NERINT
A Questão Nacional no Brasil A-tual: a posição do Exército
Paulo Fagundes Visentini1 e Leonardo Augusto Peres2
Apresentação
Na atual crise brasileira, algo que chama O General Villas Bôas foi nomeado Comandante
atenção é a ausência da questão nacional ao longo do Exército em 5 de fevereiro de2015, no início da
de todo espectro político-ideológico. Justamente gestão da então presidente Dilma Rousseff. A Lei
por isso, ganha cada vez mais destaque a posição Complementar nº 117/2004 definiu as atribuições
do Exército Brasileiro por meio das manifestações do Exército sob a supervisão do Comandante,
de seu comandante, o General Eduardo Dias consolidadas pela Lei Complementar n o 136/2010.
da Costa Villas Bôas. Não apenas foi defendida Assim, além de supervisionar as atribuições
a legalidade democrática e constitucional (em constitucionais do Exército oriundas do art. 142
resposta velada a manifestações extremadas de e de compor o Conselho de Defesa Nacional, o
diversas origens), mas, sobretudo, foi enfatizada a Comandante é responsável por coordenar as três
importância da unidade da nação ameaçada. Isso atribuições subsidiárias particulares do Exército:
porque a atual situação de semiparalisia estatal auxiliar a formulação de políticas relativas ao
e de divisão política, caos social e retrocesso emprego do Poder Militar Terrestre; cooperar na
econômico estaria minando os fundamentos da execução de obras de engenharia; e auxiliar na
Nação. repressão, dentro do território nacional, de delitos
1 Editor, Professor Titular de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Coordenador do Núcleo Bra-
sileiro de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT) e Pesquisador do CNPq.
2 Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGPOL-UFRGS). Mestre em Relações Internacionais
pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
7
Bol. Conj. Nerint | Porto Alegre | v.2 n. 6 | p. 1-83 | jul./2017 | ISSN: 2525-5266
BOLETIM DE CONJUNTURA
8
Bol. Conj. Nerint | Porto Alegre | v.2 n. 6 | p. 1-83 | jul./2017 | ISSN: 2525-5266
BOLETIM DE CONJUNTURA
NERINT
brasileiros ainda serem bem desenvolvidos, deriva”:
outros equipamentos estratégicos poderiam ser
-
prejudicados com o corte: mísseis, foguetes, Esse processo que o Brasil vem enfrentando está
sistemas complexos, artilharia antiaérea. atingindo nossa essência e nossa identidade. Tem
outro componente, que vem de processo histórico
A jornalista Simone Kafruni destacou a recente, das décadas de 70, 80. Até então, o país
repercussão das afirmações do General de que os tinha identidade forte, sentido de projeto, ideologia
cortes orçamentários provocariam “um atraso de de desenvolvimento. Perdeu isso. (...) O interesse
30 a 40 anos na indústria de defesa”. Kafruni os público, a sociedade está tão dividida e tem o Estado
presidentes das Comissões de Relações Exteriores subordinado a interesses setoriais (Villas Bôas apud
e Defesa Nacional tanto do Senado, à época o Gugliano 2017, s/p.).
Senador Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB, quanto
da Câmara, à época a Deputada Jô Moraes, do Além dos comentários costumeiros sobre
PCdoB. Esta ressaltou a importância estratégica narcotráfico e sobre o Sisfrom e a proteção das
da indústria nacional de defesa: “nós temos fronteiras, Villas Bôas abordou, nessa entrevista,
dependência da indústria norte-americana para dois novos temas que merecem destaque: o
usar até mesmo um GPS, por exemplo” (Moraes processo de paz na Colômbia, acerca do qual
apud Kafruni 2015). demonstrou, ao mesmo tempo, otimismo e
preocupação, dada a possibilidade de antigos
O governo Michel Temer e a continuação da membros das Forças Armadas Revolucionárias da
instabilidade política Colômbia se juntarem a outros grupos guerrilheiros
e aumentarem as zonas de plantio de coca; e as
No final de 2016, o General foi direto eleições de 2018, acerca das quais manifestou
quanto à impossibilidade de volta dos militares ao sua consternação quanto ao surgimento de
poder, rotulando de “tresloucados” e de “malucos” “candidatos de caráter populista”, traçando
aqueles que clamavam por intervenção do paralelos com os Estados Unidos da América de
Exército. Afirmou que as atribuições do Exército se Donald Trump.
restringem àquelas previstas constitucionalmente
no art. 142 e negou que setores da ativa ou da Em abril, o General Villas Bôas falou à revista
reserva considerassem qualquer forma de retorno Veja, destacando a credibilidade do Exército e sua
ao poder. Revelou, ainda, sua preocupação com a importância não apenas pelo zelo à integridade
segurança pública e elogiou o respeito de Michel e à soberania do país e pela capacidade de
Temer às instituições e a defesa das Forças estimular a economia, mas ainda pelo fato de
Armadas. “guardar elementos da nacionalidade”. Esclareceu
um momento que caracterizou como “tenso” nas
Todavia, em março de 2017, o Valor Econômico relações com o governo, quando foi sondado
publicou uma entrevista com o General, que acerca da possibilidade de se decretar Estado de
declarou que “somos um país que está à deriva, Defesa no país. Reforçou os três pilares da atuação
que não sabe o que pretende ser, o que quer ser do Exército – estabilidade, legalidade, legitimidade
e o que deve ser”. Ao falar sobre a crise política – para lembrar que ele age apenas de acordo com
no país, explicou sua afirmação sobre “o país à a Constituição.
9
Bol. Conj. Nerint | Porto Alegre | v.2 n. 6 | p. 1-83 | jul./2017 | ISSN: 2525-5266
BOLETIM DE CONJUNTURA
10
Bol. Conj. Nerint | Porto Alegre | v.2 n. 6 | p. 1-83 | jul./2017 | ISSN: 2525-5266
BOLETIM DE CONJUNTURA
Tenho dito que o Brasil é um país sem projeto, um Depois, houve uma década de cortes financeiros,
país à deriva, não de agora, mas de algum tempo – o quase encerramento de programas tecnológicos
quero esclarecer, porque disse em outra entrevista e a redução de sua capacidade operacional,
e interpretaram como uma crítica minha ao atual embora participassem de diversas missões de
governo. O Brasil perdeu a coesão social, perdeu o paz sob mandato da ONU. A globalização trouxe
sentido de projeto e a ideologia do desenvolvimento. ameaças à soberania e o enfraquecimento do
O País está muito preso ainda a dogmas políticos e Estado, da economia e da própria ideia de nação.
ideológicos que não têm capacidade de interpretar o No início do século XXI, houve uma retomada em
mundo atual, um mundo totalmente interligado, com termos de recursos e de projetos tecnológicos,
cadeias econômicas transnacionais (Villas Bôas apud mas não houve uma concepção estratégica nova
Domingos 2017, s/p.). na área de Defesa e de Projeto de Nação (que
foi bastante contraditório). O período neoliberal
O General concluiu comentando novamente as (Collor e Cardoso) e o seguinte,liderado pelo
eleições de 2018, revelando sua esperança quanto Partido dos Trabalhadores (Lula e Dilma), dividiram
ao surgimento de novas lideranças baseadas em a sociedade, em um quadro marcado pela crise
novas formas de pensamento. Citou os exemplos econômica mundial e brasileira.
de Margaret Thatcher, Primeira-Ministra do
Reino Unido entre 1979 e 1990, Ronald Reagan, Com a divisão ideológica atingindo os limites do
Presidente dos Estados Unidos da América entre absurdo e da irracionalidade, e os acontecimentos
1981 e 1989 e Emmanuel Macron, Presidente da que conduziram ao impeachment da presidente
França desde 14 de maio de 2017, como exemplos Dilma (mais a instabilidade do governo de seu
de líderes que surgiram em momentos de crise e sucessor), as Forças Armadas mantiveram uma
11
Bol. Conj. Nerint | Porto Alegre | v.2 n. 6 | p. 1-83 | jul./2017 | ISSN: 2525-5266
BOLETIM DE CONJUNTURA
12
Bol. Conj. Nerint | Porto Alegre | v.2 n. 6 | p. 1-83 | jul./2017 | ISSN: 2525-5266
BOLETIM DE CONJUNTURA
NERINT
Referências
-
Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. 2017. Notas Taquigráficas – 22/06/2017 – 20ª. 22 de junho de 2017.
Disponível em <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/notas-taquigraficas/-/notas/r/6245>, acesso em 19/07/2017.
DefesaNet. 2017. Editorial DefesaNet – A Reunião. DefesaNet, 6 de junho de 2017. Disponível em <http://www.defesanet.
com.br/gi/noticia/26023/Editorial-DefesaNet---A-Reuniao/>, acesso em 19/07/2017.
Domingos, João. 2017. ‘Nada fora da Constituição’. Estadão, 15 de julho de 2017. Disponível em <http://politica.estadao.
com.br/noticias/geral,nada-fora-da-constituicao,70001891239>, acesso em 19/07/2017.
Dubeux, Ana; Alexandre, Carlos; Cavalcanti, Leonardo e Nívea Ribeiro. 2015. “Não cabem atalhos na Constituição”,
diz comandante do Exército Villas Boas. Correio Braziliense, 27 de setembro de 2015. Disponível em <http://www.
correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2015/09/27/internas_polbraeco,500267/nao-cabem-atalhos-na-
constituicao-diz-comandante-do-exercito-villas.shtml>, acesso em 19/07/2017.
Exército Brasileiro. 2017. Nota de Esclarecimento. Postagem no Facebook, 19 de maio de 2017. Disponível em <https://
www.facebook.com/exercito/posts/1788820407811546>, acesso em 19/07/2017.
Gugliano, Monica. 2017. ‘Somos um país que está à deriva’. Valor Econômico, 17 de fevereiro de 2017. Disponível em
<http://www.valor.com.br/cultura/4872438/somos-um-pais-que-esta-deriva>, acesso em 19/07/2017.
Kafruni, Simone. 2015. Corte provoca defasagem. Defesa Aérea & Naval, 10 de novembro de 2015. Disponível em <http://
www.defesaaereanaval.com.br/corte-provoca-defasagem-2/>, acesso em 19/07/2017.
Sampaio, Iavanildo. 2015. General Villas Bôas – “Povo não quer os militares de volta”. Defesa Aérea & Naval, 17 de outubro
de 2015. Disponível em <http://www.defesaaereanaval.com.br/general-villas-boas-povo-nao-quer-os-militares-de-volta/>,
acesso em 19/07/2017.
Weterman, Daniel. 2017. ‘Clima no Exército é de consternação, choque e preocupação’, diz Villas Bôas. Estadão, 24 de
maio de 2017. Disponível em <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,clima-no-exercito-e-de-consternacao-choque-e-
preocupacao-diz-villas-boas,70001812265>, acesso em 19/07/2017.
13
Bol. Conj. Nerint | Porto Alegre | v.2 n. 6 | p. 1-83 | jul./2017 | ISSN: 2525-5266