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Osmar Ponchirolli*
Juarez Francisco da Silva**
*
Filósofo, teólogo, Licenciado em História e Sociologia. Especialista em Didática do ensino Superior. Mestre e Doutor pela Universidade
Federal de Santa Catarina. Professor da FAE - Centro Universitário e da Faculdade Padre João Bagozzi em Curitiba. E-mail:
ponchirolli1965@gmail.com
*
Psicólogo, Especialista em Psicologia Analítica, Mestre em teologia, Mestre em Organizações e Desenvolvimento, diretor geral da
empresa TOTEM talentos. E-mail: Juarezgt@yahoo.com.br
Abstract: The theory of complexity basically comes from the idea that every
system is a complex unit holding diversity and multiplicity, even antagonisms. The
ecosystem and biosphere give full meaning to the term complex, which means
interlacing, therefore, what is interlaced together, it consists of a closely woven
together fabric, although the wires that constitute are extremely diverse. From the
work of Edgar Morin’s “The Method”, this study focuses primarily on the development
of the defining features of transdisciplinarity, then the assumptions of complexity
theory to organizations can engage with the work then only check how complexity
theory and the area of education, which characterizes itself as a company, because
the training is grounded theoretically in the educational environment. Complex
thinking aims to overcome the closed entities or the disciplines, as a necessary
means to conceive the fundamental. Either directly in the area of education, in
the construction of complex thinking or in organizations as a field of knowledge,
the complexity is available to communicate with all other theories of knowledge,
considering the transdisciplinary method as a guide for this approach. The thread
of the observation of the assumptions of epistemology proposed by the complexity
considers that the one who researches is, before of anything, a researcher of
himself, so the life of Edgar Morin, founder of the theory of complexity, is the main
constituent of the final considerations of this study.
Keywords: Transdisciplinarity. Complexity. Education. Organization. Method.
pensar que transcende as fronteiras da disci- por um importante aporte pluridisciplinar, mas a
plina, a fim de construir um meta ponto de vista serviço apenas dessa disciplina.
acerca da vida, da terra, do cosmos, das artes, Outra forma de pesquisa, a interdisciplina-
dos homens. ridade diz respeito à transferência dos métodos
A palavra epistemologia é definida por de uma disciplina a outra. Conforme Nicolescu
Freire (2001) como a teoria do conhecimento, (1999) é possível distinguir três graus de inter-
uma parte da filosofia cujo objeto é o estudo disciplinaridade: 1) um grau de aplicação; 2) um
reflexivo e crítico da origem, natureza, limites e grau epistemológico; e 3) um grau de geração
validade do conhecimento humano. Essa forma de novas disciplinas.
de conhecer as coisas leva a buscar a natureza, Embora seja possível caracterizar a dis-
as etapas e os limites do conhecimento humano, tinção da transdisciplinaridade com relação à
os processos cognitivos individuais e sociais, disciplinaridade, à pluridisciplinaridade e à in-
dando possibilidades de reflexão. terdisciplinaridade, conforme Nicolescu (1999)
A epistemologia transdisciplinar diz res- seria muito perigoso considerar essa diferença
peito ao que está ao mesmo tempo entre as como absoluta, pois com isso a transdisciplina-
disciplinas, através das diferentes disciplinas e ridade seria esvaziada de todo o seu conteúdo
além de toda disciplina, segundo Morin (2010). e a eficácia de sua ação seria reduzida a nada.
Sua finalidade é a compreensão do mundo atual, Parece conclusivo que a disciplinaridade, a
e um dos imperativos para isso é a unidade do pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a
conhecimento, que se fundamenta metodologi- transdisciplinariade são as quatro flechas de um
camente em três pilares: os níveis de realidade, único arco: o do conhecimento.
a lógica do terceiro incluído e a complexidade. Outra base fundamental que sustenta a
A proposta teórica transdisciplinar trata de teoria da complexidade é o que Morin (2005)
mais uma forma de refletir e conhecer os fenô- chamou de tetralogia, ou seja, o que concebe
menos da vida, tão importante quanto as outras como as ideias de ordem, desordem, interação
epistemologias vigentes, mas que se dedica ao e reorganização. Qualquer atividade de todo ser
diálogo intermitente com todo tipo de pesquisa. vivo é formada por essa tetralogia paradigmática,
A pesquisa chamada disciplinar, segundo seja na vida pessoal, profissional, educacional,
Nicolescu (1999), se refere a um único nível de e em todas as relações.
realidade. Na maioria dos casos, ela só diz res- O que realmente caracteriza a teoria da
peito a fragmentos de um só nível de realidade. complexidade como um pensamento transdis-
Como a transdisciplinaridade interessa pela di- ciplinar? Como esse método se constitui como
nâmica gerada pela ação de diversos níveis de ciência? De que forma o pensamento complexo
realidade ao mesmo tempo, esta dinâmica passa se articula com a ideia de organização do traba-
necessariamente pelo conhecimento disciplinar lho no mundo atual? Como a psicologia de base
que, por sua vez, é clareado de uma maneira psicanalítica identifica características relevantes
nova e fecunda pelo conhecimento transdisci- na história da vida pessoal do autor, que pos-
plinar. Nesse sentido, as pesquisas disciplinares sam ter vinculação direta com a pesquisa sobre
e transdisciplinares não são antagônicas e sim a complexidade? A transdisciplinaridade pode
complementares. facilitar as interações de caráter heterogêneo
Para Nicolescu (1999), a pluridisciplinari- no campo das subjetividades e da produção de
dade é uma forma de pesquisa que se dedica ao conhecimento?
estudo de um objeto de uma única disciplina por Essas são questões que a pesquisa
diversas disciplinas ao mesmo tempo. Por exem- teórico-empírica, de natureza exploratória e
plo, a filosofia marxista pode ser estudada pelo bibliográfica tenta desvendar neste texto, ou
enfoque da filosofia entrecruzada com a física, a ao menos compreender como o autor teceu o
economia, a psicanálise ou a literatura. O objeto conceito de complexidade, como pode dialogar
em questão sairá, assim, enriquecido pelo cruza- com as organizações do trabalho e com a área da
mento de várias disciplinas e o conhecimento do educação, que também se caracteriza como uma
objeto em sua própria disciplina é aprofundado empresa, pois a formação profissional se funda-
menta teoricamente no ambiente educacional.
A vida de Morin desde cedo é conduzida murmura o canto sagrado da “Casta Diva”2 em
a partir de experiências em áreas diversas, em sua homenagem.
lugares diferentes, por tradições múltiplas e No dia da morte de sua mãe, Morin estava
pesquisas variadas. Parece que, para elaborar com nove anos e naquele dia na saída da escola
conceitos complexos, é preciso também interagir seu tio Jo o esperava, mesmo sendo fato inco-
com as experiências que norteiam o conjunto mum a presença deste, ele não estranhou, nem
de saberes, indicando que o comportamento percebeu do que se tratava. A explicação do tio
humano é o que fundamenta a possibilidade foi de que os seus pais viajaram para tratamento
de elaborar conceitos científicos a partir de si de saúde.
mesmo, como sugere a teoria psicológica de Dois ou três dias depois da morte da mãe,
base analítica, utilizada como referência para foi levado ao jardim Martin-Nadaud, próximo ao
subjetivamente identificar características do cemitério Père-Lachaise e lá seu pai o espera-
comportamento do autor na constituição da va. Somente naquele instante é que percebeu
proposta teórica. que sua mãe estava morta, mas assim mesmo
Esta pesquisa também se dedica a ob- disfarçou que a tudo compreendia.
servar a vida do autor, relatada na própria obra, O fato de seu pai não tocar objetivamente
considerando que sua teoria inicia na relação no assunto nem conversar sobre a morte da es-
de pressupostos históricos da sua própria vida posa, gerou em Morin grande irritação, pois para
e, por isso, constitui fundamento psicológico ele o pai subestimou sua capacidade de assimilar
para tecer conceitos em ciência, considerando conscientemente a morte da mãe.
fundamentalmente a inspiração do observador A tia materna chamada Corinne disse que
como principal objeto da própria pesquisa. Luna tinha viajado para o céu e que talvez um
dia voltasse, mas isso provocou ainda mais ódio
Biografia de Edgar Morin em Morin, pois para ele era tudo mentira contada
para uma criança.
Edgar Morin nasceu em 08 de julho de Morin (2010) conta que esse episódio em
1921, em Paris e viveu nessa cidade com sua sua vida o fez conservar grande aversão pela
família. Seus avós maternos eram de origem mentira, pois relata que odiou o pai por ter-lhe
italiana e os ascendentes paternos, como muitos impedido de despedir-se de sua mãe, odiou sua
sefarditas1, haviam sido expulsos da Espanha em tia por pedir que agora a considerasse sua mãe.
1942. Contudo, as famílias celebravam juntas Para ele, o pai querendo evitar uma emoção
as festas tradicionais, pois consideravam como no filho, causou um choque do qual nunca se
motivo social e não atribuíam especial atenção recuperou.
ao fator religioso, de menor importância. Para que o pai e a tia acreditassem que
Circuncisado na tradição religiosa, Vidal ele não sentia falta da mãe, evitou a vida toda
Nahoum, o pai de Morin, também o fez cumprir em falar sobre o fato e somente trinta anos mais
a obrigação da religião, mesmo não seguindo tarde, no seu livro Autocrítica é que Morin (2010,
rigorosamente os preceitos dessa tradição. p. 9) comentou sua dor.
A morte de sua mãe, Luna, aos trinta anos Sua tia Corinne já ajudava a cuidar dele,
provocou “uma Hiroshima interior” nele. O nome mesmo antes de sua mãe falecer, porém Mo-
Luna, segundo Morin (2010), também significa rin (2010, p. 9) nunca acompanhou sua tia ao
lua e corresponde a uma deusa, à qual diversas cemitério para homenagens do aniversário de
civilizações rendem culto costumeiramente, morte, indo ao túmulo somente quando adulto,
assim como ele o faz a cada lua cheia em que na ocasião do enterro de um dos parentes. Para
ele, “minha mãe era somente minha, minha dor
era somente minha, eu não queria partilhar nem
uma nem outra com eles”.
1
O sefardi é o judeu cuja ascendência remonta às comunidades
judaicas ibéricas (Espanha e Portugal), estabelecidas na Ideade
Média e dispersas por várias regiões após a expulsão da Espa-
nha em 1942 (HOUAISS, 2000). A palavra hebraica sefardi signi- 2
“Casta Diva” é o canto sagrado chamado assim em uma área da
fica espanhol (MORIN, 2010, p. 28). ópera Norma dedicado à lua (MORIN, 2010, p. 8).
Durante sua infância e adolescência, Morin a relação com seu pai e Corinne se apaziguou
(2010) comenta que sua mãe esteve presente muito.
nos seus sonhos, mas desaparecia quando ele Novamente Morin (2010, p. 13) disse
acordava e isso era desesperador. Trancava-se adeus à sua mãe, quando também se despediu
dentro de armários para chorar, tentando conter por três vezes de sua esposa Edwige no leito
os soluços para que o pai não ouvisse, e espera- de morte, no momento de fechar o caixão e no
va os olhos secarem para sair, mantendo o rosto cemitério. Esta além de esposa era vista por
sereno e aparentemente tranquilo ou indiferente Morin como uma “mãezinha”.
para o pai. Ao falar do seu nascimento, Morin (2010)
Um dia ouviu sua tia Corinne comentar utiliza a expressão de natimorto, considerando
com seus filhos de que havia na família uma tia que sua mãe tinha uma lesão no coração e por
chamada Lucinda que morreu por causa de muita isso foi aconselhada a não ter filhos. Na primeira
tristeza, e nesse momento lembrou que certo dia gravidez, foi ajudada eficazmente pelos remédios
chamou sua mãe de “malvada”. Teria sido esse de uma aborteira, mas na segunda não foi pos-
o motivo da morte da sua mãe? Se a tristeza foi sível abortar. “Ainda um feto, recusei-me a sair
a causa da sua morte, teria sido ele o causador e me agarrei ao ventre de minha mãe”, comenta
da morte dela? Morin (p. 13).
Segundo Morin (2010, p. 11), a culpa pela Esse trágico nascimento de Morin, em que
morte da sua mãe, mesmo na idade atual, está a vida da sua mãe dependia da morte do filho,
sempre pronta para reaparecer e lembra que inclusive com o estrangulamento do cordão
somente conseguiu falar dela pela primeira vez umbilical que quase o matou, foi-lhe contado
aos dezenove anos de idade, quando ficou refu- por carta pelo pai, na ocasião da celebração de
giado no início da Segunda Guerra Mundial, em seus 54 anos.
Toulouse. Falou e chorou para um colega que Na noite em que recebeu a carta, a insônia
vendia jornal nas ruas de Paris. o fez revisitar o momento que o médico segurou-
No fim de 1980, em quadro de depressão -o pelos pés, com palmadas na face, no peito e
psicológica, Morin (2010) levou um amigo e psi- por toda parte até emitir o primeiro grito e salvar
cólogo para visitar o túmulo da mãe e essa era a mãe e o bebê. Desse nascimento compreendeu
a segunda vez que visitava o cemitério. que pode haver alguma ligação com sensações
Em entrevista concedida para Tager (apud de sufocamento ao longo da vida, como uma
MORIN, 2010), até 2008 Morin não sabia com grande necessidade de ar que se transforma
exatidão a localização do túmulo, mas incons- em bocejo.
cientemente conhecia onde sua mãe está en- Morin (2010) lembra ainda que logo após
terrada. a morte de sua mãe, no primeiro verão, contraiu
Quase aos cinquenta anos de idade e mo- o diagnóstico raro de febre aftosa, como nos
rando na Califórnia (EUA), Morin (2010) convidou bovinos, e chegou a ter febre de 41 graus.
o pai e Corinne, que nesse momento estavam Como era filho único, ele teve uma relação
casados, para visitá-lo depois de trinta anos que muito próxima com sua mãe e lembra que ela o
não viviam mais juntos. Na noite anterior à che- mimou com roupinhas de marinheiro e todo tipo
gada deles, Morin teve um sonho com sua mãe de agrado.
que descreve da seguinte maneira: Morin (2010) cita que alguns historiadores
e a arte em geral, como a música de Beethoven,
Estou sobre o flanco de uma colina, embaixo
contribuíram para ele conseguir enfrentar a vida.
há uma estação de trem e acima uma estrada.
Um carro estaciona, os passageiros descem Inclusive sua ligação com o partido comunista e
e se dirigem à estação. Entre eles vejo minha os quinze anos fazendo política foram formas
mãe. Corro até ela e o trem chega. Ela me de consumar o desespero por uma redenção
beija, eu lhe digo adeus e ela se vai (MORIN, imaginária.
2010, p. 13). Das várias experiências durante a guerra,
fugas criativas e da possibilidade de ter sobre-
Para Morin (2010) esse sonho foi o vivido após ser perseguido, talvez a mais impor-
momento em que se despediu da sua mãe, e tante tenha sido o momento em que dentre os
pseudônimos que usou durante esse período, ele somente sabe da pequena parte que lhe
se apresentou numa reunião dos companheiros coube e que foi retribuído com trabalho, mas
resistentes em Toulouse com a identidade de esse fato deixou sua vida marcada pela calúnia
Manin, entendido como Morin pela sonoridade da de ter utilizado dinheiro público de forma não
língua francesa. A partir de então, “sou Nahoum muito correta.
e sou Morin. Mas não sou uma pessoa dividida. Aos quarenta anos, em 1961, foi transpor-
Minha dupla identidade é para mim como meus tado para o Hospital Monte Sinai em Nova York
dois olhos: eles me fazem enxergar melhor” onde ficou em coma por um tempo, mas renasce
(MORIN, 2010, p. 122). decidido a viver suas verdades e reformar a vida.
A curiosidade literária desse autor parece Casou-se 1978, perto dos sessenta anos,
que desde cedo era aguçada e desenfreada, pois com Edwiges, o grande amor da sua vida, e a
antes mesmo dos vinte anos já havia lido obras partir dessa relação emocional estabeleceu para
como o Bhagavad-Gita, os Evangelhos, as bio- si quatorze mandamentos que sustentam suas
grafias de Vivekananda e de Ramakrishna. Bus- atitudes, como sujeito da própria história com-
cava seu caminho nas tradições espiritualistas plexa (MORIN, 2010, p. 377) que são:
orientais e o caminho de Buda parecia superior
• O contrário de uma verdade profunda é ou-
a tudo o que conhecia no Ocidente, mas foi ca-
tra verdade profunda (retirado de Pascal e
pital a iluminação adquirida com a leitura da obra de Niels Bohr);
sobre a Fenomenologia do Espírito de Hegel.
Por isso, Morin (2010, p. 88) se considera • O melhor dos mundos é também o pior
(Deus e Satã são o mesmo);
um pensador marxista-hegeliano, com contribui-
ções de Freud, Jung, Ferenczi, Otto Rank e de • Tudo que não se regenera degenera (o
filósofos como Jankélévitch e Bachelard e sente- que quer dizer, também, que a certeza ja-
-se mais integrado com as leituras de Heráclito, mais é alcançada);
Pascal, Kant, Nietzsche, Husserl e Heidegger. Na • Rir, amar, chorar, compreender;
sua forma de integração cultural, se reconhece
• Esperar pelo inesperado;
como um judeu-gentio3 e pós-marrano4.
Depois de várias experiências militares • Lutar em duas frentes;
durante e pós a guerra, com muitas viagens e • Resistir à crueldade do mundo e à barbárie
pessoas diferentes, ligação com partidos polí- humana;
ticos e ideologias, é inevitável a separação da • Não sacrificar o essencial à urgência, mas
esposa Violette. Deixou para ela todos os bens obedecer à urgência do essencial;
materiais, inclusive a conta bancária, saindo
de casa com alguns livros e a experiência de • Devotar-se ao que propicia paixão e com-
paixão;
jamais ser escravo das coisas como objetos e
bens materiais. • Manter sempre alerta a razão na paixão e
Uma grande experiência para sua vida sempre presente a paixão na razão;
como pesquisador foi a que viveu na comuna • Preservar a revolta na aceitação e a acei-
de Plozévet, na região da Bretanha. O dinheiro tação na revolta (de Beethoven);
investido em pesquisas não gerou para a socie- • Amar o frágil e o passageiro (Amar tudo
dade o que se esperava sendo os professores aquilo que não se verá duas vezes, de Al-
da comunidade acusados de desvio dos recursos fred de Vigny);
financeiros. Morin (2010) afirma ter cumprido
• Pensar em aumentar a vida de seus dias
rigorosamente com sua pesquisa, e do dinheiro
muito mais do que os dias de sua vida (de
Rita Levi-Montalcini);
3
Judeu-gentio para Morin (2010, p. 88) significa o judeu moderno • Renascer e renascer até a morte.
que, formado na e pela cultura humanista europeia, torna-se ci-
dadão de uma nação. Em 1984, a morte do pai aos 90 anos de
4
Os marranos eram os judeus da Espanha e Portugal que foram idade, em Mônaco, foi mais um golpe para Morin
forçados a se converter ao cristianismo no fim do século XV (2010), pois já havia compreendido seu respeito
(MORIN, 2010, p. 89).
e amor pela forma como o pai se dedicou exausti- O desespero por verdades, segundo Morin
vamente na criação do filho, mesmo quando fazia (2010), fica expresso no engajamento ao comu-
chantagens de que iria morrer caso Morin não nismo e na resistência no decorrer da Segunda
cumprisse com os seus pedidos. Construíram Guerra Mundial. Dessa forma, o ceticismo e a fé
uma forte relação afetiva nos últimos de vida do não cessam de se combater em sua vida, pois
pai e, seis anos após a morte deste, o corpo de não teve educação religiosa institucional em casa
Vidal é transferido para junto de onde a mãe fora e sua vida impulsionou a busca de verdades após
enterrada, no cemitério Père-Lachaise. a morte de sua mãe. Também não teve orienta-
Alguns meses após a morte do pai, Morin ção cultural pelo pai, e suas dificuldades foram
teve um sonho em que estava diante do túmulo o principal alicerce para despertar em Morin
deste e escutou Vidal lhe dizer: “Edgar, meu que- verdades pessoais que, sem essas experiências,
rido, agora você pode ir. Não esqueça sua pas- teriam sido impossíveis de serem atingidas.
ta. O luto acabou.” A partir desse sonho, Morin
(2010, p. 231) se dedica ao livro Conhecimento A pesquisa e o método transdisciplinar
do Conhecimento5, publicado em 1986.
O termo transdisciplinar historicamente
Em 1986, Morin (2010) comenta que teve
data de 1970, quando Jean Piaget afirmou, du-
indícios de uma depressão psicológica e teve
rante um congresso sobre interdisciplinaridade,
dúvidas se deveria seguir com O método ou se
que aquela etapa deveria ser sucedida por uma
deveria interromper por um período. Seu psico-
etapa transdisciplinar, segundo Theophilo6. O
terapeuta sugeriu que seguisse o que estava
prefixo trans remete ao que está entre, através
sentindo no momento, ou seja, interromper tal
e além das disciplinas.
obra e escrever um livro em homenagem ao seu
A epistemologia transdisciplinar propõe
pai. Assim o fez e em 1989 publicou o livro Vidal e
transcender o universo da disciplina e trazer à
os seus, escrito num computador na comunidade
tona a multiplicidade dos modos de conhecimen-
italiana, Parma, entre lágrimas e sorrisos, para
to, da potencialização de tendências heterogê-
depois voltar e seguir com a obra interrompida.
neas, seja no campo das subjetividades ou no
Claude Allègre, ministro da educação do
da produção de conhecimento, abrindo áreas
primeiro ministro francês Lionel Jospin, convidou
de tensão com as tendências homogeneizantes.
Morin para presidir um conselho para a reforma
Para Nicolescu (1999), a transdisciplina-
do ensino secundário em 1998.
ridade pode ser entendida como uma forma de
Diante de um grupo de quarenta membros
ser, saber e abordar, atravessando as fronteiras
competentes e oriundos de diversas disciplinas,
epistemológicas de cada ciência, praticando
Morin (2010) preparou inicialmente oito jornadas
o diálogo dos saberes sem perder de vista a
temáticas, segmentando em cada jornada os
diversidade e a preservação da vida no planeta,
temas sobre o universo, a terra, a vida, a huma-
construindo um texto contextualizado e perso-
nidade, a história, as línguas, civilizações e artes,
nalizado de leitura dos fenômenos.
as culturas adolescentes, mas o tema na oitava
Em 1994, foi realizado o primeiro congres-
jornada foi sobre religar os saberes.
so mundial sobre a transdisciplinaridade, que
As proposições pedagógicas estão publica-
presidido por Mário Soares reuniu, no Convento
das em A cabeça bem feita e no mesmo contexto
de Arrábida (Portugal), especialistas das áreas
da educação, a Unesco pediu um texto de valor
da ciência, letras, arte e religião, de diferentes
universal para ser introduzido nos programas das
localidades. Como memória do Congresso, ao
escolas de ensino primário e secundário. Esse
final foi elaborado o projeto Carta da Transdisci-
texto foi publicado em livro com o título Os sete
plinaridade de autoria de Edgar Morin, Basarab
saberes necessários à educação do futuro, mas
Nicolescu e Lima de Freitas.
na França não foi muito vendido como em outros
lugares do mundo.
6
Roque Theophilo, presidente da Academia Brasileira de Psico-
logia e Academia Internacional de Psicologia. Diretor Geral do
Instituto Brasileiro de Estudos Sociais. Foi um dos fundadores do
5
O livro Conhecimento do conhecimento é um dos livros que Conselho Federal de Psicologia, e um dos pioneiros da Psicologia
compõe a obra O método (MORIN, 2008b, p. 232) no Brasil, conforme este site: <www.psicologia.org.br>.
obstáculos geralmente são a razão, o raciona- e qual aquele que pesquisa e se coloca como a
lismo, a racionalidade e a racionalização como categoria mais objetiva do saber, como o caráter
inibidores ou repressores do processo complexo. circular da relação.
Embora concebidas separadamente, a Na relação de cada dia que passa, a ciên-
teoria da complexidade, também chamada de cia se desdobra em micropossibilidades, pois
pensamento complexo, e a epistemologia da por mais que uma unidade se comunique com
transdisciplinaridade articulam-se, e se vistas a outra, o homem das ciências humanas é como
de maneira separada uma torna-se princípio da um espectro suprafísico e suprabiológico.
outra. O pensamento complexo foi sistematizado A proposta de O Método para Morin (2010)
por Morin (1991), e a transdisciplinaridade por é a pesquisa de um sistema capaz de articular o
Nicolescu (1999). que está separado e reunir o que está disjunto,
não somente no sentido linguístico, mas como
A teoria da complexidade expressão da realidade da dúvida que questiona
a si mesma como símbolo anunciador da com-
Para justificar o seu posicionamento acerca plexidade.
do que chamou de natureza da natureza, Morin Nas pesquisas sobre as leis da natureza,
(2010) a princípio, pensou em tratar do problema observa-se que a ordem é soberana e imutá-
da organização, nos limites das ideias sistêmi- vel, e que a desordem não existe. Somente o
cas e cibernéticas. Porém, na medida em que a determinismo e a parcialidade do olhar humano
pesquisa foi sendo realizada, descortinaram-se impedem de ver a plenitude universal.
outras opções que incluíam as ideias iniciais num Em termos de energia, “todo trabalho pro-
complexo de novas possibilidades. duz calor e isso contribui para a degradação”.
A ideia de cibernética e de máquina, no A essa diminuição irreversível da aptidão de se
percurso da construção teórica de Morin (2010) transformar e de efetuar um trabalho, própria do
foi substituída pela expressão physis8, significando calor, foi denominado de entropia por Clausius
que o universo físico deve ser concebido como o (apud MORIN, 2010).
próprio lugar da criação e da organização, comum Em um sistema fechado, probabilistica-
ao universo físico que compõe a vida. mente, é maior a identificação de desordem e
Também é invocada a ideia de organização da desorganização, pois o universo é um me-
biológica e organização antropossocial9, manten- gassistema fechado. Assim, para Morin (2010),
do o ponto de vista da ordem física. Para Morin o caminho é para a inelutável perspectiva rumo
(2010, p. 52) “a verdadeira realidade é ordem à desordem e à desorganização.
física, onde todas as coisas obedecem às leis da As partículas de um átomo aparentam ter
natureza; ordem biológica, onde todo indivíduo a estética do sistema astral ou macrocósmica, e
obedece à lei da espécie; ordem social, onde a realidade microfísica possui uma ordem que se
todo humano obedece à lei da cidade”. diferencia em alguns aspectos do conceito mais
A organização é um conceito original e de comum ou tradicional de ordem e desordem. Se-
natureza física, consequentemente nem a obser- gundo Morin (2010), uma desordem se constitui
vação microfísica e nem a cosmofísica podem como parte de toda physis ou de todo ser físico,
ser dissociadas de seu observador. e mediante ela algo existe.
Ao observador, Morin (2010) reforça o O que há no universo físico como as
princípio desse sujeito conhecedor, a priori, tal estrelas é “uma bomba de hidrogênio que
arrebentará um dia”, e nessa ideia o conceito de
desordem substitui o lugar que ocupava a ideia
8
O termo physis foi adotado por Morin para significar o universo de ordem, pois o universo desse ponto de vista
físico. de Morin (2010) é uma “diáspora explosiva”, uma
relação da desordem, a constituição da ordem e
9
A expressão antropossocial é assim utilizada por Morin para sig-
nificar que a verdadeira realidade é de ordem física, em que todas o desenvolvimento da organização.
as coisas obedecem às leis da natureza; de ordem biológica, no No desenvolvimento da termodinâmica,
qual todo indivíduo obedece à lei da espécie; e de ordem social,
em que todo humano se submete à lei da cidade (MORIN, 2010,
segundo Prigogine (apud MORIN, 2010), não há
p. 52). necessariamente exclusão, mas eventualmente
da relação entre o indivíduo, a sociedade e de aula, a didática que possibilita o diálogo entre
respectiva espécie, num complexo contexto de disciplinas, entre as culturas e necessariamente
vida que não se separa, mas que fica fundido e sobre identificação e gestão dos próprios talentos
também dissociado. como estudante e educador.
A comunicação é a condição para que o As pessoas comprometidas com a edu-
ser humano se transforme essencialmente em cação e com a formação do ser humano, na
sujeito que pertence a uma sociedade, segundo opinião de De Aguiar (2005), podem considerar
Freire (1997). Uma das suas proposições de a universidade como um local apropriado para
maior fundamento para o autor é a de que a a formação de cidadãos e profissionais compe-
educação, como construção compartilhada de tentes. Contudo, tanto o pensamento complexo
conhecimentos, constitui um processo de co- como a proposta de Freire (2001) parecem
municação porque se gera mediante relações concordar que o ser humano precisa se educar
dialéticas. A construção do conhecimento não permanentemente como uma experiência vital,
termina no objeto estudado, já que se comunica a pois onde há vida também existe inacabamento.
outros sujeitos também abertos ao conhecimento Portanto, a educação pode ser entendida
sendo um processo interativo que, como proces- como um processo constante e inconclusivo da
so significativo, constitui a essência e a estrutura vida humana, e o ensino transdisciplinar como
fundamental no campo social da educação. uma metodologia muito apropriada na discus-
Sendo assim, como a educação pode são epistemológica que caminha para estimular
estimular o estudante para uma prática de vida ações integradoras, que contemplam atitudes
complexa se a metodologia e a didática tradicio- dialéticas complexas pertinentes.
nal não permitem essa reflexão?
Na educação tradicional que se estabele- A teoria da complexidade no contexto da
ceu no Brasil por volta de 1594, segundo Freire organização do trabalho
(1997), o professor devia colocar o conhecimento
pronto dentro da cabeça do aluno que, por sua Nas empresas, independente do produto
vez, devia reproduzir esse mesmo conhecimento gerado e do tamanho da estrutura, o princípio or-
da forma mais completa possível. ganizacional parece semelhante ao que a teoria
No pensamento complexo surgem para- da complexidade já enunciou como fenômeno
digmas inovadores, em que ocorre o retorno da que pode ser concebido e percebido, mas não
visão orgânica de mundo e agora ampliada pela pode ser explicado na totalidade por nenhuma
ciência, seja na escola, como nas organizações lei simples.
que também se constituem como locais de con- A empresa está situada num determina-
tribuição para a educação do homem social. do mercado e produz objetos ou serviços que
De acordo com Freire (2001), o professor entram no universo do consumo, portanto, se
é também sujeito do processo e assim como o autoproduz e gera o que é necessário à sua
estudante é ativo, constrói sua história, é um ser sobrevivência e a de sua cultura.
dialógico capaz de gerar conhecimento levando A cultura de uma instituição é constituída
em conta a natural transitoriedade e indetermi- pelas normas, valores e práticas que caracterizam
nação das teorias. uma empresa e a tornam única. Assim, trata-se do
A sala de aula é um local para absorver e principal fator responsável pelo desenvolvimento
estimular questionamentos, e por isso é neces- de um sentido de unidade e participação coletiva,
sário dialogar com o conteúdo das realidades guardando diferença entre os membros de um
sociais. Portanto, parece ser adequado o cuidado grupo para outro, bem como as diferenças
para proporcionar os meios adequados ao pro- dentro do mesmo grupo entre um indivíduo
cesso, como a ergonomia12 do ambiente da sala e outro. Por isso que, para Schein (1987), a
cultura organizacional é considerada como o
“grande segredo, responsável pelo sucesso das
12
Conforme a Associação Brasileira de Ergonomia (ABERGO)
NR-17, ergonomia é o estudo científico de adaptação dos instru-
mentos, condições e ambiente de trabalho às capacidades psico-
fisiológicas, antropométricas e biomecânicas do homem. Portan- to, considera-se como uma ciência multidisciplinar.
negligenciou os limites das regras de cognição a mesma coisa que um indivíduo, isoladamente,
inerentes às organizações. Dentre as limitações, ou que existia um único problema de motivação
destaca que o conceito de racionalidade predo- para toda a organização. Os processos organi-
minante na teoria das organizações conduz ao zacionais, consequentemente, teriam sempre a
entendimento de que o comportamento econô- mesma resposta como uma psicologia individual.
mico constitui a totalidade da natureza huma- A psicologia como ciência do comporta-
na. Também acentua que esta não distingue mento humano tem sido muito útil para a com-
o significado substantivo do significado formal preensão do fenômeno organizacional, mas
da organização, que não trabalha com a ideia não pode ser vista na individualidade, dado que
clara do que compreende a interação simbólica provavelmente esses indivíduos estão sob a
no conjunto dos relacionamentos interpessoais influência das situações organizacionais, ofere-
e, ainda, que se apoia no pressuposto de que o cendo, portanto, um ajustamento do fenômeno
homem é apenas um componente da força de e do comportamento reciprocamente.
trabalho, participando como item de custo. O que Guerreiro Ramos (1989) denomina
Parece ser adequado também pensar que de “ideologia integracionista” é uma tentativa
o campo da teoria da organização é um dos de condução das ações organizacionais que
locais em que se concentram várias influências podem perder de vista a necessária tensão entre
pela natureza do próprio espaço dialógico, po- as pessoas e os sistemas projetados. Contudo,
rém, necessitando de uma avaliação criteriosa essa tensão é o que retifica o mesmo sistema
da condição desse campo para evitar que se organizacional, relacionando as partes e o todo
transforme num local confuso, intolerante e sem com precisão constituinte.
direção assertiva ou inapropriada. Na precisão das atividades cerebrais,
A criação tem como característica a elabo- a inteligência, a consciência e o pensamento
ração de algo supostamente inusitado, diferente, são atividades com qualidades próprias e certa
descoberto casualmente e da colocação do con- autonomia, que retroagem em círculos sobre as
ceito de forma mais adequada do que aquilo que atividades originárias.
até então foi admitido. Por isso, Kaplan (1964, p. Morin (2008a) define a inteligência como
266) apud GUERREIRO RAMOS, 1989, p. 71) arte estratégica, o pensamento como arte dialó-
expõe sobre o esforço da formulação teórica da gica, e arte da percepção, a consciência como
seguinte forma: arte reflexiva, sabendo que constantemente
interagem entre si.
Não há duas coisas no mundo completamen-
Na inteligência estão os pressupostos
te iguais, de modo que toda analogia, por
mais estreita que seja, pode ser levada a um pessoais para decidir, tomar decisões, resolver
extremo exagerado; por outro lado, não há problemas e parece que na natureza também
duas coisas que sejam completamente des- existe certo nível de inteligência, como uma
semelhantes, de modo que sempre é possível planta que se enverga para buscar o sol, quando
estabelecer uma analogia, se nos decidirmos outras árvores à sua volta são maiores e ocupam
a fazer isso. A questão a ser considerada, em mais espaço físico.
todos os casos, é se há ou não alguma coisa O reino animal também apresenta carac-
mais a aprender nessa analogia, se nos deci- terísticas aparentemente de uso da inteligência,
dirmos a estabelecê-la. como as estratégias ou astúcias peculiares ao
Considerando os paradigmas vigentes nas caçador, tanto quanto da caça no processo de
teorias da administração, as dificuldades epis- fuga. Por isso, a inteligência pode ter antecedido
temológicas existentes podem receber grande a própria espécie humana e considerando as
contribuição da teoria da complexidade como várias espécies existentes, o desenvolvimento
sendo o paradigma emergente? dos diversos tipos de inteligência também se
Para lidar com os paradigmas organiza- deu em separado.
cionais, na visão de Guerreiro Ramos (1989), as O problema da inteligência concerne dire-
teorias administrativas têm sido excessivamente tamente ao problema do conhecimento, que de-
simplificadas e demasiado globais, pois provavel- pende da inteligência, dos conhecimentos de que
mente partiu da ideia de que a organização era dispõe (MORIN, 2008ª, p. 153). Por analogia, o
sistemas se apresentam como paradoxo, consi- O foco ideal da proposta apresentada pelo
derando sob o ângulo dos constituintes, diverso método de Morin (2010) é o circuito, o encami-
e heterogêneo. A complexidade de um sistema nhamento organizador do método que leva a
associa em si tanto a ideia de unidade quanto fisicalizar as noções, em seguida socializá-las,
de diversidade. depois fisicalizá-las outra vez e novamente
Sendo assim como se constitui o conceito socializá-las ao infinito. Esse não é um círculo
de sistema, é necessário o emprego das quali- vicioso, mas uma práxis produtiva, pois se dá
dades pessoais do sujeito que se comunica com numa condição aberta e alimentada constan-
o objeto; por isso, requer que a ciência física temente para gerar o que Marx (apud MORIN,
seja também entendida como ciência humana. 2010, p. 346) intitulou produção.
Segundo esse autor, essa relação entre objeto Para construir a ideia de organização pro-
e observador exige que este último observe a posta por Morin (2010), também foram utilizados
si mesmo investigando o sistema, e se esforce os conceitos de entropia e neguentropia, pois a
para entender o seu conhecimento. organização é o que envolve e liga neguentropia
A concepção de máquina segundo tal autor e informação.
envolve todo elemento (ser) físico cuja atividade O conceito de entropia apresentado por
comporta trabalho, transformação e produção, Schrodinger em 1945 (apud MORIN, 2010)
e toda organização ativa pode ser concebida reforça a ideia de que tudo no universo está
como máquina. A máquina é considerada um ser em constante movimento, como o suco de uma
físico organizador, logicamente com o caráter fruta que não pode mais voltar à antiga forma.
sociológico humano, mas que torna a sociedade Esse fenômeno é apresentado pelo conceito de
dependente da máquina que ela mesma criou. irreversibilidade do tempo, considerando que as
As ações da máquina são produzidas combinações ocorrem nas relações entre as coi-
em função de propriedades organizacionais, e sas e não se repetem. Por isso, a segunda lei da
Morin (2010) denomia competência a aptidão termodinâmica afirma que a irreversibilidade de
organizacional para condicionar ou determinar um sistema está relacionada com sua entropia,
certa diversidade de ações, como também inti- uma medida de sua complexidade.
tuta práxis o conjunto de atividades que efetuam O conceito de neguentropia apresentado
transformações a partir de uma competência. As por Morin (2010) é o aspecto termodinâmico de
práxis são ações com caráter organizacional, e toda regeneração, reorganização, produção,
por isso que são qualificadas de sistemas prá- reprodução de organização, numa relação indis-
xicos aqueles que possuem organização ativa. solúvel e que promove o crescimento da entropia.
Consequentemente, a ideia de produzir A entropia e neguentropia constituem a
significa conduzir ao ser ou à existência de algo, mesma grandeza e, portanto, os processos anta-
como resultado das interações criadoras. gônicos da mesma organização: desorganização
As interações ocorrem por meio biológico, e degenerescência de uma parte, reorganização
humano, social como matéria física, ou seja, é o e regeneração ou desenvolvimento e complexi-
mesmo conceito de máquina, um dos mais físicos ficação de outra.
que se pode conceber sendo ao mesmo tempo Resumidamente, a neguentropia reina
uma construção intelectual complexa. no interior do sistema, segundo Morin (2010),
Portanto, para Morin (2010) o observador e despeja a entropia para o exterior, como um
deve necessariamente interrogar a sua concep- subproduto da sua atividade, semelhante ao
ção de sociedade e a de ciência. Sobretudo, deve conceito de desorganização/reorganização
suspeitar e questionar a si mesmo se deseja permanente. O mesmo fenômeno que combate
produzir um conceito complexo, que possa se a desorganização é o mesmo que renova as
aplicar a seres existentes desiguais sem anular mesmas causas.
suas diferenças, que mantenha respeito pela O conceito ou as ideias da neguentropia
extraordinária diversidade do universo das má- introduzem a ideia da informação, pois os seres
quinas, ou se ele não deseja intelectualmente vivos assim como as máquinas são constituídos
produzir o reducionismo físico e a mutilação da por relações organizacionais comunicacionais,
verdade.
seja por reações químicas ou por comportamento dução, e o idêntico, que define uma espécie, a
dos circuitos tecnológicos. identidade e um indivíduo, concedendo sentido
A cultura, segundo Morin (2010), constitui vivo ao termo organização, como também aos
um complexo regenerativo informacional matri- termos reprodução e produção.
cial, que perpetua a complexidade, originalidade, Assim como ocorre a autorreprodução,
identidade de cada sociedade e se reproduz os sistemas vivos possuem a capacidade de
através dos cérebros. Assim também pode autoproduzir-se de modo permanente, e isso
ser visto o surgimento do aparelho de Estado, constitui a principal característica desse sistema
semelhante à passagem do unicelular para o denominado de autopoiesis14 por Maturana, Vare-
organismo pluricelular. la e Uribe (apud MORIN, 2005, p. 130) em 1972.
O aparelho Estado possui dependências A sociedade humana, no desenvolvimento
que se perturbam, como os bancos e empresas da organização do trabalho se depara com o
na vida econômica; e os partidos na vida política, problema fundamental da auto-organização e,
que concentram em si a potência generativa de segundo Morin (2005), a complexidade pode es-
regras sociais. clarecer sobre as simplificações e falsas evidên-
Na ideia do tetragrama ou tetrálogo apre- cias que são utilizadas sobre a especialização,
sentado por Morin (2010), a desordem, as intera- a hierarquia e a centralização antropossocial,
ções, a ordem e organização constituem ligações que adquirem sentido unidimensional técnico
que indicam que tudo o que é gerado também ou econômico.
se gasta e precisa ser regenerado, portanto, o De acordo com esse autor, no segmento
que é genésico, gerador e criador não se priva social do trabalho, o desenvolvimento da racio-
da desordem. nalidade e da eficácia são impostos e exigidos
A complexidade aqui proposta por Morin pelo centro de comando e controle, a começar
(2010) corresponde à irrupção dos antagonismos pela hierarquia entre os que decidem e executam
dos fenômenos ou das contradições da essên- uma divisão do trabalho com as inúmeras espe-
cia das teorias, como pensar junto e de forma cializações, e conforme o progresso tecnológico.
coerente com ideias contrárias. Para tanto, é A organização do trabalho é semelhante
necessário localizar o meta ponto de vista que a um organismo biológico que possui a sede
relativiza a contradição, e a inscrição em um central de comando no cérebro e os órgãos e
circuito que torna produtiva e complementar a células seguem uma hierarquia, enquanto uma
associação. prodigiosa especialização ocorre na constituição
No pensamento complexo é necessário somática nas atividades das células e moléculas.
aproximar o que Morin (2010) denomia “objeto A especialização possui vantagens no
conhecente”, ou seja, o saber transforma o ob- aumento das qualidades organizacionais como
servador. Se o objeto é aproximado do saber que a precisão e eficácia, mas pode determinar a
transforma o observador, então provavelmente diminuição de autonomia e consequentemente
ocorre a produção do autoconhecimento na e inibição de outras potencialidades.
da vida. Assim também a complexidade pode ob-
A partir do prefixo “auto”, Morin (2005, p. servar a especialização no segmento da vida
129) questiona: qual é a autonomia da organi- humana em organizações, em que o ser humano
zação e da ação que produz e é produzida pela possui especialidades que não são separadas
autonomia de um ser individual e de uma existên- das não especialidades.
cia viva, constituindo um processo transindividual O desenvolvimento das bases da comple-
de autorreprodução? Ao prefixo auto, falta um xidade na organização do trabalho pode gerar
conceito consistente, evidente, pois gera uma o desenvolvimento de polivalências, que Morin
incógnita ou enigma da vida.
A noção do prefixo “auto” restitui os senti-
dos inseparáveis de uma forma direta, que tem 14
Autopoiesis pode ser entendida como a criação de novos senti-
o mesmo significado; e o reflexivo, que supõe a dos que ocorre porque o domínio da linguagem se autorreproduz
de forma não rígida e evolui em seu próprio grau independente
si mesmo. Morin (2005) constantemente designa de complexificação e criação de novas formas. (MORIN, 2005,
o retorno do mesmo através dos ciclos de repro- p. 130).
(2005) denominou de organização viva. Assim A tetralogia pode ser compreendida como
como o aparelho neurocerebral, a organização uma dimensão mística, humana e pessoal,
viva associa, combina e opõe especialização, mas é uma experiência de não separação e, de
não especialização, poliespecialização, anties- qualquer modo, Morin (2010, p. 345) “sente-se
pecialização. convencido de que é necessário estudar o xa-
Morin (2005) acentua que no universo an- manismo não somente como curiosidade etno-
tropossocial, o indivíduo vive simultaneamente gráfica e não somente pelos poderes curativos,
para ele e para a sociedade, pois constituem (in- mas principalmente por ser a fonte mais arcaica,
divíduo com seu Estado) a mesma organização, mais profunda e misteriosa dos conhecimentos
e se combinam e complementam como também humanos”.
são antagônicos e por isso mesmo, precisam de O xamanismo, conforme Gurdjieff (2010),
estratégias como num jogo da vida. é uma tradição ou uma forma de viver, em que
O homem do futuro já está presente na as pessoas se dedicam aos relacionamentos
interação social, pois é isso que o constitui. Po- com todas as coisas, e com todos os fatos e
rém, o sistema social é um todo organizador que fenômenos, como se fossem organismos vivos
retroage sobre seus componentes e assegura e com inteligência múltipla desde sua origem. A
sua natureza original e equilibrada. palavra xamanismo significa aproximadamente
“aquele que sabe”, num sentido em que cada ser
Considerações finais pode saber de si mesmo, como única forma de
aprender como se relacionar com o outro com
O conhecimento total de todo o universo quem convive.
jamais será atingido, segundo Morin (2010), A comunhão psicológica sugere ser o ca-
mas se deve aspirar a um conhecimento multi- minho necessário para cada indivíduo ter, para
dimensional. si mesmo, a condição de direcionar esforços na
O método desenvolvido por esse autor é vida a fim de lograr êxito nas suas atividades
uma tentativa abrangente de articular os vários profissionais. A complexidade pode ser um meio
tipos e níveis de conhecimento das ciências, para que o ser psíquico destrone ilusões que são
especialmente as ciências físicas, biológicas e assimiladas apenas pela espécie, mas não para
dos saberes antropossociológicos, o que é visto a individualidade integrada num sistema cultural.
por Vasconcelos (2009) como um “antimétodo, Nessa concepção de mundo transdiscipli-
dado que toma como ponto de partida a nega- nar, o desafio parece ser grande, mas neces-
ção das falsas clarezas, do claro e distinto, e do sário, para poder transitar pela diversidade dos
conhecimento supostamente seguro”. conhecimentos com espírito livre e sem fronteiras
A escola pode incentivar a comunicação epistemológicas rígidas. Isso requer postura
entre as diversas áreas do saber e a busca adequada ao conceito, mesmo que necessite
das relações entre os campos do conhecimen- mudar a forma de fazer as coisas e fazê-las de
to, “desmoronando as fronteiras que inibem um jeito diferente em tempos modernos.
e reprimem a aprendizagem”. (PETRÁGLIA, As teorias administrativas, transversalmen-
1995). Trata-se da transcendência do pensa- te, podem ganhar apoio ao debate pela comple-
mento linear que sozinho é reducionista, pois “a xidade, e finalmente produzir pesquisas mais
transdisciplinaridade é a prática do que une o profundas sobre o fenômeno organizacional.
múltiplo e o diverso no processo de construção Conforme Vergara e Peci (2003), grande parte
do conhecimento”. das pesquisas desenvolvidas na área conclui
Conforme Lorieri (2010) é necessário que ainda se apresentam métodos tradicionais
aprender a construir passarelas relacionais sem de orientação positivista e funcionalista. Fato que
perder de vista as localidades. Há necessidade também não pode ser desconsiderado é que a
de desenvolver um pensamento apto a perceber política institucional na construção de conheci-
as ligações, interações, implicações mútuas e mento muitas vezes coloca os pesquisadores
ao mesmo tempo, a diferenciação, oposição, numa condição de reféns da própria linguagem,
seleção e a exclusão. Ambas as percepções são em consequência do que está institucionalizado
necessárias. há vários anos.
Guerreiro Ramos (1989) ressalta que é o para ele, sendo que isso também o constitui
momento de revisar o ponto cego das teorias como sujeito psicológico da própria pesquisa.
organizacionais atualmente utilizadas, para um Assim como na teoria da complexidade
avanço epistemológico substantivo. A colocação proposta por Morin, as teorias psicológicas
inapropriada de conceitos impregna a literatu- justificam que as consequências da vida hu-
ra contemporânea sobre tópicos e problemas mana estão em estreita relação com aquilo que
organizacionais, semelhante à confusão ensur- cada indivíduo produz, seja no espaço ínfimo
decedora de línguas que causam deformações. da consciência como no amplo segmento da
A teoria da complexidade poderia con- inconsciência.
tribuir com o debate educativo, ou se constituir Segundo a pesquisa, é necessário que
numa forma epistemológica para as teorias or- cada indivíduo saiba basicamente se locomover
ganizacionais e do trabalho? diante das circunstâncias da vida, especialmente
A transdisciplinaridade apresentada por relatando para si as experiências cotidianas e na-
Morin, como a epistemologia da teoria da com- turais das relações de conflito ou diferenças, mas
plexidade nesse estudo, é apresentada como que não necessariamente são desfavoráveis a
capaz de interligar conhecimentos que jamais se importantes aprendizados, como observado na
concluem. Neste sentido, o que aqui se observa própria vida de Morin.
e é objeto de uma das perguntas norteadoras Para que o indivíduo saiba reconhecer
desta pesquisa, é que a teoria da complexidade em si mesmo as principais características que
se institui como uma epistemologia adequada o qualificam para relações específicas, as teo-
a contribuir com a dialógica nas teorias educa- rias psicológicas afirmam que é necessário ter
cionais e nas organizações do trabalho, sempre condições que coloquem o indivíduo em contato
que se desejar constituir instrumentos reflexivos consigo mesmo, sendo, portanto, uma espécie
de continuidade para a dinâmica natural do com- de treinamento para o autoconhecimento.
portamento humano e organizacional. O que se propõe também nessa pesquisa
E é mediante a ciência do comportamento é a estimulação de canais identificados como
humano que nesta pesquisa buscou-se verificar na área da educação e nas organizações do
também as características da teoria da comple- trabalho, como fatores estimulantes do reconhe-
xidade relacionando-as com a forma de vida do cimento psicológico e humano. São esses luga-
autor. Visto que o cientista é também objeto de res sociais que funcionam como condutores da
sua própria observação, a vida de Morin se cons- dimensão dos valores humanos, que mediante
titui como referência para o enunciado teórico e pesquisas consistentes de linguagem adequada
isso reforça o que se observa como conclusivo possam contribuir socialmente com o reconheci-
até o momento. mento ou autoconhecimento pertinente.
A escola é reconhecidamente o local do Segundo a teoria da complexidade, a esco-
desenvolvimento humano complexo, antes das la e a empresa não podem perder a oportunidade
demais empresas e depois das culturas familia- de humanizar ainda mais o ser humano que ali
res. Por isso, a área da educação que também é se constitui, e que cada profissão seja definida
considerada uma empresa ou uma organização com caráter da verdade dos talentos pessoais a
do trabalho, somente pode receber como educa- serviço da produção de benefícios gerais, como
dor aquele que já possui o consistente processo a satisfação pessoal e social.
de educação. A história social convencionou que Desta forma, para Morin (2010) o educador
a escola é o local do desenvolvimento profis- deve educar a si mesmo, para somente assim
sional, em que profissões são ensinadas com exercer seu verdadeiro papel de educador, se for
comportamentos pertinentes ao exercício de esse o local de sua afinidade e se for para estar
cada profissão. em paz, no fim.
As características da epistemologia da Como processo dinâmico, com o tempo
transdisciplinaridade, apresentadas por Morin, a ciência evidencia as próprias limitações e
também aparecem na sua história de vida, o que pode nem se dar conta disso, mas pode-se
sugere que essa é a epistemologia adequada pensar em permitir que a transversalidade da
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