Resumo: Este texto tem por objetivo apresentar uma discussão acerca de princípios
forjados especialmente para fundamentar uma política de avaliação, implementada em
uma rede pública municipal paulista, em contraposição a lógica de processos de
regulação hegemônicos inerentes as atuais políticas das avaliações externas, de larga
escala. Esses princípios foram retomados e ampliados para guiar uma pesquisa que
busca elaborar indicadores de qualidade social em que se considera a formação humana,
para além das medições feitas pelas avaliações externas do aprendizado de habilidades e
competências em campos específicos, como leitura, escrita e matemática. A pesquisa é
financiada pelo OBEDUC-CAPES, desenvolvida por professores-pesquisadores da
universidade e da rede pública. Assumimos que há uma construção possível na
contramão do que é hegemônico no campo da avaliação, instituído pelo poder e o
interesse de regulação por parte dos reformadores e empresários educacionais. Tal
assunção nos leva a compreender a instituição escola como potencial na luta contra-
hegemônica. Refletimos sobre uma Carta de Princípios, elaborada coletivamente por
pesquisadores da universidade e rede de ensino municipal, necessários à construção de
um projeto de avaliação contrarregulatório. Ao final faremos a exposição e reflexão
sobre esses princípios defendendo-os como fundantes para se avaliar o trabalho
pedagógico desenvolvido no interior da escola. Concluímos que processos de avaliação
construídos de forma participativa, assim como outros espaços de decisão coletivos,
podem suscitar formas de organização contrarregulatórias, ou seja, por um lado resistem
à lógica empresarial contidas nos processos de implementação das reformas e
avaliações externas e, por outro, apontam caminhos alternativos sedimentados em um
projeto societário distinto daquele que orienta os valores de mercado.
Palavras chave: Avaliação institucional participativa; avaliação contrarregulatória;
políticas públicas.
igreja, sindicatos, clubes...), tem potencial para ser espaço de circulação de diferentes
posicionamentos. E neste sentido, tem potencial para ser espaço contra-hegemônico.
Seguindo esta lógica, voltamos às políticas educacionais atuais, em especial as
do campo da avaliação, as quais tem nos mostrado o poder e o interesse de regulação
por parte dos reformadores e empresários educacionais, bem como de determinadas
correntes políticas. O interesse aí não é a regulação da qualidade, a regulação para
qualificar e garantir os direitos em diferentes campos, do atendimento do público para o
público. O novo sentido de regulação posto aqui é o que se enquadra nas políticas
neoliberais.
“regulação” foi um termo construído no interior das “políticas
públicas neoliberais”, cuja eficácia maior no Brasil foi obtida na
gestão de Fernando Henrique Cardoso, para denotar uma
mudança na própria ação do Estado, o qual não deveria intervir
no mercado, a não ser como um “Estado avaliador” (cf. Dias
Sobrinho, 2002b). As políticas regulatórias querem, em áreas
estratégicas, transferir o poder de regulação do Estado para o
mercado, como parte de um processo amplo marcado por várias
formas de produzir a privatização do público. Isso inclui tanto a
instituição da regulação via mercado como o seu complemento,
a desregulação do público via Estado, para permitir aquela ação
de regulação do mercado (FREITAS, 2005, 913 - grifos do
autor).
Partindo do princípio gramsciniano de crença no poder contra-hegemônico da
sociedade civil, a lógica da política regulatória, quando ocorre nas instituições da
sociedade civil, pode sofrer resistências.
Contrarregulação é resistência propositiva que cria
compromissos ancorados na comunidade mais avançada da
escola (interna e externa), com vistas a que o serviço público se
articule com seus usuários para, quando necessário, resistir à
regulação (contrarregulação) e, quando possível, avançar tanto
na sua organização como na prestação de serviços da melhor
qualidade possível (justamente para os que têm mais
necessidades) tendo como norte a convocação de todos para o
processo de transformação social. Contrarregulação não é a
mera obstrução ou um movimento de “fechar as fronteiras da
escola” com relação às políticas centrais, penalizando o usuário
do sistema público. (FREITAS, 2005, p. 912- grifos do autor).
É com esta perspectiva e com este olhar para o contrarregulatório que
apontamos princípios importantes para a efetivação da contrarregulação.
3. Princípios de uma avaliação participativa sob a lógica contrarregulatória
A perspectiva de se implementar uma Avaliação Institucional Participativa
(AIP) na rede municipal, onde o projeto de pesquisa está em curso, data do início da
primeira década deste milênio, como uma questão problematizadora, na efervescência
que tomava assento nas discussões travadas em um cenário nacional e internacional
acerca da necessidade de os sistemas educacionais se avaliarem para traçar metas e
ações com vistas a qualidade do ensino público.
A partir desse momento, assumiu-se a defesa de um formato avaliativo que fosse
participativo, configurado a partir do trabalho coletivo envolvendo todos os atores da
rede municipal. Para tanto, engajou-se nesse processo professores pesquisadores do
laboratório, acima referido, os quais já vinham estudando acerca da avaliação e suas
lógicas, junto aos profissionais da rede que promoveram estudos e discussões sobre as
concepções de avaliação para definir qual perspectiva seria implementado na rede.
Dessa relação entre a Universidade e a Secretaria de Educação, culminou, em 2003,
com a publicação da “Carta de Princípios”, visando legitimar o processo de construção
das bases de uma experiência de Avaliação Institucional Participativa (FREITAS et al
2004). Cabe destacar, que a “Carta de Princípios”, foi aprovada em audiência pública
por profissionais da rede e os munícipes (SME, 2005).
Nessa Carta, a avaliação é entendida como um processo de apropriação
fundamentado em um “pacto de qualidade negociado”, e não como mera verificação de
um resultado pontual (FREITAS et al, 2004); nela, explicita-se a maneira mais
adequada de se pensar a avaliação em quaisquer níveis: como processo destinado a
promover o permanente crescimento; e que constituem aspectos indissolúveis do ato
educativo, formar para transformar a vida e instruir para permitir o acesso ao saber
acumulado (GERALDI, RIOLFI, GARCIA 2004).
Desse movimento, organiza-se um processo de avaliação, na rede municipal,
com a pretensão de não se limitar ao rendimento dos alunos, mensurados em notas, mas
que fosse capaz de ampliar as possibilidades de melhoria da escola, assim como
reconhecer os atores e as relações que nela ocorrem, distanciando-se de formatos
meritocráticos e ranqueadores.
Os elementos contemplados no documento tinham como objetivo nortear o
processo de discussão, implementação e viabilização do Sistema de Avaliação da Rede
Municipal de Educação.
Demarcados pelo caráter coletivo de reflexão sobre a avaliação educacional e
para além da verificação de resultados pontuais minimizados nas medidas, os dez
princípios, contemplados pela Carta, podem ser sumariados, como segue:
conhecimento circulante na escola. Como já anunciado a qualidade não deve ser vista
apenas como domínio de língua portuguesa e matemática, a formação humana em que
nos amparamos parte do pressuposto de que nossa constituição é mais ampla que a
formalização artificial de conhecimentos na escola. Ao tomarmos a natureza humana e o
trabalho socialmente útil como central, as diferentes produções humanas (ciências,
artes, cultura, humanidades) serão compreendidas como constitutivas das
crianças/jovens/adultos inseridos em seu contexto.
Finalizando
Neste texto, objetivamos trazer à tona princípios que regem uma avaliação
atuais políticas públicas que se implementam por meios dos exames em larga escala. O
o entendimento de que a escola deve incorporar o trabalho socialmente útil como forma
partir de uma coletividade consciente das contradições em seu interior, mas que no
assim como outros espaços de decisão coletivos, podem suscitar formas de organização
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i
A opção pela conjugação no plural não se dá apenas pela autoria que se anuncia no texto, de 3
professores envolvidos no projeto. Mas também por conta de que tais discussões tem sido construídas
coletivas no interior do grupo de pesquisadores do laboratório de pesquisa no qual nos encontramos
imersos.
ii
Freitag (1986), dentre outras, é uma referência para a melhor compreensão das diferentes posturas de
compreensão da relação escola e sociedade na área educacional.