produção de políticas públicas, tomando o caso proteções institucionais para evitar que a União
brasileiro como objeto empírico” (p. 13). tomasse iniciativas para expropriar suas recei-
Peça importante na interpretação do seu tas ou mesmo sua autoridade sobre os impostos
livro é, além da Introdução (p. 11-31), o artigo e as políticas sob sua competência” (p. 70). Assim,
de 2001 “Federalismo e democracia no Brasil: com argumentação solidamente fundamentada,
a visão da ciência política norte-americana” aborda os seguintes aspectos: a partir do fede-
(Arretche, 2001, p. 30). Nele, ela analisa os es- ralismo comparado, analisa hipóteses do pro-
tudos da ciência política nos Estados Unidos, cesso centralizador vivido na década de 1990;
revelando-nos rumos novos de pesquisa. Sua estuda amplamente as leis federais afetando
preocupação foi “destacar a necessidade de am- interesses dos governos subnacionais, funda-
pliação da agenda de pesquisas sobre a natureza mentando-se na distinção entre execução de
das relações intergovernamentais no Brasil”, políticas e autoridade decisória; analisa – como
sugerindo dois caminhos: “exame dos processos determinantes federativos desse processo – as
decisórios em que o governo federal foi bem mudanças nas agendas da Presidência da Repú-
sucedido em implementar sua agenda de refor- blica e o comportamento das bancadas esta-
mas” e “análise do processo decisório de políti- duais; finalmente, identifica a influência das
cas que envolvam relações diretas entre o Poder instituições federativas em relação aos proces-
Executivo dos diversos níveis e/ou nas quais o sos decisórios. Em sua conclusão “de como 1988
Poder Judiciário funcione como árbitro dos confli- facilitou 1995”, que aparece como título deste
tos intergovernamentais” (Arretche, 2001, p. 30). primeiro capítulo do livro, Marta nos diz que
A importância deste livro, portanto, está jus- “há mais continuidade entre as mudanças na es-
tamente na concretização dessa ampliação de trutura federativa da segunda metade da década
agenda na própria produção da pesquisadora, a de 1990 e o contrato original de 1988 do que a
partir de 2001. As análises contidas nos cinco noção de uma ampla reestruturação das relações
capítulos respondem a muitas questões, mas intergovernamentais autorizaria supor” (p. 72).
abrem, sobretudo, outras tantas indagações. Já o segundo capítulo se volta para uma
De fato, a autora menciona duas dimensões análise do comportamento das bancadas esta-
centrais no seu foco de análise: “o poder de duais na Câmara dos Deputados em relação às
veto das unidades constituintes nas arenas de- matérias de interesse federativo, especificamente
cisórias centrais (shared-rule) e a autonomia dos aquelas em que a União e os “governos territo-
governos subnacionais para decidir suas pró- riais” tinham interesses opostos. Foram identi-
prias políticas (self-rule)” (p. 13). Assim, a estru- ficadas 69 iniciativas – propostas de emenda
tura do livro tem os três primeiros capítulos constitucional (PECs), projetos de lei comple-
voltados para a primeira dimensão e os dois mentar (PLPs) e projetos de lei (PLs) – represen-
últimos abordando a segunda dimensão. tando 24% de votações no período de 1989 a
No primeiro capítulo, a pesquisadora exa- 2009. Este capítulo se ocupa da agenda federa-
mina 59 iniciativas de interesse federativo, que tiva após a Constituição de 1988 cuja temática
foram aprovadas na Câmara dos Deputados en- principal é a criação de impostos e contribui-
tre 1989 e 2006. Tratam de diferentes matérias ções não sujeitos à repartição com os estados e
que afetam interesses dos governos subnacio- municípios, da análise da correlação entre a
nais, relacionadas às receitas de estados e muni- “centralização decisória nas arenas federais” e
cípios; à autonomia dos governos subnacionais a limitação das “oportunidades institucionais de
na decisão sobre a arrecadação de seus impos- veto dos governos territoriais”. A conclusão da
tos, o exercício de suas competências e a aloca- pesquisadora é exposta em um duplo aspecto.
ção de suas receitas. E ela o faz sempre trazendo Primeiramente a “centralização regulatória com-
o texto da Constituição de 1988, onde clara- binada à ausência de arenas decisórias adicio-
mente é atribuída à União autoridade para le- nais de veto” limita as oportunidades de veto
gislar “sobre todas as matérias que dizem res- dos governos subnacionais. Em segundo lugar,
peito às ações de Estados e municípios” (p. 70). o comportamento das bancadas estaduais sem
A autora também demonstra que os constituin- coesão em torno das questões estaduais, cedendo
tes de 1988 “não criaram muitas oportunidades mais aos acordos partidários do que aos inte-
institucionais de veto” e “não previram fortes resses regionais que representam (p. 112-113).
No capítulo terceiro, a investigação se volta mediados pelo modo como execução local e
para uma análise comparada da relação entre instrumentos de regulação federal estão combi-
federalismo e bicameralismo, como fundamen- nados em cada política particular” (p. 171).
tação argumentativa do estudo sobre o compor- O capítulo final enfrenta – inovando – a ques-
tamento do Senado Federal brasileiro. Sobretudo tão crucial do pseudoconfronto entre a proposta
estudando a tramitação de 28 emendas consti- federalista e a igualdade territorial como forma
tucionais, a autora constata que nossos sena- de manter a unidade da União. Neste sentido,
dores não se deixam afetar pelas pressões dos argumenta contra as interpretações de que a
governadores, das elites econômicas ou da opi- Constituição de 1988 criou instituições federa-
nião pública dos estados ou regiões que repre- tivas comprometedoras da eficiência do Estado
sentam. O poder de veto no Senado Federal, de brasileiro, lembrando que não podem ser igno-
fato, pertence aos partidos políticos e não aos rados nem o papel das desigualdades regionais,
interesses regionais. Unindo o caso brasileiro às nem as relações da União com os governos sub-
teorias que embasam o relacionamento do fede- nacionais sobre o seu funcionamento. A divisão
ralismo ao bicameralismo, a pesquisadora assim entre unidades pobres e ricas é que está “na
se expressa em sua conclusão: “mesmo sob o bi- origem da escolha por um desenho de Estado
cameralismo simétrico em que a Câmara Alta que permita ‘manter a União’ e evitar os riscos
constitua uma arena adicional de veto, o efeito associados à fórmula majoritária” (p. 175). Res-
inibidor de vocalização dos interesses regionais gatando as discussões dos capítulos anteriores,
sobre a mudança institucional pode ser subs- Marta Arretche sintetiza: “Distinguir quem for-
tancialmente reduzido se a segunda casa legis- mula de quem executa permite inferir que, no
lativa também for uma casa partidária, isto é, se caso brasileiro, embora os governos subnacio-
a disciplina partidária prevalecer sobre a coesão nais tenham um papel importante (...) no gasto
da representação regional” (p. 141). público e na provisão de serviços públicos, suas
Se até aqui Arretche privilegiou a análise da decisões de arrecadação tributária, alocação de
centralização e o poder de veto das instâncias gasto e execução de políticas públicas são larga-
subnacionais, nos capítulos quarto e quinto seu mente afetadas pela regulação federal”. Após
foco será a descentralização e autonomia nas debruçar-se sobre dados de um panorama das
relações verticais da federação e a questão da políticas nacionais de redução das desigualda-
igualdade regional. des e seus efeitos sobre a desigualdade territo-
O capítulo quarto examina as bases teóricas rial de receita, das políticas nacionais de regu-
para a análise dos “mecanismos institucionais lamentação e supervisão do gasto e seus efeitos,
que permitem aos governos centrais obter a a autora afirma em sua conclusão: “A parte mais
cooperação dos governos subnacionais para rea- expressiva das transferências federais no Brasil
lizar políticas de interesse comum” (p. 27). A tem sua origem no objetivo de reduzir desigual-
análise comparada permitiu minimizar uma corre- dades territoriais de capacidade de gasto. Essas
lação direta entre a criação destes mecanismos foram (historicamente) um elemento central de
e a forma federalista ou unitária de organização construção do Estado brasileiro, similarmente
do Estado. A distinção conceitual entre execução a outras federações, em que a ideia de uma co-
e autoridade decisória é mais útil do que a dis- munidade nacional única prevaleceu sobre as
tinção entre estados federativos e unitários “para demandas por autonomia regional” (p. 201).
predizer os efeitos centrífugos da relação cen- Como afirma a apresentadora, o livro traz
tral-local, isto é, dos arranjos verticais dos esta- “uma interpretação inovadora sobre o nosso sis-
dos nacionais” (p. 170). Isto significa, no caso tema federativo”. É uma obra fundamental para
brasileiro, que a “convergência em torno das os cientistas políticos e apoio à auto-análise dos
regras federais é alavancada quando a) a Consti- políticos em seu comportamento. Sobretudo,
tuição obriga comportamentos dos governos porém, indicado para fortalecer análises de pes-
subnacionais ou a União controla recursos fis- quisadores e profissionais da saúde e da educa-
cais e os emprega como instrumento de indução ção, já que estes campos manifestam fundamen-
de escolhas dos governos subnacionais.” (...) tal correlação entre os poderes central e locais.
“Neste sentido, efeitos centrífugos não são di-
retamente derivados da fórmula federativa, mas
Referência