1 - Palavras Prévias
A reflexão que se segue resulta de um duplo desafio: Pensar o Brasil a partir do seu
processo histórico de formação e inferir daí as singularidades de seu modelo de administração
e da formação requerida para o gestor de suas organizações e, concomitantemente, vivenciar a
experiência pedagógica de produzir coletivamente um ensaio (e não uma coletânea de textos),
com base na reflexão formulada. Essas atividades acadêmicas foram desenvolvidas durante o
ano letivo de 1996, conjuntamente nos programas de mestrado em Administração da Escola
Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (Rio de Janeiro) e
Universidade Federal Fluminense (Niterói), nos seminários de Tópicos Especiais de
Gerência (Repensando o Papel do Administrador) - onde o referencial teórico e o modelo de
análise foi discutido - e, posteriormente, na disciplina Acompanhamento de Projeto de
Pesquisa. Esta última tendo como objetivo o debate e a vivência das etapas de
desenvolvimento de uma investigação em Ciências Sociais, suas formas de financiamento,
dificuldades de implementação, técnicas e instrumentos de avaliação de progresso, produtos
finais e o relato e divulgação das conclusões.
A seguir são resumidas as idéias centrais desse trabalho que, em versão com maior
desenvolvimento está sendo redigido para publicação em texto de também maior extensão.
fenômeno trabalho organizado sob uma visão generalista e formalística, conduzindo assim, à
idéia de universalização das experiências organizacionais das economias mais adiantadas.
1
GARCIA, Ramon. Seminários: Introdução à “arte” de Governo., Programa de Pós-Graduação da FGV /
EAESP, São Paulo, 2° semestre de 1992.
2
Ver: RAMOS, Alberto Guerreiro. A redução sociólogica (Introdução ao estudo da razão sociológica).Rio de
Janeiro, Tempo Brasileiro, 1958.
3
Ver: MARTINS, Paulo Emílio M. Revendo o papel do administrador. Plano de Curso dos Seminários para os
Programas de Mestrado da EBAP/FGV e UFF, Rio de Janeiro e Niterói, 1° Semestre de 1996.
proposto, e com a preocupação da não perda do caráter de totalidade que as preside e que só
recomenda a enunciação analítica das mesmas com o propósito de ser mais didático.
4 - As interpretações do Brasil
O capitalismo tardio que retardou esse processo de industrialização, acabou por não
exigir, como em outros casos, a sistemática preocupação com o que seria a administração em
função da organização do trabalho. Enquanto no mundo moderno do século XIX, teóricos
pensaram o trabalho no pano de fundo do capitalismo industrial e a relevância do papel do
administrador neste processo, no Brasil, isto não aconteceu.
Procurando entender esse processo e propor rumos para uma administração coerente
com a realidade brasileira, G. Ramos revê a obra de autores da passagem do século XIX para
o século XX, e chama atenção para aqueles que de forma mais consistente dedicaram-se a
compreender a estrutura da sociedade brasileira contribuindo com suas interpretações da
burocracia, do formalismo e do patrimonialismo para a construção teórica que empreende de
forma pioneira.
artificialmente a consciência nacional (Alberto Torres) pela tutela da nação, exercida por um
corpo seleto de cidadãos.” (G. Ramos, 1966)
Refere-se também a Gilberto Freyre que em Casa grande e senzala (1933) aprofunda
a questão do formalismo como “estratégia a serviço da mobilidade social vertical” (G.
Ramos, 1966) quando define o bacharel como elemento híbrido de uma sociedade
miscigenada de baixa escala social com padrões de ascensão social europeus, produto de uma
aristocracia decadente que deixara suas marcas na composição social brasileira.
Seguindo a trilha aberta por G. Ramos podemos lançar o mesmo olhar sobre outros
cientistas sociais contemporâneos que procuram explorar, sob ótica específicas, os elementos
constituintes de nossa formação social.
Darcy Ribeiro, com sua visão etnológica da formação social pátria, privilegia o
enfoque sobre as peculiaridades da formação do povo brasileiro, enfocando esse contraponto
da dominação: a ótica das teias de relações que se formaram e estão em formação nas bases
populares da sociedade. Evidencia em sua análise que, enquanto o modelo de dominação se
afirmava desde a colonização, por outro lado se formava uma nação alicerçada sobre o
permanente processo de fusão de “matrizes díspares” (Ribeiro, 1994) racial, cultural e
economicamente, que anunciavam-se capazes de embates decisivos contra as forças
dominantes.
perdendo em nenhum momento o enfoque univesalista, B. de Holanda construiu uma das mais
completas análises da historiografia pátria.
Diversos outros autores têm interpretado o Brasil. Passamos apenas por alguns dos
mais relevantes porque quisemos apontar para aqueles que basearam suas construções teóricas
em amplas perspectivas sobre os elementos fundamentais de nossa história e formação social,
logrando mostrar que o Brasil é uma nação repleta de peculiaridades oriundas de sua história
de dominação, de múltiplas raízes e de sua peculiar posição no mundo ocidental, como
produtor de mão-de-obra barata, de uma industrialização tardia e de relações sociais baseadas
no patrimonialismo, no formalismo e na escravidão.
Até 1930, a preocupação com a administração do país foi determinada pelos interesses
de elites regionais, de acordo com o modelo agrário-exportador. A partir da necessidade de
orientar o país para um novo modelo econômico, começa-se a pensar sobre a racionalização
da administração pública brasileira, com a criação de órgãos como o IDORT (Instituto para o
Desenvolvimento e Organização Racional do Trabalho) e, posteriormente, o DASP
(Departamento de Administração do Serviço Público) em função da necessidade de
adequação da mão de obra às necessidades criadas pelo sistema industrial que se impunha
também com base na idéia da racionalização do trabalho.
No entanto, neste novo processo, não foram superados os valores nem as relações
sociais em que se baseava a produção escravista. No novo ciclo de produção tampouco
caberia a todos um lugar de cidadãos. Neste cenário - de uma sociedade que se afirmou no
contexto das nações do século XIX a partir de uma totalidade cultural forjada no escravismo -,
acontecem as tentativas de adaptação a um novo modelo de gestão e da formação do
profissional que o administraria.
A construção dos Estados-nações no século XIX tem papel central na formação desta
sociedade e o papel da sociedade escravista imperial no Brasil como momento histórico
gerador de um projeto nacional ainda não foi superado “por nenhum dos períodos
subseqüentes da história brasileira. No caso do Brasil, (...) a escravidão consolidou-se (...)
como algo mais que um recurso de disposição de mão-de-obra. Ela significou (...) um
conjunto de relações sociais mais amplo que as relações econômicas imediatas” (Salles,
1997). Vale ressaltar que a escravidão no Brasil, assim como no restante do mundo ocidental
“não foi apenas um expediente econômico passageiro em um tempo de acumulação primitiva
de riquezas (...). Na verdade, a escravidão está na raiz do mundo moderno; (...) foi uma parte
central no mundo que forjou valores ainda caros aos ocidentais, tais como as noções de
indivíduo, cidadania, direitos políticos e direitos de propriedade (...) e na criação de
organizações políticas complexas, que devem ser inseridas no contexto da história das
sociedades e das nações liberais modernas”. (Salles, 1997)
As idéias liberais do século XIX que aqui chegavam da Europa encontraram seu lugar.
Mesmo lá onde nasceram, os princípios liberais aplicavam-se de maneira desigual - “à vida
das elites, da nobreza e das classes economicamente mais favorecidas. O voto censitário, as
Sentir-se como um igual seria uma condição para a participação do indivíduo numa
equipe de trabalho dentro do padrão de exigências de participação e para o desempenho de
papéis e funções variados no mundo contemporâneo.
Até aqui, o papel imposto ao administrador e acolhido por este diz respeito a
privilegiar a organização em detrimento do ambiente, em outras palavras, o privado antes do
público, o local apesar do global. Como agente de uma racionalidade pretensamente técnica,
opera numa relação de desigualdade. “Na sociedade industrial de larga escala, a pesquisa, a
ciência, a tecnologia e a utilização industrial fundiram-se num sistema” (Habermas, apud
Guerreiro Ramos, 1989), levando assim a uma forma repressiva de estrutura institucional em
que as normas de mútuo entendimento dos indivíduos estão absorvidas, num “sistema
comportamental de ação racional de propósito determinado”. (G. Ramos, 1989). Poderíamos
acrescentar os instrumentos de gestão à tecnologia de que fala Habermas e entenderemos o
papel que cumpre o administrador neste sistema cuja ação racional tem propósito
determinado.
Este raciocínio faz com que o administrador se veja diante de um futuro que já está
dado por esta racionalidade e que não é capaz de enfrentar. É o profissional apartado de sua
condição de cidadão, de ser capaz de transformação. O símbolo criado é o do homem
ordenado para ação com fim determinado; a interação simbólica e o significado da vida
humana e social é o controle técnico da natureza e da acumulação de capital. Seu papel de
cidadão fica relegado a um segundo plano, onde a responsabilidade pelo exercício da
democracia está necessariamente alijada do processo produtivo e das relações que lhe cabem
gerir.
Está o administrador brasileiro preparado para assumir um novo papel, num espaço
onde inovação tecnológica não está separada da inovação social?
Com certeza a questão é pertinente e sugere uma investigação mais aprofundada para
esclarecer sobre fenômeno tão complexo quanto relevante.
Como primeira inferência da reflexão que fazemos, esse fator resultaria, muito mais,
das pedagogias praticadas do que propriamente do temário que roteiriza os conhecimentos
transmitidos.
Por outro lado, os conhecimentos que se pretende transmitir, não buscam a integração
de seus saberes para a solução dos problemas do dia-a-dia dos homens das organizações. Em
outras palavras: o descompromisso do modelo de formação profissional do administrador com
o seu momento histórico, seus fatores condicionantes, bem como, com a transformação dessa
realidade, identifica-se com o modelo pedagógico que Freire (1970) denominou de
“concepção bancária da educação”.
Partindo da crítica da “educação bancária”, Paulo Freire conclui que nesta concepção
pedagógica “o educador é o sujeito do processo, (enquanto) os educandos (são) meros
objetos”.
Parece não haver dúvida quanto a congruência de propósitos de uma visão “bancária”
da formação do profissional de administração e a ótica pragmático-utilitarista das
organizações tradicionais. Daí a importância de pensarmos uma nova paidéia para formação
4
A palavra é aqui utilizada no seu sentido original, dado pelos sofistas, de “uma idéia e de uma teoria consciente
da educação”. Ver: JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo, Martins Fontes, 1989.
“Ninguém educa ninguém. Ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo.” (Freire, 1970). E acrescentaríamos: Um mundo não-homogêneo.
Nem, simplesmente, exótico. Mas, singular.
a) Tutoramento dos educandos desde a fase preliminar até a final de sua formação.
Sem dúvida, a mudança que esta reflexão sugere não se limita às prescrições
anteriormente esboçadas. Ainda que uma formação profissional de base humanista, que
propicie o diálogo e a discussão livres e libertadores, seja uma sólida ferramenta para a
formação do administrador de que tanto necessitamos, é desejável que este seja educado para
sentir e refletir antes de agir. Ou, como disse melhor Nietzche: “As boas novas são ditas a
ouvidos delicados”.
BIBLIOGRAFIA:
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original: 1970).
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 17a. ed. Rio de Janeiro, José Olympio,
1984 (1a. ed. 1936).
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1995.