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Língua Portuguesa I:

Fonética e Fonologia
Jane Sirlei Kuck Konrad
Daisy Batista Pail

Organizado por Universidade Luterana do Brasil

Língua Portuguesa I:
Fonética e Fonologia

Universidade Luterana do Brasil – ULBRA


Canoas, RS
2015
Conselho Editorial EAD
Andréa de Azevedo Eick
Astomiro Romais,
Claudiane Ramos Furtado
Dóris Cristina Gedrat
Kauana Rodrigues Amaral
Luiz Carlos Specht Filho
Mara Lúcia Salazar Machado
Maria Cleidia Klein Oliveira
Thomas Heimann

Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil.


Informamos que é de inteira responsabilidade dos
autores a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser
reproduzida por qualquer meio ou forma sem prévia
autorização da ULBRA.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na
Lei nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal.

Dados técnicos do livro


Diagramação: Marcelo Ferreira
Revisão: Marcela Machado
Sumário

1 Noções Introdutórias.................................................................1
2 Fonética Articulatória..............................................................27
3 Sistema Consonantal...............................................................55
4 Segmento Vocálico..................................................................77
5 Fonologia..................................................................................94
6 Sistema Consonantal e Vocálico.......................................... 112
7 Sílaba, Encontros Vocálicos e Consonantais, Dígrafos e
Divisão Silábica......................................................................132
8 Acentuação.............................................................................157
9 Relação entre Fala e Escrita..................................................185
10 Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades...........208
Jane Sirlei Kuck Konrad1

Capítulo 1

Noções Introdutórias

1  Professora adjunta do curso de Letras (ULBRA).


2    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Introdução

Neste capítulo “A linguagem”, o enfoque centraliza-se nas


definições de linguagem, língua e fala. Em seguida, abor-
dam-se as principais áreas de atuação que necessitam de
profissionais com formação em linguística – principalmente
em fonética e fonologia. Por último, faz-se um paralelo en-
tre as áreas da linguística que se ocupam dos sons da lin-
guagem: a fonética e a fonologia. Mostra-se que, apesar de
terem como objeto de estudo os sons, estes são tomados
de pontos de vista diferentes, em cada caso.

1 A linguagem

Certamente, você, estudante de Letras, já se deu conta da


importância da linguagem para a comunicação do ser hu-
mano, não é mesmo? Segundo Terra (1997, p. 42) “Damos
o nome de linguagem a todo sistema de sinais convencio-
nais que nos permite realizar atos de comunicação”.

Existem diversas formas de comunicação que foram


criadas ao longo do desenvolvimento da humanidade,
usando a linguagem de forma diferente. Assim poderíamos
falar em diversos tipos de linguagem, como a linguagem
dos animais, a linguagem corporal, a das cores, da sinali-
zação, a linguagem escrita, a linguagem das artes, dentre
outras.
Capítulo 1 Noções Introdutórias 3

Costumeiramente se divide essas formas de comunica-


ção em linguagem verbal e linguagem não verbal.

Observe as figuras a seguir:

Figura 1 Linguagem não verbal.


Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_RL-bScn4bXE/Su9U5xnY-iI/AAAAAAAAAV0/
TaiE2W8XVLE/s320/GCM+TRANSITO.png

Figura 2 Linguagem não verbal.


Fonte: data:image/jpeg;base64,/9j/4AAQSkZJRgABAQAAAQABAAD/2wCEA-
AkGBxQQEBUUEBQUFRUVFBgUFRcXFxUUGxUXFxcXGBgXFhUYHCgiG-
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CwsK//AABEIALUA8AMBIgACEQEDEQ
4    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Figura 3  Linguagem não verbal.

Esses são exemplos de comunicação não verbal. Nes-


ses casos não é usada a fala ou escrita, mas outros meios,
como placas, figuras, gestos, objetos, cores.

Agora observe estas figuras:

Figura 4  Linguagem verbal.


Fonte: http://lifeatschoolym.files.wordpress.com/2012/10/img_dialogo_marce-
la_weigert.jpg

Figura 5  Linguagem verbal.


Capítulo 1    Noções Introdutórias    5

Figura 6  Linguagem verbal.


Fonte: http://fernandocabral.org/Charges/Charge-03042001.jpg

Nessas figuras se utiliza a linguagem verbal, pois são


usadas palavras para o ato da comunicação. Ainda Terra
(1997,p. 42), “A palavra verbal provém do latim verbale,
que por sua vez, provém de verbu, que significa palavra”.
A linguagem verbal sempre foi fundamental na história da
humanidade. Os registros históricos, as grandes façanhas,
costumes, culturas das civilizações, em sua maior parte,
foram repassados pela linguagem verbal. E ela continua
sendo a forma mais usada, quer seja escrita, quer seja fa-
lada. Veja na citação a seguir como Margarida Petter defi-
ne bem essa questão:

A linguagem verbal é, então, a matéria do pensamen-


to e o veículo da comunicação social. Assim como não
há sociedade sem linguagem, não há sociedade sem
comunicação. Tudo que se produz como linguagem
6    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

ocorre em sociedade, para ser comunicado, e, como


tal, constitui uma realidade que se relaciona com o que
lhe é exterior, como o que existe independentemente
da linguagem. Como realidade material-organização
de sons, palavras, frases, a linguagem é relativamen-
te autônoma; como expressão de emoções, ideias,
propósitos, no entanto, ela é orientada pela visão de
mundo, pelas injunções da realidade social, histórica
e cultural de seu falante. (PETTER, 2003)

Tal como afirmamos, poderíamos extrair inúmeros


exemplos do passado e presente, pois quase tudo nos é
repassado pela linguagem verbal.

Veja nos exemplos a seguir. O primeiro é um trecho da


carta de Pero Vaz de Caminha, um documento histórico. O
outro, a composição de Vinicius de Morais e Antonio Car-
los Jobim, eternizada e conhecida no mundo todo e, por
último, uma notícia jornalística sobre os conflitos no Egito.

Senhor,
posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os
outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do acha-
mento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navega-
ção achou, não deixarei de também dar disso minha conta
a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que
-- para o bem contar e falar...

Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/carta_
caminha.htm
Capítulo 1    Noções Introdutórias    7

Garota de Ipanema É a coisa mais linda que eu já


vi passar
Vinicius de Moraes
Ah, por que estou tão sozi-
Compositor: Vinicius de Mo-
nho?
raes / Antonio Carlos Jobim
Ah, por que tudo é tão triste?
Olha que coisa mais linda
Ah, a beleza que existe
Mais cheia de graça
A beleza que não é só minha
É ela menina
Que também passa sozinha
Que vem e que passa
Ah, se ela soubesse
Num doce balanço
Que quando ela passa
A caminho do mar
O mundo inteirinho se enche
Moça do corpo dourado
de graça
Do sol de lpanema
E fica mais lindo
O seu balançado é mais que
Por causa do amor
um poema
© Tonga Editora Musical
LTDA / Jobim Music
8    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Número de mortos em conflito no Egito chega a 525

A violenta dispersão dos acampamentos de manifestan-


tes no Cairo que exigiam o retorno do presidente deposto
Mohamed Mursi e os confrontos em todo o Egito deixaram
pelo menos 525 mortos, segundo levantamento do ministé-
rio egípcio da Saúde divulgado nesta quinta-feira. O balanço
anterior do governo era de 464 mortos.

Esse foi o dia mais violento desde a revolta que derrubou o


presidente Hosni Mubarak.

Um total de 202 pessoas morreram somente na praça Ra-


baa al-Adawiya, onde os partidários de Mursi acampavam
desde 3 de julho, dia do golpe de Estado que derrubou o
presidente, anunciou Khaled al-Khatib, diretor do serviço de
emergência do ministério da Saúde.

Outras mortes aconteceram na praça Al-Nahda — um pouco


menor e também ocupada há um mês e meio pelos partidá-
rios de Mursi – e no restante do país.

Após os confrontos, o exército instaurou estado de emer-


gência durante um mês no país, com um toque de recolher
em metade do Egito das 19h (14h de Brasília) às 6h (1h).

O governo do Egito anunciou ainda o fechamento por tempo


indeterminado da passagem de fronteira com Gaza.

Centenas de trabalhadores palestinos atravessam todos os


dias a passagem de Rafah, na península do Sinai.
Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/mundo/noticia/2013/08/numero-
-de-mortos-em-conflito-no-egito-chega-a-525-4235153.html
Capítulo 1    Noções Introdutórias    9

Outra questão importante é ter clara a distinção entre


língua e linguagem. A linguagem é a capacidade que ape-
nas os seres humanos possuem de se comunicar por meio
de línguas. Enquanto o termo língua pode ser entendido
como, segundo Perini:

(...)um sistema programado em nosso cérebro que,


essencialmente, estabelece uma relação entre os es-
quemas mentais que formam nossa compreensão do
mundo e um código que os representa de maneira
perceptível aos sentidos. Os seres humanos utilizam
um grande número de tais sistemas (“línguas”), que
diferem em muitos aspectos e também se asseme-
lham em muitos outros aspectos. Tanto as diferenças
quanto as semelhanças são altamente interessantes
para o linguista. (PERINI, 2010)

Assim a língua passa a ser entendida como um dos as-


pectos da linguagem, é aquela que utiliza a palavra como
forma de comunicação ou poderíamos dizer que é um tipo
de linguagem; é a única modalidade da linguagem base-
ada em palavras. O português, o espanhol, o inglês são
línguas diferentes.

Conforme já vimos, a língua é fundamental no desenvol-


vimento social das nações, não é uma criação individual, é
coletiva, externa ao ser humano. Como afirma Barthes:

Como instituição social, ela não é absolutamente um


ato, escapa a qualquer premeditação; é a parte so-
cial da linguagem; o indivíduo não pode, sozinho, nem
criá-la nem modificá-la. Trata-se essencialmente de
10    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

um contrato coletivo ao qual temos de submetermos


em bloco se quisermos comunicar; além disto, este
produto social é autônomo, à maneira de um jogo
com suas regras, pois só se pode manejá-lo depois
de uma aprendizagem. (BARTHES)

Quando nascemos ela já existe. Por que usamos as


palavras ‘casa’ e ‘estrada’, por exemplo? Porque antes de
nós ela foi usada. Ninguém muda uma língua de forma re-
pentina ou individualmente. As mudanças, quando aconte-
cem, são graduais, quase imperceptíveis. As pessoas se
apropriam da língua à medida que se desenvolvem social-
mente, interagem com a própria língua. Segundo Terra:

[t]rata-se de um sistema de natureza gramatical, per-


tencente a um grupo de indivíduos, formado por um
conjunto de sinais (as palavras) e por um conjunto de
regras para a combinação destes. É, portanto, uma
instituição social de caráter abstrato, exterior aos in-
divíduos que a utilizam, que somente se concretiza
através da fala, que é um ato individual de vontade e
inteligência. (TERRA, 1997)

É interessante notar também que uma língua pode ser


usada de maneira escrita ou falada. Quando crianças,
aprendemos primeiro a língua falada, depois passamos a
escrever. Segundo Terra (TERRA, 1997), “A única razão
de ser da escrita é a de representar graficamente, e ainda
de modo imperfeito, a língua”. Por isso não podemos con-
fundir língua falada com escrita.
Capítulo 1    Noções Introdutórias    11

Pense um pouquinho. Para se comunicar no seu dia a


dia, qual o percentual de linguagem usado na forma escrita
e qual o percentual de linguagem usado na forma da fala.
Usamos muito menos a linguagem escrita, não é mesmo?

Mas não há como negar que a língua escrita tem sua


importância. Os registros históricos, meios de comunica-
ção impressos (jornais, revistas), livros, documentos etc.
estão na forma escrita da língua. Nas palavras de Saus-
sure (SAUSSURE, 1995) o prestígio da escrita se expli-
ca: “imagem gráfica das palavras nos impressiona como
um objeto permanente e sólido, mais adequado que o som
para constituir a unidade da língua através dos tempos.”

Também é inegável que, historicamente, a língua es-


crita sempre ocupou o papel principal no ensino de Língua
Portuguesa, considerada a verdadeira forma de linguagem,
elevada, assim, a um alto grau de status social e cultural.
A fala, por sua vez, esteve relegada a um segundo plano
e, quando muito, foi ensinada com base na escrita, não se
vendo nela objeto de estudo.

Já na década de sessenta, Mattoso Câmara afirmava


que apenas podemos compreender e ensinar a língua es-
crita com base na correta compreensão do funcionamento
da fala. Essa colocação representa uma dupla tarefa para
a linguística: de um lado, deve dedicar-se à descrição da
fala e, de outro, possibilitar que a escola amplie seu leque
de atenção.

Em 1990 no artigo “Português falado e ensino de gra-


mática”, Ataliba Teixeira de Castilho destaca que “a língua
12    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

oral se constitui num excelente ponto de partida para o de-


senvolvimento das reflexões sobre a língua, por se tratar
de um fenômeno ‘mais próximo’ do educando, e por entre-
ter com a língua escrita interessantes relações (p.110).

Como vimos anteriormente, a língua é um dos aspectos


da linguagem. Mesmo quem não domina a língua escrita
é praticante desta língua. Todavia também é importante
atentarmos para outra questão. A diferenciação entre lín-
gua e fala. Qual a diferença entre as duas? A língua, como
definimos anteriormente, pode ser entendida como um sis-
tema programado em nosso cérebro que, essencialmente,
estabelece uma relação entre os esquemas mentais que
formam nossa compreensão do mundo e um código que
os representa de maneira perceptível aos sentidos. Ela é
coletiva, ninguém pode mudá-la ou criá-la individualmente.
Ela é um produto da sociedade. A fala, por sua vez, tem um
caráter privado. Manifesta-se pela criatividade do falante a
partir de um conhecimento de forma e expressão, fonético
e fonológico, no transcorrer de sua existência.

Por ser um bem privado, a fala é um ato individual: cada


falante tem o domínio da língua que fala e, em decorrência
disso, pode usá-la como bem lhe aprouver dentro das re-
gras preestabelecidas pelo contrato coletivo ajustado com
os demais falantes. Segundo Terra (TERRA, 1997):

Cada um dos quase duzentos milhões de falantes da


língua portuguesa apropria-se da língua que fala com
animus domini, isto é, com o ânimo de quem se sen-
te dono dela, utilizando-a com todas as prerrogativas
Capítulo 1    Noções Introdutórias    13

que lhe confere o domínio sobre esse bem, dentro de


alguns princípios preestabelecidos pela comunidade
de falantes.

Enquanto a língua tem um aspecto puramente psíqui-


co, visto que depende da aprendizagem psicossocial e da
aquisição de um código convencional, a fala é um fenôme-
no psicofísico, pois envolve a percepção de eventos físicos
do som, a codificação e decodificação deste processo na
estruturação fisiológica da percepção auditiva do indivíduo.

Como a manifestação da fala é um ato individual, pode-


-se concluir que cada indivíduo pode escolher os elemen-
tos da língua que lhe forem mais adequados, dependendo
da necessidade, situação, contexto, personalidade, o am-
biente social, cultural etc. Isso, por sua vez, vai gerar um
grande grau de variação linguística.

Desse modo, dentro da unidade da língua, há uma gran-


de diversificação nos mais variados níveis da fala. Cada
indivíduo, além de conhecer o que fala, conhece também
o que os outros falam; é por isso que somos capazes de
dialogar com pessoas dos mais variados graus de cultura,
embora nem sempre a linguagem delas seja exatamente
como a nossa.

Há uma ligação muito estreita entre língua e fala. A lín-


gua é o veículo para condução da fala e é a partir dessa
que se capta a língua.

Todas as questões vistas até aqui – linguagem, língua,


fala – são objeto de estudo da Linguística (você vai se fami-
liarizar e aprofundar seus conhecimentos a respeito desse
14    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

tema ao longo do curso). Para Cristófaro-Silva (2007), “[a]


linguística é a ciência que investiga os fenômenos relacio-
nados à linguagem e que busca determinar os princípios e
as características que regulam as estruturas das línguas”.

A linguística, portanto, ocupa-se em investigar cientifi-


camente a linguagem verbal. O linguista não pode ser pre-
conceituoso em relação as suas análises, uma vez que,
segundo Petter:

Ao observar a língua em uso, o linguista procura des-


crever e explicar os fatos: os padrões sonoros, gra-
maticais e lexicais que estão sendo usados, sem ava-
liar aquele uso em termos de um outro padrão: moral,
estético ou crítico. (PETTER, 2003)

A linguística trabalha com análises. Por isso é preciso


delimitar o que vai ser analisado, o que se costuma chamar
de variante, que nada mais é do que usar palavras ou ter-
mos para a mesma coisa. Conforme afirma Tarallo (1986),
“[v]ariantes linguísticas são diversas maneiras de se dizer
a mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo
valor de verdade. A um conjunto de variantes dá-se o nome
de variável linguística”.

As variações podem ser ocasionadas por fatos histó-


ricos, diferenças regionais, sociais, grau de escolaridade,
sexo e categorias profissionais. O objetivo das variantes é
a comunicação efetiva entre as pessoas.

Também há nas línguas o que se chama de variante


padrão e não padrão ou variantes de prestígio, variantes
Capítulo 1    Noções Introdutórias    15

estigmatizadas e variantes neutras. Para Cristófaro-Silva


(2007):

[o]s princípios que regulam as propriedades das va-


riantes padrão e não padrão geralmente extrapolam
critérios puramente linguísticos. Para a linguística não
há variantes melhores ou piores em uma língua. Há
variantes que socialmente são consideradas de pres-
tígio, estigmatizadas ou neutras.

O que geralmente determina como sendo uma variante


padrão está relacionado a um alto grau de educação formal
ou a classe social de prestígio.

Como ciência, a Linguística dá seus primeiros passos


no início do século XIX, através do método histórico-com-
parativista. Até lá os estudos estavam mais ligados à filo-
sofia e à gramática normativa. Na linguística moderna são
desenvolvidos novos métodos.

Franz Bopp, um dos precursores da linguística mo-


derna, publicou em 1816, um estudo sobre a morfologia
indo-europeia. Outros estudos vieram nesta mesma linha:
Rasmus Rask e Karl Verner (Dinamarca); Jacob Grimm
(Alemanha). Seus estudos concentraram-se nas tendên-
cias evolutivas do ramo das línguas germânicas. A teoria
de Charles Darwin, sobre a evolução das espécies, veio
ao encontro dessas pesquisas, que assim reforçou esse
estudo, dando-lhes um caráter científico.

Ainda no século XIX, surgiu a teoria denominada Ne-


ogramática, na Universidade de Leipzig. Baseava-se no
16    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

princípio de que as tendências descobertas para as línguas


germânicas eram leis linguísticas, apenas. Estão entre
eles: Hermann Osthoff, Karl Brugmann, A. Leskien e Her-
mann Paul. Dessa teoria surgiu a base para a linguística se
tornar uma ciência, tendo os seguintes princípios:

1. há uma regularidade na mudança fonológica – toda a


mudança dos sons da língua obedece a leis que não
admitem qualquer exceção;

2) a diversidade sincrônica das línguas é o ponto de parti-


da para o estudo diacrônico da mesma língua;

3) a analogia é um dos motivos psicológicos que estão na


base da mudança linguística, que explicaria sempre os
casos que escapassem às regularidades fonológicas.

a. A linguística histórica era seu principal objeto de


estudo, tendo como temas principais a fonologia,
morfologia e sintaxe diacrônica.

b. Em 1915 é publicada a obra: “Cours de Linguistique


Général”, de Ferdinand de Saussure, considerada
a base dos estudos em linguística. O destaque pas-
sa a ser o caráter descritivo e não normativo. Nes-
sa obra Saussure afirma que a “linguística tem por
único e verdadeiro objeto a língua considerada em
si mesma e por si mesma”. Para ele, a linguística
deveria se preocupar exclusivamente com o estudo
da língua, ela é por si um sistema de regras organi-
zado e utilizado por uma determinada comunidade
para a comunicação e compreensão entre si.
Capítulo 1    Noções Introdutórias    17

Nos anos 30 do século XX, o Círculo Linguístico de Pra-


ga lança as bases do chamado “estruturalismo europeu”.
Jakobson foi um dos representantes deste círculo linguísti-
co. O estruturalismo partia dos mesmos princípios de Saus-
sure, inovava, porém, ao ampliar para diferentes linhas de
investigação, possibilitando usar o termo “estruturalismo”.
Troubetzkoy e Jakobson deram impulso aos estudos de fo-
nética e fonologia. Surge, assim a disciplina de Fonologia,
que se encarrega dos estudos dos sons da língua, os fone-
mas, e a fonética dos estudos dos sons da fala, os fones.

No mesmo período desenvolve-se o “estruturalismo


americano”, que teve entre seus expoentes L. Bloomfiel,
mas foi com Noam Chomsky que mais teve impulso, crian-
do o que hoje conhecemos como Gramática Gerativa. Para
Chomsky, a língua é um sistema de princípios radicados na
mente humana. É esse sistema de princípios mentais que
é o objeto de estudo da Gramática Gerativa.

c. Avançando um pouco mais na história da linguís-


tica, chegamos em Willian Labov, considerado o
criador da teoria variacionista. Seus estudos esta-
vam voltados a relacionar língua e sociedade. Em
suas pesquisas sistematizou as variações existen-
tes, que, na sua concepção, estavam relacionadas
a fatores extralinguísticos, como idade, sexo, clas-
se social, nível de escolaridade etc. Havia uma re-
lação direta entre a forma como os falantes faziam
uso do conteúdo linguístico e do seu meio social.
18    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

2 Áreas de atuação

Segundo Silva (2005, p.21-22), as principais áreas de atu-


ação que necessitam de profissionais com formação em
linguística e, em especial, fonética e fonologia:

Linguística: o teórico da linguagem busca explicar os meca-


nismos subjacentes aos sistemas linguísticos. A compreen-
são dos sistemas sonoros das línguas, bem como a relação
destes sistemas com os demais componentes da gramática
(como morfologia, sintaxe e semântica) consistem no traba-
lho do pesquisador. [...]

Ensino de língua materna: ao conhecer em detalhes a


estrutura sonora da língua portuguesa, o profissional pode
avaliar problemas enfrentados por estudantes e formular
propostas para enfrentá-los. [...]

Ensino de língua estrangeira: o professor de língua es-


trangeira deve conhecer bem a língua que ensina e ser ca-
paz de compará-la ao português. [...]

Planejamento linguístico-social: a variedade linguística


em um país com a dimensão territorial do Brasil impõe de-
safios.[...].Muitas vezes alunos com excelente potencial são
excluídos do sistema educacional devido ao fato de sua fala
desviar da norma prescrita. [...]. Cabe ao planejador educa-
cional avaliar situações de conflito e propor alternativas para
os problemas existentes.

Tradução e interpretação: [...]tradutores necessitam co-


nhecer os sistemas sonoros das línguas com que trabalham
Capítulo 1    Noções Introdutórias    19

para explicar aspectos que muitas vezes são opacos em


textos escritos(a tradução de poesias e canções é um caso
explícito). [...]

Dramaturgia: [...]O linguista pode também ensinar aos ato-


res o melhor meio de utilizar os mecanismos que permitam
o uso pleno das partes do corpo envolvidas na linguagem.

Fonoaudiologia: o profissional que trabalha com aspectos


relacionados à patologia da fala [...].

Formação: graduação em Fonoaudiologia e pós em áreas


afins(como linguística, por exemplo).

Linguagem de surdo-mudo: os sistemas de comunicação


de pessoas que não escutam ou que não falam têm uma
complexidade gramatical específica e, em princípio, estão
sujeitos a mudanças linguísticas semelhantes às que ocor-
rem nas línguas naturais.[...]. Alguns surdos podem utilizar
a linguagem oral, se adequadamente orientados por profis-
sionais.

Linguística computacional: um dos grandes desafios da


ciência computacional é encontrar correlatos acústicos da
fala que sejam conversíveis em sinais digitais. [...]

Ciência da telecomunicação: a transmissão da fala em


termos físicos impõe desafios para a ciência. [...]. Obter-se
um meio eficaz, rápido e econômico de transmitir a fala são
ambições desta área de pesquisa.

Zoobiologia: definir os parâmetros envolvidos na comu-


nicação animal e caracterizar a organização dos sistemas
linguísticos animais são tópicos de pesquisa na área de zoo-
biologia. [...]
20    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Linguística forense: a fala de um indivíduo apresenta ca-


racterísticas específicas e únicas. Estudos têm sido realiza-
dos para caracterizar as particularidades da fala individual e
definir os parâmetros do que corresponde à impressão digi-
tal da fala. [...].

Linguística indígena: temos hoje aproximadamente 120


línguas indígenas faladas em todo o território brasileiro. Des-
tas, apenas umas poucas foram amplamente estudadas.
Do ponto de vista teórico o estudo destas línguas permite
a ampliação do conhecimento dos mecanismos que regu-
lam as línguas naturais. Do ponto de vista prático registra-se
tecnicamente a língua nativa que pode ser eventualmente
utilizada em projetos educacionais, se for de interesse da
comunidade.

3 Fonética e fonologia: conceito,


relações e distinções

Segundo Hernandorena, citado por Bisol (BISOL,1996,


p.11), a fonologia organiza os sons de cada língua de for-
ma sistemática, enquanto a fonética estuda a realidade físi-
ca dos sons produzidos pelos falantes de uma língua.

A Fonologia, ao dedicar-se ao estudo dos sistemas de


sons, de sua descrição, estrutura e funcionamento, exami-
na a formação das sílabas, dos morfemas, das palavras
e das frases, como se organizam e como se estabelece a
relação entre mente e língua, de modo que a comunicação
se processe. A fonética, por sua vez, tem por objetivo o
estudo dos sons da fala basicamente sob três pontos de
Capítulo 1    Noções Introdutórias    21

vista: articulatório, investigando como os sons são articu-


lados ou produzidos pelo aparelho fonador; acústico e au-
ditivo, parte que cuida da recepção dos sons. A partir daí,
então, é necessário que se faça a distinção entre fonética
e fonologia.

Para que esses conceitos fiquem bem claros e não haja


nenhuma confusão entre as duas áreas da Linguística que
trabalham com a produção de sons, veremos, agora, a dis-
tinção entre elas. Ainda de acordo com Hernandorena, ci-
tado por Bisol:

a fonética se dedica ao estudo de todo som produ-


zido pelo aparelho fonador e utilizado na fala; a fo-
nologia, diferentemente, detém-se nos sons capazes
de distinguir significados – os fonemas – e na forma
como se organizam e se combinam para formar uni-
dades linguísticas maiores, bem como nas variações
que esses fonemas podem apresentar. Pelo processo
de comutação, ou seja, pela substituição de sons em
contextos linguísticos semelhantes, é possível obser-
var a existência de contraste de significado e, conse-
quentemente, identificar os fonemas de uma língua.
A partir dos pares mínimos pala/bala, selo/zelo, tela/
dela, por exemplo, conclui-se que o traço sonoro nas
consoantes é distintivo em português, o que nos leva
a afirmar que /p/ e /b/, /s/ e /z/, /t/ e /d/ são fonemas
diferentes.(BISOL,1996, p.12)

Esse assunto será visto mais detalhadamente no capí-


tulo 5 – “Fonologia”. Por ora, podemos citar um exemplo
22    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

mencionado pela mesma autora: o status do som [t∫] em


português e em inglês. Comparando as realizações foné-
ticas [‘tia] e [‘t∫ia] (tia) em português e [‘kat] (gato) e [‘kat∫]
(pegar) em inglês, podemos verificar que a substituição en-
tre os sons [t] e [t∫] acarreta mudanças na língua inglesa,
mas não em português. Dessa forma, em virtude do funcio-
namento diferente desses sons nas duas línguas mencio-
nadas, os falantes os interpretam de formas diversas. Os
falantes de português compreendem os sons [t] e [t∫] como
uma só unidade, o fonema /t/, pois esses sons constituem
variação de um mesmo fonema, sendo que a ocorrência
de [t∫] é previsível no português antes de [i]. Os falantes de
inglês, diferentemente, os entendem como duas unidades
distintas, os fonemas /t/ e /t∫/, pois no seu sistema linguís-
tico dão origem a significados diferentes. Vemos, por meio
dos exemplos citados, que cada língua tem um sistema fo-
nológico diferente: o que é fonológico, distintivo, em uma
pode ser variação em outra e vice-versa.

No estudo de qualquer língua, podemos fazer uma descrição


fonética e uma descrição fonológica. A unidade da FONÉTI-
CA é o som da fala ou fone, representado entre colchetes [ ],
enquanto a unidade da FONOLOGIA é o fonema, represen-
tado entre barras / /. Há, portanto, dois níveis de representa-
ção dos sons: um nível fonético e um nível fonológico.
Capítulo 1    Noções Introdutórias    23

Recapitulando

A partir do que foi exposto, podemos afirmar que a fonética


é basicamente descritiva, enquanto a Fonologia é explicati-
va, interpretativa; a análise fonética se baseia na produção,
na percepção e na transmissão dos sons da fala, enquanto
a análise fonológica busca o valor dos sons em uma língua
– em outras palavras, sua função linguística.

Referências

BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. 10.ed.


São Paulo: Cultrix, s.d.

BISOL, L. Introdução a estudos de fonologia do portu-


guês brasileiro. Porto Alegre: Ed. Da PUCRS, 1996.

CASTILHO, Ataliba Teixeira de (Org.). Gramática do por-


tuguês falado. V. 1 – A ordem. 4. ed. Campinas: Edito-
ra da Unicamp, 2002.

CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua


Portuguesa. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1973.

PETTER, M. M. T. Morfologia. In: FIORIN, J. L. (Org.). In-


trodução à linguística II: princípios de análise. São
Paulo: Contexto, 2003.

SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. São Paulo:


Cultrix, 1995.

CRISTÓFARO-SILVA, T. Fonética e Fonologia do portu-


guês. 9.ed. São Paulo: Contexto, 2007.
24    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. São Paulo:


Ática, 1986.

Atividades

1) Assinale com V as afirmações verdadeiras e com F as


falsas:

I – A linguagem é um dos aspectos da língua.

II – A língua é um tipo de linguagem.

III – A língua é a parte social da linguagem.

IV – É possível mudar uma língua de forma individual e


repentina.

V – A fala é um ato individual.

a) (  ) FVVFV

b) (  ) FFFFF

c) (  ) FVFVF

d) (  ) VFVVV

e) (  ) VVVVV

2) Leia as seguintes afirmativas:

I – A fala é um veículo de condução da língua.

II – Linguagem, língua, fala – são objeto de estudo da


Linguística.
Capítulo 1    Noções Introdutórias    25

III – A língua oral se constitui num excelente ponto de


partida para o desenvolvimento das reflexões sobre
a língua.

a) (  ) Apenas a afirmativa I é verdadeira.

b) (  ) As três afirmativas são verdadeiras.

c) (  ) Apenas a afirmativa II é verdadeira.

d) (  ) Apenas a afirmativa III é verdadeira.

e) (  ) As afirmativas II e III são verdadeiras.

3) De todas as alternativas a seguir, apenas uma está IN-


CORRETA. Qual?

a) (  ) A língua tem um aspecto psíquico e a fala psico-


físico.

b) (  ) O principal desafio do linguista é corrigir as va-


riantes linguísticas.

c) ( ) Não há variantes melhores ou piores em uma


língua.

d) (  ) Labov estudou a relação entre a língua e a so-


ciedade.

e) (  ) A linguística é considerada uma ciência.

4) Sobre fonética:

I – A fonética representa o som da fala entre colchetes.

II – O objetivo da fonética é estudar os sons da fala.


26    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

III – A fonética é descritiva.

a) (  ) Todas as alternativas estão corretas.

b) (  ) Apenas as duas últimas alternativas estão corre-


tas.

c) (  ) Apenas a última alternativa está correta.

d) (  ) Apenas a primeira alternativa está correta.

e) (  ) Apenas a alternativa II está correta.

5) Sobre Fonologia:

I – Examina a formação das sílabas.

II – Estuda os fonemas.

III – No estudo de apenas algumas línguas podemos


fazer uma descrição fonológica.

IV – Sua unidade é o fonema.

V – Representamos o fonema entre colchetes.

a) (  ) Todas as alternativas são verdadeiras.

b) (  ) Apenas a alternativa I é verdadeira.

c) (  ) As alternativas III e V são falsas.

d) (  )Apenas a alternativa V é falsa.

e) (  ) Apenas a alternativa IV é falsa.

Gabarito
1) a  2) e   3) b   4) a   5) c
Daisy Batista Pail1

Capítulo 2

Fonética Articulatória

1  Professora adjunta do curso de Letras (ULBRA), doutoranda em Linguística


(PUCRS).
28    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Introdução

Nesse capítulo estudaremos a transcrição fonética e a fo-


nética articulatória e como, nessas perspectivas, são carac-
terizados os segmentos consonantais, vocálicos e glides.
Após isso, será apresentada uma recapitulação, seguida
de referências e exercícios, bem como indicação de sites
úteis e interessantes para o assunto.

A Fonética é uma subárea da linguística, que estuda


os sons possíveis da fala humana em seus aspectos fisio-
lógico e articulatório, “a realidade física dos sons produzi-
dos pelos falantes de uma língua” (MATZENAUER, 2005,
p.11). Isso porque estuda como nosso corpo está envolvido
na produção oral, o aspecto fisiológico desse processo. O
aspecto articulatório diz respeito a como esses são produ-
zidos, articulados. É com esse instrumental que, conforme
Cristófaro-Silva (2009), “podemos descrever, classificar e
transcrever os sons” de qualquer língua natural2. Portan-
to “a fonética é a ciência que apresenta os métodos para
descrição, classificação e transcrição dos sons da fala,
principalmente aqueles sons utilizados na linguagem hu-
mana”. (CRISTÓFARO-SILVA, 2009, p. 22)

De acordo com Callou e Leite (2012), essa produção de


sons pode ser estudada a partir de três pontos de vista: “1.
Partindo-se do falante (da fonte) e examinando-se o que
se passa no aparelho fonador; 2. Focalizando-se os efei-

2  E não apenas humanas. A fonética tem sido usada para se estudar também
a linguagem oral de animais.
Capítulo 2   Fonética Articulatória   29

tos acústicos da onda sonora produzida pela corrente de


ar em sua passagem pelo aparelho fonador ou, então, 3.
Examinando-se a percepção da onda sonora pelo ouvinte,
isto é, o estudo das impressões acústicas e de suas inter-
pretações no processo de decodificação.”

Sistematizando isso e acrescentando mais uma área de


interesse para fonética, temos o seguinte quadro:

Tabela 1  CRISTÓFARO-SILVA, 2009, p.23.

Fonética Compreende o estudo da produção da fala do


articulatória ponto de vista fisiológico e articulatório.

Fonética auditiva Compreende o estudo da percepção da fala.

Fonética acústica Compreende o estudo das propriedades


físicas dos sons da fala a partir de sua
transmissão do falante ao ouvinte.

Fonética Compreende o estudo das propriedades


instrumental físicas da fala, levando em consideração o
apoio de instrumentos laboratoriais.

Nesse capítulo estudaremos a fonética articulatória, co-


meçando por o que é transcrição fonética.

1 Transcrição fonética

Observe as seguintes palavras: ‘exame’, ‘enxame’, ‘sinta-


xe, ‘léxico’. Fale-as em voz alta e note a realização da letra
<x>. Na primeira palavra, o <x> é realizado como [z] (como
30    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

em Zebra); na segunda, como [∫] (como em CHá, Xale);


na terceira, como [s] (como em Sala); na terceira, como
[ks] (como em Tóxico), respectivamente. Para todos esses
sons temos um mesmo grafema (letra).

Apesar de nossa ortografia ter como guia a realização


sonora das palavras, essa relação não é unívoca (um por
um), como vimos nas palavras exemplificadas. Além dis-
so, temos também realização sonora diferenciada de uma
mesma palavra, como [s] em final de sílaba. Em alguns
lugares, como Rio de Janeiro, ele sofre um processo de
palatalização, o chiado, o que já não ocorre com falantes
nativos do Rio Grande do Sul, por exemplo. Esse é apenas
um exemplo, mas muito maior é variação que realmente
ocorre, afinal a língua não é homogênea, ela apresenta
mudanças; entre as quais a fonética.

A variação fonética é aquela que não modifica a per-


cepção do falante nativo sobre o som que é distintivo em
sua língua, fonema, daquele que não é. O fonema é uma
entidade abstrata, parte do sistema da língua. Já o fone é
a realização desse. Por se tratar da realização, apresenta
naturalmente variações. Como no exemplo do [s] ou como
[ħ] ou [ɽ] que podem ocorrer em final de sílaba sem que um
falante nativo interprete como outra palavra, por exemplo,
porta. O primeiro fone ocorre no dialeto carioca, enquanto
o segundo é conhecido como “erre caipira”, de realização
retroflexa, e ocorre em algumas cidades interioranas.

Para que se pudesse fazer uma transcrição não ambí-


gua dos fones de uma língua, foram criados alfabetos es-
Capítulo 2   Fonética Articulatória   31

peciais. Entre eles, o mais usado é o International Phonetic


Alphabet (IPA) (Figura 2), criado em 1888, pela Associação
Internacional de Fonética. Este será o alfabeto usado nes-
sa disciplina, tanto para nosso estudo de fonética quan-
to de fonologia, enquanto na primeira usamos colchetes,
[@], na segunda usamos /@/3. Essa tabela apresenta os
fones usados nas línguas naturais. Nelas constam fones
(também podem ser chamados de segmentos) pulmônicos
(que usam corrente de ar egressiva) e não pulmônicos (que
usam corrente de ar ingressiva), vogais, outros símbolos,
elementos suprassegmentais, diacríticos e tons e sotaque.

A Figura 1 mostra os segmentos consonantais pulmô-


nicos.

Figura 1  Consoantes pulmônicas. Fonte: http://www.langsci.


ucl.ac.uk/ipa/fullchart.html

3  Foi usado o arroba para não criar confusão com fones e/ou fonemas.
32    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Figura 2  Tabela do IPA. Fonte: http://www.langsci.ucl.ac.uk/ipa/


fullchart.html
Capítulo 2   Fonética Articulatória   33

Note que alguns segmentos (Figura 2) estão arranja-


dos em pares, quando isso ocorre, o primeiro é um fone
surdo e o segundo sonoro. Já as áreas sombreadas re-
presentam fones que acredita-se não serem possíveis.
Por ser uma tabela internacional, a língua usada é a in-
glesa, porém temos nomenclatura correspondente em
português (que será utilizada). A fim de facilitar a consul-
ta, segue a tradução dos termos.

Tabela 2  tradução dos termos


Modo de articulação

Termo em inglês Termo em português

Plosive Plosiva / Oclusiva

Nasal Nasal

Trill Vibrante

Tap or Flap Tepe ou flepe

Fricative Fricativa

Approximant Aproximante

Lateral approximant Aproximante lateral


34    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Tabela 3  tradução dos termos


Ponto de articulação

Termo em inglês Termo em português

Bilabial Bilabial

Labiodental Labiodental

Dental Dental

Alveolar Alveolar

Postalveolar Pós-Alveolar

Retroflex Retroflexo

Palatal Palatal

Velar Velar

Uvular Uvular

Pharyngeal Faringal

Glottal Glotal

A Figura 3 mostra os segmentos não pulmônicos, que


não utilizam a corrente de ar egressiva. Nenhum desses
segmentos ocorre como fone em Língua Portuguesa, nós
os utilizamos apenas como recursivos expressivos. Por
exemplo, usamos o clique bilabial para mandar beijo, ou
bilabial dental para reprovação (tsc), mas não em palavras.
Capítulo 2   Fonética Articulatória   35

Figura 3  Consoantes não pulmônicas. Fonte: http://www.


langsci.ucl.ac.uk/ipa/fullchart.html

A Figura 4 mostra as vogais e também uma possibilida-


de para representação das semivogais. Observe a figura
do homem, a disposição das vogais à esquerda equivale a
mesma posição do rosto de perfil. As vogais anteriores são
realizadas a frente do trato vocal. Comece pela vogal bai-
xa anterior não arredondada [a], passe para a média-baixa
anterior não arredondada [ε]4, a seguir, para média-alta an-
terior não arredondada [e]5, por último fale a alta anterior
não arredondada [i]. É importante que faça isso em voz
alta, para perceber como sua língua vai se levantando aos
poucos. Da [i], faça a vogal alta posterior arredondada [u].
Ao fazer isso, deve ter notado que a língua recua no trato
vocal. Estas relações são fundamentais para identificação
dos segmentos vocálicos, cuja notação se dá através da
altura da língua (posição vertical), anterioridade/pos-

4  Esta vocal é a que ocorre no final de ‘cafÉ’.


5  Esta ocorre na primeira sílaba de ‘prEto’.
36    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

terioridade (posição horizontal) e protusão labial (arre-


dondada/não arredondada).

Figura 4  Vogais. Fonte: http://www.langsci.ucl.ac.uk/ipa/fullchart.


html

As semivogais em língua portuguesa, quando indicadas


foneticamente, são representadas por I̯ e por ʊ Abaixo do
segmento colocamos o diacrítico de não silábico[ ̯], pois,
diferentemente das vogais, as semivogais não podem ocu-
par a posição nuclear em sílabas.

Outro segmento vocálico que exigirá o uso de diacrítico


será aquela cuja realização é nasalizada. Não há, pois, vo-
gais nasais propriamente ditas, mas a nasalização destas.
Em língua portuguesa, essa nasalização é sempre motiva-
da, isso é, há um segmento nasal que proporciona esse fe-
nômeno. Por exemplo, na região sul, a [a] é nasalizada an-
tes de [m], [n], [̯ɲ] e [ŋ], como nas palavras: ‘cama’, ‘manta’,
‘manhã’ e ‘canga’. Esse fenômeno é indicado através do ‘~’
acima da vogal nasalizada, [ã]. Os diacríticos são mostra-
dos na Figura 5. É apresentado à esquerda o símbolo, se-
guido do nome e à direita o mesmo tem sua posição, com
Capítulo 2   Fonética Articulatória   37

relação a vogal ou consoante, exemplificada. Para facilitar


as consultas subsequentes à tabela, segue a tradução de
cada uma das quatro colunas numeradas.

Os diacríticos são usados para indicar uma alteração


na qualidade do segmento, por exemplo, um fone natural-
mente sonoro tem uma realização desvozeada, um fone
alveolar, uma realização dental.

Figura 5  Diacríticos. Fonte: http://www.langsci.ucl.ac.uk/ipa/


fullchart.html

Tabela 4  Tradução dos diacríticos – coluna 1

Coluna 1

Termo em Termo em Termo em Termo em


inglês português inglês português

Voiceless Desvozeado Retracted Retraído

Voiced Vozeado Centralized Centralizado


38    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Aspirated Aspirado Mid-centralized Médio-centralizado

More rounded Mais arredondado Syllabic Silábico

Less rounded Menos arredondado Non-syllabic Não silábico

Advanced Avançado Rhoticity Roticidade

Os três primeiros diacríticos dizem respeito à vibração


das cordas vocais e à corrente de ar. O quarto e quinto, à
protusão labial. Do sexto ao nono, à posição horizontal na
língua. O décimo e décimo primeiro, ao núcleo da sílaba.6
Por último, temos uma realização que puxa o fone para
próximo da família dos róticos (da qual fazem parte, a gros-
so modo, o erre forte e fraco do português).

Tabela 5  Tradução do diacríticos – coluna 2


Coluna 2

Termo em Termo em Termo em Termo em


inglês português inglês português

Breathy voiced Vozeado Palatalized Palatalizado


murmurado

Creaky voiced Vozeado chiado Velarized Velarizado

Linguolabial Linguolabial Pharyngealized Faringalizado

Labialized Labializado

6  Como veremos no capítulo 7, a vogal por natureza ocupa a posição de nú-


cleo de sílaba. Há, porém, alguns casos em que uma consoante desempenha
esse papel e outros em que a vogal perde isso, é o caso das semivogais.
Capítulo 2   Fonética Articulatória   39

Na segunda coluna (Figura 5), o diacrítico para palatali-


zação merece destaque. Em alguns dialetos do português
ocorre a palatização de determinados segmentos conso-
nantais, como, por exemplo, de [t] e [d] antes de [i] e va-
riantes. Também é comum a labialização [w] de segmentos
consonantais quando a vogal que se segue é arredondada,
como bombom, cuscuz, por exemplo.

Tabela 6  Tradução dos diacríticos – coluna 3


Coluna 3

Termo Termo em Termo em inglês Termo em português


em inglês português

Dental Dental Nasalized Nasalizado

Apical Apical Nasal release Liberação nasal

Laminal Laminal No audible Liberação não


release audível

Na terceira coluna, temos o diacrítico para realização


dental, comum na realização do [t] e [d] em boa parte
do Brasil. O diacrítico apical é usado quando a ponta da
língua é usada como articulador passivo, no lugar do que
seria esperado. Já o laminal, quando se usa a lâmina da
língua. Nessa coluna, outro diacrítico que será bastante
usado por nós é o nasalizado.

Na quarta e última coluna, se destaca, no português bra-


sileiro, o diacrítico para a realização velarizada, que ocorre
na lateral aproximante em final de sílabas em alguns diale-
tos, principalmente em pessoas da terceira idade.
40    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Tabela 7  Tradução dos diacríticos – coluna 4


Coluna 4

Termo em inglês Termo em português

Velarized ou pharyngalized Velarizado ou faringalizado

Raised Levantado

Lowered Rebaixado

Advanced tongue root Raiz da língua avançada

Retracted tongue root Raiz da língua retraída

Na Figura 6, temos símbolos para elementos supras-


segmentais.

Para marcarmos a sílaba tônica (tanto na transcrição fo-


nética quanto na fonológica), nós usamos um apóstrofo an-
tes desta. A palavra ‘carta’ é paroxítona, isto é, a penúltima
sílaba de trás para frente é mais forte; sua representação,
quanto a acentuação, se dá da seguinte forma [‘kaɾtɐ].7 Al-
gumas palavras, todavia, podem apresentar um acento se-
cundário, indicado através de apóstrofo subscrito.

É possível indicar a realização de duração anormal de


segmentos, como realização longa, meio longa, ou extra
longa. Também pode-se marcar a quebra de sílaba. Assim
como é possível indicar partes da cadeia sonora que teve

7  O ‘a’ de ponta cabeça ocorre em final de sílaba átona nas regiões metropo-
litanas de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, assim como em outras
regiões. Já em Minas Gerais, ocorre o chamado chuá [ə] na mesma posição,
como em algumas palavras da Língua Inglesa.
Capítulo 2   Fonética Articulatória   41

uma entonação mais fraca, bem como, aquela com entona-


ção mais forte. Em outros casos ocorre a ressilabação e/ou
falta de pausa: casas azuis → [‘kazɐ‿’zʊɪ̯s].

Figura 6  Suprasegmentais. Fonte: http://www.langsci.ucl.ac.uk/


ipa/fullchart.html

Há outros elementos na tabela do IPA não menciona-


dos, mas estes não serão utilizados nesse estudo.

Segundo Cristófaro-Silva (2009), há dois tipos de trans-


crição fonética: transcrição fonética ampla e transcri-
ção fonética restrita. Essa última “[...]explicita todos os
detalhes observados articulatoriamente” (CRISTÓFARO-
-SILVA, 2009, p.36), já a primeira “[...] explicita apenas os
aspectos que não sejam condicionados por contexto ou por
características específicas da língua ou dialeto: como [‘kilʊ]
42    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

(em oposição a [ˈkʲilʷʊ] que é uma representação fonética


restrita).” (CRISTÓFARO-SILVA, 2009, p.36)

Vamos ver agora como os sons podem ser represen-


tados foneticamente na transcrição de algumas palavras
tomadas como exemplo, com a utilização dos símbolos fo-
néticos do IPA.

Tabela 8  Transcrição fonética

2 O aparelho fonador

Como dito, o aspecto fisiológico diz respeito a como nosso


corpo está envolvido na produção sonora. Esse mecanis-
mo é chamado de aparelho fonador, do qual fazem parte os
pulmões, a faringe e a laringe e as cavidades oral e nasal
Capítulo 2   Fonética Articulatória   43

(Figura 7). Alguns, como Cristófaro-Silva (2009), susten-


tam que esses elementos não têm como função primária a
fala; os pulmões são responsáveis pela respiração, os den-
tes pela mastigação etc. Essa visão porém, como apontam
Callou e Leite (2012), é polêmica, uma vez que se sustenta
em um conceito de linguagem em uma visão behaviorista,
isto é, adquirida e não algo inato. A linguagem vista como
algo adquirido implica em um treinamento específico para
isso: há um estímulo (algo que a criança ouve ou é instiga-
da a gerar) que a levará a dar uma resposta. No entanto,
essa visão foi questionada por Chomsky, em 1957, para
ele, uma criança aprende a falar sem precisar de um trei-
namento específico e a riqueza de sua linguagem supera a
qualidade e quantidade de estímulos a que ela é exposta.

Independente dessa discussão, não se pode negar o


envolvimento desses elementos em nossa fala.

Figura 7  Aparelho fonador.


Fonte: http://www.eav.eng.br/tech/fisiologia/Constituiodoaparelhofonadorhu-
mano.html
44    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Nosso aparelho fonador é constituído de três sistemas,


compostos por grupos de órgãos: sistema respiratório,
sistema fonatório e sistema articulatório (de baixo para
cima na Figura 7).

O sistema respiratório é constituído pelos pulmões,


diafragma, alvéolos, brônquios e traqueia, como pode ser
observado na Figura 7. Esses fornecem, para a fonação,
a corrente de ar necessária, que pode ser egressiva ou
ingressiva. Na corrente de ar ingressiva, o ar é inspirado.
Esse tipo de corrente é usado na produção dos segmen-
tos consonantais chamados cliques,8 que não constituem
fones nem fonemas em língua portuguesa, apesar de usar-
mos o clique bilabial para o som do beijo. Na corrente de
ar egressiva, o ar é expirado, essa é a que usamos em
português para a fala.

Uma vez que a corrente de ar egressiva é gerada, ela


passa para o sistema fonatório. Esse sistema é constituí-
do pela laringe, na qual se encontram as cordas vocais ou
glote (Figura 8) que podem obstruir ou liberar a passagem
do ar.

Quando a glote obstrui a passagem de ar, é gerada


uma vibração nas cordas vocais. O som produzido com
essa vibração será chamado de vozeado (também pode
ser chamado de sonoro). Se não há obstrução, vibração, o
som será chamado de desvozeado (surdo).

8  Como os usados nas línguas khoisan, pertencentes a uma família linguística


Africana.
Capítulo 2   Fonética Articulatória   45

Após, temos o sistema articulatório, constituído pela


faringe, cavidades oral e nasal. É com relação a esse sis-
tema que se dá a descrição dos segmentos consonantais
e segmentos vocálicos. Os segmentos consonantais são
caracterizados pela obstrução total ou parcial da passa-
gem do ar nas cavidades supraglotais (cavidades oral e
nasal). Na geração de segmentos vocálicos não ocorre
essa obstrução, a passagem de ar se dá de forma livre. Há
ainda segmentos cuja caracterização fonética fica diluída,
como nos glides9 (também conhecidos como semivogais
ou vocoides). Em português temos duas semivogais que
podem ser representadas por [ɪ̯/ʊ̯] ou por /y,w/ (na transcri-
ção fonológica).

Pode-se observar esse fe-


nômeno (vozeado e não vo-
zeado) colocando-se os de-
dos no pescoço, na região
chamada de Pomo de Adão.
Com eles nessa região fale
em voz alta ‘pá’ e ‘ba’. Deve-
rá notar que já no início da
realização de pá há vibração,
Figura 8  Cordas vocais. porém, em ‘ba’, essa vibra-
ção ocorrerá apenas no final,
Fonte: http://diariodebiologia. após a realização do ‘b’.
com/2011/07/por-que-ficamos-rou-
cos/#.U2LOul7MGOM

9  Pronuncia-se ‘glaide’.
46    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

É nesse sistema, sistema articulatório, que se encontra


o trato vocal (Figura 9). É nesse estágio que se dá a arti-
culação dos sons, através dos articuladores ativos e pas-
sivos.

Figura 9   Trato vocal. Fonte: http://fonticaarticulatria.blogspot.com.


br/2011/05/o-aparelho-fonador.html
Capítulo 2   Fonética Articulatória   47

Figura 10  Partes da língua. Fonte: http://fonticaarticulatria.


blogspot.com.br/2011/05/o-aparelho-fonador.html

Os articuladores passivos são aqueles que não se mo-


vimentam durante a realização de um segmento e servem
como alvo para o articulador ativo. Entre eles temos: lábio
superior, dentes superiores, alvéolos, palato duro, véu pa-
latino (apenas nos segmentos orais). Os articuladores ati-
vos, no entanto, se movimentam em direção ao alvo (arti-
culador passivo), podendo gerar obstrução total ou parcial,
nos segmentos consonantais.10

Quando temos a língua como articulador ativo, se torna


necessário descrever qual parte dela é usada. Na Figura
10, são demonstradas as partes da língua. No capítulo 3,
veremos qual parte da língua é usada para cada ponto de
articulação.

10  Nos segmentos vocálicos não há articulador passivo.


48    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Recapitulando

Neste capítulo, vimos que a fonética é uma subárea da lin-


guística que tem como objeto de estudo os fones. Essa
pode ser estudada em três perspectivas básicas, das
quais surgem os diferentes tipos de fonética, sendo que
a que constitui nosso enfoque é a articulatória. Essa trata
de como os fones são articulados, proporcionando o ins-
trumental necessário para sua descrição, identificação e
transcrição. Para possibilitar isso, foram criados alfabetos
especiais para uma transcrição não ambígua da fala, sen-
do que o mais utilizado é o IPA.

Para melhor dar prosseguimento ao nosso estudo, vi-


mos o aparelho fonador humana e os sistemas que o cons-
tituem, a saber: sistema respiratório, sistema fonatário e
sistema articulatório; e o papel de cada um deles na produ-
ção sonora.

Referências

CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Iniciação à Fonética e à


Fonologia. 11. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2012 [Kindle
edition].

CRISTÓFARO-SILVA, Thaïs. Fonética e Fonologia do


Português: roteiro de estudos e guia de exercícios.
9.ed. São Paulo: Contexto, 2009.
Capítulo 2   Fonética Articulatória   49

CRISTÓFARO-SILVA, Thaïs; YEHIA, Hani Camille. Sono-


ridade em Artes, Saúde e Tecnologia. Belo Horizonte:
Faculdade de Letras, 2009. Disponível em: <http://fono-
logia.org. ISBN 978-85-7758-135-1>.

CAMARA Jr. Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Por-


tuguesa. 37.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

CHOMSKY, Noam; HALLE, Morris. The sound pattern of


English. New York: Harper and Row, 1968.

MATZENAUER, Carmen Lúcia. Introdução à Teoria Fono-


lógica. In BISOL, Leda. Introdução a Estudos de Fo-
nologia do Português Brasileiro. Porto Alegre: Edi-
PUCRS, 2005. P. 11-81.

Atividades

1) Marque a alternativa correspondente a correta relação


entre os pontos de vista e os tipos de fonética:

I – Partindo-se do falante (da fonte) e examinando-se o


que se passa no aparelho fonador;

II – Focalizando-se os efeitos acústicos da onda sono-


ra produzida pela corrente de ar em sua passagem
pelo aparelho fonador;

III – Examinando-se a percepção da onda sonora pelo


ouvinte, isto é, o estudo das impressões acústicas
50    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

e de suas interpretações no processo de decodifi-


cação.

(  ) fonética articulatória;

(  ) fonética auditiva;

(  ) fonética acústica;

(  ) fonética instrumental.

a) II, I, II, III;

b) I, III, II, III;

c) I, II, II, III;

d) I, II, II, I;

e) III, II, II, II;

2) Leia o texto de Tiago Cordeiro, a seguir, e marque as


alternativas verdadeiras, considerando o conteúdo es-
tudado neste capítulo.

O que é o alfabeto fonético?

É um código internacional por meio do qual se pode co-


nhecer a pronúncia correta das palavras em qualquer
idioma. Criado por professores americanos e franceses
em 1888, ele tem 107 letras e dezenas de símbolos
que indicam o modo como uma sílaba deve ser pronun-
ciada, se aberta ou fechada, por exemplo. “O alfabe-
to fonético não é uma língua nova, como o esperanto,
que pretende substituir todas as outras. Trata-se de um
código para que qualquer pessoa seja capaz de falar
Capítulo 2   Fonética Articulatória   51

qualquer idioma”, diz o linguista Paulo Chagas, da Uni-


versidade de São Paulo (USP). Por simplificar as coi-
sas, é muito usado por tradutores, linguistas, cantores
e atores. Além disso, o fato de ser fonético permite que
idiomas sem escrita sejam “traduzidos”. Por exemplo,
um antropólogo brasileiro pode transcrever a língua de
uma tribo amazônica, e esse idioma ser falado por pes-
quisadores em todo o mundo. O visu esquisitão dos
símbolos, contudo, assusta muita gente. No dicionário
de português, por exemplo, a tradução fonética da pa-
lavra “porta” aparece entre colchetes, como [p??t?]; já
no de inglês, “door” vem seguida de [d??r]; no de fran-
cês, “porte” vira [p??t]. São muitas combinações possí-
veis, que incluem símbolos gregos difíceis de falar. O
som de xis de “chave”, por exemplo, vira [?]. Mas, com
um pouquinho de esforço, dá para ver que a coisa é
bem simples.

Fonte: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-
-que-e-o-alfabeto-fonetico

a) o texto foi escrito por um leigo, isto é, alguém sem


conhecimento na área;

b) linguisticamente, é verdadeiro dizer que as pala-


vras têm uma pronúncia correta, afinal a língua não
varia;

c) o alfabeto fonético não é composto por letras, mas


por símbolos que representam de forma inequívoca
fones;
52    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

d) não é verdade que utilizando o IPA, é possível


transcrever línguas ágrafas;

e) apesar da afirmação do professor Chagas, o IPA


não serve apenas para se poder falar qualquer lín-
gua.

3) Marque as representações a seguir conforme o código


que segue:

I – r epresentação ortográfica;

II – r epresentação fonética;

III – r epresentação fonológica.

4) Organize os termos a seguir em duas colunas, sepa-


rando-os em modo de articulação e ponto de articula-
ção.

faringal, aproximante lateral, fricativa, retroflexa, uvu-


lar, vibrante, bilabial, nasal, oclusiva, labial, tepe, alveolar
Capítulo 2   Fonética Articulatória   53

Modo de articulação Ponto de articulação

5) Complete as lacunas e marque a alternativa correspon-


dente.

I – Os __________________________ são aqueles que se


movem em direção ao alvo, que por sua é chamado
de ______________________.

II – 
A descrição de segmentos consonantais e vocá-
licos se dá a partir de elementos presentes no
____________________.

III – 
O _____________________, constituído pelos pul-
mões, diafragma, alvéolos, brônquios e traqueia,
proporciona a corrente de ar necessária para a fona-
ção. Esta, por sua vez, ocorre no ________________.

a) Articuladores ativos, articulador passivo, sistema


articulatório, sistema respiratório, sistema fonatório;

b) Articulador passivo, articuladores ativos, sistema


articulatório, sistema respiratório, sistema fonatório;

c) Articuladores ativos, articulador passivo, sistema


fonatório, sistema respiratório, sistema articulatório;
54    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

d) Articuladores ativos, articulador passivo, sistema


respiratório, sistema articulatório, sistema fonatório;

e) Articulador passivo, articuladores ativos, sistema


articulatório, sistema fonatório, sistema respiratório.

Gabarito
1) c

2) a, c, e

3) III, II, I, I, II

4) modo de articulação: aproximante lateral, fricativa, vi-


brante, nasal, oclusiva, tepe ponto de articulação: farin-
gal, retroflexa, uvular, bilabial, labial, alveolar

5) a

Sites úteis

Para baixar a tabela do IPA: http://www.langsci.ucl.ac.uk/


ipa/fullchart.html

Site com exercícios, exemplos, definições, animações e


áudio da realização dos segmentos: http://fonologia.org

Site da Associação Internacional de fonética: http://www.


langsci.ucl.ac.uk/ipa/index.html

Site para copiar as fontes do IPA para um processador de


texto: http://westonruter.github.io/ipa-chart/keyboard/
Daisy Batista Pail1

Capítulo 3

Sistema Consonantal

1  Professora adjunta do curso de Letras (ULBRA), doutoranda em Linguística


(PUCRS).
56    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Introdução

Vimos anteriormente o que é fonética e fonética articula-


tória, como se faz transcrição fonética, como se organiza
a tabela do IPA, o aparelho fonador e os sistemas que o
constituem, bem como seu papel na produção de fones.
Nesse capítulo, aprofundaremos isso ao estudarmos as
consoantes, com especial enfoque àquelas comuns no
português brasileiro. Vamos, pois, estudar agora como se
classificam os segmentos consonantais em Língua Portu-
guesa. Segundo Cristófaro-Silva (2009, p. 26):

Entendemos por segmento consonantal um som que


seja produzido com algum tipo de obstrução nas cavi-
dades supraglotais de maneira que haja obstrução to-
tal ou parcial da passagem da corrente de ar podendo
ou não haver fricção.

Notação das consoantes


A Língua Portuguesa apresenta 19 consoantes, que são
classificadas quanto ao modo de articulação, ponto de arti-
culação e vozeamento.

Modo de articulação + ponto de articulação + surda/sonora

A seguir, vamos examinar a classificação das consoan-


tes segundo esses critérios.
Capítulo 3   Sistema Consonantal   57

1 Modo de articulação

Por modo de articulação entende-se os diferentes graus de


obstrução à passagem de ar e “as maneiras por que o ar
nela modificado escoa pela boca”(CALLOU e LEITE, 2012).

Baseia-se no grau de obstrução à passagem do ar para a


produção dos sons consonantais: há consoantes que envolvem
obstrução total à passagem do ar, enquanto outras envolvem
obstrução parcial. A seguir, apresentamos as categorias em
que as consoantes são classificadas de acordo com o modo
de articulação.

a) Oclusivas/plosivas: ocorre interrupção momentânea


da passagem de ar. Os articuladores produzem uma
obstrução completa da corrente de ar na cavidade oro-
faríngea. O véu palatino está levantado e o ar que vem
dos pulmões encaminha-se para a cavidade oral, im-
pedindo a passagem do ar pela cavidade nasal. Oclu-
sivas são, portanto, consoantes orais. São exemplos
de consoantes oclusivas que ocorrem em português
os sons: [p], [t], [k], [d], [g].

b) Fricativas: o articulador ativo se aproxima do pas-


sivo, gerando uma estri-
Há certos traços que se
tura na cavidade central tornam redundantes e,
de tal modo a gerar uma por isso, desnecessários
corrente de ar turbulen- à notação. É o caso do
ta. O ar que passa por traço de sonoridade nas
esse canal produz um nasais, vibrantes, tepes
som sibilante que é ca- e flepes e aproximantes
laterais.
racterístico das fricati-
58    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

vas. São exemplos de consoantes fricativas que


ocorrem em português: [f], [v], [s], [z], [x].

c) Nasais: os articuladores produzem uma obstrução


completa à passagem da corrente de ar através da
boca. O véu palatino encontra-se abaixado, per-
mitindo a propagação do ar pela cavidade nasal.
Os segmentos nasais são consoantes similares às
oclusivas, diferenciando-se apenas quanto ao abai-
xamento do véu palatino para as nasais. Nessas,
o véu palatino se torna um articulador ativo. Os
segmentos nasais são naturalmente sonoros. São
exemplos de consoantes nasais do português: [m],
[n], [ɲ].

d) Africadas: existem alguns sons cuja produção en-


volve mais de um modo de articulação: oclusiva no
início e fricativa no final. Por serem homorgânicas,
as consoantes precisam ter ponto de articulação
igual ou semelhante e mesmo vozeamento. Em al-
gumas regiões, ocorre a palatalização de [t] e [d]
quanto precedentes de [i] e suas variantes, assim
de [‘t̪i̯a] → [‘t̪ʃi̯a]; de [‘d̪i̯a] [‘dʃi̯a]. Na fase inicial da pro-
dução de uma africada, os articuladores produzem
uma obstrução completa à passagem da corrente
de ar através da boca e o véu palatino encontra-se
levantado (como nas oclusivas). Na fase final des-
sa obstrução, ocorre, então, uma fricção decorrente
da passagem central da corrente de ar (como nas
Capítulo 3   Sistema Consonantal   59

fricativas). As africadas são, portanto, segmentos


orais.2

e) Laterais: ocorre a passagem do ar pelas laterais


da cavidade bucal, pois o meio encontra-se obstruí-
do de algum modo. Essa obstrução forma um canal
lateral pelo qual o ar se propaga. Os segmentos
com esse modo também são sempre sonoros. São
exemplos de laterais em português: [l], [ʎ] e [ɫ].

f) Vibrantes: são caracterizadas pelo movimento vi-


bratório rápido do articulador ativo. Esse bate re-
petidas vezes no articulador passivo. Apesar de só
ocorrer como elemento paralinguístico, podemos
usar como exemplo o [B]. Os lábios vibram ao ter
o ar expelido, é brincadeira comum para crianças.
Como fone temos [r, ʀ], no primeiro, a ponta da lín-
gua bate repetida e rapidamente nos alvéolos, dan-
do a impressão de “erre rolado”; já o segundo é a
úvula que vibra (seu som é próximo ao que produ-
zimos com o gargarejo). Os segmentos desse tipo
também são sempre sonoros.

g) Tepe: o articulador ativo toca rapidamente o articu-


lador passivo, ocorrendo uma rápida obstrução da
passagem da corrente de ar através da cavidade
orofaríngea. O tepe ocorre em português, invaria-
velmente como segundo segmento consonantal em
início de sílaba: prato, sacro.

2  As africadas porém não são fones (por isso não aparecem na tabela do IPA)
e não ocorrem em todos os dialetos.
60    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Passemos agora ao ponto de articulação.

2 Ponto de articulação

Ponto ou zona de articulação é o local onde é feita a obs-


trução à passagem do ar. Os articuladores serão numera-
dos em consonância com a Figura 1.

a) Bilabiais: o articulador ativo é o lábio inferior (2),


e como articulador passivo temos o lábio superior.
Exemplos: pato, bota, milho.

b) Labiodentais: o articulador ativo é o lábio inferior


(2), e como articulador passivo temos os dentes in-
cisivos superiores (3). Exemplos: [f] e [v].

c) Alveolares ou dentais: o articulador ativo é o ápi-


ce (10) ou a lâmina da língua, e como articulador
passivo temos os alvéolos (4). Nos segmentos
com esse ponto, ocorre contato da ponta da lín-
gua com os alvéolos no maxilar superior. Diferem
das dentais apenas quanto ao articulador passivo.
Em consoantes dentais, temos como articuladores
passivos os dentes superiores. Já nas consoantes
alveolares, temos os alvéolos como articuladores
passivos. Exemplos: [d], [s], [z], [n].
Capítulo 3   Sistema Consonantal   61

Figura 1   Trato vocal. Fonte: http://fonticaarticulatria.blogspot.com.


br/2011/05/o-aparelho-fonador.html

d) Pós-alveolar: o articulador ativo é a parte anterior


(10 e 11) da língua e o articulador passivo é a parte
final medial do palato duro (5). São exemplos des-
ses sons: [ʃ], [ʒ].

e) Retroflexas: nesses segmentos a ponta da língua


se vira para cima em direção ao articulador passivo.
Em português, temos [ɽ], comumente chamado de
“erre caipira”.3

f) Palatais: o articulador ativo é a parte média da lín-


gua (11) e o articulador passivo é a parte do palato
duro (5) – contato do dorso da língua com o palato
duro, ou céu da boca. Exemplos: [ʃ, ʒ].

3  Note, porém, que essa não é uma nomenclatura adequada.


62    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

g) Velares: O articulador ativo é a parte posterior da


língua e o articulador passivo é o véu palatino ou
palato mole (6). Nesses segmentos ocorre o conta-
to da parte posterior da língua com o palato mole,
ou véu palatino. Exemplos: [k, g].

h) Uvular: o ponto de articulação se dá na úvula.


Exemplo: [R], já mencionado no modo de articula-
ção das vibrantes.

i) Faringal: o ponto de articulação se dá na faringe.


Exemplos: [ħ, ʕ], que ocor-
rem em final de sílaba no Embora sejam usados
esses pontos de articu-
dialeto carioca.
lação, na descrição, “não
j) Glotal: os músculos liga- há ponto absoluto no tra-
mentais da glote compor- to vocal” (LADEFOGED
e MADDIESON, 1996, p.
tam-se como articuladores.
155). Isso se deve a dife-
Exemplo: [R]aro (na pro-
renças que há entre uma
núncia típica do dialeto de pessoa e outra, entre ho-
Belo Horizonte). mens e mulheres, adul-
tos e crianças e etnias.

3 Quanto ao papel das cordas vocais e


das cavidades bucal e nasal

As consoantes são classificadas ainda segundo outros


dois critérios:
Capítulo 3   Sistema Consonantal   63

a) em relação ao papel das cordas vocais: surdas (na


ausência de vibração das cordas vocais) ou sono-
ras (com vibração das cordas vocais);

a) em relação ao papel das cavidades bucal e nasal:


orais (passagem do ar apenas pela (cavidade bu-
cal) ou nasais (passagem do ar pelas cavidade na-
sal) e nasalizadas (passagem do ar pelas cavida-
des bucal e nasal).

A seguir é apresentada a Tabela 1, com os segmentos


que ocorrem em português, sua notação, letras que usa-
mos na ortografia para representá-las, exemplo e por últi-
mo observações.

Tabela 1  Segmentos consonantais


Segmentos consonantais

Oclusiva bilabial
p p pato Ocorre sem variação no Brasil.
surda

Oclusiva bilabial
b b bala Ocorre sem variação no Brasil.
sonora

Varia quanto ao articulador


Oclusiva alveolar
t t tala passivo, pois pode ser realizada
surda
como alveolar ou dental.

Varia quanto ao articulador


Oclusiva alveolar
d d dado passivo, pois pode ser realizada
sonora
como alveolar ou dental.

Kamila,
Oclusiva velar k, c,
k casa, Ocorre sem variação no Brasil.
surda qu
quilo
64    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Oclusiva velar
g g gato Ocorre sem variação no Brasil.
sonora

m Nasal bilabial m mala Ocorre sem variação no Brasil.

Varia quanto ao articulador


n Nasal alveolar n nata passivo, pois pode ser realizada
como alveolar ou dental.

Pode ser realizado como uma


ɲ Nasal palatal nh ninho
semivogal nasalizada [ɪ̯̃].

Só ocorre em final de sílaba


ŋ Nasal velar n canga quando antecedendo uma
oclusiva velar.

r Vibrante alveolar r rato Não ocorre em todos dialetos.

ʀ Vibrante uvular r rato Não ocorre em todos dialetos.

Ocorre sem variação no Brasil


na posição intervocálica ou
ɾ Tepe alveolar r caro
como segundo membro de
encontro consonantal.

Não ocorre em todos dialetos.


ɽ Tepe retroflexo r porta
Só ocorre em final de sílaba.

Fricativa
f f favo Ocorre sem variação no Brasil.
labiodental surda

Fricativa
v labiodental v vela Ocorre sem variação no Brasil.
sonoro

Quando em início de sílaba


sala,
e posição intervocálica, não
s, ss, missa,
Fricativa alveolar apresenta variação, porém
s c, cela,
surda quando em final de sílaba varia.
ç, z açúcar,
Pode também ocorrer como
paz
dental.
Capítulo 3   Sistema Consonantal   65

Quando em início de sílaba


e posição intervocálica, não
zelo,
Fricativa alveolar z, apresenta variação, porém
z casa,
sonora s, x quando em final de sílaba varia.
exame
Pode também ocorrer como
dental.

Fricativa alvéolo- Quando em início de sílaba


enxame,
ʃ palatal (pós- ch, x e posição intervocálica, não
chá
alveolar) surda apresenta variação.

Fricativa alvéolo- Quando em início de sílaba


ʒ palatal (pós- j, g já, gelo e posição intervocálica, não
alveolar) sonora apresenta variação.

Só ocorre em posição final de


sílaba e quando a consoante
Fricativa velar
x r porta seguinte é surda. É comum na
surda
região metropolitana de Porto
Alegre.

Só ocorre em posição final de


sílaba e quando a consoante
Fricativa velar
ɣ r tarde seguinte é sonora. É comum na
sonora
região metropolitana de Porto
Alegre.

Só ocorre em posição final de


sílaba e quando a consoante
Fricativa faringal mar,
ħ r seguinte é surda. É comum na
surda carta
região metropolitana do Rio de
Janeiro.

Só ocorre em posição final de


sílaba e quando a consoante
Fricativa faringal mar,
ʕ r seguinte é sonora. É comum na
sonora dardo
região metropolitana do Rio de
Janeiro.

Em início de sílaba e como


Aproximante
l l lata segundo segmento em encontro
lateral
consonantal, é uniforme.
66    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Aproximante
ʎ lh olho Pode ocorrer como semivogal [ɪ̯]
lateral palatal

Africada alvéolo-
tʃ t tia Não ocorre em todos dialetos.
palatal surda

Africada alvéolo-
dʒ d dia Não ocorre em todos dialetos.
palatal sonora

Cabe ressaltar que as consoantes, no quadro, estão


representadas por meio de símbolos fonéticos e não de-
vemos confundir esses com as letras do alfabeto. Como
dissemos no início do capítulo, a fonética estuda os sons
produzidos na fala, para que isso ocorra, ela precisa de um
sistema para representá-los, como vimos no capítulo 2. Se
observarmos algumas palavras do português, logo perce-
beremos que uma letra não corresponde necessariamente
a um som. Assim, mais de um som pode ser representado
pela mesma letra ou um mesmo som pode ser representa-
do por diversas letras.

Exemplos:
Letras e dígrafos que são representadas foneticamente por
um único som:

ÂÂs, ss, c, ç, z nas palavras: [s]alada, mi[s]a, [s]enoura,


a[s]úcar, pa[s] − [s].

ÂÂc, qu nas palavras: [k]asaco, Dígrafo é o uso de


dois grafemas
[k]ero – [k]. (letras) para
representar um
único fonema
ÂÂg, gu nas palavras: [g]ordo,
[g]erra – [g].
Capítulo 3   Sistema Consonantal   67

ÂÂx, ch nas palavras: [ʃ]adrez e [ʃ]uveiro – [ʃ]

ÂÂg, j nas palavras: [ʒ]ente, [ʒ]ato – [ʒ] 


Uma única letra que representa vários sons:

ÂÂx – [s], [z], [ks], [ʃ] nas palavras: pró[s]imo, e[z]ato,


tá[ks]i, en[ʃ]ame.

ÂÂc – [k], [s] nas palavras: [k]aranguejo, [s]erimônia.

ÂÂe – [e], [ε] nas palavras: t[e]lhado, t[ε]to. 


4 Articulações secundárias

Chama-se articulação secundária aquela que é resulta-


do de contexto. Isso significa que os sons são modificados
pelo contexto fonético adjacente. Segundo Cristófaro-Silva
(2009, p. 34), as consoantes podem ser realizadas com
“uma propriedade articulatória secundária em relação às
propriedades articulatórias fundamentais deste segmento”.

A labialização é o arredondamento dos lábios em con-


sequência da presença de uma vogal arredondada. O seg-
mento consonantal, nesse caso, assimila esse traço da
vogal, conforme Callou e Leite (2012). Pronuncie em voz
alta: <mala> e depois <mula>. Observe o comportamento
dos lábios. Na primeira não há interferência do segmento
que sucede a nasal bilabial, já na segunda notamos que
ocorre um protusão labial. Esse fenômeno é marcado fone-
68    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

ticamente através do [w] acima e à direita do segmento que


sofre a articulação secundária.

“Na palatalização [grifo nosso] a articulação primária


se faz acompanhar do levantamento da lâmina da língua”
(CALLOU e LEITE, 2012). Esse fenômeno ocorre, por
exemplo, com a vogal alta anterior [i] que “puxa” para frente
a lâmina da língua. Fale em voz alta <lunar> e em seguida
<lima>. Observe qual parte da língua encosta nos alvéolos
na primeira e depois na segunda. Enquanto da primeira, é
o ápice da língua o articulador ativo, na segunda, a lâmina
da língua. A palatalização é marcada por meio de [ʲ] após
e acima do segmento afetado. Esse fenômeno também se
liga a realização africada de [t, d] quando sucedidos por
[i, ɪ, ĩ].

Na velarização o dorso da língua é levantado em dire-


ção ao véu palatino. No português brasileiro, encontramos
a velarização do aproximante lateral [l] em final de sílaba
em alguns dialetos do sul do Brasil (conforme Cristófaro-
-Silva, 2009). Esse fenômeno é marcado através de [ˠ] e,
no caso da aproximante lateral, [ ̴ ]. O primeiro é posto
acima e após o segmento, já o segundo no meio da con-
soante.
Capítulo 3   Sistema Consonantal   69

Na faringalização ocorre o recuo da raiz da língua. É


representado por meio de [ˤ] após e acima do segmento.

5 Variação e fenômenos fonéticos e


fonológicos

Apesar de tanto fonética quanto fonologia explicarem a va-


riação, apenas a primeira faz transcrição detalhada dessa.
Isso ocorre, pois a fonologia trata do sistema fonológico de
uma língua, sendo, portanto abstrato. Já a fonética trata de
qualquer fone, independentemente de constituir fonema ou
não.

Embora, a variação seja intrínseca à língua, não são to-


dos os contextos e casos que a proporcionam, como vimos
na Tabela 1. Outros porém, são propícios para variação.
São alguns desses casos e contextos que trataremos nes-
sa seção.

As sílabas átonas, justamente por serem mais fracas,


são mais propícias para variação do que a tônica. Entretan-
to, esse aspecto influencia pouco a variação de segmentos
consonantais. Ele terá mais peso na variação de vogais.

Quanto aos segmentos consonantais, podemos desta-


car a posição final em sílabas:
70    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

ÂÂAproximante lateral: apresentará variação em final


de sílaba, como em <mel>. Nessa posição pode ser
realizada como aproximante lateral velarizada [l̴].
Contudo, o ocorrência mais comum é a vocalização,
tornando-a uma semivogal, [ʊ̯];

ÂÂFricativa alveolar surda: apresentará variação em fi-


nal de sílaba, como em pasta, pasmo. Quando a con-
soante precedente for surda, ela se mantém; quando
for sonora passará para a fricativa alveolar sonora –
[‘pastɐ]~[‘mezmʊ]. Nessa posição pode ser realizada
como fricativa alvéolo-palatal e assimilará a sonori-
dade da consoante seguinte – [‘paʃtɐ]~[‘meʒmʊ];

ÂÂRóticos: (chamados de erre) apresentam grande va-


riação quando não são o segundo membro do encon-
tro consonantal ou tepe (erre fraco, como em <caro>).
Essa variação ocorre tanto em posição inicial e final
de sílaba, quanto em posição intervocálica. Quando
em final de sílaba também assimilará a nasalidade
da consoante seguinte;

ÂÂConsoante nasal em final de sílaba: a nasal pós-


-vocálica assimilará o ponto de articulação da vogal
seguinte:

Esses foram alguns exemplos de variação, no entanto


alguns desses casos são motivados. Isso significa que há
Capítulo 3   Sistema Consonantal   71

um contexto que influencia e explica a mudança, quando


isso ocorre temos o fenômeno chamado de assimilação.
Nos casos, aqui descritos, sem um contexto adjacente que
justifique a mudança, temos a neutralização, são exem-
plos /s/ em final de sílaba e os róticos mencionados. Diz-se
que esses segmentos foram neutralizados, pois suas dife-
renças fonéticas não são mais distintivas, fonemas.
Você
sabia?

Róticos, segundo Ladefoged e Maddieson (1996), são uma


classe de segmentos, pois:

- todos apresentam grafemas semelhantes ao rho latino;

- apresentam semelhanças acústicas;

- do ponto de vista fonológico, geralmente ocupam um es-


paço privilegiado na estrutura silábica, não incomum são a
única consoante permitida como segundo membro do en-
contro consonantal no início da sílaba, ou como primeiro
membro do encontro no final de sílaba;

- apresentam batidas repetidas entre articuladores passivo e


ativo, nas vibrantes;

- apresentam um terceiro formante.

Recapitulando

Neste capítulo, tratamos das consoantes. Como vimos an-


teriormente, a fonética preocupa-se em descrever os sons
produzidos pelos falantes de uma determinada língua.
72    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Usamos os símbolos fonéticos para representar o som da


fala, sua realização, uma vez que a fonologia trata de um
sistema abstrato dos falantes de uma língua, e que permite
a esses reconhecerem e distinguirem sons distintivos dos
que não o são.

Considerando-se isso, vimos como ocorre a realização


das consoantes pulmônicas. Estudamos o modo e ponto
de articulação, bem como retomamos vozeamento. O que
aqui vimos será muito importante para o prosseguimento
do nosso estudo.

Referências

CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Iniciação à Fonética e à


Fonologia. 11. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2012 [Kindle
edition].

CRISTÓFARO-SILVA, Thaïs. Fonética e Fonologia do


Português: roteiro de estudos e guia de exercícios.
9.ed. São Paulo: Contexto, 2009.

CRISTÓFARO-SILVA, Thaïs; YEHIA, Hani Camille. Sono-


ridade em Artes, Saúde e Tecnologia. Belo Horizonte:
Faculdade de Letras, 2009. Disponível em: <http://fono-
logia.org. ISBN 978-85-7758-135-1>.

CAMARA Jr. Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Por-


tuguesa. 37.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
Capítulo 3   Sistema Consonantal   73

LADEFOGED, Peter; MADDIESON, Ian. The Sounds of


the World’s Languages. Oxford: Blackwell Publishers,
1996.

MATZENAUER, Carmen Lúcia. Introdução à Teoria Fono-


lógica. In BISOL, Leda, Introdução a Estudos de Fo-
nologia do Português Brasileiro. Porto Alegre: Edi-
PUCRS, 2005. P. 11-81.

Atividades

1) Marque a alternativa correta em relação à classificação


dos sons:

a) Somente a Língua Portuguesa possui consoantes


nasais;

b) Todas as consoantes da Língua Portuguesa são


orais;

c) Os glides são considerados consoantes especiais;

d) Todas as línguas naturais possuem consoantes e


vogais;

e) nenhuma das alternativas.

2) Marque a alternativa que apresenta a classificação cor-


reta em relação ao modo de articulação das consoan-
tes:
74    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

a) Oclusivas: passagem do ar não é interrompida mo-


mentaneamente, como em ‘palavrão’, ‘topete’.

b) Fricativas: passagem do ar por um pequeno canal


entre 
a língua e o céu da boca; som que lembra o
de fricção, como em ‘pavio’, ‘gato’.

c) Africadas: há uma leve fricção, como em falha.

d) Vibrantes: caracterizadas pelo movimento vibrató-


rio lento da língua ou do véu palatino, como em ‘ra-
posa’.

e) Nasais: os articuladores produzem uma obstrução


à passagem da corrente de ar através da boca,
como em ‘morena’, ‘nuvem’.

3) A notação de segmentos consonantais se dá quanto


ao:

a) ponto de articulação, modo de articulação, grau de


vozeamento;

b) modo de articulação, ponto de articulação, grau de


vozeamento;

c) ponto de articulação, modo de articulação, oral ou


nasal;

d) grau de vozeamento, modo de articulação, nasal ou


oral;

e) modo de articulação, grau de vozeamento, ponto


de articulação.
Capítulo 3   Sistema Consonantal   75

4) A ortografia não é inequívoca como as transcrições


fonéticas e fonológicas, isso significa que aos escre-
vermos ortograficamente podemos usar um mesmo
símbolo (grafema, letras) para representarmos sons
diferentes. Marque a alternativa na qual todos os ele-
mentos apresentam para um mesmo grafema mais de
uma possibilidade de fone.

a) t, b, m, l, s;

b) s, c, x, d, p;

c) f, v, g, t, l;

d) s, g, m, r, c;

e) x, g, s, r, l.

5) Os articuladores ativo e passivo do segmento indicado


a seguir são identificados corretamente em: [b].

a) articulador ativo: corpo da língua, articulador passi-


vo – alvéolos;

b) articular ativo: lábio inferior, articulador passivo – lá-


bio superior;

c) articulador ativo: língua, articulador passivo – al-


véolos;

d) articulador ativo :lábio inferior e véu palatino, articu-


lador passivo – lábio superior;

e) articulador ativo: parte posterior da língua, articula-


dor passivo – parte medial do palato duro.
76    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Gabarito
1) d  2) e  3) b  4) e  5) a

Sites úteis

Para baixar a tabela do IPA: http://www.langsci.ucl.ac.uk/


ipa/fullchart.html

Site com exercícios, exemplos, definições, animações e


áudio da realização dos segmentos: http://fonologia.org

Site da Associação Internacional de fonética: http://www.


langsci.ucl.ac.uk/ipa/index.html

Site para copiar as fontes do IPA para um processador de


texto: http://westonruter.github.io/ipa-chart/keyboard/
Jane Sirlei Kuck Konrad1

Capítulo 4

Segmento Vocálico

1  Professora adjunta do curso de Letras (ULBRA).


78    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Introdução

Neste capítulo, em “Segmentos vocálicos”, o enfoque cen-


traliza-se no estudo da articulação dos segmentos vocáli-
cos. Em seguida, são discutidas algumas das propriedades
articulatórias secundárias desses segmentos. Por último,
faz-se um estudo do ditongo que é geralmente tratado
como uma sequência de segmentos.

1 Segmentos vocálicos

Ao se deparar com diferentes línguas você já deve ter per-


cebido que todas elas possuem vogais e consoantes.

Experimente pronunciar as vogais a e i o u. Você não


precisou de muito esforço. Se você fizer o mesmo exercício
com consoantes terá de fazer um esforço maior, depen-
dendo do caso, juntar os dois lábios, encostar a língua ou
parte da língua nos dentes ou no céu da boca etc.

Na Língua Portuguesa, o segmento vocálico ou a pro-


dução dos sons vocálicos não passa por nenhum processo
de interrupção ou fricção, flui livremente. Segundo Mussa-
lim e Bentes

Os articuladores orais encontram-se de tal modo


abertos que a corrente de ar, ao passar centralmen-
te pela cavidade oral, não encontrando obstáculos,
não produz fricção. As vogais são sempre pronun-
ciadas com a ponta da língua abaixada e com a su-
Capítulo 4   Segmento Vocálico   79

perfície da língua em forma convexa. (MUSSALIM e


BENTES(orgs), 2006, p.127)

Nas figuras a seguir, retiradas da obra de Mussalin e


Bentes, é possível perceber como essa articulação dos
segmentos vocálicos acontece.

Esquema da configuração da língua


para a articulação das vogais [ i ], [ a ],
[ u ]. Dada a configuração côncava
da abóbada palatina, o ponto mais
alto da curva da superfície da língua
formará o lugar de maior constrição
na cavidade oral, e definirá os sons
em função da altura articulatória, na
vertical, e do lugar na horizontal.
--------[ i ] _____ [ a ].......... [ u ]

Figura 1  Configurações da superfície medial da língua obtida


por meio de raio x durante a articulação das vogais [ i ], [ a ], [ u ]
(MUSSALIM e BENTES(orgs), 2006, p.127).

O movimento do corpo da língua


para a produção dos sons vocálicos
se restringe a uma certa área do trato
vocal, representada por um trapézio,
na figura ao lado. Além dos limites
dessa área, os sons não se
caracterizam mais como vogais.

Figura 2   Representação esquemática da área vocálica. Mussalin


e Bentes (MUSSALIM e BENTES(orgs), 2006, p. 128).
80    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Esquema da configuração
da língua para a articulação
das vogais [ i ], [ a ], [ u ]. Dada
a configuração côncava da
abóbada palatina, o ponto mais
alto da curva da superfície da
língua formará o lugar de maior
constrição na cavidade oral, e
definirá os sons em função da
altura articulatória, na vertical,
e do lugar na horizontal.

  --------[ i ] _____ [ a ].......... [ u ]


Figura 3   Graus de estreitamento dos articuladores dentro da
cavidade oral (MUSSALIM e BENTES(orgs), 2006, p. 128)

ÂÂDimensões da articulação

Em relação aos sons e sua articulação, costuma-se fa-


zer uma classificação, observando os movimentos da lín-
gua nos eixos vertical e horizontal, adotando os seguintes
critérios:

1. Altura da língua

2. Anterioridade / Posterioridade da língua

3. Arredondamento dos lábios

4. Nasalidade / Oralidade

Dimensão vertical – altura da língua: No que diz res-


peito à altura quatro níveis costumam ser considerados:
alta, média-alta, média baixa, baixa. Se você ler ou pesqui-
sar em autores diferentes vai se deparar também com al-
guns que fazem essa classificação em termos de abertura
e fechamento da boca. Neste caso a classificação adotada
é: fechada, meio-fechada, meio-aberta, aberta.
Capítulo 4   Segmento Vocálico   81

Em relação à altura da língua quando se pronuncia os


diferentes segmentos vocálicos é possível perceber essa
diferença ao fazer alguns exercícios. Importante: pense
sempre numa sequência:

1. Vogais [i] e [a]:

Alta Média alta Média baixa Baixa


i a

2. Vogais [e] e [a]:

Alta Média alta Média baixa Baixa


e a

3. Vogais [e] e [ε]:

Alta Média alta Média baixa Baixa


e ε

4. Vogais [o] e [ɔ]

Alta Média alta Média baixa Baixa


o ɔ

5. Vogais [i; e; ε; a]

Alta Média alta Média baixa Baixa


i e ε a
82    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

6. Vogais [u; o; ɔ; a]:

Alta Média alta Média baixa Baixa


u o ɔ a

Dimensão horizontal – Assim como há a dimensão da


altura da língua ao se pronunciar os segmentos vocálicos,
também se faz a mesma observação quanto à posição do
corpo da língua na dimensão horizontal. Temos, assim,
uma parte localizada na frente da cavidade bucal, outra na
parte final e uma central, que pode ser assim resumida:

ÂÂAnterior – localizada na frente da cavidade bucal.

ÂÂPosterior – localizada na parte final da cavidade bu-


cal.

ÂÂCentral – localizada entre a parte final e inicial da ca-


vidade bucal.

Dessa forma, se pronunciarmos em sequência algumas


vogais, conforme o quadro a seguir, será possível observar
a posição da língua durante a articulação.

1. Vogais [i] e [u]:

Anterior Central Posterior


i u

2. Vogais [e] e [o]

Anterior Central Posterior


e o
Capítulo 4   Segmento Vocálico   83

3. Vogais [ε] e [ɔ]

Anterior Central Posterior


ε ɔ

4. Vogais [i, e, ε, a, ɔ, o, u]:

Anterior Central Posterior


ieε a ɔou

Arredondamento dos lábios – Além das dimensões


vertical e horizontal, já demonstradas acima, ao se fazer a
articulação de um segmento vocálico também se observa
o movimento dos lábios, que podem estar estendidos ou
arredondados. Observe o quadro a seguir para entender
melhor.

1. Vogais [i, e, ε, a, ɔ, o, u]:

Arredondadas Não arredondadas


ɔou ieεa

Na tabela a seguir temos um exemplo que mostra a po-


sição a ser assumida pelos lábios em relação aos graus de
altura que a língua assume na pronúncia dos sons vocáli-
cos.
84    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Lábios estendi- Lábios arredonda-


dos dos

Alta

Média-alta

Média-baixa

Baixa

Figura 4   Relação entre o arredondamento ou não dos


lábios e altura da língua na articulação dos segmentos vocálicos
(CRISTÓFARO-SILVA, 2005, p. 68).

A Associação Internacional de Fonética adota o uso de


símbolos para transcrição dos segmentos vocálicos. Para
entender os símbolos é importante observar, segundo Cris-
tófaro-Silva (2005, p. 69)

A vogal [ Ɯ ] difere-se da vogal [u] somente quanto ao


arredondamento dos lábios. Temos então que [ Ɯ ]
é um [ u ] produzido com os lábios estendidos. Da
mesma maneira a vogal [ y ] difere-se da vogal [ i ]
somente quanto ao arredondamento dos lábios (que
são arredondados em [ y ]. Temos então que [ y ] é um
[ i ] produzido com os lábios arredondados.
Capítulo 4   Segmento Vocálico   85

anterior central posterior

arred não arred arred não arred arred não arred

alta y i u i u

média-alta e o

média-baixa ε

baixa a

Figura 5   Classificação das vogais quanto ao arredondamento dos


lábios, anterioridade/posterioridade e altura (SILVA,2005, p. 69)

2 Articulações secundárias

Além das articulações principais, apresentadas acima,


ainda se faz uma outra divisão, que Cristófaro-Silva (apud
ACROMBIE E CAGLIARI, 1998) divide em: duração, des-
vozeamento, nasalização e tensão.

Duração – A duração de um segmento sempre deve


ser considerada levando-se em conta outros segmentos,
por isso costuma ser definida como uma medida relativa
entre os segmentos.

Um exemplo de fator a ser considerado é o acento tôni-


co, pois influencia na duração de uma vogal.

Assim as vogais acentuadas tendem a ser mais lon-


gas. Se este for o caso na língua a ser descrita, pode-
86    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

-se assumir que a duração é causada pelo acento e


não em oposição a outras vogais do sistema daquela
língua. Em algumas línguas é extremamente impor-
tante. Ex: Inglês – “to leave” – sair [li:] e “to live” [liv]
–viver. Em português este não é o caso, embora as
vogais acentuadas sejam percebidas como mais lon-
gas em relação as vogais não acentuadas. (CRISTÓ-
FARO-SILVA apud ACROMBIE E CAGLIARI, 1998)

Desvozeamento – a vibração das cordas vocais acon-


tece durante a produção dos segmentos vocálicos, o que
é chamado de vozeamento. Mas pode acontecer o que se
chama de desvozeamento, quando as cordas vocais não
vibram durante a produção da vogal. Segundo Cristófaro-
-Silva (2005, P.71), em português, o desvozeamento de
segmentos vocálicos geralmente ocorre em vogais não
acentuadas em final de palavra.

Ao pronunciar as palavras mata, pote, sapo é possível


identificar o desvozeamento dos segmentos vocálicos no
final das palavras.

Nasalização – também pode acontecer que durante a


articulação de um segmento vocálico parte do ar seja expe-
lido pelas narinas. Isso ocorre por causa do abaixamento
do véu palatino. O resultado é a produção de um som vo-
cálico nasalizado. Para marcar a nasalidade utiliza-se o til
[ ~ ], usado acima da do segmento vocálico, marca da na-
salidade. Exemplo: [ã] caracteriza o segmento [a], quando
nasalizado.
Capítulo 4   Segmento Vocálico   87

Ainda é preciso lembrar, segundo Silva, que a nasali-


dade e a altura da língua na articulação das vogais estão
intimamente relacionadas. Para uma vogal que é articulada
com a língua em posição elevada – como i ou u – ser na-
salizada, é necessário apenas um pequeno abaixamento
do véu palatino permitindo então o acesso do fluxo de ar
à cavidade nasal. a configuração do trato vocal é portanto
bastante semelhante durante a produção das vogais i e u
orais e das vogais i e u nasais.

Tensão – Alguns segmentos vocálicos exigem um maior


esforço muscular. Por isso são chamados de segmentos
tensos, enquanto outros exigem menor esforço, chamados
por isso segmentos frouxos.

Segmentos tensos estão em oposição a segmentos


frouxos. Segundo Cristófaro-Silva,

Um segmento tenso é produzido com maior esforço


muscular do que um segmento frouxo, o segmento
frouxo ocorre no português brasileiro em vogais áto-
nas finais. Ex; patu,safari. As vogais altas frouxas
(átonas e postônicas) em “patu, safari” podem ser
contratadas como vogais altas e tensas.

3 Os ditongos

O ditongo pode ser definido como uma sequência de seg-


mentos vocálicos. Nas palavras mais, meu, qual, por
exemplo, isso fica fácil de perceber.
88    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

A descrição de Mussalim e Bentes a respeito do assunto


elucida bem como ocorre o processo na hora da pronúncia.

Do ponto de vista estritamente fonético, os ditongos


são vogais que mudam de qualidade durante sua
produção. Em geral, as vogais mantêm, durante um
certo tempo, uma qualidade constante, com variações
em geral pouco perceptíveis em seu início e final. No
caso dos ditongos, a articulação parte de um ponto
dentro da área vocálica e se dirige a outro. Nesse mo-
vimento, a vogal vai variando, assumindo a qualidade
vocálica dos lugares dos lugares por onde passa. Isso
pode ser detectado por meio de aparelhos especiais.
No entanto, o ouvido humano ouve de forma saliente
apenas as qualidades vocálicas do início e do final
desse movimento – ou, se houver, também do ponto
em que o movimento de direção. É por essa razão
que os ditongos são representados na transcrição fo-
nética por dígrafos e os tritongos por trígrafos, nos
quais aparecem os símbolos dos valores mais salien-
tes da percepção dessas articulações. (MUSSALIM e
BENTES(orgs), 2006)

É importante lembrar que no ditongo os dois segmen-


tos vocálicos ocupam uma mesma sílaba. Peguemos como
exemplo, a palavra mais. Acontece um movimento contí-
nuo da língua. Quando há ditongo define-se um dos seg-
mentos como sendo o núcleo (vogal) e ou outro é chamado
de semivogal ou, segundo Cristófaro-Silva,
Capítulo 4   Segmento Vocálico   89

ditongos são geralmente tratados como uma sequên-


cia de segmentos. Um dos segmentos da sequência
é interpretado como vogal e o outro é interpretado
como “semivocoide, semicontoide, semivogal, vogal
assilábica” ou de “glide”. (2005, p. 73)

Os ditongos são classificados em crescentes e decres-


centes. No ditongo decrescente temos a sequência vogal-
-glide. No ditongo crescente acontece justamente o contrá-
rio – uma sequência de glide-vogal. Veja alguns exemplos:

Sobre os exemplos acima é importante que se façam


algumas observações:

1º) Colocamos o símbolo [ ̭ ] abaixo do glide para marcar


a assilabicidade.

2º) Na Língua Portuguesa usamos os símbolos [ ɪ̭ ] e [ʊ̭ ]


para caracterizar o glide nos ditongos e são denominadas
vogais frouxas. Segundo Cristófaro-Silva (2005, 74), tam-
bém é importante ressaltar que “As vogais [ɪ, ʊ] ocorrem
em português não somente como glides em ditongo, mas
ocorrem também como monotongos em posição átona final
em palavras com “safári” e “pato”. É necessário observar
que nas palavras “pato” e “safári”, que são transcritas desta
forma [safaɾɪ] e [ patʊ], não se usa o símbolo [ ̭ ] – ele é
usado apenas nos ditongos como na palavra “lei”: [leɪ̭].
90    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Recapitulando

Neste capítulo falamos sobre os segmentos vocálicos, so-


bre as articulações secundárias dos segmentos vocálicos
e sobre os ditongos. No próximo capítulo, você estudará a
fonologia que é a ciência que estuda os sons da língua do
ponto de vista de sua função no sistema de comunicação
linguística.

Referências

CALLOU, Dinah & LEITE, Yonne. Iniciação à Fonética e


à Fonologia. 11.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

CAVALIERE, Ricardo. Pontos Essenciais em Fonética e


Fonologia. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

MUSSALIM, Fernanda & BENTES, Anna Christina (orgs.).


6.ed. São Paulo: Cortez, 2006.

SILVA, T.C. Fonética e Fonologia do português. 9.ed.


São Paulo: Contexto, 2005.

Atividades

1) Assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as


afirmativas falsas:
Capítulo 4   Segmento Vocálico   91

I – As vogais são sempre pronunciadas com a ponta da


língua abaixada.

II – A produção dos sons vocálicos passa por diferentes


processos de interrupção.

III – A
 s vogais i e a são arredondadas.

a) Apenas a alternativa I é verdadeira.

b) São verdadeiras as três alternativas.

c) Apenas a alternativa III é verdadeira.

d) Apenas a alternativa II é verdadeira.

e) Somente as alternativas I e III são verdadeiras.

2) Leia as seguintes afirmativas e, após, diga se estão


corretas ou incorretas.

I – Em relação à altura da língua, apenas dois níveis


devem ser considerados: alta e baixa.

II – Ao pronunciarmos as vogais, nossos lábios sempre


ficarão estendidos.

III – V
 ogais acentuadas são sempre mais longas.

a) Apenas a alternativa III está correta.

b) Todas as alternativas estão corretas.

c) Apenas a alternativa I está correta.

d) Apenas as alternativas I e II estão corretas.

e) Apenas a alternativa II está correta.


92    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

3) Preencha corretamente as lacunas:

O__________________ de segmentos________________
geralmente ocorre em _____________ não acentua-
das_______________de palavra.

a) Vozeamento – consonanatais – consoantes – no


início.

b) Desvozeamento – vocálicos – vogais – em final

c) Desvozeamento – consonantais – vogais – no início

d) Vozeamento – vocálicos – vogais – no início

e) Desvozeamento – consonantais – consoantes – no


início

4) Diga se as alternativas a seguir são falsas ou verdadei-


ras:

I – Nunca poderá acontecer que durante a articulação


de um segmento vocálico parte do ar seja expelido
pelas narinas.

II – Certos segmentos vocálicos necessitam de um maior


esforço muscular. Por isso são chamados de segmen-
tos tensos.

III – S
 egmentos tensos e frouxos não se opõem.

a) F F F

b) V V V

c) F V F

d) V V F
Capítulo 4   Segmento Vocálico   93

e) F F V

5) Assinale a única alternativa correta:

a) No ditongo decrescente acontece a sequência gli-


de-vogal

b) No ditongo crescente acontece a sequência glide-


-vogal

c) Não há glide nos ditongos

d) No ditongo crescente acontece a sequência vogal-


-glide

e) É incorreto tratar os ditongos como uma sequência


de segmentos.

Gabarito:
1) a  2) a  3) b  4) c  5) b
Jane Sirlei Kuck Konrad1

Capítulo 5

Fonologia

1  Professora adjunta do curso de Letras (ULBRA).


Capítulo 5   Fonologia   95

Introdução

Como vimos no capítulo 1, na Linguística, há duas áreas


que se ocupam do estudo dos sons da língua: a fonética e
a fonologia. A fonética, em linhas gerais, preocupa-se em
descrever o som da fala. A fonologia, por sua vez, preocu-
pa-se em estudar os sons que têm função comunicativa
numa determinada língua. Neste capítulo, estudaremos a
fonologia.

Segundo Dubois:

Fonologia é a ciência que estuda os sons da língua


do ponto de vista de sua função no sistema de comu-
nicação linguística. Ela estuda os elementos fônicos
que distinguem, numa mesma língua, duas mensa-
gens de sentido diferente (a diferença fônica no início
das palavras do português bala e mala, a diferença de
posição do acento, no português, entre sábia, sabia e
sabiá, etc.), e aqueles que permitem reconhecer uma
mensagem igual através de realizações individuais di-
ferentes (voz diferente, pronúncia diferente, etc.). Nis-
to se diferencia da fonética, que estuda os elementos
fônicos independentemente de sua função comunica-
tiva. (DUBOIS, 1997, p. 284.)

Ter função comunicativa significa, então, que um som


tem aspectos que, diferindo dos aspectos de outros sons,
permitem que ele transmita uma mensagem. Na língua
portuguesa, por exemplo, dizemos que /d/ tem função co-
municativa porque o fato de ser sonoro o distingue de /t/,
96    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

resultando, por exemplo, uma palavra como 'dela', que


possui um significado diferente da palavra 'tela'. O fato de
/t/ ser alveolar o diferencia de /g/ e, dessa forma, uma pala-
vra como tato transmite uma informação distinta da palavra
gato.

Na próxima seção, vamos examinar rapidamente o con-


ceito de fonema.

1 Fonema

Os fonemas são sons que têm função comunicativa numa


língua, ou seja, eles promovem diferenças de sentido, se
permutados com outros fonemas. Conforme Dubois:

O fonema é a menor unidade destituída de sentido,


passível de delimitação na cadeia da fala. Cada lín-
gua apresenta, em seu código, um número limitado
e restrito de fonemas (de vinte a cinquenta, conforme
a língua) que se combinam sucessivamente, ao lon-
go da cadeia da fala, para constituir os significantes
das mensagens, e se opõem, segmentalmente, em
diferentes pontos da cadeia da fala, para distinguir as
mensagens umas das outras. Sendo esta sua função
essencial, o fonema é seguidamente definido como a
unidade distintiva mínima. (DUBOIS, 1997, p. 280.)

Podemos citar, ainda, como exemplo, na língua portu-


guesa, que /f/ e /v/ são fonemas porque pares de palavras
como [‘fa.ka] e [‘va.ka], [‘fi.ga] e [‘vi.ga], [‘fi.la] e [‘vi.la] nos
Capítulo 5   Fonologia   97

apontam que a troca de um fonema por outro acarreta mu-


dança de sentido na língua.

No entanto, nem todos os sons de uma língua são fo-


nemas, pois nem todos apresentam função comunicativa.
Quando isso ocorre, dizemos que esse som é uma varian-
te de algum fonema e o denominamos alofone. Na língua
portuguesa, podemos citar os pares [‘t i.a], [‘dʒi.a] ~ [‘ti.a],
[‘di.a] para exemplificar a ocorrência de alofones. Perce-
bemos que [t] e [t ] ocorrem na língua, do mesmo modo
que [d] e [dʒ]. Considerando a palavra 'tijolo', se comutar-
mos no contexto [t i´ʒolo] a consoante oclusiva alveolar [t]
pela consoante africada alveopalatal [t ], não teremos mu-
dança de significado. Dessa maneira, não podemos dizer
que [t] e [t ] sejam fonemas distintos; o mesmo se aplica
ao par [d] e [dʒ]. Afirmamos isso, porque a troca de um
pelo outro não altera o significado da palavra. Portanto, a
oposição entre [t] e [t ] é meramente fonética.

Dando continuidade aos nossos estudos, verificaremos


a necessidade de segmentar o fonema em seus aspectos
mínimos.

1.1 Fonema: segmentação


Como vimos, os fonemas constituem sons que têm função
comunicativa numa língua, ou seja, eles promovem dife-
renças de sentido, ao serem permutados por outros sons
([m]ola, [s]ola, [b]ola, [g]ola, [r]ola). Conforme citado em
Callou e Leite, os fonemas podem ser conceituados de vá-
rias formas, mas todos os teóricos os definem “como uma
98    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

entidade abstrata que se manifesta por meio de segmentos


fônicos” (CALLOU; LEITE, 2009, p. 42).

Ainda para essas autoras:

Bloomfield (1933) definiu o fonema como uma unida-


de mínima de traço fônico distintivo, indivisível. Foi o
conceito de fonema como elemento mínimo do siste-
ma da língua que permitiu à Linguística Moderna um
enorme avanço metodológico, pois lhe forneceu uma
unidade discreta, isto é, segmentável, de análise.
(CALLOU; LEITE, 2009, p. 36)

Os fonemas da Língua Portuguesa são classificados


em vocálicos e consonantais e, pela estrutura da Língua
Portuguesa, podem ser pronunciados de duas formas: iso-
ladamente, como é o caso das vogais − ou seja, não há
necessidade de uma consoante para que sejam pronuncia-
das, elas apresentam sentido por elas mesmas −, e acom-
panhadas por outro fonema, como é o caso das consoan-
tes – isto é, elas necessitam formar sílabas com as vogais
para serem pronunciadas. Vejamos o que nos esclarecem
Callou e Leite a respeito desse assunto: “temos que lem-
brar que, em nossa língua, as consoantes não constituem
centro de sílaba e aparecem sempre ao lado de uma vogal”
(CALLOU; LEITE, 2009, p. 70).

Como vimos nas palavras de Callou e Leite, as con-


soantes apresentam sentido e caráter distintivo quando
acompanhadas por uma vogal. Tomemos como exemplo
as seguintes palavras: [na]da, [ne]rvo, [ni]nho, [no], [nu]
vem. Vimos, então, que o fonema /n/ somente pode ser
Capítulo 5   Fonologia   99

pronunciado se estiver formando uma sílaba com uma vo-


gal.

Assim, veremos como os fonemas se agrupam para for-


mar palavras com significado.

1.2 O fonema e suas propriedades


Já sabemos que os fonemas são os elementos fônicos com
caráter distintivo. Em outras palavras, o fonema representa
um som que, em um determinado contexto, tem valor dis-
tintivo entre duas palavras ([n]inho, [p]inho; [ʒ]eito, [f]eito).
Conforme citado em Dubois:

Fonema é a menor unidade destituída de sentido,


passível de delimitação na cadeia da fala. Cada lín-
gua apresenta, em seu código, um número limitado e
restrito de fonemas que se combinam sucessivamen-
te, ao longo da cadeia da fala, para constituir os signi-
ficados das mensagens [...]. (DUBOIS, 1997, p. 280)

Para constituírem significados, os fonemas precisam


ser combinados, agrupados. E como ocorre essa combi-
nação? Para melhor entendermos, vejamos um exemplo
prático. Imaginemos várias pulseiras de pedras coloridas.
Estas podem ser constituídas de pedras de vários tama-
nhos e cores. A combinação será estritamente pessoal, de
acordo com o gosto e a proposta de quem vai usá-las. Ago-
ra, imaginemos somente as pedras coloridas isoladamen-
te. As pedras sozinhas não formam nada, somente passam
a “significar” na pulseira se estiverem unidas. Assim ocorre
com os fonemas: isolados, eles não detêm significado nem
100    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

caráter distintivo, o que só ocorre quando combinados com


outros fonemas. (MANOSSO, 2008a)

Por outro lado, combinando de qualquer maneira vá-


rios tipos de pedras e cores, no final, sempre teremos uma
pulseira. Já com os fonemas de nossa língua é diferente
(MANOSSO, 2008a). Não podemos combinar sem crité-
rios, há um limite para isso, como vimos na citação de Du-
bois. Se assim fizermos, não há garantia de que, no final
teremos uma palavra de nossa língua. Vejamos um exem-
plo: a combinação 'bdlk' não forma uma palavra em nossa
língua, porque, pela estrutura da língua portuguesa, toda
sílaba tem que apresentar uma vogal. Então, os fonemas
consonantais devem ser agrupados sempre com uma vo-
gal. Dessa forma, partindo dos segmentos citados 'bdlk',
podemos ter como resultado, por exemplo, a palavra 'ba-
dulaque', que é uma palavra em nossa língua. Isso ocorre
devido às características fonético-fonológicas particulares
de cada língua.

Os fonemas não podem ser combinados aleatoriamente,


porque assim produziríamos segmentos impronunciáveis
em nossa língua. Podemos perceber bem essa questão,
quando nos deparamos com uma língua que apresenta um
sistema fonológico bem diferente do nosso. Combinações
que na língua portuguesa são consideradas inaceitáveis
podem, em línguas diferentes, constituir significado. Pode-
mos citar como exemplo a língua alemã:

Weiterbeschaftigen − “ter como empregado”

Verschönern − “embelezar”
Capítulo 5   Fonologia   101

A dificuldade de pronunciarmos as palavras citadas


ocorre, porque a organização desses fonemas não é pos-
sível em língua portuguesa. A pronúncia de uma palavra
pertencente a outra língua será, muitas vezes, estranha e
até mesmo impronunciável para nós, brasileiros, como é o
caso das palavras relog (espanhol), through (inglês), vigou-
reux (francês) e verschönern (alemão),2 por pertencerem a
sistemas fonológicos distintos do nosso.

Diante dessas considerações, podemos afirmar que todo


idioma apresenta um sistema fonológico próprio, ou seja, o
que é fonológico em uma língua pode ser inaceitável em
outra. Tudo isso vem ao encontro das características indivi-
duais das línguas.

Para considerar as realizações fonéticas significativas,


é necessário que se faça um estudo das características
constitutivas isoladamente. Por isso, veremos a relação de
oposição entre os traços distintivos dos fonemas.

1.3 Traços distintivos: um recorte


Como vimos anteriormente, os fonemas são sons que
têm função comunicativa numa língua, ou seja, eles pro-
movem diferenças de sentido se permutados com outros
sons. Fonologicamente, conforme Callou e Leite, os traços
distintivos “referem-se a unidades mínimas contrastivas”
(CALLOU; LEITE, 2009, p. 38), ou seja, esses traços per-

2  As palavras e seus significados em português: relog (relógio), through (atra-


vés de), vigoureux (vigoroso), verschönern (embelezar).
102    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

mitem diferenciar as palavras. Vejamos um exemplo para


que fique claro. As consoantes [s], [z], [S], [ʒ], em língua
portuguesa, são distintivas em duas posições: na posição
intervocálica, isto é, entre vogais, e no início de palavra,
como pode ser visto nas palavras a seguir: a[s]eite (aceite),
a[z]eite (azeite); [s]ela (sela), [z]ela (zela); [ ]ato (chato), [ʒ]
ato (jato). O que as torna distintivas é que, ao serem tro-
cadas uma pela outra, formam palavras com sentidos dife-
rentes. Vejamos o que o dicionário de linguística de Dubois
diz sobre isso:

Essas características fônicas, chamadas de ‘traços


distintivos’ ou ‘pertinentes’, não se apresentam jamais
isoladas num ponto da cadeia da fala: elas se combi-
nam com outros traços fônicos que podem variar em
função de contexto, das condições de emissão, da
personalidade do locutor, etc., e que são denomina-
das de traços não distintivos. (CALLOU; LEITE, 2009,
p. 42)

Se analisarmos as consoantes /k/ e /g/, perceberemos


que elas compartilham ponto e modo de articulação, dado
que ambas são oclusivas e velares. A diferença entre elas
está na sonoridade: /k/ é surdo e /g/ é sonoro, ou seja, no
traço sonoro. A escolha entre dois opostos denomina tra-
ços distintivos, que são as unidades menores distintivas,
ou que possuem função comunicativa. Vários traços distin-
tivos combinam-se num feixe, conforme teoria de Jakobson
(JAKOBSON, 1973, p. 121-127), constituindo um fonema.
Podemos afirmar, a partir disso, que o fonema é um con-
Capítulo 5   Fonologia   103

junto de traços distintivos, ou um feixe de traços distintivos.


Conforme Callou e Leite:

Para Trubetskoy, o fonema passou a ter uma concei-


tuação funcional abstrata, a unidade mínima distintiva
do sistema de som, e é como uma unidade funcio-
nal que deve ser definido. O fonema é então a menor
unidade fonológica da língua. [...] Roman Jakobson
veio a ter um papel decisivo dentro dos estudos fo-
nológicos, contribuindo para reformular o conceito de
unidade mínima, indivisível, do fonema como unidade
não suscetível de dissociar-se em unidades inferiores
ou mais simples − os traços fônicos. Foi ele quem de-
finiu o fonema como um “feixe de traços distintivos,
com base na ideia de que o fonema era divisível em
unidades menores [...]. (CALLOU; LEITE, 2009, p. 36)

Como vimos, os traços distintivos são responsáveis


pela oposição entre os fonemas. Apenas um traço distinti-
vo é suficiente para que haja oposição entre dois elemen-
tos. Conforme Callou e Leite, “duas unidades são opostas
entre si quando possuem um traço ou traços comuns e um
diferente” (CALLOU; LEITE, 2009, p. 40)

Vejamos um exemplo: o traço velar é comum a /k/ e /g/,


porém o traço sonoro é distintivo. O traço dental é comum
a /d/ e /t/, e o traço nasal é distintivo em relação a /m/ e /n/.
Se considerarmos as consoantes /b/, /d/, /g/, /z/ e /v/, todas
apresentam como traço comum a sonoridade e como traço
distintivo o lugar da articulação. Vejamos: /b/ difere de /d/ e
de /g/ pelo traço bilabial e tem como traço comum a essas
duas outras consoantes o ponto de articulação: todas são
104    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

oclusivas. Entre /z/ e /v/ o traço comum se refere ao fato


de serem fricativas; porém, /z/ se distingue de /v/ pelo traço
distintivo alveolar.

Concluímos, então, que os traços distintivos referem-


-se a unidades mínimas contrastivas. Basta apenas um tra-
ço (sonoro, surdo, oclusivo, bilabial, nasal, palatal, dental,
entre outros) para que um fonema se oponha a outro. Os
traços devem abranger todos os contrates de que uma lín-
gua necessita, pois têm por objetivo diferenciar os fonemas
(como em [fala] e [kala], por exemplo).

Passemos agora à análise dos fonemas da língua por-


tuguesa.

2 Fonemas da Língua Portuguesa

O idioma português utiliza 33 fonemas, sendo 12 vogais,


19 consoantes e 2 semivogais. Esses fonemas estão re-
presentados no Quadro 1.

Quadro 1  Características dos fonemas em língua portuguesa


Vogais
1
Fonemas Características fonéticas Exemplos
a aberta, central, oral, não arredondada átomo, arte
semiaberta,central, oral, não arredon-
a pano, ramo, banho
dada
semiaberta,central, nasal,não arredon- antes, amplo,
ã
dada maçã, âmbito
Capítulo 5   Fonologia   105

semiaberta, frontal, oral, não arredon-


ɛ métrica, peça
dada
semifechada, frontal, oral, não arredon-
e medo, pêssego
dada
semifechada, frontal, nasal, não arredon- sempre, centro,

dada também
ɔ semiaberta, posterior, oral, arredondada ótima, ora
semifechada, posterior, oral, arredon-
o rolha, avô
dada
semifechada, posterior, nasal, arredon-
õ ombro, ontem
dada
i fechada, frontal, oral, não arredondada item, silvícola
simples, símbolo,
ĩ fechada, frontal, nasal, não arredondada
tinta
u fechada, posterior, oral, arredondada uva, útero
ũ fechada, posterior, nasal, arredondada algum, nunca

Consoantes
Fone-
Características fonéticas Exemplos
mas
m nasal, sonora, bilabial marca
n nasal, sonora, alveolar nervo
ɲ nasal, sonora, palatal arranhado
b oral, oclusiva, bilabial, sonora barco
p oral, oclusiva, bilabial, surda pato
d oral, oclusiva, linguodental, sonora data
t oral, oclusiva, linguodental, surda telha
g oral, oclusiva, velar, sonora gato
k oral, oclusiva, velar, surda carro, quanto
106    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

v oral, fricativa, labiodental, sonora vento


f oral, fricativa, labiodental, surda farelo
z oral, fricativa, alveolar, sonora zero, casa, exalar
seta, cebola, espesso,
s oral, fricativa, alveolar, surda
excesso, açúcar
j oral, fricativa, pós-alveolar, sonora gelo, jarro
x oral, fricativa, pós-alveolar, surda xarope, chuva
r oral, vibrante, sonora, uvular rato, carroça
ɾ oral, vibrante, sonora, alveolar variação
oral, lateral aproximante, sonora,
ʎ cavalheiro
palatal
oral, lateral aproximante sonora,
l luz
alveolar

Semivogais

Fonemas Características Exemplos


fonéticas

y oral, palatal, sonora uivo, mãe, área, têm,


também, vivem

w oral, velar, sonora automático, móvel, pão,


frequente, falam

Recapitulando

Neste capítulo, tratamos da fonologia. Como vimos ante-


riormente, a fonologia preocupa-se em estudar os sons
que têm função comunicativa numa determinada língua.
Capítulo 5   Fonologia   107

Conceituamos fonema como um som que tem função co-


municativa em uma língua, ou seja, ele promove diferen-
ças de sentido, se permutado com outros sons. Sobre os
fonemas estudamos: segmentação, propriedades e traços
distintivos. Por fim, apresentamos os fonemas vocálicos e
consonantais da Língua Portuguesa.

Referências

CALLOU, D.; LEITE, Y. Iniciação à fonética e à fonolo-


gia. 11.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

CRISTÓFARO-SILVA, Thaís. Fonética e Fonologia do


Português: Roteiro de Estudos e Guia de Exercícios.
8. ed. São Paulo: Contexto,. 2005.

DUBOIS, J. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix,


1997.

JAKOBSON, R. N. Linguistics in relation to other scien-


ces. Tradução de José Cândido. Lisboa: Livraria Ber-
trand, 1973.

MANOSSO, R. Fonética. Fonema. Disponível em: <http://


www.radames.manosso.nom.br/gramatica/fonema.
htm>. Acesso em: 9/10/2013a.

_____. Fonética. Fonemas da língua portuguesa. Dispo-


nível em: <http://www.radames.manosso.nom.br/gra-
matica/fonemas.htm>. Acesso em: 9/10/2013b.
108    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

_____. Fonética. Vogais da língua portuguesa brasileira.


Disponível em: <http://www.radames.manosso.nom.br/
gramatica/vogais.htm>. Acesso em: 9/10 /2013c.

Atividades

1) Leia as seguintes afirmativas:

I – Fonologia é a ciência que estuda os sons da língua


do ponto de vista de sua função no sistema de comu-
nicação linguística.

II – Na Língua Portuguesa, por exemplo, dizemos que


/d/ tem função comunicativa porque o fato de ser so-
noro o distingue de /t/, resultando uma palavra como
'dela', que possui um significado diferente de uma
palavra como 'tela'.

III – O fonema é a maior unidade destituída de sentido,


passível de delimitação na cadeia da fala. Cada lín-
gua apresenta, em seu código, um número limitado
e restrito de fonemas.

a) (  ) A afirmativa I é falsa.

b) (  ) As afirmativas I e II são falsas.

c) (  ) Todas as afirmativas são falsas.

d) (  ) Todas as afirmativas são verdadeiras.

e) (  ) As afirmativas I e II são verdadeiras.


Capítulo 5   Fonologia   109

2) Idem ao exercício anterior:

I – /f/ e /v/ não são fonemas porque pares de palavras


como [‘fa.ka] e [‘va.ka], [‘fi.ga] e [‘vi.ga] e [‘fi.la] e [‘vi.
la] nos apontam que a troca de um fonema por outro
não acarreta mudança de sentido na língua.

II – Nem todos os sons de uma língua são fonemas,


pois nem todos apresentam função comunicativa.

III – Todos os sons de uma língua são fonemas, pois


nem todos apresentam função comunicativa.

a) (  ) A afirmativa I é verdadeira.

b) (  ) Apenas a afirmativa II é verdadeira.

c) (  ) Apenas a afirmativa II é falsa.

d) (  )Apenas a afirmativa III é falsa.

e) (  ) Nenhuma afirmativa é verdadeira.

3) Considerando os pares de palavras belo/pelo, tela/


dela, vala/fala, podemos afirmar que:

I – /b/ e /p/, /t/ e /d/, /v/ e /f/ são fonemas em Língua


Portuguesa porque são as letras de nosso alfabeto;

II – /b/ e /p/, /t/ e /d/, /v/ e /f/ são fonemas em Língua


Portuguesa porque, ao serem trocados, mudam o
significado da palavra;

III – /b/ e /p/, /t/ e /d/, /v/ e /f/ não são fonemas em Língua
Portuguesa porque são as letras de nosso alfabeto;
110    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

IV – /b/ e /p/, /t/ e /d/, /v/ e /f/ não são fonemas em Língua
Portuguesa porque, ao serem trocados, mudam o
significado da palavra.

a) (  )Todas as alternativas estão corretas.

b) (  ) Nenhuma alternativa está correta.

c) (  ) Apenas a alternativa II está correta.

d) (  ) Apenas a alternativa II está incorreta.

e) (  ) Apenas a alternativa IV está correta.

4) As características fonéticas dos fonemas sublinhados


nas palavras a seguir são respectivamente:

molha – bolha

a) (  ) semiaberta, posterior, oral, arredondada e semi-


fechada, posterior, oral, arredondada

b) ( ) aberta, central, oral, não arredondada e


semiaberta,central, oral, não arredondada

c) ( ) semiaberta, central, oral, não arredondada e


aberta, central, oral, não arredondada

d) (  ) semifechada, posterior, oral, arredondada e se-


miaberta, posterior, oral, arredondada

e) (  ) semiaberta, frontal, oral, não arredondada e se-


mifechada, frontal, oral, não arredondada
Capítulo 5   Fonologia   111

5) Considere as seguintes afirmativas. Marque (V) para


as afirmativas verdadeiras e (F) para as falsas?

I – Nem todo idioma apresenta um sistema fonológico


próprio.

II – O que é fonológico em uma língua pode ser inacei-


tável em outra.

III – Cada língua possui um número ilimitado de fone-


mas.

a) (  ) F F F

b) (  ) V V V

c) (  ) F V F

d) (  )V F V

e) (  )F V V

Gabarito:
1) e  2) b  3) c  4) a  5) c
Daisy Batista Pail1

Capítulo 6

Sistema Consonantal e
Vocálico

1  Professora adjunta do curso de Letras (ULBRA), doutoranda em Linguística


(PUCRS).
Capítulo 6   Sistema Consonantal e Vocálico   113

Introdução

Nesse capítulo estudaremos o sistema vocálico e conso-


nantal fonológico da Língua Portuguesa. Até então, estu-
damos o que é fonética e fonologia; como elas se distin-
guem; os tipos de fonética, especialmente a articulatória;
as consoantes; as vogais. Estas, porém, foram vistas de
acordo com a fonética. Como visto, esta estuda a realiza-
ção dos fonemas, incluindo a variação linguística natural
às línguas naturais. Contudo, o que nos permite identificar
que se trata de uma mesma palavra apesar da variação
linguística existente? Na visão defendida pelo gerativismo
temos uma capacidade inata para aquisição de uma lín-
gua. Nessa aquisição interiorizamos o sistema de uma lín-
gua, sintático, morfológico e fonológico. Nossa observação
e análise permite-nos perceber a variação e mesmo assim
identificar algo mais abstrato, próprio do nosso idioma.

Além de tratarmos dos segmentos consonantais e vo-


cálicos que integram nosso sistema fonológico, também
veremos conceitos e fenômenos importantes. O capítulo
está dividido em quatro seções. Na primeira seção, estu-
daremos o sistema consonantal da língua portuguesa. Na
segunda seção, o sistema vocálico. Na penúltima seção
estudaremos os pares mínimos e sons foneticamente se-
melhantes. Por fim, faremos a recapitulação do visto, se-
guido de exercícios.
114    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

1 Sistema consonantal brasileiro

Na abordagem fonológica, a variação não mais aparece


na transcrição, trata-se de uma generalização, na qual são
incluídos apenas os traços distintivos. Veremos esse traço
ao final desse capítulo. Entretanto, essa abordagem por
traços surge da proposta gerativa para fonologia, enquanto
iniciaremos pela abordagem estruturalista. Segundo Mat-
toso Câmera Jr. (2005), nosso sistema consonantal é com-
posto de 19 segmentos em posição intervocálica, apresen-
tados na Tabela 1.

Tabela 1  Consoantes em posição intervocálica


Fonema Exemplo Observação
p Tapa → /ˈtapa/
b Taba → /ˈtaba/
t Mata → /ˈmata/
d Cada → /ˈkada/
k Maca → /ˈmaka/
g Mago → /ˈmaɡu/ Ocorre tanto em posição inicial de palavra quanto
f Café → /ˈkafɛ/ intervocálica.
v Cavo → /ˈkavu/
s Missa → /ˈmisa/
z Casa → /ˈkaza/
ʃ Acha → /ˈtaʃa/
ʒ Aja → /ˈaʒa/
Ocorre tanto em posição inicial de palavra quanto
intervocálica e em final de sílaba apenas quando o segmento
m Lama → /ˈlama/
seguinte for bilabial. Entretanto, nessa posição final será
marcado como /N/.
Ocorre tanto em posição inicial de palavra quanto
intervocálica. Também ocorre em final de sílaba quando o
n Cano → /ˈkanu/
segmento seguinte for dental, alveolar e pós-alveolar. Nessa
posição final também será marcado como /N/.
Só ocorre em posição intervocálica. As palavras em que
ɲ ninho → /ˈniɲu/ surgem no início da palavra são de origem estrangeira,
como, por exemplo, ‘nhoque’.
Capítulo 6   Sistema Consonantal e Vocálico   115

Ocorre tanto em posição inicial de palavra quanto


l Ala → /ˈala/ intervocálica. Apesar de em posição final de sílaba ocorrer
com variação, sua representação continua como /l/.
Só ocorre em posição intervocálica. As palavras em que
ʎ Alho → /ˈaʎu/ surgem no início da palavra são de origem estrangeira,
como, por exemplo, ‘lhama’.
Ocorre tanto em posição inicial de palavra quanto
r Carro → /ˈkaru/
intervocálica.
Só ocorre em posição intervocálica, como segundo segmento
ɾ Caro → /ˈkaɾu/
em encontro consonantal e em final de sílaba.

Conforme o estudado até aqui, a variação é própria das


línguas e podemos perceber isso. Essa diferença na re-
alização de um fonema é chamada de alofone. Confor-
me Câmara Jr. (2009), isso, contudo, “não substitui uma
forma da língua por outra.” Se alguém disser [ˈmɛl], [ˈmɛʊ̯]
ou [ˈmɛɫ], ainda assim continuará sendo interpretado por
falante nativo como /ˈmɛl/, como o mesmo vocábulo.

Essa alofonia pode ser dependente do ambiente fonéti-


co em que o segmento se encontra ou independente dele.
Quando dependente de contexto, a variação é motivada e
recebe o nome de assimilação. É o que ocorre, por exem-
plo, com o /s/ em posição final de sílaba que acabará assu-
mindo a sonoridade do segmento seguinte. Consideremos,
por exemplo, [ˈpastɐ] e [ˈxazɡʊ], no primeiro temos a sibilan-
te seguida de segmento surdo, enquanto no segundo, so-
noro. Entretanto, também pode ocorrer uma sibilante pós-
-alveolar que também assumirá a sonoridade do segmento
seguinte. Devido a essa motivação por trás da sonoridade
e neutralização entre alveolar e pós-alveolar, assume-se o
nome de arquifonema. Isso, pois, os traços daqueles qua-
tros segmentos foram neutralizados em favor “de um único
116    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

traço distintivo: a fricção produzida pela língua” (CÂMERA


JR., 2009, p. 52). Também será arquifonema, a nasaliza-
ção das vogais, ou seja, quando /n/ se encontra em final de
sílaba, representado como /N/.3Na posição final de sílaba
temos quatro consoantes, mostradas na Tabela 2.

Tabela 2  Consoantes em posição final de sílaba

No estudo de sílaba, nós a dividimos em rima e onset.


Nem toda sílaba terá on-
Padrões silábicos
set, mas todas terão
rima, pois é nesta que A língua portuguesa apresenta
nove tipos de sílaba:
se encontra o núcleo
(constituído pela vogal). • V – é;
• CV – fé;
Quando há uma ou duas
• VC – ar;
consoantes após a vo- • CVC – par;
gal, temos a coda. • VCC – instante;
• CCV – prefeito;
Quando, porém, há con-
• CCVC – prestígio;
soantes antes do nú- • CVCC – perspectiva;
cleo, estas se encon- • CCVCC – claustro, trans-
porte.
tram no onset, também
Capítulo 6   Sistema Consonantal e Vocálico   117

chamado de ataque. Dos padrões de sílaba do português,


seis apresentam onset ou ataque e seis, rima com coda.
Com esse conhecimento, daremos prosseguimento ao
nosso estudo do sistema consonantal.

Como segundo membro consonantal no ataque, temos


apenas duas consoantes, chamadas também de líquidas,
/ɾ, l/: /ˈpɾatu/, /ˈplanu/. Já como primeiro membro da coda,
temos apenas /ɾ, n, y, w/.

Ao longo dos capítulos, você deve ter notado o uso do


termo traço, como quando, por exemplo, estudamos as vo-
gais. Essa noção de traços está presente no modelo gera-
tivo e no autossegmental. Segundo Monaretto, Quednau e
Hora (2005, p.212),

as unidades básicas para representações fonológicas


têm sido concebidas, desde Trubetzkoy e Jakobson
até a teoria gerativa, em termo de traços, que são
membros de um conjunto de categorias que formam
os sons da fala ou os segmentos fonológicos da lín-
gua.

Enquanto no gerativismo, esses traços são tratados li-


nearmente, na fonologia autossegmental são vistos como
independentes, “dispostos em camadas superordenadas”
(Monaretto, Quednau e Hora, 2005, p.212). A se-
guir, apresentamos o quadro (Tabela 3) das consoantes de
acordo com o primeiro modelo, a fim de ilustração.
118    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Tabela 3  Matriz fonológica


p b t d k g f v s z ∫ ʒ l ʎ r ɾ m n ɲ

consonantal + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

silábico - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

soante - - - - - - - - - - - - + + + + + + +

contínuo - - - - - - + + + + + + + + - + + + +

nasal - - - - - - - - - - - - - - - - + + +

lateral - - - - - - - - - - - - + + - - - - -

anterior + + + + - - - - + + + + + - - + + + -

coronal - - + + - - - - + + + + + + + + - + +

alto - - - - + + - - - - + + - + - - - - +

recuado - - - - + + - - - - - - - - - - - - -

vozeado - + - + - + - + - + - + + + + + + + +

tenso + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Essa matriz proposta por Chomsky e Halle (1968) é


composta de traços distintivos, em que a presença (+) ou
ausência (-) de um traço nos permite estabelecer um de-
terminado segmento. Na Tabela 4 a seguir, é explicado
cada um desses traços. Alguns, contudo, não foram usa-
dos na matriz acima, mas serão na seção sobre vogais.
Já o traço soltura retardada (metástase retardada) está
presente da realização das africadas.
Capítulo 6   Sistema Consonantal e Vocálico   119

Tabela 4  Traços distintivos


Um som é [+consonantal] quando é produzido com uma
obstrução significativa na região médio-sagital do trato
consonantal
vocal. Um som é [-consonantal], quando é produzido sem tal
obstrução.
Um som é [+silábico] quando constitui o núcleo de uma
silábico
sílaba. Um som é [-silábico] quando não ocupa esta posição.
Um som é [+soante] quando é produzido com a configuração
da aparelho fonador de maneira que seja possível o
soante
vozeamento espontâneo. Um som é [-soante] quando o
vozeamento espontâneo não é possível.
Um som é [+contínuo] quando a constrição principal do trato
vocal permite a passagem do ar durante todo o período de
contínuo sua produção. Um som é [-contínuo] quando durante a sua
produção ocorre o bloqueio da passagem da corrente de ar
no trato vocal.
Um som é [+soltura retardada] quando é produzido com uma
obstrução no trato vocal bloqueando a passagem da corrente
soltura
de ar seguida pelo escape desta corrente de ar provocando
retardada
turbulência. Um som é [-soltura retardada] quando não ocorre
este fenômeno.
Um som é [+nasal] quando é produzido com o abaixamento
do véu palatino permitindo o escape de ar através do nariz.
nasal
Um som é [-nasal] quando é produzido sem o abaixamento
do véu palatino.
Um som é [+lateral] quando durante a sua produção o ar
lateral escapa lateralmente. Um som é [-lateral] quando o ar não
escapa lateralmente.
120    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Um som é [+anterior] quando é produzido com uma


obstrução localizada na parte anterior à região alveopalatal.
anterior
Um som é [-anterior] quando é produzido sem uma obstrução
deste tipo.
Um som é [+coronal] quando é produzido com o
levantamento da lâmina da língua a um ponto superior a
coronal
posição neutra. Um som é [-coronal] quando a lâmina da
língua permanece na posição neutra.
Um som é [+alto] quando é produzido com o levantamento do
corpo da língua a uma posição acima daquela verificada na
alto
posição neutra. Um som é [-alto] quando é produzido sem tal
levantamento.
Um som é [+recuado] quando é produzido com a retração
recuado da língua da posição neutra. Um som é [-recuado] quando é
produzido sem tal retração.
Um som é [+arredondado] quando é produzido com uma
arredondado aproximação do orifício labial. Um som é [-arredondado]
quando é produzido sem tal aproximação.
Um som é [+baixo] quando é produzido com o abaixamento
do corpo da língua a uma posição abaixo daquela verificada
baixo
na posição neutra. Um som é [-baixo] quando é produzido
sem este abaixamento.
Um som é [+vozeado] quando durante a sua produção as
vozeado cordas vocais permanecem vibrando. Um som é [-vozeado]
quando não ocorre tal vibração.
Um som é [+tenso] quando é produzido com um gesto exato
tenso e preciso que envolve considerável esforço muscular. Um
som é [-tenso] quando é produzido rápida e indistintamente.
Fonte: CRISTÓFARO-SILVA, 2009, p. 193-194
Capítulo 6   Sistema Consonantal e Vocálico   121

2 Sistema vocálico brasileiro

Segundo Callou e Leite (2012), “no português do Brasil


existem sete fonemas vocálicos, depreendidos em sílaba
tônica – contexto em que há maior estabilidade articulatória
encontrando-se em oposição (...)”.

Exemplos:

S[a]ca

S[e]co

S[ɛ]co

S[i]so

S[o]co

S[ɔ]co

S[u]co

A partir dessa posição tônica temos o seguinte triângu-


lo, proposto por Câmara Jr. (2009), na Tabela 5.

Tabela 5  Vogais em posição tônica


anteriores central posteriores
altas i u
médias e o (2º grau)
médias ɛ ɔ (1º grau)
baixa a
não arredondadas arredondadas
122    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

A vogal /a/ é apresentada como central por não se apre-


sentar em par de oposição como as demais. As vogais mé-
dias de primeiro grau e a baixa também são chamadas de
abertas. Enquanto as médias de segundo grau são também
denominadas fechadas. Apesar desse quadro, é preciso ter
em mente que quando há um seguimento nasal que afeta
a realização da vogal, esse número diminui para cinco seg-
mentos, ficando de fora as médias de primeiro grau.

“Em posição átona não final, mais especificamente, em


posição pretônica, desaparece a oposição entre [e] / [ε] e
[o] / [ɔ] e o sistema reduz-se a cinco vogais(...)”, conforme
Callou e Leite (2012), considerando-se as regiões sul e su-
deste.
Tabela 6  Vogais em posição pretônica
i u
e o
a

Já em posição postônica não final, desaparece a distin-


ção entre o [o] e [u] e na região sul (e, conforme Camara
Jr. – 2009-, também no Rio de Janeiro), também, entre [e]
e [i]. O quadro das vogais passa a ter quatro segmentos,
sendo que no Sul diminui para três.
Tabela 7  Vogais postônicas não finais
i u
(e)
a

E, por último, na posição postônica final, esse quadro


reduz-se a três segmentos, sumindo a distinção entre [i] /
[e] e [o] / [u].
Capítulo 6   Sistema Consonantal e Vocálico   123

Tabela 8  Vogais postônica final

i u
a

Ao dizermos que foi perdida a distinção entre segmen-


tos, temos neutralização. Isto significa que certos traços
deixaram de ser distintivos, como é o caso da altura, os tra-
ços alto e baixo (presentes na matriz fonológica). A neutra-
lização não é motivada, ao contrário da assimilação. Assim
quando ocorre o alçamento da vogal média alta (segundo
grau) devido à presença de vogal alta na sílaba seguinte,
temos a assimilação desse traço [+alto].

menino → [mi’ninu]

bonito → [bu’nitu]

Nesses exemplos, a vogal média alta assimilou a altura


das vogais altas na sílaba subsequente. No entanto, em
alguns casos não há nenhum elemento que justifique fo-
neticamente uma certa realização, como, por exemplo, ce-
bola → [si’bola]. Nesse exemplo, não há uma vogal alta na
sílaba subsequente. Quando isso ocorre, há o fenômeno,
denominado por Leda Bisol, como alçamento sem moti-
vação aparente.

Como você deve ter notado, não foram mencionadas até


agora as vogais nasais. Em língua portuguesa não temos
vogais nasais, isto é, elas não constituem fonemas em nos-
so sistema. Sua ocorrência, contudo, se deve a presença
do arquifonema /N/, cuja nasalidade é assimilada pela vo-
124    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

gal. Com isso, sempre que houver nasalidade, ela é resulta-


do da presença de segmento nasal. Observe os exemplos:

Canela → /kaˈnɛla/

Cama → /ˈkama/

Onda → /ˈoNda/

Maçã → /maˈsaN/

Pão → /ˈpaNw/

Campo → /ˈkaNpu/

A nasalização não ocorre em todos os elementos dessa


lista. O primeiro vocábulo não é nasalizado. Já o segundo
sofre a nasalização em algumas regiões, como a região
sul, mas apenas por ser sílaba tônica. Os demais vocábu-
los são nasalizados por segmento nasal presente, como
em ‘onda’ e ‘campo’, ou por segmento flutuante, como em
‘maçã’ e ‘pão’. Nesses dois últimos, o segmento nasal caiu
na escrita, mas se manteve no nível fonológico.

Além dessas vogais, temos também duas semivogais,


vistas aqui como consoantes: /y, w/. Por exemplo, ameixa
→ /aˈmeyʃa/, outro → /ˈowtɾu/.

3 Determinação de fonemas

Um processo comum para determinação de fonemas é a


comutação. Esse processo consiste na troca de determi-
nado segmento para se verificar se houve ou não alguma
Capítulo 6   Sistema Consonantal e Vocálico   125

alteração. De acordo com Cristófaro-Silva (2009, p.126), “o


procedimento habitual de identificação de fonemas é bus-
car duas palavras com significados diferentes cuja cadeia
sonora seja idêntica”. Quando fazemos isso, temos os cha-
mados pares mínimos, caracterizados por contraste de
ambiente idêntico.

Exemplos:

s[a]ca

s[e]co

s[ε]co

No entanto, podem ocorrer segmentos que não ocor-


rem em certo contexto ou que pares mínimos não são en-
contrados para um grupo de sons.

Exemplos:

s[a]ca

s[e]co

s[ε]co

s[i]so

O último segmento [i] não pôde ser determinado em


contraste de ambiente idêntico, por isso, utilizamos con-
traste em ambiente análogo.

Como o objetivo primeiro da fonologia e da fonética é a


identificação de sons que constituem a fala, “basta que encon-
tremos pares mínimos para sons foneticamente semelhan-
126    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

tes” (CRISTÓFARO-SILVA, 2009, p.128). Serão considerados


sons foneticamente semelhantes aqueles que compartilharem
uma ou mais propriedades fonéticas.2 Ao encontrarmos um
par desse tipo, ele será chamado par suspeito.

Sons foneticamente semelhantes


a. um som vozeado e seu correspondente desvozeado.
b. uma oclusiva e as fricativas e africadas com ponto de articulação
idêntico ou muito próximo.
c. as fricativas com ponto de articulação muito próximo.
d. as nasais entre si.
e. as laterais entre si.
f. as vibrantes entre si.
g. as laterais, vibrantes e o tepe.
h. sons com propriedades articulatórias muito próximas.
i. as vogais que se distinguem por apenas uma propriedade
articulatória. Assim, [e, ε] constituem um par suspeito porque estas
vogais diferem apenas quanto a uma propriedade articulatória
(referente à altura). Por outro lado, [i, u] não representam
pares suspeitos uma vez que esses segmentos diferem
quanto à anteriorização/posteriorização e arredondamento/não
arredondamento.

Fonte: CRISTÓFARO-SILVA, 2009, p.128

2  Os sons que compõem esse grupo são considerados na fonologia uma clas-
se natural.
Capítulo 6   Sistema Consonantal e Vocálico   127

Recapitulando

Neste capítulo, nós estudamos os sistemas consonantais e


vocálicos do português do ponto de vista fonológico. Como
vimos, a descrição fonológica não focará a variação, pois
busca a representação de um sistema abstrato. Apesar
disso, podemos explicar muitos fenômenos fonético-fono-
lógicos a partir de uma teoria fonológica, como, por exem-
plo, com os modelos gerativistas e autossegmental. Para
aqueles que tiverem interesse nesse tipo de estudo, acon-
selhamos a consulta do trabalho de Callou e Leite (2012)
e Bisol (2005).

Ao estudarmos esses dois sistemas, também explora-


mos outros conceitos de suma importância, como alofonia,
assimilação, neutralização, alçamento sem motivação apa-
rente e arquifonema. Além disso, também pudemos veri-
ficar a matriz fonológica, em consonância com o modelo
gerativista (também conhecido como um modelo linear).

Referências

CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Iniciação à Fonética e à


Fonologia. 11. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2012 [Kindle
edition].

CRISTÓFARO-SILVA, Thaïs. Fonética e Fonologia do


Português: roteiro de estudos e guia de exercícios.
9.ed. São Paulo: Contexto, 2009.
128    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

CAMARA Jr. Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Por-


tuguesa. 37.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

CHOMSKY, Noam; HALLE, Morris. The sound pattern of


English. New York: Harper and Row, 1968.

MONARETTO, Valéria N. O.; QUEDNAU, Laura Rosane;


HORA, Dermeval da. As consoantes do português. In
BISOL, Leda, Introdução a Estudos de Fonologia do
Português Brasileiro. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2005.
P. 11-81.

Atividades

1) O sistema fonológico do português não aceita certos


encontros consonantais, ou em termos próprios à área
fonológica, nem todos os segmentos consonantais do
português podem formar um sílaba complexa. Dos
exemplos a seguir qual não é aceito pelo sistema fono-
lógico do português brasileiro, ou seja, apresenta uma
sílaba que foge ao padrão ou que necessariamente
passaria por adaptação?

a) fralda

b) berço

c) Vladimir

d) cisco

e) Pedro
Capítulo 6   Sistema Consonantal e Vocálico   129

2) Marque a alternativa equivalente à opção da imagem


quanto ao segmento consonantal que não integra o
conjunto de fonemas consonantais do português brasi-
leiro.

a) ʋ, f, ʃ, l, n;

b) ɾ, r, ʒ, g, m;

c) ʎ, b, t, s, z;

d) p, v, ɲ, d, b;

e) nenhuma das alternativas.

3) Marque a alternativa que apresenta um par suspeito de


sons foneticamente semelhantes:

a) k – m;

b) u – i;

c) t – l;

d) s – z;

e) a – o.

4) Indique qual processo fonológico se tem presente na


representação a seguir:

Vogais átonas não finais

/i/ /u/
/a/

a) Palatalizão
130    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

b) Lateralização

c) Assimilação

d) Vocalização

e) Neutralização

5) Considerando a matriz fonológica, indique dentro dos


colchetes quais traços os segmentos a seguir apresen-
tam.

Gabarito:
1) c  2) a  3) d  4) e
Capítulo 6   Sistema Consonantal e Vocálico   131

Sites úteis

Para baixar a tabela do IPA: http://www.langsci.ucl.ac.uk/


ipa/fullchart.html

Site com exercícios, exemplos, definições, animações e


áudio da realização dos segmentos: http://fonologia.org

Site da Associação Internacional de Fonética: http://www.


langsci.ucl.ac.uk/ipa/index.html

Site para copiar as fontes do IPA para um processador de


texto: http://westonruter.github.io/ipa-chart/keyboard/
Jane Sirlei Kuck Konrad1

Capítulo 7

Sílaba, Encontros
Vocálicos e
Consonantais,
Dígrafos e Divisão
Silábica

1  Professora adjunta do curso de Letras (ULBRA).


Capítulo 7    Sílaba, Encontros Vocálicos e Consonantais...    133

Introdução

Neste capítulo, em “Sílaba – uma introdução”, o enfoque


centraliza-se nas diferentes definições de sílaba. Em se-
guida, falamos da sua estrutura e do acento tônico – que
é a maior intensidade de voz no fonema vocálico de uma
sílaba. São caracterizados também os encontros vocáli-
cos: ditongos, tritongos e hiatos. Em “Dígrafos e encontros
consonantais” contemplam-se todas as alternativas de ar-
ranjos a junções de consoantes, consoantes e vogais, bem
como todas as possibilidades de divisões silábicas que
constituem as palavras em português.

1 Sílaba: uma introdução

A sílaba, como unidade fonética maior que um fonema e


menor que uma palavra de uma determinada língua, ca-
racteriza seu sistema fonológico em função dos padrões
possíveis de estruturação. Esses padrões garantem que a
sílaba seja pronunciável numa língua, mas não necessaria-
mente em outra.

Para formarem sílabas, não basta que os fonemas se-


jam agrupados de forma aleatória; há um determinado nú-
mero de arranjos possíveis próprios de cada língua que
permite aos falantes reconhecerem certas sequências de
fonemas como integrantes de uma palavra na sua língua.
Por isso, devemos estudar a sílaba como uma unidade lin-
134    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

guística, como portadora de informação e também como


constituinte prosódico.

Vejamos como o conhecimento dos padrões silábicos


da língua possibilita que se processe a informação e via-
biliza o acesso lexical. Como a distribuição dos fonemas
vocálicos em português pode se dar seja com o seu agru-
pamento em uma única sílaba, seja com a constituição do
núcleo de uma sílaba isoladamente, podemos estabelecer
a diferença entre as palavras 'doido' e 'doído'. Na primeira,
ocorrem duas sílabas: doi-do; na segunda, três: do-í-do. O
modo como a sequência de fonemas vocálicos e conso-
nantais se organiza em sílabas determina a formação de
palavras diferentes.

O conhecimento dos padrões silábicos numa língua,


quer dizer, das possibilidades de distribuição de grupos de
fonemas vocálicos e consonantais, é um fator muito impor-
tante para garantir o processamento da informação. É, ao
mesmo tempo, etapa do percurso de escolarização e do
desenvolvimento cognitivo.

Chamamos de sílaba a emissão de um som, ou con-


junto de sons, realizada num único impulso de voz, num
único movimento expiratório do aparelho fonador. As pala-
vras podem ser classificadas tomando-se como parâmetro
o número de sílabas que contêm e a tonicidade que estas
apresentam. Recorremos ao conceito associado de fone-
ma para definir a sílaba. Todo fonema pertence a uma sí-
laba, e toda sílaba tem um fonema vocálico como núcleo.
Capítulo 7    Sílaba, Encontros Vocálicos e Consonantais...    135

A sílaba também pode ser entendida como a unidade


de organização rítmica da fala. Demonstramos ter consci-
ência da sílaba na nossa língua quando, intencionalmen-
te, reduzimos a velocidade da fala e segmentamos nossas
palavras em parcelas que podem ser pronunciadas uma
de cada vez. Eventualmente, ao telefone, para nos asse-
gurarmos da clareza e, às vezes, para sermos enfáticos,
pronunciamos as palavras sílaba por sílaba, de modo ca-
denciado. Por exem­plo: “Cui-da-do!”

Segmentamos o exemplo acima em três parcelas, em


três batidas, por assim dizer, em três sílabas. O número
de sílabas dos vocábulos permite que os classifiquemos
nas seguintes categorias: monossílabo, com uma sílaba;
dissílabo, com duas; trissílabo, com três; polissílabo, com
quatro ou mais sílabas. Cuidado é, portanto, trissílaba.

1.1 Estrutura da sílaba


Uma vez que cada sílaba se estrutura em torno de um fo-
nema vocálico que lhe serve de núcleo, podemos afirmar
que o número de fonemas vocálicos de uma palavra indica
o seu número de sílabas. Assim, temos que:

a. Monossílabos: têm uma única sílaba, apenas um


fonema vocálico, como em pó, lá, rei;

b. Dissílabos: têm duas sílabas e dois fonemas vocá-


licos ao todo, como em da-do, sa-co, pei-xe;

c. Trissílabos: têm três sílabas, três fonemas vocáli-


cos ao todo, como em sa-pa-to, ca-me-lo, pe-ru-ca;
136    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

d. Polissílabos: contam com quatro ou mais fonemas


vocálicos, como em re-tân-gu-lo, ga-ve-ti-nha, con-
-for-tá-vel.

1.2 Acento tônico


Acento tônico é a maior intensidade de voz no fonema vo-
cálico de uma sílaba. Não devemos confundir acento tônico
com acento gráfico, sendo este último um sinal de escrita.
As sílabas são classificadas em tônicas e átonas conforme
a incidência do acento tônico ou a ausência deste.

Em se tratando de palavras com mais de uma sílaba,


são pretônicas as sílabas átonas que ocorrem antes da tô-
nica e pós-tônicas as que seguem a tônica. Essa distribui-
ção do acento tônico nas sílabas confere ritmo e musicali-
dade à língua.

ca –  der– no

átona/  tônica  /átona

pretônica      pós-tônica

Observa-se, ainda, uma intensidade silábica intermediá-


ria, além das que caracterizam as sílabas tônicas e átonas.
Em palavras formadas por sufixação e prefixação, ocorre
a sílaba subtônica. Geralmente a sílaba tônica da palavra
primitiva passa a subtônica na palavra derivada.

Acompanhe o exemplo:

ho – tel ho – tel – zi – nho


Capítulo 7    Sílaba, Encontros Vocálicos e Consonantais...    137

átona tônica átona subtônica tônica átona

Conforme a posição da sílaba com acento tônico, clas-


sificam-se as palavras em:

a. Oxítonas: com a última sílaba tônica, não necessa-


riamente com acento tônico, como em olá, papel,
candomblé, urubu;

b. Paroxítonas: com a penúltima sílaba tônica, como


em roda, fácil, camisa, movimento;

c. Proparoxítonas: com acento tônico na antepenúlti-


ma sílaba, como em tráfego, parêntese, lógica, só-
lido. Todas recebem acento gráfico.

2 Encontros vocálicos: ditongos,


tritongos e hiatos

Quando há uma sequência de fonemas vocálicos numa pa-


lavra, seja numa mesma sílaba, seja em sílabas diferentes,
dizemos que ocorre um encontro vocálico. São três os ti-
pos de encontros vocálicos em português: ditongo, tritongo
e hiato.

Para melhor distinguirmos esses três tipos de encontros


vocálicos, vamos precisar retomar as noções de fonema
vocálico e fonema semivocálico. Ambos se constituem em
fonemas vocálicos, quer dizer, são produzidos sem que a
corrente pulmonar encontre obstáculos à sua saída no tra-
jeto pelo aparelho fonador. O fonema vocálico que recebe
138    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

maior intensidade na pronúncia é o que serve de núcleo


para a sílaba, isto é, em torno dele é que os demais fone-
mas pronunciados no mesmo impulso de voz se apoiam
para serem discriminados como unidades mínimas. Esse
fonema central é considerado vocálico, e o que nele se
apoia é classificado como semivocálico.

Vejamos alguns exemplos:

louro: na primeira sílaba, o acento recai sobre o fonema


vogal / o / e, portanto, o fonema seguinte / w / é pro-
nunciado com intensidade menor, sendo considerado
semivocálico.

bairro: o fonema vocálico / a / é o de maior intensidade na


sílaba e o fonema vocálico / j / adjacente é semivocálico.

Em ambos os casos, há uma sequência de dois fone-


mas vocálicos, o que caracteriza o encontro chamado di-
tongo.

2.1 Ditongo
De acordo com a posição e a sonoridade dos fonemas vo-
cálicos numa mesma sílaba, classificam-se os ditongos
em:

a. Crescentes: quando a semivogal antecede a vogal;


a intensidade cresce do fonema semivocálico para
o vocálico, como em cá-rie, fé-rias, lí-rio.
Capítulo 7    Sílaba, Encontros Vocálicos e Consonantais...    139

b. Decrescentes: quando o fonema vocálico antece-


de o semivocálico; a intensidade decresce da vogal
para a semivogal, como em lei-to, cau-le, noi-te.

c. Orais: quando a corrente de ar é liberada apenas


pela cavidade bucal, como em lei, á-gua; cou-ro.

d. Nasais: quando a corrente de ar se distribui pelas


cavidades bucal e nasal, como em mui-to, ve-rão,
ca-lam, cin-co.

2.2 Tritongo
Ocorre um tritongo quando existem três fonemas vocálicos
numa mesma sílaba: semivogal, vogal e semivogal. Assim
como os ditongos, os tritongos podem ser orais ou nasais.
Observe alguns exemplos:

Pa-ra-guai, a-ve-ri-guei – uai e uei são tritongos orais.

sa-guão, en-xá-guem – uão e uei são tritongos nasais.

2.3 Hiato
Quando dois fonemas vogais são pronunciados em sequ-
ência, mas em sílabas separadas, dizemos que o encontro
vocálico forma um hiato. Vale lembrar que a cada fonema
vogal corresponde uma sílaba. Quer dizer, quando existe a
sequência de dois fonemas vogais numa palavra, estamos
diante de um hiato, cada vogal na sua sílaba. São exem-
plos de hiatos:

raiz (ra-iz), poema (po-e-ma) e saída (sa-í-da)


140    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

3 Dígrafos

Observe que, no texto de Fernandes e Araújo (FERNAN-


DES; ARAÚJO, 2006, p.41) a seguir, as palavras são cons-
tituídas de várias estruturas silábicas, representadas pe-
las seguintes possibilidades de arranjos e combinações
entre consoantes e vogais:

“O cangaço alterou o sentido de muitas palavras usa-


das no cotidiano do sertão.”

C+V

C+V+C+C+V+V

V+C+C+V+C+V+V

S E R T Ã OALT E R O U PALAV RAS

cvccvvvccvcvvcvcvccvc

M U I T A S   C O T I D I A N O   N O

c v v c v c    c v c v c v v c v    cv

Nas palavras destacadas, cada som é representado por


uma letra. Há situações, porém, em que duas letras são
usadas para representar um só som. Quando isso ocorre,
dá-se o nome a esse agrupamento de dígrafo. Observe,
a partir do texto de Fernandes e Araújo (FERNANDES;
Capítulo 7    Sílaba, Encontros Vocálicos e Consonantais...    141

ARAÚJO, 2006, p.41), sublinhado por nós, como isso se


dá na prática:

O cangaço é uma galáxia à parte no universo do ser-


tão. Suas particularidades o enraizaram no imaginá-
rio. Apesar dos problemas socioeconômicos gerados
pelo fenômeno in loco da época em que surgiu, o can-
gaceirismo virou um produto mul­tifatorial, sustentado
por condições específicas, causadoras de um pro-
cesso individualíssimo e bem-definido que se refletiu
na maneira de o sertanejo se comunicar com novas
palavras e significados inseridos no vocabulário do
nordestino comum.

Pela análise das estruturas destacadas no texto, pode-


mos classificar os dígrafos em duas categorias:

a. Dígrafos consonantais: quando a junção das letras


se dá apenas com duas consoantes ou com con-
soante e vogal oral, como em:

qu – que

ss – processo, individualíssimo

Outras junções possíveis:

ch – chaleira lh – milho nh – ninho


rr – carreta sc – descer sç – nasça
xc – excesso gu – guerra qu – quilo
142    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

No entanto, vale lembrar que:

a. As junções qu e gu são consideradas dígrafos so-


mente quando o 'u' não for pronunciado e for usado
antes de 'e' e de 'i'.

Exemplos:

aquele guerreiro aquilo

b. As junções 'em' e 'am' em final de palavra não são


consideradas dígrafos porque, foneticamente, re-
presentam dois fonemas, formando um ditongo na-
sal.

Exemplos:

falam querem deixam lavem

4 Encontros consonantais

Leia o seguinte texto extraído da Revista da Língua Por-


tuguesa (REVISTA DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2006, p.
22):

Palavras que fazem carnaval – controvérsias sobre


as raízes da festa levou à confusão sobre as origens
do termo – Alegria coletiva, folia organizada, caricatu-
ra da seriedade dominante. No rótulo carnaval, cabe
mais de uma farra. É um tipo de festa, mas não só. É
um tipo muito específico de alegria. É algo mais. Não
Capítulo 7    Sílaba, Encontros Vocálicos e Consonantais...    143

só uma libertação de hábitos temporária. Nem exclu-


sividade brasileira. [grifo nosso]

No texto lido, encontramos algumas consoantes subli-


nhadas que representam as possibilidades mais comuns
de encontros consonantais na estrutura silábica do portu­
guês brasileiro:

controvérsia – CC + V festa – V + CC + V
organizada – V + CC + V libertação – V + CC + V
carnaval – V + CC + V exclusividade – V + CCC + V

ÂÂObserve que o encontro de três consoantes na mes-


ma palavra não é muito comum em língua portugue-
sa.

ÂÂSaiba, também, que o maior encontro consonantal


em ocorrência na língua portuguesa se dá na pala-
vra:

FELDSPATO

CCCC

É importante que você saiba também que os encontros


consonantais podem ocorrer na mesma sílaba ou em sí-
labas diferentes. Veja a seguir alguns exemplos dos dois
casos:

ÂÂNa mesma sílaba:

brasileira controvérsia sobre palavra alegria


144    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Outras possibilidades:

bl – bloco gl – glamour tr – trancar


cl – claro mn – mnemonia cr – crise
cz – czarina pl – plateia pr – prático
dr – dragão ps – psicologia fl – flâmula
tl – atlas

ÂÂEm sílabas diferentes:

con-tro-vér-sia

fes-ta

car-na-val

al-go

ex-clu-si-vi-da-de

ter-mo

or-ga-ni-za-da

li-ber-ta-ção

Outras possibilidades:

bd – ab-di-ca-do dv – ad-vér-bio
bl – sub-lo-car ft – naf-ta-li-na
bn – ab-ne-ga-do gn – dig-ni-da-de
bt – ob-tu-so ls – fal-si-da-de
cç – sec-ção pt – ap-to
Capítulo 7    Sílaba, Encontros Vocálicos e Consonantais...    145

ct – ca-rac-te-res tm – rit-mo
dm – ad-mi-nis-trar tn – et-ni-a

5 Divisão silábica

São várias as normas que determinam a divisão silábica


e todas têm como parâmetro a pronúncia das palavras. É
necessário, igualmente, que você atente para algumas si-
tuações particulares que ocorrem na escritura de frases ou
textos e que devem ser observadas unicamente visando à
estética de tais enunciados.

Para iniciar esta nova seção, tomaremos por base as


palavras contidas no texto de Versignassi (VERSIGNASSI,
2006,p.75) que segue:

Mercado de esposas – quando a poligamia reinava,


mulher custava caro – veja como essa atividade eco-
nômica nasceu. A moça está com um problema. O
marido comprou um monte de mulheres e ficou en-
dividado até o pescoço. Pior: ela mesma tinha sido
vendida para ele, só que a prazo. E agora o homem
não consegue quitar as parcelas. Se ele não conse-
guir pagar o que falta para o pai dela, vai ter de de-
volver a garota. E a coitada vai voltar para o merca-
do como um produto de segunda mão: “Ai, ai. Só um
velho seboso vai querer me comprar...”, choraminga.
Mas o marido não se faz de rogado: pega e dá a irmã
dele como pagamento da dívida. E todos vivem feli-
146    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

zes para sempre. Principalmente o sogro. Agora que


ele ganhou uma mulher tinindo de nova, pode garantir
a aposentadoria vendendo as filhas que fizer com ela.
Com o dinheiro, ainda vai ter como comprar esposas
para seus filhos homens e, quem sabe, virar um gran-
de patriarca, com mais netos que um coelho [...].

Como você leu, é bastante curiosa a forma de dividir o


prejuízo na sociedade focalizada no texto. Curiosa também
é a forma como dividimos as sílabas das palavras.

Antes de estudar as normas de divisão silábica, vale


uma observação importante: ao dividir as sílabas de uma
palavra, o princípio básico é a soletração ou pronúncia des-
sa palavra. Assim:

mo-ça se-bo-so pa-ra a-té a-go-ra fe-li-zes ma-ri-do

Agora, vamos dividir as palavras contidas no texto, se-


guindo as normas apresentadas a seguir.

O que se separa em uma palavra:

a. as vogais dos hiatos:

pa-tri-ar-ca

a-po-sen-ta-do-ri-a

pi-or

co-e-lho

b. os encontros consonantais em sílabas diferentes:

es-tá
Capítulo 7    Sílaba, Encontros Vocálicos e Consonantais...    147

pes-co-ço

prin-ci-pal-men-te

mes-ma

de-vol-ver

mer-ca-do

fal-ta

par-ce-las

c. as consoantes dos dígrafos rr, ss, sc, sç, xs:

nas-ceu

pes-co-co

ter-ra

nas-ça

ex-ce-to

pos-so

O que não se separa em uma palavra:

a. as consoantes que compõem os dígrafos ch, nh, lh:

mu-lher ti-nha co-e-lho fi-lhas ga-ú-cho

b. Os ditongos e os tritongos:

rei-na-va nas-ceu di-nhei-ro vai

coi-ta-da sa-guão U-ru-guai pai


148    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

c. os encontros consonantais formados de consoante


+ r e de consoante + l:

pro-ble-ma pra-zo

pro-du-to pa-tri-ar-ca

com-prar so-gra

Outras divisões possíveis:

a. as consoantes l e o r dos encontros consonantais bl


e br:

sub-lo-ca-ção ab-rup-ta-men-te sub-li-nhar

b. Ficam na sílaba anterior as consoantes não segui-


das de vogal:

subs-tan-ti-vo felds-pa-to

c. devem ser separados os prefixos ex-, bis-, cis-,


trans-:

bi- sa – vô

ci- san – di – no

tran- sa – tlân – ti – co
Capítulo 7    Sílaba, Encontros Vocálicos e Consonantais...    149

Referências

CUNHA, C.; CINTRA, L. Nova gramática do português


contemporâneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2001.

MESQUITA, R. Gramática da língua portuguesa. São


Paulo: Saraiva, 2002.

FERNANDES, Leandro C.; ARAÚJO, Antonio A.C. de. Re-


vista da Língua Portuguesa. Ano I, n.6, 2006.

VERSIGNASSI, Alexandre. Revista Superinteressante.


225. ed. São Paulo: Abril, 2006.

PERINI, Mário A. Gramática do português brasileiro.


São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

Atividades

1) Observe as sequências de palavras de uma mesma fa-


mília e a seguir classifique as sílabas de acordo com a
distribuição do acento tônico. Siga os exemplos:

leal: le, átona; al, tônica

lealdade: le, átona; al, subtônica; da, tônica; de, átona

desleal: des, átona; le, subtônica; al, tônica

a) corpo –

b) corporal –
150    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

c) incorporar –

d) benéfico –

e) benefício –

f) beneficiado –

g) belo –

h) beleza –

i) embelezar –

2) Nos grupos de palavras a seguir, identifique e classi-


fique os encontros vocálicos. Depois, classifique tam-
bém seus componentes. Siga os exemplos:

queira – ei: ditongo oral decrescente – vogal + semivo-


gal

queria – ia: hiato – vogal + vogal

quieto – ie: hiato – vogal + vogal

quaisquer – uai: tritongo oral – semivogal + vogal + se-


mivogal

a) viela –

b) veia –

c) vianda –

d) doido –

e) doído –
Capítulo 7    Sílaba, Encontros Vocálicos e Consonantais...    151

f) hediondo –

g) quão –

h) rincão –

i) iguais –

3) Sabendo que são raros os tritongos em língua portu-


guesa, não é difícil completar as sentenças a seguir
utilizando apenas vocábulos que apresentem esse
curioso encontro vocálico. Revise o conceito, procu-
re exemplos nas gramáticas de referência e resolva o
exercício:

a) Na zona de fronteira entre Brasil e________________e


Brasil e________________ há zonas francas de co-
mércio.

b) Aqueles irmãos poderiam ser gêmeos. Eles são


praticamente________________!

c) Nesta agência de viagem se encontra informação


sobre________________os melhores pacotes de ve-
rão no Nordeste brasileiro.

d) É cada vez mais difícil apontar um dentre os membros


daquele grupo que ainda não ________________.
Todos já se envolveram em atividades ilícitas.

e) Meu cabelo está rebelde, pois não o


________________ com o creme condicionador ade-
quado.
152    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

f) Qualquer hotel cinco estrelas oferece ambientes


amplos com belíssimos ________________ de en-
trada.

g) Por favor, traga-me notícias, ________________ que


sejam.

h) Conforme você me solicitou, ________________ as


referências apresentadas por seu candidato à vaga
de segu­rança. Fique tranquilo, elas são confiáveis.

4) Identifique os dígrafos presentes no texto de Rizzo


(2003, p. 1. 22) a seguir e transcreva-os para as colu-
nas.

Já garantimos ao menos um vice-campeonato na Copa


do Mundo de 2006, na Alemanha. Graças à inédita par-
ticipação de Angola, que eliminou a favorita Nigéria nas
eliminatórias africanas, os países classificados que têm
o português como idioma oficial somam aproximada-
mente 205,9 milhões de habitantes. O acrés­cimo da
população angolana (cerca de 13,9 milhões) foi o bas-
tante para ultrapassar os países de idioma espanhol
presentes na Copa, que totalizam por volta de 202,7
milhões. Idioma extraoficial do planeta, o inglês ocupa
o primeiro lugar do ranking, com larga vantagem sobre
o português.
Capítulo 7    Sílaba, Encontros Vocálicos e Consonantais...    153

Dígrafos consonantais

5) Com base no texto de Costa (2006, p. 39) a seguir, re-


solva as questões I e II, assinalando a única alternativa
correta.

 ma boa imagem para ilustrar a distinção entre tema e


U
assunto é a da prateleira e a estante. O tema é uma das
prateleiras da estante assunto. Fugir ao tema é como
escorregar de uma prateleira para outra. Sem, contudo,
sair da estante. Saber a diferença entre os dois con-
ceitos é muito importante, tanto para o estudante que
faz uma prova de redação quanto para o professor que
propõe e corrige.

Atente para a sequência de palavras:

ilustrar imagem assunto prateleira


154    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

I – Os elementos destacados são respectivamente:

a) encontro consonantal, encontro consonantal, dígra-


fo, dígrafo.

b) dígrafo, encontro consonantal, dígrafo, encontro


consonantal.

c) encontro consonantal, dígrafo, dígrafo, encontro


consonantal.

d) dígrafo, dígrafo, encontro consonantal, encontro


consonantal.

II – Que alternativa apresenta divisão silábica correta?

a) di-fe-ren-ça, contu-do, con-ce-i-tos, es-tu-dan-te,


pro -fes-sor

b) dife-ren-ça, con-tu-do, con-cei-to, estu-dan-te, pro-


-fe-ssor

c) di-fe-ren-ça, contu-do, concei-to, es-tu-dan-te, pro-


fe-sso-r

d) di-fe-ren-ça, con-tu-do, con-cei-to, es-tu-dan-te,


pro-fes-sor

Gabarito:
1)

a.) corpo – tônica, átona

b.) corporal – átona, subtônica, tônica


Capítulo 7    Sílaba, Encontros Vocálicos e Consonantais...    155

c.) incorporar – átona, átona, subtônica, tônica

d.) Benéfico – subtônica, tônica, átona, átona

e.) Benefício – átona, subtônica, tônica, átona

f) Beneficiado – átona, átona, átona, subtônica, tôni-


ca, átona

g.) Belo – tônica, átona

h.) Beleza – subtônica, tônica, átona

i.) Embelezar – átona, átona, subtônica, tônica

2)

a.) viela – ie: hiato – vogal + vogal

b.) veia – ei: ditongo oral decrescente – vogal + semivo-


gal

c.) vianda – ia: hiato – vogal + vogal

d.) doido – oi: ditongo oral decrescente – vogal + semi-


vogal

e.) doído – oi: hiato – vogal + vogal

f.) hediondo – io: hiato – vogal + vogal

g.) quão – uão: tritongo nasal – semivogal+ vogal + se-


mivogal

h.) rincão – ão: ditongo nasal decrescente – vogal +


semivogal

i.) iguais – uai: tritongo – semivogal + vogal + semivogal


156    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

3)
a) Paraguai/Uruguai

b) iguais

c) quais

d) delinquiu

e) enxaguei

f) saguões

g) quaisquer

h) averiguei

4)

Dígrafos consonantais
nh – Alemanha
ss – classificados
gu – português
lh – milhões
sc – acréscimo
ss – ultrapassar
nh – espanhol

5)

I) c

II) d
Daisy Batista Pail1

Capítulo 8

Acentuação

1  Professora adjunta do curso de Letras (ULBRA), doutoranda em Linguística


(PUCRS).
158    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Introdução

Nos capítulos anteriores, você estudou fonética articulató-


ria e fones, fonologia e fonema, sílaba, encontros vocáli-
cos, dígrafos, encontros consonantais. Até aqui, não foi tão
difícil, concorda?

Neste capítulo, analisaremos questões referentes à


acentuação tônica, à prosódia e a ortoépia/ortoepia. A fi-
nalidade desse estudo é ajudá-lo a saber identificar a ocor-
rência de maior intensidade de voz ao pronunciarmos um
vocábulo. Também estudaremos o padrão de acentuação
tônica da língua portuguesa, como a indicamos nas trans-
crições fonéticas e fonológicas, sua classificação, acentua-
ção gráfica e ortoépia.

1 Acentuação tônica

De acordo com Câmara Jr. (2005, p. 63), o acento “é uma


maior força expiratória, ou intensidade de emissão, da vogal
de uma sílaba em contraste com as demais vogais silábi-
cas.” Ele tem poder distintivo. Observe os seguintes grupos:

Tabela 1  Acento distintivo


Ortografia Transcrição Ortografia Transcrição
sábia /'sabya / fabrica /faˈbɾika/
sabia /sa'bya/ fábrica /ˈfabɾika/
sabiá /sabi'a/
Capítulo 8   Acentuação   159

Por ter esse valor distintivo, defende-se que o acento


é um tipo especial de fonema. Como não se comporta li-
nearmente, mas sobreposto a outro segmento, ele é um
suprasegmento2, conforme Collischonn (2005). As vogais
são por natureza silábicas, isto é, podem ser pico de síla-
ba. Isso significa que sobre ela caíra o acento.3 Quanto a
representação da transcrição, ficamos com duas possibili-
dades: 1. o símbolo suprassegmental para acento primário
antes da sílaba; ou 2. antes da vogal núcleo dessa sílaba.

Do ponto de vista fonológico, só pode ser uma pala-


vra o vocábulo que tem acento. Esse aspecto diferencia
vocábulo morfológico de palavra fonológica. Nem sempre
esses dois elementos coincidem. Vocábulos átonos irão se
associar a vocábulos com acento para formar uma palavra
fonológica, conforme Câmara Jr. (2005).

Vocábulo
São todos o elementos que
compõem nosso léxico. Eles são
Palavra
formados por morfemas;

Somente vocábulo com significado


lexical são palavras. Assim não
palavras preposições, artigos, etc..
Inclusive palavras

2  Como vimos no capítulo, ao estudarmos a tabela do IPA.


3  No entanto, há alguns segmentos consonantais que podem desempenhar
esse papel nuclear dentro da sílaba. Como, por exemplo, a nasal alveolar em
algumas línguas. Na língua portuguesa, porém, somente a vogal desempenha
esse papel.
160    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

O acento tônico, ou tonicidade regular, em vocábulos


de mais de uma sílaba, pode ocorrer (da direita para a es-
querda) em três diferentes posições: última, penúltima e
antepenúltima sílabas. Determinam-se, assim, três classi-
ficações, conforme está representado na figura a seguir:

Proparoxítona Paroxítona Oxítona

Quando a vogal
Quando a vogal da Quando a vogal da da última
antepenúltima sílaba penúltima sílaba for sílaba for tônica ou
for tonificada: tônica ou tonificada: tonificada:

livro, amigavelmente, fuzil, corrigir,


oxítona, ótimo, tônica, homem, caneta, cadeira,
caqui, algoz,
amássemos, revólver, níquel, açúcar,
ônix, ímã, órfão, táxi, sofá, café, vovô,
comêssemos. alguém, reféns.
bônus, bíceps, hífen,
hifens.

Figura 1  Tonicidade regular: classificações.

De acordo com Collischonn (2005, p. 143), “outro as-


pecto a considerar é o fato de que a grande maioria das
palavras da língua portuguesa tem o acento na penúltima
sílaba. Isto vale não só para substantivos, como também
para verbos, adjetivos e advérbios. O segundo grupo com
mais vocábulos é o das oxítonas e com o menor número é
o das proparoxítonas. A maioria dos vocábulos que com-
põem esse grupo são empréstimos linguísticos do latim e
do grego, a partir da Renascença. Segundo essa autora
(2005, p. 143), “uma evidência do caráter não nativo destas
palavras é o fato de que há uma tendência a regularizar o
Capítulo 8   Acentuação   161

acento para a posição paroxítona, através do apagamento


da penúltima sílaba.”

(12) abóbora → abobra xícara → xicra


árvore → arvri cócegas → cosca
fósforo → fosfru

Fonte: COLLISCHONN, 2005, p. 143

Observe um trecho do poema Via Láctea, de Olavo Bi-


lac1:

Será esse o meu público. E, decerto,

Esse dirá: ‘Pode viver Tranquilo.


Quem assim ama, sendo assim amado!’

Nesse trecho, há 18 vocábulos. Das palavras de mais de


uma sílaba: cinco (5) são oxítonas, oito (8) são paroxítonas
e uma (1) é proparoxítona. Esses dados nos reportam à
seguinte leitura: a incidência da tonicidade das palavras da
língua portuguesa ocorre com frequência média na última
sílaba (oxítonas), com frequência abundante na antepenúl-
tima sílaba (paroxítonas) e com frequência mínima na ante-
penúltima sílaba (proparoxítona). Monossílabos – São pala-
vras com apenas uma sílaba. Podem ser átonos ou tônicos.

2 Prosódia

Na norma culta da língua portuguesa, toda palavra que ti-


ver mais de uma sílaba possui tonicidade regular. Ao pro-
162    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

nunciar uma palavra, o usuário do idioma deve dar maior


ênfase à sílaba tônica, caso contrário, estará cometendo
uma silabada, podendo lhe alterar o sentido, transformá-
-la em outro vocábulo ou em um não existente.4 Conforme
Proença Filho (2003, p. 170), “prosódia é a parte da fonéti-
ca centrada na acentuação tônica das palavras”. Portanto,
a prosódia preocupa-se com a localização da tonicidade,
regular ou irregular, em um vocábulo da língua portuguesa.

Observe os exemplos que seguem:

a. A ru’brica postada no documento era falsa.

b. A garota era tão ‘pudica que enrubesceu ao ouvir


uma piada.

c. Não diga aos estrangeiros que o Brasil é ru’im, pois,


aqui, a 
natureza é pródiga e as pessoas são criati-
vas.

d. Ele era tão bom escritor que merecia ganhar o Prê-


mio No’bel 
de Literatura.

e. Ninguém considerava sua fala, pois seus discursos


estavam 
impregnados de antino’mias.

f. Um cir’cuito destruiu parte do equipamento da or-


questra.

g. Nem mesmo o amor é gra’tuito numa sociedade ca-


pitalista.

4  Cabe considerar que estamos falando isso com relação à norma culta.
Capítulo 8   Acentuação   163

h. Cuidado com a li’bido, disse a mãe à filha que saía


para uma 
balada.

i. Fran’sido de medo, ele avançou pela escuridão.

Não levaremos em conta, neste estudo, por não influen-


ciar os resultados, a distinção entre vogal, semivogal, di-
tongo, tritongo, hiato. Segundo Luft (LUFT, 1989, p. 48):

A conjunção silábica de vogais [...] a meu ver, é um


fato fonético, de superfície, de fala. Na estrutura
profunda, fonológica, só há vogais e consoantes. A
formação de hiatos, ditongos, tritongos e monoton-
gos, assim como a ‘semivocalização’ (na verdade
‘consonantização’) ou assilabicidade de vogais na ca-
deia da fala, é predizível por regras fonológicas, con-
dicionada sobretudo pela incidência do acento tônico.

Como já vimos, “o tratamento da proeminência acentual


é sempre de um ponto de vista contrastivo em que as vo-
gais acentuadas são comparadas às vogais não acentua-
das” (CRISTÓFARO-SILVA, 2009, p. 183), assim:

ÂÂa vogal tônica é marcada com valor 3 (subscrito), por


ter proeminência acentual três vezes maior;

ÂÂquando temos duas palavras, marcamos a vogal


tônica do elemento mais à esquerda com o valor 2
(subscrito);

ÂÂas vogais pretônicas são marcadas com o valor 1;

ÂÂjá as vogais postônicos são marcadas com valor 0


(CÂMARA JR., 2005).
164    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Para exemplificarmos isso, observe os exemplos:

h a b il i d a d e

1 1 1 3 0

h á b il i d a d e

2 1 1 3 0
Figura 2   Acento.

3 Tonicidade regular

Antes de começarmos a estudar a incidência da tonicida-


de regular de nosso idioma, alertamos que, para objetivar
metodologicamente esse estudo, tomaremos por base os
seguintes critérios:

a. numeraremos as vogais das palavras da direita


para esquerda, considerando, somente, as que
são proferidas:

Pa³la²vra¹, i7nco6nsti5tu4ci³o²na¹l, qui²lo¹, e²u¹,


je²gue¹, á³gu²a¹, li4vra³ri²a¹, pe³rde²u¹, po³ssu²i¹,
po4ssu³i²u¹, ra³i²nha¹, chu³vi²sca¹r, U5ru4gu³a²i¹,
ca²i¹, pa²i¹s
Capítulo 8   Acentuação   165

b. Não consideraremos a incidência da tonicidade na


sílaba, e sim na vogal, pois é a vogal que é tônica
regular ou tonificada, jamais uma consoante:

Pe²ru¹, sa²ci¹, ca4de³i²ra¹, a³mi²go¹, lá²pi¹s, o²bu¹s,


ba³lõ³e¹s, ô³ni²bu¹s, ra²i¹z, ra³í²ze¹s, ta³i²nha¹

c. Não levaremos em conta, neste estudo, por não in-


fluenciar os resultados, a distinção entre vogal, se-
mivogal, ditongo, tritongo, hiato.

Le³re²i¹, ca³nçã²o¹, mo³rde²u¹, pra5te4le³i²ra¹, pa4i3xã2o1,


po3di2a1, ca4de3i2a1, qu3ã2o1, ru2i1m, do3i2do1, se4re3i2a1

d. Palavras ligadas por hífen devem ser analisadas


separadamente, pois possuem autonomia fonética
e fonológica:

gu3a2rda1-chu2va1, co3u2ve1-flo1r, a3ti2ngi1-lo1,


pa2lma1-de1-sã2o1-jo2rge1, a2zu1l-tu3rque2sa1,
ca4pi3tã2e1s-de1-a4re3i2a1

e. Não classificaremos as palavras em oxítona, paro-


xítona ou proparoxítona neste momento, pois essa
classificação é posterior à incidência da tonicidade
166    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

regular, que se dá a partir da terminação da pala-


vra, e não por pertencer a uma dessas classes.

Todas as palavras da língua portuguesa com mais de


uma sílaba possuem uma tonicidade regular. Como a loca-
lizar? É só seguir as orientações:

a. As terminações ‘-a’, ‘-e’, ‘-o’, ‘-am’, ‘-em’, ‘-ens’ são


terminações fracas em língua portuguesa e, por
isso, retêm tonicidade regular na vogal 2 (seguidas
ou não de ‘-s’). Exemplos:

Observe que, em todos esses exemplos, a tonicidade


regular se encontra na vogal 2, pois todas as palavras pos-
suem terminações fracas.

b. As demais terminações são fortes e retêm tonicida-


de regular na vogal 1 (seguidas ou não de ‘-s’).
Capítulo 8   Acentuação   167

Exemplos:

Observe que na última frase dos exemplos, a primeira


vogal apresenta grau 2 de sonoridade. Isso se deve a res-
silabação, pois a sequência ‘fugaz é’ é pronunciada da se-
guinte forma: [fuˌɡaˈzɛ]. A sílaba tônica em ‘fugaz’ se torna
secundária na ressilabação. O acento secundário também
ocorre em palavras derivadas de proparoxítonas: ‘lógica’ →
‘logicamente’.

c. As vogais ‘i’ e ‘u’ retêm tonicidade regular quando:

tiverem, à esquerda, uma vogal e, à direita, uma conso-


ante pertencente a mesma sílaba.
168    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

ÂÂforem nasalizadas por n, nh ou m:

ÂÂforem acompanhadas, à direita, por outro i ou u:

Note que o ‘u’ final não recebeu valor nenhum por ser
semivogal.

4 Acentuação gráfica

Já vimos que a tonicidade regular se fixa numa vogal: a


última, a penúltima ou a antepenúltima vogal da palavra.
Na vogal 2, se a palavra possuir uma terminação fraca;
na vogal 1, se pertencer a uma das demais. Além dessas,
vimos que o i e o u podem reter ou não tonicidade. Retêm
quando antecedidos por vogal e precedidos do apoio de
Capítulo 8   Acentuação   169

uma consoante, quando nasalizados ou quando acompa-


nhados, à direita, por outro i ou por outro u. Nos demais
casos, não retêm tonicidade, cedendo-a à vogal imediata-
mente anterior (vogal 2 ou vogal 3).

No entanto, e os acentos gráficos, para que servem?


Quais são eles? Imagine você enviando para alguém o
seguinte recado:

Espere-me na secretaria, mesmo que a secretaria não es-


teja.

ou

Podes confiar em mim, pois em maio estarei comprando um


lindo maio para irmos à praia juntos(as).

Como já vimos, o acento tem valor distintivo, isto é, per-


mite-nos distinguir uma palavra da outra. Quando se trata
da grafia, o acento se torna uma ferramenta para marcar
na escrita a distinção que se tem na fala. Deste modo, os
recados acima carecem dessa marcação, ainda que pelo
contexto consigamos identificar corretamente de qual pa-
lavra se trata. Objetivamente, portanto, o acento gráfico,
na escrita, serve para marcar a tonicidade das palavras, a
fusão de duas vogais iguais, a pessoa do verbo ou o senti-
do das palavras, conforme é explicitado na figura a seguir:
170    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Marcar o lugar da tonicidade


em uma palavra e, ainda,
Marcar a fusão de duas vogais
determinar se a pronúncia da
iguais (acento grave), cujo
vogal é aberta (acento gráfico
estudo será abordado em
agudo) ou fechada (acento
outro momento. Exemplo:
gráfico circunflexo). Exemplo:
Refiro-me à crase.
O camelô sentou-se no sofá e
pediu umcafé preto.

Marcar o sendo de
determinadas palavras.
Exemplos:
Marcar a pessoa do verbo Ela pára de estudar, quando
(singular ou plural). Exemplo: vai para o trabalho.
Ele detém o poder, e eles
detêm a força do trabalho. Quando criança, nunca pôde
fazer o que hoje pode ser feito.
O cãozinho foi deixando, pelo
caminho, seu pêlo cinzento.

Figura 3   Funções do acento gráfico.

De acordo com Cipro Neto e Infante (2004) os acentos


gráficos são:

a. o acento agudo ( ') – colocado sobre as letras 'a',


'i', 'u' e sobre o 'e' do grupo – 'em', indica que essas
letras representam as vogais tônicas das palavras:
carcará, caí, súdito, armazém. Sobre as letras 'e' e
'o', indica, além da tonicidade, timbre aberto: lépi-
dos, céu, léxico; [...]

b. o acento circunflexo (^) – colocado sobre as letras 'a',


'e' e 'o' indica, além de tonicidade, timbre fechado:
lâmpada, pêssego, supôs, vêm, atlântico.
Capítulo 8   Acentuação   171

Quando usar o acento gráfico


Usamos o acento gráfico sempre que desviamos a tonici-
dade regular de uma vogal para outra que não seja a tônica
nata. O acento gráfico indica que aquela sílaba foge ao
padrão de tonicidade natural.

Vejamos alguns exemplos:

a. Quando viajei para o Egito, andei muito em came-


los. Como não fui para o Egito, só conheço os ca-
melôs, vendedores ambulantes da praça de minha
cidade natal.

A palavra camelo possui tonicidade regular na vogal 2,


pois a terminação é fraca. Se quisermos dizer ou escrever
camelô, desviamos a tonicidade regular, conforme a indi-
cação da seta, por isso marcamos com acento gráfico.

b. Ao chegar à festa, alguém me perguntou: você


bebe? Ao voltar da festa, percebi que o bebê cho-
rava.

A palavra bebe possui tonicidade regular na vogal 2,


pois a terminação é fraca. Se quisermos dizer bebê, des-
viamos a tonicidade regular, portanto temos que usar acen-
to gráfico.

c. Prefiro ir de táxi a dirigir.
Era inútil tentar controlar a


órfã que chorava copiosamente. Lamentavelmente
um vírus destruiu o álbum de fotografia que estava
no sótão.
172    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Por que algumas das palavras acima são acentuadas?


Porque possuem terminações fortes. Logo, a tonicidade re-
gular estaria na vogal 1. Como foi desviada, há obrigatorie-
dade do uso do acento gráfico.

As regras de acentuação a seguir estão de acordo com


a nova ortografia.

5 Acentuação dos vocábulos oxítonos

São acentuados os vocábulos cuja sílaba tônica for a últi-


ma e ela terminar em:
Verbos derivados de ‘ter’
‘-a’, ‘-e’, ‘-o’, seguidos e ‘vir’ levam acento di-
ou não de ‘-s’: carás, ferencial para singular e
cará, café, cafés, fre- plural no presente do in-
guês, avô, avó, avós; dicativo. Singular é mar-
cado pelo acento agudo
‘-em’, ‘-ens’, em pala- e plural, pelo circunflexo:
vras com duas ou mais mantém>mantêm.
sílabas: ele contém,
eles contêm, também,
Verbos no infinitivo segui-
armazéns; dos de pronome oblíquo
‘-éis’, ‘-éu’, ‘-éus’, ‘-ói’, se submetem a primeira
regra: compor + a= com-
‘-óis’: herói, papéis,
pô-la.
céus, chapéu, sóis;

‘-i’, ‘-u’ se e somente se foram núcleo de sílaba e a


sílaba anterior terminar em vogal: saí, baú, Luís.
Capítulo 8   Acentuação   173

5.1 Acentuação dos vocábulos paroxítonos


São acentuados os vocábulos cuja sílaba tônica for a pe-
núltima quando terminados em:

ÂÂditongo crescente seguido ou não de ‘-s’: história, es-


pontâneo, ânsia, demência, ingênuos;

‘-i’, ‘-is’, ‘-us’, ‘-um’, ‘-uns’: álbum, álbuns, táxi, lápis;

‘-l’, ‘-n’, ‘-r’, ‘-x’, ‘-ons’, ‘-ps’: bíceps, tórax, prótons,


caráter, móvel, hífen;

‘-ei’, ‘-eis’: vôlei, fáceis, níveis, jóquei;

‘-ã’, ‘-ã’, ‘-ão’, ‘-ãos’, ‘-guam’, ‘-guem’: irmã, irmãs, ór-


gão, órgãos, enxáguam, enxáguem.

5.2 Acentuação de vocábulos proparoxítonos


Todos vocábulos cuja sílaba tônica é a antepenúltima são
acentuados. Segundo Cegalla (2008, p. 71), também são
acentuados os proparoxítonos eventuais em encontros vo-
cálicos, como, por exemplo: área, conterrâneo, errôneo,
enxáguam etc.

Outros exemplos de vocábulos proparoxítonos: lógica,


cândido, esplêndido.

5.3 Acentuação de vocábulos monossílabos


Os vocábulos monossílabos tônicos são acentuados quan-
do terminam em:
174    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

‘-a’, ‘-e’, ‘-o’, seguidos ou não de ‘-s’: má, más, fé,


pés, nós, pó;

‘-éi’, ‘-éu’, ‘-ói’ seguidos ou não de '-s': réis, sóis, véu,


réus.

Como exceção temos a acentuação dos verbos ‘pôr’,


‘ter’ e ‘vir’, mas estes dois últimos apenas na terceiro pes-
soa do plural no presente do indicativo: “Ele vai pôr o casa-
co”, “Eles vêm de longe” e “Elas têm o controle”.

5.4 Acentuação de hiatos


Acentuam-se o ‘i’ e ‘u’ (se- Plural metafônico
guidos ou não de ‘-s’) tônicos Algumas palavras apre-
quando na sílaba anterior ter- sentam mudança no timbre
minar em vogal ou ditongo: das vogais diferente no
roído, saída, destruí-lo, proí- singular e no plural.
bem, baú, balaústre.
[ˈovʊ]→[ ˈɔvʊs]

[ˈoʎʊ] → [ˈɔʎʊs]

6 Ortoepia ou ortoépia

Nem a língua, nem a fala são imutáveis. A língua evolui,


transformando-se historicamente. Por exemplo, algumas
palavras perdem ou ganham fonemas; outras deixam de
ser utilizadas; novas palavras surgem de acordo com as
necessidades, entre elas os empréstimos de outras línguas
com as quais a comunidade mantém contato. A língua fala-
da empregada por um indivíduo se modifica conforme sua
Capítulo 8   Acentuação   175

história pessoal, sua formação escolar e cultural, as influ-


ências que recebe do grupo social a que pertence e suas
intenções comunicativas.

Você já deve ter reparado na rua, na escola ou no traba-


lho que nem todos falam da mesma forma. Isso ocorre por
diferentes razões: a pessoa vem de outra região; é mais
velha ou mais jovem; possui menor ou maior grau de esco-
laridade; pertence a grupos ou classes sociais diferentes.
Essas diferenças, no uso da língua, constituem fatores que
contribuem para a existência das variedades linguísticas.

Entre as variedades da língua, existe uma que tem maior


prestígio: a variedade padrão, também conhecida como lín-
gua padrão ou norma culta. Essa variedade é a utilizada na
maior parte dos livros, jornais e revistas, em alguns progra-
mas de televisão, nos livros científicos e didáticos e é a varie-
dade ensinada na escola. As demais variedades linguísticas
– como a regional, a gíria, o jargão de grupos ou profissões
(a linguagem dos policiais, dos jogadores de futebol, entre
outras) – são chamadas de variedades não padrão.

Esta seção tratará dos casos de ortoepia ou ortoépia,


de acordo com as normas que regem a língua padrão ou
culta.

Segundo Dubois (1997, p. 445), “a ortofonia é a pronún-


cia considerada correta e normal de um fonema ou de uma
sequência de fonemas (palavras)”. A ortofonia – do grego
orthós, “direito” e fhoné, “som” – consiste na parte da gra-
mática que estuda a pronúncia correta das palavras e das
frases, segundo os padrões da língua culta. A ortoepia ou
ortoépia e a prosódia constituem parte da ortofonia.
176    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

A ortoepia – do grego orthós, “direito” e épos, “pronún-


cia” – é a parte da gramática que estuda a correta pronún-
cia dos fonemas (sem supressão, acréscimo e/ou troca). A
correta pronúncia dos fonemas significa boa emissão das
vogais, exata articulação das consoantes e, ainda, ligação
prosódica adequada entre um vocábulo e outro, conside-
rando-se a norma culta.

6.1 Curiosidades da língua

Bandeja ou bandeija?
forma correta é bandeja. É comum,, nas
A for
terminações -eja e -ejo, ouvir-se, na fala, um i
epentético a na linguagem coloquial. Vejamos
alguns exemplos:
- adejo e não adeijo (vôo) arquejo e não
q j (ofego) caranguejo e não carangueijo
arqueijo g j
carqueja
carq e não carqueija gargarejo e não
gargareijo.

Cab eiro?
Cabeleireiro ou cabelereiro?
O que faz, conserta ou
penteia cabelo é o
cabeleireiro, uma vez que a
pala
palavra se refere acabeleira
leira
e não acabelo.

Fonte da imagem: http://elle.abril.com.br/blogs/espelho-meu-espelho-seu/fi-


les/2011/11/cabeleireiro.jpg
Capítulo 8   Acentuação   177

Os chamados erros de ortoepia são frequentes na lingua-


gem coloquial. Sempre
que um erro ortoépico Supetão ou sopetão?
passa a fazer parte da Ambos os termos são registrados no
linguagem de uma popu- Vocabulário Ortográfico da Língua Por-
tuguesa. Tanto supetão quanto sopetão
lação, existe uma ten- são usa- dos sempre na locução de
dência a dicionarizar a sopetão (ou de supetão). Ambas as for-
nova forma ortográfica mas significam “subitamente”, “súbito”.
(cadarço → cardaço; ca- Exemplo:
beçalho → cabeçário).
• Aquele estabanado entrou de sopetão.
Assim, é erro ortoé-
pico pronunciar ê em vez de ei (fexe – feixe); pronunciar a
vogal aberta em vez da fechada (aparêlho – aparélho); não
pronunciar o r final (trabalhá – trabalhar); não levar em con-
ta o 'h' ao pronunciar os dígrafos 'lh' e 'nh' (folinha – folhi-
nha; compania – companhia); acrescentar, omitir ou alterar
fonemas (desiguino – designo; roba – rouba).

Folclore (folclóre ou folclôre)?


A pal esa e
palavra folclore é de origem inglesa
d ) F
deriva de folk (povo) e lore (narrativa). Foi
proposta, na língua inglesa, por Thoms,
que a utilizou pela primeira vez no jornal
The Athenaeum, em 22 de agosto de1845.
Poucoc tempo depois, era introduzida na
lín
língua portuguesa e hojeé termoo
universal.

Fonte Imagem: http://cdn1.sempretops.com/wp-content/uploads/comidas-tipi-


cas-folclore-brasileiro1.jpg
178    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

As bibliografias especializadas insistiram, por muito


tempo, em sugerir a pronúncia fechada para o segundo ‘o’:
folclôre. Atualmente, entretanto, firma-se cada vez mais a
pronúncia aberta para aquela vogal, mesmo na norma cul-
ta. Em face de tal constatação, o Vocabulário Ortográfico
da Língua Portuguesa, que é a fonte oficial para resolver
tais problemas, não faz qualquer referência à pronúncia a
ser seguida.

Por isso, infere-se que tanto a pronúncia fechada


[foʊ̯ˈkloɾɪ] quanto a aberta [foʊ̯ˈklɔɾɪ] são aceitáveis, sendo
a segunda a mais natural e a mais corrente (OLIVEIRA,
2000, p. 113).

Recapitulando

Neste capítulo, tratamos da acentuação e do padrão de


acentuação da língua portuguesa. Vimos como identificá-
-la e como indicá-la na transcrição. Também estudamos o
valor que a vogal tônica recebe, bem como as vogais pre-
tônicas e postônicas. A partir desse estudo, partimos para
as regras de acentuação gráfica vigentes com o novo acor-
do. Além disso, também exploramos a noção de ortoepia.
Não podemos deixar de comentar que muitos desses fenô-
menos ortoépicos mencionados relacionam-se, na fala, às
variações linguísticas da língua portuguesa. São comuns
casos de palavras que, em uma região, são pronuncia-
das com a vogal fechada e, em outra, com a vogal aberta,
como coração – [koɾaˈsãʊ̯] no Sul do País e [kɔɾaˈsãʊ̯] no
Nordeste.
Capítulo 8   Acentuação   179

Como comentamos no início do capítulo, a nossa língua


apresenta a variedade padrão e variedades não padrão. A
língua não é usada de modo homogêneo por todos os seus
falantes. O uso de uma língua varia de época para época,
de região para região, de classe social para classe social.
Nem individualmente podemos afirmar que o uso seja uni-
forme. Dependendo da situação, um mesmo falante pode
empregar diferentes variantes de uma só forma da língua.

Referências

COLLISCHONN, Gisela. O acento em português. In BI-


SOL, Leda. Introdução a Estudos de Fonologia do
Português Brasileiro. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2005.
P. 135-170.

CRISTÓFARO-SILVA, Thaïs. Fonética e Fonologia do


Português: roteiro de estudos e guia de exercícios.
9.ed. São Paulo: Contexto, 2009.

CAMARA Jr. Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Por-


tuguesa. 37.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

NETO, Pasquale Cipro; INFANTE, Ulisses. Gramática da


língua portuguesa. Scipione, 2004.

OLIVEIRA, Édson. Todo mundo tem dúvida, inclusive você.


Porto Alegre: Sagra-Luzzato, 2000.

DUBOIS, Jean. Dicionário de linguística. São Paulo: Cul-


trix, 1997.
180    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

LUFT, Celso Pedro. Novo manual de português: gramáti-


ca, ortografia oficial, redação, literatura, textos e testes.
Rio de Janeiro: Globo, 1989.

OLIVEIRA, Édson. Todo mundo tem dúvida, inclusive


você. Porto Alegre: Sagra-Luzzato, 2000.

PROENÇA FILHO, Damício. Noções de gramática em tom


de conversa: língua portuguesa. São Paulo: Editora Bra-
sil, 2003.

Atividades

1) Transcreva fonologicamente as palavras a seguir e in-


dique através do símbolo suprassegmental de acento
primário a sílaba tônica, como no exemplo:

biológico → / bioˈloʒya/

a) parabéns →

b) estaca →

c) honorável →

d) bis →

e) telefone →

2) Escreva o grau de sonoridade das palavras a seguir


(lembre-se que semivogais não recebem valor nenhum
por não serem vogais):
Capítulo 8   Acentuação   181

3) Assinale os pares de palavras que apresentam erros


ortoépicos, considerando-se a variedade culta:

a) esteje, sobrancelhas

b) velice, seventia

c) estupro, mendigo

d) mortandela, privilégio

e) orelhudo, cabeçalho

4) Assinale as alternativas que contêm palavras que, no


plural, apresentam timbre aberto e, no singular, timbre
fechado:

a) apostos

b) caroços

c) pontos

d) corpos
182    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

e) destroços

f) fogos

g) fornos

h) cômodos

i) porcos

j) postos

k) novos

l) socorros

m) tijolos

n) gordos

o) miolos

p) corvos

5) Marque a alternativa em que todas as palavras estão


corretamente acentuadas:

a) mês, jibóia, distribuí-lo;

b) Pará, cará, tamanduá;

c) pára, cômodo, totó;

d) vôo, análise, catarse;

e) pólo, pera.
Capítulo 8   Acentuação   183

Gabarito:
1)

a) /paɾa'beNs/

b) /eS'taka/

c) /ono'ɾavelq

d) /'biS/

e) /tele'foni/

2)

a) 1130

b) 130

c) 130

d) 11130

e) 11130

3) a, b, d

4) a, b, d, f, i, j, k, m, o, p

5) b

Sites úteis

Para baixar a tabela do IPA: http://www.langsci.ucl.ac.uk/


ipa/fullchart.html
184    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Site com exercícios, exemplos, definições, animações


e áudio da realização dos segmentos: http://fonologia.org

Site da Associação Internacional de fonética: http://


www.langsci.ucl.ac.uk/ipa/index.html

Site para copiar as fontes do IPA para um processador


de texto: http://westonruter.github.io/ipa-chart/keyboard/
Daisy Batista Pail1

Capítulo 9

Relação entre Fala e


Escrita
A interferência e o reflexo da oralidade

1  Professora adjunta do curso de Letras (ULBRA), doutoranda em Linguística


(PUCRS).
186    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Introdução

Neste capítulo veremos mais detalhadamente a interfe-


rência da oralidade na escrita. Já comentamos ao longo
dos capítulos anteriores algumas questões que acabam se
refletindo na escrita, e que serão retomadas e discutidas
nesse capítulo.

Conforme Koch, o “modelo de texto que a criança pos-


sui, nas séries iniciais de
escolarização, é o modelo de Língua sem sis-
texto oral.” (KOCH, 1997, p.31) tema de escrita são
Então é esperado vermos mar- chamadas de agrafas.
cas da oralidade em textos es-
critos. Outra razão para vermos isso é que não se tratam
de opostos, mas duas modalidades que se aplicam a dife-
rentes gêneros textuais e que, portanto, apresentarão as
características destes, do mais formal ou menos formal etc.

Outro ponto que sempre merece ser lembrado é que a


oralidade é a primeira manifestação de linguagem verbal
que nós temos, desconsiderando-se casos em que há al-
guma patologia ou de privação social. A prioridade se dá
tanto como resultado de um processo natural quanto histó-
rico, visto que a escrita surgiu depois. Além disso, também
devemos ter em mente que nem todas as línguas dispõe
de um sistema de escrita.

Outro fator que marca o nosso sistema ortográfico é a


proximidade que este tem da nossa fala, como já discutimos
em capítulos anteriores. Logo, “(...)os aprendizes do código
alfabético escrito, sobretudo, na fase inicial de aprendizado
Capítulo 9    Relação entre Fala e Escrita    187

da escrita, pautam-se em informações da oralidade para


registrarem o código escrito” (CRISTÓFARO-SILVA, 2010,
p. 88). A influência que a fala tem sobre a escrita é tema
recorrente e ponto inegável, porém, conforme Cristófaro-
-Silva (2010), Chevrot et al. (2000) e Schwindt et al. (2007),
esta também pode interferir na oralidade.

No entanto, apesar dessa relação bidirecional entre fala


e escrita, nos ateremos apenas em questões de ordem fo-
nética e fonológica. O presente capítulo, a fim de tratar de
algumas questões dessa ordem, está subdividido em cinco
seções. Na primeira delas, iremos retomar letras que re-
presentam mais um fonema e fonemas representados por
mais de uma letra, inclusive dígrafos. Na segunda seção
trataremos temas de ordem fonética. A seguir, sons fone-
ticamente semelhantes. Na quarta seção, discutiremos a
distinção entre vocábulo formal (palavra morfológica) e fo-
nológica. Por último, a hipercorreção.

Ao final do capítulo se faz a retomada do que estuda-


mos nesse capítulo, seguida de exercícios.

1 Grafema versus fonema

Como vimos, o nosso sistema ortográfico é baseado na


fala, porém, apesar disso, há uma
Grafema é o sinal grá-
distância entre a realização dela e fico que utilizamos para
a representação escrita dela. Esse sistema de escrita orto-
gráfico.
é um fator que perpassará a todos
os outros aqui apresentados, mas que serão tratados se-
paradamente.
188    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

A seguir é apresentada a Tabela 1 de letras que repre-


sentam mais de um fonema.

Tabela 1  Letras que representam mais de um som


Grafema Fonema/fone Exemplo
/s/ extensão
/z/ exílio
<x> /ʃ/ exame
[ks] léxico
[ʃ] extensão (realização palatalizada, chiada)
/s/ sala
/z/ casa
<s>
[ʃ] pasta (realização palatalizada, chiada)
[ʒ] engasgar (realização palatalizada, chiada)
/r/ rico (erre forte)
<r>
/ɾ/ caro (erre fraco)
/g/ gato
<g>
/ʒ/ gelo
/l/ lata
<l>
[ʊ̯] mel
/k/ casa
<c>
/s/ cilo
/e/ telha
<e>
/ε/ fé
/o/ tocar
<o>
/ɔ/ mola
Capítulo 9    Relação entre Fala e Escrita    189

Por esses grafemas representarem mais um fonema e


fone, pode ocorrer sua utilização em outros contextos, isto
é, o uso inadvertido. Como, por exemplo, o <s> intervocálico
representa o fonema /z/, mas por também representar /S/,
consequentemente pode ocorrer a troca entre o grafema
adequado em detrimento do fonema: <massa>~<masa>.
Outros, todavia, não parecem representar problema no
nível ortográfico, como as vogais médias-altas e médias-
-baixas.

O <g> quando representando /ʒ/, também é fonte de


dúvida. Uma vez que <j> sempre representa esse fonema,
não é incomum seu uso no lugar de <g>. Já o <l>, quando
em final de sílaba, só irá gerar problemas para aqueles que
o realizam como semivogal, ou seja, quando ocorre a voca-
lização da aproximante lateral.

Na Tabela 2, veremos fonemas que são representados


por mais de um grafema, inclusive dígrafos. Alguns deles
já foram vistos na Tabela 1.

Tabela 2  Fonemas representados por mais de um grafema


Fonema Grafemas Exemplo
/s/ <s, ss, c, ç, z, sc, xc> salada, missa, cenoura, açúcar,
paz, consciência, exceto
/z/ <z, x, s> zelo, exame, asilo
/ʃ/ <x, ch> xale, Chile
/ʒ/ <j, g> jato, Gil
/g/ <g, gu> grito, gueto
/k/ <c, qu> colo, quilo
/r/ <r, rr> rito, carro
190    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Essa representação múltipla, acaba sendo fonte de dú-


vidas. A melhor estratégia é o uso de algumas regras de
ortografia e também exercícios que proporcionem a fixação
de modo explícito e implícito. Além desses casos, pode-
mos chamar atenção para palavras de origem estrangeira
que tenham os grafemas <k,y,w>.

2 Variação fonética

Além do nosso alfabeto ortográfico não ser inequívoco, há


também a influência da variação fonética sobre a escrita.
A seguir, veremos alguns fenômenos que podem se fazer
presentes na escrita.

2.1 Realização epentética


Não há no sistema fonológico do português brasileiro “con-
soantes surdas”, isto é, consoantes sem vogal. No entanto,
no nosso sistema ortográfico, encontramos exemplares,
como ‘subdivisão’, ‘pneu’, ‘gnomo’. Quando temos isso,
ocorre a inserção de vogal depois de consoante, chamada
de vogal epentética. A mais comum nessa realização é a
vogal alta anterior /i/, mas também pode ocorrer a média-
-alta anterior /e/ nessas mesmas posições. Devido a essa
ocorrência, a vogal epentética pode ser representada na
escrita. Assim podemos ter <gnomo>~<guinomo> ou <gi-
nomo>, <pneu>~<pineu> ou <peneu>.
Capítulo 9    Relação entre Fala e Escrita    191

2.2 Ditongação e monotongação


Outros fenômenos de ordem fonética que causam dificul-
dade à pessoa aprendendo a escrever e/ou com pouco
contato com a cultura escrita são a monotongação e diton-
gação. No primeiro temos o apagamento da semivogal em
ditongo decrescente. Segundo Bisol (1989, p.189-190):

No português, há duas classes de ditongos: o diton-


go pesado, o verdadeiro, associado a duas posições
no tier da rima, e o ditongo leve, associado a uma
só posição. O primeiro constitui uma rima complexa e
tende a ser preservado. O segundo constitui uma rima
simples e tende a ser perdido.

O primeiro seria um ditongo fonológico, isto é, capaz de


formar par mínimo com vogais simples: ‘laudo lado’, ‘lei lê’;
enquanto o segundo seria fonético. Nesse caso, a alter-
nância entre vogal simples e o ditongo leve não são distin-
tivos (TASCA, 2002).

Em palavras como ‘peixe’, ‘touca’ as semivogais /y, w/


são apagadas, ficando [ˈpeʃɪ] e [ˈt̪okɐ] Observemos os se-
guintes exemplos:

caixa, beijo, beira, manteiga, outro, pouco, lavoura, roubo,


ouve, lousa, ficou

Nesses exemplos, ocorre o apagamento da semivogal,


porém isso não ocorre em todos os contextos fonológicos.
Apenas alguns permitem tal fenômeno. Enquanto o con-
192    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

texto fonológico anterior não tem influência sobre isso, o


mesmo não se pode dizer do contexto posterior. Ocorre o
apagamento da semivogal do ditongo decrescente [ey] e
[ay] nos seguintes contextos, antes de:

ÂÂconsoante pós-alveolar [ʃ, ʒ]: caixa→[ˈkaʃɐ], peixe


→[ˈpeʃɪ], beijo → [ˈbeʒʊ];

ÂÂtepe [ɾ]: feira →[ˈbeɾɐ], terneiro → [t̪eɣˈn̪eɾʊ];

ÂÂconsoante velar [g]: manteiga → [mãˈt̪eɡɐ];

Ocorre o apagamento da semivogal do ditongo decres-


cente [ow] antes de:

ÂÂconsoante oclusiva (dental ou alveolar) [t]: outro →


[ˈot̪ɾʊ], touca → [ˈt̪okɐ];

ÂÂconsoante oclusiva velar [k]: pouco → [ˈpokʊ];

ÂÂtepe [ɾ]: lavoura → [laˈvoɾɐ], touro → [ˈt̪oɾʊ];

ÂÂconsoante oclusiva labial [b]: [ˈxobʊ];

ÂÂconsoante fricativa labiodental [v]: ouve → [ˈovɪ];

ÂÂconsoante fricativa alveolar [z]: lousa → [ˈlozɐ].

Outro contexto favorável ao apagamento da semivogal


[w] em ditongo decrescente é sua posição em final de sí-
laba em final de palavra: ficou, levou, nevou. Entretanto o
mesmo não acontece quando essa semivogal é resultado
de vocalização da aproximante lateral.

Outro fator que tem impacto sobre a monotongação é


a posição do ditongo. Se esse ocorre no radical está mais
Capítulo 9    Relação entre Fala e Escrita    193

sujeito a esse fenômeno (CABREIRA, 1996) do que se for


em afixo derivacional ou categórico.

O segundo fenômeno é o oposto desse. Na ditongação,


há a inserção de semivogal. É comum essa ocorrência com
as vogais nasalisadas [a, e, o]. Todavia, isso não ocorre a
elas na mesma posição na sílaba. Acontece a ditongação
com [ã] quando este estiver em final de palavra: ‘falaram’
→ [faˈlaɾãʊ̯].2 Com [o] também ocorre a ditongação na mes-
ma posição: ‘bombom’ → [bõˈbõʊ̯]. Já com [ẽ] acontece em
final de sílaba no meio e final de palavra: ‘pente’ → [ˈpẽɪ̯t̪ʃɪ],
‘também’ → [t̪ãˈbẽɪ̯].

Além desse contexto, a ditongação também acontece


com sílabas travadas por /S/ em final de palavra: ‘mas’ →
[ˈmaɪ̯s], ‘nós’ → [ˈnɔɪ̯s], ‘fez’ → [ˈfeɪ̯s].

Também ocorre a ditongação quando há a vocalização


da aproximante lateral: ‘sol’ → [ˈsɔʊ̯], ‘alta’ → [ˈaʊ̯t̪ɐ], ‘solda-
do’ → [soʊ̯ˈd̪ad̪ʊ].

2.3 Alçamento de vogais átonas


No capítulo 6, estudamos a assimilação e a neutralização
tanto de vogais quanto de consoantes. Ao estudarmos nos-
so sistema vocálico vimos que uma redução no quadro de
vogais átonas pretônicas e pós-tônicas e o quanto consti-
tuem um fenômeno difundido no Brasil. Dada sua ocorrên-
cia, há também sua transposição para escrita. Isso significa

2  O que distinguirá foneticamente o passado do futuro será o acento. Enquan-


to ‘falaram’ é paroxítona, ‘falarão’ é oxítona.
194    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

que é esperado do aluno o uso de sua fala como parâmetro


para sua produção escrita. Assim em [miˈninʊ] temos, por
parte da vogal média anterior, a assimilação do traço alto
da vogal alta anterior; já ao final temos a neutralização da
vogal média anterior. Uma vez que a realização oral se dá
desta forma, não será incomum o registro ortográfico feito
da seguinte forma: <mininu> ou <meninu> ou <minino>.

2.4 Apagamento de elementos átonos, rótico e


sibilante em final de sílaba
Assim como podemos ter neu-
Importante: esse apaga-
tralização, assimilação, tam-
mento da sibililante não
bém podemos ter apagamen- ocorrerá com outros ele-
to de certos elementos, como mentos que não aqueles
vimos na monotongação. To- que marcam plural. Desta
davia, isso não ocorre apenas forma palavras como ‘ôni-
com semivogais, pode igual- bus’, ‘pires’, ‘talvez’ não
mente ocorrer com consoantes sofreram tal processo.
e até mesmo sílabas inteiras.
Ao longo de nosso estudo, demonstrou-se que elementos
átonos são os mais propensos à variação. O que é o mo-
tivador para apagamento de sílabas. Uma ocorrência bem
comum é o apagamento da sílaba inicial do verbo ‘estar’
em todas suas conjugações, desta forma é possível encon-
trar <tá>, <tava>, entre outras. É da mesma forma possível
vermos <cê>, no lugar de <você>.

Além do apagamento de sílabas átonas de certas pa-


lavras, também encontramos o apagamento de elementos
terminais, como a semivogal [w]. O tepe em final de verbos
Capítulo 9    Relação entre Fala e Escrita    195

sofre o mesmo processo, mantendo-se o acento. De ‘falar’


para [fa'la], cujo registro pode vir a ser <fala> ou <falá>
(em casos em que o aluno apresente maior consciência
fonológica e ortográfica). Quando, porém, temos o apa-
gamento da sibilante (fricativa alveolar), esse fenômeno é
motivado. Observemos a seguinte frase: ‘As meninas pe-
quenas correram.’ Do ponto de vista sintático e morfológi-
co há a repetição da marcação de plural. Sintaticamente
o plural está marcado no determinante (artigo), além do
gênero. Informação repetida morfologicamente em ‘meni-
nas’ e ‘pequenas’, pela presença de ‘s’. Por uma questão
de economia existe uma tendência de se marcar o plural
apenas no primeiro elemento do sintagma nominal: ‘As me-
nina pequena correram’. Outra ocorrência de repetição da
informação do plural se encontra em verbos conjugados na
primeira pessoa plural: ‘vamos’. No morfe ‘-mos’ encontra-
mos a presença “desnecessária” de ‘s’, visto que ‘-mo’ por
si só já transmitiria essa informação.

2.5 Rotacismo e lambdacismo


Na história da evolução da língua portuguesa, o rotacismo
e o lambdacismo se fazem presentes. Leia a tirinha a se-
guir do Celobinha, personagem de Maurício de Souza:
196    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Cebolinha fala [ˈkɛlʊ], enquanto que na variante consi-


derada padrão pronuncia-se [ˈkɛɾʊ], cujo registro ortográfi-
co é <quero>. Essa “troca” do ‘r’ pela aproximante lateral é
chamada de lambdacismo. Esse fenômeno pode ter “mo-
tivações fonéticas (...) responsáveis por essa substituição”
(SÁ). Esse pode ser resultado de interferência contextual
como em ‘cabelereiro’, em que o tepe assume traços da
aproximante lateral e acaba sendo, portanto, realizado da
seguinte forma: [kabeleˈleɾʊ], note o apagamento da semi-
vogal [y] do ditongo [ey]. Entretanto, o lambdacismo (tam-
bém conhecido por lalação) pode ser também resultado ou
de um processo natural de aquisição de linguagem ou de
um problema de foniatria, ligado a maturação da fala.

Outro fenômeno comum na variação linguística e acaba


sendo usado na escrita é o rotacismo.

A transformação de l > r, o chamado rotacismo [gri-


fo nosso], é ubíqua e atemporal. Não se pode ligar
a essa mudança qualquer substrato, superstrato ou
adstrato. Aparentemente, trata-se de uma oscilação
Capítulo 9    Relação entre Fala e Escrita    197

corriqueira que se vê já na aquisição da linguagem:


nas línguas europeias, a distinção entre l e r (dental)
costuma ser a última que a criança faz quando apren-
de a falar. (VIARO, 2012)

Isso significa que é um fenômeno com suporte tanto fo-


nológico (aquisição da linguagem) quanto histórico. Veja a
seguir uma lista de palavras dicionarizadas que passaram
por esse processo:

Tabela 3  Rotacismo
Termo na origem Atual
stella estrela
obligare obrigar
saclairo sacrário

Conforme Faraco (2008), a norma culta urbana (usada


nas grandes cidades de fato, isto é, aquela que realmente
ocorre) exerce uma força centrípeta com relação às outras.
Isso quer dizer que outras variedades linguísticas tendem
a se aproximar desta. Entretanto, algumas mudanças ocor-
rem primeiro em variedades menos prestigiadas, como o
vocalização da aproximante lateral em final de sílaba.

O rotacismo não ocorre nessa variante prestigiada, mas


está presente naquelas pertencentes a falantes com me-
nos contato com a cultura escrita, e, por isso, é visto com
tanta negatividade. Como vimos, contudo, é um fenômeno
com endosso histórico, com explicação linguística.
198    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

2.6 Sons foneticamente semelhantes


Outro fenômeno fonético que acaba aparecendo na escrita
é a “troca” entre sons foneticamente semelhantes, como
vimos em nosso Capítulo 6. É comum a situação em que o
falante soletrando alguma palavra para facilitar a transcri-
ção do ouvinte acaba usando alguma outra referência lexi-
cal, por exemplo, “é com [d] de ‘dado’.”. Outro exemplo da
confusão que esses sons podem gerar é motivador do uso
do alfabeto fonético da OTAN.

Dado a semelhança que


“(...) o alfabeto da OTAN
esses sons apresentam, define palavras-chave para
gerar dúvida na compreen- letras do alfabeto inglês por
são da fala quanto a seg- meio de um princípio acro-
mentação fonética. Quando fônico (Alfa para A, Bravo
essa realização ocorre na para B etc.) para que com-
escrita, é resultado de um binações críticas de letras
(e números) (...)." (http://
uso arraigado daquele fa-
pt.wikipedia.org/wiki/Alfabeto_
lante. É algo comum entre fonético_da_OTAN)
crianças em séries iniciais,
ainda adquirindo o sistema
escrito. É possível encontrarmos na produção dos alunos
a troca entre surdas e sonoras. Por exemplo, em invés de
escrever <inverno> (a estação), escreve <inferno>. No en-
tanto, quando isso persiste, cabe um acompanhamento do
aluno para identificar se trata-se de um atraso quanto ao
conhecimento escrito ou um déficit fonológico.
Capítulo 9    Relação entre Fala e Escrita    199

3 Palavras ortográficas e fonológicas

De acordo com Mattoso Câmara Júnior (2005, p. 69), “ao


contrário do critério fonológico que rege a nossa escrita,
procurando representar aproximadamente os fonemas pe-
las letras e dividindo as suas sequências de acordo com
as sílabas, a apresentação do vocábulo na escrita se faz
pelo critério formal”. Isto é, na escrita separamos as pala-
vras por espaços. Algo aparentemente simples. Todavia,
a fala se realiza em um contínuo, a segmentação desses
fonemas por parte dos falantes em vocábulos se dá atra-
vés do conhecimento lexical já assimilado. Ainda assim, há
casos em que é possível mais de uma segmentação. Veja
a imagem a seguir. O humor surge da dupla possibilidade
de segmentação: [ˈsɛʊ̯t̪ɐ.ˈpɾet̪ʊ] e [ˈsɛʊ̯.ˈt̪a.ˈpɾet̪ʊ] 3

Outra razão para diferentes segmentações é a diferen-


ça entre palavra morfológica
(equivalente à vocábulo formal)
e palavra fonológica. Enquan-
to a primeira é determinada por
morfemas, a segunda, por
acento. Toda palavra fonológi-
ca precisa de tonicidade, assim
termos átonos se associam a
outro vocábulo com acento, ge-
ralmente com um à sua direita

Fonte – https://www.facebook.
com/Gatinhonoface?fref=ts
3  Utilizou-se o ponto para facilitar a identificação da palavra.
200    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

(na ausência com o da esquerda). Observe o exemplo a


seguir:

“Ele saiu sem robalo.”

“Ele saiu sem robá-lo.” (SIC)

Ao final da segunda frase temos um pronome pessoal


átono. Devido a essa atonicidade ele se associa ao termo
à sua esquerda para formar a palavra fonológica. Quando
a criança escreve certos vocábulos como se fosse único,
ela está realizando a segmentação a partir da palavra fo-
nológica “(...) ou aquilo que a criança apreende como tal.”
(KOCH, 1997, p. 37). Assim ela pode escrever <derrepen-
te, derepente, agente (pronome)> no lugar de <de repente,
a gente>.

Também o oposto pode ocorrer. “Interessante é que a


criança, tentando efetuar a segmentação gráfica adequa-
da, acaba, por vezes, caindo no extremo oposto, isto é,
“picando” demais a palavra, como em 'em bora' (ex.10), 'en
contado' (ex.2), 'na quela' (ex.10), etc.” (KOCH, 1997, p.
37). A adequação ao sistema ortográfico se dará de duas
formas: implícita e explícita. Na primeira o aluno irá testar
hipóteses sua a correta grafia, na segunda alguém chama-
rá atenção para o erro e para a ortografia.
Capítulo 9    Relação entre Fala e Escrita    201

4 Hipercorreção

Um último fenômeno que trataremos nesse capítulo é a


hipercorreção. “Chama-se de hipercorreção ao processo
que leva a corrigir também quando não se deve corrigir.
Ou seja, na tentativa de ser correto, corrige-se demais.”
(POSSENTI, 2014). Segundo Koch, essa realização seria:

provavelmente provocada pela explicação da profes-


sora sobre palavras que devem ser escritas com l final
– que acaba levando as crianças a grafar com l uma
série de palavras oxítonas terminadas em ditongo for-
mado com a semivogal [u]: espahol, ficol (ex.7), partil
(ex.9), vil (ex.10), entre outras.” (KOCH, 1997, p. 37)

Nesses casos o aluno é instruído ou percebe uma certa


regra e a aplica em outros, de forma inadequada.

Recapitulando

Estudamos nesse capítulo alguns fenômenos fonéticos e


fonológicos que podem vir a interferir na produção escrita
do aluno. O mais importante é entender que são fenô-
menos naturais dentro da língua e que, conforme o aluno
se apropria da cultura escrita, tendem a serem superados
na escrita. Quando isso ocorre, ou durante esse proces-
so, o aluno está se apoderando de uma nova variedade
linguística e não somente de um sistema ortográfico. To-
davia, quando houver a persistência dessas dificuldades,
202    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

apesar das atividades e da progressão nos anos escolares,


cabe realizar um acompanhamento diferenciado a fim de
detectar de que ordem é essa dificuldade.

Referências

ABAURRE, M. B. 1988. O que revelam os textos


espontâneos sobre a representação que faz a criança
do objeto escrito?. In: M.Kato (org.). A Concepção da
Escrita pela Criança. Campinas: Pontes, p.135-142.

BISOL, Leda. O ditongo na perspectiva da fonologia


atual. D.E.L.T.A., v. 8, n. 2, p. 263-284.

CABREIRA, S.. A monotongação dos ditongos orais de-


crescentes em Curitiba, Florianópolis e Porto Ale-
gre. Dissertação (Mestrado em Letras) – Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
1996.

CHEVROT, Jean-Pierre; BEAUD, laurence; VARGA, Re-


nada. Developmental data on a French sociolinguis-
tic variable: Post- consonantal word-final /R/. Langua-
ge Variation and Change, v. 12, p. 295-319, 2000.

CRISTÓFARO-SILVA, Thäis; GRECO, Amana.


Representações Fonológicas: contribuições da orali-
dade e da escrita. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 45, n.
1, p. 87-93, jan./mar. 2010.
Capítulo 9    Relação entre Fala e Escrita    203

FARACO, Carlos Alberto. Norma culta: desatando alguns


nós. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

KOCH, Ingedore G. Villaça. Interferências da oralidade


na aquisição da escrita. Trabalhos em Linguística Apli-
cada, Campinas, (30):31-38, jul/dez. 1997

PAIVA, Maria da Conceição. O percurso da monotongação


[ey]: observações no tempo real. In: PAIVA, M. C.; DU-
ARTE M. E. l. (org.). Mudança linguística em tempo
real. 2003. p. 31-46.

POSSENTI, Sírio. Descaminhos da hipercorreção. Re-


vista Língua Portuguesa, n.100, fev. 2014. Disponível
em: <http://revistalingua.uol.com.br/textos/100/desca-
minhos-da-hipercorrecao-304554-1.asp>. Acesso em:
23/02/2014.

SÁ, Edmilson José de. Trocando as bolas (e as letras):


Variação ou desvio?, Revista Língua Portuguesa,
n. 23, Disponível em: <http://linguaportuguesa.uol.
com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/26/arti-
go190475-3.asp>. Acesso em: 22/05/2014.

SCHWINDT, Luiz Carlos;


QUADROS, Emanuel
S. de; TOLEDO, Edu-
ardo E.; GONZALES,
César A. S. A influência
da variável escolari-
dade em fenônemos
204    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

fonológicos variáveis: efeitos retroalimentadores. Re-


vel, v. 5, n. 9, ago. 2007.

TASCA, Maria. Interferência da língua falada na escrita


das séries iniciais: o papel de fatores linguísticos e
sociais. Porto Alegre: EdPUCRS, 2002.

VIARO, Mário Eduardo. Encontros mutantes. Revista


Língua Portuguesa, n. 81, jun. 2012. Disponível em:
<http://revistalingua.uol.com.br/textos/81/encontros-
-mutantes-262654-1.asp>. Acesso em: 22/05/2014.

Atividades

1) Identifique qual fenômeno fonético-fonológico temos na


imagem na placa ao lado.

Fonte: http://www.logoi.com.br/questoes-questiunculas-
-quejandos/questoes/frorianopolis-onde-fica-2/

a) Confusão entre grafema e fonema;

b) Monotongação;

c) Ditongação;

d) Lambdacismo;

e) Rotacismo.

2) Identifique a correta explicação para a seguinte realiza-


ção:
Capítulo 9    Relação entre Fala e Escrita    205

“Usou a vaca para cortar folha.”

a) Percebe-se o apagamento do tepe alveolar em po-


sição final de sílaba e registro disso na escrita;

b) Percebe-se a hipercorreção do uso do ditongo;

c) Percebe-se a troca de sons foneticamente seme-


lhantes, no caso entre consoantes surdas e sono-
ras;

d) Percebe-se o registro da vogal epentética;

e) Percebe-se uma segmentação que não condiz com


o vocábulo formal.

3) Identifique a correta explicação para a seguinte realiza-


ção:

“O soudado se feriu em combate.”

a) Percebe-se o apagamento do tepe alveolar em po-


sição final de sílaba e registro disso na escrita;

b) Percebe-se o registro da vocalização da aproxi-


mante lateral;

c) Percebe-se a troca de sons foneticamente seme-


lhantes, no caso entre consoantes surdas e sono-
ras;

d) Percebe-se o registro da vogal epentética;

e) Percebe-se uma segmentação que não condiz com


o vocábulo formal.
206    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

4) Identifique a correta explicação para a seguinte realiza-


ção:

“O adevogado de defesa ganhou o caso.”

a) Percebe-se o apagamento do tepe alveolar em po-


sição final de sílaba e registro disso na escrita;

b) Percebe-se o registro da vocalização da aproxi-


mante lateral;

c) Percebe-se a troca de sons foneticamente seme-


lhantes, no caso entre consoantes surdas e sono-
ras;

d) Percebe-se o registro da vogal epentética;

e) Percebe-se uma segmentação que não condiz com


o vocábulo formal.

5) Identifique a correta explicação para a seguinte realiza-


ção:

“Eu quis fala com ela.”

a) Percebe-se o apagamento do tepe alveolar em po-


sição final de sílaba e registro disso na escrita;

b) Percebe-se o registro da vocalização da aproxi-


mante lateral;

c) Percebe-se a troca de sons foneticamente seme-


lhantes, no caso entre consoantes surdas e sono-
ras;

d) Percebe-se o registro da vogal epentética;


Capítulo 9    Relação entre Fala e Escrita    207

e) Percebe-se uma segmentação que não condiz com


o vocábulo formal.

Gabarito:
1) e  2) c  3) b  4) d  5) a
Jane Sirlei Kuck Konrad1

Capítulo 10

Homonímia, Paronímia,
Polissemia e
Curiosidades

1  Professora adjunta do curso de Letras (ULBRA).


Capítulo10    Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades    209

Introdução

Neste capítulo, em “Homonímia, paronímia e polissemia”, o


estudo volta-se para a necessidade de conhecimento real
e concreto, em um processo comunicativo, sobre o uso de
palavras que possuem: diferentes sentidos, mas escrita e
pronúncia iguais; diferente escrita e mesma pronún­cia; di-
ferente pronúncia e mesma escrita; semelhança na escrita
e na pronúncia, mas diferença quanto ao sentido e, ainda,
palavras que assumem vários significados, dependendo do
contexto no qual são empregadas.

Em “Curiosidades Linguísticas”, o enfoque centraliza-se


em aspectos gerais da língua portuguesa, isto é, refere-se
ao emprego apropriado de formas e expressões que, não
raramente, causam dúvidas a quem pretende falar ou redi-
gir de acordo com a norma culta.

Você sabia que, por economia linguística, temos pala-


vras que, sozinhas, possuem vários sentidos? E também
que existem aquelas que, trocando apenas um som, assu-
mem outro significado, referem-se a um novo objeto? Nes-
te início de capítulo, trataremos dessas palavras da língua
portuguesa, chamadas de homônimas e parônimas.

Leia os seguintes trechos que seguem e preste atenção


aos vocábulos sublinhados.

ÂÂJoana passou na seção dez para perguntar sobre a


sessão extraordinária ocorrida na última sexta na Câ-
mara de Vereadores que tratou sobre a cessão de
donativos às vítimas das últimas enchentes.
210    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

ÂÂMarcos acendeu uma vela porque ascendeu profis-


sionalmente.

ÂÂSentou nos assentos da frente para estudar sobre os


acentos circunflexos.

ÂÂMarcela estudou muito os pontos destacados e con-


seguiu vários pontos na prova.

Como você pode notar as palavras sublinhadas pos-


suem escrita diferente e som semelhante ou escrita e som
semelhantes, mas todas elas referem-se a objetos diferen-
tes. Elas podem ser palavras homônimas, parônimas ou
polissêmicas. As palavras sessão (assembleia), cessão
(ato de ceder) e seção (departamento) têm o mesmo som
e diferem no sentido e na escrita. As palavras acender (ate-
ar fogo) e ascender (elevar-se), assento (banco) e acento
(sinal gráfico) entram no grupo das homófonas. A palavra
ponto é polissêmica, pois assume vários sentidos.

Na sequência, vamos estudar o que são palavras ho-


mônimas, parônimas e polissêmicas.

1 Palavras homônimas

São consideradas palavras homônimas aquelas que pos­


suem a mesma estrutura fonológica. Segundo Martins
(MARTINS, 2005, p.43), elas se dividem em homônimas
perfeitas e imperfeitas (homófonas e homógrafas).
Capítulo10    Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades    211

1.1 Palavras homônimas perfeitas


São palavras que possuem diferentes sentidos, mas têm
escrita e pronúncia iguais.

No quadro a seguir, apresentamos uma lista das pala-


vras homônimas perfeitas de uso mais comum.

Quadro 1  Palavras homônimas perfeitas

caminho – estrada, via caminho – flexão do verbo


caminhar, primeira pessoa do
presente do indicativo

cedo – advérbio cedo – flexão do verbo ceder,


primeira pessoa do presente do
indicativo

serra – instrumento cortante de serra – flexão do verbo serrar,


lâmina dentada de aço; grande terceira pessoa do presente do
cadeia de montanhas ligadas indicativo
entre si

são – sadio são – flexão do verbo ser,


terceira pessoa do presente do
indicativo

1.2 Palavras homônimas homófonas


São palavras que possuem diferente escrita e mesma pro-
núncia.
212    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

No Quadro 2, apresentamos uma lista das palavras ho-


mófonas de uso mais comum.

Quadro 2  Palavras homófonas

acento – sinal gráfico assento – lugar onde se senta

bucho – estômago buxo – arbusto em árvore ornamental

caça – perseguição a uma cassa – tecido transparente de linho


presa ou algodão

cela – aposento, cubículo sela – arreio de cavalgaduras

censo – recenseamento senso – juízo claro, sentido

chá – planta, infusão de folhas Xá – título dos soberanos da Pérsia

cheque – documento bancário xeque – chefe de tribo árabe


que equivale a dinheiro

concerto – sessão musical conserto – reparo, remendo

esterno – osso dianteiro do externo – o que está fora


peito

laço – nó lasso – cansado

nós – primeira pessoa do plural noz – fruta da nogueira

Temos ainda as palavras que possuem mais de duas


formas:

a. cesta. – lugar onde se pode guardar ou carregar


algo; sesta – descanso depois do almoço; sexta –
dia da semana
Capítulo10    Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades    213

b. sessão. – reunião, assembleia; seção – repartição;


cessão – cedência

1.3 Palavras homônimas homógrafas


São palavras que possuem diferente pronúncia e a mesma
escrita.

O Quadro 3 apresenta algumas das palavras homógra-


fas de uso mais comum.

Quadro 3  Palavras homógrafas

jogo – substantivo jogo – verbo

ele – pronome pessoal ele – nome da letra l

governo – substantivo governo – verbo

1.4 Palavras parônimas


As palavras parônimas não são iguais, mas apenas seme-
lhantes na escrita e na pronúncia, com sentidos diferentes.

No Quadro 4, apresentamos uma lista com os parôni-


mos de uso mais comum.

Quadro 4
Absolver – perdoar Absorver – embeber

Acender – pôr fogo Ascender – elevar-se

(continua)
214    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Quadro 4  Continuação

Área – superfície, superfície plana, Ária – canção, melodia


extensão

Assoar – limpar o nariz Assuar – fazer assuada,


vaiar

Calção – calças curtas que não Caução – garantia, precau­


ultrapassam o meio do joelho ção, segurança

Comprimento – extensão, tamanho Cumprimento – saudação

Conjetura – suposição Conjuntura – momento

Decente – honrado, honesto Descente – que desce

Deferir – atender, conceder Diferir – adiar, distinguir-se

Delatar – denunciar, revelar Dilatar – aumentar o volume

Descrição – exposição Discrição – qualidade de


discreto, prudência

Despensa – casa ou compartimento Dispensa – desobrigar


onde se guardam comestíveis

Discente – refere-se àquele que Docente – refere-se àquele


aprende que ensina

Emergir – elevar-se, vir da água Imergir – mergulhar,


para a superfície afundar

Emigração – saída voluntária da Imigração – ação de vir


pátria estabelecer-se em país
estrangeiro

Eminente – excelente Iminente – que está por


acontecer

(continua)
Capítulo10    Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades    215

Quadro 4  Continuação

Emissão – pôr em circulação Imissão – fazer entrar

Empenado – torto ou que tem Empinado – ereto, direito


penas

Flagrante – visível, instantâneo Fragrante – perfumado

fluir – correr fruir – desfrutar

infligir – aplicar castigo ou pena infringir – transgredir

mal – oposto de bem mau – contrário de bom

peão – funcionário da fazenda pião – brinquedo

posar – fazer pose para dei­xar-se pousar – descer no solo,


fotografar ou pintar aterrissar

proeminente – saliente no aspecto preeminente – nobre,


físico distinto

ratificar – validar, confirmar retificar – corrigir

recreação – recreio recriação – criar novamente

relevar – pôr em relevo ou aliviar revelar – descobrir, mostrar

soar – emitir ou produzir som suar – transpirar

tráfego – movimentação de carros tráfico – comércio ilegal

1.5 Palavras polissêmicas


Martins (MARTINS, 2005, p.45) define a polissemia como
“a situação em que uma palavra assume significados vari-
áveis de acordo com o contexto, mas cuja origem é única”.
216    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Como podemos ver, ter ciência desse aspecto de nos-


sa língua é de extrema importância para a boa elaboração
textual. A listagem de palavras que acabamos de ler con-
templa alguns exemplos dentre os muitos outros mencio-
nados em gramáticas e livros específicos. Para o emprego
ade­quado desses termos, é necessário ter um bom domí-
nio fonológico.

2 Curiosidades linguísticas

Muitas vezes, quando estamos escrevendo, surgem-nos


dúvidas quanto ao emprego de certas palavras ou expres-
sões. Isso porque muitas delas apresentam alguma seme-
lhança na fala, mas na escrita e no significado são bem
diferentes.

Vejamos o caso de uma pessoa escrever, por exemplo,


em um texto que aborda a diferença de distância entre ci-
dades da Grande Porto Alegre:

Ela mora em Canoas, que fica pertinho de Porto Alegre, mas


eu moro mais longe: minha cidade fica acerca de 40km da
capital!

O significado literal da expressão grifada, no contexto


acima, é “a respeito de”. Era isso que a pessoa queria di-
zer?
Capítulo10    Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades    217

Certamente não!

Ela devia ter escrito a cerca de, que significa “aproxi-


madamente”. No entanto, na leitura oral das duas possibili-
dades, não há diferença. É isto que pode ocasionar muitas
dúvidas: na fala, não há diferença, mas, na escrita, sim.

Leia, agora, o diálogo entre duas amigas:

— Márcia, tenho conversado muito com meu namorado e


descobri que grande parte das minhas ideias vão de encon-
tro às dele. Isso me deixa bem feliz!

— Olha, Lúcia, eu acho estranho, porque já passei por uma


situação assim, só que não fiquei feliz, bem ao contrário,
fiquei triste e tive de terminar o namoro!

Na sua opinião, qual das duas amigas está com a ra-


zão: Márcia ou Lúcia?

Vamos analisar suas falas:

a. Lúcia afirma que muitas de suas ideias vão de en-


contro às do namorado. Isso significa que ela e ele
têm pensamentos contrários a respeito de muitos
assuntos. Em seguida, demonstra estar bem feliz
com isso.

b. Márcia afirma já ter tido a mesma experiência, mas


que sua reação foi de tristeza pelo fato, tanto que
até terminou o namoro.
218    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Uma das duas amigas empregou uma expressão que,


na nossa língua, pode provocar dúvida no emprego, pois a
simples troca de uma preposição por outra faz com que o
significado de toda a expressão se inverta. Vejamos:

De encontro a – “oposição, choque”

Ao encontro de – “concordância, aceitação”

Assim, o que Lúcia diz é que está feliz porque suas


ideias entram em choque com as do namorado. Será que
era isso que ela queria dizer? Provavelmente não! Por
isso, a amiga estranhou e respondeu que não havia ficado
feliz diante de uma situação semelhante, chegando até a
termi­nar o namoro.

Ocorreu, nesse diálogo, uma confusão de sentido pelo


emprego inadequado da expressão destacada.

Vamos resolver algumas dessas dúvidas?

2.1 Acerca de, a cerca de, há cerca de


Quando empregar cada uma das expressões acerca de, a
cerca de e há cerca de?

Cada uma delas tem seu emprego próprio, de acordo


com o sentido que expressam. Veja como usá-las:

acerca de – quando significar “a respeito de”. Exemplo:

A seguir, falaremos acerca de um assunto polêmico.

a cerca de – quando significar:


Capítulo10    Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades    219

ÂÂdistância aproximada. Exemplo:

O campus Ulbra Canoas fica a cerca de 10 km de Porto


Alegre.

ÂÂtempo futuro aproximado. Exemplo:

Daqui a cerca de um mês visitaremos a Ulbra.

há cerca de – quando significar tempo passado aproxi-


mado. Exemplo:

Já estamos aqui há cerca de duas horas.

2.2 A fim, afim


Qual a diferença entre a fim e afim?

Embora a diferença na grafia seja apenas um a junto


ou separado, os significados dessas expressões são bem
específicos.

a fim – quando houver sentido de finalidade. Exemplo:

Você sempre está a fim de viajar!

afim – quando significar:

ÂÂsemelhança, afinidade. Exemplo:

O gosto dele é afim com o meu.

ÂÂparentesco não consanguíneo. Exemplo:

Sogra e genro são parentes afins.


220    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

2.3 Ao encontro de, de encontro a


Quando empregar ao encontro de e de encontro a?

Emprega-se cada uma dessas expressões conforme o


sentido que se queira dar ao texto.

ao encontro de – quando significar movimento favo­


rável. Exemplo:

Este aumento de salário veio ao encontro de meus pla-


nos para as férias!

de encontro a – quando significar movimento contrá­rio,


choque. Exemplo:

Essa atitude vai de encontro a minhas convicções, por


isso não a aprovo.

2.4 A par, ao par


Existe diferença entre estar a par e estar ao par?

Sim, existe. Veja:

estar a par – significa “estar ciente”. Exemplo:

Vocês estão a par dos procedimentos em caso de aci-


dente?

estar ao par – significa “ter equivalência cambial”.


Exemplo:

O dólar e o real já estiveram ao par, um tempo atrás.


Capítulo10    Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades    221

2.5 Tão pouco, tampouco


Que diferença há entre tão pouco e tampouco?

Há uma grande diferença, que envolve o significado.


Verifique:

tão pouco – significa “muito pouco”. Exemplo:

Tenho tão pouco tempo e tanto trabalho para fazer.

tampouco – significa “também não, muito menos”.


Exemplo:

Se você não sabe isso, tampouco eu sei!

2.6 Em fim, enfim


Em que contexto empregar em fim ou enfim?

O contexto para empregarmos cada uma dessas ex-


pressões é bem definido, conforme o que queremos dizer:

em fim – significa “no final”. Exemplo:

Meu amigo está em fim de carreira.

enfim – significa “finalmente”. Exemplo:

Enfim chegou o dia que eu tanto esperava!

2.7 Estada, estadia


Estão corretas as palavras estada e estadia?
222    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Estão corretas, todavia têm seu emprego diferenciado,


conforme o contexto. Embora se empregue uma pela outra
em contextos informais, em contextos formais (padrão cul-
to de língua) há diferença.

estada – significa “permanência de pessoa em algum


lugar”. Exemplo:

Minha estada nesta universidade deve durar quatro


anos.

estadia – significa “permanência de veículo em algum


lugar”. Exemplo:

Paguei R$10,00 pela estadia do meu carro.

2.8 Em vez de, ao invés de


Podemos empregar em vez de e ao invés de indiferente-
mente?

Não, pois o significado se altera. Por isso, observe bem:

em vez de – quando significa “em lugar de”, é mera


escolha. Exemplo:

Em vez de ir ao cinema, resolvi ir ao teatro.

ao invés de – quando houver sentido de oposição (in-


verso). Exemplo:

Quando fica nervosa, ao invés de chorar, começa a rir.


Capítulo10    Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades    223

2.9 A princípio, em princípio


Há diferença de sentido entre as expressões a princípio e
em princípio?

Sim, mesmo que se verifique uma confusão no empre-


go dessas expressões. Veja:

em princípio – significa “em tese, teoricamente”. Exem-


plo:

Sou contra as novas medidas, em princípio.

a princípio – significa “no começo, inicialmente”. Exem-


plo:

Eu pensava, a princípio, que o trabalho seria difícil.

2.10 As, ás, az


Quando usar as, ás ou az?

Além de serem três palavras graficamente diferentes,


têm significados diferentes. Por que, então, a dificuldade?
Por terem a pronúncia igual. Saiba, então, quando empre-
gar cada uma delas em seus textos.

as – quando se tratar de um artigo, portanto, acompa-


nhando substantivo. Exemplo:

É preciso valorizar as pessoas.

ás – pode significar:

“pessoa exímia em alguma atividade”. Exemplo:


224    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

Ele é um ás do volante!

“carta de baralho”. Exemplo:

O ás de copas está rasgado!

az – significa “esquadrão, ala de exército, fileira”. Exem-


plo:

Um az de corajosos soldados vale muito em situações


de perigo.

2.11 Entre eu e tu, entre mim e ti


O correto é entre eu e tu ou entre mim e ti?

Dúvida muito comum. Se você deseja empregar a única


forma correta, opte pela segunda, entre mim e ti. A outra
forma não é empregada na modalidade culta da língua.

A explicação gramatical é a seguinte: após preposição


(entre), emprega-se pronome pessoal oblíquo na 1ª pes-
soa do singular (mim) e na 2ª pessoa do singular (ti). Nas
demais pessoas, emprega-se pronome pessoal reto: 'entre
ele e nós', 'entre ele e ela' etc. Exemplo:

Como estão as coisas entre ti e ela?

2.12 Para eu, para mim


Qual deve ser o contexto para o emprego de para eu ou
para mim?
Capítulo10    Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades    225

Você viu, no tópico anterior, que após preposição se


emprega o pronome pessoal oblíquo com a primeira e a
segunda pessoa do singular. Entretanto, se esse pronome
estiver na função de sujeito, muda o emprego. Analise:

para eu – deve ser empregado antes de verbo no infi-


nitivo (nesse caso, eu é o sujeito desse verbo, e só podem
exercer função de sujeito os pronomes pessoais retos, não
os oblíquos). Exemplo:

Ele trouxe um trabalho para eu fazer.

para mim – deve ser empregado nos demais casos.


Exemplo:

Para mim, esta viagem vai ser uma maravilha!

2.13 Mas, más, mais


Qual a diferença entre mas, más e mais?

Há grande diferença, pois são palavras de classes gra-


maticais diversas.

mas – é conjunção adversativa, significando oposição,


contrariedade. Exemplo:

Eu sairia agora, mas ainda tenho algum trabalho a fa-


zer.

más – é adjetivo, plural de má. Exemplo:

Há pessoas más, que não veem o outro como seu se-


melhante.
226    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

mais – é advérbio de intensidade. Exemplo:

O clima está mais ameno neste verão.

2.14 Mal, mau


Como saber o momento de usar mal ou mau?

São palavras de classes gramaticais e de significados


diferentes, mas que comumente causam dificuldade no
emprego. Observe:

mal – é advérbio, significando “contrário de bem”.


Exemplo:

A peça está mal encaixada.

mau – é adjetivo, significando “contrário de bom”. Exem-


plo:

Um mau tempo está sendo previsto para a próxima es-


tação.

2.15 Onde, aonde


Onde e aonde têm o mesmo significado?

Embora as duas palavras façam referência a lugar, não


se empregam indistintamente. Veja:

onde – significa “em que lugar”; emprega-se com ver-


bos de sentido estático, como estar, ficar. Exemplo:

O material está onde o deixei.


Capítulo10    Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades    227

aonde – significa “para que lugar”; emprega-se com


ver­bos de sentido dinâmico, como ir, dirigir-se. Exemplo:

Você vai aonde nas próximas férias?

Existe, ainda, a palavra donde, que significa “de onde”


(origem). Exemplo:

Donde és natural?

2.16 Se não, senão


Quando empregar se não e quando empregar senão?

É muito comum o emprego dessas palavras de modo


equivocado. Para entender isso, observe:

se não – significa “condição contrária” (caso não).


Exemplo:

Só iremos se não chover.

senão – pode significar:

“problema, dificuldade” (nesse caso, é um substan­


tivo). Exemplo:

Esta atividade só tem um senão: é muito extensa.

“do contrário”. Exemplo:

Descanse, senão você ficará doente.

“mas sim”. Exemplo:

Não desejo seu mal, senão seu sucesso.


228    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

“a não ser”. Exemplo:

Algumas pessoas nada fazem, senão atrapalhar quem


trabalha.

“exceto”. Exemplo:

Ela nunca teve um bom desempenho, senão este.

2.17 Bebedor, bebedouro


O certo é bebedor ou bebedouro?

As duas formas são certas. Ocorre que cada uma tem


seu significado próprio.

bebedor – é “aquele que bebe”, assim como comedor é


“aquele que come”. Exemplo:

O grande bebedor é aquele que sabe beber!

bebedouro – é o “local onde se bebe”, ou o “aparelho


que dispensa água para beber”. Exemplo:

A água deste bebedouro está bem gelada.

2.18 Porque, por que, por quê, porquê


Como empregar essas quatro formas?

Essa é uma das maiores dificuldades encontradas entre


estudantes, pois há quatro formas de se grafar a palavra,
conforme o contexto. Para não ter mais dúvidas, analise:

Emprega-se por que em três situações:


Capítulo10    Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades    229

ÂÂem interrogações diretas ou indiretas. Exemplos:

Por que aconteceu esse fato?

Não sei por que aconteceu esse fato.

ÂÂquando se pode subentender, após a expressão, a


palavra motivo. Exemplo:

Ninguém entendeu por que (motivo) o ministro disse


isso.

ÂÂquando significar “pelo qual” e suas flexões (pelos


quais, pela qual, pelas quais); nesse caso, há um
subs­
tantivo anteposto, expresso ou subentendido.
Exemplo:

Todos sabem a razão por que aconteceu esse fato.

Emprega-se por quê em final de frase, antes de ponto fi-


nal, de interrogação, de exclamação ou reticências. Exem-
plo:

Você pensa dessa forma... por quê?

Já a palavra porque é uma conjunção, podendo signifi­


car “pois, já que”. Exemplo:

Os consumidores reclamaram porque seus direitos não


foram respeitados.

Porquê é um substantivo, significando “motivo, razão”;


por tratar-se de substantivo, pode sofrer flexão de número
e admite artigo ou outro determinante. Exemplo:

Todos sabemos o porquê desta medida do governo.


230    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

2.19 A, há
Quando usar a ou há?

É preciso muita atenção no emprego dessas palavras,


quando elas tiverem relação com tempo. Veja:

a – indica tempo futuro. Exemplo:

Daqui a dois dias haverá eleições presidenciais.

Há – indica tempo passado. Exemplo:

Já estamos aqui há duas horas!

Referências

CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima Gramática


Da Língua Portuguesa. 48. ed. São Paulo: Nacional,
2010.

MARTINS, Dileta Silveira; ZILBERKNOP, Lúbia Scliar. Por-


tuguês instrumental: de acordo com as atuais normas
da ABNT. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2005.

MESQUITA, Roberto. Gramática da língua portuguesa.


São Paulo: Saraiva, 2002.

NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de Usos do


Português. 2.ed.São Paulo: UNESP, 2011.

PERINI, Mário. Gramática do Português Brasileiro. São


Paulo: Parábola Editorial, 2010.
Capítulo10    Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades    231

Atividades

1) As palavras interseção e intercessão são:

a) homônimas perfeitas

b) homógrafas

c) homófonas

d) parônimas

e) todas as alternativas estão incorretas.

2) A alternativa que contém palavras homógrafas é:

a) conforto (substantivo) e conforto (verbo)

b) arrear/arriar

c) enformar/informar

d) lenimento/linimento

e) todas as alternativas estão corretas.

3) Marque a opção que completa corretamente a frase:

Para chegar___________ estou, tive que batalhar muito!

a) adonde

b) aonde

c) donde

d) onde
232    Língua Portuguesa I: Fonética e Fonologia

e) nenhuma alternativa completa corretamente a fra-


se.

4) Assinale a opção que aceita corretamente a expressão


há cerca de:

a) O mundo estará diferente daqui___________dez


anos.

b) ___________________desse assunto, muito se tem


discutido.

c) ____________________duas semanas aconteceu


um fato semelhante.

d) Estiveram no evento__________ duas mil pessoas.

e) Estarei lá______de duas horas.

5) Leia atentamente as frases:

I – A princípio, todos concordaram com as novas regras.

II – Naquele jogo, faltava para o concorrente um ás de


espada.

III – Chegou o dia de resolver esse importante assunto,


em fim!

Marque a única opção que corresponde ao padrão cul-


to de língua.

a) Estão certas I e II somente.

b) Estão certas I e III somente.

c) Estão certas II e III somente.


Capítulo10    Homonímia, Paronímia, Polissemia e Curiosidades    233

d) Todas estão certas.

e) Nenhuma está correta.

Gabarito:
1) c  2) a  3) d  4) c  5) a

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