ESTRANGEIRAS
RESUMO
A pesquisa tem provado que a formação superior deixa de capacitar os licenciandos de inglês como
língua estrangeira (LE) para compreender, criticar e utilizar o conhecimento teórico. De acordo
com ALMEIDA FILHO (1999) e VIEIRA-ABRAHÃO (1999) os professores não deveriam
apenas aprender a utilizar o conhecimento teórico em apoio a sua prática. Eles deveriam também
aprender a avaliar tal conhecimento de modo crítico. Este trabalho oferece uma breve reflexão
sobre a atual política de formação de professores de inglês como LE (Língua Estrangeira) e suas
conseqüências, além de também sugerir a utilização de diários como uma ferramenta útil no
desenvolvimento da perspectiva crítica esperada pelo mercado e pela nova LDB.
INTRODUÇÃO
"[...] [na primeira metade do século XX] As questões educacionais eram discutidas por
intelectuais, artistas e homens públicos sem nenhuma especialização em ensino. [...]"
(Revista Época, 1º de fevereiro, 1999 – "O orgulho está de volta", p. 59 – acréscimo do
pesquisador)
Como bem relata o fragmento que abre esta seção, é recente em nosso país o pensamento
sobre a educação a partir de seus próprios referenciais e por seus próprios profissionais. Mais
comum anteriormente era que as políticas educacionais fossem determinadas de fora para dentro,
ou seja, desde setores da sociedade não diretamente vinculados ao ensino para dentro da escola.
Em outras palavras, sob o ponto de vista histórico, o professor se submetia aos desígnios de
interesses sociopolíticos de membros eminentes da sociedade.
O ponto relevante parece ser a constatação de que o poder do professor sobre sua profissão
sempre foi relativizado: ao mesmo tempo que lhe é dada autonomia para fazer algumas escolhas
relativas à forma de conduzir a disciplina em suas turmas, não lhe é permitido avaliar criticamente
as medidas educacionais que determinarão seu trabalho pedagógico. Estas medidas ainda hoje,
como na primeira metade do século, são impostas ao professor, só que agora pelas autoridades
acadêmicas e da própria Educação. A história da evolução dos métodos e abordagens de ensino de
Línguas Estrangeiras ilustra bem esta situação de desautorização do fazer docente.
Uma das abordagens mais conhecidas na história do ensino formal de Línguas Estrangeiras
denomina-se Gramática-Tradução. Aplicada desde o século XIX ao ensino das línguas clássicas,
esta abordagem alcançou o século XX e foi empregada também no ensino das línguas modernas.
O professor dentro desta abordagem teria o papel de Transmissor do Conhecimento. Sua função
seria garantir a passagem do conhecimento da língua para o aluno e avaliar a assimilação do
mesmo. A ausência de uma fundamentação teórica dificulta uma análise científica da abordagem,
assim como também impede uma ação docente crítica e comprometida com a qualidade.
A evolução da lingüística estruturalista, com sua proposta de análise de corpus da língua
oral, aliada à psicologia comportamentalista com sua proposta de um ensino programado e de uma
tecnologia educativa que atenderiam aos anseios de um mundo que se tornava cada vez mais
tecnicista e complexo, auxiliou na criação de um método denominado Audiolingual. Neste método,
o ensino de Línguas Estrangeiras equivaleria à formação de hábitos lingüísticos nos alunos, por
meio da associação de estímulos e respostas condicionadas através de reforços positivos. Haveria
controle total do ensino pelo professor. Foi tal a fé no caráter científico do método que ele
proliferou e ainda hoje encontra adeptos.
A fundamentação psicológica comportamentalista possuía uma característica de rigidez e
controle que dispensava a criatividade e a auto-expressão do aluno (Rojas e Corral, 1991), além
de não valorizar o aspecto emocional de sua relação com o professor. Tudo isto tornou o trabalho
docente uma atividade técnica, quase mecânica e definitivamente acrítica. Na verdade, bastaria um
usuário ou falante proficiente da LE para atuar como implementador do método, o qual, portanto,
efetivamente instituiu o papel do Professor Técnico.
Contrariamente à expectativa dos audiolingualistas, e principalmente na Europa, percebeu-
se a impossibilidade de transformar alunos em usuários competentes de uma LE apenas através de
estímulos, respostas e reforços cientificamente controlados. No máximo, os alunos deste método
alcançavam um grande conhecimento da estrutura gramatical e do léxico da língua-alvo, mas não
eram competentes para utilizar de modo adequado este conhecimento na comunicação com os
falantes nativos da LE.
O insucesso impulsionou a mudança, a qual foi favorecida pelos estudos da
sociolingüística, um ramo da lingüística que concebe a língua como sendo um sistema de regras
socialmente adquiridas e postas a serviço de propósitos comunicativos em situações de uso reais.
Esta concepção da língua em uso, permeada pelas intenções dos usuários e pelas normas culturais
de seus grupos, contribuiu para a criação de uma abordagem denominada Comunicativa.
O grande salto da Abordagem Comunicativa foi qualitativo, pois permitiu uma mudança
de foco: do ensino para a aprendizagem, ou, em outras palavras, do professor e do método para o
aluno, pois o ensino passaria a ser orientado para as futuras necessidades comunicativas deste
aluno em contextos reais de uso da LE.
O ensino Comunicativo, tornou o fazer docente mais complexo, pois atribuiu ao professor
uma série de papéis: Colaborador, Facilitador, Incentivador e Avaliador do processo de
aprendizagem. O professor seria aquele que estabeleceria todas as bases pedagógicas do ensino, a
partir das necessidades que o aluno apresentasse para a aprendizagem e posterior uso da LE.
Este breve panorama parece sugerir que as direções no ensino de Línguas Estrangeiras,
como na educação de modo geral, deixaram de ser ditadas por leigos e passaram para as mãos de
especialistas técnicos. Aparentemente, uma vez assumida uma postura técnico-científica, seria
mais fácil avaliar a qualidade e os resultados do trabalho pedagógico desenvolvido, pois um ensino
com bases teóricas explícitas e objetivos delineados teria mais chances de ser bem sucedido ou, se
necessário, aperfeiçoado.
A evolução do ensino de Línguas Estrangeiras em direção a abordagens mais científicas
daria então ao professor uma atribuição técnica, uma vez que – para utilizar uma metáfora
científica – ele desempenharia o papel de um cientista que põe em prática um experimento em seu
laboratório – a sala de aula. Assim, ao estabelecer os objetivos do ensino e da aprendizagem, ao
fazer os ensaios práticos com atividades e técnicas pedagógicas, ao avaliar os resultados e ao
efetuar as mudanças metodológicas necessárias ao sucesso do experimento, o professor seguiria
uma abordagem puramente científica. É isso o que se espera do professor na Abordagem
Comunicativa.
Na prática, entretanto, ao professor só é dado o papel de receptor dos métodos e de executor
dos ensaios, não lhe sendo de fato permitido interferir mais criticamente no processo e reavaliá-lo.
As normas e procedimentos são impostos de cima a partir das autoridades de ensino, respaldadas
por "autoridades acadêmicas". Além disso, há que se reconhecer que a formação em nível superior
(Licenciatura), por motivos que serão discutidos posteriormente, não costuma formar professores
capazes de atender a exigências como as trazidas pela Abordagem Comunicativa. Esta situação
alimenta uma postura que torna os professores meros reprodutores de fórmulas, pouco críticos e
normalmente incapazes de lidar com as dificuldades dos alunos.
Podemos concluir, então, que a passagem de papéis, desde o de Transmissor até o de
Colaborador, se deu apenas na teoria do ensino de Línguas Estrangeiras. Na prática esta passagem
apenas escamoteou um processo gradativo de desautorização do fazer docente, um processo que
tem conseqüências graves para a qualidade do ensino.
"[...] Tornar o professor co-construtor de seu processo de trabalho implica que ele avalie
judiciosamente sua prática a partir da reflexão em cima de seu trabalho, com base em teoria."
(Libâneo, 1997, p. 173)
Esta citação do professor Peter Senge será essencial para o pensamento sobre uma
pedagogia para a formação do professor de Línguas Estrangeiras do futuro. Não é difícil perceber
em seu conceito de ‘modelos mentais’ uma afinidade com o conceito de ‘ideário’ empregado
anteriormente. Ainda que Senge trabalhe no universo empresarial, é o tema da aprendizagem
contínua que ele aborda, e é este o tema que a formação do profissional de ensino deve priorizar.
Um professor continuamente comprometido com sua capacitação teórica e crítica é o que exigirá
o futuro, e é o que exige já hoje o ensino de Línguas Estrangeiras.
O professor que não tem consciência de seus modelos mentais é o mesmo professor acrítico
que se torna submisso à mudança de paradigmas engendrada pela academia e pelas autoridades de
ensino. E é também aquele que tem visto sua profissão se degradar por críticas da sociedade e por
péssimos salários e condições de trabalho.
O mesmo Senge declara também que:
"O trabalho com modelos mentais começa por virar o espelho para dentro;
aprender a desenterrar nossas imagens internas do mundo, a levá-las à
superfície e mantê-las sob rigorosa análise. Inclui também a capacidade de
realizar conversas ricas em aprendizados, que equilibrem indagação e
argumentação, em que as pessoas exponham de forma eficaz seus próprios
pensamentos e estejam abertas à influência dos outros."
(Senge, 1998, p. 42)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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línguas. Unicamp, mimeo, 1994. In: VIEIRA-ABRAHÃO, Maria Helena. Repensando o
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http://atlas.upcel.tche.br/~alab/ Arquivo: le.htm.
ENRIGHT, Lee. 1981 The Diary of a classroom. In: NIXON, J. (ed.) A Teacher’s guide to
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LIBÂNEO, José Carlos. 1997 Pedagogia e modernidade: presente e futuro da Escola. In:
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MOITA LOPES, Luiz Paulo da. /s.d./ Eles não aprendem português quanto mais inglês: a
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MOYSÉS, Maria Aparecida Affonso, Cecília Azevedo Lima COLLARES. /s.n.t./ A História
não contada dos distúrbios de aprendizagem. mimeo, p. 31-47.
SENGE, Peter M. 1998 Dê-me uma alavanca longa o bastante... e, com uma das mãos, moverei o
mundo. In: --- A Quinta disciplina: arte e prática da organização de aprendizagem. Editora Best
Seller, Círculo do Livro, p. 37-50.