado a realizar ações individualizantes,
dado que se assemelha à pesquisa do CREPOP (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA,
2013), citada anteriormente. Os profissionais relacionam os desafios e dificuldades
encontradas no cotidiano às limitações da formação de graduação, que enfatiza pouco o
campo educacional. Em pesquisa sobre a atuação do psicólogo escolar, Souza (2010) relata
que a maioria dos profissionais buscou aprimoramento após a graduação, em cursos de
especialização ou supervisões, revelando importância atribuída pelos profissionais à
formação continuada, mas parte destes cursos não tinha relação direta com a Psicologia
Escolar ou não abordavam os referenciais críticos e recentes da área. Silva (2010) e Tada,
Sápia e Lima (2010) destacam que ainda são poucos os espaços de supervisão e formação em
Psicologia Escolar, desafio que precisa ser superado para que os profissionais se aprofundem
teoricamente, compartilhem, discutam e encontrem soluções os problemas vivenciados na
prática.
Santos e Toassa (2015) realizaram uma revisão bibliográfica para compreender
como a formação do psicólogo escolar tem sido abordada por pesquisas de 1988 a 2011.
Embora tenham encontrado trabalhos que ressaltam a importância desse campo não só para a
atuação em escolas, mas também para subsidiar uma formação humana e contextualizada dos
processos psicossociais para a Psicologia como um todo, os trabalhos ainda denunciam as
falhas principalmente na formação inicial do psicólogo para atuar na Educação – os
currículos em geral não oferecem possibilidades de uma formação que vá além do mero
domínio técnico, dialogando com a teoria e a prática de forma mais complexa, além disso é
ainda comum não abordarem o cenário educacional brasileiro e se restringirem a uma visão
individualizante e patologizante dos problemas educacionais. As autoras concluem o texto
ressaltando a necessidade de mudança tanto na formação inicial quanto na formação
continuada, indicando que infelizmente há poucos cursos e especializações para o psicólogo
escolar.
57

Um levantamento no site do Conselho Federal de Psicologia27 quanto aos cursos


de especialização reconhecidos indicou apenas dois que se relacionam ao campo educacional,
a saber: 1) Curso de Especialização em Psicologia Escolar, oferecido pelo CAPE - Centro de
Aperfeiçoamento em Psicologia Escolar de Porto Alegre28, 2) Curso de especialização em
Psicopedagogia Construtivista, oferecido na Universidade Estadual de Campinas29. Realizei
também uma busca geral na internet com o termo “curso de extensão psicologia escolar” e
encontrei cinco cursos relacionados: 1) Curso de aperfeiçoamento oferecido pela Escola
Superior Aberta do Brasil (ESAB)30, voltado para psicólogos e demais profissionais da
Educação, que indica aprofundar conhecimentos sobre as contribuições da Psicologia no
campo educacional; 2) Curso Psicologia Escolar e Educacional oferecido pela Universidade
Vale do Rio Doce31, cujo objetivo é oferecer formação a psicólogos e demais profissionais
que trabalham em instituições de ensino; 3) Curso de Especialização em Psicologia Escolar,
oferecido pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul32, que aconteceu em
2001 apenas; 4) Curso de Especialização lato sensu em Psicologia Escolar, oferecido pela
Universidade de Santo Amaro33, voltado para aprofundar os conhecimentos no campo da
Psicologia Escolar, direcionado para psicólogos e demais profissionais da Educação; 5)
Curso de Especialização lato sensu em Psicologia e Educação, oferecido pela Universidade
Paulista (Unip), voltado para a formação de professores e demais profissionais interessados.
Além destes, a Universidade de São Paulo oferece anualmente um curso de aperfeiçoamento
para atendimento à queixa escolar.
Aqui vale também um adendo do grande número de cursos de pós-graduação lato
sensu em Psicopedagogia, segundo o site do MEC, em 2017 são 729 cursos credenciados,
presenciais e à distância. A Psicopedagogia é um curso que pode ser feito por qualquer
profissional que tenha um curso superior e em geral oferece a ideia de que, ao capacitar-se
nessa área, o profissional estaria apto a atender queixas escolares, em perspectiva semelhante
às atribuições conferidas ao psicólogo escolar. De acordo com Barbosa, D. (2011), a figura
do psicopedagogo surge quando o psicólogo é afastado do contexto escolar, buscando

27
http://site.cfp.org.br/servicos/titulo-de-especialista/cursos-credenciados/
28
http://capepsi.com.br/
29
http://www.extecamp.unicamp.br/modelo_noticia_full.asp?id=160
30
http://www.esab.edu.br/cursos-de-extensao-e-qualificacao-ead/psicologia-escolar-e-social-81/
31
http://univale.br/cursos/o_curso/?CodigoCurso=211
32
http://www.ead.pucrs.br/cursos/listartodos.php
33
http://www.unisa.br/unisadigital/dpg19.html
58

substituir suas funções, o que pode ser um problema, uma vez que muitos desses cursos
oferecem uma formação acrítica sobre os problemas que emergem no contexto educacional.
Estes dados indicam a escassez de espaços para que os psicólogos interessados
pelo campo educacional possam aprimorar sua formação e discussão sobre a prática. Vale
ressaltar que, embora verificados os poucos cursos de formação, acontece a cada dois anos o
Congresso Nacional de Psicologia Escolar e Educacional (CONPE), organizado pela
ABRAPEE, principal evento de discussão das práticas e construção da profissão. Também
ocorrem, em geral de dois em dois anos, intercalados com o CONPE, encontros regionais da
área, dentre eles: Encontro Mineiro de Psicologia Escolar; Encontro Paranaense de Psicologia
Escolar; Encontro Paulista da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional e
Encontro Rondoniense de Psicologia Escolar e Educacional. Além disso, a Associação
Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) também realiza importantes encontros voltados
para a formação do psicólogo.
Os elementos apresentados indicam que ainda há grandes desafios no fazer do
psicólogo que trabalha com demandas educacionais. Defendo que o desenvolvimento
profissional é processo inconcluso, não por descrédito à formação na graduação ou para
suprir possíveis lacunas, mas porque a atuação profissional sempre envolve novos desafios,
que os cursos de graduação não conseguiriam abarcar (ARAGÃO, 2010), sendo necessário
ao profissional buscar espaços formais de formação continuada, supervisão profissional,
diálogo com pares, estudos contínuos e um cuidado com a dimensão pessoal para superar os
desafios que surgem cotidianamente.
E o que significa, afinal, desenvolver-se profissionalmente? Considerando que
desenvolvimento profissional é o tema da Tese, sigo com definições sobre este termo, com
especial destaque para os grupos colaborativos, modalidade a partir da qual foi produzido o
material empírico.

2.3 Desenvolvimento profissional e as contribuições dos grupos colaborativos

Como já delineado, o objetivo desta pesquisa é analisar o grupo colaborativo


como fonte de desenvolvimento para profissionais que trabalham com demandas
educacionais. E o que me levou a eleger o termo desenvolvimento profissional e não
formação continuada? Ressalto primeiramente que a formação, seja ela inicial ou contínua,
compõe o processo de desenvolvimento profissional, mas este processo é mais amplo do que
59

os cursos de formação. É principalmente nesse pressuposto que apoio minha escolha.


Vejamos algumas reflexões que contribuem para pensar esse conceito.
Desenvolvimento profissional é uma terminologia usual do campo da Educação.
Nóvoa (1992) o define a partir de uma leitura crítica sobre o processo histórico de
constituição da profissão do professor. Considerando que o ensino escolar é fundamental para
os saberes e valores que serão permeados na sociedade, o autor analisa que o Estado busca
um controle da formação do professor para que este haja de acordo com os interesses
ideológicos convenientes. É necessário manter os professores sob uma lógica do proletariado,
na qual não se valoriza a classe, além de tolher sua autonomia, reduzindo seu trabalho a uma
mera condição técnica. Nóvoa (1992) aponta que, nessa perspectiva, a formação dos
professores fica subjugada a fatores alheios aos próprios profissionais, que ficam a depender
unicamente de conhecimentos externos ao contexto da escola para aprimorar a prática
profissional. Ao tecer essa crítica às propostas de formação continuada que geralmente são
impostas aos docentes e ficam restritas a um nível tecnicista, o autor propõe a valorização do
desenvolvimento profissional do professor, considerando que o objetivo é envolver, para
além da técnica, a dimensão pessoal e também coletiva (contexto e condições de trabalho)
daquele profissional, valorizando suas potencialidades e a produção de saberes no cotidiano
de atuação.
Vicentini (2012) aponta que o termo desenvolvimento profissional seria o mais
adequado para denominar o processo de constituição do educador, pois rompe com a
concepção de que este deve treinado para aplicar teorias e técnicas, apresentando um sentido
abrangente, no qual a formação profissional deve acontecer durante todo o percurso de vida
do professor e por meio de cada experiência:

Com isso, o distanciamento entre a dicotomia formação inicial e formação


continuada se faz necessário superar, visto que perante este ponto de vista a
formação docente é contínua implicando, consequentemente, constante
evolução. (VICENTINI, 2012, p. 53)

Ponte (1998) sugere que a formação do professor é um processo que “envolve


múltiplas etapas e que, em última análise, está sempre incompleto” (p. 2). O autor acrescenta
que a diferença fundamental entre a ideia de formação e o conceito de desenvolvimento
profissional é que o primeiro termo geralmente está ligado a cursos formais específicos,
enquanto o segundo indica que a constituição profissional acontece em diferentes tempos e
espaços, a partir de atividades diversificadas que podem acontecer ou não em contextos
60

formais. O desenvolvimento profissional também marca a ideia de que o protagonista desse


processo é o profissional e não um formador externo que vai simplesmente impor ou fornecer
teorias e técnicas. Além disso, o desenvolvimento profissional proporciona uma ideia mais
integrada entre teoria e prática, com destaque especial para as potencialidades e não para o
que falta na formação daquele sujeito:

No desenvolvimento profissional dá-se grande importância à combinação


de processos formais e informais. O professor deixa de ser objecto34 para
passar a ser sujeito da formação. Não se procura a “normalização” mas a
promoção da individualidade de cada professor. Dá-se atenção não só aos
conhecimentos e aos aspectos cognitivos, para se valorizar também os
aspectos afectivos e relacionais do professor. (PONTE, 1998, p. 2)

Imbernón (2004) acrescenta que os cursos formais de educação inicial e


continuada são elementos importante do processo de desenvolvimento do profissional, mas
não o define, uma vez que outros aspectos estão envolvidos, como, por exemplo, as
condições concretas de trabalho e a dimensão pessoal. A partir dessa perspectiva, considerar
o desenvolvimento profissional implica em propor ações voltadas para a melhoria da atuação
profissional. Para isso, é fundamental que se desenvolvam propostas que possibilitem uma
reflexão ampla acerca da realidade,

(...) com um esforço de superação de nossa condição de rotina na vida


cotidiana, na busca constante de entender com clareza as situações em que
vivemos e trabalhamos, para mudarmos, avançarmos em relação à situação
atual. (GATTI, 2014, p. 378)

O desenvolvimento profissional requer, portanto, inquietude e disposição para


pensar a prática e a teoria, reconhecer-se no coletivo e nele se fortalecer para transformar
efetivamente a realidade ao redor. Inspirado nas contribuições de Schön, Nóvoa (1992)
acrescenta que é importante investir nos saberes que os professores produzem em suas
práticas, considerando que os problemas enfrentados no cotidiano são complexos e exigem
uma postura reflexiva para se conseguir resolver situações de incerteza mediante decisões
bem fundamentadas.
Ainda que a temática da reflexividade não seja o foco principal das discussões
aqui tecidas, penso que nesse ponto seja importante tecer uma breve consideração sobre esse
conceito, uma vez que o exercício reflexivo é fundamental para o processo de

34
Texto redigido em português de Portugal.
61

desenvolvimento profissional. O pensamento é uma função psíquica humana e, de modos


variados, todos pensamos sobre algo cotidianamente. Refletir, porém, não se reduz ao mero
ato de pensar, mas consiste em uma ação intencional e sistemática de produzir conhecimento
sobre a prática, buscando suas implicações e fundamentos teóricos (DEWEY, 1938/2011).
Apoiado nesse pressuposto, Schön (1998/2000) diz que o cotidiano de trabalho, em qualquer
área, envolve conhecimentos implícitos e espontâneos que permitem ao profissional guiar
suas ações e tomar decisões diante de situações desafiadoras ou novas, sem que
necessariamente saiba explicar como e porquê agiu daquele modo. A isso, o autor chama de
conhecer-na-ação. Posteriormente a esse processo se dá a reflexão-na-ação, por meio da qual
o profissional, ao se deparar com os dilemas da prática, reflete sobre a situação no momento
presente, criando novas estratégias de ação. A análise posterior das ações desenvolvidas pelo
profissional também é um processo importante, denominado por Schön (1998/2000) como
reflexão-sobre-a-ação, por consistir em uma apreciação retrospectiva da ação, na qual o
profissional reflete sobre como agiu, o que pensou naquele momento, quais significados
atribuiu ao acontecido, com o intuito de construir novas possibilidades, aprimorando a
qualidade da prática. Por último, define um terceiro processo: reflexão sobre a reflexão-na-
ação, que apresenta uma qualidade diferente dos momentos anteriores, pois permite ao
profissional analisar seu processo reflexivo, a partir da construção de futuras possibilidades
de ação, consolidando sua identidade profissional.
Os processos explicitados por Schön são fundamentais para compreender que
aprender uma profissão não é algo estanque, mas acontece de forma vívida, em cada desafio
enfrentado no cotidiano da prática. Críticas ao conceito de reflexividade (PIMENTA, 2002;
LIBÂNEO, 2002) apontam que esse termo tem sido usado erroneamente em reformas
educacionais informando aos professores que “pensar sobre a prática” seria suficiente,
esvaziando o caráter político e coletivo da atuação do professor. Embora Aragão (2010)
considere essa crítica válida, ressalta a reflexividade como um princípio que vai além de
meramente pensar sobre, mas refletir crítica e coletivamente com vistas à transformação do
contexto escolar.
Em consonância com Nóvoa (1992) e Aragão (2010, 201735) concordo que é
inconcebível considerar que a formação acontece somente a partir de um curso pontual,
mediante a transmissão de um conjunto de teorias e técnicas. Ao contrário, o processo de

35
Em apresentação no Concurso para Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas.
62

desenvolvimento profissional é um complexo que abarca a formação, seja ela inicial ou


continuada, mas também as dimensões pessoais, relacionais, cognitivas, afetivas, a
fundamentação teórica, o cotidiano e condições concretas de trabalho e as políticas públicas
de formação e atuação profissional, elementos estes que devem ser considerados como uma
unidade dialética.
Além das definições específicas do campo da formação de professores,
desenvolvimento profissional é tratado nesta Tese sob o prisma da Teoria Histórico-Cultural,
a partir das contribuições de Vigotski. Ainda que o escopo desta teoria seja abordado em
detalhes na seção seguinte, vale um adendo neste tópico, afirmando desde já que
desenvolvimento profissional é uma dimensão do processo de desenvolvimento humano,
objeto principal da THC. Vigotski (1931/1997) define desenvolvimento humano como um
processo complexo de contínua mudança e reorganização das funções psicológicas
superiores, composto por elementos biológicos, mas determinado pela cultura, tendo como
origem as relações sociais. Assim, as características de uma pessoa podem ser explicadas a
partir desse processo, no qual as relações sociais são internalizadas e se tornam funções
psicológicas. Aprender uma profissão exige um funcionamento psíquico complexo, que
depende de diversas funções – raciocínio lógico, memória lógica, pensamento em conceitos
científicos, imaginação criadora, atenção voluntária, emoções, abstração, volição...
Desenvolver-se profissionalmente está, portanto, para além de aprender a como aplicar
técnicas, está relacionado ao desenvolver-se como pessoa integralmente, de forma contínua e
a partir das interações sociais.
Pensando no desenvolvimento profissional como processo cuja origem é social,
encontrei na proposta dos grupos colaborativos uma estratégia para o desenvolvimento do
projeto de extensão com o grupo de profissionais que trabalham no campo educacional. Os
grupos colaborativos são voltados para o campo do desenvolvimento profissional docente e,
nesse sentido, Fiorentini e Crecci (2013) identificam que essa ideia surgiu com o intuito de
estabelecer uma parceria entre universidade e profissionais da Educação Básica para realizar
um trabalho de formação de professores. Por meio de uma forte crítica a propostas de
formação pautadas em ações que impõem conhecimentos e técnicas, por vezes distantes das
reais necessidades da sala de aula, os grupos colaborativos identificam a necessidade de
valorizar produção de saberes docentes no cotidiano de trabalho, identificando que a prática
profissional é um campo complexo. Para isso, exaltam a importância de que as temáticas
discutidas partam do próprio grupo de profissionais, a fim de constituir uma comunidade de
partilha e análise coletiva da prática:
63

Estamos cansados de esperar que alguém pergunte ao professor o que ele


pensa de sua formação continuada e o que ele gostaria de fazer dela;
cansados de esperar que se pergunte do que ele realmente necessita para seu
desenvolvimento profissional. Até hoje espaços não foram criados para que
seja realmente considerada a voz do professor para a definição de políticas
públicas adequadas às suas necessidades. Surge como uma proposta para o
campo de formação docente, não apresenta um único modelo, mas pode ser
proposto de acordo com as necessidades das pessoas interessadas.
(GONÇALVES JÚNIOR; CRISTOVÃO; LIMA - Org.- Carta do I
Simpósio de Grupos Colaborativos e de Aprendizagem do Professor que
Ensina Matemática, 2012, p. 150)

Não há um único direcionamento para os grupos colaborativos, uma vez que


podem ser realizados com profissionais diversos, interessados em aprimorar a compreensão
sobre um dado aspecto da prática, compartilhando experiências e saberes. Fiorentini e Gama
(2009) destacam que um grupo colaborativo deve ser um espaço de reflexão compartilhada
sobre a prática, por meio da disponibilidade em acolher qualquer membro que esteja
disponível e interessado em contribuir com a temática em questão, em uma proposta
voluntária, na qual não haja cobranças ou imposições e que valorize a construção conjunta
das atividades e ações formativas:

As características desses coletivos fazem emergir a colaboração,


considerando que demandam tempo e confiança para que seus integrantes se
constituam como participantes colaborativos que respeitam os objetivos
individuais e grupais. (FIORENTINI & GAMA, 2009 p. 449)

Para isso, é importante proporcionar um espaço de escuta e de diálogo, por meio


de uma participação ativa e democrática nas escolhas tomadas pelo grupo. Dentre algumas
atividades que facilitam esse processo, Fiorentini e Gama (2009) destacam, por exemplo: a)
participação compartilhada e alternada nas atividades, para que cada participante assuma
diferentes papéis; b) discussão teórica a partir das demandas do grupo; c) compartilhamento
de experiências sobre a prática por meio de narrativas orais e escritas.
Esse processo de reflexão conjunta sobre a prática é apontado por Fiorentini e
Gama (ibidem) como potencialmente importante para o desenvolvimento profissional, uma
vez que a prática em grupo possibilita aos participantes se sentirem parte de uma comunidade
profissional e irem além do que conseguiriam pensar ou realizar sozinhos. É importante
ressaltar que, mais que um espaço para aprender conceitos e teorias específicas, a proposta
dos grupos colaborativos busca considerar os sujeitos participantes de forma integral,
propiciando a acolhida das angústias, medos, dúvidas, experiências e êxitos profissionais,
64

buscando, no coletivo, possibilidades para pensar as questões compartilhadas. Proença e


Buciano (2012, p. 35), ao relatarem a experiência de um grupo colaborativo sobre
alfabetização, identificam que o diálogo e o vínculo estabelecido entre os participantes são
elementos fundamentais para a aprendizagem dos participantes: “Os encontros estimulam,
assim, a vontade de deixar-se transformar e afetar, ressignificando o conhecimento como algo
vivo e com sentido individual e coletivo”.
Fiorentini e Crecci (2013) apontam, ainda, que nesses espaços colaborativos
podem-se desenvolver importantes trabalhos de pesquisa sobre a prática, uma vez que, por
meio dos encontros marcados pela discussão das experiências profissionais, é possível
exercitar uma postura investigativa, sistematizando as deliberações produzidas em grupo e
avançando para estudos cada vez mais aprofundados.
Instigada pela proposta de desenvolvimento profissional pautado em uma
proposta colaborativa, ampliei a revisão de literatura em duas dimensões: a) pesquisa em
bases internacionais: aproveitando meu estágio na Monash University, no qual tive acesso
aos bancos de dados disponíveis pela biblioteca da instituição, resolvi realizar uma nova
busca por publicações científicas em inglês, abarcando uma dimensão mais ampla sobre o
que a comunidade científica internacional tem publicado sobre o tema; b) redefinição das
palavras-chave: considerando que o foco da pesquisa não era mais somente a formação do
psicólogo educacional, mas o desenvolvimento de profissionais que trabalham com demandas
educacionais, tendo o grupo como fonte de desenvolvimento, a partir dos conceitos da THC,
decidi refazer a busca usando novas palavras-chave.
Nesta segunda revisão, escolhi uma terminologia de busca relacionada ao grande
tema da pesquisa e que fornecesse, portanto, uma análise ampla e consistente de como a
temática tem sido abordada internacionalmente, quais as lacunas e possibilidades encontradas
e como os trabalhos contribuem para a minha Tese. As perguntas que instigaram essa busca
foram: como a temática do desenvolvimento de profissionais que trabalham com demandas
educacionais tem sido abordada nos últimos 10 anos? Como a dimensão colaborativa
comparece nessa temática? A THC comparece nessas pesquisas? Quais delas envolvem
pesquisa-intervenção?
As bases de dados escolhidas foram ERIC (Education Resources Information
Center) e PsycINFO (da American Psychological Association), por serem duas bases de
dados importantes e que trazem trabalhos tanto do campo da Psicologia quanto da Educação.
O intervalo escolhido foi de 10 anos (jan/2006 a dez/2015) e os descritores escolhidos foram:
65

• professional development
• professional development + groups
• professional development + collaboration
• professional development + groups + collaboration
• professional development + discussion groups
• professional development + peer learning
• professional development + Vygotsky

Dentre as publicações, encontrei artigos, teses, dissertações e outros tipos de


publicação e aqui escolho relacionar apenas os artigos científicos, por serem publicações de
mais fácil acesso e circulação. A tabela a seguir indica a quantidade de artigos encontrados
para cada descritor:

Tabela 2: Artigos encontrados em bases de dados internacionais

Descritores ERIC PsicINFO

Professional development (PD) 6.910 7.776


PD + groups 582 750
PD + collaboration 265 526
PD + groups + collaboration 17 64
PD + discussion groups 36 7
PD + peer learning 8 10
PD + Vygotsky 14 7

Considerando o grande volume de trabalhos encontrados nos três primeiros


descritores, decidi realizar uma leitura dos trabalhos apenas a partir quarta da combinação de
descritores (professional development + groups + collaboration; professional development +
discussion groups; professional development + peer learning; professional development +
Vygotsky). A partir de uma leitura dos resumos, escolhi 21 trabalhos para leitura36 e análise a
seguir apresentada, conforme já discutido em Nasciutti, Veresov e Aragão (2016). Os
trabalhos selecionados foram aqueles que apresentavam algum tipo de pesquisa-intervenção

36
As referências dos trabalhos selecionados nesse novo levantamento estão relacionadas no Apêndice 1
66

ou análise posterior de programas de desenvolvimento profissional. Escolhi, ainda, pesquisas


sobre desenvolvimento profissional que faziam referencia à Teoria Histórico-Cultural ou à
Vigotski.
Em termos metodológicos, de modo geral os estudos encontrados discutem
desenvolvimento profissional em duas perspectivas: a) analisando programas de
desenvolvimento profissional já existentes; b) propondo uma pesquisa-intervenção para
estudar este tópico e analisar estratégias e práticas neste campo.
A maior parte dos estudos se encaixa na primeira perspectiva, analisando as
repercussões de programas de desenvolvimento profissional em sua maioria propostos para
professores de educação básica, por meio de entrevistas, questionários ou grupos focais. Por
exemplo, Armour e Yelling (2007) discutem o papel da aprendizagem informal e
colaborativa em um programa de formação continuada para professores de Física, analisando
as anotações dos educadores e entrevistas individuais e em grupo, para compreender as
percepções dos professores sobre seu processo de aprendizagem profissional. Os autores
consideram que o processo de desenvolvimento profissional é contínuo e envolve tanto
atividades formais quanto não formais, tais como interação entre pares e colaboração fora dos
cursos de formação continuada. Outros estudos indicam ainda a importância da colaboração,
por meio da partilha de experiência, do diálogo e do apoio dos pares no cotidiano de trabalho
e também durante atividades formativas sistematizadas (KILLEAVY & MOLONEY, 2010;
GULDBERG, 2008; MEIRINK, MEIJER, VERLOOP, 2007). Programas de
desenvolvimento profissional online também aparecem em diversos estudos, que discutem as
repercussões do uso de blogs e outros meios de comunicação via internet como uma
modalidade que pode ajudar os educadores a aprenderem com os pares, partilhando suas
experiências e dilemas (KILLEAVY & MOLONEY, 2010; GULDBERG, 2008; DUNCAN-
HOWELL, 2010; KOOP, HASENBEIN & MANDL, 2014; ERNEST et al., 2013).
Apesar de minoritários, a revisão revelou estudos do tipo pesquisa-intervenção,
que criaram e analisaram programas de desenvolvimento profissional em uma perspectiva
colaborativa. Masuda e Ebersole (2012) afirmam que grupos de estudos podem ajudar
professores iniciantes, indicando que um espaço de apoio e acolhimento, no qual os
professores se sintam convidados a refletir sobre suas práticas é essencial para que eles
desenvolvam novas estratégias de ação. Orland-Barak (2007) analisa um programa de um ano
para mentores educacionais, sugerindo que ao invés de um modelo focado no treinamento
técnico, os programas de desenvolvimento profissional devem focalizar o processo
conversacional, criando um espaço acolhedor e seguro, no qual os profissionais se sintam
67

livres para partilhar suas necessidade, conflitos e ideias, valorizando, sobretudo, a interação
entre pares. Hidin et al. (2007) analisam uma proposta formativa nessa direção, indo além da
análise do grupo, investigando a atuação dos professores em sala de aula, para entender como
eles aplicam o que aprendem no programa de desenvolvimento profissional, concluindo que a
colaboração em grupo é essencial para aprimorar a prática docente.
É possível perceber pontos em comum entre os artigos encontrados e a proposta
apresentada na Tese. A maior parte dos trabalhos discute a temática do desenvolvimento
profissional valorizando as interações sociais, em especial entre pares, a partir do diálogo,
apontando a necessidade de se valorizar os profissionais como protagonistas do processo.
Contudo, apenas dois artigos trazem a figura do psicólogo, mas nenhum discute a formação
desse profissional em contextos educacionais – um artigo discute o contexto clínico de
atuação (BRADLEY et al., 2012) e outro a atuação na área de saúde, envolvendo equipe
multiprofissional (PHELAN et al., 2012). Além disso, embora 21 artigos citem Vigotski de
alguma forma, os conceitos da THC não são usados como ferramentas de análise, mas de
forma a sustentar alguns pontos de vista, em geral sobre a importância das relações sociais.
Isso indica a relevância desta Tese, uma vez que trago à tona o grupo não como um fator,
mas como fonte de desenvolvimento profissional, a partir de uma pesquisa-intervenção que
ofereceu e analisou à luz da THC uma proposta formativa para profissionais que trabalham
com demandas educacionais, tendo como centro das discussões os conhecimentos advindos
do campo da Psicologia Escolar e Educacional.
Os trabalhos desenvolvimentos pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
Continuada da Unicamp (GEPEC) também apresentam importantes contribuições, por meio
de pesquisas que valorizam o trabalho docente e que partem do cotidiano escolar, em estreita
colaboração com os professores e demais profissionais da Educação. Cunha e Prado (2007)
valorizam pesquisas que buscam conhecer a realidade escolar, possibilitando propostas de
intervenção e de investigação, compreendendo o constante diálogo entre essas dimensões.
Dentre as diversas produções que caminham nessa direção, destaco a pesquisa de Aragão
(2010, 2012, 201737), a partir de um projeto formativo-investigativo, desenvolvido com
professores de uma escola pública municipal e que teve como objetivos: a) promover o
desenvolvimento profissional dos professores, por meio do trabalho coletivo de superação
dos dilemas e desafios da prática, bem como da construção em conjunto do projeto

37
Em apresentação no Concurso para Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas.
68

pedagógico, a partir da reflexividade (objetivo formativo); b) compreender o processo de


reflexividade dos educadores, analisando de forma crítica os níveis de lógica reflexiva dos
participantes (objetivo investigativo). A relevância desse trabalho é a centralidade do
coletivo, enfatizado pela autora como um dispositivo fundamental para o desenvolvimento
profissional docente no espaço escolar, a partir da reflexividade. A autora pontua que refletir
sobre a prática não é simplesmente um mero ato cognitivo de conversar ou pensar sobre ela,
mas é, sobretudo, buscar, na teoria, fundamentos da prática, discutindo-a na coletividade e
relacionando-a a suas múltiplas determinações.
Aragão (2010) alerta que, se há críticas ao modo como o ensino é desenvolvido
pelos professores em sala de aula, de forma tecnicista e com base na mera transmissão de
conhecimentos, é fundamental pensar em como os espaços de formação para os professores
se organizam e em que medida possibilitam a ruptura com essa modalidade de ensino. Assim,
para que haja repercussões e mudanças efetivas no contexto escolar, é fundamental que os
próprios educadores tenham acesso e reflitam sobre uma concepção crítica de educação e de
ser humano, a fim de se apropriarem delas em suas ações pedagógicas:

Entendo o ensino reflexivo como sendo construído por professores críticos e


que analisam suas teorias e práticas, à medida que se debruçam sobre o
conjunto de sua ação, refletindo sobre o seu ensino e as condições sociais
nas quais suas experiências estão inseridas, sempre de forma coletiva, com
seus pares. Além disso, acredito que a reflexividade é constituída,
necessariamente, por discussões que busquem fundamentar teoricamente as
tomadas de decisão cotidianas na direção de uma ação cada vez mais
intencional e menos ingênua. (ARAGÃO, 2012, p. 22)

Dentre as conclusões desta pesquisa, destaco o desenvolvimento da reflexividade


docente como um processo que não ocorreu de forma linear, mas a partir das atividades e
discussões intencionalmente propostas e construídas pelo grupo, nas quais os docentes foram
transformando seu modo de pensar e sua própria constituição como educadores:

E foi assim que sucedeu na escola: sujeitos em transformação, alterando as


suas visões sobre o processo de ensino e de aprendizagem e uma intensa teia
de relações interpessoais, que foram provocando mudanças no grupo, de
modo que todos fomos nos tornando cada vez mais reflexivos
coletivamente. (ARAGÃO, 2010, p. 418)

Aragão (ibidem) também ressalta a importância da indissociação entre teoria e


prática, bem como das dimensões pessoal e profissional, como instâncias que se relacionam
69

dialeticamente, provendo o desenvolvimento profissional docente em um sentido integral, por


meio dos aspectos cognitivos, emocionais e relacionais do trabalho formativo.
Destaca, ainda, a primazia de que o trabalho de formação em grupo na escola seja
sistemático e contínuo, a partir da valorização dos dilemas vivenciados pelos professores,
legitimando-os e buscando soluções, de acordo com as necessidades coletivas, permitindo a
passagem de um eu solitário para um eu solidário (SÁ-CHAVES & AMARAL, 2000). As
expressões em itálico indicam que, quando o profissional se encontra solitariamente
envolvido em suas práticas, tem diante de si a difícil tarefa de tomar decisões sem discuti-las
e enriquecê-las com seus pares. O encontro com o grupo possibilita ampliar o repertório de
atuação e buscar soluções para os problemas enfrentados (ARAGÃO, 2010).
O desenvolvimento profissional a partir dos grupos colaborativos é uma proposta
pensada para professores, a partir de professores e neste trabalho ouso aproximá-la de outros
profissionais que lidam com demandas educacionais em suas práticas, apostando na criação
de um espaço em que “eus solitários” encontrem solidariedade, a partir de práticas
colaborativas.
Com as preciosas considerações tecidas neste tópico, sigo viagem apostando nas
contribuições de partilhar as vivências da prática e construir saberes coletivamente.
Considerando a Teoria Histórico-Cultural como a chave para compreender as interações
sociais, apresento a seguir os fundamentos e conceitos analíticos dessa perspectiva para a
análise do material empírico da pesquisa.

2.4 Fundamentos da Teoria Histórico-Cultural e conceitos-chave de análise

No Memorial de Formação, apresento a Teoria Histórico-Cultural (THC) como


uma perspectiva essencial, de modo que a não ser um mero apanhado de conceitos que usarei
para analisar o material de pesquisa, mas uma forma complexa de compreender o ser
humano, a partir de fundamentos que fazem parte irreversível de quem sou e do modo como
vejo o mundo. Portanto, apresento nesta seção as contribuições de Lev S. Vigotski [1896-
1934] e, considerando sua vasta produção intelectual, discutirei os principais alicerces de sua
teoria, destacando conceitos que serão ferramentas analíticas para a compreensão do material
empírico produzido.
O objetivo da Tese é analisar o grupo colaborativo como fonte de
desenvolvimento para profissionais que trabalham com demandas educacionais. O
grupo, portanto, não é um mero fator, mas fonte de desenvolvimento profissional, a partir das
70

relações sociais estabelecidas por meio dele. Por que escolho a THC como ferramenta
analítica para o material empírico? Em primeiro lugar, o principal objeto de conhecimento
desta perspectiva é o processo de desenvolvimento humano e esta pesquisa tem como tema
central o processo de desenvolvimento profissional, dimensão que envolve aspectos diversos
da vida humana. Ademais, a THC oferece uma explicação sobre o desenvolvimento humano
tendo as relações sociais como origem deste processo (VIGOTSKI, 1934/1994), tal como é o
principal intuito da Tese (NASCIUTTI; VERESOV; ARAGÃO, 2016). Aqui cabem três
perguntas que serão base para a discussão a seguir: como a THC define desenvolvimento
humano? O que significa dizer que as relações sociais são fonte de desenvolvimento? Como
se dá o processo de desenvolvimento da dimensão social para a dimensão individual?
A Teoria Histórico-Cultural tem origem na Rússia, durante a primeira metade do
século XX. L. S. Vigotski, A. N. Leontiev e A. S. Luria são os principais precursores desta
perspectiva teórica, seguidos de diversos colaboradores, tais como S. L Rubinstein; A V.
Zaporovhets; D. B. Elkonin; V. V. Davydov, dentre outros (LONGAREZZI & PUENTES,
2013) que, ao vivenciarem intensamente a Revolução de 1917, propuseram, a partir de uma
base marxista, um modo de compreensão dos processos psíquicos e educacionais pautado em
um prisma histórico e cultural. Com as intensas mudanças sociais ocasionadas naquele
momento, houve a necessidade de pensar em uma ciência para a formação do novo homem
socialista e, nesse âmbito, a Psicologia e a Educação tinham muito a contribuir (PRESTES,
2010; PRESTES, TUNES & NASCIMENTO, 2013). O caráter colaborativo dessa corrente
levou a diferenças de enfoques e do modo como cada autor desenvolveu sua obra,
diversidade que enriqueceu a Psicologia russa e suas repercussões ainda hoje. Aqui opto pela
produção de Vigotski, por ter sido esse o autor a quem mais tive acesso durante minha
formação e por comungar profundamente de suas ideias.
Vigotski deixou uma vasta e intensa produção – há, hoje, livros, manuscritos,
aulas e anotações avulsas, inclusive ainda não publicadas que surpreendem diante do pouco
tempo de vida que teve em decorrência da tuberculose (PRESTES, 2015). Com uma
formação ampla e em diálogo com vários campos de conhecimento, como Direito, História,
Filosofia e Artes, o autor se destaca na área da Psicologia, a partir da insatisfação com as
explicações naturalistas e simplistas dos fenômenos psicológicos e do seu esforço em criar
“uma nova abordagem dos processos psicológicos estritamente humanos e pôr a psicologia
em bases materialistas” (PRESTES, TUNES & NASCIMENTO, 2013, p.55).
Entretanto, a busca de Vigotski por uma explicação dos fenômenos psíquicos
humanos não se deu de modo linear, sua teoria passou por diferentes fases, nas quais ele
71

explicita suas questões, conflitos, por vezes negando a si mesmo para dar lugar a conceitos
que hoje conhecemos. Veresov (2005) assinala que Vigotski contou com fontes teóricas
diversas em sua produção intelectual – o marxismo é um dos principais fundamentos e o mais
conhecido deles, mas também há fortes influências na tradição filosófica, cultural e artística
russa, principalmente por meio do teatro, cujos autores Vigotski ficou por vezes
impossibilitado de mencionar em decorrência do regime soviético. Não houve a intenção de
criar uma “psicologia marxista”, com a mera transposição de conceitos, mas o intuito seria
partir dos subsídios marxistas para mediar a construção de uma nova Psicologia. Destaco três
princípios essenciais:

a. Caráter material da existência – a vida humana não é determinada a


partir de aspectos dos indivíduos separadamente, sejam eles biológicos ou
abstratos, mas são os aspectos sociais e materiais que determinam, em última
instância, a constituição de cada sujeito. Engels (1876) analisa que é por meio
da atividade de trabalho que o homem consegue se diferenciar dos outros
animais: modificando e dominando a natureza, a partir da criação de
instrumentos, o homem também cria condições para transformar a si mesmo,
indo além da regulação de seu comportamento por necessidades meramente
fisiológicas e adquirindo funções complexas como a linguagem e a
consciência. A subjetividade é determinada, portanto a partir da forma como
os seres humanos se relacionam e não o contrário.
b. Caráter histórico do processo de constituição humana: além da
materialidade que nos torna humanos, o processo de desenvolvimento de cada
ser individual é sempre contextualizado. Nas Teses sobre Feuerbach
(1845/1978) Marx afirma: “Mas a essência humana não é algo abstrato,
interior a cada indivíduo isolado. É, em sua realidade, o conjunto das relações
sociais”, sendo que as relações sociais estão sempre datadas em um momento
histórico específico. Assim, cada mudança e composição do processo histórico
da humanidade é elemento determinante da constituição de cada sujeito
(TANAMACHI, 2014).
c. Compreensão a partir da lógica dialética: a determinação material e
histórica da vida humana não pode ser compreendida mediante um prisma
linear, mas sim dialético. Segundo Konder (1981/2004), a lógica dialética
pode ser definida como um modo de compreender a realidade, como
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essencialmente contraditória e em constante transformação. Assim, ao olhar


para um aspecto individual e aparente da realidade, temos que fazer um
movimento analítico para tentar entender as múltiplas e complexas
determinações que o constituem. A dialética é, portanto, um modo de pensar
elaborado, que considera as constantes mudanças e emergência do novo.

A vida de Vigotski foi marcada por intensas crises – em sua história pessoal,
devido ao adoecimento que atravessou boa parte de sua produção científica; no âmbito
político, diante do anúncio de uma sociedade justa e igualitária seguida de um regime
totalitário e violento; no âmbito da própria Psicologia, ciência que estava ela mesma em crise,
diante das diversas abordagens contraditórias entre si que existiam para explicar o mesmo
fenômeno. Veresov (2005) destaca três fases importantes na carreira de Vigotski que
explicitam sua busca incessante em encontrar o princípio explicativo para os fenômenos
psíquicos humanos:

1) Abordagem reflexológica [1917-1924]: inspirado no legado do behaviorismo, Vigotski


entendia a consciência humana como um reflexo do meio, compreendendo que a Psicologia
deveria desenvolver uma metodologia objetiva e materialista de análise do psiquismo,
criticando as teorias subjetivistas vigentes na época;

2) Psicologia Materialista [1925-1927]: ao final da primeira fase, Vigotski já indicava sua


insatisfação com a explicação da consciência como reflexo, o que podemos ver
principalmente em seu manuscrito de 1927 O significado histórico da crise na psicologia.
Uma investigação metodológica, publicado em português na coletânea Teoria e Método em
Psicologia (2004), nele, Vigotski aponta que a Psicologia da época era caracterizada por
diversas ciências particulares defendendo suas próprias verdades e não conseguindo ir além
da mera descrição dos fenômenos psíquicos humanos. Vigotski indica a necessidade de
propor uma metodologia verdadeiramente explicativa. Para isso, propõe compreender os
fenômenos de modo complexo, histórico e dialético.

3) Teoria Histórico-Cultural [1927-1934]: é interessante notar que os principais conceitos da


THC tal como conhecemos hoje foram formulados nos anos finais da vida de Vigotski.
73

Veresov38 observa que o adoecimento de Vigotski piorou muito neste período e seu
sofrimento intensificou-se por não ter encontrado ainda o cerne explicativo do
desenvolvimento do psiquismo humano. Entretanto, os escritos em forma de rascunho
inacabado do manuscrito escrito em 1929, dão indícios de um salto qualitativo na produção
de Vigotski, quando ele questiona: o que é desenvolvimento? Qual a diferença essencial entre
os processos de desenvolvimento naturais e biológicos para o desenvolvimento cultural e
histórico da mente humana? As produções desse último período evidenciam de forma mais
clara e consistente a origem social da mente, inserida em um movimento histórico, tendo a
cultura como mediadora desse processo, por meio de signos e ferramentas.
Em supervisão com o Professor Nikolai, ao discutirmos o Manuscrito de 1929,
fiz a seguinte pergunta: por que Teoria Histórico-Cultural? Apesar de não haver uma clara
denominação desse termo na produção vigotskiana (PRESTES 2015) e de haver também
divergências no modo como é denominada ainda hoje no âmbito acadêmico, seus princípios
teórico-metodológicos são contemplados com profundidade nessa terminologia – Histórico
porque a função psicológica superior surge tanto na história na humanidade em um
determinado período, quanto na história em particular daquele sujeito em um dado momento:
“(...) ao falarmos em desenvolvimento cultural da criança, temos em mente o processo
correspondente ao desenvolvimento mental que ocorre no processo de desenvolvimento
histórico da humanidade” (VIGOTSKI, 1931/1997, p. 18)39. Se tomarmos qualquer função
mental tipicamente humana, conseguiremos perceber que ela tem uma base biológica, mas se
diferencia dela, pois surge em um dado momento histórico da humanidade e, ao mesmo
tempo, para cada sujeito apresenta uma história que é particular e única das relações que ele
estabelece ao longo de sua própria trajetória de vida. Cultural porque os processos psíquicos
não se desenvolvem de forma espontânea, mas mediados por signos e ferramentas
culturalmente construídos pela humanidade, por meio das relações sociais que estabelecemos:
“(...) a cultura cria uma forma especial de comportamento, ela modifica a atividade das
funções mentais, constrói superestruturas no desenvolvimento do sistema de comportamento
humano” (VIGOTSKI, 1931/1997 p. 18).
Quando Vigotski fala sobre desenvolvimento ele se refere ao desenvolvimento
cultural das funções psicológicas superiores, ou seja, aqueles processos mentais que têm sua
origem nas relações sociais, mediados por signos e ferramentas culturais. Ressalta-se aqui a

38
Em supervisão individual do estágio na Austrália, em 1º de março de 2016, ao discutirmos o manuscrito
Psicologia Concreta do Homem, de 1929, publicado no Brasil em 2000.
39
Tradução livre do inglês.
74

discussão ainda em curso sobre quais seriam as funções psicológicas e a necessidade de


compreendê-las de modo complexo e integrado (DELARI, 2011). Vigotski elenca algumas
delas em sua obra: memória lógica, atenção voluntária, imaginação criadora, pensamento em
conceitos, emoções, volição. Porém, essas funções não se encontram compartimentadas no
sujeito e, por isso, devem ser estudadas em sua dinâmica e interação.
Desenvolvimento é, portanto, um processo complexo de mudança qualitativa, de
reorganização das funções psicológicas superiores do sistema psíquico (VERESOV, 2010).
Se tomarmos uma pessoa em particular, veremos que ela pertence à espécie humana, cujo
processo evolutivo biológico a tornou semelhante a outros de sua espécie, entrada do
desenvolvimento denominada como filogênese. Ao mesmo tempo, ela nasceu com um
determinado material genético e determinadas condições biológicas próprias que a
diferenciam de outros de sua espécie. Em uma outra dimensão, temos que essa mesma pessoa
nasceu em um dado momento histórico e em uma dada cultura, que tem costumes e idioma
próprios, denominado por Vigotski como entrada sociogênica. Em uma outra dimensão,
temos que essa mesma pessoa tem sua trajetória particular e única de vida, de acontecimentos
e relacionamentos, que em combinação complexa com todas as outras entradas do
desenvolvimento, caracteriza-se na entrada denominada como ontogênese. Por fim, há a
entrada microgenética, que explica as pequenas mudanças qualitativas quase imperceptíveis
no desenvolvimento, processo usado por Vigotski para compreender que os processos
psíquicos não estão fossilizados, mas em constante vir a ser. Todas estas entradas compõem o
que Vigotski analisou como o complexo processo de desenvolvimento cultural, que tem bases
biológicas, mas cuja gênese é social (VIGOTSKI, 1931/1997).
Dizer que em uma pesquisa iremos analisar o processo de desenvolvimento é uma
assertiva muito ampla, pois diz respeito a tudo que aconteceu e a todos os elementos que
compõem aquele sujeito para quem olhamos. Por outro lado, selecionar apenas um elemento
e não o enxergar à luz do todo, pode nos levar a uma mera descrição superficial e não a uma
explicação. Veresov (2010) indica que o desenvolvimento é composto por diversos aspectos e
para cada um deles temos conceitos que nos ajudam a entender o processo, sem perder de
vista sua complexidade. Usando a metáfora da viagem, vamos supor que alguém que não fez
parte daquela excursão sinta curiosidade em saber como foi o passeio feito por seus colegas.
Muitos elementos compuseram essa experiência – trajeto de ida e vinda, pontos turísticos
visitados, compras, hospedagem, pessoas que conheceram, imprevistos, tomadas de decisão,
registros fotográficos, comidas que experimentaram... – se um desses elementos mudasse, a
experiência como um todo também seria diferente. Nessa conversa, poderiam, portanto,
75

focalizar diferentes aspectos a depender do que é consideram importante relatar para aquele
amigo – imprevistos, as belas paisagens, a culinária do local, as compras realizadas. Porém,
estariam, ainda assim, falando sobre a mesma viagem.
Cada conceito está relacionado a certos aspectos do processo de desenvolvimento
como um todo e consegue explicar um dado aspecto do desenvolvimento e, ao realizar esse
movimento analítico de forma dialética, o pesquisador é capaz de ir além da aparência do
material empírico produzido. Por isso, delineio a seguir os aspectos e os respectivos conceitos
teóricos que serão chave de análise para o material produzido para compreender o grupo
colaborativo como fonte de desenvolvimento para profissionais que trabalham com
demandas educacionais.

a) Natureza e fonte do desenvolvimento – Situação social de desenvolvimento (SSD)

Vigotski (1931/1997, p. 72) 40 diz que:

A análise do processo, não do produto, análise que revela a real conexão e


relação causal e dinâmica, mas que não rompe com as características do
processo e que é, consequentemente, uma análise explicativa e não
descritiva e, finalmente, uma análise genética, que volta ao ponto inicial e
reestabelece todos os processos de desenvolvimento.

Aqui percebemos que o desafio do pesquisador é olhar para o processo de


desenvolvimento em movimento, buscando a gênese que ocasionou as mudanças naquele
fenômeno analisado e reconstruindo os elementos que deram origem ao processo. Para
Vigotski, toda função psicológica superior tem sua gênese nas relações sociais. Temos,
portanto, para cada mudança que ocorre no sujeito um dado contexto social e neste contexto
um sistema de interações que é fonte destas mudanças. As relações sociais são, portanto, a
natureza e a fonte de desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Situação social
de desenvolvimento é o conceito que nos ajuda a compreender esse aspecto:

A situação social de desenvolvimento representa o momento inicial para


todas as mudanças dinâmicas que ocorrem no desenvolvimento durante um
dado período. Ela determina toda e completamente as formas e o percurso
ao longo do qual a criança vai adquirir novas características de
personalidade, extraindo-as da realidade social como a fonte básica de

40
Tradução livre do inglês.
76

desenvolvimento, o percurso ao longo do qual o social se torna o individual.


(VIGOTSKI, 1934/1998, p. 22)41

Vigotski nos convida a encontrar as relações sociais que constituem as funções


psicológicas individuais. Nesta pesquisa temos o grupo como o contexto, mas ele por si só
não é a fonte – as interações humanas que lá aconteceram é o que defendo como fonte de
desenvolvimento profissional (NASCIUTTI; VERESOV; ARAGÃO, 2016). Como
aconteceram as relações nesse grupo? Como o processo de mediação estabelecido a partir
dessas relações criaram condições para mudanças qualitativas nos sujeitos?
As mudanças que ocorrem a partir de um dado sistema de interações são únicas,
porém são regidas por uma mesma lei – lei genética geral do desenvolvimento humano – e é
ela que nos permite analisar e explicar as mudanças qualitativas:

Toda função entra em cena duas vezes, em dois planos, primeiro no plano
social e depois no psicológico, primeiro entre as pessoas como categoria
interpsíquica e depois no interior da criança como categoria intrapsíquica.
(VIGOTSKI, 1931/1997, p. 106)42

É importante notar dois pontos: 1) as funções psicológicas superiores (FPS) não


‘aparecem’ entre as pessoas para depois ‘reaparecerem’ dentro delas, Vigotski indica que as
FPS internalizadas são elas mesmas relações sociais, em outras palavras, uma vez
internalizadas, as funções psicológicas “permanecem ‘quasi’-sociais. O individual, o pessoal
– não é ‘contra’, mas uma forma superior de sociabilidade” (Vigotski, 1929/2000); 2) nem
todas as relações são internalizadas, mas apenas aquelas relações categóricas, dramáticas,
intensas (VERESOV, 2015), a partir do processo de mediação, o qual permite a
transformação de funções rudimentares em funções complexas, a partir da apropriação das
significações culturais “incorporadas por cada pessoa, adquirindo suas peculiaridades”
(PINO, 2005, p. 160). A partir daqui, podemos seguir para o segundo aspecto e conceito-
chave.

b) Forças motrizes – Drama

Vejamos a seguinte citação:

41
Tradução livre do inglês.
42
Tradução livre do inglês.
77

O desenvolvimento toma um caráter turbulento, impetuoso e algumas vezes


catastrófico que se assemelha a um curso revolucionário de eventos tanto no
nível de mudanças que ocorrem quanto no sentido das mudanças que são
feitas. (VIGOTSKI, 1934/1998, p. 9)43

Estamos sempre e inevitavelmente imersos em um dado contexto e


consequentemente em interações sociais diversas e acontecimentos diários e isso por si só
não provoca mudança em quem somos ou em como pensamos/sentimos. Porém, podem
surgir, neste contexto, interações sociais que geram colisões – seja por sua intensidade
emocional, por nos desafiarem cognitivamente, por nos fazerem pensar de um outro modo.
Essas colisões e interações dramáticas são a força motriz do desenvolvimento e o conceito de
drama nos ajuda a compreender esse aspecto:

Tais colisões de experiência emocional podem trazer mudanças radicais na


mente do indivíduo e, portanto, podem ser uma espécie de ato de
desenvolvimento das funções – o indivíduo pode se tornar diferente, ele se
torna superior e acima do seu próprio comportamento. Sem um drama
interno, uma categoria interna, tais mudanças mentais são dificilmente
possíveis. (VERESOV, 2010, p. 88) 44

Experimentamos tanto crises na dimensão da sociogênese, ou seja, determinadas


experiências dramáticas que são comuns para todos os sujeitos em um dado contexto cultural
e período histórico e que levam a mudanças qualitativas do desenvolvimento (por exemplo: é
esperado que as crianças no Brasil, a partir dos seis anos estejam alfabetizadas ou a transição
para a adolescência, que certamente é um fenômeno social e pelo qual todos passam nessa
cultura e nesse dado período histórico) e temos também, na dimensão ontogenética, crises
que cada sujeito experimenta cotidianamente de forma única, a partir de suas vivências
particulares em determinadas relações (VIGOTSKI, 1934/1998).
As crises são, portanto, uma complexa combinação de elementos do contexto e
do sujeito que as vivenciam, sendo potencialmente capazes de modificar o curso do processo
de desenvolvimento. Logo, o conceito de drama auxilia a compreender a relação individual-
social de forma dialética, uma vez que considera que a força motriz do desenvolvimento não
é a dimensão social de forma isolada, mas a forma como o sujeito se relaciona com o
contexto, por meio de interações dramáticas (VERESOV, 2015).

43
Tradução livre do inglês.
44
Tradução livre do inglês.
78

c) Mudanças qualitativas – Perejivanie (переживание)45

Se a situação social do desenvolvimento (SSD) é a fonte e o ponto inicial para


qualquer modificação no sistema psíquico e se não são todas as relações sociais que passam
de uma dimensão interpsíquica para uma dimensão intrapsíquica, mas apenas as situações
sociais dramáticas, a pergunta é: como se internalizam? Como se dá a transição do social para
o individual? Aqui chegamos ao importante aspecto de mudanças qualitativas. Tomemos
novamente a metáfora da viagem, vamos supor que todas as pessoas que participaram
daquela excursão tenham ido aos mesmos lugares, comeram nos mesmos restaurantes,
ficaram no mesmo hotel, fizeram todos os passeios juntos. No retorno, ao contarem sobre a
viagem para o amigo que não foi, cada um deles tem relatos diferentes sobre o que
aprenderam e como interpretaram os mesmos acontecimentos de formas diversas. As
mudanças qualitativas no sistema psicológico se referem justamente ao processo de
apropriação do contexto de forma única e irrepetível e como isto modifica aquele sujeito
como um todo. Perejivanie é o conceito que explica as mudanças qualitativas no sistema
psíquico, na transição do social para o individual. Se a SDD nos ajuda a olhar para a
dimensão do contexto, a perejivanie nos ajuda a olhar para a dimensão do sujeito.
Veresov e Fleer (2016) indicam que, tradicionalmente, este conceito tem sido
usado de forma limitada, referindo-se apenas a algo que acontece a alguém e a como
acontece. Porém, esta terminologia apresenta dois significados diferentes e complexos na
obra de Vigotski: a) perejivanie como um fenômeno, que pode ser observado e que se refere à
dimensão ontológica; b) perejivanie como um conceito analítico, que se refere à dimensão
epistemológica, servindo como uma ferramenta teórica que ajuda na compreensão de como as
relações sociais determinam o curso do desenvolvimento psicológico e que só pode ser
compreendido em relação a outros conceitos fundamentais da teoria.
Escolho aqui me exceder no uso das citações diretas, acreditando ser necessário
trazer a voz do próprio Vigotski (1934/1994)46 sobre este conceito:

45
Esse conceito apresenta traduções muito variadas, ora como emoção, ora como experiência, ora como
vivência (Prestes, 2010). Apesar de a perejivanie abarcar a vivência, as emoções, a cognição e outros processos,
Veresov (2015) identifica que ela não se define por esses processos, mas pela unidade entre o individual e o
social, daí a dificuldade em encontrar uma palavra correspondente para o termo. Em consenso com estes
autores, escolho usar o termo no original russo.
46
Tradução livre do inglês.
79

[perejivanie é] 47 como a criança se torna consciente de, interpreta e se


relaciona emocionalmente com um certo evento. (p. 5)

A [perejivanie] surgindo de qualquer situação ou de qualquer aspecto do


ambiente determina o tipo de influência que essa situação ou esse ambiente
terá na criança. Portanto, não é nenhum dos fatores por si só (se tomados
sem relação com a criança) que vão influenciar o futuro curso de seu
desenvolvimento, mas os mesmos fatores refratados através do prisma da
[perezhivanie] da criança. (p. 3)

[perejivanie] é um conceito que nos permite estudar o papel e a influência


do ambiente no desenvolvimento psicológico da criança na análise com as
leis do desenvolvimento. (p. 7)

As citações revelam que não é possível meramente tentar encontrar no material


de pesquisa a perejivanie como um fenômeno, mas usá-la como um conceito que explica o
processo pelo qual as relações sociais em um dado contexto são refratadas48 pelos sujeitos de
forma única, de acordo com as características e trajetória igualmente singulares,
características estas que têm no social sua origem, revelando a dialética entre social-
individual:

Para afirmar uma certa posição geral, seria correto dizer que o ambiente
determina o desenvolvimento da criança, através da [perejivanie] do
ambiente. (...) a criança é parte da situação social e a relação da criança com
o ambiente e do ambiente com a criança ocorre através da [perejivanie].
(VIGOTSKI, 1934/1994, p. 294)49

Logo, diante do material empírico de pesquisa, ao analisarmos o processo de


desenvolvimento psíquico em quaisquer de suas dimensões, é importante perguntarmos: qual
foi o contexto? Deste contexto, quais são as SSD que se caracterizam como momento inicial
de mudança qualitativa? Quais são as colisões, os eventos dramáticos que impulsionaram as
mudanças? Como essas interações dramáticas foram refratadas pelos sujeitos em sua
singularidade? Quais transições e mudanças encontramos? Portanto, perejivanie, usada como
uma ferramenta analítica indissociada dos conceitos de SSD, e drama, são fundamentais para
compreender o curso do desenvolvimento do sujeito de forma complexa e dialética.

47
O termo encontra-se entre colchetes, tal como na tradução utilizada, porém no texto original perejivanie é
traduzida como “experiência emocional” ou “experiência”. Em acordo com Veresov e Fleer (2016), substituo o
termo pelo original russo nas citações que seguem.
48
O termo “refratada” é usado aqui de acordo com a metáfora escolhida por Vigotski (1934/1998) para explicar
o conceito de perejivanie. Ao contrário da ideia de reflexo, na qual o espelho reproduz fielmente a imagem nele
refletida, na refração temos um prisma, no qual a luz entra de uma dada forma mas sai do prisma em múltiplas
cores e dimensões. Assim é o conceito de perejivanie, para explicar como cada sujeito refrata o contexto social
de forma única.
49
Tradução livre do inglês.
80

Finalizo este tópico sobre a Teoria Histórico-Cultural expressando meu


encantamento por essa perspectiva teórica. Considero-me uma viajante em curso, entendendo
que muito ainda há pela frente para aprender. No meu lugar de aprendiz, posso dizer que uma
das mais preciosas contribuições de Vigotski é a valorização plena e absoluta das relações
sociais, imersas e inseparáveis da conjuntura histórica e cultural, como fonte de
desenvolvimento humano. Esse olhar possibilita propor ações voltadas para a formação
humana de modo integral em contextos diversos, valorizando os processos de ensino e
rompendo definitiva e radicalmente com qualquer noção cindida, linear e reducionista de ser
humano.
81

3. Planejar a rota, percorrer caminhos: sobre as escolhas de pesquisa

3.1. Norte, sul, leste, oeste: apresentando as coordenadas de pesquisa

Caminhante, são tuas pegadas


o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar.
– Cantares, Antonio Machado –

O principal intuito deste tópico é delimitar o aporte metodológico que sustenta


esta pesquisa, bem como os caminhos trilhados para produzir o material, uma vez que
qualquer investigação está relacionada à produção de conhecimento e, assim, ao campo da
ciência. E como poderíamos definir o que é conhecimento e o que é ciência? Vieira Pinto
(1979) aponta uma definição possível ao afirmar que o conhecimento é “a possibilidade de
dominar a natureza, transformá-la, adaptá-la às suas necessidades”. Portanto, desde que o ser
humano se tornou uma espécie diferente das demais, capaz de transformar a natureza, muito
antes de surgir o conhecimento científico sistematizado, já havia produção de conhecimento.
Segundo o autor, de um conhecimento tácito, baseado na experiência empírica direta, a
humanidade caminhou para o nível de uma autoconsciência sobre o saber que possui, para em
seguida conseguir criar métodos para conhecer e para sistematizar o conhecimento, de modo
a prevê-lo, conhecer as leis da realidade e transformá-la de modo ainda mais complexo,
originado que hoje podemos definir como ciência.
Os campos de conhecimento científico e os métodos de conhecimento da
realidade são diversos. Entretanto, segundo Chalmers (1993), há uma superioridade conferida
ao paradigma positivista de ciência que considera que, para uma pesquisa ser considerada
científica, é necessário que uma hipótese derivada de uma dada teoria seja testada e validada,
de forma neutra e objetiva, para assim se tornar um preceito universal. Porém, cabe a
questão: é possível que um mesmo método consiga abarcar toda a diversidade que nos cerca?
Boaventura Santos (2006) nos ajuda a pensar que não. Ao criticar o absolutismo positivista
no campo da ciência, o autor considera que não devemos hierarquizar as formas de se
conhecer o mundo, como se houvesse uma ciência superior à outra. Pelo contrário, devemos
partir do princípio de que toda produção científica é uma construção social, local e datada
historicamente e que, portanto, nenhum campo da ciência consiste em uma verdade absoluta.
82

Diante da impossibilidade de aderir a um único método investigativo para toda e


qualquer conjuntura, Flick (2004) analisa que a pesquisa qualitativa surge no campo das
Ciências Humanas a partir da necessidade de analisar a produção de sentidos em contextos
particulares, uma vez que o estudo das relações sociais exige formas de investigação nas
quais a construção de conhecimento é realizada mediante o estudo e análise de contextos
locais. Uma possível definição de pesquisa qualitativa seria que esta é uma modalidade
caracterizada por contextualizar os sujeitos durante todo o estudo, analisando as informações
de forma descritiva e detalhada, na qual o processo em que a questão estudada foi constituída
é mais relevante do que o produto ou os resultados da mesma (BOGDAN & BIKLEN, 1994).
González-Rey (2002) acrescenta que os estudos na perspectiva qualitativa se propõem a
compreender os fenômenos e criar teorias acerca de uma realidade “plurideterminada,
diferenciada, irregular, interativa e histórica” (p. 29). A dimensão singular e contextualizada
de pesquisas de cunho qualitativo, não deve, entretanto, implicar em um olhar
individualizante para a situação investigada, com o mero objetivo de descrever aquilo que se
observa. Pelo contrário, partindo das realidades locais é fundamental a busca pelas múltiplas
determinações que as constituem, para compreender e transformar aquilo que se estuda. É
preciso rigor, curiosidade, questionamento, diálogo crítico com teorias historicamente postas
e o constante movimento de articular dialeticamente as produções de pesquisa com a vida
cotidiana.
A discussão desses pressupostos indica que não há uma forma padrão de se
desenvolver uma pesquisa e que esse processo ganha especificidades à medida que o
pesquisador desbrava o campo investigativo. Não há, portanto, um método superior a outro,
mas, sim, objetivos de pesquisa que exigem que o pesquisador escolha um ou outro caminho
por onde deve trilhar a investigação. Considerando que o objetivo da pesquisa é analisar o
grupo colaborativo como fonte de desenvolvimento para profissionais que trabalham com
demandas educacionais, a escolha de uma pesquisa-intervenção, pautada no paradigma
qualitativo, por meio da proposta de um curso de formação profissional se fez coerente, uma
vez que pretendia produzir o material empírico em parceria com os sujeitos de pesquisa,
buscando criar situações que me ajudassem a pensar o campo do desenvolvimento
profissional tendo as relações como centrais e não como mero pano de fundo.
Além de uma pesquisa-intervenção pautada em uma perspectiva qualitativa,
considero que os princípios metodológicos vigotskianos também compuseram a produção do
material empírico. Vigotski desenvolveu sua obra a partir de estudos empíricos,
principalmente experimentos com crianças, que podem ser encontrados em diversos
83

momentos ao longo dos diversos textos publicados nas Obras Escolhidas50. Podemos dizer
que o desenvolvimento teórico e metodológico são dimensões igualmente importantes de sua
obra. Considerando a lei genética do desenvolvimento humano, segundo a qual toda função
psicológica entra em cena em dois planos (primeiro, interpsíquico e, depois, intrapsíquico),
sendo que nesse processo os signos são internalizados e modificam o sistema psicológico,
Vigotski estava interessado em entender não o resultado, mas o processo em si,
reconstruindo-o para compreender os determinantes de sua origem (VERESOV, 2014). No
método desenvolvido por Vigotski, denominado experimental genético, ele se valia de
experimentos no intuito de criar situações, oferecendo, por exemplo, atividades e desafios
para as crianças para que ele conseguisse visualizar todo o processo de desenvolvimento de
funções psicológicas. Com isso, buscava superar as pesquisas que tradicionalmente eram
feitas no campo da Psicologia e que tentavam apenas mensurar o que já havia sido alcançado
para depois descrever os fenômenos psicológicos. Para ele, o desenvolvimento é um
complexo objeto de estudo e que deve ser investigado como processo:

Em nossa concepção, esse propósito é descobrir a consistência interna, a


lógica interna, as conexões internas e as interdependências que determinam
o curso e a estrutura do processo de desenvolvimento da criança.
(VIGOTSKI, 1931/1993, p. 252)51

Apesar de não ter desenvolvido um estudo aos moldes idênticos que Vigotski
realizava, identifico que o Curso de Difusão se aproximou da metodologia vigotskiana, pois
foi um contexto especialmente criado para analisar o processo de desenvolvimento
profissional. Havia minhas intencionalidades investigativas, assim como atividades
oferecidas ao grupo com o objetivo de contribuir com a formação das participantes. O foco
estava, portanto, em criar situações propícias para o desenvolvimento do grupo e em analisar
o percurso percorrido.
A frase da epígrafe, “caminhante não há caminho, se faz caminho ao andar” é
pertinente para pensar esse percurso. Ao embarcar nesta pesquisa escolhi ser como uma
aventureira, que não escolhe um destino final, mas se desafia a descobrir as estradas ao longo
do percurso. É claro que em uma viagem deste tipo também temos que fazer escolhas prévias,

50
Existem seis tomos das Obras Escolhidas, as publicações mais conhecidas são em inglês e espanhol. Para
entender a relação das publicações, ver DELARI, A. Obras escolhidas de Vigotski (títulos na edição espanhola),
2005 [texto não publicado formalmente]. Acesso: https://www.scribd.com/doc/10283264/Lista-completa-dos-
titulos-das-obras-escolhidas-de-Vigotski
51
Tradução livre do inglês.
84

pois sabemos de onde partir e temos uma aposta de destinos que gostaríamos ou não de
conhecer, mas deixamos que o trajeto nos surpreenda, encontrando ao longo dele paisagens
nunca antes imaginadas.

3.2. Com mapa em mãos: apresentando a proposta

Olho o mapa da cidade


Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...
(...)
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)
– O Mapa, Mário Quintana –

No segundo semestre de 2014, a partir do diálogo com minha orientadora e com


colegas de pesquisa, defini que o objetivo da Tese seria investigar o desenvolvimento
profissional de psicólogos escolares, a partir de uma proposta de formação em grupo.
Consideramos, desde o início, realizar uma ação ligada à extensão universitária, por
identificarmos a importância de institucionalizar o trabalho, colaborando para a parceria entre
universidade e comunidade externa, dentro do tripé: ensino, pesquisa e extensão. Para
produzir o material empírico, escolhi oferecer um curso dentro da modalidade de Curso
Difusão Científica, oferecido pela Escola de Extensão da Universidade Estadual de Campinas
(EXTECAMP), “criados pela deliberação CEPE A 06/01 e substituída pela CEPE A 22/04,
com o propósito de divulgar cultura, conhecimentos e técnicas de trabalho”52.
Algumas dúvidas surgiram nesse processo: haveria procura para um curso
voltado para psicólogos escolares? Quem são os psicólogos escolares53: somente aqueles que
trabalham em escolas e outras instituições educacionais? E outros profissionais da Psicologia
que de algum modo lidam com questões de escolarização em suas práticas em contextos
diversos, sentir-se-iam convidados também dentro do público-alvo “psicólogos escolares”? E
ainda: que planejamento fazer? Como propor a ementa e as atividades de modo a
proporcionar um espaço de diálogo a ser construído em conjunto?

52
Informações do site https://www.extecamp.unicamp.br/cursos.asp.
53
Esta questão está discutida de forma aprofundada no capítulo de fundamentação teórica.
85

Movidas pelos questionamentos e dúvidas, escolhemos, inicialmente, como


público-alvo psicólogos que trabalhassem com demandas educacionais e que tivessem
interesse em discutir aspectos e dimensões de seu trabalho coletivamente54. Deixamos claro
que o profissional não precisaria atuar necessariamente em escolas ou outras instituições de
ensino formal, contanto que seu trabalho envolvesse processos educativos, com o intuito de
convidar uma amplitude maior de profissionais para comporem o grupo. Com relação ao
planejamento, decidimos não apresentar uma proposta fechada, mas um convite à parceria, no
qual a decisão sobre os temas a serem dialogados emanaria dos interesses das participantes,
em consonância com atividades e sugestões levadas por mim, para mediar o desenvolvimento
dos encontros, tendo em vista a produção da pesquisa.
Para isso, definimos que a proposta deste grupo abarcaria duas dimensões dentro
da mesma pesquisa: o projeto formativo e o projeto investigativo. Aragão (2010) define que
esta modalidade abarca, dentro de uma mesma proposta, objetivos diferentes, porém
dialeticamente relacionados, que dialogam e se entrelaçam – o projeto formativo seria aquele
em que há o intuito explícito e intencional de contribuir para a formação de um determinado
grupo; já o projeto investigativo, abarcaria o movimento do próprio pesquisador de, a partir
daquela proposta de formação, investigar determinadas questões e aspectos. Assim,
inicialmente, havia tanto o interesse de contribuir com a formação profissional de psicólogos
que trabalham com demandas educacionais, quanto analisar esse processo formativo por
meio do trabalho em grupo.
Foi definida a realização de 08 encontros semanais, de 2h de duração cada
(das 18h às 20h), a terem início em 24 de setembro de 2014, com término em 13 de
novembro de 2014. Para a divulgação da proposta, elaboramos um folder (Apêndice 3), que
continha uma breve explicação sobre o curso, com os principais objetivos, as datas e as
instruções para inscrição, que seria realizada por e-mail. Divulgamos o curso em listas de e-
mail e redes sociais e, aos interessados, solicitamos o preenchimento de uma ficha de
inscrição, constando dados pessoais e de formação (Apêndice 4). Ao todo, recebemos 18
inscrições, com as fichas de cadastro devidamente preenchidas.
Para minha surpresa, nem todos os inscritos eram psicólogos: quatro eram
profissionais da área da Educação (uma coordenadora pedagógica, dois professores do ensino
básico, uma fonoaudióloga, uma pessoa formada em Psicologia e em Pedagogia, mas que
atua somente como professora), além de dois estudantes de Psicologia. Entrei no seguinte

54
Vide o folder de divulgação do curso (Apêndice 3)
86

dilema: incluir ou não estes interessados? Decidi, então, acolhê-los no grupo, apostando que
no diálogo sobre as contribuições da Psicologia no trabalho com demandas educacionais seria
enriquecedor ouvir outros profissionais, que são parceiros do psicólogo, tais como
educadores e fonoaudiólogos. Acredito que não seria coerente com uma proposta
colaborativa excluir profissionais com formações diferentes, uma vez que a Psicologia é
apenas uma dentre tantas ciências que podem contribuir para pensar as questões
educacionais. Portanto, aceitei essa diversidade apostando que outros profissionais poderiam
ampliar os olhares sobre os temas discutidos.
A decisão de incluir profissionais diversos no grupo modificou profundamente a
pesquisa, levando-me a reelaborar os objetivos. Considerando que a pesquisa desenvolvida se
encontra em um prisma qualitativo (SANTOS, 2006; FLICK, 2004; GONZÁLEZ-REY,
2002), a produção do material empírico não foi uma mera “aplicação” da proposta do projeto
inicial, mas compôs diretamente o curso investigativo, contribuindo para transformar e
conferir forma e conteúdo à Tese. Logo, somente no decorrer de produção e análise do
material é que identifiquei com mais clareza meu objetivo de pesquisa chegando à
configuração que agora apresento. Afirmando o precioso lugar da colaboração e da
importância do coletivo, ressalto que o apoio dos colegas do GEPEC, das supervisões com a
Professora Ana, com o Professor Nikolai e das reuniões de pesquisa na Monash University
foram essenciais para esse processo, contribuindo fundamentalmente para refinar meu olhar
sobre o material, oferecendo possibilidades e referências que ajudaram na elaboração das
ideias que aqui apresento.
Portanto, ao incluir outros profissionais, não estava mais investigando a formação
do psicólogo, mas o desenvolvimento de profissionais que trabalham com demandas
educacionais, a partir do grupo colaborativo, que consistiu como objeto e procedimento de
pesquisa. A denominação do trabalho como grupo colaborativo foi delineada a partir das
contribuições de Fiorentini e Crecci (2013) Fiorentini e Gama (2009) e Proença e Buciano
(2012). Quando idealizei o grupo, já havia pensado em propor um espaço de colaboração,
antes mesmo de conhecer esta proposta, por meio da valorização de uma postura horizontal e
da construção conjunta das atividades e temas a serem discutidos no decorrer dos encontros.
A ideia, desde o início não era “coletar informações”, mas proporcionar um espaço de
discussão sobre dilemas do trabalho com demandas educacionais, a partir principalmente dos
conhecimentos Psicologia Escolar e Educacional, de forma que o processo de estar em grupo
com esse propósito pudesse contribuir para a formação das participantes. Ao conhecer o
trabalho denominado grupos colaborativos, identifiquei-me prontamente e encontrei
87

subsídios que me ajudaram a compreender o que eu havia produzido. O trabalho em


colaboração, no qual profissionais com interesses em comum se reúnem para partilhar os
impasses e angústias vivenciados na prática, bem como o diálogo sobre possibilidades de
atuação proporciona o fortalecimento do vínculo entre os participantes – implicados em um
trabalho formativo e transformador, os participantes se identificam uns com os outros e não
mais se sentem sozinhos em seus enfrentamentos cotidianos (PROENÇA & BUCIANO,
2012).
Das 18 inscrições, compareceram 10 participantes no primeiro encontro, que
serão apresentados a seguir, no item 3.3. Alguns desistentes não informaram o motivo e
outros disseram que isso aconteceu por incompatibilidade de horários. Os encontros
aconteceram em uma sala de aula do Prédio Anexo da Faculdade de Educação da
UNICAMP.
Empenhei-me na escolha de uma sala ampla e climatizada que comportasse as
participantes confortavelmente, considerando que a época do ano em que os encontros
aconteceram era de intenso calor. No primeiro encontro, levei um lanche para receber as
participantes e fiz a proposta de nos revezarmos a cada encontro na partilha da alimentação
para aconchego de todas e todos. Concordo com Ferreira (2014) que o cuidado com esses
aspectos também compõe o processo de produção do material empírico, não para meramente
“criar condições favoráveis”, mas fundamentalmente pela importância dos saberes sensíveis
para o desenvolvimento humano. O lanche não foi somente uma forma de criar uma situação
mais confortáveis, mas foi um dos elementos que constituiu a formação sensível, a partir da
acolhida e da valorização das interações, a partir de um processo formativo que não era
somente intelectual, técnico ou cientificista, mas igualmente estético, sensível, pessoal.
Contei, também, com a preciosa parceria da aluna que cursava o último período
de Pedagogia, Bianca Fiod Affonso, como auxiliar de pesquisa. Ela esteve presente em todos
os encontros e foi responsável por me ajudar a organizar as atividades, o espaço físico e fazer
um registro fotográfico. Para além da colaboração nas atividades de ordem prática, sua
presença no grupo foi essencial para ajudar nas conversas do grupo, tecendo colocações
pertinentes e que contribuíram para o desenvolvimento dos encontros. A participação de
alunas de graduação como auxiliares na produção da pesquisa de pós-graduação é uma
prática que temos priorizado em nosso grupo, por compreendermos essa parceria como
atividade importante para a formação das pesquisadoras iniciantes, além do fato de
contribuírem com os pesquisadores mais experientes, tecendo considerações que muito
colaboram com o processo de pesquisa.
88

Decidi preparar o primeiro encontro com o objetivo de apresentar a proposta ao


grupo e conhecer as participantes e, a partir daí, planejar os demais, semana a semana, a fim
de que os acontecimentos do próprio grupo pudessem servir como guia e inspiração para o
encontro seguinte, respeitando o movimento e as sugestões das participantes.
A ideia de uma construção conjunta, por meio da escuta atenta às demandas e ao
movimento do grupo foi sustentada pelo entendimento de que mais que sujeitos de pesquisa,
as participantes eram companheiras de viagem que trilhariam comigo uma longa jornada. E
foi um grande desafio construir essa parceria: Eu tinha uma pesquisa, com objetivos
delineados. Eu receberia pessoas interessadas em discutir sobre o trabalho com demandas
educacionais. Por qual mapa me guiar para a construção dos encontros? Haveria um mapa?
Senti-me como versa Mário Quintana no poema da epígrafe ao descrever um mapa de um
lugar onde ele nunca esteve.
Considerando meu lugar de propositora dos encontros, havia, sim, um mapa a me
guiar, um planejamento e atividades cuidadosamente preparadas e pensadas para facilitar
nossas conversas. Neste mapa, existiam ruas já conhecidas, mas também (e muito mais) ruas
desconhecidas, caminhos por onde nunca passei, trajetos que nunca fiz. Ruas encantadas,
surpreendentes, que eu não poderia prever no itinerário inicial e que poderiam ser exploradas
somente no/com o grupo.
Portanto, é importante explicitar, a seguir, duas dimensões metodológicas
fundamentais para a produção do material empírico: os princípios de construção da proposta
e as estratégias utilizadas para conduzir os encontros.
Os princípios se caracterizam pelos elementos básicos e fundamentais que
fundamentaram cada ação no grupo, a partir do conjunto de intencionalidade, fundadas em
meus pressupostos teóricos e baseadas nos objetivos da pesquisa. Os princípios não oferecem
garantia de como serão os resultados da proposta, mas abrem e direcionam os caminhos,
fundamentando as escolhas metodológicas:

a. Atenção ao processo de constituição do grupo: o convite veiculado na divulgação


da proposta teve como temática central a discussão sobre os impasses e
possibilidades do trabalho com demandas educacionais. Tínhamos, inicialmente,
como ponto de interesse comum a temática da atuação do psicólogo junto a
89

questões do campo educacional, como podemos observar na fala de uma das


participantes55:

A gente tem uma série de problemas a serem resolvidos e eu me sinto às vezes


desatualizada dentro da psicologia escolar, fui muito para a clínica, para a
psicanálise e eu me sinto desatualizada mesmo, eu queria contar com pessoas que
estão na prática, para a gente debater, me sentir mais atualizada e nesse processo da
troca, poder evoluir de alguma forma. (Luiza, audiogravação, encontro 1)

Mesmo as participantes que não eram psicólogas também apresentavam interesse


em conhecer um pouco mais sobre as possibilidades de trabalho da Psicologia na Educação,
como podemos identificar na fala da participante Alice, professora de Educação Infantil:

Na graduação de pedagogia a gente tem uma matéria, mas o olhar do psicólogo é


muito importante. É isso que eu vim buscar, a troca de experiência, saberes novos
que possam contribuir com a minha prática. (Alice, audiogravação, encontro 1)

Como propositora, pretendia proporcionar um espaço que possibilitasse o diálogo


e a produção de conhecimentos sobre essa temática, contribuindo para a formação das
participantes. No entanto, desde o início não tinha a intenção de que isso acontecesse por
meio da mera transmissão de conteúdos. Não era meu intuito despejar sobre o grupo teorias e
conceitos que eu considerava importantes, mas me atentar para que a produção de saberes
fosse construída no grupo e com o grupo, por meio do diálogo e da partilha da prática. Para
isso, foi necessário proporcionar um contexto acolhedor e afetuoso, priorizando a escuta
atenta das falas, sugestões e contribuições de cada um para o grupo, de modo que aos poucos
as participantes se sentissem pertencentes àquele espaço. Identifico isso, por exemplo,
quando já no primeiro encontro levei para eles um lanche, explicitando que, para além das
discussões da dimensão profissional, o grupo também era espaço para a formação de vínculos
afetivos:

55
Ainda que este seja o capítulo metodológico, escolho trazer trechos das falas ou de materiais produzidos pelas
participantes para ilustrar e compor este tópico. Os excertos serão destacados em itálico em uma caixa de texto e
os nomes apresentados são fictícios, preservando a identidade das participantes. Mais à frente, as participantes,
bem como cada tipo de material produzido no grupo, serão apresentados. Aqui trago não apenas as
audiogravações, que foram devidamente autorizadas pelas participantes, como também outras fontes de
material, todas elas discutidas adiante.
90

A ideia do lanche é para ter esse conforto e esse momento de distrair um


pouquinho (...). Hoje eu trouxe e a ideia é de que a cada encontro alguém traga
um lanche. E o lanche é momento de partilha também. Vai ser um momento pra
gente poder ter uma conversa fiada e nos ajuda a desenvolver melhor o encontro.
(Fabiana, audiogravação, encontro 1)

b. Postura horizontal-vertical como propositora/pesquisadora/participante: a atenção e


cuidado com o processo de constituição do grupo exige a explicitação de um outro
pressuposto: o meu exercício em busca de uma postura horizontal e ao mesmo tempo
vertical. Considero que ocupei um triplo lugar no grupo: propositora, pesquisadora e
participante. Como propositora era meu dever estar atenta ao movimento das
participantes, respeitando suas falas e interesses, buscando tecer considerações e
também propor atividades que ajudassem no desenvolvimento dos encontros, dando o
tom na escolha de textos para discussão e de conceitos importantes a serem discutidos
em cada momento. Assim, flutuava entre instigar as participantes se engajarem no
grupo e fazer colocações que eu considerava pertinentes, em uma postura
simultaneamente vertical e horizontal (SÁ-CHAVES, 2012). Meu exercício era ter em
vista a produção do material empírico, para isso, buscava um olhar atento para cada
acontecimento, cuidando para que o tema da pesquisa fosse contemplado em nossas
conversas, o que também me instigou a propor atividades como o registro reflexivo e
a carta ao amigo (ambas detalhadas no tópico seguinte), pelas quais eu pude
apreender de forma mais aprofundada, via escrita, os sentidos produzidos pelas
participantes. A intencionalidade exercida a partir de colocações e sugestão de
atividades não excluiu um momento algum a postura horizontal que busquei diante do
grupo. No percurso de construção dos encontros, eu também era participante, que
explicitava minhas dúvidas e anseios com relação ao trabalho do psicólogo no campo
educacional e também aprendia com o grupo:

Todo mundo falou “ah, eu tô aqui para aprender”, eu estou aqui para aprender
também, muito! Aprender com a experiência de cada um deixar que vocês
conduzam o processo. (...) As atividades são nesse sentido de colocar vocês como
participantes mesmo, do grupo. (Fabiana, audiogravação, encontro 1)

c. Postura reflexiva ao longo do processo: como já explicitado, optei por não


apresentar uma ementa de curso pronta, mas mediar a construção da proposta ao
longo dos encontros e a partir das participantes. Para isso, foi necessário um
91

constante movimento de análise das minhas ações e dos acontecimentos no grupo.


Ao término de cada encontro, eu escrevia minhas considerações no diário de bordo,
buscando destacar os episódios que mais me chamaram a atenção, que me
inquietaram ou que geraram dúvidas, em busca de repensar as estratégias, refinando-
as de acordo com os objetivos da pesquisa e com os interesses do grupo. A postura
reflexiva também era exercitada coletivamente com o grupo, mediante a leitura
semanal do registro reflexivo de uma das participantes sobre o encontro anterior.
Esse momento nos ajudava a tomar consciência do vivido, direcionando a rota
trilhada. Um exemplo disso é que nos primeiros encontros houve um extenso
momento de desabafo das dificuldades vivenciadas no contexto de trabalho, gerando
no grupo uma preocupação se conseguiríamos dar conta de trazer, para além dos
problemas, ideias e propostas de superação considerando o número de encontros.
Exemplifico essa questão com um trecho do registro reflexivo56 de uma participante
partilhado no grupo, momento que nos ajudou a compreender essa situação e a
delinear propostas possíveis:

Os dois primeiros encontros desta proposta foram formadores, gestacionais, eu


diria, pois funcionaram como preparadores iniciais e direcionadores da reflexão
sobre o objeto central de estudo e ação deste projeto. Este terceiro momento me
marcou como o nascimento propriamente dito deste núcleo. O que parecia solto,
encontrou seu eixo e objetivo. (Registro reflexivo de Lícia, encontro 3)

d. Compreensão contextualizada dos acontecimentos: em busca de uma coerência com


os pressupostos teóricos que defendo, principalmente a partir da Teoria Histórico-
Cultural, busquei um olhar amplo, que considerasse os acontecimentos do grupo a
partir da inserção em um contexto maior, considerando as múltiplas determinações
envolvidas nas situações vivenciadas. Por exemplo, ao longo das propostas
sugeridas por mim, algumas participantes indicaram dificuldade para entregar no
prazo proposto. Minha postura era sempre de verificar os motivos que
circunscreviam tais situações, buscando compreender a condição de cada
participante. Na data em que aconteceu o curso (entre setembro e novembro) muitos
deles estavam atribulados com as demandas de trabalho e, assim, não puderam
corresponder com todas as solicitações. Houve o caso de uma participante que

56
Esta estratégia será explicada a seguir.
92

estava nas vésperas de seu casamento e que trouxe essa condição para o grupo, para
justificar a ausência em um dos encontros. Além disso, grande parte do grupo
morava em outras cidades e tinha que se deslocar semanalmente e nem sempre
conseguia chegar no horário. Em todos os casos de ausência, eu sempre buscava
saber diretamente com a participante o que havia acontecido, enviando um e-mail ou
mensagem. Houve um episódio interessante, quando, ao perguntar a uma
participante sobre sua ausência, ela respondeu:

Bom dia Fabi!


Realmente não estava bem... e não estou ainda...agora começa aquelas
somatizações...rsrsrs...estou com dor de garganta.
Já adianto que não fiz os registros e não consegui pegar o texto com a Valentina.
Agradeço a preocupação e peço desculpa!
Até mais
Abraço
Ana Elisa

Em resposta, eu disse:

Ana Elisa,
Entendo você, a vida é de fato um grande desafio e por vezes daqueles bem
difíceis... Espero que hoje, para além das discussões você tenha um espaço de acolhida e
afeto!
Conte comigo!
Beijos
Fabi

Esse episódio ilustra o movimento de atenção às condições e aos contextos das


participantes, em busca de não inferir julgamentos apressados sem antes analisar
cuidadosamente o que ocorreu. Penso que essa postura compôs também a constituição de
vínculos no grupo e fortaleceu meu lugar como propos da proposta.

As estratégias utilizadas para a condução do grupo são aquelas atividades,


fundamentadas nos princípios, que contribuíram para criar determinadas condições no grupo,
abrindo espaço para o diálogo, movimentação de saberes e relacionamentos interpessoais. As
estratégias foram pensadas por mim, como autora e participante e também foram discutidas
com o grupo, construídas, portanto, de forma peculiar, de acordo com nossas necessidades e
características. Dentre elas, destaco primeiramente as três estratégias que perpassaram todos
os encontros.
93

a. Elemento Novo: a cada encontro, uma participante seria responsável por apresentar
ao grupo um recurso artístico/estético que tivesse relação com a temática a ser
discutida no dia. Poderia ser um texto (conto, poema, crônica...), uma imagem, uma
música, um vídeo, de forma a acolher os colegas e instigar o diálogo. A proposta
dessa atividade foi sustentada pela compreensão de que os elementos estéticos e
artísticos são fundamentais para o desenvolvimento de um olhar sensível e complexo
sobre as questões a serem discutidas (SILVA, 2005; FERREIRA, 2014).

b. Partilha do Registro Reflexivo: as participantes foram convidadas a realizar,


individualmente, um registro sobre cada encontro vivenciado, expressando aquilo
que foi mais significativo, as reflexões, sentimentos e entendimentos, bem como as
relações estabeleceram entre o que foi vivenciado e sua prática profissional/pessoal.
O registro poderia ser feito livremente, a partir de narrativas que possibilitassem um
exercício de autoria e criatividade. A cada encontro, um membro do grupo se
disponibilizava a ler seu registro, compartilhando no coletivo as impressões sobre o
encontro anterior. Essa atividade nos ajudou a olhar para o processo de construção
da proposta, refletindo conjuntamente sobre as estratégias e significados produzidos
ao longo dos encontros. Ao final do trabalho, deveriam entregar um portfólio
completo, constando todos os registros do percurso de formação no grupo. A
proposta dos registros é inspirada no trabalho de Sá-Chaves (SÁ-CHAVES;
GOMES; PESSATE & GOMES, 2004) com portfólios reflexivos. Segundo a autora,
este instrumento pode ser considerado como uma estratégia reflexiva e avaliativa,
pois possibilita ao aluno o registro de seu percurso, significando e refletindo sobre as
vivências de aprendizagem, ao mesmo tempo em que possibilita ao educador acesso
ao processo de aprendizagem do educando, permitindo que o docente repense e
reconduza constantemente as estratégias utilizadas.

c. Leituras: considerando que a dimensão teórica é essencial para a compreensão da


prática profissional, a cada semana seriam propostos por mim alguns textos (artigos,
capítulos de livro) que contribuíssem para a discussão desenvolvida em grupo, de
acordo com as temáticas escolhidas por nós. A ideia não era ficarmos presos aos
textos, destacando um ou outro trecho que mais chamou a atenção, mas era ter, nos
artigos sugeridos, subsídios para desenvolvermos as discussões em grupo,
94

fundamentando e inspirando o diálogo tecido. Em meio à diversidade de formação e


campos de trabalho entre as participantes, havia o interesse comum de discutir as
possibilidades de trabalho com demandas educacionais, partilhando as angústias e
desafios em trabalhar no campo da Educação. No segundo encontro, solicitei às
participantes que levassem por escrito os principais dilemas da prática profissional e,
no terceiro encontro, apresentei uma categorização dos dilemas levados por eles em
eixos centrais para identificarmos as necessidades e interesses em comum. Apesar
de já estabelecido nesse momento um grupo profissionalmente diverso, os objetivos
ainda estavam focados no trabalho do psicólogo. Tendo em vista a intenção inicial
do grupo, as temáticas formalmente escolhidas foram:

• A queixa escolar: o que é, como se constitui e como trabalhar a formação dos


professores a partir da emergência dessa queixa no contexto escolar/A queixa
escolar e a medicalização.
• A relação família-escola no trabalho do psicólogo com demandas educacionais;
• Papéis e funções do psicólogo escolar;
• Implicações do trabalho individualizado e do trabalho coletivo do psicólogo junto às
demandas educacionais.

Ainda que estes títulos se referirem ao trabalho do psicólogo, o conteúdo das


discussões a partir dessas temáticas se referiu ao trabalho com demandas educacionais,
envolvendo a contribuição dos diversos campos de atuação, mas tendo a Psicologia como
balizadora das reflexões, principalmente pela minha formação que inevitavelmente guiou
meu olhar nas proposições de atividades e na mediação da proposta e também pela
composição do grupo que contava com uma maioria de psicólogos e também outros
profissionais interessados em conhecer as contribuições da Psicologia.
Debruçamo-nos em cada encontro sobre a compreensão dessas dimensões, por
meio de questionamentos, partilha da prática profissional, articulando à nossa conversa
elementos teóricos que pudessem nos ajudar, de forma reflexiva. A bibliografia foi sugerida
por mim e aqui destaco novamente que meu olhar guiou escolhas e a condução do grupo,
dando o tom e guiando os caminhos, uma vez que escolhi textos que foram importantes na
minha própria trajetória formativa e que eu considerava que pudessem também ser relevantes
para o grupo. A tabela a seguir indica os textos trabalhados durante os encontros:
95

Tabela 3: Bibliografia usada nos encontros

MARTÍNEZ, A. M. O que pode fazer o psicólogo na escola? Revista em Aberto, v. 23, n. 83,
2010.Disponívelem:<http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1634/1298>
GOMES, B. N., PESSATE, L. A., GOMES, S. de O. P. Discutindo sobre portfólios nos processos de
formação: Entrevista com Idália Sá-Chaves. Olhar de Professor, v. 7, n. 2, pp. 9-17, 2004. Disponível
em <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=68470202>
ARAGÃO, A.M.F., Reflexividade e formação docente: considerações a partir de um projeto
formativo-investigativo. In: MAIA, H., FUMES, N.L.F., e AGUIAR, W.M., Formação, atividade e
subjetividade: aspectos indissociáveis da docência. São Paulo: Vilani Editora, 2013.
BARBOSA, D. R.; DA SILVA JUNIOR, M. J.; MURAKAMI, K. A doença do Tom Cruise: uma
experiência de estágio em intervenção psicoeducacional. Psicologia Escolar e Educacional, v. 13, n.
2, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-
85572009000200022&script=sci_arttext>
SOUZA, B. P. Orientação à Queixa Escolar: Considerando a Dimensão Social. Psicologia Ciência e
Profissão, v. 26, n. 2, 2006. Disponível em:<
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932006000200012>
OLIVEIRA, C. B. E. de; MARINHO-ARAUJO, C. M. A relação família-escola: intersecções e
desafios. Estudos de Psicologia, v. 27, n. 1, 2010. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2010000100012>

Destaco que as temáticas nortearam nossos encontros, ajudando-nos a produzir


entendimentos importantes sobre Psicologia, Educação, a atuação junto a demandas
educacionais, dentre outros. Em meio ao movimento formativo do grupo, meu olhar voltou-se
também para o processo como discutimos e construímos tais entendimentos, em busca de
compreender como essa partilha em grupo, de forma colaborativa pode contribuir para o
desenvolvimento de profissionais que lidam com demandas educacionais. Valorizando o
cuidado com o processo do grupo, propus, por volta da metade dos encontros realizados, duas
atividades inicialmente não previstas:

a. Cartas Devolutivas dos Registros Reflexivos: solicitei que me entregassem os


registros reflexivos produzidos até o momento, para que eu pudesse ler e ter acesso
de forma mais detalhada ao modo como estavam se apropriando desse instrumento e
a como têm significado os encontros. Sá-Chaves; Gomes; Pessate & Gomes, (2004)
consideram que é importante que o formador tenha acesso às produções reflexivas
dos educandos, para poder apontar considerações pertinentes em “tempo útil”:
96

Ou seja, nas pequenas narrativas de cariz reflexivo (através das quais os


formandos vão evidenciando as suas aprendizagens) o formador deve dar-
lhe feedback oportuno e apropriado, para que possam tomar consciência
quer dos seus adquiridos quer, sobretudo, do que ainda se mantém em
aberto em termos da aprendizagem que está em curso. (SÁ-CHAVES;
GOMES; PESSATE & GOMES, 2004, p. 10)

Esse diálogo possibilitou guiar o curso da aprendizagem, elencando conceitos a


serem desenvolvidos e identificando indícios importantes para aprimorar o processo de
desenvolvimento do educando. Para cada participante, elaborei uma devolutiva em formato
de carta, por considerar que esse gênero possibilita uma proximidade afetiva maior. Busquei
nessas devolutivas um olhar que potencializasse as percepções apresentadas pelas
participantes nos registros, valorizando suas opiniões, ao mesmo tempo em que tentei ajudá-
las a refinar a percepção sobre os encontros, instigando-as a irem além da mera descrição dos
encontros, a fim de acessarem uma dimensão subjetiva e reflexiva sobre os acontecimentos:

E como fazemos isso? [uma escrita mais reflexiva] Acho que de fato é uma tarefa e
tanto! Eu mesma sinto que estou sempre a aprender a cada dia sobre a potência de
refletirmos sobre a prática e sobre as aprendizagens por meio da escrita... (...) Em
momentos do seu texto, você se arrisca de forma bonita e ainda tímida nessa tarefa,
quando fala sobre as angústias que você compartilha com o grupo ou quando
analisa o elemento novo como algo que permitiu que o grupo se sentisse afagado...
Continue desenvolvendo essa sensibilidade em seus relatos, para que eu possa
conhecer seu processo junto ao grupo! (Carta para Valentina)

b. Partilha do meu diário de bordo: o exercício de uma postura horizontal e


democrática nos lugares que ocupei – propositora/pesquisadora/participante – levou-
me ao desejo de partilhar com o grupo meus escritos de pesquisadora no diário de
bordo. Assim como tive acesso aos registros reflexivos de cada um, a ideia foi de
que também eles tivessem acesso aos meus e que se sentissem convidados a tecer
também suas considerações. Apenas três participantes deram um retorno por escrito
do diário de bordo, mas houve possibilidade de discutir sobre essa ação durante os
encontros. Valentina, uma das participantes que entregou suas considerações sobre
meus diários, destaca que, na minha escrita, expresso meu jeito tímido de ser. Ela
relata se identificar comigo e sobre isso escreveu:
97

Na sua escrita em algum momento você coloca questões da sua timidez, consigo
compartilhar deste mesmo sentimento, com o qual às vezes me incomodo; presto
atenção em tudo o que acontece no grupo, em todos os detalhes, sempre muito
atenta, no momento em que preciso me colocar me esforço, mas sempre com certo
cuidado. (Valentina, devolutiva do diário de campo)

Esse episódio ilustra a importância da partilha do meu diário de bordo como


instrumento que contribuiu para a dimensão horizontal-colaborativa da proposta, uma vez
que por meio disso as participantes tiveram acesso às minhas impressões pessoais sobre o
processo do grupo.

c. Carta a um amigo: essa atividade foi solicitada ao final dos encontros e consistia
em um pedido para que escrevessem uma carta a um amigo real ou imaginário
contando como foi para eles a experiência de participar do grupo. O gênero de carta
permite o uso de uma linguagem mais afetiva e também uma síntese daquilo que foi
essencial na experiência que tiveram, resultando em um precioso material de análise
que me ajudou a acessar mais profundamente a vivencia subjetivas das participantes
ao longo dos encontros.

Posto isso, destaco que o material empírico da pesquisa foi elaborador a


partir das seguintes fontes:

i. Audiogravação e transcrição dos encontros: esse recurso de pesquisa me permitiu


registrar as falas das participantes na íntegra, possibilitando uma análise complexa
dos acontecimentos, tanto na dimensão coletiva quanto de cada participante
individualmente. A audiogravação foi realizada mediante livre consentimento das
participantes. No primeiro encontro, antes de começar a gravação, expliquei
detalhadamente a proposta de pesquisa, indiquei que poderiam solicitar a qualquer
momento que eu desligasse os gravadores, caso não quisessem que uma determinada
fala fosse registrada, expliquei que todo o material gravado seria sigiloso e que suas
identidades não seriam reveladas sem anuência. Utilizei dois gravadores para melhor
captação de áudio, uma vez que estávamos em grupo. Os dois gravadores ficavam
no meio da roda de conversa, apoiados em carteiras, cada um deles voltado para uma
direção diferente. Para as análises da pesquisa, optei pela gravação de maior
qualidade.
98

ii. Registros reflexivos das participantes: como apontado anteriormente, a produção


escrita das participantes consistiu em um rico material de acesso aos sentidos e
entendimentos possíveis a partir do processo do grupo.

iii. Carta devolutiva sobre os registros reflexivos: a partir da minha leitura dos
registros reflexivos, ofereci, na metade dos encontros, uma devolutiva individual em
formato de carta, em um processo de diálogo e reflexão conjunta, que também
compôs o inventário de material de análise.

iv. Diário de bordo: consistiram em meus apontamentos, impressões e reflexões


pessoais de cada encontro, que me permitiram ter dimensão das dúvidas,
dificuldades e potencialidades que permeiam o processo da pesquisa (BOSI, 2003),
colaborando para entendimentos sobre o processo de construção da pesquisa, bem
como alguns indícios de análise. Além disso, como relatado anteriormente, o diário
de bordo foi instrumento que também ajudou as participantes a conhecerem meu
olhar sobre o grupo, contribuindo para ampliar os entendimentos de todos sobre a
proposta vivenciada.

v. Devolutivas do diário de bordo: assim como eu fiz cartas devolutivas sobre os


registros reflexivos das participantes, também elas foram convidadas a fazerem o
mesmo sobre meu diário de bordo. Apesar de ter recebido apenas três devolutivas,
decidi incluí-las também no conjunto de material para análise.

vi. “Carta a um amigo”: como já explicado, essa produção teve por objetivo acessar
uma síntese dos principais acontecimentos e lições aprendidas pelas participantes,
colaborando para o processo de análise do material empírico.

Apresentando as participantes – viajantes peregrinos

Elejo este trecho do diário de bordo, redigido por mim após o primeiro encontro
com o grupo para introduzir este subtópico:
99

(...) por volta das 18h15 todas as participantes já haviam chegado. Demos
início ao grupo. Um grupo diverso, cheio de experiências para contar e
sedento por partilhar a prática profissional. Temos não só psicólogos, mas
uma fonoaudióloga, dois professores e uma professora que também tem a
formação em Psicologia. As psicólogas e o psicólogo trabalham em
diversos segmentos: no campo social, na escola, na saúde... todos muito
inteirados de questões concernentes à Psicologia Escolar: medicalização,
alto número de encaminhamentos das queixas escolares ao médico e ao
psicólogo clínico, embates com os educadores sobre o papel do psicólogo e
as possibilidades de atuação... dentre outros tantos assuntos. Isso me faz
pensar: o que é a Psicologia Escolar e Educacional? Nós que estudamos
este campo, sabemos que este é um termo já legitimado e que se refere ao
psicólogo que trabalha junto aos processos educativos. Por meio do grupo
percebo que poucas participantes se encontram na escola efetivamente...
Então, quem é o psicólogo escolar para nós? O que faz? Onde ele está? São
questões que pareciam tranquilas para mim, mas a conversa com esse
grupo tão diverso me fez questionar e refletir sobre isso...
(Diário de Bordo, 24/09/2015)

Essas considerações indicam que uma das características marcantes do nosso


grupo é a diversidade:

- De localidades: a maior parte do grupo era vinha de outras cidades da região e inclusive três
participantes vinham de outro estado vizinho. Viajantes, tais como eu, grande parte do grupo
enfrentava estradas e se esforçava para organizar seus compromissos para que pudéssemos
nos reunir semanalmente.
- De formações: nosso grupo inicial era composto por um psicólogo, cinco psicólogas, uma
fonoaudióloga, um professor e duas professoras do Ensino Básico, sendo que uma delas tinha
formação em Psicologia, porém não exercia a profissão.
- De campos de trabalho: um psicólogo trabalhava em uma escola privada e em consultório
particular. Dentre as cinco psicólogas, os campos de trabalho eram: Secretaria de Educação
Municipal, Secretaria de Saúde, Centro de Referência em Assistência Social e consultório
particular.
- De concepções teóricas: Psicanálise, Análise do Comportamento, Psicologia Cognitivo-
Comportamental, Teoria Social-Cognitiva, Psicologia Humanista. Houve também algumas
referências à Piaget, Vigotski e Paulo Freire.

A partir do registro no meu diário de bordo, identifico que a heterogeneidade do


grupo me chamou a atenção logo no primeiro dia, fazendo-me refletir: pessoas diferentes,
reunidas para iniciarmos um processo de formação em torno de um tema comum: o trabalho
100

do psicólogo com demandas educacionais. Por que esse assunto nos reuniu nesse mesmo
espaço? O que nos entrelaça a partir dele? A diferença no grupo era destacada pelas
participantes como importante:

Eu gostei muito, os encontros eram para discussão entre profissionais de psicologia,


entretanto tiveram participantes de outras áreas também que muito contribuíram para a
discussão e o desenvolvimento do grupo, tinha psicólogos de diversas abordagens,
fonoaudióloga e pedagogos. (Abayomi, Carta ao amigo)

Logo no primeiro encontro, todas partilharam que, nos seus locais de trabalho em
diferentes contextos, as demandas educacionais comparecem e se apresentam como grandes
desafios, de difícil compreensão e intervenção profissional. Esse aspecto indica que, em meio
à diversidade, havia um ponto em comum que nos unia e instigava a estarmos em grupo todas
às quartas-feiras para dialogar:

Pude perceber nesse encontro que o sentimento que compartilho é o mesmo do grupo, um
mal-estar, uma angústia que muitas vezes dificulta o trabalho por esbarrar em obstáculos
e até mesmo nas políticas públicas. (Valentina, Registro Reflexivo)

Nos dois primeiros encontros houve momentos de grande angústia e desabafo,


como se o grupo pedisse socorro: “o que fazemos diante do grande número de
encaminhamentos de crianças que não aprendem? O que fazemos com a não
compreensão/desconhecimento/resistência do/ao trabalho do psicólogo junto aos
profissionais da escola? O que fazemos com tantos problemas no sistema de ensino que
temos em nosso contexto?”. Entendo que esse sentimento comum precisou ser ouvido e
acolhido, pois nas primeiras conversas era isso que mais nos entrelaçava e nos fazia
compreender que não estamos sozinhos nos desafios profissionais, mas que temos dúvidas e
angústias semelhantes.
O reconhecimento de pontos em comum entre as participantes ajudou na
constituição de vínculos no grupo, bem como na organização da proposta, contribuindo para
delinearmos temáticas de interesse geral para trabalhar ao longo dos encontros, tal como já
foi mencionado, quando descrevi as quatro dimensões escolhidas para dialogarmos em grupo,
no item 3.2. Ao mesmo tempo, a heterogeneidade entre nós foi fundamental para o exercício
de vários olhares e entendimentos sobre os aspectos discutidos, consistindo em um elemento
enriquecedor da proposta.
101

Das dez participantes iniciais, duas não continuaram conosco até o fim. Por
motivos de trabalho e outros compromissos, informaram, depois dos primeiros encontros, que
não poderiam mais comparecer. Ressalto o cuidado com que as participantes se posicionaram
quanto à desistência, informando o quanto sentiram em tomar essa decisão, uma vez que já se
sentiam parte do grupo, como podemos perceber no e-mail enviado pela participante Rosa:

Oi, pessoal.
Tudo bem?
Saudades de estar com vocês e pelo jeito não vou poder mais participar.
Hoje, tudo organizado, lanche, registro (lindo!) e a alegria e satisfação em poder
encontrá-los. Nem sempre as coisas caminham como organizamos. E hoje,
apesar da minha organização, fui surpreendida às 16h30.Fico muito triste em
não poder estar com vocês e também por ter, talvez, tirado a oportunidade de
outra pessoa participar.
Apesar das faltas, estou com as leituras em dia, assisti o "vídeo" sobre a inclusão
(dos círculos e quadrado). Fiz o registro, que estava muito lindo!!
Foram dois encontros, mas foram, muito intensos e importantes.
Agradeço pela oportunidade e peço desculpas por não conseguir continuar.
Um grande abraço a todos. (E-mail de Rosa)

Seguimos até o final, portanto, com oito participantes. Identifico a seguir com
nomes fictícios57, escolhidos por eles, de acordo com algum significado afetivo, como, por
exemplo, a participante Abayomi58, nome dado a bonecas negras, feitas de pano e que tem
um sentido especial em sua história de vida ou a participante Luiza, que escolheu o nome de
sua filha.

Tabela 4: Nome e formação das participantes

NOME FORMAÇÃO
Valentina Psicóloga
Abayomi Psicóloga
Ana Elisa Psicóloga
Lícia Fonoaudióloga
Luiza Psicóloga
Alice Professora

57
Apenas um participante afirmou preferir usar seu próprio nome para constar na pesquisa. Três participantes
não enviaram o nome fictício que gostariam de receber, portanto eu mesma fiz essa escolha, elegendo um nome
que mantivesse a primeira letra dos nomes reais.
58
Palavra em Iorubá, uma língua africana, que significa: “encontro precioso”.
102

Peter Psicólogo
Tadeu Professor

PARTICIPANTES QUE NÃO PERMANECERAM ATÉ O FINAL DO GRUPO

Rosa Professora/Coordenadora pedagógica (formação


também em Psicologia)
Isadora Psicóloga

Além da escolha dos nomes fictícios, também solicitei que escrevessem um


pequeno texto de apresentação pessoal. Considerando que o material de pesquisa foi
produzido com elas, considerei coerente que a apresentação de cada um no texto fosse
autoral, para que as próprias participantes tivessem a oportunidade de escolherem as
características e aspectos de suas vidas que gostariam de deixar registrados na Tese. A seguir,
apresento as participantes, nas suas próprias palavras59:

Valentina
Meu nome é Valentina, tenho 27 anos, sou solteira, me considero uma pessoa de fácil relacionamento
interpessoal, reservada e observadora. Me formei em Psicologia no ano de 2010. Após minha
formação, minha primeira oportunidade na área foi com RH em uma Transportadora. Durante os
meus 05 anos de curso, sempre adorei a abordagem psicanalítica e área clínica, e meu primeiro
emprego foi na área organizacional. Como me considero uma pessoa que se adapta fácil às
situações, não foi difícil vivenciar á área organizacional, mas não é minha paixão. Fiquei por 02
anos nesta empresa, porém, havia prestado concurso público na cidade vizinha e logo fui convocada,
e sem pensar muito, me desliguei da empresa anterior e levei comigo, apenas as boas lembranças e
recordações de aprendizados e amigos que ali fiz. Fui convocada para atuar como Psicóloga na
Atenção Básica em Unidade Básica de Saúde na área clínica, aqui sim me realizo todos os dias
enquanto profissional. Meu trabalho é muito dinâmico, pois não fico só com atendimentos clínicos,
mas grupos psicoterapêuticos, projetos, grupos temáticos, entre outras rotinas. Ganho muita
experiência todos os dias, pois atendo diversos tipos de pessoas e todos os tipos de demanda. Uma
demanda que surgiu foi a educacional, e, por não ter tido muita experiência nesta área, é que resolvi
participar deste grupo, para adquirir conhecimentos teóricos e bagagem para lidar com este tipo de
demanda, e digo que fui contemplada com minhas expectativas.

Abayomi
Tenho 26 anos, sou psicóloga, e tenho um marido que eu amo muito. Trabalho na Secretária de
Educação dando orientações a professores em relação a inclusão de alunos com deficiência e
problemas comportamentais. Trabalho com a orientação cognitivo comportamental, amo o que eu
faço, gosto de trabalhar com crianças e participar do desenvolvimento delas. Sou uma pessoa
motivada, boa ouvinte e sempre disposta a atingir meus objetivos.

59
Alguns dados do texto de apresentação, tais como cidade onde reside, instituição em que se formou ou local
de trabalho foram omitidos por mim, para não permitir a identificação das participantes.
103

Lícia
Sou fonoaudióloga formada há 23 anos. Fiz especialização em terapia fonoaudiológica durante dois
anos. Em seguida, passei um ano em Nova York, onde estudei inglês e também fiz um estágio em uma
clínica fonoaudiológica, onde pude comparar as atuações da fonoaudiologia em um hospital público
brasileiro e outro americano. E, acabei concluindo que embora eles sejam muito melhor estruturados
e aparelhados que nós, a fonoaudiologia brasileira é mais criativa e menos “fechada” em padrões e
protocolos que muitas vezes não permitem outros olhares e possibilidades de atuação. Logo após esta
experiência, voltei ao Brasil onde me instalei na minha cidade natal, inicialmente trabalhando na
APAE. Nesta, aprendi muito sobre diagnóstico de desenvolvimento e aprendizagem e trabalho em
equipe, o que acrescentou muito na minha trajetória profissional e pessoal. Atuei como fono na
APAE por alguns anos e hoje me encontro participando da diretoria (cargo voluntário) da
Instituição, como Diretora Financeira, tentando constantemente buscar uma solução para o
problema maior das APAEs, que é a falta de suporte financeiro, este cada vez mais sucateado pelo
poder público. Há 13 anos, conclui o mestrado em Fonoaudiologia Clínica, o único na época com
este enfoque. Escolhi tal mestrado pela possibilidade de vivenciar todo o conteúdo construído pela e
para a fonoaudiologia, o que não existia em outro curso, como neuro, lingüística e educação, que
eram os mestrados então mais procurados pelos fonoaudiólogos. Enfim, adorei o curso que escolhi
também pela linha que seguia,sócio-construtivista, abordagem esta que também já admirava na
época da graduação. Atualmente, atuo em clinica e atendo casos de linguagem (oral e escrita), voz e
sistema sensório motor oral. Participo de um grupo de apoio às pessoas com gagueira e no último
ano fiz a formação em “Capacitação em diagnóstico dos sinais de risco de autismo em crianças de 0
a 3 anos – PREAUT”, e devo fazer o curso de reabilitação em 2015. Constantemente participo de
palestras, aulas e cursos sobre as áreas que atuo.

Luiza
Fiz magistério e então descobri que gostaria de trabalhar com pessoas. Me apaixonei pelo trabalho
com as crianças. Me formei em psicologia em 1996. Fiz a Formação em Psicanálise da Criança,
foram três anos. Concluí em 2001. Trabalhei na APAE por 8 anos, onde pude aperfeiçoar a
avaliação psicológica com crianças. Em 2005 iniciei uma especialização em Psicoterapia Breve de
Base Psicanalítica. Nesta época fui convidada a dar aulas na faculdade de psicologia da minha
cidade. Lecionei por um ano. Iniciei o mestrado no departamento de neurologia. Conclui em 2011.
Atualmente, atuo na área clinica. Atendo crianças, adolescentes e adultos. Mas o trabalho que eu
tenho mais prazer é fazer a avaliação infantil. O psicodiagnóstico deve ser o ponto de partida, visto
que, através dele, o terapeuta decide o que fazer, como fazer e por que fazer com a criança. Nesse
sentido, pode ser um meio valioso para direcionar o tratamento (indicações e orientações).

Peter
Sou Psicólogo e curso especialização em Psicopedagogia. Trabalho em uma escola privada do
interior de Campinas, realizando orientação profissional de jovens do ensino médio. Também os
ajudo com questões de autoconhecimento, bem como com sua sexualidade, prevenção ao uso
prejudicial de álcool e outras drogas, entrada na faculdade e no marcado de trabalho. Dentre outras
ocupações, atendo em consultório particular, outro local onde trabalho bastante com crianças e
adolescentes. Aprendi a gostar da escola na Faculdade, e até hoje tenho muito apreço pela formação
pessoal e profissional de jovens e adultos.

Tadeu
Sou o Tadeu, filho do Antônio e da Iara, dividindo o mundo com a Andréia e pai do João
Vicente. Transito entre vários rótulos: filho, marido, pai, irmão, amigo, professor, inquilino, cidadão,
historiador, músico e incontáveis outros. Tento ser do bem, me encaixar no mundo, ter olhos de poeta
e agir na base do diálogo.
104

Do grupo de oito, duas participantes – Ana Elisa e Alice – não entregaram suas
apresentações, além de Isadora e Rosa, que também não entregaram por terem decidido não
participar mais do grupo desde os primeiros encontros. Tentei entrar em contato com as
participantes para solicitar essas atividades, mas não tive sucesso.
Em uma viagem podemos ter companheiros de vários tipos, há aqueles que
começam a aventura conosco, desistem no caminho e ainda assim deixam suas marcas, outros
que encontramos no percurso e seguem até o fim, desfrutando do destino alcançado. Há,
ainda, aqueles que mesmo estando ao nosso lado não nos fazem companhia genuína, não
compartilhando dos mesmos interesses e encantamentos pelo que se vê na estrada e outros
que dividirão conosco para sempre uma experiência única, que somente nós teremos
dimensão do que foi. Em busca de compreender o que significou ter a companhia das
participantes no percurso, fui presenteada com a sensível definição do participante Tadeu60:

Vou tentar tecer alguns comentários sobre seu texto.


E vou pegar a metáfora da viagem.
Nessa viagem fomos (estou me incluindo, certo) peregrinos ou turistas?
Os turistas, aqueles de pacote, possuem roteiros pré-definidos, paradas obrigatórias, guia
falando o tempo todo, necessidade de souvenires, fotos como registro de memória, essas coisas.
Já o peregrino também tem um roteiro final, mas o caminho, não a chegada, é o mais
importante. Não importa o souvenir ou a foto postada, mas a memória imaterial. Importa a
vivência/experiência, a narração da jornada.
Não que exista uma melhor do que a outra, todas produzem marcas, mas o peregrino é menos
pasteurizado, menos industrial, mais artesanal, original e profundo. Tem até uma conotação
religiosa, de descoberta de si.
Enfim, depois dessa minha viajada, acho que a nossa viagem foi uma peregrinação.
E como você, enquanto guia turística, pode medir nossa transformação pelo caminho? (E-mail
enviado por Tadeu)

A metáfora do turista e do peregrino é usada pelo sociólogo Zygmunt Bauman61


para definir o caráter das relações e das experiências que as pessoas vivenciam na
contemporaneidade. Se o peregrino é aquele que se desloca para fazer parte do contexto
visitado e criar vínculo com as pessoas daquele local, o turista se desloca com o intuito de
experimentar uma diversão efêmera, sem se conectar verdadeiramente com o destino
visitado. Os turistas não se permitem criar raízes, pois logo já partem para outra viagem em
busca de mais entretenimento. Já os peregrinos, fazem de sua passagem uma verdadeira

60
Além de participante do grupo, Tadeu é meu colega de pós-graduação e o texto a que ele se refere na
mensagem é uma apresentação prévia do trabalho de Qualificação compartilhada com o GEPEC.
61
BAUMAN, Z. Mal-estar na pós-modernidade Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
105

experiência, intimamente relacionada às suas próprias vidas e crescimento pessoal. Considero


que as participantes foram peregrinas, que aceitaram seguir comigo por caminhos
surpreendentes de descobertas e aprendizagens. Foram guiados por mim, não em uma relação
guia-turista, na qual o guia, já cansado do trajeto conhecido e repetitivo, profere falas
ensaiadas e apáticas para um público mais interessado em tirar fotos do que contemplar e
apreender os caminhos, mas em uma relação de descoberta conjunta, na qual eu sabia como
conduzir, mas não tinha dimensão de onde chegaríamos, muito menos como chegaríamos ao
nosso destino.
No capítulo de análises apresentado a seguir, elejo episódios do que vivenciamos
nos oito encontros para ir dando forma aos núcleos de análise. Essa escolha por vezes é
reiterativa, não necessariamente segue a ordem dos encontros e também não abarca todas as
atividades e contexto do que vivemos. Porém, acredito ser importante que o leitor tenha uma
visão geral dos acontecimentos, por isso, antes de seguir com as análises propriamente ditas,
apresento, ainda na metodologia, uma cronologia das atividades de cada encontro:

Encontro 1
Data: 24/09/2014
Duração: 2h 01min
Participantes: Fabiana, Bianca, Lícia, Luiza, Alice, Ana Elisa, Abayomi, Valentina, Tadeu, Peter,
Rosa, Isadora.
Lanche: Fabiana
Atividades
1) Apresentação da pesquisadora, da auxiliar de pesquisa e da proposta, incluindo os aspectos
éticos da investigação e a assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;
2) Acolhida das participantes, a partir da leitura e discussão do conto “O mundo contempla o
mundo”, de Ítalo Calvino62;
3) Apresentação pessoal de cada participante;
4) Diálogo inicial sobre dilemas vivenciados no cotidiano de trabalho e expectativas sobre
participação no grupo;
5) Definição das atividades para o encontro seguinte.
Para acessar o conto O mundo contempla o mundo:63

62
Conto extraído do livro CALVINO, Ítalo. Palomar. Tradução de Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.
63
Aqueles que estiverem lendo o texto em papel, podem escanear o Código QR por meio de um aplicativo no
smartphone. Os que estiverem lendo em arquivo digital, têm a opção de acessar a mídia pelo link indicado
também.
106

Link: http://bit.ly/elemento1mundo

Encontro 2

Data: 01/10/2014
Duração: 2h11
Participantes: Fabiana, Bianca, Lícia, Luiza, Alice, Ana Elisa, Abayomi, Valentina, Tadeu, Peter,
Rosa, Isadora
Lanche: Luiza, Lícia, Alice
Atividades:
1) Apresentação e discussão do elemento novo trazido por Peter – música “Dom Quixote”,
Engenheiros do Havaí;
2) Partilha de dilemas/angústias da prática profissional;
3) Apresentação do registro reflexivo por Ana Elisa, a partir do texto Pipoca – Rubem Alves
4) Reflexão coletiva sobre a metodologia do grupo.

Para ouvir a música Dom Quixote:

Link: http://bit.ly/domquixote-elemento2

Para acessar o texto Pipoca:

Link: http://bit.ly/elemento3pipoca

Encontro 3

Data: 08/10/2014
Duração: 2h06
Participantes: Fabiana, Bianca, Ana Aragão64, Lícia, Luiza, Alice, Ana Elisa, Abayomi, Valentina,
Tadeu, Peter, Isadora.
Lanche: Ana Elisa, Abayomi, Valentina
Atividades:
1) Partilha do registro reflexivo de Peter;
2) Discussão e escolha das temáticas que nortearão os encontros;
3) Discussão sobre reflexividade e sistemas teóricos com a participação da Ana Aragão;
4) Apresentação do elemento novo trazido por Isadora – vídeo “Sentimentário”

64
Minha orientadora, Ana Aragão, foi convidada a participar especialmente nesse dia para conduzir uma
discussão sobre reflexividade e formação docente, por acreditarmos que essa temática poderia contribuir com o
grupo.
107

Para acessar o vídeo Sentimentário:

Link: http://bit.ly/elemento4sentimentario

Encontro 4
Data: 15/10/2014
Duração: 2h17
Participantes: Fabiana, Bianca, Lícia, Luiza, Alice, Ana Elisa, Valentina, Tadeu, Peter.
Atividades:
1) Comemoração do aniversário do Tadeu e do dia dos professores;
2) Apresentação e discussão do elemento novo trazido por Tadeu – vídeo “Por cuatro
esquinitas de nada”;
3) Discussão sobre inclusão; avaliação psicológica; atendimento à queixa escolar;
medicalização;
4) Estudo de caso: “A doença de Tom Cruise”
5) Partilha do registro reflexivo de Lícia

Para acessar o vídeo Por cuatro esquinitas de nada:

Link: http://bit.ly/elemento5porcuatroesquinitas

Encontro 5
Data: 22/10/2014
Duração: 2h15
Participantes: Fabiana, Bianca, Lícia, Luiza, Alice, Ana Elisa, Abayomi, Valentina, Tadeu, Peter
Atividades:

1) Apresentação e discussão do elemento novo trazido por Fabiana – A função da Arte 1,


Eduardo Galeano;
2) Partilha do registro reflexivo trazido por Tadeu;
3) Discussão sobre diagnósticos psicológicos e possibilidades de atuação profissional com as
demandas educacionais;
4) Apresentação e discussão do elemento novo trazido por Luiza – poema “Verdade”, Carlos
Drummond de Andrade.

Para acessar o conto A função da Arte 1:

Link: http://bit.ly/elemento6-funcao-arte
108

Para acessar o poema Verdade:

Link: http://bit.ly/elemento7verdade

Encontro 6
Data: 29/10/2014
Duração: 2h37
Participantes: Fabiana, Bianca, Lícia, Luiza, Alice, Ana Elisa, Valentina, Peter.

Atividades:
1) Partilha e discussão do diário de bordo de Fabiana;
2) Discussão sobre o ato de registrar reflexivamente os acontecimentos da prática profissional;
3) Brincadeira da “batata-quente” para discutir os seguintes temas: psicologia escolar e
educacional; transformação social na prática profissional; processo educativo; contribuições da
psicologia na educação;
4) Discussão do texto “Orientação à queixa escolar”
5) Apresentação e discussão do elemento novo trazido por Lícia – vídeo-clipe “Another brick in
the wall”, Pink Floyd

Para acessar o vídeo-clipe Another brick in the Wall:

Link: http://bit.ly/elemento8anotherbrick

Encontro 7
Data: 05/11/2014
Duração: 2h28
Participantes: Fabiana, Bianca, Peter, Tadeu, Abayomi, Ana Elisa, Valentina

Atividades:
1) Apresentação e discussão do elemento novo trazido por Abayomi – vídeo “Ex-ET”
2) Discussão sobre a história da psicologia no Brasil e as interlocuções com a educação;
3) Discussão sobre os dilemas e possibilidades da parceria entre psicólogos e educadores.

Para acessar o vídeo Ex-ET:

Link: http://bit.ly/elemento9ex-et
109

Encontro 8
Data: 13/11/2014
Duração: 2h29
Participantes: Fabiana Marques, Bianca, Peter, Tadeu, Abayomi, Ana Elisa, Valentina, Alice, Lícia,
Luiza.

Atividades:
1) Atividade em pequenos grupos de reflexão sobre o processo do grupo e síntese das vivências
e lições aprendidas;
2) Apresentação da Bianca sobre a percepção dela a respeito do grupo e dos encontros;
3) Apresentação e discussão do vídeo The last knit
4) Reflexão coletiva sobre o processo do grupo;
5) Apresentação do poema Sobre importâncias, Manoel de Barros.

Para acessar o vídeo The last knit:

Link: http://bit.ly/elemento10lastknit

Para acessar o poema Sobre Importâncias:

Link: http://bit.ly/elemento11sobre-importancias

Realizada a descrição e contextualização dos encontros, sigo com o capítulo de


análises, buscando elementos que ajudem a compreender o grupo colaborativo como fonte de
desenvolvimento profissional.
110

4. Das estradas percorridas, dos destinos visitados: as análises da pesquisa

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff,


levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o
Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas,
esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram
aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o
mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a
imensidão do mar, e tanto fulgor, que o menino ficou
mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar,
tremendo, gaguejando, pediu ao pai: Me ajuda a olhar!
– A função da Arte 1, Eduardo Galeano –

O volume e a qualidade do material empírico produzido fizeram com que eu me


sentisse como o personagem Diego, atônita: para onde olhar? Como olhar? Para contemplar o
material da pesquisa é preciso clamar pela generosa ajuda de elementos teóricos que guiam o
olhar na organização e na busca por entendimentos acerca do que foi produzido. Apresento,
a seguir, perspectivas teóricas que colaboraram nessa tarefa desafiadora, além da descrição de
como o material foi organizado até chegar aos núcleos de análise propriamente ditos.
Ginzburg (1989) discorre sobre o Paradigma Indiciário, perspectiva própria das
Ciências Humanas, sugerindo a análise de um fenômeno a partir de pistas e sinais, por vezes,
sutis, para se chegar a conclusões elaboradas e que captem a amplitude em que aquele
fenômeno se constituiu. O autor considera que o Paradigma tem inspiração em Morelli,
escritor famoso por identificar quadros falsificados, a partir de pequenas características
próprias de cada artista. Ao invés de olhar para características suntuosas, Morelli se atentava
aos pormenores quase insignificantes da obra, como as unhas e o formato dos dedos, por
exemplo. A sagacidade de Morelli inspirou a criação do personagem Sherlock Holmes65,
conhecido por desvendar crimes, a partir da investigação por pistas aparentemente
insignificantes, mas que acabavam por levar à compreensão sobre o caso. Segundo Ginzburg
(ibidem), Morelli também serviu de exemplo para Freud, no início da construção do corpo
teórico da psicanálise, ao pensar em um método de acesso aos conteúdos inconscientes por
meio dos resquícios e lapsos apresentados na fala dos pacientes:

Nos três casos, pistas talvez infinitesimais permitem captar uma realidade
mais profunda, de outra forma inatingível. Pistas, mais precisamente

65
Personagem criado pelo escritor Arthur Conan Doyle.
111

sintomas (no caso de Freud), indícios (no caso de Sherlock Holmes), signos
pictóricos (no caso de Morelli). (GINZBURG, 1989, p. 150)

Ginzburg (ibidem) identifica que esse modo de conhecer um contexto local a


partir de indícios permeia os primórdios da ciência. Porém, com o advento, fortalecimento e
valorização da lógica das Ciências Naturais e Exatas, a partir da qual se postula conhecer a
realidade por meio da quantificação e da generalização dos fenômenos, a perspectiva
qualitativa foi renegada ao posto de “não científica”. Porém, o tipo de rigor exigido pelas
Ciências Naturais e Exatas não é suficiente nem compatível com as formas de conhecimento
ligadas à experiência cotidiana. A postura investigativa do Paradigma Indiciário pode
colaborar com o pesquisador que trabalha com material que envolve a linguagem, seus
significados e sentidos. O esforço, nesse caso, seria uma análise cuidadosa das narrativas das
participantes, buscando indícios que não se encontram diretamente explícitos na fala dos
sujeitos e que ajudem na compreensão do fenômeno estudado. Segundo o autor, considerando
a impossibilidade de conhecer a realidade estudada de forma direta, é preciso partir de “zonas
privilegiadas – sinais, indícios – para decifrá-la” (GINZBURG, p. 177).
Coerente com princípios do Paradigma Indiciário e com base na Teoria Histórico-
Cultural, Aguiar e Ozella (2006; 2013) sistematizam um procedimento de análise,
denominado Núcleos de Significação. Segundo os autores, a compreensão analítica do
material empírico de pesquisa deve partir do conceito vigotskiano de que as palavras
apresentam significados produzidos a partir de um dado contexto histórico e social e, ao
serem expressas pelos sujeitos, estão impregnadas de sentidos e estes devem ser o ponto de
partida das análises. Se os sentidos e significados são produzidos de forma mediada, a busca
do pesquisador deve ser para tentar apreender os elementos de mediação que constituem a
expressão do sujeito: “O pensamento não se exprime na palavra, mas nela se realiza”
(VIGOTSKI, 2001, p. 409). Para isso, deve-se partir do material empírico registrado pelo
pesquisador para assim compreender as zonas de sentido mais profundas expressas pelos
sujeitos de pesquisa e entender do ponto de vista histórico-cultural seu processo de origem e
desenvolvimento (AGUIAR & OZELLA, 2006; NAVES, 2011).
Para auxiliar esta tarefa, Aguiar e Ozella (2006) sugerem algumas etapas de
análise que também foram adotadas por mim para organização e compreensão do material
empírico:

a) Leitura inicial, recorrente, flutuante e cuidadosa do material produzido;


112

c) Elaboração de pré-indicadores de análise, destacando os trechos mais significativos ou


ainda que apresentam contradições e lacunas;
d) Agrupamento dos pré-indicadores, por complementaridade, similaridade ou contradição,
criando indicadores iniciais de compreensão do material;
e) Construção de núcleos de significação, que serão elaborados a partir da organização dos
pré-indicadores e indicadores, de modo a identificar zonas de sentido que ajudem na
compreensão dos fenômenos investigados.
f) Análise dos núcleos de significação, por meio do exercício de articulação entre os núcleos
e os contextos mais amplos constituem a realidade investigada, bem como do referencial
teórico pertinente.
O intuito dessa modalidade analítica é realizar uma aproximação das zonas de
sentido construídas no processo de pesquisa, para compreender aspectos referentes à
dimensão subjetiva das participantes, à luz do contexto em que se inserem, exercício que
permite clarear a questão de pesquisa, fazendo emergir entendimentos acerca da temática
investigada.
Além do caminho analítico com base na Teoria Histórico-Cultural sugerido por
Aguiar e Ozella (2006; 2013) nos Núcleos de Significação, foram escolhidos conceitos-chave
da THC como ferramentas de análise, considerando o objetivo da Tese: analisar o grupo
colaborativo como fonte de desenvolvimento para profissionais que trabalham com
demandas educacionais. Como apresentado na fundamentação teórica, a partir deste objetivo,
foram escolhidos os aspectos do processo de desenvolvimento a serem analisados e, a partir
destes aspectos, os conceitos-chave de análise:

a) Relações sociais como natureza e fonte de desenvolvimento: Situação Social de


Desenvolvimento;
b) Colisões como força motriz do desenvolvimento: Drama;
c) Mudanças qualitativas no processo de desenvolvimento: Perejivanie.

O pesquisador que tece análises em uma perspectiva histórico-cultural almeja,


portanto, não uma mera descrição do material empírico, mas uma reconstrução do processo
de desenvolvimento em questão, considerando: o contexto social, a interações que
aconteceram, quais foram as crises e colisões e como aconteceram, como as pessoas em
questão refrataram essas crises e quais foram as mudanças no processo de desenvolvimento,
criando novas condições sociais, em um movimento complexo e dialético (VERESOV,
113

2014). Portanto, a apresentação e discussão das análises da Tese, neste capítulo, seguirá o
seguinte caminho:

PRIMEIRO MOVIMENTO, a escolha dos Pré-Indicadores de análise: a partir das


transcrições dos oito encontros, foram escolhidos episódios que oferecem indícios das
relações sociais no grupo como fonte de desenvolvimento profissional. Nesse primeiro
movimento analítico, escolhi por utilizar somente as transcrições dos encontros, como uma
forma de organização primeira do material. Devido à intensidade do meu envolvimento e
implicação na proposição dos encontros, começar a organizar o material pelas transcrições foi
um modo de buscar os primeiros indícios das interações sociais como fonte de
desenvolvimento.

SEGUNDO MOVIMENTO, a escolha dos Indicadores de análise: a partir dos episódios


escolhidos como pré-indicadores, recorri às demais fontes de material empírico apresentadas
no capítulo metodológico, para aprofundar a busca por indícios de análise, uma vez que os
demais materiais (Diários de Bordo, Registros Reflexivos, Cartas Devolutivas e Cartas ao
Amigo) fazem emergir mais indícios das interações sociais e da forma como cada
participante significou as vivências no grupo. Nesse movimento, foram criadas codificações a
partir de todo o material de pesquisa, de acordo com os objetivos da Tese, agrupando em
categorias os conteúdos reiterativos, que apresentam maior carga emocional ou ambivalência
para, em seguida, escolher aqueles episódios mais significativos e que revelam o grupo como
fonte de desenvolvimento profissional.

TERCEIRO MOVIMENTO, a escolha e análise dos Núcleos de Significação: a partir da


confluência dos pré-indicadores e dos indicadores de análise, foram criados os Núcleos de
Significação que explicam o processo de desenvolvimento das participantes no grupo,
analisando minuciosamente como as relações sociais deram origem a mudanças no processo
de desenvolvimento profissional, tecendo uma análise das condições subjetivas e das
condições histórico-culturais desse processo.

Por fim, apresentarei as considerações finais da Tese, retomando os principais


pontos de análise e discutindo as principais lições aprendidas e compartilhando ideias para
114

uma “proposta modelizadora” (SÁ-CHAVES, 2012; ARAGÃO, 201766) do desenvolvimento


profissional daqueles que trabalham com demandas educacionais, a partir de uma perspectiva
colaborativa.

PRIMEIRO MOVIMENTO – “Paradas”

O primeiro movimento analítico consistiu em realizar uma leitura cuidadosa das


transcrições dos oito encontros, buscando encontrar nos acontecimentos e interações indícios
do grupo como fonte de desenvolvimento. Meu olhar buscou recortar aqueles episódios
recorrentes que se destacavam por sua intensidade emocional ou ainda por colisões nas
interações sociais, na intenção de eleger situações que se configuraram como forma inicial
(interpsíquica) das mudanças no processo de desenvolvimento profissional das participantes,
por meio da proposta. Como já explicado no tópico anterior, é claro que as demais fontes de
material também apresentam indícios das situações sociais de desenvolvimento, porém a
escolha por narrar episódios marcantes a partir das transcrições é justificada por minha
intensa implicação nos encontros, ajudando-me a organizar o material e encontrar os
primeiros indícios de análise.
Sobre a dimensão interpsíquica, como início das mudanças no processo de
desenvolvimento, Vigotski afirma que:

A situação social de desenvolvimento representa o momento inicial para


todas as mudanças dinâmicas que ocorrem no desenvolvimento durante um
dado período. Ela determina toda e completamente as formas e o percurso
ao longo do qual a criança vai adquirir novas características de
personalidade, extraindo-as da realidade social como a fonte básica de
desenvolvimento, o percurso ao longo do qual o social se torna o individual.
(VIGOTSKI, 1934/1998, p. 22)67

Nomeio estes episódios como “Paradas”, inspirada na metáfora da viagem. As


lembranças de uma viagem que ficam guardadas na memória, em registros escritos, orais ou
fotográficos são daqueles lugares ou situações em que, seja por necessidade de tomar um ar,
descansar, reabastecer-se ou por causar em nós deslumbramento, convidaram-nos a uma
contemplação mais atenta, para serem explorados e vivenciados intensamente. Assim como
uma parada de viagem, os episódios, a seguir descritos, são registros dos acontecimentos do

66
Em apresentação no Concurso para Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas.
67
Tradução livre do inglês.
115

grupo que merecem um olhar mais atento e demorado, não são uma transcrição literal dos
encontros, mas narrativas criadas por mim a partir das transcrições. A seguir, apresento cada
uma das Paradas, selecionadas ao longo dos oito encontros. Os títulos de cada uma são
retirados da própria fala das participantes ou criados por mim com base no sentido que
melhor representa aquele episódio68.

1º Encontro – 24/09/2014
PARADA 1: O objetivo é...

Na apresentação da proposta, digo que o grupo será um espaço de construção do material da pesquisa,
mas ao mesmo tempo um espaço formativo, em que conversaremos sobre questões diversas relativas
à prática do psicólogo que trabalha com demandas educacionais.

Diante das angústias e queixas trazidas pelas participantes, digo que estamos juntos nessa proposta
para refletir sobre os nossos problemas e pensar em possibilidades. Logo depois da apresentação
pessoal de cada participante, ao perceber a diversidade de profissionais no grupo, eu digo:

FA: Eu quis dar esse início com a nossa conversa, porque esse vai ser o tom do encontro, a gente
estar juntos para conversar, para partilhar (...). Sobre a questão de haver outros profissionais no
grupo, destaco que o objetivo é propor a formação do psicólogo, mas com a presença de outros
poderemos dialogar e ampliar nossas experiências e entendimentos (...). O objetivo é ‘vamos pensar
então no que podemos fazer a partir de tudo isso que vocês estão trazendo? Que possibilidades a
gente tem, estando em grupo, numa formação coletiva, com os pares, dialogando, pensando nas
realidades, trazendo casos, refletindo sobre eles?

PARADA 2: “estamos no mesmo barco”

No início da proposta, afirmo que este é um grupo voltado para pensar a atuação do psicólogo com
demandas educacionais. Ao me dar conta da diversidade do grupo, acolho os demais profissionais e
digo que com a presença deles poderemos ampliar nossos entendimentos. Apesar da diversidade, os
problemas e expectativas quanto ao grupo eram semelhantes: lacunas na formação, grande número de
encaminhamentos relativos à queixa escolar, problemas institucionais para o desenvolvimento de um
trabalho consistente, solidão nos locais de trabalho – falta de espaços e incentivo para formação
continuada, falta de diálogo com os pares e com a equipe de trabalho. A frase de Valentina, que dá
título a essa Parada, exemplifica o sentimento do grupo ao se apresentarem – todos apresentam
queixas em comum e a necessidade de partilhá-las em grupo:

LI: Então a minha expectativa é de conversar sobre essas coisas, porque eu acho que a solução...
não sei se a solução está tão fácil.

68
Para facilitar a leitura, coloquei os nomes em siglas: FA: Fabiana; BI: Bianca; AN: Ana Aragão;
LI: Lícia; LU: Luiza; AL: Alice; AB: Abayomi; VA: Valentina; TA: Tadeu; PE: Peter; RO: Rosa; IS:
Isadora
116

PARADA 3: Queixa-lamento69

Começo o 1º encontro com uma apresentação da pesquisa e da proposta formativa, dizendo que
abordaremos questões relativas à formação do psicólogo que trabalha com demandas educacionais.
Em seguida, leio um conto do Ítalo Calvino – O mundo contempla o mundo – dizendo ao grupo que
essa seria uma forma de dar leveza ao encontro. Aguardo alguns minutos em silêncio, tentando
observar a reação do grupo ou alguma iniciativa de comentar a leitura e pergunto se alguém tem algo
a comentar. Peter comenta que o texto tem a ver com Psicologia:

PE: É um exercício constante, do psicólogo e para outras áreas, assistência social... Conseguir se
distanciar de si próprio para ver o outro como ele é por ele mesmo (...). Acho que o texto traz um
pouco dessa reflexão de como esse processo não é realmente tão simples assim.

Elogio a fala dele e em seguida abro novamente para o grupo. Rosa questiona se é possível olhar de
forma diferenciada para o contexto educacional e começa a criticar o sistema educacional atual,
citando, por exemplo a medicalização como um problema. Continuo a abrir para que o grupo fale. A
partir desse momento, percebo emergir mais comentários sobre problemas e críticas à Educação, em
especial ao papel do psicólogo, dos professores e das famílias:

RO: Os pais perderam essa autoridade também e aí a escola perdeu totalmente o valor (...) O papel
da escola é a escolarização e o papel dos pais é a educação (...) em nome de uma afetividade, de um
carinho, está se deixando perder uma série de coisas, inclusive a autoridade.

AB: Então eu tenho muita dificuldade [nas escolas] por causa disso. Quando fala que é psicólogo
eles pensam que vamos resolver todos os problemas.

Tento acolher as falas que surgem e ressalto que o objetivo do grupo é partilhar as angústias, mas
também pensar em possibilidades: “É isso que eu queria trazer para vocês: estar em grupo e pode
conversar sobre isso, pensar nas nossas ações e buscar possibilidades no cotidiano das nossas
práticas”.

2º Encontro – 01/10/2014

PARADA 4: “Por amor às causas perdidas...”70

Inicio o segundo encontro convidando Peter a apresentar o elemento novo que preparou – música
Dom Quixote, dos Engenheiros do Havaí. Percebo que não retomo com o grupo os objetivos do
encontro, nem ofereço ao grupo uma organização das atividades programadas para o dia. Depois de
ouvirmos a música, pergunto a Peter o que ele pensou ao trazê-la como elemento novo. Ele diz que
essa música o anima em momentos difíceis. Pergunto ao grupo o que pensaram ao ouvir a música,
Ana Elisa diz que ficou pensando nas ‘causas perdidas’: “Às vezes a sensação é essa, não tem mais
jeito, está todo mundo perdido, é o que chega pra gente”.

Eu tomo a fala logo em seguida e conto de uma situação difícil que vivenciei, quando trabalhava em
um abrigo para crianças em situação de vulnerabilidade social, dizendo em um tom de “queixa-
lamento” que por vezes não sabia como agir, mas que sempre tentava enxergar o melhor nas crianças
para contribuir de alguma forma. A partir daqui, percebo que o grupo entra no momento de
“desabafar”, trazendo problemas e críticas ao sistema educacional, à sociedade. Peter comenta sobre

69
Esse termo é inspirado na definição de Fernandez (1994), quando problematiza os diferentes tipos de queixa
que podem surgir do professor, dizendo que a queixa-lamento, ao apontar somente as dificuldades e agruras do
cotidiano, impede o pensamento crítico e a busca por soluções.
70
Trecho da música Dom Quixote, Engenheiros do Havaí.
117

as lacunas na formação do psicólogo para lidar com demandas educacionais, Tadeu comenta sobre a
produção de pessoas “desajustadas” pelo sistema capitalista, Rosa traz o caso de sua filha que
apresentava dificuldades em matemática, problema que a escola acabou atribuindo a causas orgânicas,
não buscando um olhar para o processo de ensino-aprendizagem, Ana Elisa traz o caso do seu filho de
cinco anos que já é cobrado a fazer atividades de leitura e escrita, quando essas ainda não fazem
sentido para ele. A partir desse momento, sinto dificuldades em fazer entradas e retomar o lugar de
coordenadora do grupo. Tento acolher as falas levantadas pelo grupo e propor reflexões ou mesmo
que recorramos às leituras que tínhamos para aquele encontro, mas não consigo. Os desabafos
continuam e apresentam contradição – ora responsabilizam as famílias, ora os professores, ora o
sistema social, educacional... ora as ideias são conservadoras e ora trazem uma perspectiva crítica:

RO: Porque hoje a educação está perdida. Criança de cinco anos fazendo tarefa, ela já é velha,
porque começa antes.

IS: O problema não é a criança, a escola não sabe lidar com a criança. Porque o professor não é
preparado para isso (…). Eu acho que se joga muita responsabilidade sobre o professor (...) o que
vocês vão fazer como psicólogos? Fazer com que a criança fique quadradinha? No meu caso, eu não
faço. Eu faço com que a criança se apodere do potencial dela.

Em um determinado momento, sugiro novamente discutirmos as leituras programadas para aquele dia
e em seguida Tadeu pede a palavra para sugerir dois documentários (Tarja Branca e Em busca do
Super-homem) que ajudam a pensar a Educação criticamente. Logo após as sugestões de Tadeu, eu
começo a contar um caso pessoal, de uma criança que conheço e que se encaixa na crítica que Tadeu
trouxe – muitas atividades formais e pouco tempo e espaço para brincar. Aqui percebo que eu também
precisava desabafar, assim como o grupo e a partir desse ponto, outras pessoas continuam a trazer
relatos pessoais e a levantar problemas e queixas. Faltando vinte minutos, proponho que a Ana Elisa
leia o seu registro do primeiro encontro e que façamos a discussão dos textos. Peter e Ana Elisa,
porém, pedem a palavra para contarem situações que viveram no trabalho e eu digo estar preocupada
com a hora e sugiro que quem tiver mais problemas para partilhar me mandar por escrito em forma de
um dilema, para que no encontro seguinte possamos escolher coletivamente quais temas
trabalharemos ao longo da proposta.

PARADA 5: “Seu objetivo maior o que é?”

Nos minutos finais do segundo encontro, Lícia faz uma pergunta e, a partir dela, temos uma conversa
em grupo sobre os objetivos da proposta:

LI: Fabiana, qual a metodologia da sua pesquisa? Seu objetivo maior o que é? Ouvir os relatos,
dentro dos relatos, obter alguma informação? Queria saber um pouquinho disso.

Explico que o objetivo é tanto produzir o material de pesquisa, quanto proporcionar um espaço
formativo. Ela continua:

LI: A proposta é esse livre relato?

FA: A proposta é uma construção conjunta. Ao invés de chegar aqui com um planejamento pronto, eu
chego com propostas, porque tenho um objetivo e uma intencionalidade que é de provocar em vocês
a discussão sobre a prática. (...). Eu tenho uma intencionalidade, mas a ideia de estar todo mundo
junto conversando, é justamente essa, de ter uma horizontalidade maior, de partir do pressuposto de
que eu também não sei. Tudo isso que vocês estão trazendo como problemas também são questões
minhas, também tenho dificuldades, não tenho uma solução pronta. É a gente que vai pensando junto.
118

LI: Hoje, por exemplo, ficamos muito falando do professor, do aluno, da família... houve uma
angústia pessoal, que eu enquanto equipe posso fazer para o professor... A gente focou muito no
outro (...). E ao mesmo tempo a gente chega num ponto da ação. Parece que nisso a gente não está
entrando “e aí, o que eu faço diante disso?”. Eu como equipe. O professor está errado em tal ponto,
o aluno, mas jogar para a equipe.

FA: Vocês se identificam com essa fala da Lícia? É uma angústia de vocês também?

IS: É nesse ponto que eu queria chegar. É como se ficássemos apontando e não buscássemos... você
entendeu.

FA: Eu acho que entendi, Isadora e é legal você explicitar isso, Lícia, porque é uma angústia que me
bateu hoje. Como mediadora, minha proposta é horizontal mesmo, com toda sinceridade, de ouvir
vocês. Até por isso que estou deixando mais solto, porque eu quero entender primeiro de que lugar
estamos falando aqui. (...). Tanto no encontro passada quanto nesse, o meu movimento foi de tentar
escutar vocês para tentar entender que problemas são esses para a gente nos próximos encontros
tentar se organizar e aí sim chegar: efetivamente o que a gente pode fazer com isso? E aí tem essa
proposta dos textos, a ideia de discutir os textos é justamente para buscar essas possibilidades
concretas e eu penso que eles trazem isso.

LI: Fico pensando assim, o primeiro encontro foi um momento para gente se conhecer, chegar no
lugar. Esse encontro de hoje foi um momento de conseguir tirar aquilo que está mais incomodando,
foi como se a gente tirasse aquele choro que está na garganta para num próximo momento a gente
poder falar sobre nosso papel.

3º Encontro – 08/10/2014

PARADA 6: “Para hoje, pensei em uma organização diferente”

Diferente do segundo encontro, em que não houve uma retomada e organização das atividades
combinadas, inicio o terceiro encontro estabelecendo um cronograma: primeiro a partilha do registro
reflexivo do Peter, seguido pela categorização dos dilemas e escolha coletiva dos temas a serem
discutidos nos encontros seguintes; partilha do elemento novo preparado pela Isadora; discussão dos
textos sugeridos, com as contribuições da Ana Aragão, convidada especial do dia. Aqui percebo que
assumo uma postura de propositora do grupo, conduzindo e orientando as atividades de acordo com
minhas intenções de pesquisadora e considerando também o processo formativo das participantes,
objetivo igualmente importante da proposta.

PARADA 7: “Que teorias têm fundamentado a prática de vocês?”

Ana e eu decidimos que seria importante sua participação no terceiro encontro, levando uma
discussão sobre reflexividade, a partir das pesquisas e trabalhos que tem desenvolvido nas escolas. No
início deste encontro, apresentei a categorização dos dilemas levantados pelo grupo, explicando o que
seria reflexividade e como esse processo ajuda na tomada de decisões diante de problemas
enfrentados cotidianamente. Então, Ana fez a seguinte pergunta ao grupo: “que teorias têm
fundamentado as práticas de vocês?”. Cada participante conta brevemente as linhas teóricas nas quais
baseiam suas práticas. Alguns indicam que ainda estão em processo de defini-las, outros dizem que
apesar de se identificarem com uma dada teoria, sentem que ela não dá conta de todos os problemas,
outros indicam ainda dificuldades em articular a teoria na prática:
119

AB: Tenho seguido mais comportamental, mas desde que estou trabalhando na educação tenho
buscado outras coisas também.

AE: Eu não queria falar. Porque não fico à vontade quanto a isso. Na faculdade eu tinha professores
que faziam terrorismo com a teoria deles. Então, eu acabei fazendo estágio em comportamental, por
conta do professor (...). Fui chamada para trabalhar na área social e a psicóloga de lá trabalhava na
teoria sistêmica e para mim faz muito sentido.

TA: Tento muito seguir Vigotski e Paulo Freire, mas é difícil.

Ana e eu tecemos uma discussão com o grupo sobre a importância de escolher um sistema teórico,
para que as ações profissionais tenham fundamento e guiem as escolhas e a superação dos dilemas da
prática. Conversamos também sobre a articulação dialética entre teoria e prática e sobre a
impossibilidade de que a psicologia consiga resolver todos os problemas:

AN: Por muito tempo eu achei que a psicologia dava conta de qualquer coisa. Então é igual a BCG,
toma e está vacinado para o resto da vida. O que eu acho hoje é que a teoria não dá todas as
respostas, simplesmente porque ela não é capaz de elaborar todas as perguntas. Então não é ir atrás
de outro sistema teórico é ir atrás de outras ciências: como a sociologia vê isso, como a filosofia vê
isso.

À essa colocação da Ana, eu acrescento dizendo que para escolher um referencial teórico dentro da
psicologia é importante pensar no contexto histórico de surgimento daquele autor e daquelas ideias,
analisando os propósitos e condições de criação daquele sistema teórico. Aqui apresento o movimento
de crítica dentro da Psicologia Escolar, explicando principalmente a crítica aos testes padronizados.
Peter comenta minha fala e a partir disso tecemos uma conversa sobre por fundamentos teóricos:

PE: Como essa ideia de que alguém vai a partir de um teste dar a resposta para o outro é forte na
orientação profissional. Vários alunos falam, mas você não vai dar um teste vocacional para a
gente?

FA: E porque você acha que o teste não funciona, Peter?

PE: Primeiro que eles esperam que um teste vai apontar a profissão e você vai ser aquilo. E o teste
não vai. Esse é o primeiro ponto que consigo de abertura deles nesse sentido. Segundo, porque o teste
seja ele psicólogo ou outro é situacional (...)

FA: E olha só o que está fundamentando o que você pensa! Partindo do princípio de que o ser
humano está sempre em processo de transformação.

PARADA 8: Só temos oito encontros!

Ao final do terceiro encontro, convidei o grupo a olhar para a categorização dos dilemas que
trouxeram para decidirmos o cronograma para os encontros seguintes, considerando que nosso ponto
em comum é discutir o trabalho com demandas educacionais. Com a ajuda da Ana, chegamos à
definição de 4 grandes eixos:

1) Queixa escolar: o que é, como trabalhar a formação dos professores e como lidar com a questão da
medicalização;
2) Relação família-escola, que tipo de orientação podemos dar,
3) Papel e funções do psicólogo no trabalho com demandas educacionais;
4) Propostas de trabalho coletivo e individualizado.
120

Teríamos somente mais cinco encontros para organizar o cronograma. Neste momento, as
participantes oferecem soluções diversas para a organização do grupo e, chegamos coletivamente à
decisão de agrupar os eixos 1 e 2 e os eixos 3 e 4, trabalhando-os respectivamente nos encontros 4 e 5
e 6 e 7, sendo o último encontro destinado para o encerramento do grupo.

4º Encontro – 15/10/2014

PARADA 9: Conversa (a) fiada

Desde o 3º encontro, comecei a audiogravar também as conversas informais, que aconteciam na


chegada das participantes, antes de o encontro começar formalmente. Essa ação me possibilitou
acessar mais profundamente a forma como os vínculos interpessoais foram se formando no grupo. No
4º encontro, começamos de forma bem descontraída, em uma conversa sobre relacionamentos e
família. Neste dia era aniversário do Tadeu, ele era responsável pelo lanche e levou salgadinhos e
bolo para compartilhar. Cantamos parabéns a ele e depois conversamos sobre o que cada um gosta de
cozinhar e sobre o quanto a comida e a partilha da refeição podem criar vínculos afetivos entre as
pessoas:

TA: [O salgadinho] foi de última hora. Mas a ideia era trazer algo mais de coração, mais artesanal.
Eu gosto muito de coisa artesanal e isso de ofertar para o outro eu gosto muito. Me sinto muito bem.
Me interessa menos a reação da pessoa e mais o prazer de fazer.

A partir disso, fiz uma colocação sobre como a partilha do lanche no nosso grupo tem sido um
momento para nos aproximarmos afetivamente:

FA: Eu trouxe o lanche a primeira vez e convidei vocês para trazerem as próximas para partilhar
comidas que tivesse algum significado para vocês ou mesmo o ato de trazer, o esforço que a gente
tem para estar aqui no horário, passar em algum lugar e buscar um lanche que todos gostem, acho
que o convite que queria fazer e espero que esteja sendo significativo, é da gente se aproximar como
grupo, de isso fazer sentido para gente, as conversas, oferecer uma rifa, partilhar receitas, trocar
ideias e da comida. Isso tem a ver com essa proposta de estarmos juntos e partilhar (...) O que tem
significado para vocês estarem aqui toda quarta? E daí me lembrei do momento do lanche, do
momento em que vocês chegam e eu recebo vocês e eu sinto muita amorosidade nesse espaço e nesse
momento. Sinto que o encontro é algo potente e é nele que eu aposto. Eu aposto na conversa, aposto
no outro como uma possibilidade muito rica da gente se desenvolver como profissionais, como gente.

PARADA 10: “O que vocês acham?”

No 4º encontro levo para o grupo um cronograma com as atividades programadas para o dia: entrega
dos registros reflexivos para elaboração de devolutiva; elemento novo levado por Tadeu; partilha do
registro reflexivo da Lícia; estudo de caso a partir do artigo: “A doença do Tom Cruise: uma
experiência de estágio em intervenção psicoeducacional”. Pergunto ao grupo como gostariam de
organizar a ordem das atividades. Fabiana sugere que as pessoas que prepararam o elemento novo e o
registro decidam qual ordem fica melhor e assim Tadeu apresentou o elemento novo no início do
encontro.

Em seguida, discutimos o artigo sugerido por mim, que trazia um estudo de caso sobre atendimento a
uma criança com diagnostico de dislexia. Eu havia preparado uma atividade em pequenos grupos.
Porém, havia poucas pessoas naquele dia e Peter sugeriu que fizéssemos a atividade com o grupo
todo, decisão que foi acolhida por todos.
121

PARADA 11: “Mais alguém ficou pensando alguma coisa?”

O elemento novo foi um recurso estético presente em todos os encontros e a cada vez era levado por
uma pessoa diferente, ajudando a disparar discussões. No 4º encontro, Tadeu partilhou com o grupo
um curta-metragem “Por cuatro esquinitas de nada”. Pergunto a ele porque decidiu trazer esse vídeo:

TA: Eu acho o seguinte, pensando no que a gente falou outro dia em qual seria o papel do psicólogo
(...) de falar “olha, não é mais fácil abrir a porta?”. Essa clareza talvez seria a função de vocês:
“será que não tem outro caminho, outra forma?”. Dar esse olhar. Isso eu acho interessante. Não só
interessante, como fundamental. Porque vezes na escola você não tem isso. (...). Eu acho que talvez
vocês conseguiriam dar esse olhar, talvez é muita responsabilidade.

FA: E os psicólogos do grupo, o que acharam do elemento novo?

PE: Eu acho que conversa um pouco, eu li os textos e a visão que ficou para mim dos três textos
como um todo é que a maioria das vezes a queixa escolar vem de um olhar errado sobre a criança
(...) Então a dificuldade nossa na verdade é fazer com que as pessoas não olhem para a criança,
olhem para o sistema eu pensei numa luta contra a maré.

FA: Bem contra a maré. Mais alguém ficou pensando alguma coisa sobre o vídeo?

LC: Eu fiquei pensando na inclusão, que hoje é uma realidade que a gente tem. Não é no sentido
ideal, mas muitas vezes a gente consegue colocar o quadradinho. Mas e aí? Aí eu fico pensando, será
que a gente está ainda só nesse primeiro passo, colocando o quadradinho e isso basta? Não. É
colocar o quadradinho, mudar a porta, mudar esse coletivo para receber esse quadradinho, pensei
na inclusão que é um grande desafio hoje.

Luiza e Alice partilham experiências de suas práticas com educação inclusiva. Em seguida, usando a
metáfora do próprio vídeo, Peter comenta que não se deve apenas arrumar a porta para “permitir a
entrada do quadradinho”, mas tirar a parede toda, refazê-la. Eu pergunto:

FA: Que tipo de concepção de criança, educação, aprendizagem, desenvolvimento sustenta essa
ideia que vocês trazem de inclusão?

PE: Acho que isso vem muito com a visão de que cada um é um mesmo, independente se tem um
nome para o que a pessoa tem ou não (...)

PARADA 12: Participante-propositora, propositora-participante

A discussão provocada pelo elemento novo trazido por Tadeu levou o grupo a pensar sobre a inclusão
e sobre as crianças que apresentam alguma intercorrência no processo de escolarização, recebem
algum diagnóstico e acabam ficando “invisíveis” no cotidiano escolar, vista apenas por meio de uma
patologia e não a partir de suas potencialidades. Comento com o grupo que a necessidade de enxergar
e trabalhar as potencialidades da criança já parece ser um assunto tão comum, mas me questiono
porque isso tantas vezes não se efetiva nas salas de aula. Tadeu então responde:

TA: Eu tenho uma tese. Eu trabalho com formação de professores e essa situação é assim “eu sei eu
vejo, mas eu não tenho o que fazer”. E aí o que a gente pensa e chegou a algumas conclusões, vou
tentar responder duas coisas que você perguntou. As concepções que a gente tem de criança,
aprendizagem e desenvolvimento (...) é uma mistura de tudo, um sambão. Então você não tem, de
verdade, o professor estuda pouco teorias de concepção, estuda muito pouco isso. Dá uma pincelada
122

em Vigotski, uma pincelada em Piaget, coloca ou dois juntos, vai fazendo essas coisas. Não se
aprofunda. E no final o que eu vejo é que a gente tem uma educação muito militarizada.

[Tadeu parecia ter algo a mais para acrescentar, mas eu não escuto sua solicitação inicio uma fala, a
partir de um material que preparei em slides]

FA: Eu penso também, não tem um culpado nessa história. Por quê? Porque são discursos que
sustentam esse jeito de pensar. Então discursos produzidos a partir de uma trajetória que é história.
Então isso chega para o professor, para ele e para nós como psicólogos e para outras pessoas como
algo muito natural.

Após apresentar uma crítica aos diagnósticos psicológicos a partir de avaliações neurológicas,
pergunto a Luiza:

FA: O que você pensa, Luiza, estou pensando em você agora, por você vir dessa área da
neuropsicologia, da avaliação neuropsicológica, o que você pensa dessa questão do distúrbio como
um argumento muito presente na fala dos professores? Partilha com a gente um pouco sua
experiência.

A partir dessa pergunta, Luiza contribui para pensar esse tema com sua prática clínica, Tadeu com os
conhecimentos da História, Ana Elisa com sua prática na área social e da saúde.

PARADA 13: “O que vocês fariam?”

A discussão sobre diagnósticos, medicalização, predominância dos saberes do campo da saúde para
tratar questões escolares emergiu ao longo do 4º encontro. Ao perceber o movimento de “queixa-
lamentação” em que estávamos prestes a entrar, fiz a seguinte entrada:

FA: Mais uma vez a gente entrou naquele movimento que é de falar do quanto é difícil e realmente é.
É o entrave com os médicos, com um pensamento que está inserido na fala dos professores, na nossa
fala, na fala das famílias. (...). Estou pensando aqui no nosso objetivo de hoje que é pensar em
possibilidades efetivas, considerando a questão da atuação do psicólogo, mas também dos
professores e da Lícia que lida com essas questões. E de novo a gente tem meia hora para fazer tudo
isso. O que eu pensei: tem o registro da Lícia, que acho que podemos deixar para o final como um
jeito de amarrar e de sair daqui pensando no seu entendimento sobre o grupo. Eu pensei em ler para
vocês a história do Tom Cruise da Silva, é esse o nome que a autora deu no artigo e partir desse
caso, a gente pensar em algumas questões (...)

A partir da leitura do caso, pergunto ao grupo o que fariam com aquele encaminhamento e percebo
que cada participante contribui para pensar no atendimento à queixa escolar, a partir do seu campo de
formação/atuação profissional.

LU: Ah, Fabiana, geralmente eu acolho [a mãe]. Falo, é, você pensa isso? Tudo bem, vou tentar
ajudar e a gente juntos vamos ver o que é possível ser feito. Não sei. Geralmente acolho.

LI: A gente não sabe o fato, mas a gente tem que investigar isso: que função o não estar lendo está
tendo na vida dele, como que isso começou e para onde isso está indo.

BI: Acho que as outras informações que a gente precisa nesse caso, seria fundamental olhar para
como essa criança está sendo atendida na escola.
123

AE: Acho que aí a gente vai considerando tudo, como a escola reage e quando fala da mãe, como a
mãe concebe aquilo também vai fazer com que ela aja determinada forma com aquela criança.

TA: Vocês já foram em reuniões de pais e professores? Você é um confessionário, eles vêm e
despejam tudo, chora, abraça e daí melhora. O professor que é duro nesse momento, não tem
resposta. Só de você acolher o pai e a mãe, já tem uma mudança.

AL: Eu tenho um aluno e quando eu ofereço um estímulo e ele não responde, eu fico, o que eu estou
fazendo de errado? Será que a forma como eu estou falando está errada, será que minha didática
está errada, será que a minha teoria está errada? O que eu estou fazendo de errado?

PARADA 14: “E agora a gente está caminhando, andando”

Ao final do 4º encontro, Lícia partilha seu registro reflexivo sobre o encontro anterior. Nele, relata as
angústias de não perceber um objetivo nos dois primeiros encontros e como o 3º encontro foi decisivo
para criar uma identidade no grupo. Ao finalizar a leitura, comentou:

LI: Eu percebo de um jeito muito pontual. Os dois primeiros encontros eu achei bons, claro, mas
mais soltos, no sentido do objetivo e isso me angustiou um pouco. Como eu coloquei aqui, ilustrando,
como se tivesse sido uma gestação e no terceiro encontro a coisa nasceu. E agora a gente está
caminhando, andando. E eu achei o terceiro encontro como o que norteou: “que linha que eu sigo?”
“como quem você dialoga?”, a Ana falou isso.

E relata um caso que atendeu naquela semana:

LI: Quinta-feira de manhã atendi uma menina autista, caso dificílimo, dificílimo e a menina tem três
anos e ela fica muito com a mãe, fala muito pouco e ela protesta muito, o protesto dela quando a
gente tira a mãe é ela fazer xixi. Ela já faz no banheiro, mas ela fez xixi na sala, perto do meu pé. E
naquele dia a gente tirou a mãe e ela veio, fez xixi, aquele xixizão. Eu falei assim: “bom, tá bom, com
quem eu vou dialogar agora, o que eu faço agora?” É pra gente chamar a mãe, a mãe troca e a gente
não tá fazendo mais isso, eu troco e tal. E aí ela sapateia no xixi, faz aquela confusão e nessa hora eu
pensei: “bom, na teoria estava tudo muito tranquilo e agora na prática, o que eu faço com esse xixi,
com essa criança?” A gente já tem algumas coisas prontas para fazer, não entrei em desespero, mas
enfim, foi um dilema que vivi e falei, com quem eu vou conversa agora? Então, esse encontro trouxe
muito isso, criou uma propriedade no grupo e foi muito bom. Foi isso que pensei e acho que a
angústia que tive nos dois primeiros encontros foi atendida, fui muito acalmada nesse terceiro.

5º encontro – 22/10/2014

PARADA 15: Pesquisadora-participante, participante-pesquisadora

Desde o 4º encontro, havia pedido ao grupo que entregassem os registros reflexivos que haviam feito
até então para que eu pudesse conhecer o processo de cada uma no grupo mais profundamente,
oferecendo devolutivas. Então partilhei com o grupo uma outra ideia:

FA: E daí enquanto eu pensava sobre isso me veio uma outra ideia: se eu estou dizendo que aqui é
um espaço de construção coletiva e eu considero que tem sido, pelas conversas que a gente teve,
pelas escolhas que vocês mesmos fizeram dos dilemas, eu resolvi trazer os meus registros para vocês
também. Essa semana eu falei “ah, vou mandar do último encontro”, porque eu achei legal, me
movimentou coisas interessantes, e aí fui ler os outros e pesei que seria bom vocês terem acesso ao
que eu escrevi. A cada vez que eu saio daqui eu escrevo alguma coisa, como se fosse um diário de
124

campo, que é um recurso que a gente usa na pesquisa qualitativa, o pesquisador, ao longo do
processo, ele já vai narrando e tentando entender os sentidos produzidos pelo processo da pesquisa.
Então a cada vez que eu saio daqui eu faço um registro e daí trouxe para vocês. Eu vou entregar e aí
eu queria a contrapartida: que vocês fizessem para mim considerações: o que chamou a atenção
nesses registros que eu estou entregando, sobre minha postura, sobre o que a gente conversou... do
meu jeito de enxergar o grupo. Vocês topam?

PARADA 16: Uma equipe profissional

Tadeu partilhou conosco seu registro reflexivo sobre o 4º encontro: começa dizendo que é o registro
do dia 15 de outubro, dia do seu aniversário e diz que foi bom, mas esquisito estar com o grupo.
Pergunto porque esquisito, ele disse que já tem um tempo que ele escolheu não trabalhar no dia do
aniversario dele. E esse ano ele disse que não só trabalhou como fez mais coisas: “mas o dia inteiro,
com fazendo coisas que eu não gostei, a única coisa que eu gostei foi estar aqui”. Segue lendo o relato
sobre como o vídeo Sentimentário e as conversas sobre rótulos relacionados a problemas de
aprendizagem o mobilizaram, pois ele mesmo foi diagnosticado como disléxico na infância:

TA: Achei muito interessante quando você [Lícia] falou que não é um diagnostico fácil, né? Hoje eu
entendo isso, não é fácil, não é simples, hoje eu entendo isso.

A partir do relato pessoal de Tadeu, pedi ao grupo para que imaginassem o que fariam se um caso
como o de Tadeu chegasse até eles. Alice relaciona o relato a uma reunião em seu trabalho, na qual
discutiram a possibilidade de retirar o EJA da escola:

AL: aí fiquei escutando o Tadeu falar e pensei: tudo a ver com a discussão de hoje de manha. Tirar o
problema da escola, não tem que tirar o problema da escola, o problema é da escola, o problema é
de todo mundo que está envolvido com a escola.

Pergunto aos psicólogos do grupo o que fariam. Valentina partilha sua prática como psicóloga de uma
Unidade Básica de Saúde, dizendo que busca investigar tanto os aspectos da saúde da criança, da
história familiar, quanto da escolarização. Convido o grupo a buscarem nos textos sugeridos ideias
para pensar em como lidar com demandas educacionais. O grupo fica em silêncio diante desse convite
e eu pergunto o que estão pensando. Luiza comenta sobre a falta de preparo dos profissionais que
atendem as demandas educacionais, desde professores até psicólogos, médicos... e Tadeu comenta
que no seu caso algo que fez toda a diferença foi o modo como alguns professores o olharam sem
julgá-lo por seu diagnóstico, mas valorizando suas potencialidades.

FA: Mas Tadeu você também falou uma coisa importante que é de procurar o olhar do professor,
você devolvia em forma de brincadeira e aquilo voltava. Então eu acho que você está falando do
vinculo afetivo que é criado com o professor. Se aquele professor te dava troca afetiva, então a coisa
caminhava.

Alice então associa essa conversa sobre afetividade e prática docente a suas ações como professora:

AL: Hoje na escola em que eu trabalho tem encontro individual. E aí eu pensei: “o que eu vou falar
pra mãe sobre o que esse aluno desenvolveu nesse semestre?”. E comecei a pensar, pensar, pensar e
aí eu me dei conta que no meio do semestre o aluno ficou mais próximo de mim e aí eu acho que o
vínculo afetivo foi diferente e aí eu percebi que tanto que ele estava desenvolvendo.

FA: Alice e o que da sua ação você consegue identificar que foi importante nesse processo?
125

AL: Acho que o tempo (...) Me conhecer e conhecer essa criança também, saber de que forma eu
posso agir com essa criança, o que eu posso fazer, de que forma eu posso chamar a atenção (...)
Então a gente vai criando estratégia durante o ano.

FA: É o tempo, mas eu penso que tem um outro elemento aí no meio, que é o seu entendimento de que
isso é importante. Porque você, nesse processo, se isso não fosse importante, você não iria estar se
fazendo tantas perguntas. Olha o tanto de perguntas que você foi fazendo: “o que eu posso fazer?
Porque ele estava assim? Porque ele ficou desse jeito? O que é importante nessa relação?”.

PARADA 17: Qual é a receita?

Diante do meu convite para discutir os casos apresentados no grupo, Peter disse:

PE: Quando pergunta: “o que fazer com esse caso?” parece que o caso sempre chega pronto e é só
dizer: “vou fazer assim, assim, assim”. Será que esse caso assim vai ser sempre da mesma forma?

FA: Eu entendo o que você traz, Peter, acho que a minha tentativa de pensar em casos é tornar mais
concreta a nossa conversa, sabe? E acho que a gente tem que tomar bastante cuidado mesmo, porque
não existe uma única solução (...) Então não tem uma receita, mas tem possibilidades e eu estou
percebendo que a possibilidade mais concreta que a gente chegou até agora é essa de buscar outros
jeitos de olhar. Então vamos ouvir essa criança? O que será que ela entende dessa situação? Que
jeito ela vê isso tudo?

A partir desse ponto, discutimos sobre a importância de ouvir as crianças e entender a versão delas
sobre a queixa, ouvir também as famílias e a escola, acolhendo as angústias e movimentando as várias
versões sobre o caso:

LU: Então, eu me apresento eu falo: “olha, eu já conversei com seus pais”, porque já colhia queixa
com os pais e falo “eu vou te contar o que eu conversei com seus pais e depois você me fala se você
concorda ou não (...)

TA: Essa estratégia é muito legal.

LU: É uma técnica, uma estratégia de você deixar a criança mais... tranquila, você acolhe aquela
angústia.

PE: E quando você acha que é o momento de falar com a escola?

LU: Peter, primeiro eu faço uma avaliação (...). Então, primeiro eu fecho a avaliação da criança e
depois eu vou para a escola.

Ao final do encontro, Tadeu disse:

TA: Eu estava pensando numa coisa, a receita de bolo, de estar preocupado com a receita de bolo. A
receita de bolo ela dá uma segurança pra gente de que se ela falhar, troca de receita. Por isso que as
pessoas querem tanto a receita de bolo. Mas pensando por outro lado, a gente pode construir uma
receita de bolo (...). Acho que a gente construiu uma receitinha. Uma receitinha não, um receitão.
Um bolão gostosão. E não tem problema. Eu tinha muito forte essa fala, não quero receita, não quero
usar receita, mas é legal a gente construir, talvez artesanal.

FA: Talvez a receita seja o processo mesmo, de conversar e refletir junto.


126

TA: Seja o processo. E aquela coisa: não deu certo? Vamos fazer de novo. É isso. Achei legal isso, o
quê olhar, como olhar... escutar.

6º Encontro – 29/10/2014

PARADA 18: “O que você acha que os encontros estão sendo para nós?”

Depois de ter entregado impresso às participantes o diário de bordo de todos os encontros, levo o
registro que fiz do 5º encontro para partilhar com o grupo no início do 6º encontro. Perguntei, então,
como foi para elas ouvirem as minhas impressões sobre o grupo.

PE: Achei engraçado que no começo você se pergunta até que ponto você se coloca participando do
grupo e ao longo da sua leitura, você foi trocando várias palavras que se distanciavam um pouco do
grupo e na sua troca você se aproximava do grupo. Quando você escreveu sobre o grupo, você
colocou “conosco”, acho que você está mesmo inserida e como isso contribui para que esse grupo
seja um grupo mais unido, mais humano, sabe?

LI: O que me disparou uma reflexão foi essa frase “que sentido tem para o grupo registrar
reflexivamente os acontecimentos?”. E é um exercício muito interessante. Na minha prática eu não
escrevo muito, eu gosto de escrever, mas eu não conhecia o exercício do portfolio reflexivo. E eu
achei muito interessante, porque a gente ressignifica, retoma aqui e ressignifica, entende melhor a
coisa, o que foi pensado. (...) O seu relato eu achei muito cuidadoso, seu olhar é muito cuidadoso,
muito atento. Então isso não é fácil, acho que isso é trabalhoso. (...) Então eu vejo que você tem esse
movimento sozinha você com o trabalho e aqui no grupo. E eu acho que a sua escuta é muito
delicada, muito sensível, acho que o olhar e a escuta.

Luiza partilha a dificuldade em escrever os registros toda semana:

LU: A vida da gente é muito corrida, né, Fabiana, chega a noite, minha filha está lá escutando a
Pepa e eu fazendo registro reflexivo. (...) Então eu entrei um pouco em angústia, tive vontade de
desmarcar uma manhã inteira de paciente para sentar quietinha e fazer. Eu senti falta de um tempo
que eu já tive e hoje não tenho.

Eu pergunto se mais alguém se identifica com essa angustia partilhada pela Luiza. Alice disse:

AL: Para mim é significativo fazer o relato, mas meu tempo também é curto. Para mim não é fácil,
não só o relato, mas tudo que eu tenho que fazer. Tudo demanda tempo e meu tempo é muito curto.

FA: E é por isso que eu coloco que vocês não são meu objeto de pesquisa, são gente. Gente bem
inteira mesmo. E eu tenho tentando exercitar esse cuidado de entender a condição de vocês [aqui falo
ao grupo que entendo quando não conseguem entregar uma atividade solicitada ou fazerem as leituras
indicadas, pois todas trabalham e vêm de outra cidade e que ainda assim percebo o compromisso de
cada uma com o grupo].

AL: Tenho uma pergunta: o que você acha que o curso está sendo pra gente?

FA: E é uma pergunta daquelas assim... né?

AL: Você perguntou: o que será que o curso está significando para eles. Mas o que você acha que
está significando pra gente?
127

FA: Pra vocês? [silêncio]. Eu penso... Sua pergunta é muito pertinente, eu não sei nem por onde
começar a responder. (...) eu vejo que tem sido um espaço bom, de compromisso mesmo (...) Acho
que só depois de ouvir as gravações e retomar o que vocês escreveram é que vou poder ter acesso ao
que você me perguntou.

PARADA 19: “Tem um texto que fala isso”

No 6º encontro, levei a dinâmica da “batata-quente”: uma caixinha com perguntas que paravam
aleatoriamente nas mãos das participantes, de acordo com o parar da música, para proporcionar a
circulação de temas, de acordo com os eixos de discussão escolhidos coletivamente. A perguntas
eram:
- O que você entende por psicologia escolar e educacional?
- O que você entende por compromisso social, transformação social?
- O que você entende por processo educativo?
- Para você, o que seria uma atuação crítica?
- Que contribuições você considera oferecer à educação na sua prática?
- Como o trabalho com processos educativos se inserem em sua prática?

Após cada participante ter respondido a uma pergunta, convidei o grupo a aprofundarem nas
respostas, relacionando-as com as leituras sugeridas para aquele dia. Surgiu uma interessante
discussão sobre se o compromisso social comparece no atendimento clínico, individual e,
independente do local de atuação, se quando o psicólogo se propõe a um olhar amplo, a dimensão
social do trabalho estaria presente aí.

AL: O social não envolve só essa questão de ajudar financeiramente ou trabalhar em um lugar onde
tem crianças com mais necessidades, mas você se disponibilizar para o outro, você estar disposta e
aberta para o outro. Na minha visão isso é trabalhar o social, trabalhar a coletividade.

VA: Quando você trabalha com clínica não é só você ficar sentada ali atendendo.

LZ: Impossível, quando você trabalha com criança, impossível.

VL: Tem que sair do seu lugar.

Ana Elisa levantou a questão de que nem sempre a escola está disponível para essa conversa sobre os
casos encaminhados. Luiza então dá uma ideia de como lida com essa questão em sua prática, seguida
por um convite de Lícia para buscarmos na leitura sugerida uma reflexão sobre esse problema.

LU: Então, Ana Elisa eu já enfrentei isso no começo era assim, mas agora eu agendo a visita eu peço
a presença da professora.

LI: Tem um texto que fala isso, da importância da presença da professora.

FA: Sim, acho que é o de orientação à queixa escolar?

LI: Achei, era sobre interlocução com a escola: “no processo de marcação de encontro procuramos
a presença do professor na qualidade daquele que lida diretamente com a criança e da queixa
escolar”.
128

PARADA 20: “Da crise à oportunidade”

Ao final do 6º encontro, Lícia apresenta o elemento novo ao grupo, o clipe da banda Pink Floyd “The
Wall”, dizendo que pensou em trazê-lo por sua crítica ácida e não conformista ao sistema educacional
e que apesar de ser antigo, os problemas apontados lá ainda são atuais. Ao final, peço para cada uma
dizer uma frase ou palavra que relacionasse o vídeo com a discussão que tivemos naquele dia. E
tivemos a seguinte conversa:

VA: Transformação. Assim espero...

BI: Repensar... antes de transformar precisamos repensar mesmo, porque tem muita coisa a ser
mudada ainda.

AE: Fiquei pensando no quanto às vezes a gente acha que está caminhando e depois percebe e fala,
nossa, está me fazendo da boba.

FA: O movimento é dialético mesmo, a gente avança, retrocede, muda algumas coisas e repete
outras.

AL: Como a sociedade exige de todos nós um padrão é algo que está bem claro no filme.

FA: Esse que nem permite a gente parar para pensar e escrever, né, Alice?

AL: Com certeza. A gente está preso ao tempo, tem que ter tempo pra tudo.

FA: E o sujeito vai se perdendo. Lícia, você quer colocar mais alguma coisa?

LI: Não... em uma palavra, pensaria crise. Eu escutei aqui, no primeiro dia, a educação está em
crise, acho que foi a Rosa que falou. E eu fiquei pensando, será que é crise, será que é
transformação? Até pouco tempo a gente tinha isso, professor batia em aluno. Meus pais tiveram.
Isso não é tão antigo. Será que crise, será que é transformação?

FA: E essa crise será que é ela é ruim?

LI: Pode ser uma coisa boa.

FA: A mesma coisa com a psicologia, a gente está nesse processo de romper com algumas práticas.

LU: A crise dentro da psicoterapia breve, ela é vista, você parte da crise para tratar o paciente, o
paciente não entra em psicoterapia breve se não está na crise. E eu lembrei que no ideograma
japonês, a crise significa oportunidade. Então acho que minha palavra é oportunidade.

FA: Da crise à oportunidade.

7º Encontro – 05/11/2014

PARADA 21: “Resistir, mas seduzir ao mesmo tempo”

No 7º encontro, Abayomi levou o vídeo Ex-E.T. como elemento novo, que traz o tema dos
diagnósticos psicológicos e medicalização e que foi apresentado logo no início. Ela disse que já
passou esse vídeo em um encontro de formação docente e que em geral os professores não entendem
129

a proposta: “Eu já passei uma vez e a gente tem que conversar bastante, porque eles levam para um
outro caminho”. Valentina também vivenciou algo semelhante:

VA: Eles falam assim: ai, meu aluno é desse jeito mesmo! E na hora que dá o remédio, pra eles é um
alívio: nossa que bom que acontecesse isso. Já passei uma vez e foi totalmente ao contrário, ao invés
de vez de elas verem que a criança ficou ali, quietinha apática, que não estava mais sendo ela, eles
falam, ai graças a Deus, vocês viram como ele ficou lá todo quietinho? Ele não deu mais trabalho
(…). A gente tem reuniões mensais com os professores e na semana retrasada, nós tivemos três
encontros, tentando juntar a educação com a saúde (...)E, assim, uma catástrofe, alguns entendem,
alguns não entendem. Eles pegam aquilo que a gente já falou nos encontros, a receita está pronta, o
remedinho está pronta. Eles esperavam que a gente fosse lá, que eles iam dar os encaminhamentos,
que a gente ia pegar esses encaminhamentos e ia dar solução para os casos deles. E a gente colocou
que não era esse o objetivo, que era a construção em conjunto.

Disse a ela que esse seria um dilema e pedi licença para apresentar ao grupo um material que preparei
sobre a história da psicologia no Brasil, para pensarmos historicamente a atuação do psicólogo nas
escolas e depois voltarmos no problema levantado por ela para buscarmos soluções:

FA: Quando a gente chega na escola e há essa solicitação: por favor me fale o que essa criança tem
para eu saber como eu lido. Aí está o professor como alguém aquém do saber, o psicólogo como
quem detém esse saber e que pode dar uma resposta e uma resposta baseada em uma medida
quantitativa. Então eu ouvindo tudo isso eu pensei, a gente tem que ter humildade de olhar para a
nossa história como profissão e pensar no que foi produzido e que a gente está em um momento de
ruptura disso e que não vai ser fácil, né, Valentina, não vai ser fácil. É possível, mas fácil não vai ser.

VA: (...) a gente está querendo colocar os professores dentro do quadradinho também.

AB: Tem esse momento de vamos pensar juntos, mas eu preciso ser um pouco mais direta, mas eles
falam, eu já faço. Isso que você está falando não adianta. Mesmo quando eu falo, mas eu estou com
vocês, estou aqui para orientar, se precisar eu venho aqui junto, a gente vai junto. Mas eles falam,
não precisa, eu já sei. Então fico sem saber o que fazer.

FA: Alguém ajuda a Abayomi a pensar em alguma outra possibilidade?


(...)
AE: (...) É a gente sair desse lugar do saber absoluto e que de alguma forma a gente fez e talvez a
nossa luta todo dia seja essa. E a gente acha que não está fazendo nada, na verdade.

FA: E isso já é muito. Só que eu acho que tem alguma outra coisa que a gente precisa pensar talvez
até aqui agora juntos que é de também de acolher essa fala para não deixar para não dar a entender
também esse lugar do contra que você falou. Esse é o desafio, da gente resistir, mas ao mesmo tempo
seduzir. Essa parte da sedução é que eu acho delicada, porque ela exige sim uma postura de entender
que esse professor tem um saber, ele tem um conhecimento que a gente não tem, por isso que a
relação tem que ser horizontal.

PARADA 22: “Trabalho de borboleta”

Valentina, Abayomi e Ana Elisa partilharam com o grupo o projeto saúde-escola que têm
desenvolvido, integrando profissionais de ambas as instâncias para pensar em ações para atender as
demandas educacionais da rede. Ao relatarem as dificuldades em lidar com as expectativas dos
professores, que muitas vezes esperam que elas somente atendam individualmente as “crianças-
problema”, sem fazer um trabalho institucional mais amplo, o grupo sugeriu que esse tipo de projeto
pode demorar a se constituir. Tadeu comentou, por exemplo que um trabalho que convida as pessoas à
130

reflexão é artesanal, demanda tempo e esforço para se estabelecer. Valentina afirmou: “É um trabalho
de formiguinha”. Mais a frente, refiro-me novamente ao trabalho que envolve uma reflexão e
horizontalidade como um trabalho de formiguinha. Tadeu diz:

TA: Eu não gosto dessa expressão “formiguinha”. A formiga só trabalha e não sabe dar risada e a
gente nessa coisa, em escola usa muito, “ah, a gente está fazendo um trabalho de formiguinha”.
Formiga não questiona, não pensa, vai sempre no mesmo ritmo.

AE: Igual naquele desenho,[a participante não cita qual é esse desenho] se cai alguma coisa no meio,
elas ficam desesperadas.

FA: Nem pensei nessa possibilidade. Seria um trabalho de que, então?

(...)

VA: Trabalho de borboleta.

FA: É lembrei da borboleta que usei nos relatos em um deles sai pensando, no segundo encontro que
saí daqui bem pesada, pensando onde está indo esse grupo, será a gente vai dar conta do que se
propôs a fazer, do que eu me propus e daí pensei na borboleta, ela tem um voo leve, mas não tem
muito rumo certo, como da formiga, ela vai para onde mais agrada...

TA: E é o símbolo da transformação.

FA: É o símbolo de transformação de uma lagarta que tem dificuldades de se locomover para uma
borboleta que voa livre.

8º Encontro – 13/11/2014

PARADA 23: “Engraçado, né? Teve mudança”

No último encontro, Bianca preparou uma apresentação para partilhar suas percepções como
pesquisadora-auxiliar sobre o processo do grupo. No início de sua apresentação, Bianca colocou fotos
dos primeiros encontros. Tadeu, então comenta:

TA: Engraçado, né? Teve mudança.

FA: Muita.

TA: Mudança física mesmo (...) Eu fiquei impressionado como que na primeira foto para agora a
gente mudou.

LI: Isso tem a ver com o vínculo.

LU: Quando o vínculo se cria, muda a nossa percepção em relação ao grupo e a nós mesmos dentro
do grupo.

No fechamento do encontro, ao discutirmos o curta metragem The last knit que levei como reflexão
final, Lícia comenta:

LI: (...) Acho que é isso, embora nosso grupo teve um momento de construção, mas essa construção
nunca acaba, ela vai seguir com cada um de nós e enfim, acho que me dá um pouco essa impressão,
131

de construção que nunca se acaba, ela aconteceu aqui e vai continuar dentro de nós, o grupo vai
continuar dentro da gente. A gente se distancia na memória, mas continua na gente.

SEGUNDO MOVIMENTO – Indicadores de análise

O segundo movimento analítico foi elaborado com a intenção de criar os


indicadores de análise, por meio do agrupamento e categorização de todas as fontes de
material empírico, a seguir identificadas com a respectiva sigla usada em cada trecho:

a) “Paradas” criadas a partir das transcrições dos oito encontros (ENC);


b) Registros reflexivos das participantes (RR);
c) Carta devolutivas sobre os registros reflexivos da pesquisadora às participantes (CD);
d) Diário de bordo da pesquisadora (DB);
e) Devolutiva das participantes sobre o Diário de Bordo (DP);
f) “Cartas a um amigo” (CA).

Além das siglas, será também identificado o número do encontro e a data a que se
referem. Por exemplo, se o Registro Reflexivo é decorrente do encontro 1, a sigla será “RR-
1”. A exceção será para os materiais empíricos que não foram produzidos em um encontro
específico, tais como as “Cartas a um amigo”, “Devolutiva das participantes sobre o Diário
de Bordo” e “Carta da pesquisadora às participantes”.
O volume de material produzido, advindo de fontes diversas exigiu um trabalho
minucioso e sistemático de organização. Com a intenção de conhecer as temáticas e
conteúdos, relacionados aos objetivos da pesquisa, emergentes de todas as fontes juntas,
utilizei o Software WebQda71 que me ajudou a codificar todo o material, por meio do
destaque de frases e trechos relacionados aos objetivos da pesquisa. A partir deste trabalho de
codificação, foi possível elaborar uma trama de conteúdos, concedendo uma perspectiva
ampla sobre os elementos, oferecendo indícios importantes para compreender o grupo como

71
WebQda é um software de análise qualitativa desenvolvido em Portugal e utilizado em diversas faculdades e
institutos de pesquisa no mundo todo, inclusive em grupos de pesquisa da Faculdade de Educação da Unicamp.
Para mais detalhes acessar: https://www.webqda.com/
132

fonte de desenvolvimento profissional. O diagrama a seguir apresenta os indicadores de


análise, a partir de categorias e subcategorias72:

Diagrama 1: Indicadores de análise


Constituição de uma Manejo do Concepções Vínculo
proposta colaborativa grupo teóricas afetivo

Demandas e expectativas Posicionamento


horizontal Concepções sobre
educação escolar

Objetivos do grupo Posicionamento


vertical Concepções sobre
família
Diversidade de
profissionais Lacunas e
dificuldades
Concepções sobre
Decisões coletivas psicologia

Elemento Novo
Concepções sobre o trabalho
com dem. educacionais
Registro Reflexivo

Leituras Sistemas teóricos

Contribuições das
participantes

Colisões

Após a codificação de todas as fontes de material nessas categorias, o Software


gerou um gráfico com as categorias mais recorrentes – o número em cada linha representa a
frequência com que esse código foi marcado no material.

Gráfico 1: Códigos mais recorrentes

72
Os indicadores estão divididos em categorias e subcategorias, de acordo com a similaridade e
complementariedade entre eles. O único indicador avulso é o “vínculo afetivo”, por não ter encontrado
subcategorias correspondentes a ele.
133

Apesar de a recorrência numérica dos códigos ao longo do material não ser por
si só elemento para análise, é interessante notar que o manejo do grupo por mim, a partir de
um posicionamento horizontal é o indicador que mais se repete, junto das contribuições das
participantes entre si, sugerindo que, no grupo, a participação ativa das integrantes foi um
elemento relevante para a constituição de uma proposta colaborativa. As colisões aparecem
em segundo lugar, como indício de que o desenvolvimento profissional, tendo as relações
sociais como fonte, implica em um processo não linear, permeado por contradições e crises.
O indicador concepções sobre psicologia e papel do psicólogo sugere que esse foi o assunto
mais recorrente ao longo da proposta e o registro reflexivo aparece como atividade mais
comentada ou mencionada ao longo do grupo, indicando a necessidade, nas análises, de um
olhar atento a esses dois elementos.
A seguir, descrevo brevemente os indicadores de análise, a partir das categorias
e subcategorias criadas na combinação de todas as fontes de material empírico, citando
alguns trechos a partir do material para exemplificar cada um dos indicadores.

1. Constituição de uma proposta colaborativa: este indicador apresenta os elementos que


foram importantes para a constituição do grupo colaborativo e como as vivências foram
recebidas e significadas pelas participantes.

1.1 Demandas e expectativas: aqui foram agrupados os trechos em que as participantes


relatam quais necessidades as levaram buscar o grupo e o que esperavam desse espaço. Em
geral, mencionaram as lacunas na formação inicial e continuada, a busca por conhecimento
no campo da Psicologia Escolar para conseguirem lidar com as demandas educacionais em
seus cotidianos de trabalho, o sentimento de solidão e o desejo de estar com outros
profissionais, partilhando os desafios do cotidiano profissional. No trecho a seguir, Alice
relata que inicialmente esperava apenas aprender alguns conhecimentos, no entanto
encontrou espaço ativo de partilha e discussão sobre a prática:

Como descrevi no primeiro relato, minhas intenções ao me inscrever neste curso eram apenas ouvir
e absorver conhecimentos (...). Entretanto no decorrer dos encontros não contive minha ansiedade
em relatar minhas experiências. Percebi que apenas ouvir seria impossível diante de discussões tão
enriquecedoras. Não basta observar, é preciso participar. (Alice, RR-6, 29/10/14)
134

1.2 Objetivos do grupo: esta subcategoria inclui os trechos em que os propósitos do grupo
são mencionados ou discutidos coletivamente no grupo. Considerando que a proposta não
estava fechada, alguns trechos indicam o questionamento das participantes sobre os objetivos
do grupo e o meu convite para que todas possamos pensar na construção daquele espaço
formativo:

O objetivo é ‘vamos pensar então no que podemos fazer a partir de tudo isso que vocês estão
trazendo? Que possibilidades a gente tem, estando em grupo, numa formação coletiva, com os pares,
dialogando, pensando nas realidades, trazendo casos, refletindo sobre ele (Fabiana, ENC-1, 24/09/14)

1.3 Elemento Novo: os trechos selecionados aqui se referem a como as participantes se


apropriaram da atividade do elemento novo o que foi em geral encontrado nos registros
escritos (registro reflexivo ou carta ao amigo), como podemos identificar no relato de
Abayomi:

Tinha também o “Elemento Novo”, a cada encontro um participante levava algo para aquecer o início,
foram levados muitos elementos legais entre textos, música e vídeos, no meu dia eu levei o vídeo: Ex-
ET, que passamos bastante aqui na secretaria para os professores e que discute a despatologização, a
sensibilização para as diferenças e a dificuldade em lidar comas diferenças no dia a dia (Abayomi,
CA)

1.4 Registro Reflexivo: aqui foram escolhidos os excertos em que as participantes relatam
suas experiências com a atividade do registro reflexivo, bem como o uso que eu mesma fiz
desse recurso como uma estratégia no grupo, quando partilhei meu diário de bordo. Em geral,
as participantes identificam o que aprenderam a partir desse exercício:

E é um exercício muito interessante. Na minha prática eu não escrevo muito, eu gosto de escrever,
mas eu não conhecia o exercício do portfolio reflexivo. E eu achei muito interessante, porque a gente
ressignifica, retoma aqui e ressignifica, entende melhor a coisa, o que foi pensado (Lícia, ENC-6,
29/10/14)

O relato revelador do Tadeu [por meio do Registro Reflexivo] me fez refletir sobre como o olhar do
outro pode influenciar a vida de um individuo. Ouvindo o relato de Tadeu lembrei-me de minha
infância e pensei muito sobre como lembrar da vida escolar me ajuda e influencia minhas decisões.
(Alice RR-05, 22/10/14)
135

1.5 Leituras: a fundamentação teórica das discussões era parte da proposta, por isso nessa
categoria foram selecionados trechos em que as participantes mencionam a importância dos
textos discutidos para sua formação. Aqui destaco também um trecho de Peter, que ressalta as
contradições dessa proposta, relacionadas às dificuldades que tivemos em focar nos textos
indicados durante os encontros, sugerindo que as necessidades do grupo estavam
relacionadas ao desejo de partilha, identificação e pertencimento:

Percebo uma insistência da Fabiana em conduzir o grupo no sentido de uma reflexão teórica
embasada em artigos e uma dificuldade do grupo em caminhar nesse sentido. Talvez o grupo não
deseje nesse momento um fortalecimento teórico, mas sim um fortalecimento pessoal (Peter RR- 6,
29/10/14)

A Fabi sempre trazia algum texto para dar embasamento teórico nas nossas discussões, os textos
foram muito ricos para o meu desenvolvimento como profissional, relembrei coisas que muitas vezes
deixamos passar. (Abayomi, CA)

1.6 Diversidade de profissionais: aqui os trechos se referem ao modo como as participantes


significaram a multiplicidade de profissionais no grupo. Destaco uma fala minha no primeiro
encontro, na qual ainda me refiro à formação do psicólogo como o principal objetivo do
grupo, mas já apresento a necessidade de pensar a presença dos demais profissionais. No
trecho de Abayomi, ela traz a diversidade profissional com um elemento formativo
importante:

Sobre a questão de haver outros profissionais no grupo, destaco que o objetivo é propor a formação do
psicólogo, mas com a presença de outros poderemos dialogar e ampliar nossas experiências e
entendimento. (ENC-1, 24/09/14)

Senti-me parte deste grupo, que apesar de diferentes locais de atuação que cada um ali tem, temos
anseios e dilemas bastante parecidos, não me senti “sozinha” como muitas vezes acontece no meu
ambiente de trabalho. (Abayomi, RR-1, 24/09/14)

1.7 Decisões coletivas: esta subcategoria se refere a trechos sobre as situações em que o
grupo se organizou coletiva e colaborativamente. Aqui trago como exemplo um trecho do
meu diário de bordo, em que relato a mobilização das participantes para organizar o encontro
e um trecho em Lícia traz a expressão “construção coletiva” para definir o grupo:
136

Logo no início, coloquei para o grupo minha dúvida sobre iniciar com o registro ou com o elemento
novo... Fiquei feliz quando todos opinaram sobre essa questão, ajudando a resolvê-la, ao sugerirem
que a própria pessoa responsável pelo elemento pudesse escolher em que momento apresentar o que
trouxe ao grupo. Isso indica a apropriação daquele espaço como de fato coletivo, construído a muitas
mãos. Como é bonito o carinho e comprometimento de quem leva o elemento novo, partilha seu
registro, leva o lanche, se programa para sair de suas casas e cidade para estar no grupo toda quarta.
(Fabiana, DB-4, 15/10/14)

Fabi, a mediadora trouxe para o grupo a expressão “ construção coletiva”. Eu não conhecia este
termo. A ideia foi do grupo construir os temas a serem trabalhados a partir da proposta inicial.
Tínhamos alguns elementos teóricos trazidos pela mediadora e também sugestões de leitura, mas na
maioria das vezes o grupo acrescentava na reflexão. (Lícia, CA)

1.8 Contribuições das participantes entre si: nesta subcategoria foram agrupados trechos que
indicam o modo como as participantes colaboraram entre si para resolverem dilemas e
pensarem em possibilidades no decorrer dos encontros. Destaco como exemplo o relato de
Lícia, sobre a contribuição de todos os membros na fluidez das discussões e também o trecho
de um episódio em que a partilha da experiência de Tadeu se mostrou fundamental para gerar
reflexão sobre o trabalho com demandas educacionais:

O grupo mostrou-se muito entrosado na proposta do “construir com” e “falar com”. Apesar de ser um
grupo não muito numeroso, foi muito coeso e funcionou em um movimento horizontal e afetivo que
permitiu uma construção única e preciosa de muitos conteúdos. Cada membro expôs seus momentos
mais marcantes, e embora tenham sido diferentes e distintos, mostrou que a presença de todos foi
decisiva na percepção de cada um, assim como a visão individual na formação do grande olhar. Todo
o movimento aconteceu no plano singular/individual e coletivo/grupal. (Lícia, CA)

Tadeu segue lendo o relato sobre como o vídeo Sentimentário e as conversas sobre rótulos
relacionados a problemas de aprendizagem o mobilizaram, pois ele mesmo foi diagnosticado como
disléxico na infância:
TA: Achei muito interessante quando você [Lícia] falou que não é um diagnostico fácil, né? Hoje eu
entendo isso, não é fácil, não é simples, hoje eu entendo isso.
(...)
AL: aí fiquei escutando o Tadeu falar e pensei: tudo a ver com a discussão de hoje de manhã. Tirar o
problema da escola, não tem que tirar o problema da escola, o problema é da escola, o problema é de
todo mundo que está envolvido com a escola. (ENC-5, 22/10/14)
137

1.9 Colisões: apesar de ter alocado esta subcategoria no indicador referente à constituição de
uma proposta colaborativa, ela perpassa todas os demais indicadores, sendo central para
compreender as interações sociais que foram força motriz para mudanças no processo de
desenvolvimento das participantes. Aqui coloco alguns exemplos de trechos em que as
participantes expõem suas dúvidas e angústias com relação à proposta:

Este primeiro encontro, de contato inicial, que se apresentou como de muitos blá-blá-blás sobre
educação, psicologia, alunos, professores, etc... pareceu-me mais um desabafo do que uma reflexão
mais aprofundada sobre os assuntos. Mas enfim, cabia a este momento. (Lícia, RR-1, 24/09/14)

No decorrer do encontro fui sendo preenchida por uma angústia em relação ao pensamento de
alguns profissionais, companheiros de curso, especialmente alguns (psicólogos), quanto ao papel e
atuação dos professores nas escolas. Nesse momento senti a falta de relacionarmos as falas do grupo
com questões concretas e teóricas acerca dos textos. (Alice, RR-2, 01/10/14)

Falamos sobre a concepção de dilemas e sobre reflexividade. Tudo muito bom, até que... eis a
pergunta que me tira da minha zona de conforto: que teoria fundamenta minha prática? Acredito que
por ter ciência da importância dela me incomode tanto. (Ana Elisa, RR-3, 08/10/14)

Depois de discutirmos a história da Psicologia no Brasil, fiquei preocupada com uma questão que a
Natalia colocou: estamos tentando colocar os professores na forma? Precisamos nos questionar de
tudo, inclusive da própria postura e nossa função diante das situações vivenciadas. (Ana Elisa RR-7,
05/11/14)

2. Manejo do grupo: este indicador focaliza essencialmente minhas ações no grupo, a partir
tanto de um posicionamento horizontal quanto vertical, bem como as dificuldades e crises
que emergiram nesse processo.

2.1 Posicionamento horizontal: aqui foram selecionados trechos que indicam minhas ações
no sentido de abrir para o diálogo e para a participação de todo o grupo. Apresento como
exemplo um episódio em que pergunto de forma recorrente a opinião do grupo sobre um
elemento novo partilhado e um outro em que Peter comenta meu diário de bordo partilhado
com o grupo, ressaltando que o uso que fiz da primeira pessoa no plural demonstra meu
envolvimento pessoal e próximo com o grupo:

FA: E os psicólogos do grupo, o que acharam do elemento novo? (Por cuatro esquinitas de nada)
PE: Eu acho que conversa um pouco, eu li os textos e a visão que ficou para mim dos três textos
como um todo é que a maioria das vezes a queixa escolar vem de um olhar errado sobre a criança
(...) Então a dificuldade nossa na verdade é fazer com que as pessoas não olhem para a criança,
olhem para o sistema eu pensei numa luta contra a maré.
FA: Bem contra a maré. Mais alguém ficou pensando alguma coisa sobre o vídeo? (ENC-5,
15/10/14)
138

PE: Achei engraçado que no começo você se pergunta até que ponto você se coloca participando do
grupo e ao longo da sua leitura, você foi trocando várias palavras que se distanciavam um pouco do
grupo e na sua troca você se aproximava do grupo. Quando você escreveu sobre o grupo, você
colocou “conosco”, acho que você está mesmo inserida e como isso contribui para que esse grupo
seja um grupo mais unido, mais humano, sabe? (ENC-5, 15/10/14)

2.2 Posicionamento vertical: os trechos escolhidos nesta subcategoria referem-se minhas às


posturas e ações que envolveram um direcionamento do grupo, seja no ensino de algum
conceito ou aspecto teórico relacionado ao trabalho com demandas educacionais ou na
sugestão de atividades ao grupo, necessária para mediar a formação das participantes, de
acordo com os objetivos da proposta. Nos exemplos a seguir, trago o relato de Lícia sobre o
encontro em que apresentei a história da Psicologia Escolar e o registro reflexivo de Tadeu,
que comenta sobre a importância dos meus direcionamentos no grupo:

Neste sexto encontro, houve a apresentação das bases históricas da psicologia educacional/escolar.
Assim, nos deparamos com paradigmas que basearam as concepções e ações até pouco tempo atrás,
sendo que ainda persistem em muitos contextos escolares e clínicos. (Lícia RR-6)

Fabiana assumiu de vez a coordenação do grupo.
Parecia que precisava se sentir no direito.
Enfim,


a insegurança passou, pois eu já estava adorando.
Aliás, todos estão se soltando mais.
Expondo
suas teorias e suas bases teóricas.
O encontro rendeu muito.
(Tadeu RR-5)

2.3 Lacunas e dificuldades: aqui foram selecionados trechos relacionados às minhas crises
pessoais como propositora do grupo, tanto na mediação das interações quanto nas tomadas de
decisão quanto às atividades e ações formativas. Seleciono como exemplo uma breve
narrativa sobre o manejo do grupo no segundo encontro:

Logo depois dos primeiros comentários sobre a música D. Quixote, eu tomo a fala e conto de uma
situação difícil que vivenciei, quando trabalhava em um abrigo para crianças em situação de
vulnerabilidade social, dizendo em um tom de “queixa-lamento” que por vezes não sabia como agir,
mas que sempre tentava enxergar o melhor nas crianças para contribuir de alguma forma. A partir
daqui, percebo que o grupo entra no momento de “desabafar”, trazendo problemas e críticas ao
sistema educacional, à sociedade. Sinto dificuldades em fazer entradas e retomar o lugar de
coordenadora do grupo. Tento acolher as falas levantadas pelo grupo e propor reflexões ou mesmo
que recorramos às leituras que tínhamos para aquele encontro, mas não consigo. Os desabafos
continuam e apresentam contradição – ora responsabilizam as famílias, ora os professores, ora o
sistema social, educacional... ora as ideias são conservadoras e ora trazem uma perspectiva crítica.
(ENC-2, 01/10/14)
139

3. Concepções teóricas: este indicador apresenta subcategorias que reúnem trechos


reveladores dos entendimentos das participantes sobre temas como educação escolar, relação
família-escola, papel do psicólogo e sobre o trabalho com demandas educacionais. Em todos
eles, há contradições entre concepções conservadoras e outras mais críticas, em um
movimento intenso de construção de saberes no decorrer dos encontros.

3.1 Concepções sobre educação escolar: aqui apresento dois exemplos, o primeiro de Rosa,
indicando uma visão fatalista do sistema educacional e o entendimento de Valentina ao final
dos encontros, a partir da compreensão da necessidade de entender a perspectiva dos
professores no trabalho com queixas escolares.

RO: Porque hoje a educação está perdida. Criança de cinco anos fazendo tarefa, ela já é velha,
porque começa antes (ENC-2, 24/09/14)

Pude perceber que muitas vezes colocamos a "culpa" sobre o professor de não entender determinado
aluno, ou não entender o papel do psicólogo, mas com o conteúdo teórico apresentado e os
confrontos ocorridos beste grupo, compreendi que antigamente o olhar era diferente, os psicólogos
eram chamados para avaliar os alunos e verificar se estavam dentro dos padrões ou não (...) não
podemos então, colocar a culpa sobre esses professores, ou termos muitas vezes um olhar de
julgamento. (Valentina, CA)

3.2 Concepções sobre família: de forma semelhante, nesta subcategoria apresento dois
exemplos de entendimento sobre a relação família-escola: uma concepção fatalista e outra
que parte de um entendimento mais complexo sobre a atuação junto a famílias.

RO: Os pais perderam essa autoridade também e aí a escola perdeu totalmente o valor (...) O papel
da escola é a escolarização e o papel dos pais é a educação (...) (ENC-4, 15/10/14)

LZ: Às vezes a angústia tende a baixar quando você compreende. Às vezes a mãe naquele momento
ela não quer a solução, ela quer ser compreendida. E quando você diz, eu te entendo, entendo sua
angústia, entendo porque você está dizendo isso. (ENC-4, 15/10/14)

3.3 Concepções sobre psicologia/papel do psicólogo: os trechos que exemplificam esta


subcategoria relacionam-se tanto às dificuldades encontradas pelas participantes psicólogas
em delimitar seu lugar nas instituições escolares, quanto aos entendimentos construídos ao
longo do grupo sobre a atuação deste profissional.
140

AB: Então eu tenho muita dificuldade [nas escolas] por causa disso. Quando fala que é psicólogo
eles pensam que vamos resolver todos os problemas. (ENC-1, 24/09/14)

Considerando o foco de nossas discussões no papel do psicólogo na escola, será que tantas
frustrações da ação do psicólogo na escola, não são resultado de um conflito interno do próprio
profissional, que muitas vezes não sabe qual é o seu papel diante das queixas escolares? (Alice, RR-
2)

O importante é o psicólogo não se colocar no lugar do saber, de ter uma resposta pronta para a
família, a escola... Tudo é construído a partir do coletivo. Junção de ideias, pensamentos. O
psicólogo pode funcionar como mediador. (Luiza, RR-6, 29/10/14)

3.4 Concepções sobre o trabalho com demandas educacionais: aqui apresento um exemplo
de um importante entendimento discutido no grupo sobre o trabalho com queixas escolares:

(...) o Caso do Tom Cruise da Silva nos ajudou a (re) pensar a prática. Os slides da Fabiana nos
auxiliaram a organizar o pensamento e o que ficou pra mim é que é crucial nos casos de queixa
escolar movimentar a rede que está envolvida no caso. Todos precisam ter voz e contribuir para se
chegar numa melhor forma de lidar com a situação. (Ana Elisa, RR-4, 15/10/14)

3.5 Sistemas teóricos que fundamentam a prática: esta subcategoria reúne trechos que
indicam os autores e teorias que subsidiam a prática profissional das participantes e ainda as
reflexões tecidas no decorrer dos encontros sobre a importância de repensar os sistemas
teóricos que fundamentam a prática.

AE: Eu não queria falar. Porque não fico à vontade quanto a isso. Na faculdade eu tinha professores
que faziam terrorismo com a teoria deles. Então, eu acabei fazendo estágio em comportamental, por
conta do professor (...). Fui chamada para trabalhar na área social e a psicóloga de lá trabalhava na
teoria sistêmica e para mim faz muito sentido. (ENC-3, 08/10/14)

Por fim, o que já sabia, mas às vezes também nos distanciamos é ser fiel a uma teoria. O que
sustenta nossa atuação, qual é a linha teórica que me apoio. Fundamental para a evolução com o
paciente e até uma questão ética. CA, Luiza

4. Vínculo afetivo: este último indicador apresenta trechos em que os vínculos afetivos no
grupo são colocados em evidência como parte da proposta formativa. O primeiro é parte do
registro reflexivo de Peter, no qual ele questiona se as necessidades maiores do grupo não
seriam mais relacionadas ao acolhimento e vínculos interpessoais e o segundo é um trecho da
“carta ao amigo” de Abayomi, com uma reflexão sobre a constituição de vínculos afetivos no
grupo:
141

Percebo uma insistência da Fabiana em conduzir o grupo no sentido de uma reflexão teórica
embasada em artigos e uma dificuldade do grupo em caminhar nesse sentido. Talvez o grupo não
deseje nesse momento um fortalecimento teórico, mas sim um fortalecimento pessoal (Peter RR-6,
29/10/14)

A Fabi fez um fechamento da proposta e a Bianca também apresentou alguns slides de como foi
para ela essa experiência, simplesmente adorei, ela colocou umas fotos nossas na apresentação que
ela havia tirado durante todos os encontros, e como o Tadeu, um dos participantes disse no fim,
como estávamos diferentes no ultimo dia e aí eu percebi como tínhamos criado um vínculo, mudado
conceitos, aprendemos com os textos, com a experiência do outro, com o olhar do outro. Esse grupo
deixou uma marca em mim, e por vezes me pego pensando nas nossas discussões, releio os textos e
continuo aprendendo. (Abayomi, CA)
142

TERCEIRO MOVIMENTO: “Travessias”

A partir dos 23 episódios selecionados como “Paradas”, juntamente com a


codificação de todo o material, busquei, nesta etapa, reler o que foi produzido, aglutinando e
criando conexões entre os pré-indicadores e os indicadores de análise para criar os núcleos de
significação. Para Vigotski (1934/1998), não são todas as relações sociais que provocam
mudanças no sistema psíquico, mas são aquelas que apresentam um caráter dramático, por
meio de colisões que atuam como força motriz do desenvolvimento:

O desenvolvimento toma um caráter turbulento, impetuoso e algumas vezes


catastrófico que se assemelha a um curso revolucionário de eventos tanto no
nível de mudanças que ocorrem quanto no sentido das mudanças que são
feitas. (VIGOTSKI, 1934/1998, p. 9)

Portanto, neste terceiro movimento analítico, selecionei os trechos e


acontecimentos que apresentam colisões, contradições ou um caráter
emocionalmente/cognitivamente mais intenso e que, portanto, ofereçam indícios de quais
situações sociais provocaram mudanças no curso de desenvolvimento profissional das
participantes.
Vale ressaltar que, em decorrência de minha formação e apropriação teórica,
tomar as relações sociais como origem desse processo já era um princípio desde o início da
proposta – minhas intencionalidades em cada estratégia foram certamente baseadas neste
princípio. Mas não havia garantia de como o grupo aconteceria: o processo de
desenvolvimento humano é o mesmo, mas os resultados são diferentes, pois o modo como
cada sujeito se apropria do social é único. Portanto, minha intenção foi olhar para aquilo que
é singular – mudanças, transformações nesse grupo específico de profissionais, a partir da
mediação de um processo que é universal – o desenvolvimento que acontece da dimensão
interpsíquica para a dimensão intrapsíquica, para então destacar elementos que possam
contribuir com outras propostas de desenvolvimento profissional para aqueles que trabalham
com demandas educacionais.
Considerando este postulado, escolhi a imagem da “Travessia” para nomear os
núcleos de significação que irão compor o terceiro movimento de análise. Como explicado no
Memorial, em que também uso a imagem da Travessia para narrar os marcos na minha
formação, em uma viagem, a travessia remente não àqueles passeios turísticos que fazemos e
depois voltamos para o conforto da nossa casa, mas àquelas viagens definitivas, nas quais
deixamos o lugar comum para trás para nos arriscarmos em algo novo ou em um destino
143

desconhecido ou incerto, que exige uma longa jornada e que ao final terá nos transformado
irreversivelmente. Quais vivências nos levaram a travessias? Por quais caminhos passamos?
Como as travessias aconteceram? Quais mudanças encontramos ao chegar “do outro lado”?
Assim como nas Paradas, elegi uma frase advinda do material empírico ou criada
a partir do significado mais marcante de cada Travessia para nomeá-las. Todas elas foram
elaboradas a partir da aglutinação e da síntese de diversos pré-indicadores e indicadores, que
serão explicitados por meio de tabelas. Aqui peço licença ao leitor para repetir alguns trechos
já mencionados nos pré-indicadores e indicadores, alguns deles serão reiterativos entre as
Travessias também, uma vez que a potencialidade de sentidos que trazem é fundamental para
as análises. A intenção, portanto, discutir elementos essenciais relacionados à origem e ao
processo de desenvolvimento profissional no grupo, buscando, nos núcleos, unidades de
análise que abarquem as características do contexto social e também da dimensão singular
com que as participantes se apropriaram do social, tendo os conceitos-chave: Situação Social
de Desenvolvimento, Drama e Perejivanie como ferramentas analíticas.
144

TRAVESSIA 1

“Da crise à oportunidade”: sobre a construção de um grupo colaborativo

A primeira Travessia busca explicar o processo de constituição de uma proposta


colaborativa, destacando que a colaboração não se deu de forma natural, mas a partir de
determinadas estratégias e interações sociais que criaram condições especiais para o
surgimento de um grupo colaborativo.

Tabela 5: Combinação de pré-indicadores e indicadores – 1ª Travessia


PRÉ-INDICADORES INDICADORES

Parada 2: “estamos no mesmo barco” Demandas e expectativas


Diversidade de profissionais

Objetivos do grupo
Parada 3: Queixa-lamento Manejo do grupo - posicionamento horizontal
Concepções sobre psicologia/papel do psicólogo
Concepções sobre educação escolar
Concepções sobre família
Elemento Novo
Concepções sobre psicologia/papel do psicólogo
Parada 4: “por amor às causas Concepções sobre educação escolar
perdidas” Manejo do grupo – lacunas e dificuldades
Manejo do grupo – posicionamento vertical
Manejo do grupo – posicionamento horizontal
Colisões
Demandas e expectativas
Objetivos do grupo
Parada 5: “Seu objetivo maior, qual Manejo do grupo – lacunas e dificuldades
é?” Manejo do grupo – posicionamento vertical
Manejo do grupo – posicionamento horizontal
Colisões
Parada 8: “só temos oito encontros!” Objetivos do grupo
Demandas e expectativas
Decisões coletivas
Parada 14: “E agora a gente está Objetivos do grupo
caminhando” Sistemas teóricos que fundamentam a prática
Contribuições das participantes
Contribuições das participantes
Parada 16: Uma equipe profissional Sistemas teóricos que fundamentam a prática
Concepções sobre o trabalho com demandas educacionais
Concepções sobre educação escolar
Parada 19: “Tem um texto que fala Concepções sobre o trabalho com demandas educacionais
sobre isso” Concepções sobre educação escolar
Contribuições das participantes
Parada 20: “Da crise à oportunidade” Concepções sobre o trabalho com demandas educacionais
Concepções sobre educação escolar
145

Colisões
Contribuições das participantes
Concepções sobre o trabalho com demandas educacionais
Parada 21: “Resistir, mas seduzir ao Concepções sobre educação escolar
mesmo tempo” Colisões
Contribuições das participantes

A divulgação do Curso de Difusão Científica73 traz de forma clara que o objetivo


do grupo é discutir a atuação do psicólogo que trabalha em contextos educativos. Quando
recebi inscrições de profissionais que não eram psicólogos, minha orientadora e eu
consideramos incluí-los apostando que poderiam contribuir com o grupo. Mesmo já ciente da
participação de outros profissionais, nos primeiros encontros continuei afirmando que o
objetivo seria discutir a atuação do psicólogo que lida com demandas educacionais. Aos
poucos, comecei a perceber que as demais profissionais não eram coadjuvantes para pensar o
trabalho com demandas educacionais, mas tinham um papel principal de parceria. Além
disso, entendi que as próprias psicólogas do grupo traziam uma grande diversidade de
formação, áreas de atuação, e dilemas vivenciados na prática. Vejamos um trecho do meu
diário de bordo74:

Demos início ao grupo. Um grupo diverso, cheio de experiências para contar e sedento por partilhar
a prática profissional. Temos não só psicólogos, mas uma fono, dois professores e uma
professora que também tem a formação em Psicologia. As psicólogas e o psicólogo trabalham
em diversos segmentos: no campo social, na escola, na saúde... todos muito inteirados de questões
concernentes à Psicologia Escolar: medicalização, alto número de encaminhamentos das queixas
escolares ao médico e ao psicólogo clínico, embates com os educadores sobre o papel do psicólogo e
as possibilidades de atuação... dentre outros tantos assuntos. Isso me faz pensar: o que é a Psicologia
Escolar e Educacional? (...). Quem é o psicólogo escolar? O que faz? Onde ele está? São questões
que pareciam tranquilas para mim, mas a conversa com esse grupo tão diverso me fez
questionar e refletir sobre isso... (Fabiana, DB-1, 24/09/14)

A composição do grupo permeada pela diversidade de áreas de formação e locais


de trabalho instigou, em mim, questionamentos sobre como definir tanto os objetivos
formativos quanto os objetivos da pesquisa – estava esperando por psicólogos que
trabalhassem na escola e recebi profissionais que, de diferentes formas, lidam com demandas
educacionais em seus contextos de trabalho. A movimentação de saberes provocada pela

73
Ver folder no Apêndice 3
74
Nos excertos escolhidos para a composição dos núcleos, escolho destacar algumas palavras e frases mais
significativas em negrito, que apresentam indícios de análise.
146

diversidade de profissionais no grupo mobilizou não só a mim, mas às participantes também,


como podemos ver no relato de Abayomi:

Senti-me parte deste grupo, que apesar de diferentes locais de atuação que cada um ali tem,
temos anseios e dilemas bastante parecidos, não me senti “sozinha” como muitas vezes acontece
no meu ambiente de trabalho. (Abayomi, RR- 1)

O fato de acolher a diversidade de profissionais no grupo, entender de onde vêm,


quais suas demandas e expectativas foi uma ação mediadora importante para criar um
contexto de acolhimento e um espaço de escuta, como destaca a participante no trecho acima.
Ressalto que esse caráter aberto e não prescritivo também foi condição para que
as participantes se sentissem corresponsáveis pela proposta. Porém, esse processo de
construção de um senso de coletividade não aconteceu de modo linear de automático.
Vejamos alguns elementos que ajudam a compreender esse aspecto. O curso não apresentou
uma ementa pronta, pois um dos princípios da proposta era conhecer primeiro as
participantes, identificar os dilemas que viviam no trabalho com demandas educacionais para
depois definirmos as temáticas que guiariam o grupo. Portanto, busquei inicialmente ouvir as
demandas emergentes. A seguir, algumas das minhas ações que ilustram esse momento
inicial:

(...) leio um conto do Ítalo Calvino – O mundo contempla o mundo – dizendo ao grupo que essa
seria uma forma de dar leveza ao encontro. Aguardo alguns minutos em silêncio, tentando
observar a reação do grupo ou alguma iniciativa de comentar a leitura e pergunto se alguém tem
algo a comentar (ENC-1, 24/09/14)

Tento acolher as falas que surgem e ressalto que o objetivo do grupo é partilhar as angústias, mas
também pensar em possibilidades: “É isso que eu queria trazer para vocês: estar em grupo e poder
conversar sobre isso, pensar nas nossas ações e buscar possibilidades no cotidiano das nossas
práticas. (ENC-1, 24/09/14)

Com essa abertura, as participantes trouxeram muitas angústias e problemas


vivenciados na prática profissional e algumas delas também levantaram críticas ao sistema
educacional tanto em uma perspectiva ampliada, compreendendo o lugar e a responsabilidade
de todos – sociedade, alunos, professores, famílias – quanto em uma visão fatalista e que
culpabilizava principalmente aos professores e às famílias pelo fracasso escolar. Vejamos
algumas falas das participantes:

PE: É um exercício constante, do psicólogo e para outras áreas, assistência social... Conseguir se
distanciar de si próprio para ver o outro como ele é por ele mesmo. (ENC-1, 24/09/14)
147

RO: Os pais perderam essa autoridade também e aí a escola perdeu totalmente o valor (...) O
papel da escola é a escolarização e o papel dos pais é a educação (...) em nome de uma
afetividade, de um carinho, está se deixando perder uma série de coisas, inclusive a autoridade.
(ENC-1, 24/09/14)

RO: Porque hoje a educação está perdida. Criança de cinco anos fazendo tarefa, ela já é velha,
porque começa antes. (ENC-2, 01/10/14)

IS: O problema não é a criança, a escola não sabe lidar com a criança. Porque o professor não
é preparado para isso (…). Eu acho que se joga muita responsabilidade sobre o professor (...) o
que vocês vão fazer como psicólogos? Fazer com que a criança fique quadradinha? No meu caso, eu
não faço. Eu faço com que a criança se apodere do potencial dela. (ENC-2, 01/10/14)

Essas queixas iniciais acabaram incomodando algumas participantes,


principalmente as que não eram psicólogas e que não se sentiram contempladas com as
concepções que circularam:

Este primeiro encontro, de contato inicial, que se apresentou como de muitos blá-blá-blás sobre
educação, psicologia, alunos, professores, etc... pareceu-me mais um desabafo do que uma
reflexão mais aprofundada sobre os assuntos. Mas enfim, cabia a este momento. Houve relatos
pessoais e uma angústia me tomou: O que vai ficar deste encontro? O que interessa à pesquisa?
O que é para fazer? (Lícia, RR-1, 24/09/14)

No decorrer do encontro fui sendo preenchida por uma angústia em relação ao pensamento de
alguns profissionais, companheiros de curso, especialmente alguns (psicólogos), quanto ao papel
e atuação dos professores nas escolas. Nesse momento senti a falta de relacionarmos as falas do
grupo com questões concretas e teóricas acerca dos textos. (Alice, RR-2, 01/10/14)

Identifico que nos dois primeiros encontros a intensidade das queixas levantadas
pelas participantes era grande e, de um modo fatalista, levou o grupo a um desabafo coletivo
sobre os problemas vivenciados cotidianamente. Ao retomar o material para as análises,
percebi que não somente as participantes precisavam desabafar, mas também eu me
posicionei dessa forma:

Inicio o segundo encontro convidando Peter a apresentar o elemento novo que preparou – música
Dom Quixote, Engenheiros do Havaí. Percebo que não retomo com o grupo os objetivos do
encontro, nem ofereço ao grupo uma organização das atividades programadas para o dia.
Depois de ouvirmos a música, pergunto a Peter o que ele pensou ao trazê-la como elemento novo.
Ele diz que essa música o anima em momentos difíceis. Pergunto, então, ao grupo o que pensaram
ao ouvir a música, Ana Elisa diz que ficou pensando nas ‘causas perdidas’: “Às vezes a sensação é
essa, não tem mais jeito, está todo mundo perdido, é o que chega pra gente”. Eu tomo a fala logo
em seguida e conto de uma situação difícil que vivenciei, quando trabalhava em um abrigo para
crianças em situação de vulnerabilidade social, dizendo em um tom de “queixa-lamento” que por
vezes não sabia como agir. (ENC-2, 01/10/14)
148

Aqui destaco duas colisões vivenciadas nesses momentos iniciais do grupo: 1)


havia a intenção de construir a ementa com as participantes a partir das demandas trazidas e
para isso decido ouvir as queixas trazidas pelo grupo. Ao mesmo tempo, senti a necessidade
de ocupar o lugar de pesquisadora e coordenadora da proposta, por meio de ações que
direcionassem o grupo para a busca de soluções para os problemas trazidos, o que naquele
momento tive dificuldade em fazer; 2) As concepções sobre educação, papel da família e dos
professores e papel do psicólogo se apresentavam ora em uma perspectiva crítica, ora
conservadora, consistindo em um desabafo, sem esforço para buscar possibilidades.
Considero que as colisões enfrentadas no estabelecimento do grupo como um
espaço colaborativo estão relacionadas ao fato de que tradicionalmente cursos de
aprimoramento profissional ou de formação continuada apresentam propostas fechadas, com
ementas prontas e em geral voltadas para a transmissão de saberes (NÓVOA, 1992; PONTE,
1998; FIORENTINI & CRECCI, 2013). Tanto eu quanto o grupo, estávamos tateando,
naqueles momentos iniciais, caminhos para fazer daquele espaço não uma repetição de tantos
outros nos quais há, de um lado, um coordenador ou professor que transmite informações e
técnicas e, do outro, alunos que não têm suas vozes, necessidades e conhecimentos ouvidos e
partilhados no coletivo, mas um espaço que tinha como ponto de partida as relações entre as
pessoas que nele se achegaram e que para criar uma identidade colaborativa primeiro
tínhamos que nos conhecer e partilhar as demandas em que mais precisávamos de ajuda.
Analiso esse momento de desabafo e de dúvida e a forma como foi conduzido por
mim a partir do que Vigotski (1929/1989) conceitua como drama – o caráter intenso e repleto
de colisões de determinadas interações sociais que impulsionam a internalização da dimensão
social para uma dimensão individual. O momento auge dessa crise foi vivenciado quando, ao
final do segundo encontro, Lícia pergunta sobre minhas intenções de pesquisa e tecemos uma
importante conversa sobre os objetivos do grupo:

LI: Fabiana, qual a metodologia da sua pesquisa? Seu objetivo maior o que é? Ouvir os relatos,
dentro dos relatos, obter alguma informação? Queria saber um pouquinho disso.

Explico que o objetivo é tanto produzir o material de pesquisa, quanto proporcionar um espaço
formativo. Ela continua:

LI: A proposta é esse livre relato?

FA: A proposta é uma construção conjunta. Ao invés de chegar aqui com um planejamento pronto,
eu chego com propostas. (...). Eu tenho uma intencionalidade, mas a ideia de estar todo mundo
junto conversando, é justamente essa, de ter uma horizontalidade maior, de partir do
pressuposto de que eu também não sei. Tudo isso que vocês estão trazendo como problemas também
149

são questões minhas, também tenho dificuldades, não tenho uma solução pronta. É a gente que vai
pensando junto.

LI: Hoje, por exemplo, ficamos muito falando do professor, do aluno, da família... houve uma
angústia pessoal, que eu enquanto equipe posso fazer para o professor... A gente focou muito no
outro (...). E ao mesmo tempo a gente chega num ponto da ação. Parece que nisso a gente não está
entrando “e aí, o que eu faço diante disso?”. Eu como equipe. O professor está errado em tal ponto,
o aluno, mas jogar para a equipe.

FA: Vocês se identificam com essa fala da Lícia? É uma angústia de vocês também?

IS: É nesse ponto que eu queria chegar. É como se ficássemos apontando e não buscássemos... você
entendeu.

FA: Eu acho que entendi, Isadora e é legal você explicitar isso, Lícia, porque é uma angústia que
me bateu hoje. Como mediadora, minha proposta é horizontal mesmo, com toda sinceridade, de
ouvir vocês. Até por isso que estou deixando mais solto, porque eu quero entender primeiro de que
lugar estamos falando aqui. (...). Tanto no encontro passada quanto nesse, o meu movimento foi de
tentar escutar vocês para tentar entender que problemas são esses para a gente nos próximos
encontros tentar se organizar e aí sim chegar: efetivamente o que a gente pode fazer com isso?
E aí tem essa proposta dos textos, a ideia de discutir os textos é justamente para buscar essas
possibilidades concretas e eu penso que eles trazem isso.

LI: Fico pensando assim, o primeiro encontro foi um momento para gente se conhecer, chegar
no lugar. Esse encontro de hoje foi um momento de conseguir tirar aquilo que está mais
incomodando, foi como se a gente tirasse aquele choro que está na garganta para num próximo
momento a gente poder falar sobre nosso papel. (ENC-2, 01/10/14)

Ao explicitar o que a incomodou no segundo encontro, Lícia coloca em questão


os objetivos do grupo, convidando-me a explicar melhor minhas intencionalidades. A partir
disso, nomeio o grupo como um espaço de “construção conjunta” e abro para o grupo dizer o
pensa sobre a fala da Lícia para chegarmos a um entendimento comum. É interessante notar
que me coloco como parte do grupo, dizendo que busquei escutá-los para “a gente nos
próximos encontros tentar se organizar”. Este episódio também coloca em evidência a
importância de um trabalho contínuo e sistematizado – por vezes surgem dificuldades que
precisam de tempo e esforço conjunto para serem solucionadas. Aqui identifico que o
nascimento do grupo colaborativo – proposta na qual as participantes são parte fundamental
das escolhas dos temas e do desenvolvimento das atividades – teve as interações sociais não
como um fator, mas como fonte de desenvolvimento (VIGOTSKI, 1934/1994).
A definição da proposta do grupo por meio das colisões vivenciadas nesse
primeiro momento foi internalizada pelas participantes de formas diferentes. Escolho como
exemplo a participante Abayomi que faz o seguinte relato sobre o que foi vivenciado nos
primeiros encontros:
150

A princípio todos estavam bastante ansiosas para dividir suas angústias e os dilemas que vivem
no cotidiano do seu trabalho, foi muito rico esse inicio para mim, pois me senti pertencente de
tudo aquilo, era como se eles fossem parte da nossa equipe aqui da Secretária da Educação, pois
muitos dos dilemas deles eram os meus também, os dias que tínhamos o momento “catarse” no
grupo por incrível que pareça eu ia embora bastante aliviada, era terapêutico para mim estar ali (...)
(Abayomi, CA).

Ainda existem lacunas nas oportunidades de supervisão ou de diálogo com os


pares sobre os problemas enfrentados no trabalho do psicólogo (TADA, SÁPIA & LIMA,
2010; SILVA, 2010; CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013) e Abayomi,
psicóloga que trabalha na Secretaria de Educação revela essa realidade, ao indicar a solidão
enfrentada no seu cotidiano profissional, situação apontada também por outras participantes
do grupo, inclusive aquelas que trabalham em outras áreas ou mesmo que não são psicólogas.
Por meio da fala de Abayomi, compreendo que a colisão vivenciada coletivamente foi por ela
internalizada de modo único – o desabafo em grupo, chamado por ela de “catarse” – fez com
que ela se sentisse acolhida por meio da identificação com os problemas emergentes na
conversa, sentindo-se aliviada. Nesse exemplo, o conceito de perejivanie nos ajuda a
compreender o modo singular como a participante interpretou e reagiu emocionalmente ao
drama vivenciado na situação social de desenvolvimento – momento de desabafo,
contradições na proposta do grupo. Para Vigotski (1934/1994) não são os fatores sociais por
si só que provocam mudanças, mas como os fatores sociais são refratados pelo sujeito e o
exemplo de Abayomi oferece indícios de que a forma como ela vivencia a solidão em seu
trabalho, condição comum a outros tantos profissionais, encontrou conforto em um espaço de
formação que ouviu e legitimou as queixas e problemas trazidos pelos profissionais. Ainda
que esse momento específico não tenha apresentado “técnicas” ou soluções práticas para que
ela simplesmente aplicasse em seu trabalho, o movimento do grupo – que abarcou não
somente a dimensão cognitiva, mas a afetiva e a social – atendeu suas necessidades
profissionais naquele momento.
Aragão (2010) defende que o desenvolvimento do profissional não consegue se
restringir somente a um curso, seja ele a graduação, pós-graduação ou formação específica –
porque diariamente surgem novos desafios na atuação profissional e por isso precisa também
do constante diálogo com seus pares, socializando experiências e ideias para encontrar
soluções coletivas, a partir da produção de conhecimento sobre a prática cotidiana. Em
consonância com a autora, aqui também defendo o desenvolvimento profissional como
contínuo e que de forma complexa e indissociável abarca a as dimensões pessoal e
profissional, teoria e prática.
151

Após o segundo encontro, tão emblemático e intenso, convido a Professora Ana


Aragão para participar do encontro seguinte. A ideia era de que ela pudesse partilhar sua
experiência no trabalho com educadores e nos ajudasse a pensar e a organizar os dilemas
trazidos pelas participantes. Identifico que a presença da Ana aqui, para além de uma mera
“participação especial” foi reveladora do meu drama como propositora, como uma forma de
buscar apoio para pensar no direcionamento da proposta. O terceiro encontro, foi marcado
pela escolha coletiva dos temas a serem discutidos até o final da proposta - os dilemas
levados por escrito por cada participante foram por mim categorizados e levados ao grupo
neste dia. Juntos, chegamos a um acordo sobre como deveríamos distribuir os temas ao longo
dos encontros restantes. Lícia relata o quanto o terceiro encontro foi crucial para a definição
do grupo e aqui ressalto a importância das minhas ações – organizando os dilemas,
convidando a Ana – para que a proposta formativa caminhasse:

O terceiro encontro nos questionou de onde viemos e o que norteia nossa ação. Os dois
primeiros encontros desta proposta foram formadores, gestacionais eu diria, pois funcionaram como
preparadores iniciais e direcionadores da reflexão sobre o objeto central de estudo e ação deste
projeto. Este terceiro momento me marcou como o nascimento propriamente dito deste núcleo.
O que parecia solto, encontrou seu eixo e objetivo. (Lícia, RR-3)

Um dos temas sobre o qual mais nos debruçamos foi a queixa escolar e
possibilidades no atendimento à rede envolvida nesse problema. Se nos primeiros encontros
conduzimos a discussão sob um posicionamento fatalista, nos demais encontros houve
mudanças na forma de lidar com os dilemas trazidos e nas concepções teóricas que
circularam no grupo. Vejamos um exemplo:

No 7º encontro, Abayomi levou o vídeo Ex-E.T. como elemento novo, que traz o tema dos
diagnósticos psicológicos e medicalização e que foi apresentado logo no início. Ela disse que já
passou esse vídeo em um encontro de formação docente e que em geral os professores não entendem
a proposta. Valentina também vivenciou algo semelhante:

VA: Eles falam assim: ai, meu aluno é desse jeito mesmo! E na hora que dá o remédio, pra eles é
um alívio: nossa que bom que acontecesse isso. Já passei uma vez e foi totalmente ao contrário, ao
invés de vez de elas verem que a criança ficou ali, quietinha apática, que não estava mais sendo ela,
eles falam, ai graças a Deus, vocês viram como ele ficou lá todo quietinho? (…). A gente tem
reuniões mensais com os professores e na semana retrasada, nós tivemos três encontros, tentando
juntar a educação com a saúde (...) E, assim, uma catástrofe, alguns entendem, alguns não
entendem. (...). Eles esperavam que a gente fosse lá, que eles iam dar os encaminhamentos, que
a gente ia pegar esses encaminhamentos e ia dar solução para os casos deles. E a gente colocou que
não era esse o objetivo, que era a construção em conjunto. (ENC-7, 05/11/14)
152

Identifico que, a partir do vídeo levado por Abayomi e da interação que se


sucedeu, tínhamos uma situação social de desenvolvimento, uma condição criada no grupo
que movimentou um tema que já era pauta dos encontros desde o início – relação psicólogo e
professor no trabalho com as demandas educacionais. Como apresentado no início desse
núcleo, nos primeiros encontros houve críticas ao professor – lacunas na formação, falta de
preparo, falta de entendimento e parceria com o psicólogo. Aqui, elas emergem novamente
no grupo, por meio do problema colocado por Abayomi e Valentina: os professores pedem
encaminhamentos e atendimentos individuais para as crianças, pautados em uma concepção
de medicalização e diagnósticos e as psicólogas resistem e dizem que querem realizar um
trabalho institucional, mas essa proposta parece não ter adesão.
Após a queixa trazida por Valentina, pedi a palavra para apresentar ao grupo um
material que preparei sobre a história da Psicologia no Brasil, para pensarmos historicamente
a atuação do psicólogo nas escolas e depois voltarmos no problema levantado por ela para
buscarmos soluções:

FA: Quando a gente chega na escola e há essa solicitação: por favor me fale o que essa criança tem
para eu saber como eu lido. Aí está o professor como alguém aquém do saber, o psicólogo como
quem detém esse saber e que pode dar uma resposta e uma resposta baseada em uma medida
quantitativa. Então eu ouvindo tudo isso eu pensei, a gente tem que ter humildade de olhar para
a nossa história como profissão e pensar no que foi produzido e que a gente está em um
momento de ruptura disso e que não vai ser fácil, né, Valentina, não vai ser fácil. É possível,
mas fácil não vai ser. (ENC-7, 05/11/14)

Considerei necessária essa ação para que olhássemos para a relação professor-
psicólogo de um ponto de vista histórico e crítico e não mais baseado na lamentação e
culpabilização e uma ou de outra parte. Como pontuado na fundamentação teórica da Tese, o
surgimento da Psicologia tem alicerces baseados em técnicas de medida e de diagnóstico e as
instituições escolares, especialmente no Brasil, foram um terreno fértil para a expansão desse
campo do saber, por meio de ações de caráter individual, que tinham como foco o aluno
(ANTUNES, 2007). Apesar de todo o movimento crítico e de desconstrução de ações
individuais rumo a uma perspectiva mais ampla sobre os fenômenos educacionais, ainda hoje
encontramos práticas individualizantes e um imaginário dos professores de que os psicólogos
possuem um saber superior que vai dizer a eles o que “o aluno tem” e devolver esse aluno
“curado” (SOUZA; SILVA & YAMAMOTO, 2014). Os conflitos entre professores e
psicólogos inseridos nessa história macro, aparecem nas histórias singulares de atuação
profissional das participantes. Ao final da minha fala, tivemos o seguinte diálogo:
153

Em um trecho do Registro Reflexivo, Valentina relata o que aprendeu com esse encontro:

A partir da apresentação da Fabiana, consigo olhar os motivos, as dificuldades que hoje nós
vivenciamos no nosso cotidiano profissional. Como mudar agora os paradigmas? Como sairmos
desse lugar vertical para um lugar mais horizontal? Nós profissionais da Psicologia, somos
também uma referência técnica e não melhor do que qualquer outro saber. Sofremos hoje os
impactos de toda uma construção histórica, não podemos então colocar os professores nessa
caixinha que tanto falamos nos nossos encontros (...). Esse encontro foi valioso demais, pois
serviu para tirar as vendas dos meus olhos de como enxergar esse professor. (Valentina RR-6,
29/10/14)

Diferente de uma “queixa-lamento”, identifico que nesse encontro conseguimos


criar condições diferentes, pautadas na interação social no grupo – exposição do vídeo,
levantamento do problema, discussão sobre ele e na minha ação intencional e planejada, ao
realizar uma exposição teórica sobre a história da Psicologia Escolar no Brasil – que
movimentou o tema de tal forma que conseguimos pensar em soluções para o problema
instaurado.
Como visto no exemplo apresentado, chegamos ao entendimento de que é preciso
que o psicólogo busque parceria, saindo da condição de um saber absoluto para valorizar o
saber docente, é preciso “resistir, mas seduzir ao mesmo tempo” – resistir a uma atuação
individualizante, mas ao mesmo tempo propor ações de parceria. Em consonância com
Aragão (2010), defendo que a Psicologia não oferece todas as respostas para os problemas
educacionais, por não ser capaz de elaborar todas as perguntas, exigindo uma horizontalidade
de saberes na superação dos problemas que emergem no contexto educacional:

Temos que ter a humildade de romper com toda a onipotência que nos
formou, quando chegamos a imaginar que a presença da Psicologia na
escola seria condição para um ensino de qualidade. Ledo engano!
Felizmente, percebemos que se a presença da Psicologia contribui com as
práticas educacionais, ela não é condição suficiente para que as
transformações ocorram. Há outros olhares que podem, mais do que
oferecer respostas, ajudar a elaborar perguntas sobre as quais nunca
tínhamos pensado. O profundo respeito pelas contribuições de outras
ciências revela que se isto for desconsiderado, a transformação do processo
educativo levará tanto tempo que nós, psicólogos, passaremos décadas
tentando convencer a educação (apenas convencer!) de que temos o que
dizer e contribuir. (ARAGÃO, 2010, p. 115)

Por meio da discussão tecida, identifico a constituição do grupo como um espaço


colaborativo que teve as relações sociais como origem e processo e que conseguiu
transcender de uma mera lamentação para a construção conjunta de possibilidades,
154

enfrentando as colisões que emergiram. No 6º encontro, havíamos finalizado com o clipe da


música The Wall, levado por Lícia. Conversamos sobre as críticas à Educação levantadas
nesse vídeo e chegamos à conclusão de que o enfrentamento aos problemas educacionais é
dialético e repleto de crises e conflitos. Ao final, pedi ao grupo para relacionar o clipe com
nossas discussões em grupo e Lícia trouxe a palavra crise, que em seguida foi significada por
Luiza como sinônimo de oportunidade.

LI: em uma palavra, pensaria crise. Eu escutei aqui, no primeiro dia, a educação está em crise, acho
que foi a Rosa que falou. E eu fiquei pensando, será que é crise, será que é transformação? Até
pouco tempo a gente tinha isso, professor batia em aluno. Meus pais tiveram. Isso não é tão antigo.
Será que crise, será que é transformação?

FA: E essa crise será que é ela é ruim?

LI: Pode ser uma coisa boa.

LU: A crise dentro da psicoterapia breve, ela é vista, você parte da crise para tratar o paciente, o
paciente não entra em psicoterapia breve se não está na crise. E eu lembrei que no ideograma
japonês, a crise significa oportunidade. Então acho que minha palavra é oportunidade. (ENC-6,
29/10/14)

Fecho essa Travessia afirmando que uma importante herança desse grupo foi a
passagem da crise à oportunidade. Mais que respostas prontas, as interações no grupo
provocaram questionamentos, inquietações e movimentação dos problemas levados pelas
participantes, legitimando as relações sociais como lugar privilegiado para o
desenvolvimento profissional individual.
155

TRAVESSIA 2

Participante-propositora-pesquisadora: sobre o manejo do grupo

A segunda Travessia tem por objetivo discutir minhas ações no grupo em seus
diferentes posicionamentos: pesquisadora, propositora e participante, analisando os papeis
assumidos, as estratégias escolhidas, focalizando principalmente como isso repercutiu nas
interações entre mim e as participantes e no modo como essas condições criaram situações de
desenvolvimento.

Tabela 6: Combinação de pré-indicadores e indicadores – 2ª Travessia


PRÉ-INDICADORES INDICADORES
Parada 6: “Para hoje pensei em uma Manejo do grupo - posicionamento vertical
organização diferente”
Manejo do grupo - posicionamento vertical
Parada 10: “O que vocês acham?” Manejo do grupo - posicionamento horizontal
Elemento Novo
Concepções sobre psicologia/papel do psicólogo
Parada 11: “Mais alguém ficou pensando Concepções sobre educação escolar
alguma coisa?” Manejo do grupo - posicionamento horizontal
Contribuições das participantes
Concepções sobre educação escolar
Parada 12: Participante-propositora, Manejo do grupo - posicionamento horizontal
propositora-participante Manejo do grupo - posicionamento vertical
Colisões
Parada 13: “O que vocês fariam?” Manejo do grupo - posicionamento vertical
Manejo do grupo - posicionamento horizontal
Contribuições das participantes
Parada 15: Pesquisadora-participante, Manejo do grupo - posicionamento horizontal
participante-pesquisadora Colisões
Parada 18: “O que você acha que os encontros Manejo do grupo - posicionamento horizontal
estão sendo para nós?” Registro Reflexivo
Colisões

Na Travessia 1, apresentei uma importante crise vivenciada nos dois primeiros


encontros que resultou na definição dos objetivos da proposta, criando uma identidade do
grupo como espaço de construção coletiva:

Fabi, a mediadora, trouxe para o grupo a expressão “construção coletiva”. Eu não conhecia este
termo. A ideia foi de o grupo construir os temas a serem trabalhados a partir da proposta inicial.
Tínhamos alguns elementos teóricos trazidos pela mediadora e também sugestões de leitura, mas
na maioria das vezes o grupo acrescentava na reflexão. (Lícia, CA)
156

O trecho de Lícia revela duas dimensões importantes: o protagonismo das


participantes na organização das atividades e as minhas estratégias para coordenar a proposta.
Como descrito na metodologia, havia atividades solicitadas às participantes desde o início,
que traziam como intencionalidade a ideia de promover o diálogo e a produção de sentidos
sobre a experiência de participar do grupo, tais como o elemento novo, os registros reflexivos
e as leituras; e outras que foram solicitadas por mim ao longo dos encontros, à medida que fui
conduzida pelas necessidades do grupo e, também, de produzir material para a pesquisa,
como a devolutiva dos registros reflexivos, a partilha do diário de bordo e a carta ao amigo. O
duplo objetivo – promover o desenvolvimento profissional das participantes, por meio de
uma proposta colaborativa e ao mesmo tempo produzir material de pesquisa – levou-me ao
fluido movimento entre diversos posicionamentos e papeis: como pesquisadora, como
propositora, como participante. Ora ocupando um lugar “de dentro”, posicionando-me
ativamente, ora exercitando um olhar mais distanciado e observador. Ora por meio de ações
horizontais de escuta e de atenção ao movimento do grupo, ora por meio de ações verticais de
proposta de atividades, partilha de conceitos e discussão teórica sistematizada.
Se os primeiros encontros tiveram um tom de desabafo, que foi importante, mas
ao mesmo tempo causou estranhamento e colisões, do terceiro encontro em diante decidi
assumir um lugar mais definido na coordenação do grupo, organizando e direcionando as
atividades com mais clareza. Uma importante ação que marca essa mudança foi começar os
demais encontros retomando com o grupo o encontro anterior juntamente com um
cronograma para as atividades do dia:

Diferente do segundo encontro, em que não houve uma retomada e organização das atividades
combinadas, inicio o encontro estabelecendo um cronograma: primeiro a partilha do registro
reflexivo do Peter, seguido pela categorização dos dilemas e escolha coletiva dos temas a serem
discutidos nos encontros seguintes; partilha do elemento novo preparado pela Ana Isabel; discussão
dos textos sugeridos, com as contribuições da Ana Aragão, convidada especial do dia. Aqui
percebo que assumo uma postura de coordenadora do grupo, conduzindo e orientando as
atividades de acordo com minhas intenções de pesquisadora e considerando também o
processo formativo das participantes, objetivo igualmente importante da proposta. (ENC 3)

Vejamos o que Tadeu escreveu sobre a mudança na minha postura:

Fabiana assumiu de vez a coordenação do grupo.
Parecia que precisava se sentir no


direito.
Enfim, a insegurança passou, pois eu já estava adorando.
Aliás, todos estão se soltando
mais.
Expondo suas teorias e suas bases teóricas.
O encontro rendeu muito.
(Tadeu RR-5,
22/10/14)
157

Após a escolha coletiva dos temas a serem discutidos, uma outra decisão que
tomei foi preparar a cada encontro alguns slides com uma sistematização teórica baseada na
temática do dia e no texto escolhido para discussão. Nem sempre eu sentia a necessidade ou
espaço para uma aula expositiva, mas, em algumas circunstâncias, foi essencial realizar esse
tipo de entrada no grupo. Ao mesmo tempo, meu cuidado e atenção estavam em permitir
também que as participantes partilhassem seus saberes e protagonizassem a construção de
conhecimento no grupo. Observemos um exemplo ocorrido no quarto encontro:

Tadeu havia levado um elemento novo para iniciar o encontro: o curta metragem “Por cuatro
esquinitas de nada”. A discussão provocada pelo elemento novo trazido por Tadeu levou o grupo a
pensar sobre a inclusão e sobre as crianças que apresentam alguma intercorrência no processo de
escolarização, recebem algum diagnóstico e acabam ficando “invisíveis” no cotidiano escola, vistas
apenas por meio de uma patologia e não a partir de suas potencialidades. Comento com o grupo que
a necessidade de enxergar e trabalhar as potencialidades da criança já parece ser um assunto tão
comum, mas me questiono porque isso tantas vezes não se efetiva nas salas de aula. Tadeu então
responde:

TA: Eu tenho uma tese. Eu trabalho com formação de professores e essa situação é assim “eu sei, eu
vejo, mas eu não tenho o que fazer”. E aí o que a gente pensa e chegou a algumas conclusões, vou
tentar responder duas coisas que você perguntou. (...). Então você não tem, de verdade, o
professor estuda pouco teorias de concepção, estuda muito pouco isso. Dá uma pincelada em
Vigotski, uma pincelada em Piaget, coloca ou dois juntos, vai fazendo essas coisas. Não se
aprofunda. E no final o que eu vejo é que a gente tem uma educação muito militarizada.

[Tadeu parecia ter algo a mais para acrescentar, mas eu não escuto sua solicitação e inicio
uma fala, a partir de um material que preparei em slides, apresentando as concepções sobre queixa
escolar que geralmente circulam entre os professores e fazendo uma discussão sobre a construção
social dos discursos individualizantes e medicalizantes acerca da queixa escolar]

FA: Eu penso também, não tem um culpado nessa história. Por quê? Porque são discursos que
sustentam esse jeito de pensar. Então discursos produzidos a partir de uma trajetória que é história.
Então isso chega para o professor, para ele e para nós como psicólogos e para outras pessoas como
algo muito natural.

Após apresentar uma crítica aos diagnósticos psicológicos a partir de avaliações neurológicas,
pergunto a Luiza:

FA: O que você pensa, Luiza, estou pensando em você agora, por você vir dessa área da
neuropsicologia, da avaliação neuropsicológica, o que você pensa dessa questão do distúrbio como
um argumento muito presente na fala dos professores? Partilha com a gente um pouco sua
experiência.

A partir dessa pergunta, Luiza contribui para pensar esse tema com sua prática clínica, Tadeu com
os conhecimentos da História, Ana Elisa com sua prática na área social e da saúde. (ENC-4,
15/10/14)

É interessante notar que, em meio à conversa no grupo sobre o elemento novo, eu


exponho uma dúvida, uma angústia pessoal, ocupando o lugar de participante “por que uma
158

perspectiva crítica de compreensão da queixa escolar não chega até os professores?”. Em


seguida, Tadeu se disponibiliza a responder e faz uma interessante reflexão sobre a formação
docente. Interrompendo a fala dele, eu tomo a palavra para fazer uma explicação teórica
sobre os discursos que circulam sobre a queixa escola e que constituem o pensamento e a
prática docente. Ao abordar o discurso médico e do campo da neurologia, convido Luiza a
partilhar sua prática, uma vez que ela trabalha com avaliação neuropsicológica. Em seguida,
as participantes contribuem cada uma com seu campo de atuação para pensar no tema. Esse
movimento entre fazer entradas no grupo e abrir para o diálogo é relatado no meu diário de
bordo, no qual exponho em diversos momentos a dúvida com relação às minhas posturas no
grupo:

Depois do grupo, fiquei pensando se de fato dei voz às participantes ou se falei na vez deles. No
momento do encontro, novamente senti um duplo e dialético movimento: querer ouvir o que
pensam, como desenvolvem seus trabalhos, que problemas enfrentam e que ideias têm para superá-
los ao lado de uma vontade de também dizer como penso, que ideias tenho para aquelas questões.
Logo me vem novamente a imagem da dança, imersa em ritmos e tempos variados. É preciso
atenção e sensibilidade ao movimento para que haja sincronia e inteiração entre nós, parceiros:
participantes e pesquisadora. Será que minhas colocações fazem sentido? (Fabiana, DB-4,
15/10/14)

Identifico que essa se constituiu em uma crise para mim: deixá-los falar e ir
apenas fazendo colocações que instigassem o diálogo ou me posicionar, levando uma
organização de teoria e conceitos? Levar uma aula expositiva ou restringir as atividades do
grupo ao que foi solicitado como tarefa? Esses questionamentos me levaram a refletir sobre
como as participantes estavam percebendo e avaliando minhas posturas e entradas e em que
medida o grupo estava sendo formativo para elas.
Durante o período de realização dos encontros, estava realizando uma disciplina
da pós-graduação, oferecida por minha orientadora: Reflexividade e Formação Docente.
Como a proposta era discutirmos a perspectiva teórica da reflexividade e suas implicações no
cotidiano de atuação, havia espaço para trazermos exemplos e dilemas vividos por nós e
geralmente eu levava minhas dúvidas sobre a condução dos encontros para dialogar com a
Ana e com as colegas em um processo, como denomina Schön, de “reflexão sobre a reflexão-
na-ação”. Em uma das aulas, compartilhei minhas dúvidas sobre os meus diversos
posicionamentos no grupo, as entradas em forma de exposição de conceitos e meu anseio em
criar um espaço de colaboração. Saí dessa conversa com uma ideia: se tenho dúvidas sobre
como as participantes estão se apropriando desse espaço, por que não perguntar a elas? E daí
surgiu a proposta de partilhar meus diários de bordo, propondo no sexto encontro uma
159

conversa sobre o processo do grupo e pedindo a elas um retorno, a partir do meu olhar de
propositora-pesquisadora-participante:

(...) se eu estou dizendo que aqui é um espaço de construção coletiva e eu considero que tem sido,
pelas conversas que a gente teve, pelas escolhas que vocês mesmos fizeram dos dilemas, eu resolvi
trazer os meus registros para vocês também. (...) eu vou entregar e aí eu queria a contrapartida:
que vocês fizessem para mim considerações: o que chamou a atenção nesses registros que eu estou
entregando, sobre minha postura, sobre o que a gente conversou... do meu jeito de enxergar o grupo.
Vocês topam? (ENC-6, 29/10/14)

Aqui é interessante notar que o movimento proporcionado por as minhas


intencionalidades, as estratégias utilizadas, as interações que estas estratégias criaram no
grupo, o modo como eu mesma fui interpretando e refletindo sobre os acontecimentos que
emergiram, levando-me a essa crise resultou inclusive na proposição de uma nova situação
social no grupo: a partilha, escuta e devolutiva sobre meus diários de bordo. As participantes
identificaram que a partilha dos meus escritos pessoais foram um modo de um cuidado, afeto
e sensibilidade com as relações e com o processo do grupo:

PE: Achei engraçado que no começo você se pergunta até que ponto você se coloca participando
do grupo e ao longo da sua leitura, você foi trocando várias palavras que se distanciavam um
pouco do grupo e na sua troca você se aproximava do grupo. Quando você escreveu sobre o
grupo, você colocou “conosco”, acho que você está mesmo inserida e como isso contribui para
que esse grupo seja um grupo mais unido, mais humano, sabe? (ENC-6, 29/10/14)

Além da chance de dialogarmos sobre os rumos da proposta e sobre as relações


interpessoais entre nós, algumas participantes se sentiram pessoalmente mobilizadas com
meus relatos. Em um trecho do meu diário, relato que a introspecção é uma das minhas
características e que, muitas vezes, quando coordeno uma atividade ou um grupo, tenho
muitas dúvidas pessoais se de fato estou satisfazendo às expectativas das pessoas. Valentina
escreveu uma carta com suas impressões sobre meus registros e nela diz se identificar com
essa característica, sentindo-se acolhida. Abayomi também mencionou esse mesmo trecho
que revela como minha ação afetou os membros do grupo em uma dimensão também
pessoal:

(...) senti-me totalmente neste lugar, parece que era eu ali escrevendo sobre mim, Sou bastante
tímida, acho que sempre vou falar alguma coisa errada, que não vou saber falar bonito, insegura,
falo baixo, pouco, sinto que transmito essa insegurança para as pessoas, questiono muito esse meu
jeito “quietinha de ser”, pois muitas vezes me cobram ser falante, desinibida por ser psicóloga,
depois que iniciei a terapia me ajudou bastante a aceitar esse jeito, que cada um tem o seu jeito e
não é porque escolhi ser psicóloga que eu preciso mudá-lo, pois essa sou eu. (Abayomi, Devolutiva
DB)
160

Sobre esse relato, penso ser fundamental destacar alguns elementos para análise:
a) a distinção entre meus papeis como propositora, pesquisadora e participante é muito tênue,
esses papeis foram se mesclando, inclusive, em uma mesma situação, como a da nossa
conversa sobre o elemento novo, relatada anteriormente; b) a partilha de reflexões teóricas
em um posicionamento vertical foi tão importante quanto a escuta e a valorização dos
conhecimentos trazidos pelas participantes para a constituição do grupo colaborativo; c) as
estratégias, por si só, não levaram a colisões e a mudanças no desenvolvimento dos membros
do grupo, mas, sim, o que aconteceu entre nós a partir dessas estratégias.
Em uma perspectiva vigotskiana, é possível afirmar que as mudanças qualitativas
no processo de desenvolvimento são tão complexas e não lineares que o processo SSD-
drama-perejivanie se apresenta como um contínuo, sendo que uma interação dramaticamente
vivenciada produz mudanças tais que acabam por gerar novas condições para outras
mudanças (VERESOV, 2014). É possível identificar a complexidade desse processo quando
as interações entre mim e as participantes provocaram uma crise pessoal sobre a qual refleti,
discuti com minha orientadora e com colegas de pós-graduação e cujo resultado foi
identificar que eu precisava dividir com o grupo minhas impressões. A partilha do diário de
bordo, resultado de uma crise, criou uma nova situação social para as participantes, um novo
ponto de partida, que provocou novas crises e mudanças.
Além disso, as estratégias propostas por mim não tinham um caráter meramente
técnico, de aprendizagem de um conceito para ser aplicado, mas afetaram as participantes em
um nível (também) afetivo – quando partilho meu diário de bordo, que trazia uma expressão
inclusive subjetiva dos meus sentimentos sobre o que vivenciei no grupo, Abayomi e
Valentina foram mobilizadas também em um nível pessoal, indicando a dialética e
indissociabilidade entre pessoal e profissional, afetivo e cognitivo e reafirmando o
desenvolvimento profissional como desenvolvimento humano, em um sentido amplo. É
interessante ressaltar que por mais simples e repetitiva que pareça a afirmação
“desenvolvimento profissional não deve se dissociar do pessoal” este ainda não é um cenário
superado no campo da formação profissional que, em grande parte, tanto na graduação
quanto na formação continuada se restringe a um ensino de transmissão de conhecimentos e
técnicas por vezes ignorando a história, a subjetividade, as necessidades e os conflitos da
pessoa em formação. Ressalto ainda que a dimensão afetiva não foi somente um “conteúdo
ensinado” ao grupo, mas foi incorporada como princípio formativo nas minhas ações e
posturas e, por isso, foi significativa para o processo de desenvolvimento profissional das
participantes.
161

As colisões que vivenciei entre os diversos posicionamentos assumidos no grupo


podem ser analisadas como o movimento inerente de uma proposta que teve as relações
sociais como fonte de desenvolvimento e que se propôs como espaço com objetivos múltiplos
e complementares – formativo, de produção de material de pesquisa, de colaboração entre
pares. Como já postulado anteriormente, uma das ideias centrais de Vigotski (1931/1997)
para explicar o desenvolvimento cultural do psiquismo é o conceito de mediação, definido
como o processo no qual signos e ferramentas culturalmente produzidos se interpõe à ação
direta do ser humano sobre os objetos, relações ou sobre si mesmo, transformando
profundamente as funções mentais, tornando-as complexas e superiores, determinadas não
mais pelo aparato biológico, mas pelas interações sociais das quais se originam. Portanto, não
há desenvolvimento se não houver mediação simbólica.
É fundamental ressaltar que nem toda interação social leva a desenvolvimento.
Portanto, nem tudo que se propõe em um grupo é mediação, apenas aqueles elementos que de
fato provocam algum tipo de mudança. No caso do manejo deste grupo, identifico como
elementos mediadores a articulação dos dilemas levantados a teorias coerentes e consistentes
que construíram entendimentos sobre o trabalho com demandas educacionais, além de um
cuidado afetivo na organização das atividades oferecidas ao grupo.
Considerando que um dos principais objetivos do grupo era a construção de
saberes sobre as possibilidades de atuação junto às demandas educacionais, a circulação e a
discussão de conhecimentos científicos sobre essa temática, de forma, inclusive, organizada e
sistematizada por mim, consistiu em elemento essencial, como podemos perceber no registro
de Alice:

Iniciamos o encontro com uma nova organização. E como isso foi bom! As propostas expostas
por Fabiana começaram a fazer mais sentido. As falas de nossos companheiros de grupo
também ganharam um novo significado. Percebo que as pontuações de Fabiana entre as nossas
falas e observações apresentadas nos textos e em seus estudos enriquecem a cada encontro nossas
discussões. Contudo ainda percebo que as discussões estão pautadas em críticas ao sistema de
ensino e ao modo como é organizado (...). Percebo que precisamos pontuar melhor qual o papel
do psicólogo na escola, para que possamos pensar de que forma ele pode contribuir no
enfrentamento de tantas queixas escolares. (Alice, RR-4, 15/10/14)

Devemos ter cuidado com o que Saviani (1983/2008) denomina como “Teoria da
Curvatura da Vara”, quando discute que, ao irmos contra o ensino tradicional de transmissão
de conhecimentos, podemos cair em um outro extremo e acabar negando o acesso aos saberes
historicamente construídos em nome de uma suposta horizontalidade na relação de ensino.
Vigotski (1934/2001) defendia que a educação escolar, por meio do ensino dos
162

conhecimentos científicos construídos historicamente pela humanidade é um propulsor


fundamental do desenvolvimento psíquico, levando o ser humano a um desenvolvimento
pleno, crítico e que o leva atuar nas transformações sociais. Uma proposta colaborativa exige
horizontalidade por parte de quem coordena, mas isso não nega a necessidade da
verticalidade do ensino (SÁ-CHAVES, 2012). A abertura para a dimensão pessoal e para a
colaboração em uma proposta de desenvolvimento profissional não pode ser algo
improvisado, mas intencional, fundado em princípios, planejamentos e estratégias, mas ao
mesmo tempo aberta em termos da interação, das relações sociais como ponto de partida para
o processo de desenvolvimento. Essa intencionalidade nas ações formativas exige uma
postura ativa dos participantes, tirando-os do lugar do ensino tradicional de transmissão de
saberes fazendo necessariamente emergir colisões, tensões e contradições. É o caráter
dramático provocado pelas situações sociais de desenvolvimento que leva a mudanças
qualitativas. Portanto, a colaboração e a horizontalidade não devem ser priorizadas porque a
“aula expositiva está fora de moda”, mas porque em uma perspectiva histórico-cultural
afirmamos que o conhecimento é produzido a partir das relações sociais. Isso envolve a
discussão conceitual e envolve ao mesmo tempo dar voz e vez às participantes.
163

TRAVESSIA 3

“Trabalho de borboleta”: sobre os conhecimentos construídos colaborativamente

A terceira Travessia pretende analisar os conhecimentos construídos a partir do grupo


sobre o trabalho com demandas educacionais, identificando as situações sociais criadas, as
colisões e as mudanças que surgiram na discussão coletiva sobre o trabalho com demandas
educacionais.

Tabela 7: Combinação de pré-indicadores e indicadores – 3ª Travessia


PRÉ-INDICADORES INDICADORES
Objetivos do grupo
Manejo do grupo - posicionamento horizontal
Parada 3: Queixa-lamento Concepções sobre psicologia/papel do psicólogo
Concepções sobre educação escolar
Concepções sobre família
Colisões
Parada 4: “por amor às causas perdidas” Elemento Novo
Concepções sobre psicologia/papel do psicólogo
Concepções sobre educação escolar
Manejo do grupo – lacunas e dificuldades
Manejo do grupo – posicionamento vertical
Manejo do grupo – posicionamento horizontal
Colisões
Concepções sobre psicologia/papel do psicólogo
Parada 7: “Que teorias têm fundamentado Sistemas teóricos que fundamentam as práticas
a prática de vocês?” Colisões
Elemento Novo
Parada 11: “Mais alguém ficou pensando Concepções sobre psicologia/papel do psicólogo
alguma coisa?” Concepções sobre educação escolar
Manejo do grupo - posicionamento horizontal
Contribuições das participantes
Parada 14: “E agora a gente está Objetivos do grupo
caminhando” Sistemas teóricos que fundamentam as práticas
Colisões
Contribuições das participantes
Parada 17: Qual é a receita? Colisões
Concepções sobre o trabalho com demandas
educacionais
Concepções sobre o trabalho com demandas
educacionais
Colisões
Parada 21: “Resistir, mas seduzir ao Contribuições das participantes
mesmo tempo” Manejo do grupo – posicionamento vertical
Manejo do grupo – posicionamento horizontal

Parada 22: “Trabalho de borboleta” Concepções sobre o trabalho com demandas


educacionais
Colisões
Contribuições das participantes
164

Como já discutido, os primeiros encontros foram marcados por uma espécie de


queixa-lamento, por meio da qual o grupo desabafou sobre as angústias vivenciadas no
trabalho com demandas educacionais. Ao mesmo tempo em que esse movimento foi
importante, levando o grupo ao questionamento sobre os objetivos da proposta e à superação
dessa crise no coletivo, o desabafo inicial também fez emergir concepções conservadoras
sobre Educação, família e sobre o trabalho com demandas educacionais, já incluídas no
capítulo de análise. Tais concepções geraram desconforto e estranhamento no grupo:

(...) ao usarmos nosso tempo criticando o professor, parece que me ficou uma fala: “Mas e então,
o que vamos fazer, apesar do professor ser tão inadequado em algumas de suas ações? E a nossa
atuação, a quantas anda???? Estamos tão adequados assim?”. (Lícia, RR-2)

Os problemas que surgem em sala de aula ou que chegam ao psicólogo


apresentam determinantes nas condições sociais em que vivemos. Em uma sociedade
capitalista, na qual a desigualdade social impera, é preciso que grande parte das pessoas
venda sua mão de obra a baixos preços e viva em condições desumanas para que uma
minoria possa desfrutar da abundância de bens e conforto, surgem problemas entre os níveis e
de todos os tipos e as patologias psicológicas e os problemas de aprendizagem são alguns
deles – emergentes principalmente a partir das precárias condições do sistema educacional,
lacunas na formação e atuação docente, falta de assistência para as famílias na educação dos
filhos. No entanto, em geral encontramos um mascaramento dos determinantes sociais a
partir de explicações que culpabilizam as próprias vítimas desse sistema, individualizando ou
internalizando os problemas, alocando causas e soluções em nível exclusivamente biológico
ou nas relações imediatas, como o que aconteceu no grupo quando circularam concepções
que culpabilizam a família ou professores pelo fracasso escolar. Guzzo (2007) aponta que
quando os profissionais que atendem essas demandas não conseguem desenvolver uma
análise crítica e contextualizada da situação, a tendência é caírem em um ciclo sem-fim de
reclamações, em uma postura fatalista, que “paralisa o homem diante da história e o faz
renunciar à capacidade de pensar, de escolher, de decidir, de projetar e de sonhar” (GUZZO,
2007, p. 233).
É possível identificar que houve momentos, no grupo, em que nos posicionamos
de forma fatalista, sentindo-nos impotentes diante dos problemas que emergem na prática,
como podemos observar no desabafo de Isadora no segundo encontro sobre como se sente
impotente diante dos desafios enfrentados no trabalho com crianças em situação de risco:
165

E como psicóloga, cada hora está em um lugar, eu não fico nada em lugar nenhum. Eu falo que
eu finjo que faço. Eu não aprofundo em nada e isso me angustia... por que eu me sinto em falta
com o indivíduo. Eu penso que é a mesma ansiedade do professor, quando não dá conta daquela
criança. (Isadora, TR-1)

Nos dois primeiros encontros, houve uma ebulição mais evidente de ideias
conservadoras, alocando a responsabilidade pelo não aprender unilateralmente, ou no
professor ou na família. Com o desenvolvimento do grupo, a partir das leituras, elementos
novos, partilha da prática e discussões entre nós, outras ideias mais complexas foram se
construindo sobre o trabalho com demandas educacionais. Como exemplo, no quarto
encontro discutimos um caso apresentado no artigo A doença do Tom Cruise: uma
experiência de estágio em intervenção psicoeducacional (BARBOSA, D. et al.) e apresentei
o grupo que o objetivo do atendimento à queixa escolar deve ser primordialmente a
movimentação de saberes e versões sobre a criança. O relato de Ana Elisa traz um importante
entendimento a partir dessa discussão:

(...) o Caso do Tom Cruise da Silva nos ajudou a (re) pensar a prática. Os slides da Fabiana nos
auxiliaram a organizar o pensamento e o que ficou pra mim é que é crucial nos casos de queixa
escolar movimentar a rede que está envolvida no caso. Todos precisam ter voz e contribuir para
se chegar numa melhor forma de lidar com a situação. (Ana Elisa, RR-4)

Porém, o fato de termos encontrado possibilidades de superação e novas formas


de pensar não significa que definitivamente superamos uma postura fatalista no
enfrentamento da queixa escolar. No sétimo encontro, Abayomi apresenta o vídeo Ex-E.T.,
que problematiza a medicalização das crianças e ela diz que já o levou para trabalhar o tema
com professoras da rede, mas que nem sempre a crítica à patologização dos problemas
escolares é compreendida ou bem recebida. Valentina e Ana Elisa concordara e afirmaram o
quanto é difícil fazer com que as professoras entendam que o papel do psicólogo não é
simplesmente diagnosticar as crianças, levantando um problema histórico da Psicologia
Escolar: como romper com atendimentos individualizantes para um trabalho com/no coletivo,
a partir das relações de ensino? Vejamos o desabafo de Abayomi sobre neste encontro:

Tem esse momento de vamos pensar juntos, mas eu preciso ser um pouco mais direta, mas eles falam,
‘eu já faço. Isso que você está falando não adianta’. Mesmo quando eu falo, ‘mas eu estou com
vocês, estou aqui para orientar, se precisar eu venho aqui junto, a gente vai junto’. Mas eles falam,
não precisa, eu já sei. Então fico sem saber o que fazer. (Abayomi, ENC-7, 05/10/14)
166

É possível identificar na fala de Abayomi um tom de desistência e desesperança –


ela compreende que o papel da Psicologia não é ceder ao pedido de encaminhamento, como
se o “não aprender” estivesse localizado no aluno, mas ao mesmo tempo encontra um
estranhamento das professoras que parecem não entender, então, qual seria o papel dela na
escola. Nessa mesma conversa, apresentei ao grupo elementos da história da Psicologia e da
Psicologia Escolar no Brasil, que nos ajudam a identificar que o posicionamento crítico que
defendemos é um movimento relativamente recente, que se inicia entre as décadas de 1970 e
80 (PATTO, 1984; BARBOSA, D., 2011) e que, por apresentar uma lógica complexa, que
analisa os determinantes sociais das questões escolares, além de não haver interesse das
políticas públicas que o professor pense dentro de um paradigma crítico, esta perspectiva
muitas vezes não chega até a formação e a prática do professor na escola. Esse
esclarecimento resultou em uma interessante mudança no grupo:

VA: (...) a gente está querendo colocar os professores dentro do quadradinho também.
(...)
AE: (...) É a gente sair desse lugar do saber absoluto e que de alguma forma a gente fez e talvez a
nossa luta todo dia seja essa. E a gente acha que não está fazendo nada, na verdade. (ENC-7,
15/10/14)

Ao discutirmos os determinantes históricos e culturais das queixas escolares,


percebemos que, se por um lado estamos lutando para não patologizar e culpabilizar as
crianças, por outro não podemos cair na armadilha de fazer o mesmo com o professor.
Identifico que a crise vivenciada no grupo sobre como trabalhar de forma crítica,
considerando a complexidade do contexto educacional é semelhante à crise da própria
Psicologia Escolar e Educacional, cuja vertente crítica vem lutando para romper com
concepções conservadoras e lineares sobre os problemas educacionais e que por ser contra
hegemônica, trazendo uma lógica complexa para pensar as questões que emergem no
cotidiano escolar, não é facilmente entendida muito menos linearmente apropriada pelo
pensamento, exigindo que os profissionais estejam em constante formação para que
desenvolvam formas um olhar para o contexto em que as queixas escolares são produzidas.
Além disso, por este ter sido um grupo heterogêneo, percebo que a movimentação
de visões teve espaço privilegiado. Enquanto grupos de formação somente para psicólogos ou
somente para professores podem estar mais sujeitos a uma visão unilateral, um grupo diverso
como o nosso possibilitou uma complexa compressão da queixa escolar a partir da
perspectiva de diferentes profissionais, como registrado por Abayomi:
167

Eu gostei muito, os encontros eram para discussão entre profissionais de psicologia, entretanto
tiveram participantes de outras áreas também que muito contribuíram para a discussão e o
desenvolvimento do grupo, tinha psicólogos de diversas abordagens, fonoaudióloga e pedagogos.

Um dos aspectos formativos do grupo mais comentado pelas participantes foi a


reflexão que tivemos sobre os sistemas teóricos que sustentam nossa prática. No terceiro
encontro, cada um teve a chance de partilhar quais são as teorias que articulam em seu
cotidiano de atuação e algumas participantes disseram muitas vezes não se dar conta ou não
pensar sobre essa dimensão:

[a discussão sobre sistema teórico] me fez pensar bastante sobre o meu trabalho de fato, a teoria
que eu sigo (...) Fiquei com vontade de ler mais sobre a teoria de Vigotski, pois muitas das
coisas que a Fabiana fala e faz ligação com a teoria histórico-cultural me faz pensar bastante a
respeito e refletir em relação a que eu uso que é a comportamental. (Abayomi, RR-3)

Falamos sobre a concepção de dilemas e sobre reflexividade. Tudo muito bom, até que... eis a
pergunta que me tira da minha zona de conforto: que teoria fundamenta minha prática?
Acredito que por ter ciência da importância dela me incomode tanto. (Ana Elisa, RR-3)

Neste encontro, conversamos sobre a importância de ter clareza dos sistemas


teóricos que orientam nossas decisões e que diante de um dilema ou novo desafio é
fundamental um exercício de reflexão sobre a prática, mais do que meramente aplicar
técnicas, devemos fazer perguntas para as situações desafiadoras, buscando fundamentos
teóricos que nos ajudem a compreendê-la de forma complexa e encontrar possibilidades
(ARAGÃO, 2010). Após essa discussão, no encontro seguinte, Lícia trouxe um relato sobre
como a discussão sobre sistemas teóricos a ajudou em um atendimento de um complexo caso
de autismo:

Quinta-feira de manhã atendi uma menina autista, caso dificílimo, dificílimo, dificílimo e a menina
tem três anos e ela fica muito com a mãe, fala muito pouco e ela protesta muito, o protesto dela
quando a gente tira a mãe é ela fazer xixi. Ela já faz no banheiro, mas ela fez xixi na sala, perto do
meu pé. E naquele dia a gente tirou a mãe e ela veio, fez xixi, aquele xixizão. Eu falei assim, ‘bom, ,
com quem eu vou dialogar agora, o que eu faço agora?’ (...) E aí ela sapateia no xixi, faz aquela
confusão e nessa hora eu pensei, ‘bom, na teoria estava tudo muito tranquilo e agora na prática, o
que eu faço com esse xixi, com essa criança?’ A gente já tem algumas coisas prontas para fazer, não
entrei em desespero, mas enfim, foi um dilema que vivi e falei, com quem eu vou conversa agora?
Então, esse encontro trouxe muito isso, criou uma propriedade no grupo e foi muito bom. Foi
isso que pensei e acho que a angustia que tive nos dois primeiros encontros foi atendida, fui muito
acalmada nesse terceiro. (Lícia, ENC-04)

Pensando nas relações sociais como fonte de desenvolvimento profissional,


gostaria de destacar duas dimensões analíticas importantes sob o prisma da THC. A primeira
168

é em relação ao modo como as concepções teóricas foram internalizadas. Vigotski


(1934/2001) identifica que os conceitos científicos, como organizações teóricas e sistemáticas
do mundo, são uma forma complexa de pensamento, como estágio mais elaborado da
consciência humana e que depende essencialmente do processo de escolarização para se
desenvolver. O processo de desenvolvimento profissional no grupo envolveu
necessariamente um trabalho de formação de conceitos científicos – a circulação de
concepções conservadoras e críticas em um movimento contraditório e mediado pelas
contribuições da Psicologia Escolar crítica, por meio dos textos discutidos, dos elementos
trazidos pelas participantes e também das aulas expositivas organizadas por mim para
direcionar nosso olhar para aspectos essenciais do trabalho com demandas educacionais
contribuiu para refinarmos nosso entendimento teórico-prático sobre o enfrentamento dos
problemas emergentes nos contextos educacionais. É importante destacar que não houve uma
evolução na formação conceitual entre as participantes, como se partissem de uma concepção
conservadora para que no último encontro “atingissem” um nível de compreensão crítica (e
nem era esse o propósito!), tanto é que entramos em outros dilemas no decorrer dos
encontros. Porém, podemos sim afirmar que houve um movimento de revolução que, longe
de ser linear, proporcionou a circulação de saberes de forma complexa, envolvendo
contradições, de modo a encontramos possibilidades, mas também novas perguntas sobre os
temas discutidos. Poderia dizer que uma das heranças do grupo apontada pelas participantes
foi, justamente, o movimento de questionar e descontruir certezas arraigadas, indicando a
complexidade e não linearidade da formação de conceitos científicos no processo de
desenvolvimento profissional:

(...) tivemos muitas reflexões, não foi um espaço para decorar conceitos, embora tivéssemos
discutido historicamente o papel do psicólogo, o termo Psicologia Escolar, os pressupostos básicos
de algumas abordagens, etc. (Peter, CA)

Percebo que participar desse grupo vem me trazendo mais perguntas do que respostas. E como é
bom ter perguntas! (Alice RR-5, 22/10/14)

A segunda análise é em relação à lei genética do desenvolvimento humano,


segundo a qual as funções psicológicas entram em cena duas vezes, primeiro como uma
categoria interpsíquica, na relação entre pessoas e, depois, como uma categoria intrapsíquica
(VIGOTSKI, 1931/1997). Deste postulado, podemos compreender que o desenvolvimento
169

apresenta diversas entradas75 tanto em um nível macro (filogênese, sociogênese) quanto em


um nível das relações imediatas, da dimensão particular de cada sujeito e das pequenas
transformações que acontecem no processo de desenvolvimento (ontogênese, microgênese)
que se combinam e interagem de forma complexa resultando no processo de
desenvolvimento de cada pessoa. No caso das participantes do grupo, identifico que as
temáticas emergentes, em especial os impasses no trabalho com demandas educacionais e a
relação professor-psicólogo para o enfrentamento dessas questões estão relacionados a um
contexto maior, no qual ainda é conflituoso propor um trabalho pautado no coletivo e que
tenha os determinantes sociais como princípio explicativo e como processo de superação da
queixa escolar, uma vez que o discurso dominante é de explicações lineares e medicalizantes
para esses fenômenos. Porém, o enfrentamento fatalista desses problemas partilhados no
grupo parece ter sido rompido a partir das situações de desenvolvimento criadas,
principalmente, por meio de discussões colaborativas sobre a prática e os elementos teóricos
consistentes. Quando Lícia partilha conosco o questionamento que se fez sobre os sistemas
teóricos que fundamentam a prática a partir de um desafio vivenciado, percebo aí um
exemplo de como as interações sociais vivenciadas no grupo podem ser internalizadas,
mobilizando o profissional para pensar por perspectivas que não estavam claras
anteriormente.
No sétimo encontro, Valentina comenta que o trabalho com demandas
educacionais é um “trabalho de formiga”, referindo-se à dificuldade e à persistência
necessárias para promover alguma mudança. Tadeu discorda, dizendo que a formiga remete a
um “fazer obediente” e que não ousa a romper a lógica imposta. Valentina sugere então a
expressão “trabalho de borboleta”, em referência a uma metáfora que eu usei nos meus
diários de bordo:

FA: É lembrei da borboleta que usei nos relatos em um deles sai pensando, no segundo encontro
que saí daqui bem pesada, pensando onde está indo esse grupo, será a gente vai dar conta do que
se propôs a fazer, do que eu me propus e daí pensei na borboleta, ela tem um voo leve, mas não
tem muito rumo certo, como da formiga, ela vai para onde mais agrada...

TA: E é o símbolo da transformação.

75
A filogênese é relacionada ao desenvolvimento da humanidade como espécie biológica, por meio da
evolução das espécies. A sociogênse é relacionada ao processo de desenvolvimento cultural da
humanidade. A ontogênese abarca as especificidades da história de cada sujeito particular e a microgênese
explica as mudanças em cada sujeito particular a partir da complexa combinação de todas essas entradas
do desenvolvimento.
170

FA: É o símbolo de transformação de uma lagarta que tem dificuldades de se locomover para uma
borboleta que voa livre. (ENC-7, 05/11/14)

Chegamos a um consenso de que o trabalho com demandas educacionais exige


uma postura de transformação – das relações, do sistema educacional, do sistema social.
Guzzo (2007) aponta que um dos caminhos para a superação do fatalismo é a compreensão
coletiva dos problemas enfrentados, por meio da construção de relações solidárias, o que
exige tempo e esforço. Reconheço que o grupo foi um espaço limitado em termos de tempo e
recursos para, de fato, promover algum tipo de transformação social em nível amplo e
profundo. Porém, o desenvolvimento de um curso formativo que se pautou nas relações
sociais, no diálogo, em uma acolhida sensível e humana dos participantes e na colaboração
entre diferentes profissionais como ponto de partida sinaliza um caminho importante que
pode inspirar outros espaços de formação profissional.
171

TRAVESSIA 4

“Engraçado, né? Teve mudança”: sobre os vínculos afetivos como parte do processo de
desenvolvimento profissional

A quarta Travessia discute o processo de constituição de vínculos afetivos no grupo,


analisando a dimensão pessoal como parte inerente do processo de desenvolvimento
profissional, a partir das interações sociais e dos elementos mediadores que criaram
condições para mudanças.

Tabela 8: Combinação de pré-indicadores e indicadores – 4ª Travessia

PRÉ-INDICADORES INDICADORES
Vínculo afetivo
Parada 9: Conversa (a) fiada Manejo do grupo – posicionamento
horizontal

Vínculo afetivo
Parada 23: “Engraçado, né? Teve Contribuições das participantes
mudança”

Os encontros do grupo se caracterizaram não somente pela discussão dos


problemas da prática profissional à luz das temáticas escolhidas e de sistemas teóricos de
análise, mas também pelo relacionamento interpessoal entre as participantes. É fundamental
ressaltar que a abertura para a constituição de vínculos no grupo não foi algo espontâneo, mas
relacionado a determinadas posturas e ações intencionais, criando condições especiais para
que o grupo fosse um espaço de interação social.
Uma das propostas, desde o início, foi o estabelecimento de um rodízio de
pessoas definido semanalmente para a partilha coletiva do lanche. Como as participantes
vinham de outras cidades, depois de um dia cansativo de trabalho, a proposta de um lanche
coletivo foi inicialmente um modo cuidar do grupo. Logo nos primeiros encontros, propus
que cada um que trouxesse o lanche pudesse contar sobre o que aquela comida ou o ato de
oferecê-la ao grupo significava. No início, Ana Elisa demonstrou preocupação em não
conseguir levar o lanche, pois não teria muito tempo entre sair do trabalho e se deslocar para
o grupo. Acolhendo sua angústia, disse que não haveria problemas. Na mesma semana, ela
mandou um e-mail dizendo ter pensado melhor e que gostaria de colaborar, levando o lanche
para a semana seguinte, juntamente com as outras duas colegas que vinham da mesma
cidade. Neste encontro, conversamos sobre o significado do lanche compartilhado:
172

FA: No primeiro dia falei sobre o caráter afetivo do lanche, a ideia é cada um trazer o que é
significativo. Mas semana passada foram a Alice, Lícia e Luiza que trouxeram e eu acabei não
fazendo essa pergunta, vocês gostariam de partilhar?

AE: Não sei... não é do jeito que a gente queria. Eu gosto de cozinhar, gosto de fazer bolo, mas
não dava tempo.

Ana: Mas tinha toda uma produção, tinha papel celofane. Vocês podiam ter mentido, dizendo que
vocês que fizeram!

AE: Foi uma questão de tempo, pelo o que era mais prático. Cada uma vez uma coisa, meu marido,
enfiei ele no meio.

Ana: Tem sempre uma participação especial.

FA: O que acho legal é que no primeiro dia quando fiz o convite para trazer o lanche elas se
mostraram muito preocupadas, “será que vai dar tempo?”, porque elas saem do trabalho e vêm na
correria toda de outra cidade e eu achei muito bonito o cuidado da Ana Elisa em me mandar um
email “Ah, Fabiana, fiquei pensando e dá sim pra gente trazer”. E isso é muito bonito, porque
mostra o quanto vocês estão envolvidas com o grupo. (ENC-3, 08/10/14)

No quarto encontro, era aniversário de Tadeu e também dia do professor. Por


isso, começamos a reunião entoando “parabéns” e degustando o bolo e salgadinhos levados
pelo próprio aniversariante. Ao finalizarmos esse momento e entrarmos nas atividades
programadas, eu disse ao grupo:

FA: Eu trouxe o lanche na primeira vez e convidei vocês para trazerem nas próximas para partilhar
comidas que tivessem algum significado para vocês ou mesmo o ato de trazer, o esforço que a gente
tem para estar aqui no horário, passar em algum lugar e buscar um lanche que todos gostem, acho
que o convite que queria fazer e espero que esteja sendo significativo, é da gente se aproximar
como grupo, de isso fazer sentido para gente, as conversas, oferecer uma rifa, partilhar receitas,
trocar ideias e da comida. Isso tem a ver com essa proposta de estarmos juntos e partilhar (...) O
que tem significado para vocês estarem aqui toda quarta? E daí me lembrei do momento do lanche,
do momento em que vocês chegam e eu recebo vocês e eu sinto muita amorosidade nesse espaço
e nesse momento. Sinto que o encontro é algo potente e é nele que eu aposto. Eu aposto na
conversa, aposto no outro como uma possibilidade muito rica de a gente se desenvolver como
profissionais, como gente. (ENC-4, 15/10/14)

Nesses episódios é possível identificar que o lanche compartilhado não foi


somente um meio de criar conforto ao grupo. Ao solicitar que o grupo refletisse sobre o
significado de levar o lanche, ao acolher e compreender as dificuldades particulares das
participantes e deixar explícita a importância de que as relações interpessoais sejam parte
inerente da proposta, percebo que determinadas condições foram criadas e a partir delas, os
173

vínculos afetivos no grupo foram estabelecidos. Vejamos alguns excertos que indicam a
significação dos vínculos como parte legítima e importante desse espaço:

O lanche que no inicio cada dia um trouxe para os outros e por fim fomos nos dividindo cada um
levando alguns quitutes e sucos. Foi muito bom ter esse momento, ficava um ambiente mais
descontraído (CA, Abayomi)

TA: Dia 15 de outubro, foi meu aniversário e foi muito esquisito estar aqui, ao mesmo tempo que
foi esquisito, foi gostoso estar com vocês. Desde que eu comecei a trabalhar eu cismei que eu não ia
trabalhar no dia do meu aniversário e esse ano eu não só trabalhei como fiz mais coisas, então foi
nesse sentido. Mas o dia inteiro, de um monte de coisas que eu não gostei, a única coisa que eu
gostei foi estar aqui. (ENC-5, 22/10/14)

O momento do lanche e das conversas informais que aconteciam antes do


encontro, nas pausas ou ao final não eram situações periféricas, mas constituíram parte
fundamental da proposta. A formação de vínculos interpessoais não acontece naturalmente,
mas parte de uma mediação intencional, a partir da compreensão de que este é um elemento
essencial no processo de desenvolvimento profissional. Ao priorizar a dimensão afetiva das
interações, consigo provocar nas participantes uma integração entre teoria e prática, entre
cognição e afeto e só assim há desenvolvimento em um sentido amplo e integral.
Vigotski (1931/1997) indica que as funções psicológicas superiores são um
sistema complexo e não podem ser compreendidas de forma compartimentada, como se uma
fosse independente da outra. Leite (2017) alerta que a afetividade é uma dimensão
historicamente ainda vista como diferente ou cindida da cognição ou do raciocínio lógico e
que uma das tarefas da teoria psicológica é romper com essa visão, por meio de um olhar
complexo para a interação emoções e cognição, no qual uma dimensão constitui a outra:

Portanto, deve-se destacar que os processos afetivos complexificam-se


durante o desenvolvimento, sofrem influencia e influem nos processos
cognitivos, mantendo com eles uma relação dialética durante todas a vida do
sujeito. (LEITE, 2017, p. 163)

As estratégias e ações formativas escolhidas por mim pautaram-se na


compreensão de que a formação sensível não só é importante, mas fundamental na
transformação do processo de desenvolvimento. Para isso, é necessário ter uma compreensão
de que o desenvolvimento profissional abarca um conjunto complexo de funções psíquicas,
dentre elas a intelectual, por meio da formação de conceitos científicos e da apropriação de
uma perspectiva teórica coerente e consistente com as temáticas estudadas e também a
174

afetiva, que se desenvolve mediante uma organização dos processos de mediação no grupo,
incluindo a pessoalidade, o afeto, o carinho e a gentileza com as participantes como parte
inerente das ações, o que proporciona uma aprendizagem efetiva irreversível. Um exemplo
desse aspecto pode ser identificado no registro de Peter:

Escrevo esse registro agora em uma maneira diferente. Atrasado para ir ao último encontro, mas
mais diferente ainda quanto ao estilo, mais leve, mais carregado de emoções, mais próximo ao
estilo da Fabi (...) No sétimo encontro, com menos pessoas, tivemos uma relação mais próxima, o
que ficou mais em evidência é que vai acabar. Com um misto de alívio e tristeza, por ter menos
compromisso e consequentemente menos espaços prazerosos de aprendizagem. (Peter RR-7)

Peter indica apropriação do tom afetivo com que mediei a proposta, diferente de
uma mera descrição do que aconteceu, Peter utiliza o recurso do registro reflexivo para tecer
entendimentos e reflexões que expressam sua vivência emocional no grupo. A partir deste
exemplo, afirmo que não é suficiente “ensinar” sobre afeto e explicar ao grupo sobre sua
importância, é imprescindível criar condições para que a dimensão afetiva e humana seja
vivenciada no processo formativo, por meio de posturas e ações educativas encarnadas pelos
propositores da formação profissional.
Identifico que vivenciamos colisões relacionadas à cisão que ainda persiste entre
a dimensão cognitiva e afetiva. Nos primeiros encontros percebo minha preocupação em
seguir o cronograma e focar nos textos escolhidos para guiar a discussão, quando o grupo
tinha a necessidade de partilhar as angústias vivenciadas cotidianamente, conforme já
relatado nas demais Travessias e podemos perceber no registro de Peter:

Percebo uma insistência da Fabiana em conduzir o grupo no sentido de uma reflexão teórica
embasada em artigos e uma dificuldade do grupo em caminhar nesse sentido. Talvez o grupo não
deseje nesse momento um fortalecimento teórico, mas sim um fortalecimento pessoal. (Peter
RR-6, 29/10/14)

Ao acolher a pessoalidade das participantes, por meio de uma escuta atenta e


generosa dos dilemas e dificuldades partilhados no grupo, percebo que aos poucos
conseguimos direcionar a propostas para um aprofundamento teórico, mas sem perder de
vista a afetividade e interações como fonte de desenvolvimento para o grupo. Vejamos um
exemplo do quinto encontro, no qual Tadeu partilhou seu registro reflexivo sobre o encontro
anterior.
175

Tadeu disse em seu relato que o vídeo Sentimentário e as conversas sobre rótulos
relacionados a problemas de aprendizagem o mobilizaram, pois ele mesmo foi diagnosticado
como disléxico na infância:

TA: Achei muito interessante quando você [Lícia] falou que não é um diagnóstico fácil, né?
Hoje eu entendo isso, não é fácil, não é simples, hoje eu entendo isso.

Tadeu partilhou com o grupo um relato pessoal, no qual nos conta que foi diagnosticado como
disléxico na infância e como isso o afetou. A partir do relato pessoal de Tadeu, pedi ao grupo para
que imaginassem o que fariam se um caso como o de Tadeu chegasse até eles. Alice relaciona o
relato a uma reunião em seu trabalho, na qual discutiram a possibilidade de retirar o EJA da escola:

AL: aí fiquei escutando o Tadeu falar e pensei: tudo a ver com a discussão de hoje de manhã.
Tirar o problema da escola, não tem que tirar o problema da escola, o problema é da escola, o
problema é de todo mundo que está envolvido com a escola. (ENC-5, 22/10/14)

Aqui, identifico que a abertura para a expressão da dimensão pessoal contribuiu


não só para que os vínculos interpessoais fossem construídos, mas também foram fonte de
desenvolvimento profissional para pensarmos em possibilidades no trabalho com demandas
educacionais. Tadeu partilhou com o grupo sua história de vida e quando solicitei que
imaginem possibilidades de atuação profissional a partir de sua história, Alice consegue tecer
uma importante análise a partir de sua prática, dizendo que se há uma criança com alguma
dificuldade no contexto escolar, todos devem se mobilizar para acolher e lidar com esse
problema, buscando superá-lo.
O lanche coletivo, as conversas informais e a partilha de relatos pessoais criaram
situações sociais de desenvolvimento no grupo resultando em um senso de pertencimento e
de compromisso das participantes com a proposta – éramos pessoas vindas de cidades
diferentes, com afazeres diversos e, ao longo de dois meses, participamos intensa, voluntária
e colaborativamente da construção desse espaço. Como afirma Lícia, a prioridade do grupo
estava na apropriação dos conteúdos por meio das interações horizontais afetivas, em um
movimento de escuta e construção conjunta:

O grupo mostrou-se muito entrosado na proposta do “construir com” e “falar com”. Apesar de ser
um grupo não muito numeroso, foi muito coeso e funcionou em um movimento horizontal e afetivo
que permitiu uma construção única e preciosa de muitos conteúdos. Cada membro expôs seus
momentos mais marcantes, e embora tenham sido diferentes e distintos, mostrou que a presença de
todos foi decisiva na percepção de cada um, assim como a visão individual na formação do grande
olhar. Todo o movimento aconteceu no plano singular/individual e coletivo/grupal. (Lícia, CA)
176

Destaco aqui duas dimensões analíticas importantes: 1) a indissociabilidade entre


as dimensões pessoal e profissional; 2) o processo de desenvolvimento profissional como
processo de desenvolvimento humano como um todo.
Na primeira dimensão ressalto, em concordância com Aragão (2010; 201776), que
o professor seja considerado em sua inteireza, de modo que os aspectos pessoais e
profissionais constituam de forma contínua e dialética quem o professor é e a prática que
desenvolve. Historicamente, a formação de profissionais para atuar na Educação tem sido
considerada somente na dimensão do treinamento de técnicas ou conhecimentos para serem
aplicados, geralmente os cursos de formação continuada envolvem somente essa dimensão
pouco considerando as necessidades e as vozes dos profissionais nesse processo (NÓVOA,
1992; PONTE, 1998). É imperativo romper com essa cisão, não simplesmente levantando
uma bandeira de que a dimensão pessoal é importante, mas criando propostas formativas que
incluam os aspectos pessoais e relacionais como fonte de desenvolvimento, por meio de
ações coletivas, colaborativas e afetivas. Contudo, alerto aqui que defendo a dimensão
pessoal como decorrente dos processos históricos e culturais mais amplos, tendo como
origem as interações sociais. Dizer que os aspectos da personalidade estão e devem estar
imbricados no desenvolvimento profissional não se refere a uma concepção individualista e
competitiva, como se o profissional tivesse que cuidar de si e aprimorar suas características
de personalidade para competir com outros, para se sobressair ou ser “vencedor”, como
vemos em slogans de autoajuda ou em algumas estratégias de marketing de treinamentos
profissionais. Incluir a dimensão pessoal significa sobretudo olhar para si para estar no
coletivo e com ele contribuir, por meio de ações colaborativas. É igualmente importante
afirmar que uma dimensão se encontra imbricada na outra – não há desenvolvimento
profissional sem uma busca pelo desenvolvimento pessoal, o ser profissional diz respeito a
uma pessoa em sua inteireza.
Em relação à segunda dimensão analítica, a partir da experiência neste grupo,
afirmo que falar sobre desenvolvimento profissional é falar sobre desenvolvimento humano
como um todo. Vigotski (1931/1997) indica que o desenvolvimento cultural das funções
psíquicas superiores é um complexo processo de mudança qualitativa, que tem como gênese
as relações sociais. Considerando a complexidade do trabalho com demandas educacionais,
que lidam diariamente de forma intensa com interações entre alunos, pares e famílias, não

76
Em apresentação no Concurso para Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas.
177

podemos dizer que os profissionais não sejam constantemente afetados e transformados por
meio das relações que estabelecem cotidianamente.
O que significa se desenvolver profissionalmente? Aprender conceitos, técnicas,
sim, mas também se desenvolver como pessoa, refinando um olhar sensível, contextualizado
e abrangente para as questões humanas e para os desafios encontrados no trabalho no
contexto educacional. Aqui ressalto também a importância de termos incluído na proposta
não somente textos acadêmicos, mas os elementos novos, por meio de vídeos, músicas,
poemas, crônicas e outros meios estéticos-artísticos para que a partir deles pudéssemos
discutir a dimensão teórica. Como colocado por Ferreira (2014), a dimensão estética da
Educação encontra-se em superar a cisão entre sentir, pensar e experimentar. Para isso é
fundamental propor ações formativas que considerem o educador como pessoa inteira e a arte
é, nesse sentido, vetor fundamental de aprendizagem.
No último encontro, Bianca preparou uma apresentação para partilhar suas
percepções como pesquisadora-auxiliar sobre o grupo. No início de sua apresentação, ela
colocou algumas fotos dos primeiros encontros. Tivemos o seguinte diálogo, minutos antes
de finalizarmos:

TA: Engraçado, né? Teve mudança.

FA: Muita.

TA: Mudança física mesmo (...) Eu fiquei impressionado como que na primeira foto para agora a
gente mudou.

LI: Isso tem a ver com o vínculo.

LU: Quando o vínculo se cria, muda a nossa percepção em relação ao grupo e a nós mesmos
dentro do grupo.

(...)

LI: (...) Acho que é isso, embora nosso grupo teve um momento de construção, mas essa
construção nunca acaba, ela vai seguir com cada um de nós e enfim, acho que me dá um pouco
essa impressão, de construção que nunca se acaba, ela aconteceu aqui e vai continuar dentro de
nós, o grupo vai continuar dentro da gente. A gente se distancia na memória, mas continua na
gente. (ENC-8, 13/11/14)

A mudança física percebida nas fotos dos primeiros encontros foi significada pelo
grupo como uma percepção decorrente da formação de vínculos afetivos entre nós. Não
éramos mais estranhos, pois ao longo da proposta conhecemos uns aos outros em dimensões
que estavam inacessíveis nos primeiros encontros. Lícia fecha essa conversa dizendo que
178

vamos dali em diante nos distanciar na memória, mas o grupo ficará guardado dentro de cada
um. Identifico que a proposta, pautada nas relações sociais como fonte, propiciou a
internalização por cada participante de uma memória coletiva – as vivências diversas levaram
à internalização única de saberes por cada participante. Vigotski (1931/1997) considera a
memória como uma função psicológica complexa, formada a partir da mediação de signos,
por meio das relações sociais estabelecidas. Portanto, a internalização do vivido passa pelo
coletivo e pelas significações que damos ao que vivemos, por meio do uso da linguagem:

A possibilidade de falar das experiências, de trabalhar as lembranças de uma


forma discursiva, é também a possibilidade de dar às imagens e recordações
embaçadas, confusas, dinâmicas, fluidas, fragmentadas, certa organização e
estabilidade. Assim, a linguagem não é apenas instrumental na (re)
construção das lembranças; ela é constitutiva da memória, em suas
possibilidades e seus limites, em seus múltiplos sentidos, e é fundamental na
construção da história. (SMOLKA, 2000, 187)

Considero que esse episódio final revela o modo como, ao rememorarmos os


encontros e conversar sobre as vivências passadas, significar coletivamente os principais
acontecimentos do grupo e internalizar memórias que, do coletivo passaram a ser memórias
individuais. Cada participante levou uma herança singular e irrepetível dos encontros. Houve,
portanto, a internalização de uma memória coletiva porque afetiva e de uma memória afetiva
porque coletiva, reafirmando o lugar de primazia das relações sociais no processo de
desenvolvimento profissional.
179

TRAVESSIA FINAL OU FINAL DE UMA TRAVESSIA?

Elementos para uma proposta modelizadora

Nas palavras iniciais, faço uma pergunta que me acompanhou durante todo o
percurso: o que não sabia antes e aprendi com a Tese? Penso ter chegado o difícil momento
de respondê-la. É claro que todo percurso do texto até aqui já contempla as respostas e é claro
também que estas são respostas possíveis para o momento e não verdades definitivas ou
absolutas. Nessa última Travessia, escolho sintetizar as lições fundamentais da Tese, na
tentativa que fiz durante todo esse tempo para compreender o grupo colaborativo como fonte
de desenvolvimento para profissionais que trabalham com demandas educativas.
Inspiro-me em Sá-Chaves (2012) tecendo aqui considerações para uma
“proposta modelizadora” – o grupo de desenvolvimento profissional aqui descrito e
investigado não é um modelo a ser seguido, mas uma “modelização aberta”, cujos princípios
e análises decorrentes de todo o processo da pesquisa não devem ser meramente aplicados a
todas as circunstâncias, mas podem inspirar novas situações e propostas. O que vivenciamos
foi singular, mas relacionado a dimensões mais amplas, o que emergiu no grupo diz respeito
à atuação e ao desenvolvimento de diversos profissionais que cotidianamente lidam com
demandas diversas do contexto educacional e que não raro se sentem desamparados para
enfrentar os dilemas e desafios da prática.
Para iniciar a discussão de uma proposta modelizadora, escolho o gênero da carta
– presente em minhas ações – e direciono-a ao grupo de participantes da pesquisa como
síntese das lições aprendidas, dos significados produzidos a partir das análises e também
como uma forma de homenagem e agradecimento. Em seguida, elejo alguns pontos
principais que ajudam a responder às questões de pesquisa. Espero que a carta singularmente
endereçada e as considerações finais para uma proposta modelizadora alcancem outros
profissionais que, identificados com estes escritos também possam encontrar caminhos, de
mãos dadas uns com os outros, colaborativamente.
180

Campinas, agosto de 2017

Querido grupo,

Quanto tempo desde que nos encontramos pela última vez em novembro de 2014! Como
disse alguém no último encontro, nos afastamos na memória, mas o grupo continua dentro
de nós, de alguma forma. Dentro de mim, continuou tão vivo, que consigo me lembrar dos
detalhes de cada encontro, de cada conversa. Claro, como pesquisadora tive o privilégio de
rememorar muitas vezes e de formas diversas nossos encontros, transcrevendo nossas falas,
relendo incansavelmente os escritos produzidos para, então, transformar tudo isso em um
texto, uma Tese! Quero começar esta carta, escolhida para compor as considerações finais
da pesquisa, agradecendo a participação tão especial de vocês. Ao me direcionar de forma
particular a vocês, que compuseram a pesquisa comigo, gostaria de registrar as principais
lições aprendidas com a produção da Tese, na esperança de deixar um pequeno legado no
campo do desenvolvimento profissional, da Psicologia Escolar e Educacional, da Teoria
Histórico-Cultural.

Em primeiro lugar, uma pergunta que me fiz desde o começo, quando, ao propor uma
formação para o “psicólogo escolar”, encontrei nesse grupo uma grande diversidade de
profissionais: o que esse grupo me conta sobre a Psicologia Escolar e Educacional? Bom,
primeiramente o grupo revelou que o psicólogo escolar não está somente em escolas, mas o
trabalho com demandas educacionais acontece em contextos variados. A diversidade de
profissionais no grupo também revela que o psicólogo precisa da parceira com outros
campos do saber para atuar e que seria precioso que esses profissionais pudessem dialogar
colaborativamente, como fizemos no nosso grupo. Um processo de formação centrado única
e exclusivamente em si mesmo, ao não dialogar com o outro se torna cego. E o que fizemos
juntos foi o contrário. Uma importante lição é de que os profissionais em formação podem
dialogar entre si. Ainda somos uma cultura da individualidade, da competitividade e vocês
mostraram que é possível romper com isso e que o trabalho colaborativo é contra
hegemônico. Precisamos de ajuda, não dá para caminhar sozinho.

Analisando o material produzido sob o prisma da Teoria Histórico-Cultural, alguns inéditos


emergiram e, dentre eles, o que mais me encantou foi perceber que falar sobre
desenvolvimento profissional é falar sobre desenvolvimento humano como um todo. Em
especial para vocês, que lidam com contextos educacionais e com um objeto de trabalho tão
complexo como os alunos, as famílias, os professores, não há como dissociar o conhecimento
técnico da integralidade de quem vocês são. Vigotski fazia estudos especialmente com
crianças, propondo experimentos complexos para analisar o processo de desenvolvimento de
funções psicológicas superiores como um processo cultural, mediado por signos. Dentre suas
maiores contribuições está o fato de que o desenvolvimento segue um caminho que vai das
interações sociais para a internalização pelo sujeito. As relações sociais não são, portanto,
um pano de fundo, mas a própria fonte de desenvolvimento. Foi surpreendente perceber que
podemos ampliar a compreensão desse processo para o desenvolvimento profissional de
adultos – as nuances são diferentes, o processo é o mesmo. Pude também perceber que não
basta somente dizer que as relações sociais são importantes, mas é necessário criar
condições de desenvolvimento em que as interações entre as pessoas seja elemento central.
Penso que isso foi contemplado em nossos encontros, por meio das atividades
181

proporcionadas e das nossas intensas conversas sobre a prática e sobre tantos assuntos
relevantes para o trabalho com demandas educacionais. Das principais análises da tese a
partir da Teoria Histórico-Cultural, destaco: a constituição de uma proposta colaborativa
como processo não linear, mas permeado por colisões, contradições, como essencialmente
dramático, afinal o grupo não caminhou em uma crescente sofisticação, na qual vocês foram
evoluindo, mas como uma revolução, por meio da partilha de dúvidas, provocação de
questionamentos e construção de saberes a partir das contribuições de cada um. Identifico
que minhas colocações como propositora tiveram lugar privilegiado: além das atividades
solicitadas e da abertura para o diálogo no grupo, houve momentos em que eu me levantava
e dava uma aula. Identifico que o princípio de colaboração e horizontalidade não deve negar
a verticalidade. A partilha de saberes também é necessária. Percebo também que a dimensão
afetiva foi parte essencial dos nossos encontros, criando um senso de pertencimento e
comprometimento e contribuindo para que ao final cada um de nós levássemos uma herança
singular dos encontros.

Fico pensando que é difícil existir um curso ou uma proposta de formação profissional
perfeita, mas o que é interessante é uma formação que produza incômodos, estranhamentos...
Lembram das angústias e perguntas sobre a atuação com demandas educacionais que nos
tomaram principalmente nos primeiros encontros? Percebi que encontramos algumas
respostas para elas – como, por exemplo, a necessidade de um olhar cuidadoso não só para
a criança, mas para o professor e famílias também; a importância dos diversos saberes para
dar conta das demandas educacionais, em uma construção coletiva das ações; a importância
de olhar para a dimensão histórica de nossas concepções teóricas ou ainda o valor de
registrarmos nossas impressões sobre a prática de forma reflexiva, afetiva e implicada. Mas
também nos deparamos com outras perguntas... é claro que nosso curso em oito encontros
foi apenas uma pequena parte da trajetória de vocês e não espero que tenha tido uma
repercussão extraordinária na sua vida, mas que, ao final, vocês tenham saído de lá
mobilizados, incomodados, instigados a sempre buscar conhecimento, afinal o
desenvolvimento profissional é um processo contínuo.

Identifico que nosso grupo foi um lugar especial de partilha sobre a prática profissional.
Criamos um espaço que valorizou os vínculos afetivos, as conversas sérias, mas também as
conversas (a) fiadas. Um grupo que pôde se conhecer ao longo do processo, trocar ideias,
fazer amizade. Um espaço horizontal, em que todos eram convidados a trazer suas
contribuições. Um espaço colaborativo, em que o eu solitário, tantas vezes sentido por
aqueles que trabalham com demandas educacionais, foi ganhando jeito de eu solidário.

Também eu encontrei solidariedade ao me juntar a vocês e pude me transformar nesse


processo. Não apenas no decorrer dos oito encontros, mas nas ressonâncias dessas horas
que passamos juntos ao longo do Doutorado até chegar aqui, quando escrevo as palavras
finais da Tese. Talvez o tema “desenvolvimento profissional” tenha mais relação com o meu
próprio desenvolvimento como psicóloga e pesquisadora do que imaginava. Por afirmar que
este é um processo contínuo, sei também que não finalizo este texto como a profissional que
serei para sempre, mas certa de que produzi saberes que merecem ser compartilhados e que
espero poder contribuir com outras pessoas que decidirem embarcar comigo nessa leitura.

Com carinho,

Fabiana
182

Como é desafiador finalizar uma Tese! Penso que não é possível realizar uma
Travessia Final, mas apenas delimitar o Final de uma Travessia, que, no fundo, tem
potencial para se desdobrar em outros caminhos que não necessariamente serão trilhados por
mim, mas talvez por outros pesquisadores que virão a desenvolver investigações posteriores
sobre esse tema.
Como forma de propor uma conclusão possível, além da carta, apresento, como
síntese das lições de pesquisa, os principais elementos que apontam limites e possibilidades e
que ajudam a responder ao objetivo principal: analisar o grupo colaborativo como fonte de
desenvolvimento para profissionais que trabalham com demandas educacionais.

• Considero que um dos principais inéditos trazidos por essa investigação é a


fundamentação na Teoria Histórico-Cultural para discutir a temática do
desenvolvimento profissional. Os conceitos não foram apenas pano de fundo, mas
ferramentas analíticas que ajudaram a apurar meu olhar sobre o material empírico. A
organização do material, guiada pelo Paradigma Indiciário e pelos Núcleos de
Significação contribuiu para um olhar atento e profundo sobre o grupo, em busca de
indícios e elaborações possíveis e a tríade situação social de desenvolvimento-drama-
perejivanie contribuiu para revelar a dialética social-individual no grupo, indicando
como as relações sociais foram a origem das mudanças no processo de
desenvolvimento das participantes.

• Nem toda relação social emerge como uma situação social de desenvolvimento, para
que possibilitar uma mudança é preciso partir de princípios e estratégias coerentes
com os objetivos da proposta e com uma concepção de ser humano que leve em conta
toda a complexidade do processo de ensino e de aprendizagem. Neste trabalho,
considerando o grupo como fonte de desenvolvimento profissional, a colaboração e as
interações entre as participantes foram princípios essenciais. A partir deles, as ações e
estratégias pautaram-se no diálogo e produção conjunta de conhecimentos; no
exercício de coordenar o grupo e ao mesmo tempo incluir as participantes como
corresponsáveis; no exercício de uma postura reflexiva ao longo dos encontros de
modo a não apresentar uma ementa pronta, mas construir a proposta ao longo do
curso.

• O processo de desenvolvimento profissional foi compreendido em termos do conceito


de drama: se em geral as colisões, embates e contradições em um grupo de formação
são considerados um impasse, nesta proposta o caráter dramático das interações foi
trazido na centralidade do processo. Os incômodos, as angústias, as dúvidas tiveram
espaço para serem discutidos no grupo e expressos também nos registros reflexivos
como forma de impulsionar o desenvolvimento profissional das participantes.
183

• O drama das interações também foi ferramenta de análise, oferecendo para mim
indícios importantes de quais situações foram mais desafiadoras e propulsoras de
mudanças. No decorrer da escrita, meu exercício foi enfatizar as crises (das
participantes e as minhas) e usá-las como forma de interpretar o material empírico,
deixando emergir as mudanças que aconteceram ao longo do processo, como por
exemplo a decisão em partilhar meu diário de bordo com as participantes. Aqui
ressalto, portanto, o pesquisador como sujeito inteiramente envolvido e vulnerável ao
processo de pesquisa e a importância de refletir sobre suas ações, para mudar o curso
da investigação, se necessário, e para fazer da produção de material empírico um
processo vivo de produção de conhecimento.

• O fato de propor a construção conjunta da proposta com as participantes, exercitando


uma escuta cuidadosa aos dilemas emergentes e ao processo não significou que
cheguei no grupo de mãos vazias. Ao mesmo tempo em que é primordial considerar
o manejo do grupo, por meio de ações que valorizem um posicionamento horizontal e
colaborativo a verticalidade na coordenação da proposta não pode ser excluída (SÁ-
CHAVES, 2012). A construção do conhecimento é um processo de mediação
simbólica (VIGOTSKI, 1934/2001) e o desenvolvimento profissional implica
necessariamente na formação de conceitos científicos, por meio da articulação de
conceitos teóricos consistentes e coerentes com as temáticas discutidas no coletivo.
No caso desta proposta formativa, cujo assunto central foi o trabalho com demandas
educacionais, as contribuições da Psicologia Escolar e Educacional Crítica foram
balizadoras de entendimentos e possibilidades de superação dos dilemas vivenciados
pelas participantes. Aqui ressalto, portanto, a centralidade do conhecimento científico,
crítico e historicamente situado e que, ao mesmo tempo, precisa de ações pedagógicas
sensíveis, respeitosas e humanas para ser aprendido.

• Os saberes produzidos durante os encontros sobre o trabalho com demandas


educacionais revelam a importância de que o enfrentamento dos problemas da prática
deve acontecer no coletivo e que a Psicologia ou qualquer outra área não consegue
por si só respostas para todas as questões – é fundamental propor espaços de
desenvolvimento profissional fundamentado em relações solidárias de diálogo e
colaboração. A partir de um convite para psicólogos, o surgimento de outros
profissionais interessados nesta temática sinaliza a necessidade de diálogo entre as
várias áreas de conhecimento. A Psicologia Escolar e Educacional perpassou nossas
conversas, guiando nossos entendimentos sobre o trabalho com demandas
educacionais, porém a diversidade do grupo aponta para a urgência de práticas
solidárias e multidisciplinares e essa peculiaridade sem dúvida nos ajudou a um olhar
mais amplo, generoso e compreensivo sobre os dilemas trazidos por cada uma.
184

• Pensar nas demandas educacionais exige um olhar amplo, crítico e contextualizado,


pois concepções lineares e simplistas acabam levando a posicionamentos fatalistas e
culpabilizantes, que enxergam ou uma ou outra dimensão dos problemas que
emergem, enquanto um olhar que parte de elementos histórico-culturais leva ao
enfrentamento dos problemas com vistas à transformação social (GUZZO, 2007).
Nesse sentido, assumo que o grupo foi uma experiência limitada diante da
complexidade das demandas emergentes nos contextos educativos e do esforço que
ainda é preciso para superá-las. Ainda assim, considero que conseguimos pensar em
algumas possibilidades para muitas questões e angústias levantadas inicialmente.
Porém, mais do que respostas, vejo que a experiência do grupo possibilitou
mobilizações, questionamentos e inquietações, sobretudo por romper com um modelo
de desenvolvimento profissional baseado na transmissão de conhecimentos, trazendo
à tona a centralidade na colaboração. Mais do que respostas prontas, o grupo
proporcionou o conhecimento sobre o processo, por meio de questionamentos e
experiências sensíveis a partir das interações sociais. Diferente de cursos tradicionais,
em que a formação se pauta prioritariamente no ensino técnico, por meio da
memorização e da transmissão de conteúdos, ter o grupo como fonte significou
valorizar a singularidade das pessoas, legitimando-os na construção da proposta.

• Por fim, por mais simples e recorrente que pareça afirmar que as relações
interpessoais são importantes e que as dimensões pessoais e profissionais são
indissociáveis, é preciso assumir que esses são princípios ainda longe de serem
incorporados no processo de formação profissional, seja na graduação ou em espaços
de formação continuada. A dimensão técnica ainda é priorizada e inserida nas ações
formativas desconsiderando a subjetividade, pessoalidade e afetividade. Por isso
defendo reiteradamente nesta Tese que desenvolver profissionalmente é se
desenvolver como pessoa. Defendo desenvolvimento profissional como uma
importante dimensão do processo de desenvolvimento humano, a partir de mudanças
qualitativas nas funções psicológicas, processo que acontece mediante a
internalização de interações sociais emocional e cognitivamente desafiadoras, que
incluem a formação de conceitos científicos, os vínculos afetivos e um processo
educacional sensível e humano, complexo e contínuo. Para além das mudanças
proporcionadas para as participantes deste grupo, espero que, a partir de propostas
como esta, as práticas educativas no campo do desenvolvimento profissional se
modifiquem. Espero que as lições aprendidas a partir dessa experiência singular possa
inspirar outras ações formativas para profissionais de várias áreas, para que outros eus
solitários encontrem solidariedade em espaços de colaboração, escuta e diálogo.
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http://nveresov.narod.ru/KIP.pdf> Acesso em 15 Set 2015.

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In: FLEER, Marilyn.; RIDWAY, Avis. (Orgs.) Visual methodologies and digital tools for
researching with Yong Children. Springer, 129-149, 2014.

___________. Duality of Categories or Dialectical Concepts? Integrative Psychological and


Behavioral Science, v. 50, 244-256, 2015. Disponível em: <DOI 10.1007/s12124-015-9327-
1> Acesso em: 10 Jan 2016.

VERESOV, Nikolai, FLEER, Marilyn. Perezhivanie as a theoretical concept for researching


Young children’s development, Mind, culture and activity, v. 23, 2016. Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.1080/10749039.2016.1186198> Acesso em: 10 Mar 2017.

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VICENTINI, Adriana Alves Fernandes. Narrativas autobiográficas de professores-


formadores na educação de jovens e adultos: lugares reinventados em comunhão. Tese
(Doutorado). Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.

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2, pp. 241-291). New York: Spriger Science+Business Media New York, 1997. (Escrito em
1931).
194

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VIGOTSKI, Lev Seminovich. Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001. (Escrito
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São Paulo: Martins Fontes, 2004. (Escrito em 1927)

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REFERÊNCIAS DAS EPÍGRAFES

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<http://memoriaipms.blogspot.com.br/2012/09/tempo-de-travessia-fernando-teixeira-
de.html>

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GALEANO, Eduardo. A função da arte 1. In: O livro dos abraços. Tradução Eric
Nepomuceno. 9. ed. Porto Alegre: L&PM, 2002.

__________. Para que serve a utopia. In: As palavras andantes. Tradução Eric Nepomuceno.
5. ed. Porto Alegre: L&PM, 2007.

MACHADO, Antonio [1875-1994], Poema Cantares. Retirado de:


<http://blogs.utopia.org.br/poesialatina/cantares-antonio-machado/>

NASCIMENTO, Milton; BRANT, Fernando. Travessia. Álbum: Travessia, 1967.

NÓVOA, ANTÓNIO. Cartas a um jovem investigador: Conferência de Abertura do XII


Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, 2014. Investigar em
Educação, IIª Série, n. 3, 2015.

QUINTANA, Mário [1906-1994], Poema O Mapa. Retirado de:


<http://www.jornaldepoesia.jor.br/quinta1.html>
195

APÊNDICES

Apêndice 1 – Referências dos trabalhos selecionados no levantamento bibliográfico em bases


internacionais77

AMADOR, Julie; WALLIN, Abraham; AMADOR, Paul. Professional Development of


Multi-experienced Educators through a book study: fostering mentoring relationships.
Mentoring and Tutoring: partnership in learning v. 23, n. 4, 273–292, 2016.

ARMOUR, Kathleen M.; YELLING, Martin. Effective Professional Development for


Physical Education Teachers: The Role of Informal, Collaborative Learning. Journal of
Teaching in Physical Education, v. 26, 177-200, 2007.

BARTLEET, Brydie-Leigh; HULTGREN, Ralph. Sharing the podium: exploring the process
of peer learning in professional conducting. British Journal of Music Education, v. 25, 193-
206, 2008.

BRADLEY, Stacy; DRAPEAU, Martin; DeSTEFANO, Jack. The Relationship Between


Continuing Education and Perceived Competence, Professional Support, and Professional
Value Among Clinical Psychologists. Journal of Continuing Education in The Health
Professions, 32(1):31–38, 2012.

DUNCAN-HOWELL, Jennifer. Teachers making connections: Online communities as a


source of professional learning. British Journal of Educational Technology, v. 41, n. 2, 324–
340, 2010.

ELFER, Peter Emotion in nursey work: work discussion as a model of critical professional
reflection. Early Years, v. 32, n. 2, 129-141, 2012.

ERNEST, Pauline et al. Online teacher development: collaborating in a virtual learning


environment. Computer Assisted Language Learning, v. 26, n.4, 311-333, 2013.

EUN, Barohny. A Vygotskyan theory-based professional development: implications for


culturally diverse classrooms. Professional Development in Education, v. 37, n. 3, 319-333,
2010.

EUN, Barohny. Making connections: grounding professional development in the


developmental theories of Vygotsky. The teacher Educator, v. 43, n. 1, 134-155, 2008.

GLEESON, Catherine. Education beyond competencies: a participative approach to


professional development. Medical Education, v. 44, 404-411, 2010.

GULDBERG, Karen. Adult learners and professional development: peer-to-peer learning in a


networked community. International Journal of Lifelong Education, v. 27, n. 1, 35-49, 2008.

77
Como a busca foi feita com o acesso às bases de dados da biblioteca da Monash University, alguns artigos
têm acesso livre e outros não, por isso não foram incluídas nas referências o link de acesso aos artigos, uma vez
que muitos deles requerem pagamento para download na íntegra.
196

HINDIN, Alisa; MOROCCO, Catherine Cobb; MOTT, Emily Arwen; AGUILAR, Cynthia
Mata. More than just a group: teacher collaboration and learning in the workplace. Teachers
and Teaching, v. 13, n. 4, 349-376, 2007.

HORN, Ilana Seidel; KANE, Britnie Delinger. Opportunitiesfor professional learning in


mathematics teacher workgroup conversations: relationships to instructional expertise.
Journal of the Learning Sciences, v. 24, n. 3, 373-419, 2015.

KILLEAVY, Maureen; MOLONEY, Anne. Reflection in a social space: Can blogging


support reflective practice for beginning teachers? Teaching and Teacher Education, v. 26
1070-1076, 2010.

KOPP, Birgitta; HASENBEIN, Melanie; MANDL, Heinz. Case-based learning in virtual


groups – collaborative problem solving activities and learning outcomes in a virtual
professional training course. Interactive Learning Environments, v. 22, n. 3, 351-372, 2014.

MASUDA, Avis; EBERSOLE, Michele. Beginning Teachers’ Study Groups: a place to


continue critical conversation about teaching writing. The New Educator, v. 8, n. 2, 160-172,
2012.

MEIRINK, Jacobiene A.; MEIJER, Pauliene C.; VERLOOP, Nico. A closer look at teachers’
individual learning in collaborative settings. Teachers and Teaching, v. 13, n. 2, 145-164,
2007.

ORLAND-BARAK, Lily. Convergent, divergent and parallel dialogues: knowledge


construction in professional conversations. Teachers and teaching, v. 12, n. 1, 13-31, 2007.

PHELAN, Anne M.; BARLOW, Constance A.; IVERSEN, Sharon. Occasioning learning in
the workplace: the case of interprofessional peer collaboration. Journal of Interprofessional
Care, v. 24, n. 4, 415-424, 2009.

SHABANI, Karim; KHATIB, Mohamad; EBADI, Saman. Vygotsky's Zone of Proximal


Development: Instructional Implications and Teachers' Professional Development. English
Language Teaching, v. 3, n. 4, 237-248, 2010.

WARFORD, Mark K. The zone of proximal teacher development. Teaching and Teacher
Education, v. 27, 252-258, 2011.
197

Apêndice 2 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Você está sendo convidado (a) a participar da pesquisa “Desenvolvimento profissional do


psicólogo escolar: contribuições da formação coletiva e da reflexividade”, realizada pela
psicóloga e estudante de Doutorado Fabiana Marques Barbosa Nasciutti, orientada pela
Profa. Dra. Ana Maria Falcão de Aragão, ambas da Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas. O objetivo dessa pesquisa é propor um grupo de formação para
psicólogos escolares na Faculdade de Educação da UNICAMP, a fim de identificar os
dilemas vivenciados na prática, buscando a superação destes no coletivo, por meio de um
trabalho pautado na reflexividade. Assim, nosso intuito é analisar as contribuições de um
trabalho coletivo baseado na reflexividade para o campo da formação de psicólogos
escolares.
Ao aceitar fazer parte desta pesquisa, você será convidado (a) a participar dos
encontros em grupo, composto por outros psicólogos escolares. Estes encontros ocorrerão na
Universidade Estadual de Campinas em dias, horários e locais a serem definidos. Os
encontros serão audiogravados e transcritos pela pesquisadora. Este e todos os dados
produzidos no decorrer do estudo serão utilizados apenas com fins relacionados à presente
pesquisa e sua identidade será sempre mantida em sigilo, sobretudo na divulgação ou
publicação dos resultados.
Sua participação nessa pesquisa é voluntária e você não receberá nenhuma
remuneração para isso. Além disso, você poderá desistir de participar a qualquer momento,
sem que isso lhe traga qualquer prejuízo. Esta pesquisa não apresenta riscos previsíveis à sua
saúde e você poderá entrar em contato com as pesquisadoras em qualquer situação
relacionada à sua participação ou quando julgar necessário.

Esclarecido e concordando com o que foi colocado:

Eu, _____________________________________________________________, aceito participar da pesquisa


“Desenvolvimento profissional do psicólogo escolar: contribuições da formação coletiva e da
reflexividade”.
Campinas, ____ de ________________ de 201__.

Assinatura: _________________________________

Pesquisadora: Fabiana Marques Barbosa Nasciutti

Pesquisadora: Profa.Dra.Ana Maria Falcão de Aragão

Endereço para contato com os pesquisadores:


Faculdade Educação da Universidade Estadual de Campinas - Rua Bertrand Russell, 801, Cidade Universitária
Zeferino Vaz, Campinas – SP, CEP: 13083-865. Tel: (19) 3521-6715.

Endereço do Comitê de Ética em Pesquisa:


Faculdade de Ciências Médicas (FCM)- Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)- Rua: Tessália Vieira de Camargo,
126- Distrito de Barão Geraldo- Campinas – SP, CEP: 13083-887. Telefone: (19) 3521-8936.
E-mail:cep@fcm.unicamp.br
198

Apêndice 3 – Folder de Divulgação do Curso


199

Apêndice 4 – Ficha de Inscrição


FICHA DE INSCRIÇÃO

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO E OS DILEMAS EM CONTEXTOS EDUCATIVOS: REFLEXÕES,
CRÍTICAS E POSSIBILIDADES COLETIVAS DE SUPERAÇÃO

Complete todos os campos com seus dados e salve o documento preenchido.

Envie esta ficha completa para o e-mail: grupopsicologiaeducacao2014@gmail.com

Nome completo:

Data de nascimento:

RG:

e-mail:

Telefone residencial:

Telefone celular:

Endereço

Rua: Número:

Complemento: Bairro:

CEP: Cidade:

Última formação

Curso:
Instituição:

Local de trabalho:
Cargo:
200

Apêndice 5 – Carta convite

Caro/a participante,
Você está inscrito/a no curso A atuação do psicólogo e os dilemas em contextos
educativos: reflexões, críticas e possibilidades coletivas de superação a ser oferecido pelo
Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Continuada – GEPEC da Unicamp.
Disponibilizamos abaixo algumas informações importantes sobre o curso, para que
você possa entender melhor nossa proposta, organizar seus horários e viabilizar sua presença.
Pedimos que após a leitura deste documento você envie um e-mail para
grupopsicologiaeducacao2014@gmail.com confirmando o interesse em frequentar o curso.
Esta medida se faz necessária para organizarmos a proposta de acordo com o número
de inscritos. Sendo assim, se você não tiver certeza ou por algum motivo não puder mais
estar conosco, pedimos que também manifeste sua desistência.

Datas dos encontros: 24/9; 01/10; 08/10; 15/10; 22/10; 29/10; 05/11; 12/11

Horário:
Das 18h às 20h00
Local:
Faculdade de Educação da UNICAMP
Sala ED-07 (Prédio Anexo)
Av. Bertrand Russell, 801
Cidade Universitária "Zeferino Vaz”

Coordenadoras do curso: Fabiana Marques Barbosa Nasciutti


Ana Maria Falcão de Aragão
Ementa do curso:
Diante dos embates, enfrentamentos e dificuldades que nós psicólogos/as vivienciamos em
contextos educativos, o curso será um espaço para estudo, reflexão e discussão sobre o
trabalho do psicólogo na Educação, em que poderemos debater coletivamente as
possibilidades de atuação em buscas por caminhos alternativos que possam nos ajudar, a
partir de um corpo de conhecimentos bem fundamentado, a alcançar os objetivos pretendidos.
Objetivos gerais:
• Identificar e compartilhar os dilemas vivenciados na prática, buscando a superação
destes no coletivo, por meio de um trabalho pautado na reflexividade;
• Fundamentar as discussões em referenciais teóricos que subsidiem e colaborem para
pensar em possibilidades nas atuações cotidianas;
• Refletir sobre o papel do psicólogo em contextos educativos.
Metodologia de trabalho:
A proposta é que o grupo participe do desenvolvimento dos encontros, decidindo
coletivamente temas e assuntos a serem debatidos e conduzindo as discussões por meio do
diálogo e de narrativas sobre vivências da prática profissional. Ao mesmo tempo, para
atender aos objetivos da proposta, algumas atividades serão sistematizadas, a fim de
facilitar as discussões dentro da temática pertinente. Para isso, utilizaremos recursos, tais
como: dinâmicas de grupo; elementos audiovisuais; propostas de leituras relacionadas aos
temas em debate, tanto acadêmicas quanto do campo da arte, por considerarmos que as
201

produções científicas são importantes para subsidiar a as discussões teóricas e a


compreensão da prática, ao mesmo tempo em que trabalhos ligados à arte também são
fundamentais para o desenvolvimento de um olhar sensível e complexo sobre as questões a
serem discutidas. Portanto, haverá necessidade de realização de leituras e preparação de
materiais para os encontros.
Forma de avaliação:
A avaliação será processual, envolvendo a realização das propostas e atividades
individuais e em grupo, bem como o registro narrativo dos encontros. É necessário mínimo
de 85% de presença relativa ao total de horas-aula para a emissão do certificado do curso.
Observações:
Os participantes são responsáveis pela aquisição dos materiais necessários para cada
encontro. As leituras, tanto sugeridas pelas coordenadoras quanto decididas pelo grupo, serão
imprescindíveis para o desenvolvimento satisfatório da proposta. Será emitido certificado aos
participantes que cumprirem as exigências avaliativas.
Como se trata de espaço de produção de conhecimento acadêmico, os registros dos
encontros poderão ser utilizados posteriormente pelas coordenadoras como material de
pesquisa e análise, desde que devidamente autorizado e documentado pelos participantes
envolvidos nas atividades.
Esperamos contar com sua presença e participação!

Abraços, Fabiana e Ana

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