FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CAMPINAS
2017
FABIANA MARQUES BARBOSA NASCIUTTI
CAMPINAS
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TESE DE DOUTORADO
COMISSÃO JULGADORA
Orientadora Profa. Drª. Ana Maria Falcão de Aragão
Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado
Profª Drª Luciana Haddad Ferreira
Profª Drª Maria Silvia Pinto de Moura Librandi da
Rocha
Profª Drª Silvia Maria Cintra da Silva
A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.
2017
À Luiza, Lícia, Alice, Abayomi, Valentina, Ana
Elisa, Peter, Tadeu, Isadora e Rosa por terem sido
companhias fundamentais nessa jornada.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Ana Aragão, por me acolher, por me olhar amorosamente, por cada
sábia palavra em momentos necessários, por me ensinar o valor do trabalho coletivo e da
fruição pessoal na dimensão profissional... Somos uma dupla!
Ao Professor Nikolai Veresov, gratidão imensa por ter me recebido e me ensinado tanto,
fortalecendo ainda mais minha escolha pela Teoria Histórico-Cultural.
Ao Professor Guilherme do Val Toledo Prado e aos colegas do GEPEC, com quem muito
aprendi nesse período.
À minha sempre orientadora Professora Silvia Maria Cintra da Silva, por estar presente
pessoal e profissionalmente com ternura e generosidade.
À Patrícia Infanger, por não ter medido esforços para me ajudar no meu primeiro ano de
viagens à Campinas, acolhendo-me em sua casa sempre que precisei.
À minha família, por me instigar a ir além. Em especial, aos meus pais Carlos e Ivanilce e
minha irmã Carolina, que dividem amorosamente comigo as alegrias e desafios da vida.
Ao apoio incondicional do meu companheiro Thiago, por acreditar em mim, por ir de mãos
dadas comigo aonde quer que seja – amo você até a Austrália, ida e volta.
Esta investigação teve o desenvolvimento profissional como tema e o principal objetivo foi
analisar o grupo colaborativo como fonte de desenvolvimento para profissionais que
trabalham com demandas educacionais. De setembro a novembro de 2014, foi oferecido um
Curso de Difusão Científica, vinculado à Extecamp (Escola de Extensão da Unicamp) para
profissionais diversos que lidavam com questões do campo educacional e que estivessem
interessados em discuti-las coletivamente. Ao todo tivemos seis psicólogas de diferentes
áreas de atuação – clínica particular, rede pública e privada de ensino, saúde, serviço social;
uma fonoaudióloga; uma professora da Educação Infantil; um professor da Educação Básica
e uma professora que atuava como coordenadora pedagógica e tinha também a formação em
Psicologia. Os encontros tiveram a colaboração e as interações entre as participantes como
princípios. As ações e estratégias pautaram-se no: a) diálogo e produção conjunta de
conhecimentos; b) exercício de coordenar o grupo e ao mesmo tempo incluir as participantes
como corresponsáveis; c) exercício de uma postura reflexiva ao longo dos encontros de modo
a não apresentar uma ementa pronta, mas construir a proposta ao longo do curso. Os Grupos
Colaborativos, bem como a Psicologia Escolar e Educacional Crítica subsidiaram o
desenvolvimento da investigação. Ademais, a Teoria Histórico-Cultural teve lugar central na
produção e análise do material empírico, oferecendo conceitos analíticos chave – situação
social de desenvolvimento, drama e perejivanie. A unidade dialética entre estes conceitos
revelou dimensões importantes, explicando como o grupo colaborativo foi fonte de
desenvolvimento profissional. O Paradigma Indiciário e os Núcleos de Significação
contribuíram para organizar o material empírico e encontrar indícios de análise, com a
criação de quatro Núcleos: i) A constituição de uma proposta colaborativa como um processo
que se dá a partir das interações sociais e que se apresenta repleto de crises e contradições; ii)
O manejo do grupo, como uma ação que exige tanto uma postura vertical quanto a
horizontalidade nas relações estabelecidas; iii) A construção de conhecimentos sobre o
trabalho com demandas educacionais, por meio de uma conscientização coletiva dos
problemas enfrentados, produzindo questionamentos e buscando subsídios teóricos de
enfrentamento; iv) A importância dos vínculos afetivos, indicando a indissociabilidade entre
a dimensão pessoal e profissional. Fundamentalmente esta pesquisa revelou que
desenvolvimento profissional diz respeito ao processo de desenvolvimento humano como um
todo, no qual as relações sociais têm lugar privilegiado, por meio da criação de condições de
desenvolvimento, em um processo permeado por contradições e crises. Por fim, a formação
colaborativa entre profissionais de diferentes áreas indicou a importância do desenvolvimento
de relações solidárias no trabalho com demandas educacionais.
This research had professional development as a subject and its main purpose was to analyze
the collaborative group as a source of development for professionals who work with
educational demands. From September to November, 2014 a professional development
program associated with Extecamp (Extension School of Unicamp, Brazil) was offered to
professionals from different areas, who deal with educational issues and who were interested
in discussing this topic collectively. Altogether, we had six psychologists from different work
fields: one early childhood teacher, one primary teacher, one speech therapist and one
educational counselor who also had a degree in Psychology. The meetings had the
collaboration and interactions between participants as core principles. Therefore, strategies
were based on: a) the dialogue and collaborative generation of knowledge; b) the exercise of
coordinating the group, including participants as co-responsible for the proposal; c) the
exercise of a reflexive attitude throughout the meetings, building the proposal along the
program. Collaborative Groups perspective, as well as a critical perspective in Educational
Psychology, underpinned the research development. Moreover, Cultural-Historical Theory
had the main contribution on data analysis, offering key analytical concepts – social situation
of development, drama and perezhivanie. The dialectical unit between those concepts
disclosed important dimensions, explaining how the collaborative group was a source of
professional development. The Inditiary Paradigm as well as the Core Meaning perspective
contributed to organize the research data and to find evidences of analysis, with the creation
of four categories: i) The constitution of a collaborative proposal as a process that arises from
social interactions and it is plenty of crises and contradictions; ii) The management of the
group, as an action that requires both a vertical and horizontal positioning; iii) The
construction of knowledge about the work with educational demands, through a collective
awareness of the problems faced, by questioning and searching for theoretical underpinning;
iv) The importance of affective bonds, indicating the inextricable
connection between personal and professional dimension. Essentially, this research indicates
that professional development is about human development as a whole, in which social
relations have a central place, by creating conditions of development, in a process filled with
contradictions and crises. Lastly, the collaboration between professionals from different areas
indicated the importance of solidary relationships to face educational demands.
4. Das estradas percorridas, dos destinos visitados: as análises da pesquisa ...................................................... 110
As placas indicavam o
contrário
A menina dobrou o mapa,
guardou a bússola, dispensou a
lógica,
a máxima, o sextante,
quebrou o molde,
rasgou o formulário,
seguiu adiante.
Preferiu se aventurar no
imaginário.
– Rotatória, Flora
Figueiredo2–
A escrita de uma Tese não é uma tarefa fácil. Ao mesmo tempo, dar forma aos
acontecimentos e entendimentos possibilitados pelo fazer de pesquisa é compromisso do
pesquisador, afinal pesquisa-se para, de alguma forma, contribuir com o desenvolvimento do
campo sobre o qual se analisa e isso, sem dúvida, exige a escrita como meio de comunicar o
que se fez, como se fez, por que se fez e quais as implicações do que se investiga, o que torna
a tarefa da escrita ainda mais inquietante: como comunicar tudo isso? De que forma? No livro
Para quem pesquisamos? Para quem escrevemos? O impasse dos intelectuais, Soares (2011)
nos convida a refletir sobre a seguinte questão: por que, em geral, a escrita é para o
pesquisador momento de sacrifício? A autora tece uma interessante analogia entre o autor-
pesquisador e o autor-artista: para o primeiro, o ato de escrever é uma obrigação. Escreve-se
para contar o que se aprendeu. Para o segundo, o ato da escrita é uma forma de se questionar
e de estar constantemente a aprender. Fico a pensar: para além do inegável e indispensável
desafio que a escrita de uma Tese apresenta, é possível inspirar-nos no ofício dos autores-
artistas para que esta seja uma tarefa que também traga leveza e deleite?
1
Em referência ao poema de Fernando Pessoa, faço um jogo com as palavras – navegar é necessário (preciso) e
também incerto (impreciso), assim como é também o ato de escrita.
2
As referências das epígrafes se encontram na página 194
12
de estar fora de casa, acabei percebendo que a cada semana de viagem voltava para casa
plena de novas e interessantes aprendizagens. Em agosto de 2015, embarquei para a
Austrália, em uma das viagens mais significativas da minha trajetória, para realizar um ano
de Doutorado Sanduíche na Monash University em Melbourne3, sob a orientação do
Professor Nikolai Veresov. Viajei acompanhada por meu marido que, também envolto pela
possibilidade que a viagem nos traz como experiência, decidiu se aventurar ao meu lado.
Mais que conhecimentos acadêmicos, o período na Austrália foi um marco em minha vida,
que tornou ainda mais nítida a escolha pela imagem poética do viajar para este trabalho.
Buscarei, por meio dos títulos e estilo de escrita, significados relacionados ao ato
de viajar que possam ajudar o leitor a acompanhar os caminhos que percorri. Considero,
portanto, que, para além de comunicar os saberes possibilitados por esta pesquisa, a escrita
deste texto será ela mesma um ato de aprendizagem, pois, à medida que eu escrever darei
sentido às experiências que tive e, assim, registrarei tanto as análises possíveis quanto – e
indissociavelmente relacionado a elas – as repercussões e transformações que esta
investigação provocou em mim. É preciso lembrar que quem vai para o campo de pesquisa
munido de certezas acaba por minar o processo investigativo, pois quem sabe a resposta de
antemão já não precisa de perguntas e muito menos de uma investigação para respondê-las:
“Hoje sabemos que a dúvida, a incerteza, a insegurança, a consciência de nosso ainda não
saber é que nos convida a investigar e, investigando, podemos aprender algo que antes não
sabíamos” (GARCIA, 2011, p. 20). O que eu não sabia e pude aprender com a Tese?
Identifico-me com esse lugar de incertezas e dúvidas. Penso que ocupá-lo foi fundamental
para a produção do material desta pesquisa, pois me colocou em constante movimento e em
busca de novos saberes e fazeres que pudessem me ajudar a desenvolver a investigação.
Saber da importância dos questionamentos para idealização e desenvolvimento de
uma pesquisa convida a outra postura: encontrar uma escrita que seja igualmente inquieta e
que possa, de algum modo, fugir dos padrões por vezes excessivamente formais e que não
raro apresentam-se como uma mera repetição de palavras já ditas por outros, deixando à
margem das citações e das normas as considerações do próprio autor. Ainda assim, partindo
do princípio de que somos seres constituídos nas e pelas relações sociais, precisamos das
ideias e dos escritos de pensadores que antecedem nossos textos e pesquisas. Como
justificam Prado e Soligo (2005, p. 49) ao se referirem aos autores nos quais se basearam
3
Aqui reforço meus agradecimentos à CAPES, pelo auxílio financeiro por meio do Programa de Doutorado
Sanduíche no Exterior (PDSE). Agradeço também à Monash University por ter me recebido como aluna
visitante.
14
para escrever, “(...) achamos por bem abusar das citações, que são a forma mais honesta de
dar o devido valor aos que disseram o que gostaríamos de ter dito de um modo melhor do que
poderíamos no momento”. Também eu “abusarei” de citações, não apenas por uma
convenção acadêmica, mas por reconhecer a necessidade de diversas vozes para que nelas eu
possa constituir a minha própria. Por isso, a partir da contribuição de outros, tentarei me
apropriar de uma escrita que possa trazer quem eu sou.
Quando comecei a escrever o projeto de pesquisa, em meados de 2014, minha
orientadora e eu esboçamos alguns tópicos teóricos que seriam interessantes para produzir o
projeto. Dentre eles, muitos temas que já havia discutido na Dissertação de Mestrado
(BARBOSA, F. 2013) e em outras produções. Por alguns instantes fiquei tentada a retomar
esses escritos e partir deles para a escrita do projeto, mas percebi que esta não seria uma boa
escolha. Senti que deveria me arriscar a um outro modo de escrever e de me expressar, para
não correr o risco de simplesmente repetir o que já disse, não encontrando novas reflexões.
Nessa ocasião, escrevi um pequeno texto em meu diário de anotações pessoais4:
4
No decorrer do trabalho, referir-me-ei a dois tipos de diários: a) Diário de anotações pessoais: compilado de
narrativas que produzo de acordo com experiências marcantes do meu cotidiano, relacionadas ou não às
atividades profissionais; b) Diário de bordo: registros, impressões e reflexões pessoais escritas durante a
produção do material empírico da pesquisa e que me permitiram ter dimensão das dúvidas, dificuldades e
potencialidades que permeiam o processo da pesquisa (BOSI, 2003). As citações dessas fontes serão destacadas
em itálico.
15
5
Escolho usar o termo no gênero feminino, em respeito à maioria de mulheres participantes do grupo.
6
O termo “material empírico” foi uma sugestão da Profª Drª Maria Silvia Pinto de Moura Librandi da Rocha, da
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, durante a defesa de mestrado de Raul Cabral França (2017).
Comumente os pesquisadores usam o termo “dados de pesquisa”, que remete a algo já existente, que apenas
vamos a campo para obter, enquanto “material empírico” refere-se a algo que foi produzido naquele campo.
16
Porque, às vezes, nos livros, ou nos filmes ou, até mesmo, na paisagem, há
tantos bordões que nada está aberto. Nenhuma possibilidade de experiência.
Tudo aparece de tal modo que está despojado de mistério, despojado de
realidade, despojado de vida. No entanto, há às vezes em que um livro, ou
um filme, ou uma música nos faz olhar pela janela e, aí, na paisagem, tudo
parece novo; ou nos faz pensar em alguém e, de repente, sentimos mais
nitidamente sua presença; ou simplesmente faz nos determos um momento e
nos sentimos, a nós mesmos, de uma forma particularmente intensa.
(LARROSA, 2000, p. 49)
7
O Seminário do GEPEC é uma atividade da pós-graduação, na qual os professores do grupo e seus respectivos
orientandos se reúnem quinzenalmente para discutir aspectos diversos dos trabalhos em andamento.
17
8
O verbo em inglês utilizado aqui é to disclose, que em meu entendimento vai além da tradução aproximada de
“revelar”, seria abrir algo, para deixar sair o que está dentro. Assim também o fazemos com o material empírico,
usamos os conceitos como ferramentas para abri-los.
18
grupo, mas as interações sociais que se constituíram por meio dos encontros e das atividades
propostas.
Os primeiros textos que discuti em supervisão com o Professor Nikolai foram um
artigo e um capítulo de livro9 de sua autoria que oferecem um panorama geral sobre os
principais fundamentos da THC. A partir deles, percebi que o processo de desenvolvimento
humano é muito amplo e que, por isso, em uma investigação há que se escolher quais
aspectos desse processo queremos estudar e quais conceitos nos ajudam a analisar o material
de pesquisa. Como a intenção foi compreender o papel do grupo no desenvolvimento
individual das participantes, a tarefa central consistiu em analisar o processo de
internalização das relações sociais, como força que move o processo de desenvolvimento
considerando que não são quaisquer relações sociais e quaisquer condições de mediação que
resultam em aprendizagem e desenvolvimento, mas apenas aquelas interações desafiadoras e
intensas.
Os aspectos bem como os conceitos referentes a eles e a articulação com as
análises serão explorados ao longo da Tese, o mais importante para este momento é partir
dessa elaboração inicial para delinear os objetivos de pesquisa:
9
Veresov (2010; 2014).
19
minha intenção era, portanto, olhar para as singularidades deste processo, para encontrar
indícios de mudanças por meio da proposta realizada.
Retomando a pergunta do título do livro Para quem pesquisamos? Para quem
escrevemos? de Soares (2011): pesquiso e escrevo esta Tese para todos os profissionais que
lidam em suas práticas cotidianas com questões educacionais diversas, a partir das
interlocuções entre Psicologia e Educação e que queriam conhecer possibilidades de
desenvolvimento profissional a partir de uma proposta colaborativa. Pesquiso e escrevo
também sobre esse tema pelo encantamento que me provoca há tanto tempo, a partir do início
da minha graduação em Psicologia, que me apresentou um amplo horizonte de espaços em
que o psicólogo poderia atuar, dentre eles, a escola. Essa história merece lugar especial no
texto, por isso, considerando que as dimensões profissional e pessoal são indissociáveis
(ARAGÃO, 2010), apresento a seguir meu Memorial de Formação, destacando bagagens que
levo comigo e que compõem quem sou e como a pesquisa se constitui em mim.
20
A produção do Memorial de Formação talvez seja uma das etapas mais delicadas
da pesquisa. Pensar sobre si, rememorar a própria trajetória, olhar para os caminhos
construídos e compreender, a partir deles, os lugares ocupados no momento presente. Um
exercício cronológico? Não. O movimento que rege a teia dos acontecimentos rompe com a
mera descrição dos fatos. O Memorial de Formação deve identificar acontecimentos
considerados importantes para o pesquisador, analisando o contexto que constitui as
memórias individuais, os sentimentos e pensamentos suscitados a partir do que se narra
(PRADO & SOLIGO, 2005), destacando inclusive as tensões e contradições que emergem ao
analisarmos os fatos passados (SOARES, 2001). É um tempo outro, guiado pela fluidez das
lembranças, que busca elementos findos que possam, no presente, evidenciar contradições,
produzir questionamentos e dar sentido ao que se viveu e ao que se é.
Em meio a essa tarefa, por várias vezes me coloquei à frente do computador para
tentar rememorar as histórias que gostaria de registrar e acabei não conseguindo.
Curiosamente, aos poucos e eventualmente em situações de descanso ou mesmo nas horas em
silêncio durante as viagens para Campinas, lapsos e episódios da minha história foram
surgindo e as palavras para compor essa narrativa foram tomando forma. No segundo
21
10
Em apresentação no Concurso para Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas.
11
Uma discussão mais elaborada sobre os conceitos de L. S. Vigotski será realizada no capítulo teórico. Por ora,
considero importante apenas definir o entendimento de memória a partir dessa perspectiva para a composição do
Memorial de Formação.
22
cultural mais amplo. Vigotski12 (1925/2001) considera a dimensão individual e a social como
uma unidade dialética, de modo que o social está presente mesmo quando tomamos um
sujeito apenas. Interações sociais emocional e cognitivamente intensas, que provocam
tensões e questionamentos, impulsionam o desenvolvimento de funções psíquicas
individuais, dentre elas a memória (VERESOV, 2015).
Há uma relação dialética entre a memória coletiva e a memória individual
(POLLAK, 1989/3). Por isso, um memorial formativo não é uma compilação de fatos, mas
uma interpretação, na qual seleciono fatos do passado em função de seus efeitos no presente,
buscando indícios das condições concretas e ideológicas que constituíram os acontecimentos
que relato: o que eu pensava naquela época? Por que pensava assim? Qual era o contexto
social? Quais mudanças enxergo? Que implicações isso tem hoje? Não é simplesmente
buscar conhecer o que se passou, mas pensar o que se passou, elevar a experiência a uma
compreensão mais complexa sobre ela mesma (SOARES, 2001).
Recordar as vivências idas... Que fios tecem a memória? Longe de serem fios
empoeirados e gastos pelo tempo, essa tessitura é viva, pois lembrar as experiências é um
processo que acontece no presente, conduzindo a difícil e bonita tarefa de compreender as
escolhas e trilhar caminhos futuros. Difícil e bonita? Sim. Ao olhar para o que passou me dou
conta das dores, dos desencontros, das perdas. E também percebo o belo que encontrei e que
construí na trajetória rememorada.
A imagem apresentada neste tópico ilustra um viajante partindo com suas
bagagens para outros destinos, com sua sombra ligada às origens e caminhos trilhados. Na
epígrafe, Nóvoa (2014) pontua que precisamos partir em viagem para nos conhecer,
desbravar novos caminhos, vivenciar as tensões e colisões de cada escolha para encontrar
aquilo que nos define. Trago aqui a metáfora da Travessia para compor as memórias
apresentadas. Por definição13, travessia é o “ato ou efeito de atravessar uma região, um
continente, um mar” ou ainda “longo trecho de caminho desabitado”. Em uma definição
poética, apresento um trecho da música Travessia, de Milton Nascimento e Fernando Brant:
12
Existem diversas grafias para o nome do autor: Vigotski, Vygotky, Vigotskii, dentre outras (PRESTES,
2010), escolho padronizar no texto a grafia “Vigotski”, que mais se aproxima da língua portuguesa, ainda
quando a citação decorre de textos em inglês, cujo padrão é “Vygotsky”.
13
Dicionário Michaelis Online – http://michaelis.uol.com.br
23
14
A palavra drama é usada, aqui, em referência ao conceito vigotskiano, a ser desenvolvido no capítulo teórico,
segundo o qual somente aquelas interações sociais ‘dramáticas’ – emocionalmente intensas, nas quais o
indivíduo tem uma participação ativa – são internalizadas e levam a uma mudança psíquica (VERESOV, 2015).
24
tão bonita e culturalmente rica como Melbourne se mesclava com a dificuldade em lidar com
questões simples do cotidiano, como pedir uma informação (e entender a resposta), encontrar
um item no supermercado sem saber ao certo se era aquilo mesmo que estávamos
procurando, entender do início ao fim uma reunião de trabalho ou uma discussão teórica na
faculdade e, no caso de dúvidas (e eram muitas), ter coragem de perguntar sem antes se
questionar muitas vezes sobre como expressar o pensamento em um outro idioma, ao ponto
de por vezes desistir e torcer para que um outro colega fizesse a pergunta.
Ao retomar algumas anotações pessoais feitas no período, percebo que, junto com
a sensação de me sentir estrangeira e das crises decorrentes dessa vivência encontrei também
pessoas que se solidarizaram e me acolheram, em interações que me fizeram perceber que os
relacionamentos humanos podem ser significativos mesmo em um contexto de grandes
diferenças culturais.
Aqui destaco o fato de a Austrália ser, em geral, um país aberto a diferentes
nacionalidades, Melbourne, em especial, é uma cidade cosmopolita, de modo que andando
nas ruas e principalmente no espaço da universidade encontrava pessoas falando diversos
idiomas, usando trajes típicos de seus países de origem, com feições e costumes vários.
Apesar de ser estrangeira, eu não estava só, senti-me identificada e acolhida por colegas na
mesma condição. Em minha primeira orientação com o Professor Nikolai, fui recebida com
um abraço e em seguida ele disse: “As Brazilians do” (Como fazem os brasileiros), em um
gesto de gentileza e acolhida à minha cultura, que jamais esquecerei. Ao começarmos nossa
primeira supervisão, desculpei-me pela dificuldade em colocar minhas ideias em inglês e ele,
de origem russa, tendo também o inglês como segundo idioma, disse me compreender quanto
a isso. Além dos australianos, tive colegas da Nova Zelândia, Bangladesh, Paquistão,
Indonésia, Brunei, Coréia do Sul, Vietnã, China, Japão, Arábia Saudita, México. Vejamos o
que meu relato pessoal revela sobre algumas lições aprendidas por meio dessa vivência:
15
Apresento a fala do Professor Nikolai traduzida para o português, a partir das minhas anotações pessoais.
27
Ao reler meu diário de anotações pessoais, consigo perceber uma pessoa inquieta,
que expõe momentos de crise, que se questiona sobre o porquê ter escolhido ser psicóloga, ter
escolhido a carreira acadêmica no campo educacional, ter escolhido a THC... precisei me
deslocar para tão longe para encontrar indícios de resposta para essas questões – Escolhi esse
caminho e não outro porque eu sou (me tornei) isso: drama, intensidade, profundidade... vivo
em um constante repensar sobre mim mesma e sobre minha relação com o mundo que me
cerca. Defendo o drama como princípio explicativo do desenvolvimento humano por ter a
audácia de abrir as portas de cada vivência para crises, angústias, sensibilidade, reflexões.
Quem sou? Sou/estou a me formar psicóloga/pesquisadora/docente no campo do
desenvolvimento humano. Estudo os processos de desenvolvimento em uma perspectiva
histórico-cultural. Nesta Tese, investigo o processo de desenvolvimento profissional de
pessoas que trabalham com demandas educacionais analisando o grupo como fonte de
desenvolvimento. No penúltimo encontro de trabalho com Professor Nikolai, discutimos os
encaminhamentos finais de um artigo que escrevemos juntos, em parceria com minha
orientadora, com as análises parciais da minha Tese16. O Professor disse que meu trabalho é
interessante por considerar o desenvolvimento profissional não como apenas o processo de
desenvolver habilidades e conhecimentos profissionais, mas como um processo de
desenvolvimento humano, envolvendo a dimensão pessoal, uma vez que as atividades
propostas no grupo possibilitaram às participantes expressarem seus entendimentos sobre o
que vivenciaram. Disse a ele que tenho noção de que o grupo que desenvolvi foi apenas um
momento na vida daquelas pessoas, provavelmente não o mais importante e que minha Tese é
uma humilde contribuição nesse campo. Ele então me respondeu:
16
O artigo foi publicado em 2016, pela revista Outlines: critical practice studies. Acesso pelo link:
http://ojs.statsbiblioteket.dk/index.php/outlines/article/view/24207
28
Se não há uma semente, não haverá uma árvore. Se você olhar para você e
para mim, nós todos fomos uma pequena célula um dia. Uma pequena
célula. E agora é você, sou eu. Tudo começa de coisas muito pequenas e
simples. Mas que desenvolvem e dão resultados. Lembre-se do primeiro
passo que deu quando era criança, foi um passo muito pequeno e humilde e
você caiu, mas agora você anda usando suas próprias pernas e isso
começou com um esforço pequeno para dar um passo e ficar de pé e você
conseguiu. Tudo vai se desenvolver e então você fará mais e mais. É um
começo, mas é um começo muito bom, no futuro, você verá.
(Prof. Nikolai Veresov, 16/06/2016)
Olhar para essas memórias recentes me faz perceber uma travessia em pleno
curso, que me levará por ora a concluir uma das jornadas mais importantes do meu percurso
profissional – tornar-me Doutora em Educação, que nada será do que mais um passo diante
de tantos que darei daqui em diante. Com um pouco mais de clareza sobre o presente,
pergunto: e os passos anteriores a esse que me fizeram chegar até aqui?
Durante o período na Austrália, tive o privilégio de conhecer a cidade de Sydney,
um dos cartões postais mais famosos do mundo. Ao visitar o museu de arte contemporânea
da cidade, uma obra me chamou atenção: Suitcase Museum (2015) da artista indiana
Dayanita Singh:
17
Dayanita Singh [1961] - Nova Deli, Índia
29
estantes da nossa casa, especialmente uma coleção de enciclopédias, que meu pai conta com
todo orgulho ter comprado pouco antes de eu nascer e que, como uma espécie de brincadeira,
eu gostava de folhear cuidadosamente, deixando-me encantar pelas imagens e palavras tão
novas, em uma época ainda distante das pesquisas na internet. Lembro-me de tentar, certa
vez, construir uma câmera fotográfica com uma caixa de papelão, ao ler sobre os primeiros
registros de imagens feitos no experimento da câmara escura.
Minha mãe relata que quando mudamos de Belo Horizonte para Araguari, um dos
meus primeiros pedidos que fiz foi para que ela me colocasse na escola, eu tinha três anos de
idade na época. Recordo-me da escola onde estudei quase todo o Ensino Fundamental (das
antigas 1ª à 7ª série) como um espaço de prazer. Era um colégio particular, na modalidade de
“cooperativa de ensino”, na qual os próprios pais tinham cargos administrativos na escola e,
portanto, uma participação ativa na construção daquele espaço. Havia aulas diferentes do que
podia ser encontrado em outros colégios particulares da cidade: um laboratório de ciências
com aulas práticas e direito a usar o microscópio, aulas de teatro e de xadrez, que eram as
minhas favoritas. Lembro que também tínhamos atividades extracurriculares peculiares,
como por exemplo, a escolha de representantes de turma, por meio de eleições – tínhamos até
mesmo que montar partidos, fazer campanha e discurso – fui eleita representante de turma da
quarta série.
Recordo de uma frase comum usada por professores para me definir: “a Fabiana é
uma menina estudiosa” e me recordo que nem sempre isso era visto como um elogio por
parte dos meus colegas, que muitas vezes usavam critérios ligados a estereótipos de gênero
para formação dos grupos de amizade – para os meninos, o legal era transgredir as regras e
não gostar de fazer tarefas e para as meninas, era ser vaidosa e usar roupas de marca –
lembrando que esse era um colégio considerado de classe alta na cidade. Muitas vezes não
me via em nenhum desses grupos e era vista como “certinha” demais, além de destoar da
condição socioeconômica dos demais, o que me causava sofrimento e um sentimento de
exclusão. Hoje, percebo que esses conflitos não foram vistos ou acolhidos no contexto da
própria escola. Havia o esforço por oferecer um ensino prazeroso em termos de conteúdo,
mas as relações interpessoais nem sempre eram tratadas como parte do processo de
escolarização.
Ao pensar sobre meus anos iniciais na escola com o olhar que tenho hoje, percebo
o quanto esse espaço é marcante na minha subjetividade – apesar dos conflitos que marcaram
esse período, hoje me orgulho ao me perceber, desde aquela época, sedenta pelo
conhecimento. Captar o mundo, conhecer o que me cercava, não de um modo meramente
31
contemplativo, mas implicado, que olha atentamente, que busca, que explora. Menina
inquieta e atenta. Uma pesquisadora iniciante? Bom, se havia ou não indícios esse desejo ali,
não sei, mas entendo que ao me divertir no universo de brincadeiras que inventava e ao me
deleitar com o que aprendi na escola, entendi também que não seria nada fácil ver além das
estrelas e das pedras preciosas, tampouco construir uma câmera fotográfica. E essa, sem
dúvida, é uma grande lição atrelada ao meu fazer como psicóloga/pesquisadora hoje, quando
volto meu olhar curioso de menina crescida para compreender os processos de
desenvolvimento humano.
E onde surgiu a Psicologia na minha história? Quando penso sobre minha escolha
profissional, não me vem aquele velho clichê que começa com: “Desde pequena...”. Pelo
contrário, quando criança pouco sabia eu sobre a existência de psicólogos mundo afora. O
desejo pelo curso aconteceu por volta do segundo ano do Ensino Médio. A escola privada
onde estudei nesse período oferecia espaços tomados quase por completo pelo discurso
imperioso de aprovação no vestibular em uma universidade pública. Recordo que a vontade
de estar em uma universidade pública e também a grande expectativa de que ‘a Fabiana,
sempre tão boa aluna’ fosse aprovada eram mais sedutores naquele momento do que uma
profunda reflexão sobre o que é uma escolha profissional. Nessa época havia o vestibular
seriado, que era realizado em três etapas a começar no primeiro ano do Ensino Médio.
Recordo-me da primeira etapa da prova que fiz, ao final do primeiro colegial e no quanto
estava nervosa e apreensiva. Mais importante do que conhecer quem éramos e o que
queríamos como profissão, era a pontuação do vestibular, para provar nossa inteligência e
vangloriar a fama de aprovação do colégio. Hoje vejo com um olhar crítico a forma como
minha formação foi conduzida nesse momento. Como ainda é comum, também naquela
época éramos treinados para fazer uma prova e não havia uma preocupação efetiva com o
desenvolvimento dos alunos em uma perspectiva integral e reflexiva.
Ao olhar hoje para a Fabiana tão menina daquele tempo fico a pensar: sabia ela
que implicações tinham essa escolha? Tinha ela clareza dos desejos, dúvidas,
questionamentos que impulsionaram essa decisão? Em meio à ingenuidade e meninice
daquela época, aliada aos poucos espaços de reflexão na escola para além do slogan
‘aprovados’, há algo de que me lembro com clareza: a possibilidade de aprender sobre o ser
32
humano, sobre relações, afetos, vínculos me causou um fascínio inexplicável, quando cogitei
pela primeira vez cursar Psicologia na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A
Psicologia me tomou lá pelos tempos da adolescência, sem questionamentos muito
complexos, sem saber bem por onde eu me enveredaria ao dar esse passo... E poderia ser
diferente? Que escolhas não trazem a misteriosa cortina entre o tempo presente e os desafios
que virão?
Em meio a estas perguntas, retomo aqui a menina Fabiana tão curiosa e instigada
a conhecer sempre mais. Do encantamento pela natureza (registro que encontrei inclusive em
um texto meu quando criança, em que escrevi que eu gostaria de ser uma ‘ecologista’ quando
crescesse), meus interesses aos poucos se voltaram para a área de Humanas – talvez por
sempre preferir as letras aos números e conseguir/gostar de me expressar por elas em cartas,
produções de textos, diários... Talvez o fascínio pela literatura, talvez por tanto me identificar
com as matérias de História, Filosofia, Sociologia, Arte e começar a pensar que esses
conteúdos, do modo como eram ensinados na escola, me ajudavam a analisar o mundo de um
jeito melhor do que a Matemática e a Física. Talvez por começar a perceber algo diferente no
meu pai: crises que vinham de tempos em tempos, trazendo sofrimento a ele e a nossa
família. Apesar de estes episódios acontecerem desde minha infância, foi no momento da
adolescência que comecei a percebê-los com mais clareza e foi também nessa época também
que suspeitamos de algum problema de ordem psicológica: ‘Transtorno Bipolar’ – esse foi o
nome que ouvi para o que o meu pai vivenciava, mas que havia tratamento e uma vida que
segue. Ainda assim, havia tantas dúvidas sobre essa questão... Que condição seria essa?
Como as pessoas ‘funcionam’? Que mundo curioso seria esse que nos constitui como gente?
Narro essa parte da minha história com coragem, pois não é fácil encará-la. De algum modo,
hoje, me sinto fortalecida para contá-la e reconhecer que a condição do meu pai também me
inspirou a buscar na Psicologia a compreensão sobre o ser humano, sobre as relações, sobre
as dores e as delícias de ser gente. E o que seria da trajetória de formação profissional se não
fosse a dimensão pessoal que a constitui? Somos sujeitos inteiros...
infinidade de jeitos de pensar o ser humano e de atuar em Psicologia. O psicólogo não precisa
trabalhar somente no consultório diagnosticando psicopatologias? Quantas linhas teóricas!
Quantos lugares o psicólogo pode ocupar!
Essa reflexão foi possibilitada logo no início do curso por um espaço de
acolhimento aos calouros, proposto pela Professora Silvia Maria Cintra da Silva, pessoa
querida e fundamental no meu processo de formação, que se tornaria alguns anos depois,
minha orientadora de Mestrado. Este projeto consistia na realização de um grupo para os
alunos do 1º período, no qual, a partir do diálogo com arte, discutiríamos questões relativas
ao ingresso no curso de Psicologia, principalmente quanto às possibilidades deste campo
como ciência e profissão. Foi por meio deste projeto que aprendi, pela primeira vez, que o
psicólogo não trabalha somente envolto por quatro paredes e um divã. Aprendi que este
profissional também trabalha nas instituições e, surpreendentemente, na escola. De modo
especial, foi por meio do olhar acolhedor, sensível e crítico da Silvia e dos estagiários dela –
que conduziam o projeto com a nossa turma – que conheci pela primeira vez algumas
importantes possibilidades da Psicologia, em especial, no campo da Educação. Olhar
acolhedor, pois me lembro de este ser um espaço que ajudou muito no meu processo de
identificação com o curso, instigando-me a seguir na jornada que me aguardava. Olhar
sensível, pois todos os encontros eram banhados por arte – filmes, músicas, artes visuais –
apostando que tais elementos são fundamentais para mediar a compreensão sobre o humano.
Olhar crítico, pois recordo que me encantei com a desconstrução da ideia de um ser humano
puramente guiado pela dimensão biológica e com as discussões pautadas a partir do contexto
social, histórico, cultural em que este se insere. Apesar de ainda não entender muito bem esse
posicionamento naquele momento, com ele me identifiquei.
As disciplinas relacionadas à Educação foram momentos marcantes na minha
formação, uma vez que traziam questões relacionadas aos processos de ensino e de
aprendizagem coerentes com esta concepção social de ser humano, que citei há pouco. Por
que há alunos que não aprendem ler e escrever? O que está envolvido nas dificuldades
relacionadas ao aprender? O que acontece no processo de ensinar e de aprender para além dos
estereótipos preconceituosos, tais como: “a culpa é do aluno!”, “a culpa é da família!”, “é um
problema neurológico!”? Como aprendemos? Como nos desenvolvemos? Como o psicólogo
pode atuar junto a estas questões? Sem dúvida, a mediação e a formação das docentes
responsáveis por essas disciplinas contribuíram sobremaneira para que eu me encantasse com
essas questões. A Professora Silvia Maria, que já mencionei e a Professora Lúcia Helena
Ferreira Mendonça Costa, cada qual responsável por uma disciplina da área, desenvolveram
34
conosco trabalhos que envolviam o contato direto com o contexto educativo, nos
supervisionando no desenvolvimento de projetos em escolas e outras instituições, como parte
das atividades da disciplina. Essas experiências, aliadas às consistentes leituras de textos
relacionados ao tema, que articulavam questionamentos sobre as condições da Educação
brasileira, conquistaram-me para continuar estudando e aprendendo mais sobre as
possibilidades de trabalho do psicólogo na Educação. A lição mais preciosa deste primeiro
momento e que levo até hoje no meu jeito de enxergar o mundo é que há sempre vários atores
e elementos na configuração de uma condição humana, seja ela qual for. É preciso questionar
concepções reducionistas, instauradas nos diagnósticos psicológicos fechados, atribuídos sem
uma reflexão crítica e cuidadosa acerca do sujeito que o recebe. É preciso remar contra a
maré da patologização dos processos de aprendizagem e da vida humana como um todo,
questionando sempre: que sujeito há por trás dos rótulos?
No quinto período, comecei a participar de um grupo de pesquisa
interinstitucional, denominado A atuação do psicólogo na rede pública de educação frente à
demanda escolar: concepções, práticas e inovações18. Este estudo teve como objetivo
analisar concepções e práticas desenvolvidas por psicólogos da rede pública de Educação em
relação às queixas procedentes do sistema educacional, para compreender em que medida os
profissionais apresentariam elementos inovadores e pertinentes às recentes discussões na área
de Psicologia Escolar e Educacional. Ao conhecermos o cotidiano de profissionais alocados
em Secretarias de Educação do estado de Minas Gerais, identificamos psicólogas e
psicólogos que lidavam diariamente com grandes dificuldades em suas práticas, denunciando
a desvalorização do trabalho de Psicologia, a falta de recursos, além do desafio de abarcar
elementos teóricos em suas ações ou, em muitos casos, o desconhecimento quase total dos
avanços recentes da área (SOUZA, SILVA & YAMAMOTO, 2014). Diante destes
elementos, o grupo de pesquisa começou a se perguntar sobre a formação destes psicólogos:
como tem sido proposta? Como os fundamentos teóricos têm sido apropriados pelos
profissionais em formação?
Estes questionamentos sobre a formação do psicólogo escolar deram origem a
outra pesquisa neste mesmo formato, da qual participei já como profissional colaboradora,
denominada: A formação do psicólogo escolar e as Diretrizes Curriculares em Psicologia:
18
A pesquisa abrangeu sete estados brasileiros. No âmbito nacional, foi coordenada pela Profª Drª Marilene
Proença Rebello de Souza, da Universidade de São Paulo. Em Minas Gerais, foi financiada pela FAPEMIG
(Fundação de Apoio à Pesquisa de Minas Gerais) e coordenada pela Profª Drª Silvia Maria Cintra da Silva, da
Universidade Federal de Uberlândia.
35
concepções teóricas, bases metodológicas e atuação profissional19, que teve como principal
objetivo analisar a formação em Psicologia, tendo como base as Novas Diretrizes
Curriculares para os cursos de graduação, buscando entender mais especificamente como os
cursos têm formado seus alunos para atuar junto aos processos educativos.
A participação na primeira investigação, ainda durante a graduação, apresentou-
me ao universo da pesquisa. ‘Mas não seria necessário um laboratório, com tubos de ensaio e
outros materiais mirabolantes para ser pesquisador?’. Para minha surpresa, não. A pesquisa
em ciências humanas podia ser tecida de outro jeito, por meio da inserção nos espaços
cotidianos, a partir de um olhar para as relações interpessoais, da análise minuciosa e sempre
atenta ao contexto.
Inspirada pelas vivências como pesquisadora iniciante e com imenso desejo de
mergulhar na carreira acadêmica, iniciei o Mestrado em Psicologia, em 2011, na
Universidade Federal de Uberlândia, orientada pela Professora Silvia Maria. Como recém-
formada em Psicologia e imersa no campo da Psicologia Escolar e Educacional, queria
aprofundar meus conhecimentos nessa área. A história da Psicologia Escolar e Educacional,
especialmente no contexto brasileiro é marcada pela luta contra práticas individualizantes e
descontextualizadas, tais como a mera aplicação dos testes de inteligência e a atribuição de
diagnósticos de problemas de aprendizagem sem considerar o contexto de ensino da sala de
aula e de inserção social e política da Educação, em busca de construir ações pautadas em
uma análise complexa dos fenômenos. A proposta da Psicologia Escolar e Educacional em
uma perspectiva que denominamos crítica20 é, portanto, uma forma de pensar o homem e a
sociedade que exige a ruptura com o raciocínio cartesiano, racionalista e individualizante
com o qual estamos acostumados, haja vista nossa própria constituição histórica marcada por
este modo de pensar.
Estava eu pesquisando sobre a atuação e a formação do psicólogo em uma
perspectiva crítica, ao mesmo tempo em que iniciava minha própria atuação como psicóloga
nos estágios profissionalizantes, vivenciando os desafios de colocar em prática o
conhecimento que aprendia. Por isso, meus questionamentos eram: considerando as
mudanças e avanços no campo da Psicologia Escolar, tais fundamentos têm sido apropriados
19
Esta pesquisa contou com a participação de quatro estados brasileiros, sendo coordenada nacionalmente pela
Profª Drª Marilene Proença Rebello de Souza e em Minas Gerais pela Profª Silvia Maria Cintra da Silva.
20
Esta perspectiva será discutida detalhadamente no Capítulo 2, referente à fundamentação teórica. Por hora,
algumas referências na área: PATTO (1984, 1996); MACHADO & SOUZA (1997); BOCK (1999);
TANAMACHI, PROENÇA & ROCHA (2000); MEIRA & ANTUNES (2003a, 2003b); MARTINEZ (2007);
SOUZA, B. (2007).
36
pelos alunos de graduação? De que forma? Como se aprende e como se ensina esta
perspectiva teórico-prática? A partir dessas reflexões, surgiu, então, o interesse em
compreender, no Mestrado, o seguinte processo: a apropriação de uma perspectiva crítica em
Psicologia Escolar e Educacional pelos sujeitos supervisora e estagiária, ao longo de suas
trajetórias de formação profissional. Era uma pergunta de pesquisa e uma pergunta para mim
mesma: como me tornar uma psicóloga que de fato se apropria de um posicionamento crítico
em sua atuação?
A escolha por investigar a trajetória de formação de uma estagiária e uma
supervisora se deu por considerar que o estágio profissionalizante é uma etapa de formação
que permite intensa articulação entre os conceitos práticos e a vivência teórica, tanto para o
estagiário, que se encontra no lugar de quem aprende quanto para o supervisor, que se
encontra no lugar de quem ensina. Foram entrevistadas, portanto, uma supervisora e uma
estagiária de Psicologia Escolar, vinculadas a uma Instituição de Ensino Superior pública de
Minas Gerais. Foi utilizada a modalidade da história oral temática (MEIHY, 2002), com a
realização de quatro sessões de entrevista com cada uma, sem modelo prévio de perguntas,
apenas com uma questão inicial, relativa ao objetivo de pesquisa, sobre a qual as
participantes discorreram livremente.
Dentre as principais análises dessa investigação, destacam-se os seguintes
aspectos: a mediação como processo imprescindível tanto para as escolhas profissionais
quanto para a aprendizagem teórico-prática, indicando que a aprendizagem de um conceito
científico e de um fazer profissional são constituídos intrinsecamente a partir da dimensão
social; a aprendizagem não decorre de uma lógica linear ou causal e, sim, dialética, sendo os
desafios encontrados no exercício da prática fundamentais para o processo de aprendizagem,
indicando que a apropriação de uma perspectiva teórica consiste em um processo vivo,
dinâmico e contínuo; a atividade prática e os estudos teóricos se mostraram nas análises
como componentes indispensáveis para a apropriação conceitual, sendo importante
considerar a unidade dialética de teoria e prática, constitutiva do processo de aprendizagem.
Além disto, ficou nítida a compreensão de que a aprendizagem de uma determinada
perspectiva, que abarca necessariamente a apropriação de conceitos científicos, depende do
conhecimento escolar, sistematizado e pedagogicamente organizado. Ainda assim, o
depoimento das participantes também indica que vivências pessoais para além do contexto da
escolarização formal são muito importantes neste processo. Por fim, o estágio
supervisionado destacou-se como atividade essencial para a apropriação de uma perspectiva
crítica em Psicologia Escolar, revelando o modo como a mediação supervisora-estagiária foi
37
que precisar sei que serei acolhida por inteira e incondicionalmente. Como costumamos dizer
desde o início do Doutorado: “somos uma dupla”!
E assim tem sido. Ao final desse percurso, encontro-me encantada pela
diversidade de áreas de formação, teorias e pesquisas que encontro na Faculdade de
Educação da Unicamp. O diálogo intenso com colegas e docentes nas disciplinas, no grupo
de pesquisa e nos corredores da Faculdade foram valiosos para minha formação.
Continuo como viajante que tem a Psicologia Escolar e Educacional como uma
grande companheira, buscando entender os dilemas, desafios e possibilidades que os
profissionais que trabalham com demandas educacionais vivenciam em seus cotidianos de
trabalho. No segundo semestre de 2014, para a produção do material empírico da Tese,
propus um Curso de Difusão Científica vinculado à Escola de Extensão da Unicamp
(EXTECAMP) voltado para a formação de profissionais que trabalham com demandas
educacionais. Mais que sujeitos de pesquisa, encontrei grandes parceiros de profissão. Para
muito além de um mero fornecimento de informações, construímos um espaço de
desenvolvimento profissional, em que foi possível partilhar angústias, dúvidas, ideias, afetos
e encontrar algumas possibilidades, a partir das vivências levadas por cada um. É a partir da
vivência com este grupo que tecerei as análises desta Tese.
2.1 Psicologia ciência e profissão: aspectos históricos e relações com o campo educacional
reconhecimento da especificidade do objeto estudado, abrindo mão das exigências do que era
considerado “científico” e enfrentando, assim, graves rejeições por parte da comunidade
intelectual, por exemplo, as perspectivas humanistas e fenomenológicas e a psicanálise. Uma
análise atual indica que a vertente subjetivista apresentou ao longo do tempo um vertiginoso
crescimento e visibilidade. Segundo Furtado (2012), a hipervalorização dos processos
subjetivos se transformou, inclusive, em um promissor mercado de consumo, com a
propagação de livros de autoajuda e programas de talk-show e reality show, dando
visibilidade a uma dimensão da Psicologia não como ciência, mas como espetáculo.
Como já sublinhado, a Psicologia, ainda hoje, apresenta uma composição diversa,
em que ora as concepções teóricas dialogam e ora se afastam, ocupando polos opostos e
ainda mantendo muitas vezes as posições dicotômicas que estão presentes desde o seu
surgimento – ora o foco só na subjetividade, ora o foco somente no meio, ora cindindo
cognição e emoções, corpo e mente – de modo a desconsiderar de forma recorrente as
relações mais complexas entre as diversas instâncias que constituem o ser humano. Vigotski
(1927/2004) discutiu essa questão, ao escrever o manuscrito O significado histórico da crise
na psicologia, indicando preocupação quanto aos embates entre diferentes correntes teóricas
e à dificuldade dessas abordagens em, de fato, explicarem os fenômenos psíquicos, ao invés
de meramente descrevê-los olhando apenas para uma dimensão ou fator. Figueiredo
(1989/2012) nos lembra de que o fundamental, ao olhar para toda essa diversidade de
abordagens, é exercitarmos um olhar questionador sobre uma ou outra, compreendendo suas
raízes históricas, culturais, bem como os motivos pelos quais foram desenvolvidas.
Semelhante à trajetória mundial da Psicologia, no Brasil, ela apresenta também
uma configuração interessante, pois, mesmo tendo sido regulamentada como profissão
somente em 1962, o interesse pelos conhecimentos psicológicos já entremeava o país desde
os tempos de colônia portuguesa (ANTUNES, 2007). Cabe ressaltar, em especial, que a
Educação desde o início teve lugar fundamental para o desenvolvimento da Psicologia,
servindo como um dos mais férteis terrenos para que essa disciplina se tornasse uma
profissão.
Já existiam indícios, no Brasil colônia, de um interesse pelos fenômenos
psicológicos. Há registros de trabalhos que abordavam essa dimensão de um ponto de vista
religioso ou moral, decorrente do processo de ensino da cultura católica europeia a índios e
colonos brasileiros, por meio dos jesuítas. Dentre os temas que comparecem em algumas
obras deste período, há, por exemplo, o interesse pelas emoções, autoconhecimento,
sensações e sentidos, educação de crianças e o papel da mulher. O amplo comparecimento de
44
21
Segundo a autora, havia profissionais que estudavam e exerciam a função de aplicação de métodos e técnicas
psicológicas, mas que por não haver ainda a regulamentação da profissão de psicólogo, podem ser denominados
‘psicologistas’.
45
Considerar esses elementos nos ajuda a pensar que ainda temos muito a caminhar.
Como conquistar novamente o espaço no campo educacional a partir de um lugar outro que
não aquele da mera aplicação de testes para classificar e rotular alunos? De um lugar que
possa convidar os profissionais da escola a uma parceria, em que os saberes não se
hierarquizam, mas se entrelaçam para pensarem juntos a Educação? Apesar de ainda serem
hegemônicas concepções e ações individualizantes que não consideram a complexidade dos
fenômenos psicológicos, em especial no campo educacional, há esperanças de rupturas que se
encontram em curso, principalmente a partir surgimento de um movimento na Psicologia
Escolar e Educacional que decidiu olhar para essa história, reconhecendo lacunas e
contradições, para buscar novos rumos, comprometidos com um olhar crítico e transformador
sobre os processos educacionais. A seguir, alguns conceitos e reflexões sobre a Psicologia
Escolar e Educacional em uma vertente crítica.
22
http://abrapee.wordpress.com/
48
23
http://emec.mec.gov.br/
52
24
As informações sobre o número de egressos em cursos de Psicologia, o número de psicólogos com registro
ativo no Brasil e no estado de São Paulo foram obtidas por consulta ao site do INEP e do Conselho Federal de
Psicologia, em 2017.
53
efetivas para inserção do psicólogo no âmbito educacional, o que é uma luta necessária e
ainda em curso. Um projeto do ano 2000 (PL 3688/2000) previu a inclusão de psicólogos e
assistentes sociais na rede pública de Educação Básica; somente em 2013 o projeto foi
aprovado pela Câmara dos Deputados. A Associação Brasileira de Psicologia Escolar e
Educacional merece destaque aqui, uma vez que tem militado na promoção de condições para
o reconhecimento legal da necessidade do trabalho do psicólogo no âmbito educacional. Em
maio de 2015, a ABRAPEE participou de uma audiência na Câmara dos Deputados,
juntamente com o Conselho Federal de Psicologia e a Associação Brasileira de Ensino de
Psicologia (ABEP) e outras entidades regionais da categoria. Nessa ocasião, houve a
aprovação do parecer sobre o projeto de lei pela Câmara de Constituição e Justiça e de
Cidadania (CCJC)25, que agora aguarda apreciação no Plenário. A importância de que o
psicólogo ocupe efetivamente estes espaços está principalmente na parceria que pode ter com
educadores, famílias e alunos, promovendo diálogos e reflexões que contribuam para a
qualidade das relações e para o desenvolvimento de todos os sujeitos que participam dos
processos educacionais.
Com o intuito de conhecer a atuação de psicólogos que já atuam neste campo e
propor referências técnicas, o Centro de Referência Técnica em Psicologia (CREPOP),
vinculado ao Sistema Conselhos de Psicologia, realizou, em 2009, uma pesquisa com
psicólogos que trabalham nos serviços públicos ligados à Educação Básica, para conhecer o
perfil destes profissionais e sua inserção na área (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2013). Participaram 302 profissionais que, em sua maioria, trabalhavam
recentemente neste campo (menos de quatro anos), corroborando com a discussão anterior
sobre a deficiência de políticas públicas de inserção do psicólogo na Educação. Os
informantes destacaram como dificuldades: baixos salários, grande volume de demandas e
falta de clareza de suas atribuições no contexto de trabalho, que muitas vezes exige uma
atuação limitada ao atendimento individual de alunos, com o objetivo de diagnosticá-los.
Com o objetivo de conhecer produções contemporâneas relacionadas à formação
continuada do psicólogo, realizei, em 2014, no início do Doutorado, uma revisão
bibliográfica com artigos, Teses e Dissertações em um intervalo de dez anos [2003-2013].
Para a elaboração desse projeto, optei pela busca em dois principais bancos de dados: Scielo
(Scientific Electronic Library Online) e BVS-Psi (Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia).
25
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=20050
54
Ressalto que, nesse primeiro exercício de revisão bibliográfica, não havia dado
início à produção do material empírico, portanto o foco ainda era a formação continuada do
psicólogo escolar. A importância desse levantamento foi conhecer as interlocuções dos
trabalhos recentes com a pesquisa. Por isso, considero relevante apresentar o número de
produções encontradas e realizar também uma breve análise qualitativa, indicando as
aproximações dos trabalhos com o tema investigado.
No BVS-Psi, utilizei como descritores “psicologia escolar e educacional” para
uma visão geral do que tem sido produzido na área como um todo. Para uma compreensão
mais específica, escolhi a combinação dos descritores: “psicologia escolar + desenvolvimento
profissional”; “psicologia escolar + formação do psicólogo” e “psicologia escolar + educação
continuada”. Já no Scielo, busquei somente com as combinações entre os descritores, por
considerar já suficientes para compor o projeto os trabalhos encontrados no BVS-Psi com a
palavra-chave “psicologia escolar e educacional”. A tabela abaixo indica a quantidade de
trabalhos encontrados:
Scielo Bvs-psi
psicologia escolar + 7 8
formação do psicólogo
psicologia escolar +
desenvolvimento
profissional --- 2
psicologia escolar+ 1 3
educação continuada
TOTAL26 6 180
26
O valor da soma total dos artigos não confere com a quantidade por descritores, pois algumas produções se
repetiram em decorrência da busca com descritores semelhantes. Portanto, no valor total, consideraram-se as
entradas repetidas.
55
27
http://site.cfp.org.br/servicos/titulo-de-especialista/cursos-credenciados/
28
http://capepsi.com.br/
29
http://www.extecamp.unicamp.br/modelo_noticia_full.asp?id=160
30
http://www.esab.edu.br/cursos-de-extensao-e-qualificacao-ead/psicologia-escolar-e-social-81/
31
http://univale.br/cursos/o_curso/?CodigoCurso=211
32
http://www.ead.pucrs.br/cursos/listartodos.php
33
http://www.unisa.br/unisadigital/dpg19.html
58
substituir suas funções, o que pode ser um problema, uma vez que muitos desses cursos
oferecem uma formação acrítica sobre os problemas que emergem no contexto educacional.
Estes dados indicam a escassez de espaços para que os psicólogos interessados
pelo campo educacional possam aprimorar sua formação e discussão sobre a prática. Vale
ressaltar que, embora verificados os poucos cursos de formação, acontece a cada dois anos o
Congresso Nacional de Psicologia Escolar e Educacional (CONPE), organizado pela
ABRAPEE, principal evento de discussão das práticas e construção da profissão. Também
ocorrem, em geral de dois em dois anos, intercalados com o CONPE, encontros regionais da
área, dentre eles: Encontro Mineiro de Psicologia Escolar; Encontro Paranaense de Psicologia
Escolar; Encontro Paulista da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional e
Encontro Rondoniense de Psicologia Escolar e Educacional. Além disso, a Associação
Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) também realiza importantes encontros voltados
para a formação do psicólogo.
Os elementos apresentados indicam que ainda há grandes desafios no fazer do
psicólogo que trabalha com demandas educacionais. Defendo que o desenvolvimento
profissional é processo inconcluso, não por descrédito à formação na graduação ou para
suprir possíveis lacunas, mas porque a atuação profissional sempre envolve novos desafios,
que os cursos de graduação não conseguiriam abarcar (ARAGÃO, 2010), sendo necessário
ao profissional buscar espaços formais de formação continuada, supervisão profissional,
diálogo com pares, estudos contínuos e um cuidado com a dimensão pessoal para superar os
desafios que surgem cotidianamente.
E o que significa, afinal, desenvolver-se profissionalmente? Considerando que
desenvolvimento profissional é o tema da Tese, sigo com definições sobre este termo, com
especial destaque para os grupos colaborativos, modalidade a partir da qual foi produzido o
material empírico.
34
Texto redigido em português de Portugal.
61
35
Em apresentação no Concurso para Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas.
62
• professional development
• professional development + groups
• professional development + collaboration
• professional development + groups + collaboration
• professional development + discussion groups
• professional development + peer learning
• professional development + Vygotsky
36
As referências dos trabalhos selecionados nesse novo levantamento estão relacionadas no Apêndice 1
66
livres para partilhar suas necessidade, conflitos e ideias, valorizando, sobretudo, a interação
entre pares. Hidin et al. (2007) analisam uma proposta formativa nessa direção, indo além da
análise do grupo, investigando a atuação dos professores em sala de aula, para entender como
eles aplicam o que aprendem no programa de desenvolvimento profissional, concluindo que a
colaboração em grupo é essencial para aprimorar a prática docente.
É possível perceber pontos em comum entre os artigos encontrados e a proposta
apresentada na Tese. A maior parte dos trabalhos discute a temática do desenvolvimento
profissional valorizando as interações sociais, em especial entre pares, a partir do diálogo,
apontando a necessidade de se valorizar os profissionais como protagonistas do processo.
Contudo, apenas dois artigos trazem a figura do psicólogo, mas nenhum discute a formação
desse profissional em contextos educacionais – um artigo discute o contexto clínico de
atuação (BRADLEY et al., 2012) e outro a atuação na área de saúde, envolvendo equipe
multiprofissional (PHELAN et al., 2012). Além disso, embora 21 artigos citem Vigotski de
alguma forma, os conceitos da THC não são usados como ferramentas de análise, mas de
forma a sustentar alguns pontos de vista, em geral sobre a importância das relações sociais.
Isso indica a relevância desta Tese, uma vez que trago à tona o grupo não como um fator,
mas como fonte de desenvolvimento profissional, a partir de uma pesquisa-intervenção que
ofereceu e analisou à luz da THC uma proposta formativa para profissionais que trabalham
com demandas educacionais, tendo como centro das discussões os conhecimentos advindos
do campo da Psicologia Escolar e Educacional.
Os trabalhos desenvolvimentos pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
Continuada da Unicamp (GEPEC) também apresentam importantes contribuições, por meio
de pesquisas que valorizam o trabalho docente e que partem do cotidiano escolar, em estreita
colaboração com os professores e demais profissionais da Educação. Cunha e Prado (2007)
valorizam pesquisas que buscam conhecer a realidade escolar, possibilitando propostas de
intervenção e de investigação, compreendendo o constante diálogo entre essas dimensões.
Dentre as diversas produções que caminham nessa direção, destaco a pesquisa de Aragão
(2010, 2012, 201737), a partir de um projeto formativo-investigativo, desenvolvido com
professores de uma escola pública municipal e que teve como objetivos: a) promover o
desenvolvimento profissional dos professores, por meio do trabalho coletivo de superação
dos dilemas e desafios da prática, bem como da construção em conjunto do projeto
37
Em apresentação no Concurso para Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas.
68
relações sociais estabelecidas por meio dele. Por que escolho a THC como ferramenta
analítica para o material empírico? Em primeiro lugar, o principal objeto de conhecimento
desta perspectiva é o processo de desenvolvimento humano e esta pesquisa tem como tema
central o processo de desenvolvimento profissional, dimensão que envolve aspectos diversos
da vida humana. Ademais, a THC oferece uma explicação sobre o desenvolvimento humano
tendo as relações sociais como origem deste processo (VIGOTSKI, 1934/1994), tal como é o
principal intuito da Tese (NASCIUTTI; VERESOV; ARAGÃO, 2016). Aqui cabem três
perguntas que serão base para a discussão a seguir: como a THC define desenvolvimento
humano? O que significa dizer que as relações sociais são fonte de desenvolvimento? Como
se dá o processo de desenvolvimento da dimensão social para a dimensão individual?
A Teoria Histórico-Cultural tem origem na Rússia, durante a primeira metade do
século XX. L. S. Vigotski, A. N. Leontiev e A. S. Luria são os principais precursores desta
perspectiva teórica, seguidos de diversos colaboradores, tais como S. L Rubinstein; A V.
Zaporovhets; D. B. Elkonin; V. V. Davydov, dentre outros (LONGAREZZI & PUENTES,
2013) que, ao vivenciarem intensamente a Revolução de 1917, propuseram, a partir de uma
base marxista, um modo de compreensão dos processos psíquicos e educacionais pautado em
um prisma histórico e cultural. Com as intensas mudanças sociais ocasionadas naquele
momento, houve a necessidade de pensar em uma ciência para a formação do novo homem
socialista e, nesse âmbito, a Psicologia e a Educação tinham muito a contribuir (PRESTES,
2010; PRESTES, TUNES & NASCIMENTO, 2013). O caráter colaborativo dessa corrente
levou a diferenças de enfoques e do modo como cada autor desenvolveu sua obra,
diversidade que enriqueceu a Psicologia russa e suas repercussões ainda hoje. Aqui opto pela
produção de Vigotski, por ter sido esse o autor a quem mais tive acesso durante minha
formação e por comungar profundamente de suas ideias.
Vigotski deixou uma vasta e intensa produção – há, hoje, livros, manuscritos,
aulas e anotações avulsas, inclusive ainda não publicadas que surpreendem diante do pouco
tempo de vida que teve em decorrência da tuberculose (PRESTES, 2015). Com uma
formação ampla e em diálogo com vários campos de conhecimento, como Direito, História,
Filosofia e Artes, o autor se destaca na área da Psicologia, a partir da insatisfação com as
explicações naturalistas e simplistas dos fenômenos psicológicos e do seu esforço em criar
“uma nova abordagem dos processos psicológicos estritamente humanos e pôr a psicologia
em bases materialistas” (PRESTES, TUNES & NASCIMENTO, 2013, p.55).
Entretanto, a busca de Vigotski por uma explicação dos fenômenos psíquicos
humanos não se deu de modo linear, sua teoria passou por diferentes fases, nas quais ele
71
explicita suas questões, conflitos, por vezes negando a si mesmo para dar lugar a conceitos
que hoje conhecemos. Veresov (2005) assinala que Vigotski contou com fontes teóricas
diversas em sua produção intelectual – o marxismo é um dos principais fundamentos e o mais
conhecido deles, mas também há fortes influências na tradição filosófica, cultural e artística
russa, principalmente por meio do teatro, cujos autores Vigotski ficou por vezes
impossibilitado de mencionar em decorrência do regime soviético. Não houve a intenção de
criar uma “psicologia marxista”, com a mera transposição de conceitos, mas o intuito seria
partir dos subsídios marxistas para mediar a construção de uma nova Psicologia. Destaco três
princípios essenciais:
A vida de Vigotski foi marcada por intensas crises – em sua história pessoal,
devido ao adoecimento que atravessou boa parte de sua produção científica; no âmbito
político, diante do anúncio de uma sociedade justa e igualitária seguida de um regime
totalitário e violento; no âmbito da própria Psicologia, ciência que estava ela mesma em crise,
diante das diversas abordagens contraditórias entre si que existiam para explicar o mesmo
fenômeno. Veresov (2005) destaca três fases importantes na carreira de Vigotski que
explicitam sua busca incessante em encontrar o princípio explicativo para os fenômenos
psíquicos humanos:
Veresov38 observa que o adoecimento de Vigotski piorou muito neste período e seu
sofrimento intensificou-se por não ter encontrado ainda o cerne explicativo do
desenvolvimento do psiquismo humano. Entretanto, os escritos em forma de rascunho
inacabado do manuscrito escrito em 1929, dão indícios de um salto qualitativo na produção
de Vigotski, quando ele questiona: o que é desenvolvimento? Qual a diferença essencial entre
os processos de desenvolvimento naturais e biológicos para o desenvolvimento cultural e
histórico da mente humana? As produções desse último período evidenciam de forma mais
clara e consistente a origem social da mente, inserida em um movimento histórico, tendo a
cultura como mediadora desse processo, por meio de signos e ferramentas.
Em supervisão com o Professor Nikolai, ao discutirmos o Manuscrito de 1929,
fiz a seguinte pergunta: por que Teoria Histórico-Cultural? Apesar de não haver uma clara
denominação desse termo na produção vigotskiana (PRESTES 2015) e de haver também
divergências no modo como é denominada ainda hoje no âmbito acadêmico, seus princípios
teórico-metodológicos são contemplados com profundidade nessa terminologia – Histórico
porque a função psicológica superior surge tanto na história na humanidade em um
determinado período, quanto na história em particular daquele sujeito em um dado momento:
“(...) ao falarmos em desenvolvimento cultural da criança, temos em mente o processo
correspondente ao desenvolvimento mental que ocorre no processo de desenvolvimento
histórico da humanidade” (VIGOTSKI, 1931/1997, p. 18)39. Se tomarmos qualquer função
mental tipicamente humana, conseguiremos perceber que ela tem uma base biológica, mas se
diferencia dela, pois surge em um dado momento histórico da humanidade e, ao mesmo
tempo, para cada sujeito apresenta uma história que é particular e única das relações que ele
estabelece ao longo de sua própria trajetória de vida. Cultural porque os processos psíquicos
não se desenvolvem de forma espontânea, mas mediados por signos e ferramentas
culturalmente construídos pela humanidade, por meio das relações sociais que estabelecemos:
“(...) a cultura cria uma forma especial de comportamento, ela modifica a atividade das
funções mentais, constrói superestruturas no desenvolvimento do sistema de comportamento
humano” (VIGOTSKI, 1931/1997 p. 18).
Quando Vigotski fala sobre desenvolvimento ele se refere ao desenvolvimento
cultural das funções psicológicas superiores, ou seja, aqueles processos mentais que têm sua
origem nas relações sociais, mediados por signos e ferramentas culturais. Ressalta-se aqui a
38
Em supervisão individual do estágio na Austrália, em 1º de março de 2016, ao discutirmos o manuscrito
Psicologia Concreta do Homem, de 1929, publicado no Brasil em 2000.
39
Tradução livre do inglês.
74
focalizar diferentes aspectos a depender do que é consideram importante relatar para aquele
amigo – imprevistos, as belas paisagens, a culinária do local, as compras realizadas. Porém,
estariam, ainda assim, falando sobre a mesma viagem.
Cada conceito está relacionado a certos aspectos do processo de desenvolvimento
como um todo e consegue explicar um dado aspecto do desenvolvimento e, ao realizar esse
movimento analítico de forma dialética, o pesquisador é capaz de ir além da aparência do
material empírico produzido. Por isso, delineio a seguir os aspectos e os respectivos conceitos
teóricos que serão chave de análise para o material produzido para compreender o grupo
colaborativo como fonte de desenvolvimento para profissionais que trabalham com
demandas educacionais.
40
Tradução livre do inglês.
76
Toda função entra em cena duas vezes, em dois planos, primeiro no plano
social e depois no psicológico, primeiro entre as pessoas como categoria
interpsíquica e depois no interior da criança como categoria intrapsíquica.
(VIGOTSKI, 1931/1997, p. 106)42
41
Tradução livre do inglês.
42
Tradução livre do inglês.
77
43
Tradução livre do inglês.
44
Tradução livre do inglês.
78
45
Esse conceito apresenta traduções muito variadas, ora como emoção, ora como experiência, ora como
vivência (Prestes, 2010). Apesar de a perejivanie abarcar a vivência, as emoções, a cognição e outros processos,
Veresov (2015) identifica que ela não se define por esses processos, mas pela unidade entre o individual e o
social, daí a dificuldade em encontrar uma palavra correspondente para o termo. Em consenso com estes
autores, escolho usar o termo no original russo.
46
Tradução livre do inglês.
79
Para afirmar uma certa posição geral, seria correto dizer que o ambiente
determina o desenvolvimento da criança, através da [perejivanie] do
ambiente. (...) a criança é parte da situação social e a relação da criança com
o ambiente e do ambiente com a criança ocorre através da [perejivanie].
(VIGOTSKI, 1934/1994, p. 294)49
47
O termo encontra-se entre colchetes, tal como na tradução utilizada, porém no texto original perejivanie é
traduzida como “experiência emocional” ou “experiência”. Em acordo com Veresov e Fleer (2016), substituo o
termo pelo original russo nas citações que seguem.
48
O termo “refratada” é usado aqui de acordo com a metáfora escolhida por Vigotski (1934/1998) para explicar
o conceito de perejivanie. Ao contrário da ideia de reflexo, na qual o espelho reproduz fielmente a imagem nele
refletida, na refração temos um prisma, no qual a luz entra de uma dada forma mas sai do prisma em múltiplas
cores e dimensões. Assim é o conceito de perejivanie, para explicar como cada sujeito refrata o contexto social
de forma única.
49
Tradução livre do inglês.
80
momentos ao longo dos diversos textos publicados nas Obras Escolhidas50. Podemos dizer
que o desenvolvimento teórico e metodológico são dimensões igualmente importantes de sua
obra. Considerando a lei genética do desenvolvimento humano, segundo a qual toda função
psicológica entra em cena em dois planos (primeiro, interpsíquico e, depois, intrapsíquico),
sendo que nesse processo os signos são internalizados e modificam o sistema psicológico,
Vigotski estava interessado em entender não o resultado, mas o processo em si,
reconstruindo-o para compreender os determinantes de sua origem (VERESOV, 2014). No
método desenvolvido por Vigotski, denominado experimental genético, ele se valia de
experimentos no intuito de criar situações, oferecendo, por exemplo, atividades e desafios
para as crianças para que ele conseguisse visualizar todo o processo de desenvolvimento de
funções psicológicas. Com isso, buscava superar as pesquisas que tradicionalmente eram
feitas no campo da Psicologia e que tentavam apenas mensurar o que já havia sido alcançado
para depois descrever os fenômenos psicológicos. Para ele, o desenvolvimento é um
complexo objeto de estudo e que deve ser investigado como processo:
Apesar de não ter desenvolvido um estudo aos moldes idênticos que Vigotski
realizava, identifico que o Curso de Difusão se aproximou da metodologia vigotskiana, pois
foi um contexto especialmente criado para analisar o processo de desenvolvimento
profissional. Havia minhas intencionalidades investigativas, assim como atividades
oferecidas ao grupo com o objetivo de contribuir com a formação das participantes. O foco
estava, portanto, em criar situações propícias para o desenvolvimento do grupo e em analisar
o percurso percorrido.
A frase da epígrafe, “caminhante não há caminho, se faz caminho ao andar” é
pertinente para pensar esse percurso. Ao embarcar nesta pesquisa escolhi ser como uma
aventureira, que não escolhe um destino final, mas se desafia a descobrir as estradas ao longo
do percurso. É claro que em uma viagem deste tipo também temos que fazer escolhas prévias,
50
Existem seis tomos das Obras Escolhidas, as publicações mais conhecidas são em inglês e espanhol. Para
entender a relação das publicações, ver DELARI, A. Obras escolhidas de Vigotski (títulos na edição espanhola),
2005 [texto não publicado formalmente]. Acesso: https://www.scribd.com/doc/10283264/Lista-completa-dos-
titulos-das-obras-escolhidas-de-Vigotski
51
Tradução livre do inglês.
84
pois sabemos de onde partir e temos uma aposta de destinos que gostaríamos ou não de
conhecer, mas deixamos que o trajeto nos surpreenda, encontrando ao longo dele paisagens
nunca antes imaginadas.
52
Informações do site https://www.extecamp.unicamp.br/cursos.asp.
53
Esta questão está discutida de forma aprofundada no capítulo de fundamentação teórica.
85
54
Vide o folder de divulgação do curso (Apêndice 3)
86
dilema: incluir ou não estes interessados? Decidi, então, acolhê-los no grupo, apostando que
no diálogo sobre as contribuições da Psicologia no trabalho com demandas educacionais seria
enriquecedor ouvir outros profissionais, que são parceiros do psicólogo, tais como
educadores e fonoaudiólogos. Acredito que não seria coerente com uma proposta
colaborativa excluir profissionais com formações diferentes, uma vez que a Psicologia é
apenas uma dentre tantas ciências que podem contribuir para pensar as questões
educacionais. Portanto, aceitei essa diversidade apostando que outros profissionais poderiam
ampliar os olhares sobre os temas discutidos.
A decisão de incluir profissionais diversos no grupo modificou profundamente a
pesquisa, levando-me a reelaborar os objetivos. Considerando que a pesquisa desenvolvida se
encontra em um prisma qualitativo (SANTOS, 2006; FLICK, 2004; GONZÁLEZ-REY,
2002), a produção do material empírico não foi uma mera “aplicação” da proposta do projeto
inicial, mas compôs diretamente o curso investigativo, contribuindo para transformar e
conferir forma e conteúdo à Tese. Logo, somente no decorrer de produção e análise do
material é que identifiquei com mais clareza meu objetivo de pesquisa chegando à
configuração que agora apresento. Afirmando o precioso lugar da colaboração e da
importância do coletivo, ressalto que o apoio dos colegas do GEPEC, das supervisões com a
Professora Ana, com o Professor Nikolai e das reuniões de pesquisa na Monash University
foram essenciais para esse processo, contribuindo fundamentalmente para refinar meu olhar
sobre o material, oferecendo possibilidades e referências que ajudaram na elaboração das
ideias que aqui apresento.
Portanto, ao incluir outros profissionais, não estava mais investigando a formação
do psicólogo, mas o desenvolvimento de profissionais que trabalham com demandas
educacionais, a partir do grupo colaborativo, que consistiu como objeto e procedimento de
pesquisa. A denominação do trabalho como grupo colaborativo foi delineada a partir das
contribuições de Fiorentini e Crecci (2013) Fiorentini e Gama (2009) e Proença e Buciano
(2012). Quando idealizei o grupo, já havia pensado em propor um espaço de colaboração,
antes mesmo de conhecer esta proposta, por meio da valorização de uma postura horizontal e
da construção conjunta das atividades e temas a serem discutidos no decorrer dos encontros.
A ideia, desde o início não era “coletar informações”, mas proporcionar um espaço de
discussão sobre dilemas do trabalho com demandas educacionais, a partir principalmente dos
conhecimentos Psicologia Escolar e Educacional, de forma que o processo de estar em grupo
com esse propósito pudesse contribuir para a formação das participantes. Ao conhecer o
trabalho denominado grupos colaborativos, identifiquei-me prontamente e encontrei
87
55
Ainda que este seja o capítulo metodológico, escolho trazer trechos das falas ou de materiais produzidos pelas
participantes para ilustrar e compor este tópico. Os excertos serão destacados em itálico em uma caixa de texto e
os nomes apresentados são fictícios, preservando a identidade das participantes. Mais à frente, as participantes,
bem como cada tipo de material produzido no grupo, serão apresentados. Aqui trago não apenas as
audiogravações, que foram devidamente autorizadas pelas participantes, como também outras fontes de
material, todas elas discutidas adiante.
90
Todo mundo falou “ah, eu tô aqui para aprender”, eu estou aqui para aprender
também, muito! Aprender com a experiência de cada um deixar que vocês
conduzam o processo. (...) As atividades são nesse sentido de colocar vocês como
participantes mesmo, do grupo. (Fabiana, audiogravação, encontro 1)
56
Esta estratégia será explicada a seguir.
92
estava nas vésperas de seu casamento e que trouxe essa condição para o grupo, para
justificar a ausência em um dos encontros. Além disso, grande parte do grupo
morava em outras cidades e tinha que se deslocar semanalmente e nem sempre
conseguia chegar no horário. Em todos os casos de ausência, eu sempre buscava
saber diretamente com a participante o que havia acontecido, enviando um e-mail ou
mensagem. Houve um episódio interessante, quando, ao perguntar a uma
participante sobre sua ausência, ela respondeu:
Em resposta, eu disse:
Ana Elisa,
Entendo você, a vida é de fato um grande desafio e por vezes daqueles bem
difíceis... Espero que hoje, para além das discussões você tenha um espaço de acolhida e
afeto!
Conte comigo!
Beijos
Fabi
a. Elemento Novo: a cada encontro, uma participante seria responsável por apresentar
ao grupo um recurso artístico/estético que tivesse relação com a temática a ser
discutida no dia. Poderia ser um texto (conto, poema, crônica...), uma imagem, uma
música, um vídeo, de forma a acolher os colegas e instigar o diálogo. A proposta
dessa atividade foi sustentada pela compreensão de que os elementos estéticos e
artísticos são fundamentais para o desenvolvimento de um olhar sensível e complexo
sobre as questões a serem discutidas (SILVA, 2005; FERREIRA, 2014).
MARTÍNEZ, A. M. O que pode fazer o psicólogo na escola? Revista em Aberto, v. 23, n. 83,
2010.Disponívelem:<http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1634/1298>
GOMES, B. N., PESSATE, L. A., GOMES, S. de O. P. Discutindo sobre portfólios nos processos de
formação: Entrevista com Idália Sá-Chaves. Olhar de Professor, v. 7, n. 2, pp. 9-17, 2004. Disponível
em <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=68470202>
ARAGÃO, A.M.F., Reflexividade e formação docente: considerações a partir de um projeto
formativo-investigativo. In: MAIA, H., FUMES, N.L.F., e AGUIAR, W.M., Formação, atividade e
subjetividade: aspectos indissociáveis da docência. São Paulo: Vilani Editora, 2013.
BARBOSA, D. R.; DA SILVA JUNIOR, M. J.; MURAKAMI, K. A doença do Tom Cruise: uma
experiência de estágio em intervenção psicoeducacional. Psicologia Escolar e Educacional, v. 13, n.
2, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-
85572009000200022&script=sci_arttext>
SOUZA, B. P. Orientação à Queixa Escolar: Considerando a Dimensão Social. Psicologia Ciência e
Profissão, v. 26, n. 2, 2006. Disponível em:<
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932006000200012>
OLIVEIRA, C. B. E. de; MARINHO-ARAUJO, C. M. A relação família-escola: intersecções e
desafios. Estudos de Psicologia, v. 27, n. 1, 2010. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2010000100012>
E como fazemos isso? [uma escrita mais reflexiva] Acho que de fato é uma tarefa e
tanto! Eu mesma sinto que estou sempre a aprender a cada dia sobre a potência de
refletirmos sobre a prática e sobre as aprendizagens por meio da escrita... (...) Em
momentos do seu texto, você se arrisca de forma bonita e ainda tímida nessa tarefa,
quando fala sobre as angústias que você compartilha com o grupo ou quando
analisa o elemento novo como algo que permitiu que o grupo se sentisse afagado...
Continue desenvolvendo essa sensibilidade em seus relatos, para que eu possa
conhecer seu processo junto ao grupo! (Carta para Valentina)
Na sua escrita em algum momento você coloca questões da sua timidez, consigo
compartilhar deste mesmo sentimento, com o qual às vezes me incomodo; presto
atenção em tudo o que acontece no grupo, em todos os detalhes, sempre muito
atenta, no momento em que preciso me colocar me esforço, mas sempre com certo
cuidado. (Valentina, devolutiva do diário de campo)
c. Carta a um amigo: essa atividade foi solicitada ao final dos encontros e consistia
em um pedido para que escrevessem uma carta a um amigo real ou imaginário
contando como foi para eles a experiência de participar do grupo. O gênero de carta
permite o uso de uma linguagem mais afetiva e também uma síntese daquilo que foi
essencial na experiência que tiveram, resultando em um precioso material de análise
que me ajudou a acessar mais profundamente a vivencia subjetivas das participantes
ao longo dos encontros.
iii. Carta devolutiva sobre os registros reflexivos: a partir da minha leitura dos
registros reflexivos, ofereci, na metade dos encontros, uma devolutiva individual em
formato de carta, em um processo de diálogo e reflexão conjunta, que também
compôs o inventário de material de análise.
vi. “Carta a um amigo”: como já explicado, essa produção teve por objetivo acessar
uma síntese dos principais acontecimentos e lições aprendidas pelas participantes,
colaborando para o processo de análise do material empírico.
Elejo este trecho do diário de bordo, redigido por mim após o primeiro encontro
com o grupo para introduzir este subtópico:
99
(...) por volta das 18h15 todas as participantes já haviam chegado. Demos
início ao grupo. Um grupo diverso, cheio de experiências para contar e
sedento por partilhar a prática profissional. Temos não só psicólogos, mas
uma fonoaudióloga, dois professores e uma professora que também tem a
formação em Psicologia. As psicólogas e o psicólogo trabalham em
diversos segmentos: no campo social, na escola, na saúde... todos muito
inteirados de questões concernentes à Psicologia Escolar: medicalização,
alto número de encaminhamentos das queixas escolares ao médico e ao
psicólogo clínico, embates com os educadores sobre o papel do psicólogo e
as possibilidades de atuação... dentre outros tantos assuntos. Isso me faz
pensar: o que é a Psicologia Escolar e Educacional? Nós que estudamos
este campo, sabemos que este é um termo já legitimado e que se refere ao
psicólogo que trabalha junto aos processos educativos. Por meio do grupo
percebo que poucas participantes se encontram na escola efetivamente...
Então, quem é o psicólogo escolar para nós? O que faz? Onde ele está? São
questões que pareciam tranquilas para mim, mas a conversa com esse
grupo tão diverso me fez questionar e refletir sobre isso...
(Diário de Bordo, 24/09/2015)
- De localidades: a maior parte do grupo era vinha de outras cidades da região e inclusive três
participantes vinham de outro estado vizinho. Viajantes, tais como eu, grande parte do grupo
enfrentava estradas e se esforçava para organizar seus compromissos para que pudéssemos
nos reunir semanalmente.
- De formações: nosso grupo inicial era composto por um psicólogo, cinco psicólogas, uma
fonoaudióloga, um professor e duas professoras do Ensino Básico, sendo que uma delas tinha
formação em Psicologia, porém não exercia a profissão.
- De campos de trabalho: um psicólogo trabalhava em uma escola privada e em consultório
particular. Dentre as cinco psicólogas, os campos de trabalho eram: Secretaria de Educação
Municipal, Secretaria de Saúde, Centro de Referência em Assistência Social e consultório
particular.
- De concepções teóricas: Psicanálise, Análise do Comportamento, Psicologia Cognitivo-
Comportamental, Teoria Social-Cognitiva, Psicologia Humanista. Houve também algumas
referências à Piaget, Vigotski e Paulo Freire.
do psicólogo com demandas educacionais. Por que esse assunto nos reuniu nesse mesmo
espaço? O que nos entrelaça a partir dele? A diferença no grupo era destacada pelas
participantes como importante:
Logo no primeiro encontro, todas partilharam que, nos seus locais de trabalho em
diferentes contextos, as demandas educacionais comparecem e se apresentam como grandes
desafios, de difícil compreensão e intervenção profissional. Esse aspecto indica que, em meio
à diversidade, havia um ponto em comum que nos unia e instigava a estarmos em grupo todas
às quartas-feiras para dialogar:
Pude perceber nesse encontro que o sentimento que compartilho é o mesmo do grupo, um
mal-estar, uma angústia que muitas vezes dificulta o trabalho por esbarrar em obstáculos
e até mesmo nas políticas públicas. (Valentina, Registro Reflexivo)
Das dez participantes iniciais, duas não continuaram conosco até o fim. Por
motivos de trabalho e outros compromissos, informaram, depois dos primeiros encontros, que
não poderiam mais comparecer. Ressalto o cuidado com que as participantes se posicionaram
quanto à desistência, informando o quanto sentiram em tomar essa decisão, uma vez que já se
sentiam parte do grupo, como podemos perceber no e-mail enviado pela participante Rosa:
Oi, pessoal.
Tudo bem?
Saudades de estar com vocês e pelo jeito não vou poder mais participar.
Hoje, tudo organizado, lanche, registro (lindo!) e a alegria e satisfação em poder
encontrá-los. Nem sempre as coisas caminham como organizamos. E hoje,
apesar da minha organização, fui surpreendida às 16h30.Fico muito triste em
não poder estar com vocês e também por ter, talvez, tirado a oportunidade de
outra pessoa participar.
Apesar das faltas, estou com as leituras em dia, assisti o "vídeo" sobre a inclusão
(dos círculos e quadrado). Fiz o registro, que estava muito lindo!!
Foram dois encontros, mas foram, muito intensos e importantes.
Agradeço pela oportunidade e peço desculpas por não conseguir continuar.
Um grande abraço a todos. (E-mail de Rosa)
Seguimos até o final, portanto, com oito participantes. Identifico a seguir com
nomes fictícios57, escolhidos por eles, de acordo com algum significado afetivo, como, por
exemplo, a participante Abayomi58, nome dado a bonecas negras, feitas de pano e que tem
um sentido especial em sua história de vida ou a participante Luiza, que escolheu o nome de
sua filha.
NOME FORMAÇÃO
Valentina Psicóloga
Abayomi Psicóloga
Ana Elisa Psicóloga
Lícia Fonoaudióloga
Luiza Psicóloga
Alice Professora
57
Apenas um participante afirmou preferir usar seu próprio nome para constar na pesquisa. Três participantes
não enviaram o nome fictício que gostariam de receber, portanto eu mesma fiz essa escolha, elegendo um nome
que mantivesse a primeira letra dos nomes reais.
58
Palavra em Iorubá, uma língua africana, que significa: “encontro precioso”.
102
Peter Psicólogo
Tadeu Professor
Valentina
Meu nome é Valentina, tenho 27 anos, sou solteira, me considero uma pessoa de fácil relacionamento
interpessoal, reservada e observadora. Me formei em Psicologia no ano de 2010. Após minha
formação, minha primeira oportunidade na área foi com RH em uma Transportadora. Durante os
meus 05 anos de curso, sempre adorei a abordagem psicanalítica e área clínica, e meu primeiro
emprego foi na área organizacional. Como me considero uma pessoa que se adapta fácil às
situações, não foi difícil vivenciar á área organizacional, mas não é minha paixão. Fiquei por 02
anos nesta empresa, porém, havia prestado concurso público na cidade vizinha e logo fui convocada,
e sem pensar muito, me desliguei da empresa anterior e levei comigo, apenas as boas lembranças e
recordações de aprendizados e amigos que ali fiz. Fui convocada para atuar como Psicóloga na
Atenção Básica em Unidade Básica de Saúde na área clínica, aqui sim me realizo todos os dias
enquanto profissional. Meu trabalho é muito dinâmico, pois não fico só com atendimentos clínicos,
mas grupos psicoterapêuticos, projetos, grupos temáticos, entre outras rotinas. Ganho muita
experiência todos os dias, pois atendo diversos tipos de pessoas e todos os tipos de demanda. Uma
demanda que surgiu foi a educacional, e, por não ter tido muita experiência nesta área, é que resolvi
participar deste grupo, para adquirir conhecimentos teóricos e bagagem para lidar com este tipo de
demanda, e digo que fui contemplada com minhas expectativas.
Abayomi
Tenho 26 anos, sou psicóloga, e tenho um marido que eu amo muito. Trabalho na Secretária de
Educação dando orientações a professores em relação a inclusão de alunos com deficiência e
problemas comportamentais. Trabalho com a orientação cognitivo comportamental, amo o que eu
faço, gosto de trabalhar com crianças e participar do desenvolvimento delas. Sou uma pessoa
motivada, boa ouvinte e sempre disposta a atingir meus objetivos.
59
Alguns dados do texto de apresentação, tais como cidade onde reside, instituição em que se formou ou local
de trabalho foram omitidos por mim, para não permitir a identificação das participantes.
103
Lícia
Sou fonoaudióloga formada há 23 anos. Fiz especialização em terapia fonoaudiológica durante dois
anos. Em seguida, passei um ano em Nova York, onde estudei inglês e também fiz um estágio em uma
clínica fonoaudiológica, onde pude comparar as atuações da fonoaudiologia em um hospital público
brasileiro e outro americano. E, acabei concluindo que embora eles sejam muito melhor estruturados
e aparelhados que nós, a fonoaudiologia brasileira é mais criativa e menos “fechada” em padrões e
protocolos que muitas vezes não permitem outros olhares e possibilidades de atuação. Logo após esta
experiência, voltei ao Brasil onde me instalei na minha cidade natal, inicialmente trabalhando na
APAE. Nesta, aprendi muito sobre diagnóstico de desenvolvimento e aprendizagem e trabalho em
equipe, o que acrescentou muito na minha trajetória profissional e pessoal. Atuei como fono na
APAE por alguns anos e hoje me encontro participando da diretoria (cargo voluntário) da
Instituição, como Diretora Financeira, tentando constantemente buscar uma solução para o
problema maior das APAEs, que é a falta de suporte financeiro, este cada vez mais sucateado pelo
poder público. Há 13 anos, conclui o mestrado em Fonoaudiologia Clínica, o único na época com
este enfoque. Escolhi tal mestrado pela possibilidade de vivenciar todo o conteúdo construído pela e
para a fonoaudiologia, o que não existia em outro curso, como neuro, lingüística e educação, que
eram os mestrados então mais procurados pelos fonoaudiólogos. Enfim, adorei o curso que escolhi
também pela linha que seguia,sócio-construtivista, abordagem esta que também já admirava na
época da graduação. Atualmente, atuo em clinica e atendo casos de linguagem (oral e escrita), voz e
sistema sensório motor oral. Participo de um grupo de apoio às pessoas com gagueira e no último
ano fiz a formação em “Capacitação em diagnóstico dos sinais de risco de autismo em crianças de 0
a 3 anos – PREAUT”, e devo fazer o curso de reabilitação em 2015. Constantemente participo de
palestras, aulas e cursos sobre as áreas que atuo.
Luiza
Fiz magistério e então descobri que gostaria de trabalhar com pessoas. Me apaixonei pelo trabalho
com as crianças. Me formei em psicologia em 1996. Fiz a Formação em Psicanálise da Criança,
foram três anos. Concluí em 2001. Trabalhei na APAE por 8 anos, onde pude aperfeiçoar a
avaliação psicológica com crianças. Em 2005 iniciei uma especialização em Psicoterapia Breve de
Base Psicanalítica. Nesta época fui convidada a dar aulas na faculdade de psicologia da minha
cidade. Lecionei por um ano. Iniciei o mestrado no departamento de neurologia. Conclui em 2011.
Atualmente, atuo na área clinica. Atendo crianças, adolescentes e adultos. Mas o trabalho que eu
tenho mais prazer é fazer a avaliação infantil. O psicodiagnóstico deve ser o ponto de partida, visto
que, através dele, o terapeuta decide o que fazer, como fazer e por que fazer com a criança. Nesse
sentido, pode ser um meio valioso para direcionar o tratamento (indicações e orientações).
Peter
Sou Psicólogo e curso especialização em Psicopedagogia. Trabalho em uma escola privada do
interior de Campinas, realizando orientação profissional de jovens do ensino médio. Também os
ajudo com questões de autoconhecimento, bem como com sua sexualidade, prevenção ao uso
prejudicial de álcool e outras drogas, entrada na faculdade e no marcado de trabalho. Dentre outras
ocupações, atendo em consultório particular, outro local onde trabalho bastante com crianças e
adolescentes. Aprendi a gostar da escola na Faculdade, e até hoje tenho muito apreço pela formação
pessoal e profissional de jovens e adultos.
Tadeu
Sou o Tadeu, filho do Antônio e da Iara, dividindo o mundo com a Andréia e pai do João
Vicente. Transito entre vários rótulos: filho, marido, pai, irmão, amigo, professor, inquilino, cidadão,
historiador, músico e incontáveis outros. Tento ser do bem, me encaixar no mundo, ter olhos de poeta
e agir na base do diálogo.
104
Do grupo de oito, duas participantes – Ana Elisa e Alice – não entregaram suas
apresentações, além de Isadora e Rosa, que também não entregaram por terem decidido não
participar mais do grupo desde os primeiros encontros. Tentei entrar em contato com as
participantes para solicitar essas atividades, mas não tive sucesso.
Em uma viagem podemos ter companheiros de vários tipos, há aqueles que
começam a aventura conosco, desistem no caminho e ainda assim deixam suas marcas, outros
que encontramos no percurso e seguem até o fim, desfrutando do destino alcançado. Há,
ainda, aqueles que mesmo estando ao nosso lado não nos fazem companhia genuína, não
compartilhando dos mesmos interesses e encantamentos pelo que se vê na estrada e outros
que dividirão conosco para sempre uma experiência única, que somente nós teremos
dimensão do que foi. Em busca de compreender o que significou ter a companhia das
participantes no percurso, fui presenteada com a sensível definição do participante Tadeu60:
60
Além de participante do grupo, Tadeu é meu colega de pós-graduação e o texto a que ele se refere na
mensagem é uma apresentação prévia do trabalho de Qualificação compartilhada com o GEPEC.
61
BAUMAN, Z. Mal-estar na pós-modernidade Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
105
Encontro 1
Data: 24/09/2014
Duração: 2h 01min
Participantes: Fabiana, Bianca, Lícia, Luiza, Alice, Ana Elisa, Abayomi, Valentina, Tadeu, Peter,
Rosa, Isadora.
Lanche: Fabiana
Atividades
1) Apresentação da pesquisadora, da auxiliar de pesquisa e da proposta, incluindo os aspectos
éticos da investigação e a assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;
2) Acolhida das participantes, a partir da leitura e discussão do conto “O mundo contempla o
mundo”, de Ítalo Calvino62;
3) Apresentação pessoal de cada participante;
4) Diálogo inicial sobre dilemas vivenciados no cotidiano de trabalho e expectativas sobre
participação no grupo;
5) Definição das atividades para o encontro seguinte.
Para acessar o conto O mundo contempla o mundo:63
62
Conto extraído do livro CALVINO, Ítalo. Palomar. Tradução de Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.
63
Aqueles que estiverem lendo o texto em papel, podem escanear o Código QR por meio de um aplicativo no
smartphone. Os que estiverem lendo em arquivo digital, têm a opção de acessar a mídia pelo link indicado
também.
106
Link: http://bit.ly/elemento1mundo
Encontro 2
Data: 01/10/2014
Duração: 2h11
Participantes: Fabiana, Bianca, Lícia, Luiza, Alice, Ana Elisa, Abayomi, Valentina, Tadeu, Peter,
Rosa, Isadora
Lanche: Luiza, Lícia, Alice
Atividades:
1) Apresentação e discussão do elemento novo trazido por Peter – música “Dom Quixote”,
Engenheiros do Havaí;
2) Partilha de dilemas/angústias da prática profissional;
3) Apresentação do registro reflexivo por Ana Elisa, a partir do texto Pipoca – Rubem Alves
4) Reflexão coletiva sobre a metodologia do grupo.
Link: http://bit.ly/domquixote-elemento2
Link: http://bit.ly/elemento3pipoca
Encontro 3
Data: 08/10/2014
Duração: 2h06
Participantes: Fabiana, Bianca, Ana Aragão64, Lícia, Luiza, Alice, Ana Elisa, Abayomi, Valentina,
Tadeu, Peter, Isadora.
Lanche: Ana Elisa, Abayomi, Valentina
Atividades:
1) Partilha do registro reflexivo de Peter;
2) Discussão e escolha das temáticas que nortearão os encontros;
3) Discussão sobre reflexividade e sistemas teóricos com a participação da Ana Aragão;
4) Apresentação do elemento novo trazido por Isadora – vídeo “Sentimentário”
64
Minha orientadora, Ana Aragão, foi convidada a participar especialmente nesse dia para conduzir uma
discussão sobre reflexividade e formação docente, por acreditarmos que essa temática poderia contribuir com o
grupo.
107
Link: http://bit.ly/elemento4sentimentario
Encontro 4
Data: 15/10/2014
Duração: 2h17
Participantes: Fabiana, Bianca, Lícia, Luiza, Alice, Ana Elisa, Valentina, Tadeu, Peter.
Atividades:
1) Comemoração do aniversário do Tadeu e do dia dos professores;
2) Apresentação e discussão do elemento novo trazido por Tadeu – vídeo “Por cuatro
esquinitas de nada”;
3) Discussão sobre inclusão; avaliação psicológica; atendimento à queixa escolar;
medicalização;
4) Estudo de caso: “A doença de Tom Cruise”
5) Partilha do registro reflexivo de Lícia
Link: http://bit.ly/elemento5porcuatroesquinitas
Encontro 5
Data: 22/10/2014
Duração: 2h15
Participantes: Fabiana, Bianca, Lícia, Luiza, Alice, Ana Elisa, Abayomi, Valentina, Tadeu, Peter
Atividades:
Link: http://bit.ly/elemento6-funcao-arte
108
Link: http://bit.ly/elemento7verdade
Encontro 6
Data: 29/10/2014
Duração: 2h37
Participantes: Fabiana, Bianca, Lícia, Luiza, Alice, Ana Elisa, Valentina, Peter.
Atividades:
1) Partilha e discussão do diário de bordo de Fabiana;
2) Discussão sobre o ato de registrar reflexivamente os acontecimentos da prática profissional;
3) Brincadeira da “batata-quente” para discutir os seguintes temas: psicologia escolar e
educacional; transformação social na prática profissional; processo educativo; contribuições da
psicologia na educação;
4) Discussão do texto “Orientação à queixa escolar”
5) Apresentação e discussão do elemento novo trazido por Lícia – vídeo-clipe “Another brick in
the wall”, Pink Floyd
Link: http://bit.ly/elemento8anotherbrick
Encontro 7
Data: 05/11/2014
Duração: 2h28
Participantes: Fabiana, Bianca, Peter, Tadeu, Abayomi, Ana Elisa, Valentina
Atividades:
1) Apresentação e discussão do elemento novo trazido por Abayomi – vídeo “Ex-ET”
2) Discussão sobre a história da psicologia no Brasil e as interlocuções com a educação;
3) Discussão sobre os dilemas e possibilidades da parceria entre psicólogos e educadores.
Link: http://bit.ly/elemento9ex-et
109
Encontro 8
Data: 13/11/2014
Duração: 2h29
Participantes: Fabiana Marques, Bianca, Peter, Tadeu, Abayomi, Ana Elisa, Valentina, Alice, Lícia,
Luiza.
Atividades:
1) Atividade em pequenos grupos de reflexão sobre o processo do grupo e síntese das vivências
e lições aprendidas;
2) Apresentação da Bianca sobre a percepção dela a respeito do grupo e dos encontros;
3) Apresentação e discussão do vídeo The last knit
4) Reflexão coletiva sobre o processo do grupo;
5) Apresentação do poema Sobre importâncias, Manoel de Barros.
Link: http://bit.ly/elemento10lastknit
Link: http://bit.ly/elemento11sobre-importancias
Nos três casos, pistas talvez infinitesimais permitem captar uma realidade
mais profunda, de outra forma inatingível. Pistas, mais precisamente
65
Personagem criado pelo escritor Arthur Conan Doyle.
111
sintomas (no caso de Freud), indícios (no caso de Sherlock Holmes), signos
pictóricos (no caso de Morelli). (GINZBURG, 1989, p. 150)
2014). Portanto, a apresentação e discussão das análises da Tese, neste capítulo, seguirá o
seguinte caminho:
66
Em apresentação no Concurso para Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas.
67
Tradução livre do inglês.
115
grupo que merecem um olhar mais atento e demorado, não são uma transcrição literal dos
encontros, mas narrativas criadas por mim a partir das transcrições. A seguir, apresento cada
uma das Paradas, selecionadas ao longo dos oito encontros. Os títulos de cada uma são
retirados da própria fala das participantes ou criados por mim com base no sentido que
melhor representa aquele episódio68.
1º Encontro – 24/09/2014
PARADA 1: O objetivo é...
Na apresentação da proposta, digo que o grupo será um espaço de construção do material da pesquisa,
mas ao mesmo tempo um espaço formativo, em que conversaremos sobre questões diversas relativas
à prática do psicólogo que trabalha com demandas educacionais.
Diante das angústias e queixas trazidas pelas participantes, digo que estamos juntos nessa proposta
para refletir sobre os nossos problemas e pensar em possibilidades. Logo depois da apresentação
pessoal de cada participante, ao perceber a diversidade de profissionais no grupo, eu digo:
FA: Eu quis dar esse início com a nossa conversa, porque esse vai ser o tom do encontro, a gente
estar juntos para conversar, para partilhar (...). Sobre a questão de haver outros profissionais no
grupo, destaco que o objetivo é propor a formação do psicólogo, mas com a presença de outros
poderemos dialogar e ampliar nossas experiências e entendimentos (...). O objetivo é ‘vamos pensar
então no que podemos fazer a partir de tudo isso que vocês estão trazendo? Que possibilidades a
gente tem, estando em grupo, numa formação coletiva, com os pares, dialogando, pensando nas
realidades, trazendo casos, refletindo sobre eles?
No início da proposta, afirmo que este é um grupo voltado para pensar a atuação do psicólogo com
demandas educacionais. Ao me dar conta da diversidade do grupo, acolho os demais profissionais e
digo que com a presença deles poderemos ampliar nossos entendimentos. Apesar da diversidade, os
problemas e expectativas quanto ao grupo eram semelhantes: lacunas na formação, grande número de
encaminhamentos relativos à queixa escolar, problemas institucionais para o desenvolvimento de um
trabalho consistente, solidão nos locais de trabalho – falta de espaços e incentivo para formação
continuada, falta de diálogo com os pares e com a equipe de trabalho. A frase de Valentina, que dá
título a essa Parada, exemplifica o sentimento do grupo ao se apresentarem – todos apresentam
queixas em comum e a necessidade de partilhá-las em grupo:
LI: Então a minha expectativa é de conversar sobre essas coisas, porque eu acho que a solução...
não sei se a solução está tão fácil.
68
Para facilitar a leitura, coloquei os nomes em siglas: FA: Fabiana; BI: Bianca; AN: Ana Aragão;
LI: Lícia; LU: Luiza; AL: Alice; AB: Abayomi; VA: Valentina; TA: Tadeu; PE: Peter; RO: Rosa; IS:
Isadora
116
PARADA 3: Queixa-lamento69
Começo o 1º encontro com uma apresentação da pesquisa e da proposta formativa, dizendo que
abordaremos questões relativas à formação do psicólogo que trabalha com demandas educacionais.
Em seguida, leio um conto do Ítalo Calvino – O mundo contempla o mundo – dizendo ao grupo que
essa seria uma forma de dar leveza ao encontro. Aguardo alguns minutos em silêncio, tentando
observar a reação do grupo ou alguma iniciativa de comentar a leitura e pergunto se alguém tem algo
a comentar. Peter comenta que o texto tem a ver com Psicologia:
PE: É um exercício constante, do psicólogo e para outras áreas, assistência social... Conseguir se
distanciar de si próprio para ver o outro como ele é por ele mesmo (...). Acho que o texto traz um
pouco dessa reflexão de como esse processo não é realmente tão simples assim.
Elogio a fala dele e em seguida abro novamente para o grupo. Rosa questiona se é possível olhar de
forma diferenciada para o contexto educacional e começa a criticar o sistema educacional atual,
citando, por exemplo a medicalização como um problema. Continuo a abrir para que o grupo fale. A
partir desse momento, percebo emergir mais comentários sobre problemas e críticas à Educação, em
especial ao papel do psicólogo, dos professores e das famílias:
RO: Os pais perderam essa autoridade também e aí a escola perdeu totalmente o valor (...) O papel
da escola é a escolarização e o papel dos pais é a educação (...) em nome de uma afetividade, de um
carinho, está se deixando perder uma série de coisas, inclusive a autoridade.
AB: Então eu tenho muita dificuldade [nas escolas] por causa disso. Quando fala que é psicólogo
eles pensam que vamos resolver todos os problemas.
Tento acolher as falas que surgem e ressalto que o objetivo do grupo é partilhar as angústias, mas
também pensar em possibilidades: “É isso que eu queria trazer para vocês: estar em grupo e pode
conversar sobre isso, pensar nas nossas ações e buscar possibilidades no cotidiano das nossas
práticas”.
2º Encontro – 01/10/2014
Inicio o segundo encontro convidando Peter a apresentar o elemento novo que preparou – música
Dom Quixote, dos Engenheiros do Havaí. Percebo que não retomo com o grupo os objetivos do
encontro, nem ofereço ao grupo uma organização das atividades programadas para o dia. Depois de
ouvirmos a música, pergunto a Peter o que ele pensou ao trazê-la como elemento novo. Ele diz que
essa música o anima em momentos difíceis. Pergunto ao grupo o que pensaram ao ouvir a música,
Ana Elisa diz que ficou pensando nas ‘causas perdidas’: “Às vezes a sensação é essa, não tem mais
jeito, está todo mundo perdido, é o que chega pra gente”.
Eu tomo a fala logo em seguida e conto de uma situação difícil que vivenciei, quando trabalhava em
um abrigo para crianças em situação de vulnerabilidade social, dizendo em um tom de “queixa-
lamento” que por vezes não sabia como agir, mas que sempre tentava enxergar o melhor nas crianças
para contribuir de alguma forma. A partir daqui, percebo que o grupo entra no momento de
“desabafar”, trazendo problemas e críticas ao sistema educacional, à sociedade. Peter comenta sobre
69
Esse termo é inspirado na definição de Fernandez (1994), quando problematiza os diferentes tipos de queixa
que podem surgir do professor, dizendo que a queixa-lamento, ao apontar somente as dificuldades e agruras do
cotidiano, impede o pensamento crítico e a busca por soluções.
70
Trecho da música Dom Quixote, Engenheiros do Havaí.
117
as lacunas na formação do psicólogo para lidar com demandas educacionais, Tadeu comenta sobre a
produção de pessoas “desajustadas” pelo sistema capitalista, Rosa traz o caso de sua filha que
apresentava dificuldades em matemática, problema que a escola acabou atribuindo a causas orgânicas,
não buscando um olhar para o processo de ensino-aprendizagem, Ana Elisa traz o caso do seu filho de
cinco anos que já é cobrado a fazer atividades de leitura e escrita, quando essas ainda não fazem
sentido para ele. A partir desse momento, sinto dificuldades em fazer entradas e retomar o lugar de
coordenadora do grupo. Tento acolher as falas levantadas pelo grupo e propor reflexões ou mesmo
que recorramos às leituras que tínhamos para aquele encontro, mas não consigo. Os desabafos
continuam e apresentam contradição – ora responsabilizam as famílias, ora os professores, ora o
sistema social, educacional... ora as ideias são conservadoras e ora trazem uma perspectiva crítica:
RO: Porque hoje a educação está perdida. Criança de cinco anos fazendo tarefa, ela já é velha,
porque começa antes.
IS: O problema não é a criança, a escola não sabe lidar com a criança. Porque o professor não é
preparado para isso (…). Eu acho que se joga muita responsabilidade sobre o professor (...) o que
vocês vão fazer como psicólogos? Fazer com que a criança fique quadradinha? No meu caso, eu não
faço. Eu faço com que a criança se apodere do potencial dela.
Em um determinado momento, sugiro novamente discutirmos as leituras programadas para aquele dia
e em seguida Tadeu pede a palavra para sugerir dois documentários (Tarja Branca e Em busca do
Super-homem) que ajudam a pensar a Educação criticamente. Logo após as sugestões de Tadeu, eu
começo a contar um caso pessoal, de uma criança que conheço e que se encaixa na crítica que Tadeu
trouxe – muitas atividades formais e pouco tempo e espaço para brincar. Aqui percebo que eu também
precisava desabafar, assim como o grupo e a partir desse ponto, outras pessoas continuam a trazer
relatos pessoais e a levantar problemas e queixas. Faltando vinte minutos, proponho que a Ana Elisa
leia o seu registro do primeiro encontro e que façamos a discussão dos textos. Peter e Ana Elisa,
porém, pedem a palavra para contarem situações que viveram no trabalho e eu digo estar preocupada
com a hora e sugiro que quem tiver mais problemas para partilhar me mandar por escrito em forma de
um dilema, para que no encontro seguinte possamos escolher coletivamente quais temas
trabalharemos ao longo da proposta.
Nos minutos finais do segundo encontro, Lícia faz uma pergunta e, a partir dela, temos uma conversa
em grupo sobre os objetivos da proposta:
LI: Fabiana, qual a metodologia da sua pesquisa? Seu objetivo maior o que é? Ouvir os relatos,
dentro dos relatos, obter alguma informação? Queria saber um pouquinho disso.
Explico que o objetivo é tanto produzir o material de pesquisa, quanto proporcionar um espaço
formativo. Ela continua:
FA: A proposta é uma construção conjunta. Ao invés de chegar aqui com um planejamento pronto, eu
chego com propostas, porque tenho um objetivo e uma intencionalidade que é de provocar em vocês
a discussão sobre a prática. (...). Eu tenho uma intencionalidade, mas a ideia de estar todo mundo
junto conversando, é justamente essa, de ter uma horizontalidade maior, de partir do pressuposto de
que eu também não sei. Tudo isso que vocês estão trazendo como problemas também são questões
minhas, também tenho dificuldades, não tenho uma solução pronta. É a gente que vai pensando junto.
118
LI: Hoje, por exemplo, ficamos muito falando do professor, do aluno, da família... houve uma
angústia pessoal, que eu enquanto equipe posso fazer para o professor... A gente focou muito no
outro (...). E ao mesmo tempo a gente chega num ponto da ação. Parece que nisso a gente não está
entrando “e aí, o que eu faço diante disso?”. Eu como equipe. O professor está errado em tal ponto,
o aluno, mas jogar para a equipe.
FA: Vocês se identificam com essa fala da Lícia? É uma angústia de vocês também?
IS: É nesse ponto que eu queria chegar. É como se ficássemos apontando e não buscássemos... você
entendeu.
FA: Eu acho que entendi, Isadora e é legal você explicitar isso, Lícia, porque é uma angústia que me
bateu hoje. Como mediadora, minha proposta é horizontal mesmo, com toda sinceridade, de ouvir
vocês. Até por isso que estou deixando mais solto, porque eu quero entender primeiro de que lugar
estamos falando aqui. (...). Tanto no encontro passada quanto nesse, o meu movimento foi de tentar
escutar vocês para tentar entender que problemas são esses para a gente nos próximos encontros
tentar se organizar e aí sim chegar: efetivamente o que a gente pode fazer com isso? E aí tem essa
proposta dos textos, a ideia de discutir os textos é justamente para buscar essas possibilidades
concretas e eu penso que eles trazem isso.
LI: Fico pensando assim, o primeiro encontro foi um momento para gente se conhecer, chegar no
lugar. Esse encontro de hoje foi um momento de conseguir tirar aquilo que está mais incomodando,
foi como se a gente tirasse aquele choro que está na garganta para num próximo momento a gente
poder falar sobre nosso papel.
3º Encontro – 08/10/2014
Diferente do segundo encontro, em que não houve uma retomada e organização das atividades
combinadas, inicio o terceiro encontro estabelecendo um cronograma: primeiro a partilha do registro
reflexivo do Peter, seguido pela categorização dos dilemas e escolha coletiva dos temas a serem
discutidos nos encontros seguintes; partilha do elemento novo preparado pela Isadora; discussão dos
textos sugeridos, com as contribuições da Ana Aragão, convidada especial do dia. Aqui percebo que
assumo uma postura de propositora do grupo, conduzindo e orientando as atividades de acordo com
minhas intenções de pesquisadora e considerando também o processo formativo das participantes,
objetivo igualmente importante da proposta.
Ana e eu decidimos que seria importante sua participação no terceiro encontro, levando uma
discussão sobre reflexividade, a partir das pesquisas e trabalhos que tem desenvolvido nas escolas. No
início deste encontro, apresentei a categorização dos dilemas levantados pelo grupo, explicando o que
seria reflexividade e como esse processo ajuda na tomada de decisões diante de problemas
enfrentados cotidianamente. Então, Ana fez a seguinte pergunta ao grupo: “que teorias têm
fundamentado as práticas de vocês?”. Cada participante conta brevemente as linhas teóricas nas quais
baseiam suas práticas. Alguns indicam que ainda estão em processo de defini-las, outros dizem que
apesar de se identificarem com uma dada teoria, sentem que ela não dá conta de todos os problemas,
outros indicam ainda dificuldades em articular a teoria na prática:
119
AB: Tenho seguido mais comportamental, mas desde que estou trabalhando na educação tenho
buscado outras coisas também.
AE: Eu não queria falar. Porque não fico à vontade quanto a isso. Na faculdade eu tinha professores
que faziam terrorismo com a teoria deles. Então, eu acabei fazendo estágio em comportamental, por
conta do professor (...). Fui chamada para trabalhar na área social e a psicóloga de lá trabalhava na
teoria sistêmica e para mim faz muito sentido.
Ana e eu tecemos uma discussão com o grupo sobre a importância de escolher um sistema teórico,
para que as ações profissionais tenham fundamento e guiem as escolhas e a superação dos dilemas da
prática. Conversamos também sobre a articulação dialética entre teoria e prática e sobre a
impossibilidade de que a psicologia consiga resolver todos os problemas:
AN: Por muito tempo eu achei que a psicologia dava conta de qualquer coisa. Então é igual a BCG,
toma e está vacinado para o resto da vida. O que eu acho hoje é que a teoria não dá todas as
respostas, simplesmente porque ela não é capaz de elaborar todas as perguntas. Então não é ir atrás
de outro sistema teórico é ir atrás de outras ciências: como a sociologia vê isso, como a filosofia vê
isso.
À essa colocação da Ana, eu acrescento dizendo que para escolher um referencial teórico dentro da
psicologia é importante pensar no contexto histórico de surgimento daquele autor e daquelas ideias,
analisando os propósitos e condições de criação daquele sistema teórico. Aqui apresento o movimento
de crítica dentro da Psicologia Escolar, explicando principalmente a crítica aos testes padronizados.
Peter comenta minha fala e a partir disso tecemos uma conversa sobre por fundamentos teóricos:
PE: Como essa ideia de que alguém vai a partir de um teste dar a resposta para o outro é forte na
orientação profissional. Vários alunos falam, mas você não vai dar um teste vocacional para a
gente?
PE: Primeiro que eles esperam que um teste vai apontar a profissão e você vai ser aquilo. E o teste
não vai. Esse é o primeiro ponto que consigo de abertura deles nesse sentido. Segundo, porque o teste
seja ele psicólogo ou outro é situacional (...)
FA: E olha só o que está fundamentando o que você pensa! Partindo do princípio de que o ser
humano está sempre em processo de transformação.
Ao final do terceiro encontro, convidei o grupo a olhar para a categorização dos dilemas que
trouxeram para decidirmos o cronograma para os encontros seguintes, considerando que nosso ponto
em comum é discutir o trabalho com demandas educacionais. Com a ajuda da Ana, chegamos à
definição de 4 grandes eixos:
1) Queixa escolar: o que é, como trabalhar a formação dos professores e como lidar com a questão da
medicalização;
2) Relação família-escola, que tipo de orientação podemos dar,
3) Papel e funções do psicólogo no trabalho com demandas educacionais;
4) Propostas de trabalho coletivo e individualizado.
120
Teríamos somente mais cinco encontros para organizar o cronograma. Neste momento, as
participantes oferecem soluções diversas para a organização do grupo e, chegamos coletivamente à
decisão de agrupar os eixos 1 e 2 e os eixos 3 e 4, trabalhando-os respectivamente nos encontros 4 e 5
e 6 e 7, sendo o último encontro destinado para o encerramento do grupo.
4º Encontro – 15/10/2014
TA: [O salgadinho] foi de última hora. Mas a ideia era trazer algo mais de coração, mais artesanal.
Eu gosto muito de coisa artesanal e isso de ofertar para o outro eu gosto muito. Me sinto muito bem.
Me interessa menos a reação da pessoa e mais o prazer de fazer.
A partir disso, fiz uma colocação sobre como a partilha do lanche no nosso grupo tem sido um
momento para nos aproximarmos afetivamente:
FA: Eu trouxe o lanche a primeira vez e convidei vocês para trazerem as próximas para partilhar
comidas que tivesse algum significado para vocês ou mesmo o ato de trazer, o esforço que a gente
tem para estar aqui no horário, passar em algum lugar e buscar um lanche que todos gostem, acho
que o convite que queria fazer e espero que esteja sendo significativo, é da gente se aproximar como
grupo, de isso fazer sentido para gente, as conversas, oferecer uma rifa, partilhar receitas, trocar
ideias e da comida. Isso tem a ver com essa proposta de estarmos juntos e partilhar (...) O que tem
significado para vocês estarem aqui toda quarta? E daí me lembrei do momento do lanche, do
momento em que vocês chegam e eu recebo vocês e eu sinto muita amorosidade nesse espaço e nesse
momento. Sinto que o encontro é algo potente e é nele que eu aposto. Eu aposto na conversa, aposto
no outro como uma possibilidade muito rica da gente se desenvolver como profissionais, como gente.
No 4º encontro levo para o grupo um cronograma com as atividades programadas para o dia: entrega
dos registros reflexivos para elaboração de devolutiva; elemento novo levado por Tadeu; partilha do
registro reflexivo da Lícia; estudo de caso a partir do artigo: “A doença do Tom Cruise: uma
experiência de estágio em intervenção psicoeducacional”. Pergunto ao grupo como gostariam de
organizar a ordem das atividades. Fabiana sugere que as pessoas que prepararam o elemento novo e o
registro decidam qual ordem fica melhor e assim Tadeu apresentou o elemento novo no início do
encontro.
Em seguida, discutimos o artigo sugerido por mim, que trazia um estudo de caso sobre atendimento a
uma criança com diagnostico de dislexia. Eu havia preparado uma atividade em pequenos grupos.
Porém, havia poucas pessoas naquele dia e Peter sugeriu que fizéssemos a atividade com o grupo
todo, decisão que foi acolhida por todos.
121
O elemento novo foi um recurso estético presente em todos os encontros e a cada vez era levado por
uma pessoa diferente, ajudando a disparar discussões. No 4º encontro, Tadeu partilhou com o grupo
um curta-metragem “Por cuatro esquinitas de nada”. Pergunto a ele porque decidiu trazer esse vídeo:
TA: Eu acho o seguinte, pensando no que a gente falou outro dia em qual seria o papel do psicólogo
(...) de falar “olha, não é mais fácil abrir a porta?”. Essa clareza talvez seria a função de vocês:
“será que não tem outro caminho, outra forma?”. Dar esse olhar. Isso eu acho interessante. Não só
interessante, como fundamental. Porque vezes na escola você não tem isso. (...). Eu acho que talvez
vocês conseguiriam dar esse olhar, talvez é muita responsabilidade.
PE: Eu acho que conversa um pouco, eu li os textos e a visão que ficou para mim dos três textos
como um todo é que a maioria das vezes a queixa escolar vem de um olhar errado sobre a criança
(...) Então a dificuldade nossa na verdade é fazer com que as pessoas não olhem para a criança,
olhem para o sistema eu pensei numa luta contra a maré.
FA: Bem contra a maré. Mais alguém ficou pensando alguma coisa sobre o vídeo?
LC: Eu fiquei pensando na inclusão, que hoje é uma realidade que a gente tem. Não é no sentido
ideal, mas muitas vezes a gente consegue colocar o quadradinho. Mas e aí? Aí eu fico pensando, será
que a gente está ainda só nesse primeiro passo, colocando o quadradinho e isso basta? Não. É
colocar o quadradinho, mudar a porta, mudar esse coletivo para receber esse quadradinho, pensei
na inclusão que é um grande desafio hoje.
Luiza e Alice partilham experiências de suas práticas com educação inclusiva. Em seguida, usando a
metáfora do próprio vídeo, Peter comenta que não se deve apenas arrumar a porta para “permitir a
entrada do quadradinho”, mas tirar a parede toda, refazê-la. Eu pergunto:
FA: Que tipo de concepção de criança, educação, aprendizagem, desenvolvimento sustenta essa
ideia que vocês trazem de inclusão?
PE: Acho que isso vem muito com a visão de que cada um é um mesmo, independente se tem um
nome para o que a pessoa tem ou não (...)
A discussão provocada pelo elemento novo trazido por Tadeu levou o grupo a pensar sobre a inclusão
e sobre as crianças que apresentam alguma intercorrência no processo de escolarização, recebem
algum diagnóstico e acabam ficando “invisíveis” no cotidiano escolar, vista apenas por meio de uma
patologia e não a partir de suas potencialidades. Comento com o grupo que a necessidade de enxergar
e trabalhar as potencialidades da criança já parece ser um assunto tão comum, mas me questiono
porque isso tantas vezes não se efetiva nas salas de aula. Tadeu então responde:
TA: Eu tenho uma tese. Eu trabalho com formação de professores e essa situação é assim “eu sei eu
vejo, mas eu não tenho o que fazer”. E aí o que a gente pensa e chegou a algumas conclusões, vou
tentar responder duas coisas que você perguntou. As concepções que a gente tem de criança,
aprendizagem e desenvolvimento (...) é uma mistura de tudo, um sambão. Então você não tem, de
verdade, o professor estuda pouco teorias de concepção, estuda muito pouco isso. Dá uma pincelada
122
em Vigotski, uma pincelada em Piaget, coloca ou dois juntos, vai fazendo essas coisas. Não se
aprofunda. E no final o que eu vejo é que a gente tem uma educação muito militarizada.
[Tadeu parecia ter algo a mais para acrescentar, mas eu não escuto sua solicitação inicio uma fala, a
partir de um material que preparei em slides]
FA: Eu penso também, não tem um culpado nessa história. Por quê? Porque são discursos que
sustentam esse jeito de pensar. Então discursos produzidos a partir de uma trajetória que é história.
Então isso chega para o professor, para ele e para nós como psicólogos e para outras pessoas como
algo muito natural.
Após apresentar uma crítica aos diagnósticos psicológicos a partir de avaliações neurológicas,
pergunto a Luiza:
FA: O que você pensa, Luiza, estou pensando em você agora, por você vir dessa área da
neuropsicologia, da avaliação neuropsicológica, o que você pensa dessa questão do distúrbio como
um argumento muito presente na fala dos professores? Partilha com a gente um pouco sua
experiência.
A partir dessa pergunta, Luiza contribui para pensar esse tema com sua prática clínica, Tadeu com os
conhecimentos da História, Ana Elisa com sua prática na área social e da saúde.
A discussão sobre diagnósticos, medicalização, predominância dos saberes do campo da saúde para
tratar questões escolares emergiu ao longo do 4º encontro. Ao perceber o movimento de “queixa-
lamentação” em que estávamos prestes a entrar, fiz a seguinte entrada:
FA: Mais uma vez a gente entrou naquele movimento que é de falar do quanto é difícil e realmente é.
É o entrave com os médicos, com um pensamento que está inserido na fala dos professores, na nossa
fala, na fala das famílias. (...). Estou pensando aqui no nosso objetivo de hoje que é pensar em
possibilidades efetivas, considerando a questão da atuação do psicólogo, mas também dos
professores e da Lícia que lida com essas questões. E de novo a gente tem meia hora para fazer tudo
isso. O que eu pensei: tem o registro da Lícia, que acho que podemos deixar para o final como um
jeito de amarrar e de sair daqui pensando no seu entendimento sobre o grupo. Eu pensei em ler para
vocês a história do Tom Cruise da Silva, é esse o nome que a autora deu no artigo e partir desse
caso, a gente pensar em algumas questões (...)
A partir da leitura do caso, pergunto ao grupo o que fariam com aquele encaminhamento e percebo
que cada participante contribui para pensar no atendimento à queixa escolar, a partir do seu campo de
formação/atuação profissional.
LU: Ah, Fabiana, geralmente eu acolho [a mãe]. Falo, é, você pensa isso? Tudo bem, vou tentar
ajudar e a gente juntos vamos ver o que é possível ser feito. Não sei. Geralmente acolho.
LI: A gente não sabe o fato, mas a gente tem que investigar isso: que função o não estar lendo está
tendo na vida dele, como que isso começou e para onde isso está indo.
BI: Acho que as outras informações que a gente precisa nesse caso, seria fundamental olhar para
como essa criança está sendo atendida na escola.
123
AE: Acho que aí a gente vai considerando tudo, como a escola reage e quando fala da mãe, como a
mãe concebe aquilo também vai fazer com que ela aja determinada forma com aquela criança.
TA: Vocês já foram em reuniões de pais e professores? Você é um confessionário, eles vêm e
despejam tudo, chora, abraça e daí melhora. O professor que é duro nesse momento, não tem
resposta. Só de você acolher o pai e a mãe, já tem uma mudança.
AL: Eu tenho um aluno e quando eu ofereço um estímulo e ele não responde, eu fico, o que eu estou
fazendo de errado? Será que a forma como eu estou falando está errada, será que minha didática
está errada, será que a minha teoria está errada? O que eu estou fazendo de errado?
Ao final do 4º encontro, Lícia partilha seu registro reflexivo sobre o encontro anterior. Nele, relata as
angústias de não perceber um objetivo nos dois primeiros encontros e como o 3º encontro foi decisivo
para criar uma identidade no grupo. Ao finalizar a leitura, comentou:
LI: Eu percebo de um jeito muito pontual. Os dois primeiros encontros eu achei bons, claro, mas
mais soltos, no sentido do objetivo e isso me angustiou um pouco. Como eu coloquei aqui, ilustrando,
como se tivesse sido uma gestação e no terceiro encontro a coisa nasceu. E agora a gente está
caminhando, andando. E eu achei o terceiro encontro como o que norteou: “que linha que eu sigo?”
“como quem você dialoga?”, a Ana falou isso.
LI: Quinta-feira de manhã atendi uma menina autista, caso dificílimo, dificílimo e a menina tem três
anos e ela fica muito com a mãe, fala muito pouco e ela protesta muito, o protesto dela quando a
gente tira a mãe é ela fazer xixi. Ela já faz no banheiro, mas ela fez xixi na sala, perto do meu pé. E
naquele dia a gente tirou a mãe e ela veio, fez xixi, aquele xixizão. Eu falei assim: “bom, tá bom, com
quem eu vou dialogar agora, o que eu faço agora?” É pra gente chamar a mãe, a mãe troca e a gente
não tá fazendo mais isso, eu troco e tal. E aí ela sapateia no xixi, faz aquela confusão e nessa hora eu
pensei: “bom, na teoria estava tudo muito tranquilo e agora na prática, o que eu faço com esse xixi,
com essa criança?” A gente já tem algumas coisas prontas para fazer, não entrei em desespero, mas
enfim, foi um dilema que vivi e falei, com quem eu vou conversa agora? Então, esse encontro trouxe
muito isso, criou uma propriedade no grupo e foi muito bom. Foi isso que pensei e acho que a
angústia que tive nos dois primeiros encontros foi atendida, fui muito acalmada nesse terceiro.
5º encontro – 22/10/2014
Desde o 4º encontro, havia pedido ao grupo que entregassem os registros reflexivos que haviam feito
até então para que eu pudesse conhecer o processo de cada uma no grupo mais profundamente,
oferecendo devolutivas. Então partilhei com o grupo uma outra ideia:
FA: E daí enquanto eu pensava sobre isso me veio uma outra ideia: se eu estou dizendo que aqui é
um espaço de construção coletiva e eu considero que tem sido, pelas conversas que a gente teve,
pelas escolhas que vocês mesmos fizeram dos dilemas, eu resolvi trazer os meus registros para vocês
também. Essa semana eu falei “ah, vou mandar do último encontro”, porque eu achei legal, me
movimentou coisas interessantes, e aí fui ler os outros e pesei que seria bom vocês terem acesso ao
que eu escrevi. A cada vez que eu saio daqui eu escrevo alguma coisa, como se fosse um diário de
124
campo, que é um recurso que a gente usa na pesquisa qualitativa, o pesquisador, ao longo do
processo, ele já vai narrando e tentando entender os sentidos produzidos pelo processo da pesquisa.
Então a cada vez que eu saio daqui eu faço um registro e daí trouxe para vocês. Eu vou entregar e aí
eu queria a contrapartida: que vocês fizessem para mim considerações: o que chamou a atenção
nesses registros que eu estou entregando, sobre minha postura, sobre o que a gente conversou... do
meu jeito de enxergar o grupo. Vocês topam?
Tadeu partilhou conosco seu registro reflexivo sobre o 4º encontro: começa dizendo que é o registro
do dia 15 de outubro, dia do seu aniversário e diz que foi bom, mas esquisito estar com o grupo.
Pergunto porque esquisito, ele disse que já tem um tempo que ele escolheu não trabalhar no dia do
aniversario dele. E esse ano ele disse que não só trabalhou como fez mais coisas: “mas o dia inteiro,
com fazendo coisas que eu não gostei, a única coisa que eu gostei foi estar aqui”. Segue lendo o relato
sobre como o vídeo Sentimentário e as conversas sobre rótulos relacionados a problemas de
aprendizagem o mobilizaram, pois ele mesmo foi diagnosticado como disléxico na infância:
TA: Achei muito interessante quando você [Lícia] falou que não é um diagnostico fácil, né? Hoje eu
entendo isso, não é fácil, não é simples, hoje eu entendo isso.
A partir do relato pessoal de Tadeu, pedi ao grupo para que imaginassem o que fariam se um caso
como o de Tadeu chegasse até eles. Alice relaciona o relato a uma reunião em seu trabalho, na qual
discutiram a possibilidade de retirar o EJA da escola:
AL: aí fiquei escutando o Tadeu falar e pensei: tudo a ver com a discussão de hoje de manha. Tirar o
problema da escola, não tem que tirar o problema da escola, o problema é da escola, o problema é
de todo mundo que está envolvido com a escola.
Pergunto aos psicólogos do grupo o que fariam. Valentina partilha sua prática como psicóloga de uma
Unidade Básica de Saúde, dizendo que busca investigar tanto os aspectos da saúde da criança, da
história familiar, quanto da escolarização. Convido o grupo a buscarem nos textos sugeridos ideias
para pensar em como lidar com demandas educacionais. O grupo fica em silêncio diante desse convite
e eu pergunto o que estão pensando. Luiza comenta sobre a falta de preparo dos profissionais que
atendem as demandas educacionais, desde professores até psicólogos, médicos... e Tadeu comenta
que no seu caso algo que fez toda a diferença foi o modo como alguns professores o olharam sem
julgá-lo por seu diagnóstico, mas valorizando suas potencialidades.
FA: Mas Tadeu você também falou uma coisa importante que é de procurar o olhar do professor,
você devolvia em forma de brincadeira e aquilo voltava. Então eu acho que você está falando do
vinculo afetivo que é criado com o professor. Se aquele professor te dava troca afetiva, então a coisa
caminhava.
Alice então associa essa conversa sobre afetividade e prática docente a suas ações como professora:
AL: Hoje na escola em que eu trabalho tem encontro individual. E aí eu pensei: “o que eu vou falar
pra mãe sobre o que esse aluno desenvolveu nesse semestre?”. E comecei a pensar, pensar, pensar e
aí eu me dei conta que no meio do semestre o aluno ficou mais próximo de mim e aí eu acho que o
vínculo afetivo foi diferente e aí eu percebi que tanto que ele estava desenvolvendo.
FA: Alice e o que da sua ação você consegue identificar que foi importante nesse processo?
125
AL: Acho que o tempo (...) Me conhecer e conhecer essa criança também, saber de que forma eu
posso agir com essa criança, o que eu posso fazer, de que forma eu posso chamar a atenção (...)
Então a gente vai criando estratégia durante o ano.
FA: É o tempo, mas eu penso que tem um outro elemento aí no meio, que é o seu entendimento de que
isso é importante. Porque você, nesse processo, se isso não fosse importante, você não iria estar se
fazendo tantas perguntas. Olha o tanto de perguntas que você foi fazendo: “o que eu posso fazer?
Porque ele estava assim? Porque ele ficou desse jeito? O que é importante nessa relação?”.
Diante do meu convite para discutir os casos apresentados no grupo, Peter disse:
PE: Quando pergunta: “o que fazer com esse caso?” parece que o caso sempre chega pronto e é só
dizer: “vou fazer assim, assim, assim”. Será que esse caso assim vai ser sempre da mesma forma?
FA: Eu entendo o que você traz, Peter, acho que a minha tentativa de pensar em casos é tornar mais
concreta a nossa conversa, sabe? E acho que a gente tem que tomar bastante cuidado mesmo, porque
não existe uma única solução (...) Então não tem uma receita, mas tem possibilidades e eu estou
percebendo que a possibilidade mais concreta que a gente chegou até agora é essa de buscar outros
jeitos de olhar. Então vamos ouvir essa criança? O que será que ela entende dessa situação? Que
jeito ela vê isso tudo?
A partir desse ponto, discutimos sobre a importância de ouvir as crianças e entender a versão delas
sobre a queixa, ouvir também as famílias e a escola, acolhendo as angústias e movimentando as várias
versões sobre o caso:
LU: Então, eu me apresento eu falo: “olha, eu já conversei com seus pais”, porque já colhia queixa
com os pais e falo “eu vou te contar o que eu conversei com seus pais e depois você me fala se você
concorda ou não (...)
LU: É uma técnica, uma estratégia de você deixar a criança mais... tranquila, você acolhe aquela
angústia.
LU: Peter, primeiro eu faço uma avaliação (...). Então, primeiro eu fecho a avaliação da criança e
depois eu vou para a escola.
TA: Eu estava pensando numa coisa, a receita de bolo, de estar preocupado com a receita de bolo. A
receita de bolo ela dá uma segurança pra gente de que se ela falhar, troca de receita. Por isso que as
pessoas querem tanto a receita de bolo. Mas pensando por outro lado, a gente pode construir uma
receita de bolo (...). Acho que a gente construiu uma receitinha. Uma receitinha não, um receitão.
Um bolão gostosão. E não tem problema. Eu tinha muito forte essa fala, não quero receita, não quero
usar receita, mas é legal a gente construir, talvez artesanal.
TA: Seja o processo. E aquela coisa: não deu certo? Vamos fazer de novo. É isso. Achei legal isso, o
quê olhar, como olhar... escutar.
6º Encontro – 29/10/2014
PARADA 18: “O que você acha que os encontros estão sendo para nós?”
Depois de ter entregado impresso às participantes o diário de bordo de todos os encontros, levo o
registro que fiz do 5º encontro para partilhar com o grupo no início do 6º encontro. Perguntei, então,
como foi para elas ouvirem as minhas impressões sobre o grupo.
PE: Achei engraçado que no começo você se pergunta até que ponto você se coloca participando do
grupo e ao longo da sua leitura, você foi trocando várias palavras que se distanciavam um pouco do
grupo e na sua troca você se aproximava do grupo. Quando você escreveu sobre o grupo, você
colocou “conosco”, acho que você está mesmo inserida e como isso contribui para que esse grupo
seja um grupo mais unido, mais humano, sabe?
LI: O que me disparou uma reflexão foi essa frase “que sentido tem para o grupo registrar
reflexivamente os acontecimentos?”. E é um exercício muito interessante. Na minha prática eu não
escrevo muito, eu gosto de escrever, mas eu não conhecia o exercício do portfolio reflexivo. E eu
achei muito interessante, porque a gente ressignifica, retoma aqui e ressignifica, entende melhor a
coisa, o que foi pensado. (...) O seu relato eu achei muito cuidadoso, seu olhar é muito cuidadoso,
muito atento. Então isso não é fácil, acho que isso é trabalhoso. (...) Então eu vejo que você tem esse
movimento sozinha você com o trabalho e aqui no grupo. E eu acho que a sua escuta é muito
delicada, muito sensível, acho que o olhar e a escuta.
LU: A vida da gente é muito corrida, né, Fabiana, chega a noite, minha filha está lá escutando a
Pepa e eu fazendo registro reflexivo. (...) Então eu entrei um pouco em angústia, tive vontade de
desmarcar uma manhã inteira de paciente para sentar quietinha e fazer. Eu senti falta de um tempo
que eu já tive e hoje não tenho.
Eu pergunto se mais alguém se identifica com essa angustia partilhada pela Luiza. Alice disse:
AL: Para mim é significativo fazer o relato, mas meu tempo também é curto. Para mim não é fácil,
não só o relato, mas tudo que eu tenho que fazer. Tudo demanda tempo e meu tempo é muito curto.
FA: E é por isso que eu coloco que vocês não são meu objeto de pesquisa, são gente. Gente bem
inteira mesmo. E eu tenho tentando exercitar esse cuidado de entender a condição de vocês [aqui falo
ao grupo que entendo quando não conseguem entregar uma atividade solicitada ou fazerem as leituras
indicadas, pois todas trabalham e vêm de outra cidade e que ainda assim percebo o compromisso de
cada uma com o grupo].
AL: Tenho uma pergunta: o que você acha que o curso está sendo pra gente?
AL: Você perguntou: o que será que o curso está significando para eles. Mas o que você acha que
está significando pra gente?
127
FA: Pra vocês? [silêncio]. Eu penso... Sua pergunta é muito pertinente, eu não sei nem por onde
começar a responder. (...) eu vejo que tem sido um espaço bom, de compromisso mesmo (...) Acho
que só depois de ouvir as gravações e retomar o que vocês escreveram é que vou poder ter acesso ao
que você me perguntou.
No 6º encontro, levei a dinâmica da “batata-quente”: uma caixinha com perguntas que paravam
aleatoriamente nas mãos das participantes, de acordo com o parar da música, para proporcionar a
circulação de temas, de acordo com os eixos de discussão escolhidos coletivamente. A perguntas
eram:
- O que você entende por psicologia escolar e educacional?
- O que você entende por compromisso social, transformação social?
- O que você entende por processo educativo?
- Para você, o que seria uma atuação crítica?
- Que contribuições você considera oferecer à educação na sua prática?
- Como o trabalho com processos educativos se inserem em sua prática?
Após cada participante ter respondido a uma pergunta, convidei o grupo a aprofundarem nas
respostas, relacionando-as com as leituras sugeridas para aquele dia. Surgiu uma interessante
discussão sobre se o compromisso social comparece no atendimento clínico, individual e,
independente do local de atuação, se quando o psicólogo se propõe a um olhar amplo, a dimensão
social do trabalho estaria presente aí.
AL: O social não envolve só essa questão de ajudar financeiramente ou trabalhar em um lugar onde
tem crianças com mais necessidades, mas você se disponibilizar para o outro, você estar disposta e
aberta para o outro. Na minha visão isso é trabalhar o social, trabalhar a coletividade.
VA: Quando você trabalha com clínica não é só você ficar sentada ali atendendo.
Ana Elisa levantou a questão de que nem sempre a escola está disponível para essa conversa sobre os
casos encaminhados. Luiza então dá uma ideia de como lida com essa questão em sua prática, seguida
por um convite de Lícia para buscarmos na leitura sugerida uma reflexão sobre esse problema.
LU: Então, Ana Elisa eu já enfrentei isso no começo era assim, mas agora eu agendo a visita eu peço
a presença da professora.
LI: Achei, era sobre interlocução com a escola: “no processo de marcação de encontro procuramos
a presença do professor na qualidade daquele que lida diretamente com a criança e da queixa
escolar”.
128
Ao final do 6º encontro, Lícia apresenta o elemento novo ao grupo, o clipe da banda Pink Floyd “The
Wall”, dizendo que pensou em trazê-lo por sua crítica ácida e não conformista ao sistema educacional
e que apesar de ser antigo, os problemas apontados lá ainda são atuais. Ao final, peço para cada uma
dizer uma frase ou palavra que relacionasse o vídeo com a discussão que tivemos naquele dia. E
tivemos a seguinte conversa:
BI: Repensar... antes de transformar precisamos repensar mesmo, porque tem muita coisa a ser
mudada ainda.
AE: Fiquei pensando no quanto às vezes a gente acha que está caminhando e depois percebe e fala,
nossa, está me fazendo da boba.
FA: O movimento é dialético mesmo, a gente avança, retrocede, muda algumas coisas e repete
outras.
AL: Como a sociedade exige de todos nós um padrão é algo que está bem claro no filme.
FA: Esse que nem permite a gente parar para pensar e escrever, né, Alice?
AL: Com certeza. A gente está preso ao tempo, tem que ter tempo pra tudo.
FA: E o sujeito vai se perdendo. Lícia, você quer colocar mais alguma coisa?
LI: Não... em uma palavra, pensaria crise. Eu escutei aqui, no primeiro dia, a educação está em
crise, acho que foi a Rosa que falou. E eu fiquei pensando, será que é crise, será que é
transformação? Até pouco tempo a gente tinha isso, professor batia em aluno. Meus pais tiveram.
Isso não é tão antigo. Será que crise, será que é transformação?
FA: A mesma coisa com a psicologia, a gente está nesse processo de romper com algumas práticas.
LU: A crise dentro da psicoterapia breve, ela é vista, você parte da crise para tratar o paciente, o
paciente não entra em psicoterapia breve se não está na crise. E eu lembrei que no ideograma
japonês, a crise significa oportunidade. Então acho que minha palavra é oportunidade.
7º Encontro – 05/11/2014
No 7º encontro, Abayomi levou o vídeo Ex-E.T. como elemento novo, que traz o tema dos
diagnósticos psicológicos e medicalização e que foi apresentado logo no início. Ela disse que já
passou esse vídeo em um encontro de formação docente e que em geral os professores não entendem
129
a proposta: “Eu já passei uma vez e a gente tem que conversar bastante, porque eles levam para um
outro caminho”. Valentina também vivenciou algo semelhante:
VA: Eles falam assim: ai, meu aluno é desse jeito mesmo! E na hora que dá o remédio, pra eles é um
alívio: nossa que bom que acontecesse isso. Já passei uma vez e foi totalmente ao contrário, ao invés
de vez de elas verem que a criança ficou ali, quietinha apática, que não estava mais sendo ela, eles
falam, ai graças a Deus, vocês viram como ele ficou lá todo quietinho? Ele não deu mais trabalho
(…). A gente tem reuniões mensais com os professores e na semana retrasada, nós tivemos três
encontros, tentando juntar a educação com a saúde (...)E, assim, uma catástrofe, alguns entendem,
alguns não entendem. Eles pegam aquilo que a gente já falou nos encontros, a receita está pronta, o
remedinho está pronta. Eles esperavam que a gente fosse lá, que eles iam dar os encaminhamentos,
que a gente ia pegar esses encaminhamentos e ia dar solução para os casos deles. E a gente colocou
que não era esse o objetivo, que era a construção em conjunto.
Disse a ela que esse seria um dilema e pedi licença para apresentar ao grupo um material que preparei
sobre a história da psicologia no Brasil, para pensarmos historicamente a atuação do psicólogo nas
escolas e depois voltarmos no problema levantado por ela para buscarmos soluções:
FA: Quando a gente chega na escola e há essa solicitação: por favor me fale o que essa criança tem
para eu saber como eu lido. Aí está o professor como alguém aquém do saber, o psicólogo como
quem detém esse saber e que pode dar uma resposta e uma resposta baseada em uma medida
quantitativa. Então eu ouvindo tudo isso eu pensei, a gente tem que ter humildade de olhar para a
nossa história como profissão e pensar no que foi produzido e que a gente está em um momento de
ruptura disso e que não vai ser fácil, né, Valentina, não vai ser fácil. É possível, mas fácil não vai ser.
VA: (...) a gente está querendo colocar os professores dentro do quadradinho também.
AB: Tem esse momento de vamos pensar juntos, mas eu preciso ser um pouco mais direta, mas eles
falam, eu já faço. Isso que você está falando não adianta. Mesmo quando eu falo, mas eu estou com
vocês, estou aqui para orientar, se precisar eu venho aqui junto, a gente vai junto. Mas eles falam,
não precisa, eu já sei. Então fico sem saber o que fazer.
FA: E isso já é muito. Só que eu acho que tem alguma outra coisa que a gente precisa pensar talvez
até aqui agora juntos que é de também de acolher essa fala para não deixar para não dar a entender
também esse lugar do contra que você falou. Esse é o desafio, da gente resistir, mas ao mesmo tempo
seduzir. Essa parte da sedução é que eu acho delicada, porque ela exige sim uma postura de entender
que esse professor tem um saber, ele tem um conhecimento que a gente não tem, por isso que a
relação tem que ser horizontal.
Valentina, Abayomi e Ana Elisa partilharam com o grupo o projeto saúde-escola que têm
desenvolvido, integrando profissionais de ambas as instâncias para pensar em ações para atender as
demandas educacionais da rede. Ao relatarem as dificuldades em lidar com as expectativas dos
professores, que muitas vezes esperam que elas somente atendam individualmente as “crianças-
problema”, sem fazer um trabalho institucional mais amplo, o grupo sugeriu que esse tipo de projeto
pode demorar a se constituir. Tadeu comentou, por exemplo que um trabalho que convida as pessoas à
130
reflexão é artesanal, demanda tempo e esforço para se estabelecer. Valentina afirmou: “É um trabalho
de formiguinha”. Mais a frente, refiro-me novamente ao trabalho que envolve uma reflexão e
horizontalidade como um trabalho de formiguinha. Tadeu diz:
TA: Eu não gosto dessa expressão “formiguinha”. A formiga só trabalha e não sabe dar risada e a
gente nessa coisa, em escola usa muito, “ah, a gente está fazendo um trabalho de formiguinha”.
Formiga não questiona, não pensa, vai sempre no mesmo ritmo.
AE: Igual naquele desenho,[a participante não cita qual é esse desenho] se cai alguma coisa no meio,
elas ficam desesperadas.
(...)
FA: É lembrei da borboleta que usei nos relatos em um deles sai pensando, no segundo encontro que
saí daqui bem pesada, pensando onde está indo esse grupo, será a gente vai dar conta do que se
propôs a fazer, do que eu me propus e daí pensei na borboleta, ela tem um voo leve, mas não tem
muito rumo certo, como da formiga, ela vai para onde mais agrada...
FA: É o símbolo de transformação de uma lagarta que tem dificuldades de se locomover para uma
borboleta que voa livre.
8º Encontro – 13/11/2014
No último encontro, Bianca preparou uma apresentação para partilhar suas percepções como
pesquisadora-auxiliar sobre o processo do grupo. No início de sua apresentação, Bianca colocou fotos
dos primeiros encontros. Tadeu, então comenta:
FA: Muita.
TA: Mudança física mesmo (...) Eu fiquei impressionado como que na primeira foto para agora a
gente mudou.
LU: Quando o vínculo se cria, muda a nossa percepção em relação ao grupo e a nós mesmos dentro
do grupo.
No fechamento do encontro, ao discutirmos o curta metragem The last knit que levei como reflexão
final, Lícia comenta:
LI: (...) Acho que é isso, embora nosso grupo teve um momento de construção, mas essa construção
nunca acaba, ela vai seguir com cada um de nós e enfim, acho que me dá um pouco essa impressão,
131
de construção que nunca se acaba, ela aconteceu aqui e vai continuar dentro de nós, o grupo vai
continuar dentro da gente. A gente se distancia na memória, mas continua na gente.
Além das siglas, será também identificado o número do encontro e a data a que se
referem. Por exemplo, se o Registro Reflexivo é decorrente do encontro 1, a sigla será “RR-
1”. A exceção será para os materiais empíricos que não foram produzidos em um encontro
específico, tais como as “Cartas a um amigo”, “Devolutiva das participantes sobre o Diário
de Bordo” e “Carta da pesquisadora às participantes”.
O volume de material produzido, advindo de fontes diversas exigiu um trabalho
minucioso e sistemático de organização. Com a intenção de conhecer as temáticas e
conteúdos, relacionados aos objetivos da pesquisa, emergentes de todas as fontes juntas,
utilizei o Software WebQda71 que me ajudou a codificar todo o material, por meio do
destaque de frases e trechos relacionados aos objetivos da pesquisa. A partir deste trabalho de
codificação, foi possível elaborar uma trama de conteúdos, concedendo uma perspectiva
ampla sobre os elementos, oferecendo indícios importantes para compreender o grupo como
71
WebQda é um software de análise qualitativa desenvolvido em Portugal e utilizado em diversas faculdades e
institutos de pesquisa no mundo todo, inclusive em grupos de pesquisa da Faculdade de Educação da Unicamp.
Para mais detalhes acessar: https://www.webqda.com/
132
Elemento Novo
Concepções sobre o trabalho
com dem. educacionais
Registro Reflexivo
Contribuições das
participantes
Colisões
72
Os indicadores estão divididos em categorias e subcategorias, de acordo com a similaridade e
complementariedade entre eles. O único indicador avulso é o “vínculo afetivo”, por não ter encontrado
subcategorias correspondentes a ele.
133
Apesar de a recorrência numérica dos códigos ao longo do material não ser por
si só elemento para análise, é interessante notar que o manejo do grupo por mim, a partir de
um posicionamento horizontal é o indicador que mais se repete, junto das contribuições das
participantes entre si, sugerindo que, no grupo, a participação ativa das integrantes foi um
elemento relevante para a constituição de uma proposta colaborativa. As colisões aparecem
em segundo lugar, como indício de que o desenvolvimento profissional, tendo as relações
sociais como fonte, implica em um processo não linear, permeado por contradições e crises.
O indicador concepções sobre psicologia e papel do psicólogo sugere que esse foi o assunto
mais recorrente ao longo da proposta e o registro reflexivo aparece como atividade mais
comentada ou mencionada ao longo do grupo, indicando a necessidade, nas análises, de um
olhar atento a esses dois elementos.
A seguir, descrevo brevemente os indicadores de análise, a partir das categorias
e subcategorias criadas na combinação de todas as fontes de material empírico, citando
alguns trechos a partir do material para exemplificar cada um dos indicadores.
Como descrevi no primeiro relato, minhas intenções ao me inscrever neste curso eram apenas ouvir
e absorver conhecimentos (...). Entretanto no decorrer dos encontros não contive minha ansiedade
em relatar minhas experiências. Percebi que apenas ouvir seria impossível diante de discussões tão
enriquecedoras. Não basta observar, é preciso participar. (Alice, RR-6, 29/10/14)
134
1.2 Objetivos do grupo: esta subcategoria inclui os trechos em que os propósitos do grupo
são mencionados ou discutidos coletivamente no grupo. Considerando que a proposta não
estava fechada, alguns trechos indicam o questionamento das participantes sobre os objetivos
do grupo e o meu convite para que todas possamos pensar na construção daquele espaço
formativo:
O objetivo é ‘vamos pensar então no que podemos fazer a partir de tudo isso que vocês estão
trazendo? Que possibilidades a gente tem, estando em grupo, numa formação coletiva, com os pares,
dialogando, pensando nas realidades, trazendo casos, refletindo sobre ele (Fabiana, ENC-1, 24/09/14)
Tinha também o “Elemento Novo”, a cada encontro um participante levava algo para aquecer o início,
foram levados muitos elementos legais entre textos, música e vídeos, no meu dia eu levei o vídeo: Ex-
ET, que passamos bastante aqui na secretaria para os professores e que discute a despatologização, a
sensibilização para as diferenças e a dificuldade em lidar comas diferenças no dia a dia (Abayomi,
CA)
1.4 Registro Reflexivo: aqui foram escolhidos os excertos em que as participantes relatam
suas experiências com a atividade do registro reflexivo, bem como o uso que eu mesma fiz
desse recurso como uma estratégia no grupo, quando partilhei meu diário de bordo. Em geral,
as participantes identificam o que aprenderam a partir desse exercício:
E é um exercício muito interessante. Na minha prática eu não escrevo muito, eu gosto de escrever,
mas eu não conhecia o exercício do portfolio reflexivo. E eu achei muito interessante, porque a gente
ressignifica, retoma aqui e ressignifica, entende melhor a coisa, o que foi pensado (Lícia, ENC-6,
29/10/14)
O relato revelador do Tadeu [por meio do Registro Reflexivo] me fez refletir sobre como o olhar do
outro pode influenciar a vida de um individuo. Ouvindo o relato de Tadeu lembrei-me de minha
infância e pensei muito sobre como lembrar da vida escolar me ajuda e influencia minhas decisões.
(Alice RR-05, 22/10/14)
135
1.5 Leituras: a fundamentação teórica das discussões era parte da proposta, por isso nessa
categoria foram selecionados trechos em que as participantes mencionam a importância dos
textos discutidos para sua formação. Aqui destaco também um trecho de Peter, que ressalta as
contradições dessa proposta, relacionadas às dificuldades que tivemos em focar nos textos
indicados durante os encontros, sugerindo que as necessidades do grupo estavam
relacionadas ao desejo de partilha, identificação e pertencimento:
Percebo uma insistência da Fabiana em conduzir o grupo no sentido de uma reflexão teórica
embasada em artigos e uma dificuldade do grupo em caminhar nesse sentido. Talvez o grupo não
deseje nesse momento um fortalecimento teórico, mas sim um fortalecimento pessoal (Peter RR- 6,
29/10/14)
A Fabi sempre trazia algum texto para dar embasamento teórico nas nossas discussões, os textos
foram muito ricos para o meu desenvolvimento como profissional, relembrei coisas que muitas vezes
deixamos passar. (Abayomi, CA)
Sobre a questão de haver outros profissionais no grupo, destaco que o objetivo é propor a formação do
psicólogo, mas com a presença de outros poderemos dialogar e ampliar nossas experiências e
entendimento. (ENC-1, 24/09/14)
Senti-me parte deste grupo, que apesar de diferentes locais de atuação que cada um ali tem, temos
anseios e dilemas bastante parecidos, não me senti “sozinha” como muitas vezes acontece no meu
ambiente de trabalho. (Abayomi, RR-1, 24/09/14)
1.7 Decisões coletivas: esta subcategoria se refere a trechos sobre as situações em que o
grupo se organizou coletiva e colaborativamente. Aqui trago como exemplo um trecho do
meu diário de bordo, em que relato a mobilização das participantes para organizar o encontro
e um trecho em Lícia traz a expressão “construção coletiva” para definir o grupo:
136
Logo no início, coloquei para o grupo minha dúvida sobre iniciar com o registro ou com o elemento
novo... Fiquei feliz quando todos opinaram sobre essa questão, ajudando a resolvê-la, ao sugerirem
que a própria pessoa responsável pelo elemento pudesse escolher em que momento apresentar o que
trouxe ao grupo. Isso indica a apropriação daquele espaço como de fato coletivo, construído a muitas
mãos. Como é bonito o carinho e comprometimento de quem leva o elemento novo, partilha seu
registro, leva o lanche, se programa para sair de suas casas e cidade para estar no grupo toda quarta.
(Fabiana, DB-4, 15/10/14)
Fabi, a mediadora trouxe para o grupo a expressão “ construção coletiva”. Eu não conhecia este
termo. A ideia foi do grupo construir os temas a serem trabalhados a partir da proposta inicial.
Tínhamos alguns elementos teóricos trazidos pela mediadora e também sugestões de leitura, mas na
maioria das vezes o grupo acrescentava na reflexão. (Lícia, CA)
1.8 Contribuições das participantes entre si: nesta subcategoria foram agrupados trechos que
indicam o modo como as participantes colaboraram entre si para resolverem dilemas e
pensarem em possibilidades no decorrer dos encontros. Destaco como exemplo o relato de
Lícia, sobre a contribuição de todos os membros na fluidez das discussões e também o trecho
de um episódio em que a partilha da experiência de Tadeu se mostrou fundamental para gerar
reflexão sobre o trabalho com demandas educacionais:
O grupo mostrou-se muito entrosado na proposta do “construir com” e “falar com”. Apesar de ser um
grupo não muito numeroso, foi muito coeso e funcionou em um movimento horizontal e afetivo que
permitiu uma construção única e preciosa de muitos conteúdos. Cada membro expôs seus momentos
mais marcantes, e embora tenham sido diferentes e distintos, mostrou que a presença de todos foi
decisiva na percepção de cada um, assim como a visão individual na formação do grande olhar. Todo
o movimento aconteceu no plano singular/individual e coletivo/grupal. (Lícia, CA)
Tadeu segue lendo o relato sobre como o vídeo Sentimentário e as conversas sobre rótulos
relacionados a problemas de aprendizagem o mobilizaram, pois ele mesmo foi diagnosticado como
disléxico na infância:
TA: Achei muito interessante quando você [Lícia] falou que não é um diagnostico fácil, né? Hoje eu
entendo isso, não é fácil, não é simples, hoje eu entendo isso.
(...)
AL: aí fiquei escutando o Tadeu falar e pensei: tudo a ver com a discussão de hoje de manhã. Tirar o
problema da escola, não tem que tirar o problema da escola, o problema é da escola, o problema é de
todo mundo que está envolvido com a escola. (ENC-5, 22/10/14)
137
1.9 Colisões: apesar de ter alocado esta subcategoria no indicador referente à constituição de
uma proposta colaborativa, ela perpassa todas os demais indicadores, sendo central para
compreender as interações sociais que foram força motriz para mudanças no processo de
desenvolvimento das participantes. Aqui coloco alguns exemplos de trechos em que as
participantes expõem suas dúvidas e angústias com relação à proposta:
Este primeiro encontro, de contato inicial, que se apresentou como de muitos blá-blá-blás sobre
educação, psicologia, alunos, professores, etc... pareceu-me mais um desabafo do que uma reflexão
mais aprofundada sobre os assuntos. Mas enfim, cabia a este momento. (Lícia, RR-1, 24/09/14)
No decorrer do encontro fui sendo preenchida por uma angústia em relação ao pensamento de
alguns profissionais, companheiros de curso, especialmente alguns (psicólogos), quanto ao papel e
atuação dos professores nas escolas. Nesse momento senti a falta de relacionarmos as falas do grupo
com questões concretas e teóricas acerca dos textos. (Alice, RR-2, 01/10/14)
Falamos sobre a concepção de dilemas e sobre reflexividade. Tudo muito bom, até que... eis a
pergunta que me tira da minha zona de conforto: que teoria fundamenta minha prática? Acredito que
por ter ciência da importância dela me incomode tanto. (Ana Elisa, RR-3, 08/10/14)
Depois de discutirmos a história da Psicologia no Brasil, fiquei preocupada com uma questão que a
Natalia colocou: estamos tentando colocar os professores na forma? Precisamos nos questionar de
tudo, inclusive da própria postura e nossa função diante das situações vivenciadas. (Ana Elisa RR-7,
05/11/14)
2. Manejo do grupo: este indicador focaliza essencialmente minhas ações no grupo, a partir
tanto de um posicionamento horizontal quanto vertical, bem como as dificuldades e crises
que emergiram nesse processo.
2.1 Posicionamento horizontal: aqui foram selecionados trechos que indicam minhas ações
no sentido de abrir para o diálogo e para a participação de todo o grupo. Apresento como
exemplo um episódio em que pergunto de forma recorrente a opinião do grupo sobre um
elemento novo partilhado e um outro em que Peter comenta meu diário de bordo partilhado
com o grupo, ressaltando que o uso que fiz da primeira pessoa no plural demonstra meu
envolvimento pessoal e próximo com o grupo:
FA: E os psicólogos do grupo, o que acharam do elemento novo? (Por cuatro esquinitas de nada)
PE: Eu acho que conversa um pouco, eu li os textos e a visão que ficou para mim dos três textos
como um todo é que a maioria das vezes a queixa escolar vem de um olhar errado sobre a criança
(...) Então a dificuldade nossa na verdade é fazer com que as pessoas não olhem para a criança,
olhem para o sistema eu pensei numa luta contra a maré.
FA: Bem contra a maré. Mais alguém ficou pensando alguma coisa sobre o vídeo? (ENC-5,
15/10/14)
138
PE: Achei engraçado que no começo você se pergunta até que ponto você se coloca participando do
grupo e ao longo da sua leitura, você foi trocando várias palavras que se distanciavam um pouco do
grupo e na sua troca você se aproximava do grupo. Quando você escreveu sobre o grupo, você
colocou “conosco”, acho que você está mesmo inserida e como isso contribui para que esse grupo
seja um grupo mais unido, mais humano, sabe? (ENC-5, 15/10/14)
Neste sexto encontro, houve a apresentação das bases históricas da psicologia educacional/escolar.
Assim, nos deparamos com paradigmas que basearam as concepções e ações até pouco tempo atrás,
sendo que ainda persistem em muitos contextos escolares e clínicos. (Lícia RR-6)
2.3 Lacunas e dificuldades: aqui foram selecionados trechos relacionados às minhas crises
pessoais como propositora do grupo, tanto na mediação das interações quanto nas tomadas de
decisão quanto às atividades e ações formativas. Seleciono como exemplo uma breve
narrativa sobre o manejo do grupo no segundo encontro:
Logo depois dos primeiros comentários sobre a música D. Quixote, eu tomo a fala e conto de uma
situação difícil que vivenciei, quando trabalhava em um abrigo para crianças em situação de
vulnerabilidade social, dizendo em um tom de “queixa-lamento” que por vezes não sabia como agir,
mas que sempre tentava enxergar o melhor nas crianças para contribuir de alguma forma. A partir
daqui, percebo que o grupo entra no momento de “desabafar”, trazendo problemas e críticas ao
sistema educacional, à sociedade. Sinto dificuldades em fazer entradas e retomar o lugar de
coordenadora do grupo. Tento acolher as falas levantadas pelo grupo e propor reflexões ou mesmo
que recorramos às leituras que tínhamos para aquele encontro, mas não consigo. Os desabafos
continuam e apresentam contradição – ora responsabilizam as famílias, ora os professores, ora o
sistema social, educacional... ora as ideias são conservadoras e ora trazem uma perspectiva crítica.
(ENC-2, 01/10/14)
139
3.1 Concepções sobre educação escolar: aqui apresento dois exemplos, o primeiro de Rosa,
indicando uma visão fatalista do sistema educacional e o entendimento de Valentina ao final
dos encontros, a partir da compreensão da necessidade de entender a perspectiva dos
professores no trabalho com queixas escolares.
RO: Porque hoje a educação está perdida. Criança de cinco anos fazendo tarefa, ela já é velha,
porque começa antes (ENC-2, 24/09/14)
Pude perceber que muitas vezes colocamos a "culpa" sobre o professor de não entender determinado
aluno, ou não entender o papel do psicólogo, mas com o conteúdo teórico apresentado e os
confrontos ocorridos beste grupo, compreendi que antigamente o olhar era diferente, os psicólogos
eram chamados para avaliar os alunos e verificar se estavam dentro dos padrões ou não (...) não
podemos então, colocar a culpa sobre esses professores, ou termos muitas vezes um olhar de
julgamento. (Valentina, CA)
3.2 Concepções sobre família: de forma semelhante, nesta subcategoria apresento dois
exemplos de entendimento sobre a relação família-escola: uma concepção fatalista e outra
que parte de um entendimento mais complexo sobre a atuação junto a famílias.
RO: Os pais perderam essa autoridade também e aí a escola perdeu totalmente o valor (...) O papel
da escola é a escolarização e o papel dos pais é a educação (...) (ENC-4, 15/10/14)
LZ: Às vezes a angústia tende a baixar quando você compreende. Às vezes a mãe naquele momento
ela não quer a solução, ela quer ser compreendida. E quando você diz, eu te entendo, entendo sua
angústia, entendo porque você está dizendo isso. (ENC-4, 15/10/14)
AB: Então eu tenho muita dificuldade [nas escolas] por causa disso. Quando fala que é psicólogo
eles pensam que vamos resolver todos os problemas. (ENC-1, 24/09/14)
Considerando o foco de nossas discussões no papel do psicólogo na escola, será que tantas
frustrações da ação do psicólogo na escola, não são resultado de um conflito interno do próprio
profissional, que muitas vezes não sabe qual é o seu papel diante das queixas escolares? (Alice, RR-
2)
O importante é o psicólogo não se colocar no lugar do saber, de ter uma resposta pronta para a
família, a escola... Tudo é construído a partir do coletivo. Junção de ideias, pensamentos. O
psicólogo pode funcionar como mediador. (Luiza, RR-6, 29/10/14)
3.4 Concepções sobre o trabalho com demandas educacionais: aqui apresento um exemplo
de um importante entendimento discutido no grupo sobre o trabalho com queixas escolares:
(...) o Caso do Tom Cruise da Silva nos ajudou a (re) pensar a prática. Os slides da Fabiana nos
auxiliaram a organizar o pensamento e o que ficou pra mim é que é crucial nos casos de queixa
escolar movimentar a rede que está envolvida no caso. Todos precisam ter voz e contribuir para se
chegar numa melhor forma de lidar com a situação. (Ana Elisa, RR-4, 15/10/14)
3.5 Sistemas teóricos que fundamentam a prática: esta subcategoria reúne trechos que
indicam os autores e teorias que subsidiam a prática profissional das participantes e ainda as
reflexões tecidas no decorrer dos encontros sobre a importância de repensar os sistemas
teóricos que fundamentam a prática.
AE: Eu não queria falar. Porque não fico à vontade quanto a isso. Na faculdade eu tinha professores
que faziam terrorismo com a teoria deles. Então, eu acabei fazendo estágio em comportamental, por
conta do professor (...). Fui chamada para trabalhar na área social e a psicóloga de lá trabalhava na
teoria sistêmica e para mim faz muito sentido. (ENC-3, 08/10/14)
Por fim, o que já sabia, mas às vezes também nos distanciamos é ser fiel a uma teoria. O que
sustenta nossa atuação, qual é a linha teórica que me apoio. Fundamental para a evolução com o
paciente e até uma questão ética. CA, Luiza
4. Vínculo afetivo: este último indicador apresenta trechos em que os vínculos afetivos no
grupo são colocados em evidência como parte da proposta formativa. O primeiro é parte do
registro reflexivo de Peter, no qual ele questiona se as necessidades maiores do grupo não
seriam mais relacionadas ao acolhimento e vínculos interpessoais e o segundo é um trecho da
“carta ao amigo” de Abayomi, com uma reflexão sobre a constituição de vínculos afetivos no
grupo:
141
Percebo uma insistência da Fabiana em conduzir o grupo no sentido de uma reflexão teórica
embasada em artigos e uma dificuldade do grupo em caminhar nesse sentido. Talvez o grupo não
deseje nesse momento um fortalecimento teórico, mas sim um fortalecimento pessoal (Peter RR-6,
29/10/14)
A Fabi fez um fechamento da proposta e a Bianca também apresentou alguns slides de como foi
para ela essa experiência, simplesmente adorei, ela colocou umas fotos nossas na apresentação que
ela havia tirado durante todos os encontros, e como o Tadeu, um dos participantes disse no fim,
como estávamos diferentes no ultimo dia e aí eu percebi como tínhamos criado um vínculo, mudado
conceitos, aprendemos com os textos, com a experiência do outro, com o olhar do outro. Esse grupo
deixou uma marca em mim, e por vezes me pego pensando nas nossas discussões, releio os textos e
continuo aprendendo. (Abayomi, CA)
142
desconhecido ou incerto, que exige uma longa jornada e que ao final terá nos transformado
irreversivelmente. Quais vivências nos levaram a travessias? Por quais caminhos passamos?
Como as travessias aconteceram? Quais mudanças encontramos ao chegar “do outro lado”?
Assim como nas Paradas, elegi uma frase advinda do material empírico ou criada
a partir do significado mais marcante de cada Travessia para nomeá-las. Todas elas foram
elaboradas a partir da aglutinação e da síntese de diversos pré-indicadores e indicadores, que
serão explicitados por meio de tabelas. Aqui peço licença ao leitor para repetir alguns trechos
já mencionados nos pré-indicadores e indicadores, alguns deles serão reiterativos entre as
Travessias também, uma vez que a potencialidade de sentidos que trazem é fundamental para
as análises. A intenção, portanto, discutir elementos essenciais relacionados à origem e ao
processo de desenvolvimento profissional no grupo, buscando, nos núcleos, unidades de
análise que abarquem as características do contexto social e também da dimensão singular
com que as participantes se apropriaram do social, tendo os conceitos-chave: Situação Social
de Desenvolvimento, Drama e Perejivanie como ferramentas analíticas.
144
TRAVESSIA 1
Objetivos do grupo
Parada 3: Queixa-lamento Manejo do grupo - posicionamento horizontal
Concepções sobre psicologia/papel do psicólogo
Concepções sobre educação escolar
Concepções sobre família
Elemento Novo
Concepções sobre psicologia/papel do psicólogo
Parada 4: “por amor às causas Concepções sobre educação escolar
perdidas” Manejo do grupo – lacunas e dificuldades
Manejo do grupo – posicionamento vertical
Manejo do grupo – posicionamento horizontal
Colisões
Demandas e expectativas
Objetivos do grupo
Parada 5: “Seu objetivo maior, qual Manejo do grupo – lacunas e dificuldades
é?” Manejo do grupo – posicionamento vertical
Manejo do grupo – posicionamento horizontal
Colisões
Parada 8: “só temos oito encontros!” Objetivos do grupo
Demandas e expectativas
Decisões coletivas
Parada 14: “E agora a gente está Objetivos do grupo
caminhando” Sistemas teóricos que fundamentam a prática
Contribuições das participantes
Contribuições das participantes
Parada 16: Uma equipe profissional Sistemas teóricos que fundamentam a prática
Concepções sobre o trabalho com demandas educacionais
Concepções sobre educação escolar
Parada 19: “Tem um texto que fala Concepções sobre o trabalho com demandas educacionais
sobre isso” Concepções sobre educação escolar
Contribuições das participantes
Parada 20: “Da crise à oportunidade” Concepções sobre o trabalho com demandas educacionais
Concepções sobre educação escolar
145
Colisões
Contribuições das participantes
Concepções sobre o trabalho com demandas educacionais
Parada 21: “Resistir, mas seduzir ao Concepções sobre educação escolar
mesmo tempo” Colisões
Contribuições das participantes
Demos início ao grupo. Um grupo diverso, cheio de experiências para contar e sedento por partilhar
a prática profissional. Temos não só psicólogos, mas uma fono, dois professores e uma
professora que também tem a formação em Psicologia. As psicólogas e o psicólogo trabalham
em diversos segmentos: no campo social, na escola, na saúde... todos muito inteirados de questões
concernentes à Psicologia Escolar: medicalização, alto número de encaminhamentos das queixas
escolares ao médico e ao psicólogo clínico, embates com os educadores sobre o papel do psicólogo e
as possibilidades de atuação... dentre outros tantos assuntos. Isso me faz pensar: o que é a Psicologia
Escolar e Educacional? (...). Quem é o psicólogo escolar? O que faz? Onde ele está? São questões
que pareciam tranquilas para mim, mas a conversa com esse grupo tão diverso me fez
questionar e refletir sobre isso... (Fabiana, DB-1, 24/09/14)
73
Ver folder no Apêndice 3
74
Nos excertos escolhidos para a composição dos núcleos, escolho destacar algumas palavras e frases mais
significativas em negrito, que apresentam indícios de análise.
146
Senti-me parte deste grupo, que apesar de diferentes locais de atuação que cada um ali tem,
temos anseios e dilemas bastante parecidos, não me senti “sozinha” como muitas vezes acontece
no meu ambiente de trabalho. (Abayomi, RR- 1)
(...) leio um conto do Ítalo Calvino – O mundo contempla o mundo – dizendo ao grupo que essa
seria uma forma de dar leveza ao encontro. Aguardo alguns minutos em silêncio, tentando
observar a reação do grupo ou alguma iniciativa de comentar a leitura e pergunto se alguém tem
algo a comentar (ENC-1, 24/09/14)
Tento acolher as falas que surgem e ressalto que o objetivo do grupo é partilhar as angústias, mas
também pensar em possibilidades: “É isso que eu queria trazer para vocês: estar em grupo e poder
conversar sobre isso, pensar nas nossas ações e buscar possibilidades no cotidiano das nossas
práticas. (ENC-1, 24/09/14)
PE: É um exercício constante, do psicólogo e para outras áreas, assistência social... Conseguir se
distanciar de si próprio para ver o outro como ele é por ele mesmo. (ENC-1, 24/09/14)
147
RO: Os pais perderam essa autoridade também e aí a escola perdeu totalmente o valor (...) O
papel da escola é a escolarização e o papel dos pais é a educação (...) em nome de uma
afetividade, de um carinho, está se deixando perder uma série de coisas, inclusive a autoridade.
(ENC-1, 24/09/14)
RO: Porque hoje a educação está perdida. Criança de cinco anos fazendo tarefa, ela já é velha,
porque começa antes. (ENC-2, 01/10/14)
IS: O problema não é a criança, a escola não sabe lidar com a criança. Porque o professor não
é preparado para isso (…). Eu acho que se joga muita responsabilidade sobre o professor (...) o
que vocês vão fazer como psicólogos? Fazer com que a criança fique quadradinha? No meu caso, eu
não faço. Eu faço com que a criança se apodere do potencial dela. (ENC-2, 01/10/14)
Este primeiro encontro, de contato inicial, que se apresentou como de muitos blá-blá-blás sobre
educação, psicologia, alunos, professores, etc... pareceu-me mais um desabafo do que uma
reflexão mais aprofundada sobre os assuntos. Mas enfim, cabia a este momento. Houve relatos
pessoais e uma angústia me tomou: O que vai ficar deste encontro? O que interessa à pesquisa?
O que é para fazer? (Lícia, RR-1, 24/09/14)
No decorrer do encontro fui sendo preenchida por uma angústia em relação ao pensamento de
alguns profissionais, companheiros de curso, especialmente alguns (psicólogos), quanto ao papel
e atuação dos professores nas escolas. Nesse momento senti a falta de relacionarmos as falas do
grupo com questões concretas e teóricas acerca dos textos. (Alice, RR-2, 01/10/14)
Identifico que nos dois primeiros encontros a intensidade das queixas levantadas
pelas participantes era grande e, de um modo fatalista, levou o grupo a um desabafo coletivo
sobre os problemas vivenciados cotidianamente. Ao retomar o material para as análises,
percebi que não somente as participantes precisavam desabafar, mas também eu me
posicionei dessa forma:
Inicio o segundo encontro convidando Peter a apresentar o elemento novo que preparou – música
Dom Quixote, Engenheiros do Havaí. Percebo que não retomo com o grupo os objetivos do
encontro, nem ofereço ao grupo uma organização das atividades programadas para o dia.
Depois de ouvirmos a música, pergunto a Peter o que ele pensou ao trazê-la como elemento novo.
Ele diz que essa música o anima em momentos difíceis. Pergunto, então, ao grupo o que pensaram
ao ouvir a música, Ana Elisa diz que ficou pensando nas ‘causas perdidas’: “Às vezes a sensação é
essa, não tem mais jeito, está todo mundo perdido, é o que chega pra gente”. Eu tomo a fala logo
em seguida e conto de uma situação difícil que vivenciei, quando trabalhava em um abrigo para
crianças em situação de vulnerabilidade social, dizendo em um tom de “queixa-lamento” que por
vezes não sabia como agir. (ENC-2, 01/10/14)
148
LI: Fabiana, qual a metodologia da sua pesquisa? Seu objetivo maior o que é? Ouvir os relatos,
dentro dos relatos, obter alguma informação? Queria saber um pouquinho disso.
Explico que o objetivo é tanto produzir o material de pesquisa, quanto proporcionar um espaço
formativo. Ela continua:
FA: A proposta é uma construção conjunta. Ao invés de chegar aqui com um planejamento pronto,
eu chego com propostas. (...). Eu tenho uma intencionalidade, mas a ideia de estar todo mundo
junto conversando, é justamente essa, de ter uma horizontalidade maior, de partir do
pressuposto de que eu também não sei. Tudo isso que vocês estão trazendo como problemas também
149
são questões minhas, também tenho dificuldades, não tenho uma solução pronta. É a gente que vai
pensando junto.
LI: Hoje, por exemplo, ficamos muito falando do professor, do aluno, da família... houve uma
angústia pessoal, que eu enquanto equipe posso fazer para o professor... A gente focou muito no
outro (...). E ao mesmo tempo a gente chega num ponto da ação. Parece que nisso a gente não está
entrando “e aí, o que eu faço diante disso?”. Eu como equipe. O professor está errado em tal ponto,
o aluno, mas jogar para a equipe.
FA: Vocês se identificam com essa fala da Lícia? É uma angústia de vocês também?
IS: É nesse ponto que eu queria chegar. É como se ficássemos apontando e não buscássemos... você
entendeu.
FA: Eu acho que entendi, Isadora e é legal você explicitar isso, Lícia, porque é uma angústia que
me bateu hoje. Como mediadora, minha proposta é horizontal mesmo, com toda sinceridade, de
ouvir vocês. Até por isso que estou deixando mais solto, porque eu quero entender primeiro de que
lugar estamos falando aqui. (...). Tanto no encontro passada quanto nesse, o meu movimento foi de
tentar escutar vocês para tentar entender que problemas são esses para a gente nos próximos
encontros tentar se organizar e aí sim chegar: efetivamente o que a gente pode fazer com isso?
E aí tem essa proposta dos textos, a ideia de discutir os textos é justamente para buscar essas
possibilidades concretas e eu penso que eles trazem isso.
LI: Fico pensando assim, o primeiro encontro foi um momento para gente se conhecer, chegar
no lugar. Esse encontro de hoje foi um momento de conseguir tirar aquilo que está mais
incomodando, foi como se a gente tirasse aquele choro que está na garganta para num próximo
momento a gente poder falar sobre nosso papel. (ENC-2, 01/10/14)
A princípio todos estavam bastante ansiosas para dividir suas angústias e os dilemas que vivem
no cotidiano do seu trabalho, foi muito rico esse inicio para mim, pois me senti pertencente de
tudo aquilo, era como se eles fossem parte da nossa equipe aqui da Secretária da Educação, pois
muitos dos dilemas deles eram os meus também, os dias que tínhamos o momento “catarse” no
grupo por incrível que pareça eu ia embora bastante aliviada, era terapêutico para mim estar ali (...)
(Abayomi, CA).
O terceiro encontro nos questionou de onde viemos e o que norteia nossa ação. Os dois
primeiros encontros desta proposta foram formadores, gestacionais eu diria, pois funcionaram como
preparadores iniciais e direcionadores da reflexão sobre o objeto central de estudo e ação deste
projeto. Este terceiro momento me marcou como o nascimento propriamente dito deste núcleo.
O que parecia solto, encontrou seu eixo e objetivo. (Lícia, RR-3)
Um dos temas sobre o qual mais nos debruçamos foi a queixa escolar e
possibilidades no atendimento à rede envolvida nesse problema. Se nos primeiros encontros
conduzimos a discussão sob um posicionamento fatalista, nos demais encontros houve
mudanças na forma de lidar com os dilemas trazidos e nas concepções teóricas que
circularam no grupo. Vejamos um exemplo:
No 7º encontro, Abayomi levou o vídeo Ex-E.T. como elemento novo, que traz o tema dos
diagnósticos psicológicos e medicalização e que foi apresentado logo no início. Ela disse que já
passou esse vídeo em um encontro de formação docente e que em geral os professores não entendem
a proposta. Valentina também vivenciou algo semelhante:
VA: Eles falam assim: ai, meu aluno é desse jeito mesmo! E na hora que dá o remédio, pra eles é
um alívio: nossa que bom que acontecesse isso. Já passei uma vez e foi totalmente ao contrário, ao
invés de vez de elas verem que a criança ficou ali, quietinha apática, que não estava mais sendo ela,
eles falam, ai graças a Deus, vocês viram como ele ficou lá todo quietinho? (…). A gente tem
reuniões mensais com os professores e na semana retrasada, nós tivemos três encontros, tentando
juntar a educação com a saúde (...) E, assim, uma catástrofe, alguns entendem, alguns não
entendem. (...). Eles esperavam que a gente fosse lá, que eles iam dar os encaminhamentos, que
a gente ia pegar esses encaminhamentos e ia dar solução para os casos deles. E a gente colocou que
não era esse o objetivo, que era a construção em conjunto. (ENC-7, 05/11/14)
152
FA: Quando a gente chega na escola e há essa solicitação: por favor me fale o que essa criança tem
para eu saber como eu lido. Aí está o professor como alguém aquém do saber, o psicólogo como
quem detém esse saber e que pode dar uma resposta e uma resposta baseada em uma medida
quantitativa. Então eu ouvindo tudo isso eu pensei, a gente tem que ter humildade de olhar para
a nossa história como profissão e pensar no que foi produzido e que a gente está em um
momento de ruptura disso e que não vai ser fácil, né, Valentina, não vai ser fácil. É possível,
mas fácil não vai ser. (ENC-7, 05/11/14)
Considerei necessária essa ação para que olhássemos para a relação professor-
psicólogo de um ponto de vista histórico e crítico e não mais baseado na lamentação e
culpabilização e uma ou de outra parte. Como pontuado na fundamentação teórica da Tese, o
surgimento da Psicologia tem alicerces baseados em técnicas de medida e de diagnóstico e as
instituições escolares, especialmente no Brasil, foram um terreno fértil para a expansão desse
campo do saber, por meio de ações de caráter individual, que tinham como foco o aluno
(ANTUNES, 2007). Apesar de todo o movimento crítico e de desconstrução de ações
individuais rumo a uma perspectiva mais ampla sobre os fenômenos educacionais, ainda hoje
encontramos práticas individualizantes e um imaginário dos professores de que os psicólogos
possuem um saber superior que vai dizer a eles o que “o aluno tem” e devolver esse aluno
“curado” (SOUZA; SILVA & YAMAMOTO, 2014). Os conflitos entre professores e
psicólogos inseridos nessa história macro, aparecem nas histórias singulares de atuação
profissional das participantes. Ao final da minha fala, tivemos o seguinte diálogo:
153
Em um trecho do Registro Reflexivo, Valentina relata o que aprendeu com esse encontro:
A partir da apresentação da Fabiana, consigo olhar os motivos, as dificuldades que hoje nós
vivenciamos no nosso cotidiano profissional. Como mudar agora os paradigmas? Como sairmos
desse lugar vertical para um lugar mais horizontal? Nós profissionais da Psicologia, somos
também uma referência técnica e não melhor do que qualquer outro saber. Sofremos hoje os
impactos de toda uma construção histórica, não podemos então colocar os professores nessa
caixinha que tanto falamos nos nossos encontros (...). Esse encontro foi valioso demais, pois
serviu para tirar as vendas dos meus olhos de como enxergar esse professor. (Valentina RR-6,
29/10/14)
Temos que ter a humildade de romper com toda a onipotência que nos
formou, quando chegamos a imaginar que a presença da Psicologia na
escola seria condição para um ensino de qualidade. Ledo engano!
Felizmente, percebemos que se a presença da Psicologia contribui com as
práticas educacionais, ela não é condição suficiente para que as
transformações ocorram. Há outros olhares que podem, mais do que
oferecer respostas, ajudar a elaborar perguntas sobre as quais nunca
tínhamos pensado. O profundo respeito pelas contribuições de outras
ciências revela que se isto for desconsiderado, a transformação do processo
educativo levará tanto tempo que nós, psicólogos, passaremos décadas
tentando convencer a educação (apenas convencer!) de que temos o que
dizer e contribuir. (ARAGÃO, 2010, p. 115)
LI: em uma palavra, pensaria crise. Eu escutei aqui, no primeiro dia, a educação está em crise, acho
que foi a Rosa que falou. E eu fiquei pensando, será que é crise, será que é transformação? Até
pouco tempo a gente tinha isso, professor batia em aluno. Meus pais tiveram. Isso não é tão antigo.
Será que crise, será que é transformação?
LU: A crise dentro da psicoterapia breve, ela é vista, você parte da crise para tratar o paciente, o
paciente não entra em psicoterapia breve se não está na crise. E eu lembrei que no ideograma
japonês, a crise significa oportunidade. Então acho que minha palavra é oportunidade. (ENC-6,
29/10/14)
Fecho essa Travessia afirmando que uma importante herança desse grupo foi a
passagem da crise à oportunidade. Mais que respostas prontas, as interações no grupo
provocaram questionamentos, inquietações e movimentação dos problemas levados pelas
participantes, legitimando as relações sociais como lugar privilegiado para o
desenvolvimento profissional individual.
155
TRAVESSIA 2
A segunda Travessia tem por objetivo discutir minhas ações no grupo em seus
diferentes posicionamentos: pesquisadora, propositora e participante, analisando os papeis
assumidos, as estratégias escolhidas, focalizando principalmente como isso repercutiu nas
interações entre mim e as participantes e no modo como essas condições criaram situações de
desenvolvimento.
Fabi, a mediadora, trouxe para o grupo a expressão “construção coletiva”. Eu não conhecia este
termo. A ideia foi de o grupo construir os temas a serem trabalhados a partir da proposta inicial.
Tínhamos alguns elementos teóricos trazidos pela mediadora e também sugestões de leitura, mas
na maioria das vezes o grupo acrescentava na reflexão. (Lícia, CA)
156
Diferente do segundo encontro, em que não houve uma retomada e organização das atividades
combinadas, inicio o encontro estabelecendo um cronograma: primeiro a partilha do registro
reflexivo do Peter, seguido pela categorização dos dilemas e escolha coletiva dos temas a serem
discutidos nos encontros seguintes; partilha do elemento novo preparado pela Ana Isabel; discussão
dos textos sugeridos, com as contribuições da Ana Aragão, convidada especial do dia. Aqui
percebo que assumo uma postura de coordenadora do grupo, conduzindo e orientando as
atividades de acordo com minhas intenções de pesquisadora e considerando também o
processo formativo das participantes, objetivo igualmente importante da proposta. (ENC 3)
Após a escolha coletiva dos temas a serem discutidos, uma outra decisão que
tomei foi preparar a cada encontro alguns slides com uma sistematização teórica baseada na
temática do dia e no texto escolhido para discussão. Nem sempre eu sentia a necessidade ou
espaço para uma aula expositiva, mas, em algumas circunstâncias, foi essencial realizar esse
tipo de entrada no grupo. Ao mesmo tempo, meu cuidado e atenção estavam em permitir
também que as participantes partilhassem seus saberes e protagonizassem a construção de
conhecimento no grupo. Observemos um exemplo ocorrido no quarto encontro:
Tadeu havia levado um elemento novo para iniciar o encontro: o curta metragem “Por cuatro
esquinitas de nada”. A discussão provocada pelo elemento novo trazido por Tadeu levou o grupo a
pensar sobre a inclusão e sobre as crianças que apresentam alguma intercorrência no processo de
escolarização, recebem algum diagnóstico e acabam ficando “invisíveis” no cotidiano escola, vistas
apenas por meio de uma patologia e não a partir de suas potencialidades. Comento com o grupo que
a necessidade de enxergar e trabalhar as potencialidades da criança já parece ser um assunto tão
comum, mas me questiono porque isso tantas vezes não se efetiva nas salas de aula. Tadeu então
responde:
TA: Eu tenho uma tese. Eu trabalho com formação de professores e essa situação é assim “eu sei, eu
vejo, mas eu não tenho o que fazer”. E aí o que a gente pensa e chegou a algumas conclusões, vou
tentar responder duas coisas que você perguntou. (...). Então você não tem, de verdade, o
professor estuda pouco teorias de concepção, estuda muito pouco isso. Dá uma pincelada em
Vigotski, uma pincelada em Piaget, coloca ou dois juntos, vai fazendo essas coisas. Não se
aprofunda. E no final o que eu vejo é que a gente tem uma educação muito militarizada.
[Tadeu parecia ter algo a mais para acrescentar, mas eu não escuto sua solicitação e inicio
uma fala, a partir de um material que preparei em slides, apresentando as concepções sobre queixa
escolar que geralmente circulam entre os professores e fazendo uma discussão sobre a construção
social dos discursos individualizantes e medicalizantes acerca da queixa escolar]
FA: Eu penso também, não tem um culpado nessa história. Por quê? Porque são discursos que
sustentam esse jeito de pensar. Então discursos produzidos a partir de uma trajetória que é história.
Então isso chega para o professor, para ele e para nós como psicólogos e para outras pessoas como
algo muito natural.
Após apresentar uma crítica aos diagnósticos psicológicos a partir de avaliações neurológicas,
pergunto a Luiza:
FA: O que você pensa, Luiza, estou pensando em você agora, por você vir dessa área da
neuropsicologia, da avaliação neuropsicológica, o que você pensa dessa questão do distúrbio como
um argumento muito presente na fala dos professores? Partilha com a gente um pouco sua
experiência.
A partir dessa pergunta, Luiza contribui para pensar esse tema com sua prática clínica, Tadeu com
os conhecimentos da História, Ana Elisa com sua prática na área social e da saúde. (ENC-4,
15/10/14)
Depois do grupo, fiquei pensando se de fato dei voz às participantes ou se falei na vez deles. No
momento do encontro, novamente senti um duplo e dialético movimento: querer ouvir o que
pensam, como desenvolvem seus trabalhos, que problemas enfrentam e que ideias têm para superá-
los ao lado de uma vontade de também dizer como penso, que ideias tenho para aquelas questões.
Logo me vem novamente a imagem da dança, imersa em ritmos e tempos variados. É preciso
atenção e sensibilidade ao movimento para que haja sincronia e inteiração entre nós, parceiros:
participantes e pesquisadora. Será que minhas colocações fazem sentido? (Fabiana, DB-4,
15/10/14)
Identifico que essa se constituiu em uma crise para mim: deixá-los falar e ir
apenas fazendo colocações que instigassem o diálogo ou me posicionar, levando uma
organização de teoria e conceitos? Levar uma aula expositiva ou restringir as atividades do
grupo ao que foi solicitado como tarefa? Esses questionamentos me levaram a refletir sobre
como as participantes estavam percebendo e avaliando minhas posturas e entradas e em que
medida o grupo estava sendo formativo para elas.
Durante o período de realização dos encontros, estava realizando uma disciplina
da pós-graduação, oferecida por minha orientadora: Reflexividade e Formação Docente.
Como a proposta era discutirmos a perspectiva teórica da reflexividade e suas implicações no
cotidiano de atuação, havia espaço para trazermos exemplos e dilemas vividos por nós e
geralmente eu levava minhas dúvidas sobre a condução dos encontros para dialogar com a
Ana e com as colegas em um processo, como denomina Schön, de “reflexão sobre a reflexão-
na-ação”. Em uma das aulas, compartilhei minhas dúvidas sobre os meus diversos
posicionamentos no grupo, as entradas em forma de exposição de conceitos e meu anseio em
criar um espaço de colaboração. Saí dessa conversa com uma ideia: se tenho dúvidas sobre
como as participantes estão se apropriando desse espaço, por que não perguntar a elas? E daí
surgiu a proposta de partilhar meus diários de bordo, propondo no sexto encontro uma
159
conversa sobre o processo do grupo e pedindo a elas um retorno, a partir do meu olhar de
propositora-pesquisadora-participante:
(...) se eu estou dizendo que aqui é um espaço de construção coletiva e eu considero que tem sido,
pelas conversas que a gente teve, pelas escolhas que vocês mesmos fizeram dos dilemas, eu resolvi
trazer os meus registros para vocês também. (...) eu vou entregar e aí eu queria a contrapartida:
que vocês fizessem para mim considerações: o que chamou a atenção nesses registros que eu estou
entregando, sobre minha postura, sobre o que a gente conversou... do meu jeito de enxergar o grupo.
Vocês topam? (ENC-6, 29/10/14)
PE: Achei engraçado que no começo você se pergunta até que ponto você se coloca participando
do grupo e ao longo da sua leitura, você foi trocando várias palavras que se distanciavam um
pouco do grupo e na sua troca você se aproximava do grupo. Quando você escreveu sobre o
grupo, você colocou “conosco”, acho que você está mesmo inserida e como isso contribui para
que esse grupo seja um grupo mais unido, mais humano, sabe? (ENC-6, 29/10/14)
(...) senti-me totalmente neste lugar, parece que era eu ali escrevendo sobre mim, Sou bastante
tímida, acho que sempre vou falar alguma coisa errada, que não vou saber falar bonito, insegura,
falo baixo, pouco, sinto que transmito essa insegurança para as pessoas, questiono muito esse meu
jeito “quietinha de ser”, pois muitas vezes me cobram ser falante, desinibida por ser psicóloga,
depois que iniciei a terapia me ajudou bastante a aceitar esse jeito, que cada um tem o seu jeito e
não é porque escolhi ser psicóloga que eu preciso mudá-lo, pois essa sou eu. (Abayomi, Devolutiva
DB)
160
Sobre esse relato, penso ser fundamental destacar alguns elementos para análise:
a) a distinção entre meus papeis como propositora, pesquisadora e participante é muito tênue,
esses papeis foram se mesclando, inclusive, em uma mesma situação, como a da nossa
conversa sobre o elemento novo, relatada anteriormente; b) a partilha de reflexões teóricas
em um posicionamento vertical foi tão importante quanto a escuta e a valorização dos
conhecimentos trazidos pelas participantes para a constituição do grupo colaborativo; c) as
estratégias, por si só, não levaram a colisões e a mudanças no desenvolvimento dos membros
do grupo, mas, sim, o que aconteceu entre nós a partir dessas estratégias.
Em uma perspectiva vigotskiana, é possível afirmar que as mudanças qualitativas
no processo de desenvolvimento são tão complexas e não lineares que o processo SSD-
drama-perejivanie se apresenta como um contínuo, sendo que uma interação dramaticamente
vivenciada produz mudanças tais que acabam por gerar novas condições para outras
mudanças (VERESOV, 2014). É possível identificar a complexidade desse processo quando
as interações entre mim e as participantes provocaram uma crise pessoal sobre a qual refleti,
discuti com minha orientadora e com colegas de pós-graduação e cujo resultado foi
identificar que eu precisava dividir com o grupo minhas impressões. A partilha do diário de
bordo, resultado de uma crise, criou uma nova situação social para as participantes, um novo
ponto de partida, que provocou novas crises e mudanças.
Além disso, as estratégias propostas por mim não tinham um caráter meramente
técnico, de aprendizagem de um conceito para ser aplicado, mas afetaram as participantes em
um nível (também) afetivo – quando partilho meu diário de bordo, que trazia uma expressão
inclusive subjetiva dos meus sentimentos sobre o que vivenciei no grupo, Abayomi e
Valentina foram mobilizadas também em um nível pessoal, indicando a dialética e
indissociabilidade entre pessoal e profissional, afetivo e cognitivo e reafirmando o
desenvolvimento profissional como desenvolvimento humano, em um sentido amplo. É
interessante ressaltar que por mais simples e repetitiva que pareça a afirmação
“desenvolvimento profissional não deve se dissociar do pessoal” este ainda não é um cenário
superado no campo da formação profissional que, em grande parte, tanto na graduação
quanto na formação continuada se restringe a um ensino de transmissão de conhecimentos e
técnicas por vezes ignorando a história, a subjetividade, as necessidades e os conflitos da
pessoa em formação. Ressalto ainda que a dimensão afetiva não foi somente um “conteúdo
ensinado” ao grupo, mas foi incorporada como princípio formativo nas minhas ações e
posturas e, por isso, foi significativa para o processo de desenvolvimento profissional das
participantes.
161
Iniciamos o encontro com uma nova organização. E como isso foi bom! As propostas expostas
por Fabiana começaram a fazer mais sentido. As falas de nossos companheiros de grupo
também ganharam um novo significado. Percebo que as pontuações de Fabiana entre as nossas
falas e observações apresentadas nos textos e em seus estudos enriquecem a cada encontro nossas
discussões. Contudo ainda percebo que as discussões estão pautadas em críticas ao sistema de
ensino e ao modo como é organizado (...). Percebo que precisamos pontuar melhor qual o papel
do psicólogo na escola, para que possamos pensar de que forma ele pode contribuir no
enfrentamento de tantas queixas escolares. (Alice, RR-4, 15/10/14)
Devemos ter cuidado com o que Saviani (1983/2008) denomina como “Teoria da
Curvatura da Vara”, quando discute que, ao irmos contra o ensino tradicional de transmissão
de conhecimentos, podemos cair em um outro extremo e acabar negando o acesso aos saberes
historicamente construídos em nome de uma suposta horizontalidade na relação de ensino.
Vigotski (1934/2001) defendia que a educação escolar, por meio do ensino dos
162
TRAVESSIA 3
(...) ao usarmos nosso tempo criticando o professor, parece que me ficou uma fala: “Mas e então,
o que vamos fazer, apesar do professor ser tão inadequado em algumas de suas ações? E a nossa
atuação, a quantas anda???? Estamos tão adequados assim?”. (Lícia, RR-2)
E como psicóloga, cada hora está em um lugar, eu não fico nada em lugar nenhum. Eu falo que
eu finjo que faço. Eu não aprofundo em nada e isso me angustia... por que eu me sinto em falta
com o indivíduo. Eu penso que é a mesma ansiedade do professor, quando não dá conta daquela
criança. (Isadora, TR-1)
Nos dois primeiros encontros, houve uma ebulição mais evidente de ideias
conservadoras, alocando a responsabilidade pelo não aprender unilateralmente, ou no
professor ou na família. Com o desenvolvimento do grupo, a partir das leituras, elementos
novos, partilha da prática e discussões entre nós, outras ideias mais complexas foram se
construindo sobre o trabalho com demandas educacionais. Como exemplo, no quarto
encontro discutimos um caso apresentado no artigo A doença do Tom Cruise: uma
experiência de estágio em intervenção psicoeducacional (BARBOSA, D. et al.) e apresentei
o grupo que o objetivo do atendimento à queixa escolar deve ser primordialmente a
movimentação de saberes e versões sobre a criança. O relato de Ana Elisa traz um importante
entendimento a partir dessa discussão:
(...) o Caso do Tom Cruise da Silva nos ajudou a (re) pensar a prática. Os slides da Fabiana nos
auxiliaram a organizar o pensamento e o que ficou pra mim é que é crucial nos casos de queixa
escolar movimentar a rede que está envolvida no caso. Todos precisam ter voz e contribuir para
se chegar numa melhor forma de lidar com a situação. (Ana Elisa, RR-4)
Tem esse momento de vamos pensar juntos, mas eu preciso ser um pouco mais direta, mas eles falam,
‘eu já faço. Isso que você está falando não adianta’. Mesmo quando eu falo, ‘mas eu estou com
vocês, estou aqui para orientar, se precisar eu venho aqui junto, a gente vai junto’. Mas eles falam,
não precisa, eu já sei. Então fico sem saber o que fazer. (Abayomi, ENC-7, 05/10/14)
166
VA: (...) a gente está querendo colocar os professores dentro do quadradinho também.
(...)
AE: (...) É a gente sair desse lugar do saber absoluto e que de alguma forma a gente fez e talvez a
nossa luta todo dia seja essa. E a gente acha que não está fazendo nada, na verdade. (ENC-7,
15/10/14)
Eu gostei muito, os encontros eram para discussão entre profissionais de psicologia, entretanto
tiveram participantes de outras áreas também que muito contribuíram para a discussão e o
desenvolvimento do grupo, tinha psicólogos de diversas abordagens, fonoaudióloga e pedagogos.
[a discussão sobre sistema teórico] me fez pensar bastante sobre o meu trabalho de fato, a teoria
que eu sigo (...) Fiquei com vontade de ler mais sobre a teoria de Vigotski, pois muitas das
coisas que a Fabiana fala e faz ligação com a teoria histórico-cultural me faz pensar bastante a
respeito e refletir em relação a que eu uso que é a comportamental. (Abayomi, RR-3)
Falamos sobre a concepção de dilemas e sobre reflexividade. Tudo muito bom, até que... eis a
pergunta que me tira da minha zona de conforto: que teoria fundamenta minha prática?
Acredito que por ter ciência da importância dela me incomode tanto. (Ana Elisa, RR-3)
Quinta-feira de manhã atendi uma menina autista, caso dificílimo, dificílimo, dificílimo e a menina
tem três anos e ela fica muito com a mãe, fala muito pouco e ela protesta muito, o protesto dela
quando a gente tira a mãe é ela fazer xixi. Ela já faz no banheiro, mas ela fez xixi na sala, perto do
meu pé. E naquele dia a gente tirou a mãe e ela veio, fez xixi, aquele xixizão. Eu falei assim, ‘bom, ,
com quem eu vou dialogar agora, o que eu faço agora?’ (...) E aí ela sapateia no xixi, faz aquela
confusão e nessa hora eu pensei, ‘bom, na teoria estava tudo muito tranquilo e agora na prática, o
que eu faço com esse xixi, com essa criança?’ A gente já tem algumas coisas prontas para fazer, não
entrei em desespero, mas enfim, foi um dilema que vivi e falei, com quem eu vou conversa agora?
Então, esse encontro trouxe muito isso, criou uma propriedade no grupo e foi muito bom. Foi
isso que pensei e acho que a angustia que tive nos dois primeiros encontros foi atendida, fui muito
acalmada nesse terceiro. (Lícia, ENC-04)
(...) tivemos muitas reflexões, não foi um espaço para decorar conceitos, embora tivéssemos
discutido historicamente o papel do psicólogo, o termo Psicologia Escolar, os pressupostos básicos
de algumas abordagens, etc. (Peter, CA)
Percebo que participar desse grupo vem me trazendo mais perguntas do que respostas. E como é
bom ter perguntas! (Alice RR-5, 22/10/14)
FA: É lembrei da borboleta que usei nos relatos em um deles sai pensando, no segundo encontro
que saí daqui bem pesada, pensando onde está indo esse grupo, será a gente vai dar conta do que
se propôs a fazer, do que eu me propus e daí pensei na borboleta, ela tem um voo leve, mas não
tem muito rumo certo, como da formiga, ela vai para onde mais agrada...
75
A filogênese é relacionada ao desenvolvimento da humanidade como espécie biológica, por meio da
evolução das espécies. A sociogênse é relacionada ao processo de desenvolvimento cultural da
humanidade. A ontogênese abarca as especificidades da história de cada sujeito particular e a microgênese
explica as mudanças em cada sujeito particular a partir da complexa combinação de todas essas entradas
do desenvolvimento.
170
FA: É o símbolo de transformação de uma lagarta que tem dificuldades de se locomover para uma
borboleta que voa livre. (ENC-7, 05/11/14)
TRAVESSIA 4
“Engraçado, né? Teve mudança”: sobre os vínculos afetivos como parte do processo de
desenvolvimento profissional
PRÉ-INDICADORES INDICADORES
Vínculo afetivo
Parada 9: Conversa (a) fiada Manejo do grupo – posicionamento
horizontal
Vínculo afetivo
Parada 23: “Engraçado, né? Teve Contribuições das participantes
mudança”
FA: No primeiro dia falei sobre o caráter afetivo do lanche, a ideia é cada um trazer o que é
significativo. Mas semana passada foram a Alice, Lícia e Luiza que trouxeram e eu acabei não
fazendo essa pergunta, vocês gostariam de partilhar?
AE: Não sei... não é do jeito que a gente queria. Eu gosto de cozinhar, gosto de fazer bolo, mas
não dava tempo.
Ana: Mas tinha toda uma produção, tinha papel celofane. Vocês podiam ter mentido, dizendo que
vocês que fizeram!
AE: Foi uma questão de tempo, pelo o que era mais prático. Cada uma vez uma coisa, meu marido,
enfiei ele no meio.
FA: O que acho legal é que no primeiro dia quando fiz o convite para trazer o lanche elas se
mostraram muito preocupadas, “será que vai dar tempo?”, porque elas saem do trabalho e vêm na
correria toda de outra cidade e eu achei muito bonito o cuidado da Ana Elisa em me mandar um
email “Ah, Fabiana, fiquei pensando e dá sim pra gente trazer”. E isso é muito bonito, porque
mostra o quanto vocês estão envolvidas com o grupo. (ENC-3, 08/10/14)
FA: Eu trouxe o lanche na primeira vez e convidei vocês para trazerem nas próximas para partilhar
comidas que tivessem algum significado para vocês ou mesmo o ato de trazer, o esforço que a gente
tem para estar aqui no horário, passar em algum lugar e buscar um lanche que todos gostem, acho
que o convite que queria fazer e espero que esteja sendo significativo, é da gente se aproximar
como grupo, de isso fazer sentido para gente, as conversas, oferecer uma rifa, partilhar receitas,
trocar ideias e da comida. Isso tem a ver com essa proposta de estarmos juntos e partilhar (...) O
que tem significado para vocês estarem aqui toda quarta? E daí me lembrei do momento do lanche,
do momento em que vocês chegam e eu recebo vocês e eu sinto muita amorosidade nesse espaço
e nesse momento. Sinto que o encontro é algo potente e é nele que eu aposto. Eu aposto na
conversa, aposto no outro como uma possibilidade muito rica de a gente se desenvolver como
profissionais, como gente. (ENC-4, 15/10/14)
vínculos afetivos no grupo foram estabelecidos. Vejamos alguns excertos que indicam a
significação dos vínculos como parte legítima e importante desse espaço:
O lanche que no inicio cada dia um trouxe para os outros e por fim fomos nos dividindo cada um
levando alguns quitutes e sucos. Foi muito bom ter esse momento, ficava um ambiente mais
descontraído (CA, Abayomi)
TA: Dia 15 de outubro, foi meu aniversário e foi muito esquisito estar aqui, ao mesmo tempo que
foi esquisito, foi gostoso estar com vocês. Desde que eu comecei a trabalhar eu cismei que eu não ia
trabalhar no dia do meu aniversário e esse ano eu não só trabalhei como fiz mais coisas, então foi
nesse sentido. Mas o dia inteiro, de um monte de coisas que eu não gostei, a única coisa que eu
gostei foi estar aqui. (ENC-5, 22/10/14)
afetiva, que se desenvolve mediante uma organização dos processos de mediação no grupo,
incluindo a pessoalidade, o afeto, o carinho e a gentileza com as participantes como parte
inerente das ações, o que proporciona uma aprendizagem efetiva irreversível. Um exemplo
desse aspecto pode ser identificado no registro de Peter:
Escrevo esse registro agora em uma maneira diferente. Atrasado para ir ao último encontro, mas
mais diferente ainda quanto ao estilo, mais leve, mais carregado de emoções, mais próximo ao
estilo da Fabi (...) No sétimo encontro, com menos pessoas, tivemos uma relação mais próxima, o
que ficou mais em evidência é que vai acabar. Com um misto de alívio e tristeza, por ter menos
compromisso e consequentemente menos espaços prazerosos de aprendizagem. (Peter RR-7)
Peter indica apropriação do tom afetivo com que mediei a proposta, diferente de
uma mera descrição do que aconteceu, Peter utiliza o recurso do registro reflexivo para tecer
entendimentos e reflexões que expressam sua vivência emocional no grupo. A partir deste
exemplo, afirmo que não é suficiente “ensinar” sobre afeto e explicar ao grupo sobre sua
importância, é imprescindível criar condições para que a dimensão afetiva e humana seja
vivenciada no processo formativo, por meio de posturas e ações educativas encarnadas pelos
propositores da formação profissional.
Identifico que vivenciamos colisões relacionadas à cisão que ainda persiste entre
a dimensão cognitiva e afetiva. Nos primeiros encontros percebo minha preocupação em
seguir o cronograma e focar nos textos escolhidos para guiar a discussão, quando o grupo
tinha a necessidade de partilhar as angústias vivenciadas cotidianamente, conforme já
relatado nas demais Travessias e podemos perceber no registro de Peter:
Percebo uma insistência da Fabiana em conduzir o grupo no sentido de uma reflexão teórica
embasada em artigos e uma dificuldade do grupo em caminhar nesse sentido. Talvez o grupo não
deseje nesse momento um fortalecimento teórico, mas sim um fortalecimento pessoal. (Peter
RR-6, 29/10/14)
Tadeu disse em seu relato que o vídeo Sentimentário e as conversas sobre rótulos
relacionados a problemas de aprendizagem o mobilizaram, pois ele mesmo foi diagnosticado
como disléxico na infância:
TA: Achei muito interessante quando você [Lícia] falou que não é um diagnóstico fácil, né?
Hoje eu entendo isso, não é fácil, não é simples, hoje eu entendo isso.
Tadeu partilhou com o grupo um relato pessoal, no qual nos conta que foi diagnosticado como
disléxico na infância e como isso o afetou. A partir do relato pessoal de Tadeu, pedi ao grupo para
que imaginassem o que fariam se um caso como o de Tadeu chegasse até eles. Alice relaciona o
relato a uma reunião em seu trabalho, na qual discutiram a possibilidade de retirar o EJA da escola:
AL: aí fiquei escutando o Tadeu falar e pensei: tudo a ver com a discussão de hoje de manhã.
Tirar o problema da escola, não tem que tirar o problema da escola, o problema é da escola, o
problema é de todo mundo que está envolvido com a escola. (ENC-5, 22/10/14)
O grupo mostrou-se muito entrosado na proposta do “construir com” e “falar com”. Apesar de ser
um grupo não muito numeroso, foi muito coeso e funcionou em um movimento horizontal e afetivo
que permitiu uma construção única e preciosa de muitos conteúdos. Cada membro expôs seus
momentos mais marcantes, e embora tenham sido diferentes e distintos, mostrou que a presença de
todos foi decisiva na percepção de cada um, assim como a visão individual na formação do grande
olhar. Todo o movimento aconteceu no plano singular/individual e coletivo/grupal. (Lícia, CA)
176
76
Em apresentação no Concurso para Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas.
177
podemos dizer que os profissionais não sejam constantemente afetados e transformados por
meio das relações que estabelecem cotidianamente.
O que significa se desenvolver profissionalmente? Aprender conceitos, técnicas,
sim, mas também se desenvolver como pessoa, refinando um olhar sensível, contextualizado
e abrangente para as questões humanas e para os desafios encontrados no trabalho no
contexto educacional. Aqui ressalto também a importância de termos incluído na proposta
não somente textos acadêmicos, mas os elementos novos, por meio de vídeos, músicas,
poemas, crônicas e outros meios estéticos-artísticos para que a partir deles pudéssemos
discutir a dimensão teórica. Como colocado por Ferreira (2014), a dimensão estética da
Educação encontra-se em superar a cisão entre sentir, pensar e experimentar. Para isso é
fundamental propor ações formativas que considerem o educador como pessoa inteira e a arte
é, nesse sentido, vetor fundamental de aprendizagem.
No último encontro, Bianca preparou uma apresentação para partilhar suas
percepções como pesquisadora-auxiliar sobre o grupo. No início de sua apresentação, ela
colocou algumas fotos dos primeiros encontros. Tivemos o seguinte diálogo, minutos antes
de finalizarmos:
FA: Muita.
TA: Mudança física mesmo (...) Eu fiquei impressionado como que na primeira foto para agora a
gente mudou.
LU: Quando o vínculo se cria, muda a nossa percepção em relação ao grupo e a nós mesmos
dentro do grupo.
(...)
LI: (...) Acho que é isso, embora nosso grupo teve um momento de construção, mas essa
construção nunca acaba, ela vai seguir com cada um de nós e enfim, acho que me dá um pouco
essa impressão, de construção que nunca se acaba, ela aconteceu aqui e vai continuar dentro de
nós, o grupo vai continuar dentro da gente. A gente se distancia na memória, mas continua na
gente. (ENC-8, 13/11/14)
A mudança física percebida nas fotos dos primeiros encontros foi significada pelo
grupo como uma percepção decorrente da formação de vínculos afetivos entre nós. Não
éramos mais estranhos, pois ao longo da proposta conhecemos uns aos outros em dimensões
que estavam inacessíveis nos primeiros encontros. Lícia fecha essa conversa dizendo que
178
vamos dali em diante nos distanciar na memória, mas o grupo ficará guardado dentro de cada
um. Identifico que a proposta, pautada nas relações sociais como fonte, propiciou a
internalização por cada participante de uma memória coletiva – as vivências diversas levaram
à internalização única de saberes por cada participante. Vigotski (1931/1997) considera a
memória como uma função psicológica complexa, formada a partir da mediação de signos,
por meio das relações sociais estabelecidas. Portanto, a internalização do vivido passa pelo
coletivo e pelas significações que damos ao que vivemos, por meio do uso da linguagem:
Nas palavras iniciais, faço uma pergunta que me acompanhou durante todo o
percurso: o que não sabia antes e aprendi com a Tese? Penso ter chegado o difícil momento
de respondê-la. É claro que todo percurso do texto até aqui já contempla as respostas e é claro
também que estas são respostas possíveis para o momento e não verdades definitivas ou
absolutas. Nessa última Travessia, escolho sintetizar as lições fundamentais da Tese, na
tentativa que fiz durante todo esse tempo para compreender o grupo colaborativo como fonte
de desenvolvimento para profissionais que trabalham com demandas educativas.
Inspiro-me em Sá-Chaves (2012) tecendo aqui considerações para uma
“proposta modelizadora” – o grupo de desenvolvimento profissional aqui descrito e
investigado não é um modelo a ser seguido, mas uma “modelização aberta”, cujos princípios
e análises decorrentes de todo o processo da pesquisa não devem ser meramente aplicados a
todas as circunstâncias, mas podem inspirar novas situações e propostas. O que vivenciamos
foi singular, mas relacionado a dimensões mais amplas, o que emergiu no grupo diz respeito
à atuação e ao desenvolvimento de diversos profissionais que cotidianamente lidam com
demandas diversas do contexto educacional e que não raro se sentem desamparados para
enfrentar os dilemas e desafios da prática.
Para iniciar a discussão de uma proposta modelizadora, escolho o gênero da carta
– presente em minhas ações – e direciono-a ao grupo de participantes da pesquisa como
síntese das lições aprendidas, dos significados produzidos a partir das análises e também
como uma forma de homenagem e agradecimento. Em seguida, elejo alguns pontos
principais que ajudam a responder às questões de pesquisa. Espero que a carta singularmente
endereçada e as considerações finais para uma proposta modelizadora alcancem outros
profissionais que, identificados com estes escritos também possam encontrar caminhos, de
mãos dadas uns com os outros, colaborativamente.
180
Querido grupo,
Quanto tempo desde que nos encontramos pela última vez em novembro de 2014! Como
disse alguém no último encontro, nos afastamos na memória, mas o grupo continua dentro
de nós, de alguma forma. Dentro de mim, continuou tão vivo, que consigo me lembrar dos
detalhes de cada encontro, de cada conversa. Claro, como pesquisadora tive o privilégio de
rememorar muitas vezes e de formas diversas nossos encontros, transcrevendo nossas falas,
relendo incansavelmente os escritos produzidos para, então, transformar tudo isso em um
texto, uma Tese! Quero começar esta carta, escolhida para compor as considerações finais
da pesquisa, agradecendo a participação tão especial de vocês. Ao me direcionar de forma
particular a vocês, que compuseram a pesquisa comigo, gostaria de registrar as principais
lições aprendidas com a produção da Tese, na esperança de deixar um pequeno legado no
campo do desenvolvimento profissional, da Psicologia Escolar e Educacional, da Teoria
Histórico-Cultural.
Em primeiro lugar, uma pergunta que me fiz desde o começo, quando, ao propor uma
formação para o “psicólogo escolar”, encontrei nesse grupo uma grande diversidade de
profissionais: o que esse grupo me conta sobre a Psicologia Escolar e Educacional? Bom,
primeiramente o grupo revelou que o psicólogo escolar não está somente em escolas, mas o
trabalho com demandas educacionais acontece em contextos variados. A diversidade de
profissionais no grupo também revela que o psicólogo precisa da parceira com outros
campos do saber para atuar e que seria precioso que esses profissionais pudessem dialogar
colaborativamente, como fizemos no nosso grupo. Um processo de formação centrado única
e exclusivamente em si mesmo, ao não dialogar com o outro se torna cego. E o que fizemos
juntos foi o contrário. Uma importante lição é de que os profissionais em formação podem
dialogar entre si. Ainda somos uma cultura da individualidade, da competitividade e vocês
mostraram que é possível romper com isso e que o trabalho colaborativo é contra
hegemônico. Precisamos de ajuda, não dá para caminhar sozinho.
proporcionadas e das nossas intensas conversas sobre a prática e sobre tantos assuntos
relevantes para o trabalho com demandas educacionais. Das principais análises da tese a
partir da Teoria Histórico-Cultural, destaco: a constituição de uma proposta colaborativa
como processo não linear, mas permeado por colisões, contradições, como essencialmente
dramático, afinal o grupo não caminhou em uma crescente sofisticação, na qual vocês foram
evoluindo, mas como uma revolução, por meio da partilha de dúvidas, provocação de
questionamentos e construção de saberes a partir das contribuições de cada um. Identifico
que minhas colocações como propositora tiveram lugar privilegiado: além das atividades
solicitadas e da abertura para o diálogo no grupo, houve momentos em que eu me levantava
e dava uma aula. Identifico que o princípio de colaboração e horizontalidade não deve negar
a verticalidade. A partilha de saberes também é necessária. Percebo também que a dimensão
afetiva foi parte essencial dos nossos encontros, criando um senso de pertencimento e
comprometimento e contribuindo para que ao final cada um de nós levássemos uma herança
singular dos encontros.
Fico pensando que é difícil existir um curso ou uma proposta de formação profissional
perfeita, mas o que é interessante é uma formação que produza incômodos, estranhamentos...
Lembram das angústias e perguntas sobre a atuação com demandas educacionais que nos
tomaram principalmente nos primeiros encontros? Percebi que encontramos algumas
respostas para elas – como, por exemplo, a necessidade de um olhar cuidadoso não só para
a criança, mas para o professor e famílias também; a importância dos diversos saberes para
dar conta das demandas educacionais, em uma construção coletiva das ações; a importância
de olhar para a dimensão histórica de nossas concepções teóricas ou ainda o valor de
registrarmos nossas impressões sobre a prática de forma reflexiva, afetiva e implicada. Mas
também nos deparamos com outras perguntas... é claro que nosso curso em oito encontros
foi apenas uma pequena parte da trajetória de vocês e não espero que tenha tido uma
repercussão extraordinária na sua vida, mas que, ao final, vocês tenham saído de lá
mobilizados, incomodados, instigados a sempre buscar conhecimento, afinal o
desenvolvimento profissional é um processo contínuo.
Identifico que nosso grupo foi um lugar especial de partilha sobre a prática profissional.
Criamos um espaço que valorizou os vínculos afetivos, as conversas sérias, mas também as
conversas (a) fiadas. Um grupo que pôde se conhecer ao longo do processo, trocar ideias,
fazer amizade. Um espaço horizontal, em que todos eram convidados a trazer suas
contribuições. Um espaço colaborativo, em que o eu solitário, tantas vezes sentido por
aqueles que trabalham com demandas educacionais, foi ganhando jeito de eu solidário.
Com carinho,
Fabiana
182
Como é desafiador finalizar uma Tese! Penso que não é possível realizar uma
Travessia Final, mas apenas delimitar o Final de uma Travessia, que, no fundo, tem
potencial para se desdobrar em outros caminhos que não necessariamente serão trilhados por
mim, mas talvez por outros pesquisadores que virão a desenvolver investigações posteriores
sobre esse tema.
Como forma de propor uma conclusão possível, além da carta, apresento, como
síntese das lições de pesquisa, os principais elementos que apontam limites e possibilidades e
que ajudam a responder ao objetivo principal: analisar o grupo colaborativo como fonte de
desenvolvimento para profissionais que trabalham com demandas educacionais.
• Nem toda relação social emerge como uma situação social de desenvolvimento, para
que possibilitar uma mudança é preciso partir de princípios e estratégias coerentes
com os objetivos da proposta e com uma concepção de ser humano que leve em conta
toda a complexidade do processo de ensino e de aprendizagem. Neste trabalho,
considerando o grupo como fonte de desenvolvimento profissional, a colaboração e as
interações entre as participantes foram princípios essenciais. A partir deles, as ações e
estratégias pautaram-se no diálogo e produção conjunta de conhecimentos; no
exercício de coordenar o grupo e ao mesmo tempo incluir as participantes como
corresponsáveis; no exercício de uma postura reflexiva ao longo dos encontros de
modo a não apresentar uma ementa pronta, mas construir a proposta ao longo do
curso.
• O drama das interações também foi ferramenta de análise, oferecendo para mim
indícios importantes de quais situações foram mais desafiadoras e propulsoras de
mudanças. No decorrer da escrita, meu exercício foi enfatizar as crises (das
participantes e as minhas) e usá-las como forma de interpretar o material empírico,
deixando emergir as mudanças que aconteceram ao longo do processo, como por
exemplo a decisão em partilhar meu diário de bordo com as participantes. Aqui
ressalto, portanto, o pesquisador como sujeito inteiramente envolvido e vulnerável ao
processo de pesquisa e a importância de refletir sobre suas ações, para mudar o curso
da investigação, se necessário, e para fazer da produção de material empírico um
processo vivo de produção de conhecimento.
• Por fim, por mais simples e recorrente que pareça afirmar que as relações
interpessoais são importantes e que as dimensões pessoais e profissionais são
indissociáveis, é preciso assumir que esses são princípios ainda longe de serem
incorporados no processo de formação profissional, seja na graduação ou em espaços
de formação continuada. A dimensão técnica ainda é priorizada e inserida nas ações
formativas desconsiderando a subjetividade, pessoalidade e afetividade. Por isso
defendo reiteradamente nesta Tese que desenvolver profissionalmente é se
desenvolver como pessoa. Defendo desenvolvimento profissional como uma
importante dimensão do processo de desenvolvimento humano, a partir de mudanças
qualitativas nas funções psicológicas, processo que acontece mediante a
internalização de interações sociais emocional e cognitivamente desafiadoras, que
incluem a formação de conceitos científicos, os vínculos afetivos e um processo
educacional sensível e humano, complexo e contínuo. Para além das mudanças
proporcionadas para as participantes deste grupo, espero que, a partir de propostas
como esta, as práticas educativas no campo do desenvolvimento profissional se
modifiquem. Espero que as lições aprendidas a partir dessa experiência singular possa
inspirar outras ações formativas para profissionais de várias áreas, para que outros eus
solitários encontrem solidariedade em espaços de colaboração, escuta e diálogo.
185
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têm acesso livre e outros não, por isso não foram incluídas nas referências o link de acesso aos artigos, uma vez
que muitos deles requerem pagamento para download na íntegra.
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Assinatura: _________________________________
Nome completo:
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Instituição:
Local de trabalho:
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200
Caro/a participante,
Você está inscrito/a no curso A atuação do psicólogo e os dilemas em contextos
educativos: reflexões, críticas e possibilidades coletivas de superação a ser oferecido pelo
Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Continuada – GEPEC da Unicamp.
Disponibilizamos abaixo algumas informações importantes sobre o curso, para que
você possa entender melhor nossa proposta, organizar seus horários e viabilizar sua presença.
Pedimos que após a leitura deste documento você envie um e-mail para
grupopsicologiaeducacao2014@gmail.com confirmando o interesse em frequentar o curso.
Esta medida se faz necessária para organizarmos a proposta de acordo com o número
de inscritos. Sendo assim, se você não tiver certeza ou por algum motivo não puder mais
estar conosco, pedimos que também manifeste sua desistência.
Datas dos encontros: 24/9; 01/10; 08/10; 15/10; 22/10; 29/10; 05/11; 12/11
Horário:
Das 18h às 20h00
Local:
Faculdade de Educação da UNICAMP
Sala ED-07 (Prédio Anexo)
Av. Bertrand Russell, 801
Cidade Universitária "Zeferino Vaz”