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Capítulo 8

Categorias de classificação
do parentesco: aspectos estruturais
e relevância social

Voltemos agora a nossa atenção para o sistema da terminologia do


parentesco e vejamos até que ponto este se «adequa» a outros aspectos
da sociedade chope. Darei continuidade neste C:lpítulo ao padrão dos
anteriores; neste sentido, descrevo a estrutur:l formal do sistem:l de c1:ls-
sificação do parentesco, procurando dar conta das SU:lSprincipais carac-
terísticas e identificando as áreas dosistem:l que se prestam à flexibili-
dade. Até :lqui defendi que o parentesco chope é maleável, destaca os
p:lrentes laterais, dá origem a um amplo leque de alianças; afirmei tam-
bém que na acção social são usadas todas as categorias de parentes. Estes
mesmos motivos emergem d:l análise que apresentarei em seguida. Na
verdade, o sistema de classificação do parentesco é um recurso social
importante, pois, como espero conseguir demonstrar, é maleável, mas,
simultaneamente, espelh;j as características sociais importantes e actua
como grelha de referênci;1. A flexibilidade :l que me rdlro encontra-se
ao nível da acção social. Por um lado, as categorias do parentesco
podem ser aplicadas a indivíduos que não são p:lrentes e, por outro, al-
gumas categorias do parentesco englobam indivíduos ligados a ego por
várias vias (que podem ser falsificadas por motivos tácticos).
Em termos do enquadramento teórico, recorro a orientações diversas
e, por vezes, aparentemente contraditórias. O resultado é uma síntese
de abordagens tão díspares como :l :lnálise formal de Lounsbury e a teo-
ria da aliança de Lévi-Strauss (entre outras). Esta associ:lção menos
óbvia, como demonstrarei já de seguida, toma-se possível pela utiliza-
ção do modelo dialéctico sugerido por Berger e Lud,man (1971) na sua
abordagem especial da sociologia do conhecimento. Assim, a despeito
quer das instigações da antropologia cognitiva para que a análise das temas classificatórios têm propriedades ideológicas que são usadas para
categorias do parentesco seja isolada de qualquer contexto social, quer reconciliar contradições básicas em determinados sistemas sociais."
das análises de autores de pendor sociológico que tratam esses sistemas Neste capítulo procuro elaborar um modelo que seja suficientemente
de parentesco como imagens passivas de características sociais, procuro compreensivo para demonstrar adequadamente a relação simbiótica
percorrer uma via intermédia, que permitirá o recurso aos melhores as- entre as categorias do parentesco e o seu contexto sociológico. A minha
pectos de ambas as abordagens. 1 preocupação com essa inter-relação reflecte-se na estrutura do capítulo,
Como em vários outros pontos desta obra, interessa-me neste capí- que se encontra dividido em três secções principais, com os seguintes
tulo (do ponto de vista metodológico) não apenas o ideal, mas o efec- objectivos: (1) justificar a minha abordagem sintética e apresentar algu-
tivo, ou seja, não apenas os referentes estruturais idealizados das cate- mas das questões teóricas em causa; (2) estudar a lógica da composição
gorias do parentesco, mas também a aplicação prática dos princípios nas das categorias do parentesco; (3) analisar as implicações sociológicas
situações empíricas. Por exemplo, tem sido concedida muita atenção à que influenciam o sistema e as que dele derivam. A segunda secção, na
diferença entre os termos usados para referência a terceiros e os que são qual apresento uma análise transformacional e uma descrição formal,
usados na comunicação directa com alguém, sendo os primeiros vistos trata do sistema de classificação do parentesco em termos das categorias
como os que veiculam uma grelha de referência globalmente aceite e os de referência. O principal propósito da terceira secção é a análise de as-
últimos como a aplicação prática (ou manipulação) daqueles em situa- pectos como o impacte social dos termos e da sua utilização no sistema
ções concretas. A possível discrepância entre. uns e outros é gerada pela de alianças.
própria situação e pode em parte ser explicada em termos da dicotomia
entre emic e elic que referi noutro capítulo. 2
Como McKinley mostrou incisivamente (1971a), a maior parte dos es- Orientação teórica: uma síntese
tudos sobre a terminologia do parentesco costumava basear-se, em
grande medida, naquilo a que chama um «pressuposto reflexionista» Para além da demonstração da lógica intema do sistema de paren-
(1971b, 408), que fazia com que as categorias do parentesco fossem tesco, um dos objectivos deste capítulo é dar conta da relevância social
abordadas como «espelhos imperfeitos e passivos do sistema social" desse sistema. Há dois aspectos dessa relevância social que importa ana-
(1971b, 408; v., por exemplo, Radcliffe-Brown 1952,49 e segs.). Pos- lisar: em primeiro lugar, os efeitos do sistema c1assificatório na forma
teriormente, vários autores defenderam que os sistemas de classificação como as relações sociais são conduzidas (seja num sentido ideal, seja
do parentesco existem como «factos sociais» (Scheffler e Lounsbury quanto aos usos estratégicos que podem ser dados a determinada cate-
1971, 156); 3 os termos do parentesco podem ser vistos como «objectos goria); em segundo lugar, a importância do contexto social em que o sis-
culturais» (Glick 1967,371) que podem ser usados pelos indivíduos varia- tema terminológico se inscreve. A este respeito sigo McKinley (1971a,
velmente, tal como qualquer outro objecto cultural. Maurice Bloch, 197~b) quando afirma que, embora o contexto social e a terminologia
num ensaio de 1971, tal como Glick, alerta para as possibilidades de ma- estejam em grande medida interligados, não são coincidentes. No en-
nipulação, considerando que os termos do «parentesco» têm uma utili- tanto, parece ser heuristicamente útil começar por tratar separadamente
dade táctica que deriva de uma base moral (Blod1 1971a). McKinley, em- os sistemas de ideias e os contextos sociológicos e humanos, como se
bora sublinhe também o aspecto ideológico da terminologia do fossem sistemas fechados, e só depois verificar que a realidade se baseia
parentesco, altera ligeiramente a perspectiva quando afirma que os sis- numa síntese de uns e outros. 4

1 Devo muito ao trabalho de McKinley (1971a, 1971b) e 'à abordagem específica da * A época em que David Webster tenninou a escrita do manuscrito - cerca de 1976 _
sociologia do conhecimento desenvolvida por P. L. Berger e T. Luckrnan em 7]g Social e~te debate estava muito aceso. Embora tenha sido entretanto abandonado, tal não sig:
Com/rue/íol/ of Rtality (197 I), como se verá ao longo deste capítulo. ntfica que tenha perdido a sua relevância empírica - como, aliás, a análise que se segue
2 Apesar de Bloch defender que esta fonna de ver o problema é insuficiente (v. adiante). demonstra. (N. do E.)
3 Cr. Lounsbury (1969), Schemer (1972b), Glick (1967), Bloch (197Ia) e McKinley 4 Muito J semelhança do modo como Leach interpretou os sistemas sociais kachins

(197Ib). (Leadl 1954).


Categorias de dassificaçiio do parentesco; aspectos estmlJlmis e relevância social

Q1al é então a natureza da relação entre a terminologia do paren- sempenham um papel activo no desenvolvi~ento .contínuo da so-
tesco e o contexto social? Berger e Luckman oferecem uma possível ciedade. Sublinho este aspecto porque as tcrmmologtas .do, p.arente~c?
solução quando afirmam que «uma 'sociologia do conhecimento' terá foram tradicionalmente vistas como reflexos de alguns pnnCl~lOs, SOClalS
de tratar não apenas da variedade empírica do 'conhecimento' nas so- importantes. Embora não pretenda rejeitar por completo esta ldela, con-
ciedades humanas, mas também dos processos pelos quais qualquer cor- cordo com McKinley (1971a, 1971b) quando afirma que este papel «pas-
pus de conhecimento é socialmente estabelecido como 'realidade'" sivo" atribuído às terminologias do parentesco é enganador e que estas
,. . . 5
(1971,4). Baseando-se nos trabalhos de Marx, Durkheim e G. H. Mead, terminologias desempenham papels POSItiVOS. .
a síntese elaborada por estes autores é uma combinação da distinção Gostaria de pôr de lado por um instante o argumento de McKinl:y
proposta por Marx entre as infra-estruturas e as superestruturas na vida (que trata as terminologias do parentesco como uma forç.a de conservaçao
social (1971,18) com a definição de realidade social avançada por Durk- das alianças temporárias) e observar a função das categonas do parentesco
heim e ainda com a noção de Mead de que há um diálogo entre o in- a um nível mais simples: a terminologia de classificação do parentesco faz
divíduo e a sociedade em que o indivíduo é constrangido e influencia- com que a pessoa tenha em mente um muito m~ior número de pessoa.s
do pela cultura e sociedade a que pertence. O ponto de vista de Mead do que seria possível de outro modo. Numa ,soCleda.de ,d~ pequer:as dI-
é valioso porque considera que o desenvolvimento desse diálogo não é mensões, como é a dos chopes, o parentesco e um pnnClplO orgamzador
predeterminado e podem surgir novos padrões de actividade em função extremamente importante. A importância do parentesco é ainda ~ume?-
das escolhas e das manipulações feitas pelos indivíduos. tada pelo f.1.cto de a maior parte deste povo esta: e~ ,grande ~edlda Clf-
Berger e Luckman afirmam que a realidade social resulta de um pro- cunscrita a um território, embora cada um dos mdlVlduos mIgre de vez
cesso dialéctico que compreende três fases: em quando. Isto faz com que as pessoas tenham contactos frequentes
com um vasto grupo de pa;entes, que esp~ram ser tratados de. ac?rdo com
É importante sublinhar que a relação entre o homem, o produtor, e o o idioma do parentesco. E claro que sem extremamente dIfi~tl .se hou-
mundo social, o seu produto, é sempre dialéctica. Ou seja, o homem (não vesse, para cada parente individual, um tem10 de parentesco dlstmto, es-
isolado, obviamente, mas nos seus colectivos) e o seu mundo social intera- pecialmente se tivermos em conta que cada tenno do parentesco traz con-
gem um com o outro. O produto actua sobre o seu produtor. A exteriori-
sigo um «pacote" de direitos e deveres inerentes. 6 .
zação e a objectificação são momentos de um processo dialéctico contínuo.
Neste sentido, uma terminologia do parentesco consiste num con-
O terceiro momento deste processo é a interiorização (pela qual o mundo
social objectificado é retroprojectado na consciência no decurso da socia- junto altamente estruturado de termos de referência, que servem, para
lização) [... ] A sociedade f um produto lJllmr1l/o, A sociedade f lima realidade conferir ordem ao campo social - são uma espécie de «ma~a cogmtlvo:,
objectiva, O homem é um prodllto social [... ] qualquer análise que exclua um do universo de parentes de determinada pessoa. Os antropologos cogm-
desses três momentos será distorcida [1971, 78-79]. tivos elaboraram técnicas que ajudam a conferir sentido a esses ma1?as
cognitivos, na forma de análises componenciai.s, for~ais ou transror-
Esta é uma interpretação dinâmica da realidade social que, resumida- macionais.7 Farei uma breve apresentação da onentaçao geral da antro-
mente, representa três fases de um processo contínuo: a exteriorização,
que faz da sociedade um produto humano; a objectificação, em que a
5 O papel positivo desempenhado pela terminologi~ do parentesco, qU,eé a força
sociedade adquire uma realidade sui gmeris e confronta a humanidade motriz do argumento de McKinley, é discutido na terceira secção deste capitulo.
que a produziu; a interiorização, que faz do homem um produto da so- 6 Devemos ser cautelosos neste ponto, pois, como Fortes def~ndeno seu ,artIgoa;er-

ciedade através dos processos da socialização e da educação. ca do parentesco e do casamento entre os ashantis (19~6), os direitos e obngaçoes Im-
O ponto forte desta abordagem ao estudo da natureza da relação plicados por um termo de parentesco diferem quaht~tlvamente comoante se trate,do
"referente primário» ou das pessoas a quem o termo e amda "estendido" (v" por exem-
entre o homem e os sistemas normativos que fazem parte da sociedade plo, Fortes 1956,271).· "
é que não confere qualquer tipo de primazia ao comportamento, à 7 Estas três formas de abordagem são, na reahdade, dIferentes aspectos de uma

sociedade ou aos sistemas normativos. Em qualquer momento deter- mesma perspectiva. A análise componencia! refere-seà an~lisedas componentes ou ele-
mentos de significadodos termos de parentesco, como a lclac.le,o sexo,o grau de lll1ea-
minado, os três processos desta dialéctica estão em acção e os três de- ridade em relaçãoa ego, ete. A análise formal, embora use a abordagem componenclal,
pologia cognitiva para depois me centrar, em particular, nos sistemas de Se considerarmos numa perspectiva sociológi~a os aspectos ideológi-
classificação do parentesco. cos do sistema de classificação, surgem, por outro lado, noções úteis.
A antropologia cognitiva procura descobrir como um determinado Scheffier e Lounsbury (1971) indicam o caminho quando afirmam que
povo 8 organiza e utiliza a sua cultura - é uma tentativa de perceber os uma interpretação sociológica do modo como um dado sistema usa as
princípios organizadores que subjazem ao comportamento. Considera- normas de extensão que nele existem só permite chegar a uma meia ex-
-se que cada povo tem um sistema próprio para apreender e conferir plicação; é igualmente importante estudar as consequências sociais da
ordem aos fenómenos que constituem o seu meio nsico e social. A con- utilização dessas normas:
gruência desta abordagem com à sociologia do conhecimento torna-se
aqui evidente, já que uma e outra defendem que a sociedade e a sua cul- QJer isto dizer que, ainda que possamos considerar que, em geral, a ins-
tura influenciam o que é visto como «conhecimento» ou realidade. titucionalização de uma norma deste tipo é socialmente motivada, a própria
Pretendo aqui descrever o sistema de ideias dos chopes (neste caso a sua norma, uma vez estabclecida como procedimento convencional, toma-se
terminologia do parentesco) e procurar os padrões e normas que emer- um ••facto social •• em si mesma e pode ser vista co;no tendo algumas conse-
gem desse sistema. Essas normas estão ao nível da segunda e terceira bses quências sobre a acção social [1971, 156J.
do processo dialéctico descrito por Berger e Luekman, ou seja, da objecti-
ficação e da interiorização, sendo nesta última que o homem, enquanto Esta perspectiva é em certa medida seguida também por Glick, Bloch
produto da sua sociedade, actua dentro de um conjunto de normas social e McKinlcy, mas antes de passar em revista as su'as ideias devemos colo-
e culturalmente definidas (isto não significa que não possa manipular car a questão algo delicada de saber se os termos de parentesco deno-
essas normas ou mesmo chegar a alterá-Ias através ?a manipulação, o que tam categorias ou extensões. O debate entre a «aliança» e a «descen-
é um aspecto da fase de exteriorização desta dialéctica). dência» dentro da teoria do parentesco e sobre os termos de parentesco
Talvez esta questão se tome mais clara se recorrermos a uma analogia como categorias ou extensões envolve divisões filosóficas monolíticas.
linguística. As estruturas, ou conjunto de normas, que são subjacentes Não me parece impossível, porém, postular que, dentro de um dado sis-
ao sistema de parentesco podem ser vistás como uma «gramática». tema de classificação do parentesco, há termos que são melhor com-
A gramática do sistema de parentesco surge da descrição de um con- preendidos como variações do modo extensionista, ao passo que outros
junto de normas; na verdade, essa gramática é o próprio conjunto de se prestam à análise como categorias. 9
normas. Esses padrões diferem de uma sociedade para outra e cada sis- Scheffier e Lounsbury defendem e10quentemente o argumento exten-
tema tem a sua própria lógica interna, que o toma compreensível. A gra- sionista (1971, 17-18) contra os proponentes da categoria social (por exem-
mática do parentesco tem dois níveis de abstracção. Há o conjunto de plo, Leach 1958), mas julgo que tanto Leach como Lounsbury são persua-
normas que assumem a forma de proposições «deve-se», que são uma sivos de diferentes maneiras (apesar da discussão entre eles: Lead1 1958;
prescrição ideal para situar determinado termo e o comportamento rele- Lounsbucy 1965). Por exemplo, compreendem-se melhor alguns termos
vante que este implica. O comportamento efectivo reflecte «ao nível como tendo um referente primário do qual derivam os restantes, especial-
básico» a forma como as pessoas interpretaram, e como manipularam mente no caso dos que surgem dentro da família nuclear: tanto o F como
talvez, esse conjunto de normas. Há também uma estrutura mais pro- o FFBS são tratados por lale entre os chopes, mas só o primeiro é o lale
funda, com normas de carácter diferente. É essa estrutura mais profun- dilsl/n' (<<paiverdadeiro») e o comportamento para com os dois homens
da que aqui nos interessa.

9 Selby segue uma linha semelhante a esta ao afirmar que ·0 problema foi em parte
analisa a forma, ou seja, a estrutura das relações entre parentes. A análise transfonna- resolvido quando admitimos que os termos de parentesco são polissémicos e, portanto,
cional procura identificar o conjunto de regras que geram todo o sistema de parentesco
simultaneamente genealógicos e categóricos •. (1972, 305). Apesar das posições infle·
e que derivam da descrição formal. O trabalho de Lounsbury (por exemplo, 1969) en-
xíveis que Leach e Lounsbury assumiram sobre a natureza do problema, concordo com
globa as três modalidades de abordagem, enquanto Goodenough (1956) e Coult (1967)
Selby quando diz que as duas abordagens não são inconciliáveis, mas antes «comple·
seguem a primeira e a terceira, respectivamente. mentares, refenndo-se a aspectos diferentes» (1972, 306). Distinguem-se, pois, pelos res-
~ Uso 'povo- no sentido de um grupo de pessoas que partilham uma mesma cultura.
pectivos entoques.
pologia cognitiva para depois me centrar, em particular, nos sistemas de Se considerarmos numa perspectiva sociológi~a os aspectos ideológi-
classificação do parentesco. cos do sistema de classificação, surgem, por outro lado, noções úteis.
A antropologia cognitiva procura descobrir como um determinado Scheffier e Lounsbury (1971) indicam o caminho quando afirmam que
povo 8 organiza e utiliza a sua cultura - é uma tentativa de perceber os uma interpretação sociológica do modo como um dado sistema usa as
princípios organizadores que subjazem ao comportamento. Considera- normas de extensão que nele existem só permite chegar a uma meia ex-
-se que cada povo tem um sistema próprio para apreender e conferir plicação; é igualmente importante estudar as consequências sociais da
ordem aos fenómenos que constituem o seu meio nsico e social. A con- utilização dessas normas:
gruência desta abordagem com à sociologia do conhecimento torna-se
aqui evidente, já que uma e outra defendem que a sociedade e a sua cul- QJer isto dizer que, ainda que possamos considerar que, em geral, a ins-
tura influenciam o que é visto como «conhecimento» ou realidade. titucionalização de uma norma deste tipo é socialmente motivada, a própria
Pretendo aqui descrever o sistema de ideias dos chopes (neste caso a sua norma, uma vez estabclecida como procedimento convencional, toma-se
terminologia do parentesco) e procurar os padrões e normas que emer- um ••facto social •• em si mesma e pode ser vista co;no tendo algumas conse-
gem desse sistema. Essas normas estão ao nível da segunda e terceira bses quências sobre a acção social [1971, 156J.
do processo dialéctico descrito por Berger e Luekman, ou seja, da objecti-
ficação e da interiorização, sendo nesta última que o homem, enquanto Esta perspectiva é em certa medida seguida também por Glick, Bloch
produto da sua sociedade, actua dentro de um conjunto de normas social e McKinlcy, mas antes de passar em revista as su'as ideias devemos colo-
e culturalmente definidas (isto não significa que não possa manipular car a questão algo delicada de saber se os termos de parentesco deno-
essas normas ou mesmo chegar a alterá-Ias através ?a manipulação, o que tam categorias ou extensões. O debate entre a «aliança» e a «descen-
é um aspecto da fase de exteriorização desta dialéctica). dência» dentro da teoria do parentesco e sobre os termos de parentesco
Talvez esta questão se tome mais clara se recorrermos a uma analogia como categorias ou extensões envolve divisões filosóficas monolíticas.
linguística. As estruturas, ou conjunto de normas, que são subjacentes Não me parece impossível, porém, postular que, dentro de um dado sis-
ao sistema de parentesco podem ser vistás como uma «gramática». tema de classificação do parentesco, há termos que são melhor com-
A gramática do sistema de parentesco surge da descrição de um con- preendidos como variações do modo extensionista, ao passo que outros
junto de normas; na verdade, essa gramática é o próprio conjunto de se prestam à análise como categorias. 9
normas. Esses padrões diferem de uma sociedade para outra e cada sis- Scheffier e Lounsbury defendem e10quentemente o argumento exten-
tema tem a sua própria lógica interna, que o toma compreensível. A gra- sionista (1971, 17-18) contra os proponentes da categoria social (por exem-
mática do parentesco tem dois níveis de abstracção. Há o conjunto de plo, Leach 1958), mas julgo que tanto Leach como Lounsbury são persua-
normas que assumem a forma de proposições «deve-se», que são uma sivos de diferentes maneiras (apesar da discussão entre eles: Lead1 1958;
prescrição ideal para situar determinado termo e o comportamento rele- Lounsbucy 1965). Por exemplo, compreendem-se melhor alguns termos
vante que este implica. O comportamento efectivo reflecte «ao nível como tendo um referente primário do qual derivam os restantes, especial-
básico» a forma como as pessoas interpretaram, e como manipularam mente no caso dos que surgem dentro da família nuclear: tanto o F como
talvez, esse conjunto de normas. Há também uma estrutura mais pro- o FFBS são tratados por lale entre os chopes, mas só o primeiro é o lale
funda, com normas de carácter diferente. É essa estrutura mais profun- dilsl/n' (<<paiverdadeiro») e o comportamento para com os dois homens
da que aqui nos interessa.

9 Selby segue uma linha semelhante a esta ao afirmar que ·0 problema foi em parte
analisa a forma, ou seja, a estrutura das relações entre parentes. A análise transfonna- resolvido quando admitimos que os termos de parentesco são polissémicos e, portanto,
cional procura identificar o conjunto de regras que geram todo o sistema de parentesco
simultaneamente genealógicos e categóricos •. (1972, 305). Apesar das posições infle·
e que derivam da descrição formal. O trabalho de Lounsbury (por exemplo, 1969) en-
xíveis que Leach e Lounsbury assumiram sobre a natureza do problema, concordo com
globa as três modalidades de abordagem, enquanto Goodenough (1956) e Coult (1967)
Selby quando diz que as duas abordagens não são inconciliáveis, mas antes «comple·
seguem a primeira e a terceira, respectivamente. mentares, refenndo-se a aspectos diferentes» (1972, 306). Distinguem-se, pois, pelos res-
~ Uso 'povo- no sentido de um grupo de pessoas que partilham uma mesma cultura.
pectivos entoques.
não é exactamente igual. Contudo, aos termos que não têm um referente siste numa classe circunscrita de «coisas» que têm em comum pelo
primário dentro da família nuclear é mais dificil atribuir um estatuto menos uma característica que as distingue de todos os outros domínios.
pri~ário ou secundário. O termo koko, por exemplo, pode ser usado para No caso que aqui nos ocupa, essa característica é o parentesco. Ego tem
desIgnar o MB, oMF, o FF ou a FM (entre outros) e é impossível isolar de poder dizer de cada um;] das pe;"soas pe~encentes a este conte~t?
qualquer desses «avós" como o ponto de referência da categoria. que é dis/;aka dangll, «meu parente». E esta a raiZ, ou a componente basl-
Uma outra abordagem ao estudo dos termos de parentesco que entra ca, de significado.
em cena quando a primeira, acima mencionada, a abandona é a de Tendo isolado este domínio, o passo seguinte é descobrir como está
Blodl, que critica tanto Leach como Lounsbury por ignorarem os usos organizado. No caso do parentesco, as componentes de significado são
estratégicos dos termos de parentesco (Bloch 1971 a, 80). O próprio o sexo, a idade (ou a geração) e o gr:lU de distância de ego em termos de
Bloch usa um argumento extensionista, embora de uma f0l111J muito uma escala de linearidade ou lateralidade. Estas componentes distinti-
d!fe~ente da de Lounsbury, que elogia por sublinhar a natureza polis- vas, ou combinações entre elas, conferem a cada indivíduo o seu «Iugap,
semlCa dos termos de parentesco e a sua multiplicidade de significados no sistema de parentesco. É a relação entre essas posições estruturais
(asF~cto que Leach não refere). O tipo de extensões impessoais e auto- que procuramos identificar. DitO de outro modo, procuramos c:lptar a
matlcas que emergem da perspectiva estrutural de Lounsbury desagracb realidade estrutural do sistema, e não nos ocuparemos aqui das compo-
a Bloch, que prefere um modelo centrado no indivíduo e que incida nentes efectivas do sexo, ;da idade, etc., embora estas sejam c1ar:lmcnte
sobre a tom3da de decisões. Mais uma vez, os dois tipos de extensão relevantes para a posição' dos indivíduos no seio da estmtura.
parecem-me ser complementares, e não contraditórios, e neste capítulo Lounsbury desenvolveu uma técnica para «descodificap, alguns sis-
recorro tanto ns extensões estruturais de Lounsbury como às extensões temas de parentesco; elaborou uma série de regras que darão origem a
não estruturadas de Bloch, em diferentes contextos. um sistema' específico. Como atrás referi, o significado de qualquer
É no trabalho de MCNnley que é feita a !ig3ção mais convincente entre termo de parentesco encontra-se nas suas várias componentes, mas, o
a perspe:tiva dos .termo~ de parentesco como sistema ideológico e a da que é ainda mais importante, é também determinado pela sua relação
sua relevanoa SOC!3!,.pOIS, re,c~rrendo a um raciocínio que fn de algum com todos os outros termos. É aqui que as técnicas das análises formal
modo lembrar a ~~ela de Lev.l-Strauss de que a função do mito é (em e transfom1acional são úteis para determinar as normas que estão na
parte) ~ de reconc.llIar contradIções no sistema social, McKinley defende b:lse da gramática do parentesco.
que o sIstema de tipO omaha tem propriedades ideológicas que concíliam Analisemos agora a terminologia de classificação do parentesco dos
algumas contra~ições básicas inerentes a esse sistema (v. adinnte). Por in- chopes pela aplicação dos métodos da análise formal ;'\ informação em-
corporar dados Importantes quanto J aliança nos sistemas omaha, esta é pírica. Referirei os termos relativos a um ego do sexo m;1sculino, pois h;\
cert~mente uma perspectiva mais satisfatória do que outras abordagens poucas diferenças entre os sistemas masculino e feminino e as ligeiras
que ll1tegr:lm apenas os pontos de vist:l cu!turológicos ou os sociológicos. discrep;lnci:ls que existem seguem as mesmas regras ele transformação
para ambos os sexos.
Os chopes possuem uma variação do sistema de terminologia do
Descrição formal e análise transformacionaI parentesco de tipo omaha, que se caracteriza por elementos tais como:
de alguns termos de parentesco 10 (a) os primos cruzados são designados por termos diferentes dos usados
para os primos paralelos (estes são tratados pelos mesmos termos que se
S.eguindo os métodos da antropologia cognitiva, isolei uma área da aplicam aos irmãos germanos); (b) os primos cruzados patrilaterais são
realIdade social ou cultural (o chamado «domínio semântico,,) que con- distinguidos dos primos cruzados matrilaterais (na verdade, aos filhos
da FZ chama-se nlllkll!u, que significa aproximadamente «neto/a», en-
10 N - b . quanto as filhas do MB são chamadas mame e os filhos koko; o primeiro
esta secçao aselo-me em grande medida nos trabalhos de Lounsbury (1965
1969) e, em menor grau, em Goodenough (1956, 1964), Coult (1967), Schcmcr (1972~' termo é mais ou menos equivalente a «mãe» e o segundo a «avô»). Dito
/972h) c Schdllcr c Lounshllry (1971). ' de outro modo, os primos cnJzados patrilaterais de ego são colocados
,I
A Sociedade Chope Categorias de c!assijicaçclo do parentesco: aspectos estmturais e relevância socia!

Figura 8.1 - Os termos aplicados aos primos cruzados matrilaterais -;


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na mesma classe que os parentes da geração abaixo, ao passo que os pri- U N ,.,
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mos cruzados matrilaterais são classificados juntamente com os paren- 'U t:ê~
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do sistema são o facto de ego fazer uma distinção entre os seus irmãos t:l. ~t:s5
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germanos mais velhos e mais novos quando são do mesmo sexo que ele 8u 00 a- ~ ~..;1
próprio (chamando-Ihes nkoma e fanda, respectiva'mente), enquanto aos Vl O ~J!~
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germanos do sexo contrário chama sempre ndiye. Os irmãos germanos Õ 00
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dos pais de ego que são do mesmo sexo que estes (o FB e a MZ) fim- c: a-
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dem-se terminologicamente com o F e a M e o mesmo acontece com t:l.
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os primos paralelos do F de ego (por exemplo, o FFBS toma-se F). Todas t:: c:
~
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as pessoas de duas ou mais gerações acima de ego, independentemente
do sexo, são referidas como koko.
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ô
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Vl
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1J §
No entanto, em maior rigor, os chopes assemelham-se ao que Louns- c:
...
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.s:
bury chamou o sistema «omaha de tipo IlI" (1969, 236-239), que se ca- Ol v>
Q, L. __ ••• ____ "
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racteriza pelo facto de o MB de ego e todos os seus descendentes do o 00 a- ~
"C .~
sexo masculino serem referidos pelo termo atribuído ao MF (que para
os chopes é ko/w), ao passo que os membros da «linhagem" do sexo fe-
minino são designados pelo termo mame (M). Dito de outro modo,
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como mostra a figura 8. I, os primos cruzados matrilaterais de ego são Vl


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tratados, respectivamente, por Me MF (Coult 1967, 36). U
~ l:;:: ~
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Nos diagramas genealógicos que elaborei para os chopes (figuras 8.2 V> ~~~
e 8.3) observa-se que os termos de parentesco, especialmente os c1assifi-
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catórios, não respeitam as divisões geracionais objectivas, como se vê -8
Vl
pelas linhas tracejadas. Efectivamente, por exemplo, o MBSSS de ego o :õ
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(no canto inferior direito das genealogias) está duas gerações abaixo de ê ~ :: .,.," "-'"
ego, mas o termo usado é koko - que equivale a algo como o «avô», duas ~ "'"
nl~nl E'~
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gerações acima de ego. 00 ~~:o.::
A análise das figuras 8.2 e 8.3 revela que há uma espécie de «cquilí- Ol I I I

3 ~I N .... ., -N<"')
brio» no cnviesamento das gerações - as gerações são enviesadas para co + + ,: I I I
li: v v L) 1.). L) v L)

266 267
cima à direita do diagrama, bem como para baixo à esquerda, tomando
ego como o ponto central. LounsbUlY elabora um conjunto de regras
que, adequadamente modificadas, tomam compreensível o enviesa-
mento das gerações e, quando estas são aplicadas com êxito a qualquer
termo classificatório do mapa, podem demonstrar de uma forma bas-
tante lógica a razão pela qual àquela pessoa é dado aquele termo de pa-
rentesco.
É claro que, idealmente, deveríamos examinar todo o espectro de pa-
rentes relevantes para ego. No entanto, isto seria entediante e desneces-
sário, já que, se for válido,' o nosso modelo, que assume a fomla de um
conjunto de normas de redução, deverá conseguir prever correctamente
todos os termos c1assificatóriosdo parentesco incluídos no sistema. Os dia-
gramas de parentesco aqui apresentados não são de modo algum exaus-
tivos, mas contêm efectivamente mais membros do que o mínimo
necessário para ilustrar o conjunto de re/:,'Tasque geram todo o sistema de
parentesco. Essas regras deverão permitir prever, e assim é efectivamente,
qual será a posição estrutural de qualquer membro no sistema.

:-r:
~:
:
Vl'

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Referir-me-ei frequentemente aos termos de parentesco por um sistema
de notação que compreende uma série de primitivas, como F, M, B, Z, S
e D, e compostos de primitivas, como FM, MB, ZS, DD, etc. Faço-{) por
: O·_--og duas razões: em primeiro lugar, a transposição para um símbolo ou uma
cadeia de símbolos apresenta a cadeia mínima de parentes através da qual
ego pode reconstituir a sua relação com qualquer parente detenninaelo;
em segundo lugar, evita-se assim, mesmo que de um modo n,io tot,d-
mente satisfatório, a tradução de um termo local de parentesco para um
«equivalente» etnocêntrico e com uma carga diferente.
Passemos à definição de alguns conceitos-chave: 11

um conjunto de tipos ele parentes aos


quais é aplicado o mesmo termo de paren-
tesco; por exemplo, o F, o FB e o FFBS
partilham o termo lalc.
uma cadeia genealógica através da qual
ego reconstitui a sua relação com um pa-
rente; por exemplo, o filho do filho do
irmão da mãe (MBSS).

11 Estas quatro definições; à excepção da de «cadeia de parentes», que é lima (orrnu-


lação minha, foram propostas por Coult (I 967, 26).
um membro de uma classe de parentes ao a minha regra exclui especificamente. A segunda adaptação especial é
qual outros membros podem ser redu- uma limitação da regra do enviesamento quando se trata de um termo
zidos, mas que não pode, ele mesmo, ser de parentesco particular (FZ), como desenvolverei adiante.
objecto dessa redução; por exemplo, M. O corte a duas gerações indica que ego designa todos os parentes si-
a descoberta das regras que pem1item ope- tuados duas ou mais gerações acima de si mesmo pelo termo /.:.oko. Dito
rar uma transformação, de tal modo que, de outro modo, as regras de transformação parecem deixar de funcionar
através da aplicação sucessiva dessas regras, quando o parente cuja relação com ego se procura reconstituir está para
todos os membros de uma classe de pa- lá da linha de corte, situada a duas gerações acima de ego (v. figuras 8.2
rentes são reduzidos ao membro nuclear e 8.3). Por outro lado, se a ligação a esse parente se faz através de uma
dessa cbsse de parentes, ou dele derivam. cadeia de parentes que ultrapassa a linha de corte a duas gerações mas
depois reaparece abaixo dcla, as regras de transformação continuam a
As regras aplicar-se. Por exemplo, o parente FFB está acima do corte da cadeia,
Lounsbury pressupõe que há algumas posições primárias no paren- mas já FFBS ultrapassa a linha de divisão e volta a reaparecer abaixo
tesco e que para cada classe de parentes na terminologia há um referente . dela, pelo que as regras, neste último caso, são válidas e este parente é
primário do qual derivam todos os outros. Esses referentes primários designado por tate (F), e não por koko. .
são os parentes genealogicamente mais próximos de ego, especialmente As três regras de transformação aplicam-s~ como se descreve em
na família nuclear, e ainda os parentes como o avô e a avó, ou o neto e seguida.
a neta. Assim, em qualquer classe de termos de parentesco há um refe- A regra dafmão. Os chopes tratam tanto o pai (F) como o irmão do
rente primário e outros membros. Por exemplo, o termo tate na língua pai (FB) pelo mesmo termo, tate. Da mesma maneira, a mãe (M) e a
chope significa «pai» e o seu referente prim.írio é F, sendo outros mem- irmã da mije (MZ) são ambas tratadas pelo termo mame. Assim, pode-
bros o FB, o FFBS, o FFF13SS, etc. Pode demonstrar-se que estes últi- mos substituir o símbolo MZ por M, ou FB por F, sempre que MZ ou
mos compostos, ou cadeias de parentes, derivam muito logicamente do FB surgem numa cadeia de parentes. Em consequência, na cadeia FBD,
termo primário através da aplicação sucessiva de três regras (com dois o FB pode ser reduzido a F, ficando então a cncieia na forma FD.
factores de limitação) que parecem ser a base do sistema. Estamos aqui perante a equivalência formal, em determinados contex-
Pode dizer-se que estas regras geram o sistema, e Lounsbury parece tê- tos, dos innãos germanos do mesmo sexo. A isto chama-se regra da fusão
-Ias descoberto ao observá-Ia, quando notou. que as gerações eram «en- e esta pode ser formalizada do seguinte modo: qualquer innão gennano do
viesadas» para cima à direita do diagrama, ou para baixo à esquerda. As mesmo sexo de determiruula pessoa deve ser considerado estmturabnente equiva-
três regras a que me refiro chamam-se regra dafusão, regra do meio-innâo /ente a essa pessoa: FB de Ô - F de Ô, MZ de Ô - M de Ô·
e regra do enviesamento. Trata-se de regras de transformação que podem Se esta regra é logicamente coerente, deverá também ser válido o
ser aplicadas com êxito a cadeias de parentes, que assim são «reduzidas» seguinte corolário: qualquer pessoa deve ser considerada estruturalmen-
aos tipos de parentes genealogicamente mais próximos a que equivalem te equivalente ao seu irmão germano do mesmo sexo:
ao nível da terminologia.
Há duas adaptações especiais, vistas como factores de limitação, que FB~
devem ser feitas necessariamente quanto à etnografia dos chopes. A pri-
meira é aquilo que designo (Webster 1973a, 303) como o corte a duas ge-
rações (ascendentes). Scheffier (1972a, 361) e Scheffier e Lounsbury (1971,
125) identificam uma regra de redução a que chamam «regra dos an-
tepassados», que tem aproximadamente a mesma função que o corte a
duas gerações (ascendentes), mas difere desta na medida em que não se No entanto, deve notar-se que a regra da fusão nunca permite a fusão
aplica só às gerações ascendentes, mas também às descendentes, o que do irmão de ego na pessoa do próprio ego.
1- ~egm do meio-innão. A segunda regra de equivalências é a regra do Devemos notar que a regra do enviesamento só pode aplicar-se quando
melo-muão, que parece ser universal nos sistemas de parentesco (a regra da os protagonistas são parentes de ligação, por um lado, e quando se trata ~e
fusão, embora seja bastante generalizada, não é universal). Esta regra diz reconstituir a descendência, por outro. Por exemplo, um dado homem nao
respeito à equivalência formal entre meios-irmãos. Isto significa que, chamaria «filha» à sua irmã, mas o filho dessa innã seria tratado por «neto».
por exemplo, os filhos do mesmo pai podem sempre ser representados A regra do corte a duas gerações (ascendentes). Esta quarta regra, mais do que
como irmãos, ou as filhas da mesma mãe como irmãs, etc. (FS de Ô -> B uma verdadeira regra de equivalência, é um factor de limitação. Em termos
de Ô, MD de Ô -> Z de Ô). Lounsbury formulou esta regra como se formais, poderá definir-se como se segue: opai 011 a mãe do pai ou da mcie de
segue: ofiUJO de um dos pais de determinada pessoa deve ser consIderado seu innão: uma pessoa, bem como quaisquer outros parentes qlle, através da ap/;:caçrio das
FS de Ô -> B de Ô, MS de Ô -> B de Ô, FD de Ô -> Z de Ô, MD de restantes regras de equiva/t7tcia, sdam considerados estmtura/mente eqlllva/entes a
Ô->Z de Ô. ,
um parente que se situe duas gerações acima de ego, devenlo ser considemdos eslm-
tura/mente equivalentes ao avô Olt a avó dessa pessoa. Por exemplo: '
o 6, _ O _
FFM de Ô PP de Ô (sendo P = F ou M)

A········A·········~o
A regra do enviesdmento. A terceira regra de equivalências, talvez a mais
MB deô MFde Ô
PP de Ô
(regra do enviesamento)
(corte a duas gerações)

Até ao final desta secção referir-me-ei aos dois diagramas genealógi-


cos das figuras 8.2 e 8.3.0 primeiro representa alguns dos termos do
cru~ial no sistem~ de parentesco do tipo omahJ, é a chamada regra do parentesco chope e as respectivas posições, enquanto no segundo se
enVleSJmento, cUJa formulação é a seguinte: a innri de um homem deve ser podem ver as mesmas posições de parentesco, mas agora em termos ele
considerada es/m/lIra/mente equivalente àji/ha desse homem quando se trata de cadeias de parentes: temos, por exemplo, o MBS (filho do irmão da
reconstituir a descl'ndêncía: Z de Ô -> D de Ô' por exemplo, I~ZSde Ô ->
mãe), seguido, entre parênteses, da notação do termo ao qual a cadeia
FDS de Ô. '
de parentes se reduz. Em ambos os diagramas há linhas a tracejado, assi-
nabndo o «envicsamento» d<lSgerações (relativamente ~s ger;lções «ob-
jectivas», que são representadas horizontalmente no diagrama).
É chegado o momento de apresentar a segunda limitação das regras
acima descritas. No caso chope, o termo de parentesco bl/banc (FZ) é um
«tipo nuclear de p:lrente», ou seja, é irredutívcl, ainda que seja, em
princípio, possível aplicar-lhe a regra do enviesamento. Devemos not:lr
Mais uma vez, para que a regra seja válida o corolário deve ser tam-
que o equivalente estrutural da FZ do lado da mãe de ego, por exem-
bém verdadeiro, e neste caso formular-se-á o seguinte: o inJl(io de lima
plo, o MB, ncio é um tipo nuclear de parente - a regra do enviesamen-
mulher deve ser cOJlSlderado estmtllm/men/e equivalente ao pai dessa mulher
to tem neste caso validade e essa pessoa é designada pelo termo /wko
qllando se trata de reconsti/uir a descendência: B de s;? -> F de O por exem-
plo, MB de s;? -> MF de s;? . ;-- , (MF). Urge enfatizar que não há nada de inerente à lógica do sistema
que permita explicar o facto de um destes pares estruturalm~nte equiva-
lentes constituir um tipo nuclear de parente e O outro não. E necessário
procurar uma explicação' sociológica, o que farei adiante nestc capítülo.

Aplicaçrio das regras ri etnograjia chope


Uma vez identificadas as regras necessárias para criar o sistema, trota-
-se agora de as testar com a etnografia chope. Referir-mc-ei aos diagra-
mas genealógicos, dos quais extraio alguns indivíduos para demonstrar
F(FS) de Ô toma-se FB de Ô (pela regra do meio-irmão)
as cadeias de parentes respectivas e, pela aplicação das quatro regras, ex- FB de Ô toma-se F de Ô (pela regra da fusão)
plicitar a lógica que subjaz à atribuição de um dado termo de classifi- que é lale (que significa «pai..)
cação do parentesco a essa pessoa;
Temos, assim, uma base para prever que ao FFFBSS de um homem
chope será aplicado ° termo lale, ou seja, pai (note-se também que, neste
caso, a cadeia de parentes ultrapassa o corte a duas gerações, mas volta
(pelo corolário da regra do enviesa- a surgir abaixo dessa divisão).
mento, segundo o qual MB é equi- Para terminar, vejamos o caso da pessoa que está na posição de filho
valente a MF) da filha do filho do irmão da mãe de ego (MBSDS). Essa pessoa en-
(pela regra do meio-irmão, segundo
contra-se, objectivamente, duas gerações abaixo de ego, mas, no entan-
a qual FS é equivalente a TI)
to, é-lhe atribuído o termo de parentesco nJowetu, que, numa tradução
(pelo corolário da regra do enviesa-
aproximada, significa «irmão»:
mento, segundo o qual MB é
equivalente a MF) .
MF de Ô toma-se MF/M de Ô (pelo corte a duas gerações) (MB)SDS de Ô toma-se MFSDS deÔ (pelo corolário da regra do
que é koko (que significa «avô/avó» e que é enviesamento)
agora irredutível, sendo um tipo
nuclear de parente)
J
..
~.
M(FS)DS de Ô torna-se
(MB)DS dê Ô torna-se
MBDS deô
MFDS de Ô
(pela regra do meio-irmão)
(pelo coroláno da regra do
enviesamento)

i M(FD)S de Ô torna-se MZS deô (pela regra do meio-irmão)


Devemos recordar que em todas as cadeias de parentes está implíci-
(MZ)S de Ô toma-se MS deô (pela regra da fusão)
to que se trata de parentes de um determinado homem (Ô). Assim, por '.
MS de Ô toma·se BdeÔ (pela regra do meio-irmão)
exemplo, ZD significa ZD de Ô' pelo que se aplica a regra do enviesa- que é nfowelu (que significa «irmão ..)
mento:
Gostaria de chamar a atenção para o termo njôwetu, que traduzi
aproximadamente por "irmão". Este termo não parece ser de origem
chope, pois há dois termos d10pes para designar os irmãos, quando se
F(Z)D de Ô toma-se FDD de Ô (pela regra do enviesamento, segun- trata de um homem a f:1Iar,ou as irmãs, quando é a mulher a falar; esses
do a qual FZ é equivalente a FD)
termos são nkoma e Itmda e aplicam-se aos irmãos mais velhos e mais
(FD)D de Ô toma-se ZD de Ô (pela regra do meio-irmão, segundo
novos do mesmo sexo que ego, respectivamente. As regras formais de
a qual FD é equivalente a Z)
(pela regra do enviesamento, segun- Lounsbury não dão conta do uso de termos diferentes nesta situação,
do a qual ZD é equivalente a DO) ainda que os termos nJowetll, nkoma e fanda tenham, efectivamente, o
(que significa «neta») significado aproximado de «irmão". As regras' de Lounsbury podem
orientar-nos para a solução incompleta de que a pessoa que ocupa essa
o sistema pode também ser usado para fazer previsões. Tomemos, posição de parentesco deverá ser tr~tada por. "~» (o~ «irmão,,); c.on~do,
por exemplo, a cadeia de parentes FFFBSS (q1.!.enão aparece nos dia- ao passo que nkoma e !anda são faCIlmente dlstmgUldos pela sel1londade
gramas): relativa perante ego, o termo nJowetll não indica a posição de idade rela-
tiva e é geralmente aplicado em contextos não lineares.
FF(FB)SS de Ô toma-se FFFSS de Ô (pela regra da fusão) O termo nJ01J'Jelué interessante porque o seu significado pode tam-
FF(FS)S de Ô toma-se FFBS de Ô (pela regra do meio-irmão) bém ser mais amplo do que o do termo «irmão". Verifica-se, por exem-
F(FB)S de Ô toma-se FFS de Ô (pela regra da fusão) plo, que, quando estão a trabalhar nas minas de ouro sul-africanas, os
Figura 8.4 -Nguns termos para designar os parentes por afinidade
~lOpes se ~u~primentam dizendo dichide, nfowetll, que significa «o Sol entre os chopes
Ja nasceu, IID1aO",mesmo que não haja efectivamente qualquer laço de
parent.esco entre eles. A etimologia do termo deverá fazer referência à
sua ongem, aparentemente angone (e mais especificamente zulu, aten-
dendo a que houve contactos nas sucessivas invasões zulus). Na língua
zulu, o termo umfowethu é, geralmente, reservado ao «irmão mais novo»
e ao «~unhado». (Van :Varmelo 1931,29 e 33, respectivamente). O que
gostana de sublInhar e o uso flexível do termo nfowetu, 12 que um trata-
mento formal não consegue cobrir. Mesmo no âmbito do sistema for-
.=
Ego \ Nkalangll

mal, para que se desse conta da diferença entre os três termos usados
para ~ mes_ma posiçã~ estrutural seriam necessárias amplas e complexas
t:.=oA=o
M71Jalle N/llllam7!Jalle
modIficaçoes, que tenam a função de determinantes das três regras bási-
cas,. d: m?do a ~ue se chegasse ao termo correcto a aplicar a uma dada para os designar. Com esta mudança, a relação algo tensa que se verifi-
pOSIçao. E pOSSlVelfazê-Ia, mas perder-se-ia essa virtude da análise for- ca entre os afins, especialmente no início do casamento, vai-se disten-
mal, que é a de fo:necer modelos mínimos. Na terceira secção deste dendo progressivamente. De início obtive esta informação observando
capitulo procurareI desenvolver uma análise mais compreensiva do o uso dos termos de parentesco em situações concretas. Ao descreverem
termo nfowetll, nas suas várias facetas. a versão idealizada dos termos de parentesco e a sua utilização, os meus
Uu: aspe:to pot:~cialme.nte importante do sistema terminológico informantes referiram, para as relações com os afins, apenas os termos
que aInda nao refen e o conjunto de relações entre os afins, bem como apresentados na figura 8.4. Depois, quando os confrontei com as indi-
os termos ~e pa,n:ntesco que Ihes são atribuídos. Isto coloca algumas di- cações de que haveria, ao longo do processo de desenvolvimento, um;}
fi~uldades a .analrse form~l, porque o uso dos termos é em grande me- fusão do marido e da mulher no que respeita aos termos de parentesco,
dida determmado pelo ClelO de desenvolvimento da vida dos indiví- os inform;}ntes concordaram que isso acontecia efectivamente à mecli-
duos. Para ilustrar o que pretendo notar, refira-se que na altura do da que os sogros iam conhecendo melhor o genro ou a nora. É possí-
casamento, e durante alguns anos, os membros do casal tratam os seus vel usar ambas as formas ao longo da vida de casados, e os indivíduos
parentes por afinidade pelos .termos próprios para os afins, os quais, que usam os sistemas podem recorrer, e recorrem na prática, a essas
para um ego ~o sexo masculInO, são relativamente simples: todos os diferenças para transmitir informações uns aos outros sobre o estado ac-
homens do ela da sua mulher são tratados por nsade (e ele é o nl1ilane tual da sua relação - ou seja, usam-nas como recurso t;Íctico.
?ele..s);t~das as mulheres mais velhas são tratadas por nkokati (mãe ou Para ilustrar esta questão, vejamos um exemplo concreto do uso dos
Irma maIS velha da mulher); todas as mulheres mais novas são chama- termos de parentesco para com os afins a que acima me refiro. Bala-
das !amu (termo que significa «potencial esposa»). Os termos usados
nyane Nyantiri, que originalmente pertencia à povoação de Mangane,
para com os parentes por afinidade são representados no diagrama da casou com uma mulher do clã Ntsambe e instalou-se logo depois em
figura 8.4.
Nyatsiku (v. figura 4.3).Balanyane optou por tomar-se 7fJ1tyi (seguidor)
N? entanto, ao fim de alguns anos (geralmente correspondendo ao
de Chipanyelo Ntsambe, líder da vicinalidade Ntsambe, e para isso di-
nasCImento de filhos), as personalidades sociais do marido e da mulher
rigiu-sdhe como genro. A vicinalidade Ntsambe encontra-se dividida
tendem a «fundir-se». O marido, por exemplo, começará a tratar os pa-
em várias facções (v. capítulo 10) e Balanyane aliou-se à clique de Chi-
rentes da sua mulher pelos mesmos termos de parentesco que ela usaria
panyelo/Gomichi, em oposição ao grupo de Tomwane. O sentido da
sua lealdade manifestou-se no uso que Balanyane fez dos termos de pa-
12Us? ~ o~~grafia IIfowelll para a língua chope, por dois motivos: em primeiro lugar,
rentesco. Embora tantoTomwane como Chipanyclo fossem seus sogros
p_arao dl5tlTlgUlr do termo angone; depOIS, porque é a que melhor corresponde à ver- classificatórios (nenhum deles tinha uma ligação de parentesco próxima
sao portuguesa apresentada por Santos (1950).
Figura 8.4 -Nguns termos para designar os parentes por afinidade
~lOpes se ~u~primentam dizendo dichide, nfowetll, que significa «o Sol entre os chopes
Ja nasceu, IID1aO",mesmo que não haja efectivamente qualquer laço de
parent.esco entre eles. A etimologia do termo deverá fazer referência à
sua ongem, aparentemente angone (e mais especificamente zulu, aten-
dendo a que houve contactos nas sucessivas invasões zulus). Na língua
zulu, o termo umfowethu é, geralmente, reservado ao «irmão mais novo»
e ao «~unhado». (Van :Varmelo 1931,29 e 33, respectivamente). O que
gostana de sublInhar e o uso flexível do termo nfowetu, 12 que um trata-
mento formal não consegue cobrir. Mesmo no âmbito do sistema for-
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Ego \ Nkalangll

mal, para que se desse conta da diferença entre os três termos usados
para ~ mes_ma posiçã~ estrutural seriam necessárias amplas e complexas
t:.=oA=o
M71Jalle N/llllam7!Jalle
modIficaçoes, que tenam a função de determinantes das três regras bási-
cas,. d: m?do a ~ue se chegasse ao termo correcto a aplicar a uma dada para os designar. Com esta mudança, a relação algo tensa que se verifi-
pOSIçao. E pOSSlVelfazê-Ia, mas perder-se-ia essa virtude da análise for- ca entre os afins, especialmente no início do casamento, vai-se disten-
mal, que é a de fo:necer modelos mínimos. Na terceira secção deste dendo progressivamente. De início obtive esta informação observando
capitulo procurareI desenvolver uma análise mais compreensiva do o uso dos termos de parentesco em situações concretas. Ao descreverem
termo nfowetll, nas suas várias facetas. a versão idealizada dos termos de parentesco e a sua utilização, os meus
Uu: aspe:to pot:~cialme.nte importante do sistema terminológico informantes referiram, para as relações com os afins, apenas os termos
que aInda nao refen e o conjunto de relações entre os afins, bem como apresentados na figura 8.4. Depois, quando os confrontei com as indi-
os termos ~e pa,n:ntesco que Ihes são atribuídos. Isto coloca algumas di- cações de que haveria, ao longo do processo de desenvolvimento, um;}
fi~uldades a .analrse form~l, porque o uso dos termos é em grande me- fusão do marido e da mulher no que respeita aos termos de parentesco,
dida determmado pelo ClelO de desenvolvimento da vida dos indiví- os inform;}ntes concordaram que isso acontecia efectivamente à mecli-
duos. Para ilustrar o que pretendo notar, refira-se que na altura do da que os sogros iam conhecendo melhor o genro ou a nora. É possí-
casamento, e durante alguns anos, os membros do casal tratam os seus vel usar ambas as formas ao longo da vida de casados, e os indivíduos
parentes por afinidade pelos .termos próprios para os afins, os quais, que usam os sistemas podem recorrer, e recorrem na prática, a essas
para um ego ~o sexo masculInO, são relativamente simples: todos os diferenças para transmitir informações uns aos outros sobre o estado ac-
homens do ela da sua mulher são tratados por nsade (e ele é o nl1ilane tual da sua relação - ou seja, usam-nas como recurso t;Íctico.
?ele..s);t~das as mulheres mais velhas são tratadas por nkokati (mãe ou Para ilustrar esta questão, vejamos um exemplo concreto do uso dos
Irma maIS velha da mulher); todas as mulheres mais novas são chama- termos de parentesco para com os afins a que acima me refiro. Bala-
das !amu (termo que significa «potencial esposa»). Os termos usados
nyane Nyantiri, que originalmente pertencia à povoação de Mangane,
para com os parentes por afinidade são representados no diagrama da casou com uma mulher do clã Ntsambe e instalou-se logo depois em
figura 8.4.
Nyatsiku (v. figura 4.3).Balanyane optou por tomar-se 7fJ1tyi (seguidor)
N? entanto, ao fim de alguns anos (geralmente correspondendo ao
de Chipanyelo Ntsambe, líder da vicinalidade Ntsambe, e para isso di-
nasCImento de filhos), as personalidades sociais do marido e da mulher
rigiu-sdhe como genro. A vicinalidade Ntsambe encontra-se dividida
tendem a «fundir-se». O marido, por exemplo, começará a tratar os pa-
em várias facções (v. capítulo 10) e Balanyane aliou-se à clique de Chi-
rentes da sua mulher pelos mesmos termos de parentesco que ela usaria
panyelo/Gomichi, em oposição ao grupo de Tomwane. O sentido da
sua lealdade manifestou-se no uso que Balanyane fez dos termos de pa-
12Us? ~ o~~grafia IIfowelll para a língua chope, por dois motivos: em primeiro lugar,
rentesco. Embora tantoTomwane como Chipanyclo fossem seus sogros
p_arao dl5tlTlgUlr do termo angone; depOIS, porque é a que melhor corresponde à ver- classificatórios (nenhum deles tinha uma ligação de parentesco próxima
sao portuguesa apresentada por Santos (1950).
com a sua mulher), Balanyane dlamava ao primeiro nsade e ao outro
lale. O termo nsade (<<sogro»)implica contenção e respeito; neste caso,
ainda que reconhecendo o laço de afinidade, Balanyane usava o termo 11 11,"
para indicar algum distanciamento de Tomwane. Pelo contrário, quan- ;<1" " .~
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..
,
..

do Balanyane tratava Chipanyelo por lale (<<pai,,),manifestava maior fa-


miliaridade. Este termo implica uma maior afeição, um laço mais forte
de lealdade. Dito de outro modo, Balanyane, ao usar ternlOS alterna-
tivos que podem aplicar-se ao mesmo tipo de parentes, indicava que era
um aliado próximo de um dos homens, mantendo-se a uma distância
respeitosa do outro.
Como é sabido, um dos efeitos de uma terminologia c1assiftcatória
do parentesco é tomar os parentes que têm com ego uma relação late-
ral e aplicar-Ihes termos que os colocam numa relação linear face ao
mesmo ego. Desenvolvendo este raciocínio, postulo que não só os pa-
rentes laterais são representados como parentes lineares por meio da 11," Ü
acção dos termos de parentesco, mas também que o sistema terOli- ;<J ,,' .. ",
nológico dos chopes actua de modo a submergir as diferenças entre os
parentes agnáticos, os matrilaterais e frequentemente até os afins, do
ponto de vista de ego. 11." I-J-..,
O efeito cumulativo da convergência de parentes laterais e lineares ,''<t'";;'·::::::.' ..,...
no sistema c1assificatório do parentesco, bem como da vertente evolu- ~---~O';~
tiva dos termos por que se designam os afins, toma-se notório numa
análise formal, como a que apresentei nesta secção. É esta convergência
que permite que o indivíduo mobilize parentes de todas as categorias
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- agnáticos, matrilaterais e afins -, já que muitos dos termos de parentesco
estão presentes nas três. A título ilustrativo, vejamos dois exemplos: em
primeiro lugar, o termo mwane, que se aplica a vários indivíduos, in-
cluindo o DH (genro, ou seja, um afim), o SSS (bisneto, ou seja, des-
cendente agnático e linear de ego), a MZDSD (uma afim matrilateral) e
a FZSD (afim patrilateral). Os tipos de parentes aqui representados são
extremamente diversos e, contudo, são agrupados sob um mesmo
termo. O segundo exemplo é o do termo nfuku!lI, que inclui indivíduos
como o SS ou a SD (neto ou neta), a ZDD (afim de afim), o FBSS (ag-
nata), o MZSSS (afim matrilateral), a FZD (afim patrilateral).
A figura 8.5 mostra como um termo de parentesco, aqui nlllku!u, vem
colmatar o hiato entre os parentes patrilaterais, matrilaterais e afins. Mas
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há mais: por exemplo, no caso da MZSD (que é afim de um afim, pois
os filhos de MZ são afins e os ftlhos de MZD são afins de MZH), é
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~
certo que essa pessoa não tem com ego. uma relação de consan-
guinidade (G. D. Mitchell 1968, 40), mas, ainda assim, pode ser vista
Categorias de c/assijicaçtio do parentesco: aspectos estruturais ~ reltvtineia social

como um parente cognático (G. D. Mitchell 1968, 31): «um parente é indicativos de uma «categoria» e que não têm um referente primário
um indivíduo com o qual uma dada pessoa (ego) tem uma ligaç~o ge- dentro da família nuclear, como koko (<<avô»;'>avó»), mwrrne e ntllku/II,
nealógica» (ScheflJer 1972b, 113). Mas é o sistema de inter-relação entre «fazem a ponte» entre parentes agnáticos, matrilaterais e afins.
os clãs que importa notar. Na figura 8.5 verifica-se que, para além dos No capítulo 6 notei que as normas exogâmicas dos chopes tê~ como
vatllku/II que pertencem ao próprio clã de (:',1.;0 (A), os restantes valukll!1I efeito o amplo alargamento das alianças através da SOCIedade.
representados pertencem a dez clãs diferentes (B-K). O mesmo é válido Aparentemente, alguns termos de parentesco conseguem desempenhar
para o termo de parentesco mwane. uma função semelhante (como se viu com os exemplos dos termos
Dito de outro modo, os indivíduos que pertencem a vários outros clãs nltlku!u e m1tJane).Isto deve-se ao facto de um mesmo termo de pare~-
são associados a ego (e, portanto, ao seu clã) pela atribuição dos mesmos tesco poder ser aplicado a indivíduos cuja relação com ~go :e faz atraves
termos de parentesco. Este efeito do sistema de c1assifiGlção do parentesco de diferentes cadeias de p;,\rentes e que pertencem a seIs c1as c!Iferent~s.
não é comum nJ Africa austral, onde a maioria dos bantos do Sul têm sis- Há, assim, um imenso leque de ligações e alianças .que, estando ao dIS-
temas de terminologia do parentesco do tipo iroquês (os grupos de língua por do indivíduo, podem ser manipuladas estrategIcamente.
tsonga, que têm sistemas de tipo omaha, são a este respeito excepcionais).
O padrão predominante nesta região da África austral é, assim, o sistema
ele fusão bifurc;)elo, que não gera o mesmo padrão de rebçães iriterclâni- Casos especiais e as modificações chopes
cas alargadas que aqui descrevo relativamente aos chopes. lJ
das regras
Estes exemplos mostram que os parentes recmtados com base em
qualquer tipo ele ligação a ego, seja ela agn,ítica, de ,Jijnidaele ou ainda Antes de passam10s à secção que trata especificamente da pcrs~ectiva
de afinidade com os parentes patrilaterais e matrilaterais, todos se asso- sociológica gostaria de tentar encontrar uma explicação para os dOIS ~ro-
ciam (n;'\ perspectiva de ego) por Ihes ser atribuído um mesmo termo de blemas específicos que são colocados pela análise fom1a1. A minha analise
parentesco. M;,\s não se trata só de partilharem esse nome comum; par;) depende, num dos casos, de fenómen~s sociológi.c?s e, no outro, de, un.1a
quase todos os efeitos soci;'\is, os detentores de um dado termo são vi- combinação de consider3ções pragmáticas e cogl11tlvas; em consequencla,
sivelmente tmtados como um grupo indiferenciado. Por exemplo, em esta secção constitui uma ~spécie de elo de ligação entre a análise form;}~ e
qualquer celebração feita para os antepassados tanto os vam1Mne como a sociológica. Concretamente, é aqui tr;}t~do o caso. ~o term~ !Ja!Jane (FZ)
os valukl/lJl recebem porções rituais do animal sacrificado; nestas e o do corte a duas gerações. Um terceiro caso dma respeito ao termo
ocasiões, todos os indivíduos a que ego chama mwane ou nluku!u, sem n!fYWetu (B) e, em termos lógicos, deveria ser mencionado também nesta
excepções, têm direito às porções respectivas, independentemente da secção, mas deixarei para o fim do capítulo a análise dos problemas que
sua proximidade ou distância genealógica de ego. Os rituais constituem ele coloca, para a altura em que trato da utilidade das técnicas propostas
momentos em que são feitas afirmações simbólicas importantes sobre o por Bloch, que a esse respeito são particularmente apropriadas.
sistema social. 14 A relevância atribuída a essas duas categorias parece re-
flectir a das alianças de afinidade (segundo os informantes, que subli-
o caso do tmno hahane
nharam que estes termos têm como significados primários o de «genro" Referi anteriormente que o termo 1Ja1Jane (FZ) é um caso algo espe-
e «neto/neta», respectivamente). No entanto, o facto de todos os mem- cial, já que designa um tipo nuclear de parente, ou seja, não é redutível.
bros dessas categorias participarem nos rituais parece corroborar a ideia
No entanto, o seu simétrico, o MB, não é um tipo nuclear de parente -
de que têm um estatuto de grupo indiferenciado. Assim, alguns termos
podem aplicar-se a este as regras de transformação pelas quais M~ será
equivalente a ME Contrariamente, se as regras pudessem ser aphcadas
a FZ, ficaria reduzido a Z:
13 cr. Buchler e Selby (1968, 219 e segs.) para uma análise formal dos sistemas ira·
queses.
14 cr. Leach: «a acção ritual e a crença devem ser igualmente compreendidas como FZ de Ô tomar-se-ia' FD de Ô (regra do enviesamento)
fonn:ls de afirmaç:io simbólica ua ordem soei:11»(1954, 14). FD de Ô torna r-SC-I;} Zde Ô (regr;'\ dQ llJeio·irl11~o)
!
O princípio de que a regra do enviesamento só pode ser aplicada tema omaha de tipo 111. Resumidamente, esta regra faz com que qual-
quando há um parente de ligação implica que em caso algum se pode- quer parente situado duas ou mais gerações acima de ego seja tratado
ria reduzir Z de Ô a D de Ô. por koko («avô»/<<avá»).Isto acontece devido à premissa simples de que
É necessário, por esse motivo, explicar a razão por que FZ é um tipo a sociedade tende a elaborar (culturalmente) os elementos que são so-
nuclear de parente e não pode ser reduzido. A resposta parece residir no cialmente relevantes e a simplificar os que são menos relevantes para a
facto de a posição de FZ verificada entre os chopes ser pouco habitual, vida social (fyler 1969, 3-4). Assim, verifica-se que existe uma grande
já que ela pode, em determinadas circunstâncias, tomar o lugar do pai elaboração dos termos de parentesco e das regras que os geram no que
de ego na esfera ritual. No caso de o pai de ego morrer, o seu lugar como diz respeito aos parentes que poderão ser contemporâneos de ego, mas
dirigente dos rituais da família e da linhagem deverá ser ocupado pelos os que já morreram ou que ainda não nasceram não têm a mesma
seus irmãos mais novos; contudo, se tal for impossível, é à hahane que relevância imediata e os termos de parentesco que lhes são atribuídos
cabe o desempenho dessas funções. Claramente, a sua posição é de manifestam, em consequência, uma menor elaboração. Nos sistemas de
grande importância social e isto é reconhecido a nível do sistema social parentesco, os parentes socialmente relevantes são aqueles com quem
e da terminologia, fazendo com que o temlO designe um tipo nuclear um homem terá, provavelmente, algum contacto ao longo da vida - e
de parente. isto significa, efectivamente, os parentes próximos de até duas gerações
Poderia ainda avançar um outro argumento sociológico que tem mais acima e abaixo de ego.
directamente que ver com o parentesco e as relações entre grupos. Julgo A regra do corte a duas gerações adequa-se à curta memória ge-
que uma outra possível razão para que habane seja um termo descritivo nealógica dos chopes. Em conjunto', estes dois aspectos reflectem o
poderá estar ligada à relação entre os grupos que fornecem e os que re- facto de os parentes situados a mais de duas gerações acima de ego
cebem as mulheres nesta sociedade. Se aceitarmos a proposição de que terem relativamente pouca importância. Uma excepção a este princípio
é atribuído maior estatuto ao grupo que fornece as mulheres do que é o caso dos antepassados pessoais da família de um dado indivíduo,
àquele que as recebe, tudo se toma mais nítido. O ME, enquanto que de qualquer modo não ultrapassam geralmente as duas ou três gera-
fornecedor da mulher, é «elevado» em termos geracionais pela termi- ções ascendentes (v. capítulo 9); para lá desse limite, instala-se a amnésia
nologia chope. Pelo contrário, FZ pertence ao grupo agnático de ego, genealógica. Devemos notar que há termos de parentesco que designam
pelo que não é ela mesma passada para a geração abaixo, mas já o seu posições três e quatro gerações abaixo de ego, como, por exemplo,
marido, enquanto receptor da mulher, sofre esse tratamento. mwane e chizuku!wane (<<bisneto»e «trineto», respectivamente). Eles exis-
O termo para genro (mwane) tem, etimologicamente, o sentido de «pe- tem apenas porque, do lado da irmã do pai de ego, as gerações são en-
queno», o que denota o seu baixo estatuto relativamente ao grupo da mu- viesadas para baixo, o que tem como resultado que os indivíduos que
lher, e os filhos do casal são tratados nesse grupo por ntukJdu (neto/neta); estão só uma ou duas gerações abaixo de ego terão, em termos da lógi-
a passagem à geração abaixo adequa-se à minha hipótese de que o grupo ca do parentesco, de ser tratados por termos aplicáveis à terceira e à
que recebe a mulher tem um estatuto relativamente mais baixo. Contudo, quarta gerações.
o que é intrigante é que, etimologicamente, ntukJdu deriva de ntu-, que sig- A amnésia genealógica e a regra das duas gerações combinam-se de
nifica «pessoa», e de -ku!JI, que significa «grande», o que faz com que o neto modo a oferecer um contexto cultural com potencial para ser explo-
de alguém, ou o filho da irmã, seja uma «pessoa grande» - e aqui há uma rado, como mostra o exemplo seguinte. O lugar de d1efe da povoação
forte indicação da qualidade da relação entre estes parentes, especialmente de Mangane ficou vago, e surgiram dois candidatos a disputar o cargo.
se tivermos em conta que o termo lIntlane (<<pequeno»)é aplicado, com Um deles, Changamwane Nyakwaha, assegurava que um chefe anterior,
algum menosprezo, ao pai dos filhos da irmã. Tieme Nyakwaha, era seu koko (o que era verdade) e seria seu FF Úá mais
duvidoso). Ao cruzar a informação (perguntando a algumas das mu-
o corte ri dum gerações lheres idosas que têm uma memóri:l mais longa destas questões), veri-
Esta quarta regra de transformação do sistema de terminologia do fIquei que era coI15eI15ualque Tieme fosse, provavelmente, FFFBS de
parentesco entre os chopes consiste numa modificação especial do sis- Changamwane, o que, apesar do princípio de sucessão adélfica, enfra-
análise formal não dá conta dos usos metafóricos de termos de pJren-
tesco como nJowetu, que poderá ser aplicado a uma pessoa que não é
parente nem tem qualquer ligação J ego por meio de laços de afinidade
alargados.
Lounsbury sugeriu que a análise formal de um sistema de terminolo-
gia do parentesco é útil como guia para o estudo funcionJI que poderá
seguir-se (1965, 175); na verdJde, Lounsbury afirma mesmo que é in-
5
Tieme
dispensável começar por fazer uma descrição formal, que servirá para
Corte a duas
gerações «indicar o caminho» a seguir, apontando áreas que será importante es-
tudar sociologicamente. Concordo com Lounsbury neste ponto, em
bora não esteja convencido, como adiante se verá, de que ele vá sufi-
cientemente longe nesta linha. Há, indubitavelmente, uma ligação ínti-
ma das três regras abstraídas por Lounsbury (e, na verdade, ela quarta
regra que formulei e da limitação do caso da FZ) com os f..1ctos sociais
importantes que lhes são concomitantes; mas, enquanto Lounsbury
relega qualquer análise sociológica para um estatuto secundário, na
quecia a posição de Changamwane relativamente à do seu advers5rio. minha opinião deve ser-lhe dado o mesmo peso em qualquer estudo
O problema é que, havendo j5 poucas pessoas que tivessem vivido no deste tipo.
tempo de Tieme, ninguém podia ter a certeza de qual era exactamente O que obtivemos até aqui foi uma gramática transformacional que
a relação entre ele e Changamwane, e este último pôde assim afirmar revela as regras geradoras da estnltura dos termos de referência dos
que Tieme era o seu· koko di/sun' (<<avôverdadeiro», ou seja, FF), e não chopes. Isto é possível devido à interdependência dos elementos pre-
apenas seu «avô» c1assificatório (neste caso, FFFBS; v. diagrama da figu- sentes numa dada terminologia do parentesco. A relação entre os ele-
ra 8.6). mentos faz com que haja uma espécie de unidade e, se houver uma al-
Deste modo, Changamwane parece ter falsificado os elos da cadeia teração numa parte, haverá uma variação concomitante nas outras.
de parentes que o ligaria a Tieme; conseguiu omitir os elos 3 e 4 da Coult nota que poucos sistemas poderão reflectir fielmente os princí-
cadeia e, depois, fundir os elos 5 e 2 (o que é, claro está, o mesmo que pios sociológicos sem perderem a sua coerência lógica. É preciso en-
faz~m as regras de redução), tornando as suas credenciais genealógicas contrar uma solução de compromisso: «Talvez seja impossível que qual-
maIs f?rtes. Uma pessoa está ligada a vários koko (e a praticamente qual- quer terminologia exprima inteiramente esses princípios, uma vez que
quer tIpO de parentes c1assificatórios) por diferentes cadeias de paren- as terminologias não exprimem apenas as normas da ordem social, mas
tesco; se decidir apresentar erradamente essas ligações, será dificil provar também as normas da ordem lógica, e estas últimas assumem fre-
que não tem razão. A falta de clareza que resulta do corte a duas gera- quentemente precedência» (Coult 1967, 37). Esta será, provavelmente, a
ções, quando o termo de parentesco usado entre dois indivíduos é do explicação para o facto de as terminologias do parentesco serem tão re- .
conhecimento público e não se sabe (necessariamente) qual é a cadeia sistentes à mudança e só depois de um hiato de tempo considerável
de parentes, deixa muita margem de manobra. seguirem a mudança social (presumivelmente, dur;m(e esse período tais
Resumindo osmeritos e deméritos da análise da terminologia de pa- mudanças estarão a passar pelo processo demorJdo da objectificação).
rentesco chope apresentada até aqui, julgo que, através das análises for- O termo de parentesco nfcrwetll é um bom exemplo: trata-se de uma ino-
mal e transfonnacional, consegui representar o sistema de parentesco vação bastante recente, mas só poderia «encaixar-se» numa posição es-
como um todo l.ogicamente coerente, o que é verdade, ainda que só a truturalmente equivalente ao significado zulu original.
um certo nível. E importante que identifiquemos e compreendamos as Mas, como notou Coult, surge ainda a questão da relação entre a ter-
estruturas e subestruturas que subjazem aos sistemas de ideias. Mas uma minologia e a sociedade. Não se trata de lima relação ele corrcspondên-
cia directa, mas, para entender o significado e as implicações dos termos substituir a irmã que morreu ou é infertil. Considera-se que os filhos de
de parentesco, esta é uma área de interesse fulcral. Trataremos de segui- uma dada aliança aprendem a comportar-se com o irmão do pai, por
da as implicações sociológicas da análise precedente, procur:lncio expli- exemplo, como se fosse o próprio pai, de modo que, na eventualidade
cações sociológicas para as áreas que levantam problemas. de este último morrer, o primeiro possa substituí-lo. A terminologia do
parentesco, que faz com que ambos os homens sejam tratados por
"pai", referir-se-ia assim a uma hipotética situação futura.
A perspectiva sociológica Esta explicação, por referência às normas matrimoniais, poderia tam-
bém explicar o tipo de situação que pode originar a regra do envies a-
Tem havido muitas tentativas no sentido de explicar sociologica- mento formulada por Lounsbury. A argumentação baseia-se na existên-
mente a terminologia de parentesco do tipo omaha. Pretendo expor cia de um casamento secundário preferencial (o que também se verifica
sumariamente quatro delas, que, na minha opinião, deram algum con- entre os chopes). Os chopes afirmam que o homem tem direito de
tributo para a compreensão da síndrome omaha. Referi atrás que há preferência quanto a casar com a irmã mais nova da mulher e ainda
duas modificações que se aplicam aos chopes e que só são inteligíveis à com a filha do irmão da mulher. Na verdade, uma delas deveria substi-
luz de determinantes sociológicas. Nesta secção procuro explicar essas tuir a mulher no caso de esta fugir, morrer cedo ou ser estéril. Se con-
determinantes e, por fim, analisarei o caso especial do termo nfowetll. As siderarmos que ego é o filho do casamento inicial, verificamos que, em
quatro explicações que apresentarei são hipóteses que se baseiam: (1) geral, tratará a irmã da sua mãe, bem como a filha do irmão da mãe
nas normas matrimoniais; (2) na solidariedade linhageira; (3) na aliança (MBD), pelo mesmo termo que usa para a mãe. 16 Na sequência lógica
(afinidade) dispersa; (4) no papel positivo da terminologia. deste facto, se ego chama «mãe" à sua MBD, deveria chamar «avô" ao
A primeira hipótese, relacionada com as normas matrimoniais, pai dessa mulher - o que se verifica entre os chopes, que à MBD
fornece uma explicação complementar do modo como as regras de chamam mame e tratam o MB por koko, que signifi'cam «mãe" e «avô",
transformação formuladas por Lounsbury funcionam no domínio respectivamen te.
sociológico. São aqui atribuídas certas determinantes sociológicas ao A regra do enviesamento proposta por Lounsbury afirma a equiva-
signifiGldo dos termos de parentesco. lência, em certos contextos, entre a irmã de um homem e a filha deste.
O modelo das «normas matrimoniais", que destaca' as implicações lógi-
Nonnas matrimoniais cas do casamento secundário preferencial de um homem com a irmã da
A regra da fusão, que permite que um irmão seja equivalente a outro sua mulher e a filha do irmão desta, fornece uma explicação sociológi-
do mesmo sexo (por exemplo, foB de Ô -+ F de Ô), é um problema que ca da razão para que exista a equivalência formal da regra do enviesa-
tem interessado os antropólogos desde há muito. Radcliffe-Brown mento. Se encararmos a situação do ponto de vista do irmão da mulher,
(1952, 18) chamou-lhe princípio da equivalência entre irmãos. A regra verificamos que, quando casa a primeira irmã, todas as outras se tornam
do meio-irmão poderia ser do mesmo tipo - os meios-irmãos são iden- esposas potenciais do marido dessa irmã, o mesmo acontecendo com a
tificados com os irmãos germanos. própria filha do irmão. Dito de outro modo, é-Ihes atribuído um termo
Alguns autores defenderam que existe uma relação entre as normas de parentesco que exprime a sua equivalência como mulheres poten-
matrimoniais e a terminologia do parentesco. 15 Por exemplo, a regra da ciais de um outro homem. Este argumento é corroborado pelo facto de
fusão, ou O princípio da equivalência entre irmãos, poderia ser um re-
flexo idealizado das instituições da heranç:l da viúva e do sororato
(ambas praticadas pelos chopes), de acordo com as quais o homem 16 Independentemente das detenninantes lógicas, há ainda ~ facto de a terminologia
do parentesco, entre outras coisas, definir quais são as pessoas e!q;íveis e não elegíveis
pode ser chamado :l tomar o lugar do irmão que morreu ou a mulher a
como possíveis cónjuges de ego. Idealmente, o pai e o filho não deverão competir pelas
mesmas mulheres, pois isso causaria perturbações na vida familiar; assim, o facto de ego
chamar 1I/tIlJle ("mãe») a M, MZ e MBD exclui c!cctivamente essas mulheres como pos-
síveis cônjuges. Ao mesmo tempo, elas são, obviamente, cônjuges preferenciais do pai
de ego.
o marido tratar essas mulheres por um mesmo termo, lamll. Segundo casamento: foi a ele que foi pago o lobolo, ou preço da noiva, e é ele o
me explicaram, o termo significa «cônjuge preferencial ••.Dito de outra respons,ível por esse valor ou pela sua possível devolução em caso de di-
forma, ego chama mame às mesmas mulheres a quem o pai chama lamu vórcio.
(noiva preferencial, cf. figura 6.2). Mais uma vez, a regra do enviesamento de Lounsbury, que é a carac-
terística principJI do sistema de tipo omahJ, é escbrecicla, em termos
Solir/anál"dt: IinbaL~eim sociológicos, peb hipótese da solidariedJde. No entanto, h:í que intro-
O mais destacado defensor desta hipótese é Radcliffe-Brown (1952, duzir aqui o conceito adicional do ciclo de desenvolvimento do grupo
49-89), a quem Coult (1967) se juntou. O princípio da solidariedade familiar, porque devemos ter em mente que o filho de um homem
linhageira tem o efeito de fundir todos os membros de uma deter- tomará, a certa altura, o lugar deste último como chefe de f.1míliJ.
minada linhagem, pelo que todos os homens da linhagem da mãe de QIJando isto acontece, o filho torna-se respons:ível por todas as obri-
ego são tratados por um mesmo termo. Isto verifica-se quando existe gações do pai, incluindo a do preço da noiva. Dito de outro modo, os
um princípio unilinear forte que possa sobrepor-se à distinção gera- direitos e os deveres do sogro passam para o. seu filho, que assim se
cional.
toma «uma espécie" de sogro, embora seja na verdade, ou tenha sido,
Perante esta hipótese, a minha reacção é ambivalente. A terminolo- um cunhado. Trata-se de um quase equivalente sociológico do corolário
gia chope pareceefectivamente reflectir até certo ponto a possibilidade da regra do enviesamento de Lounsbury pelo qual o irmão de uma
de o grupo de parentes da mãe de ego ser visto por este, um elemento mulher é estruturalmente equivalente ao seu pai.
exterior, como um grupo unificado. Contudo, como atrás demonstrei, Usar as regras da sucessão como instrumento para a explicaçi'ío
os chopes não têm grupos unilineares fortes. Scheiller manifestou tam- pode ser útil neste contexto, mas devemos, de todos os modos, ser
bém algumas dúvidas quanto à existência de um princípio unilinear nos cautelosos. Fortes demonstrou no seu trabalho sobre os :lshantis
s.istemas crow-omaha. No seu estudo sobre os bania tas verificou que as (1956) que os detentores de um mesmo termo de parentesco não têm
Imhagens e mesmo os clãs não [1ziam parte das explicações "populares» necessari:lmente padrões de comportamento idênticos. Assim, entre
dos termos de parentesco: os ashantis, que si'ío matrilineares, «os filhos de um homem tratam o
filho da irmã dele por pai (agya) quando pretendem demonstrar-se res-
Neste contexto, é importante notar mais uma vez que ninguém me pro-
c~ro.u expllc:r a extensão,«matrilineap, dos termos de parentesco por refe- peitosos para com este outra homem, dado que ele pode um dia vir a
renCla aos das (mna) ou as relações entre parentes enquanto membros de ocupar o lugar do pai». O termo é aplicado a todos os filhos da FZ,
um certo dã. Assim, nenhuma das versões da teoria da «unidade da linha- mas há uma diferença qualitativa entre o comportamento que é es-
gem••dos sistemas de classificaçãodo parentesco do tipo crow (e omaha) é perado da parte do F e da parte do FZS: o termo usado é o mesmo,
confirmada pelos informantes baniatas [Schemer 1972a, 375J. "mas as relações jurais e afectivas associadas ao uso desses termos nos
seus contextos primários não são automaticame11te estendidas [.. .]>.
!estemos a hipótese da unidade da linhagem. Esta hipótese explica a (Fortes 1956,278). !
razaa por que todos os membros (do mesmo sexo) de uma linhagem A perspectiva de Fortes pode assim ser descrita como extensionista.
partilham o mesmo termo de parentesco. No caso chope, todas as mu- Na sua opinião, as classes de parentes têm um referente prim;Írio e qual-
!here~ são. c11:lmadasmame e todos os homens são chamados koko (avô, quer termo é estendido até reflectir as normas da sucessão do estatuto.
Isto e, paI da mãe). T.1mbém é possível colocar hipóteses acerca das Desse macio, a extensão dos termos de parentesco tem o efeito de
razões por que são usados estes termos específicos: o termo mame é definir uma categoria de parentes que seri'ío os potenciais sucessores,
usado porque ego trata todas as mulheres da linhagem pelo mesmo num sentido jura!, do detentor da posição (genealogicamente) mais pró-
term~ que usa para O elemento dessa linhagem que lhe é mais próximo, xima de ego. No entanto, concordo com Scheffier e Lounsbury quan-
ou seja, a mãe. O termo koko, que aqui assumo como tendo o signi- do afirmam que "as regras que estabelecem uma classe de parentes ou a
ficado de pai da mãe, é, provavelmente, usado para todos os homens da extensão terminológica podem reflectir regras quanto à sucessão do es-
linhagem porque este foi o homem que representou J linhagem no tatuto, mas isto não se verifica necessan·amenle» (1971, 155).
ampla extensão das alianças através da sociedade, mas estas são contraÍ-
A aliança dispersa de q/inidade das pelo indivíduo. Segundo Lévi-Strauss, estes sistemas:
Esta hipótese foi avançada por Uvi-Strauss e, <1malguns aspectos, é
semelhante à primeira, na medida em que se refere às nom1as matri- [...] permitem que a história desempenhe um papel na vida social. Em
moniais. Citando Lévi-Strauss: vez de actuarem como um dispositivo de regulação que tende a fazer a so-
ciedade regressar continuamente ao caminho anterior (como nos sistemas
[...] a função de um sistema de parentesco é criar possibilidades ou im- de aliança assimétrica), conferem-lhe uma certa liberdade, que poderá con-
possibilidades de casamento, seja directamente, quando as pessoas se tratam duzir à mudança [1966,20].
umas às outras por determinados termos, seja indirectamente, quando as
pessoas se tratam por termos que derivam, segundo determinadas regras, dos o sistema social dos chopes, como foi já demonstrado (nos dois capí-
termos usados pelos seus ascendentes [1966,14]. tulos anteriores), caracteriza-se pelo estabelecimento de um grande
número de alianças de vários tipos - e pelo facto de, para além de se
A hipótese de Lévi-Strauss tem o mérito de não procurar apenas a formarem muitas alianças, estas terem um carácter transitório. i8 O sis-
lógica interna dos sistemas terminológicos do parentesco ou de os ver tema matrimonial de «aliança dispersa» que é ·gerado pela classificação
como meros reflexos de princípios sociológicos. Lévi-Strauss encara a do parentesco de tipo omaha adequa-se ao sistema social no seu con-
classificação de tipo omaha pela positiva, sublinhando o facto de esta junto, já que este confere grande relevância à necessidade de estabelecer
impor aos detentores dessa terminologia um detern1inado padrão nutri- ligações tão espalhadas quanto possível.
monial, a que dá o nome de aliança dispersa. 17
A etnografia chope corrobora a hipótese de Lévi-Strauss. As catego- Os papéis activos e operatórios dos tmltos de parentesco
rias de parentesco fazem com que seja impossível (nos termos das nor- Este ponto refere-se especialmente às hipóteses de McKinley (1971a,
mas exogâmicas) casar com uma pessoa do clã do próprio pai ou da 1971b) e Blod1 (1971a). A argumentação de McKinley começa onde ter-
própria mãe. É assim impossível que se verifique um padrão de casa- mina a de Lévi-Strauss: na sua opinião, a perspectiva sociológica tradi-
mento assimétrico, já que a aliança feita pelo pai de ego exclui imedia- cional de que as terminologias de parentesco são meros «reflexos» de al-
tamente a possibilidade de ego casar nesse clã. Dito de outro modo, há guns princípios sociais importantes é redutora, só considera um dos lados
que fazer novas alianças com diferentes clãs a cada geração, o que dá da moeda. McKinley postula que a terminologia desempenha um papel
origem àquilo a que Lévi-Strauss chama uma «rede de alianças proba- positivo, na medida em que «[...] as terminologias do parentesco têm pro-
bilística» (1966, 19). priedades ideológicas que são lTequentemente usfldas para conciliar algu-
Lévi-Strauss demonstra assim claramente um dos aspectos mais im- mas contradições fundamentais inerentes a deterr{iinados sistémas sociais»
portantes e os efeitos positivos das classificações de tipo omaha (quan- (1971a, 228). De acordo com McK.inley, a contradição que existe no sis-
do consideradas as normas exogâmicas que lhes são inerentes): estas dão tema de parentesco de tipo omaha (como no chope) nasce da aliança dis-
origem a um grande número de alianças dispersas de afinidade (cf. capí- persa de afinidade que a tenninologia impõe à sOFiedade. O paradoxo re-
tulo 6). No entanto, essas alianças são efémeras. uma vez que se proíbe side no facto de o sistema social atribuir grande valor às alianças, enquanto,
expressamente que a aliança de afinidade formada por um homem seja simultaneamente, a própria tem1inologia proíbe o filho de renovar a
renovada pelo seu filho. Esta classificação tem assim como resultado a aliança formada pelo pai. A cada geração é necessário formar uma nova
aliança, o que é, obviamente, vantajoso, mas seria igualmente vantajoso
manter também as antigas alianças. No entanto, há lima regra que obriga
à mudança das alianças a cada geração e assim exclui a possibilidade de
17 Esta afirmação deve ser vista à luz de outros tipos de padrões de casamento. como manter a antiga aliança através de um novo casamento.
a aliança assimétrica, pela qual um delenninado grupo recebe mulheres de um outro
grupo e oferece as suas irmãs como mulheres a um terceiro grupo. Há relações lixas
entre os que oferecem as mulheres e 05 que as recebem, pelo que as al,ianças assim for- 1M Como indicam. por exemplo, a elevada taxa de divórcio ou a mobilidade geogr;í-
madas deixam pouca margem de escolha, fica dos indivíduos. que necessariamente implicam o abandono de alguns laços.
Crllt:r.:lJrillS til' dilssifiW(tiu tlu !'rlrt:1I11'S1'U: (IJl'I'ClUS I's/rtltrmlÍs I' rât'1i11I1cit/ social

Esta contradição seria superada pelo papel ideológico do sistema de junto de alianças ao próprio filho. A aliança de afinidade do pai trans-
tipo omaba, que actua de modo a "preencher as lacunas do sistema so· forma-se num laço de matrifiliação para o filho e essa relação desap::uece
cial tal como ele é» (McKínley 1971b, 408). Apoiando-se no argumento por completo no caso do filho deste último. Assim, embora a termi-
da solidariedade linhageira, McKínley nota que poderia justificar-se a nologia do parentesco mantenha dectivamente constante J. geração no
afirmação de que o factor geracional se mantém constante (1971 b, 408), grupo c1ânico da mãe de ego relativamente ao .próprio ego,. não. se trata
visto que se aplica o mesmo termo de parentesco aos membros (do de uma ligação entre duas linhagens. Trata-se, Sim, de uma hgaçao entre
mesmo sexo) da linhagem da mãe de ego. Isto tem como consequência um indivíduo e um conjunto de pessoas que podem constituir, ou não,
uma certa "paragem do tempo». A aliança, que é geracionalmente um grupo de tipo Iinhageiro. .. .
efémera (dura apenas uma geração), ganha assim um período de vida Deverá ser já evidente a utilidade da hipótese de McRinley para a
mais longo. Ditode outro modo, a terminologia estabelece entre ego e compreensão do sistema terminológico de parentesco entre os chopes.
todo o grupo de descendência da mãe uma relação que não se altera Tal como Lévi-Strauss, McRinley argumentou que, embora os termos
com o tempo. Por exemplo, ego tratará o seu MBSSS (isto é, uma pes- de parentesco possam formar (e realmente formem) um sistema orde-
soa duas gerações abaixo da sua) por koko. Apesar de as ::dianças m3tri- nado que pode ter uma base sociológica, o sistema tem uma existência
moniais deverem mudar a cada geração, a terminologia de parentesco própria e desempenha um papel activo e positivo na vida socia!.
mantém constante durante um número indefinido de gerações a relação McRinley desenvolve a questão da relevância social do sistem~ de ter-
de ego (isto é, a aliança) com o grupo a que o pai se aliou. Simul· minologia do parentesco omaha, referindo-se ~s condições SOCIaiSque
taneamente, transforma uma aliança de afinidade (a do pai) numa liga- originam as terminologias e à influência das próprias terminologias
ção matrilateral (isto é, de parentesco) do filho. sobre os padrões de acção que constituem as relações sociais. Embora
Neste sentido, o paradoxo do sistema omaha reside no desejo de reter estes dois aspectos da relevância social estejam interligados, não são
as antigas alianças, quando, ao mesmo tempo, cria tantas novas alianças idênticos: «eles fazem parte de uma interacção dialéctica. A sociedade
quantos possíveis. McKínley insta a que se preste maior atenção à situa- actua sobre a terminologia e a terminologia actua, por sua vez, sobre a
ção ambivalente que é gerada por este sistema: sociedade" (McK.inley 1971a, 228).

Porque há vantagens em manter as antigas relações, assim como há van-


tagens em formar novas relações. No entanto, uma norma que faz com que As possibilidades de manipulação
as relações se alterem a cada geração exclui a primeira possibilidade. Perante
um sistema deste tipo, imagino que as pessoas encontrarão maneiras de re- dos termos de parentesco
cuperar algumas das vantagens da alternativa vedada. QJando pretendem
manter as obrigações mútuas fundadas em casamentos prévios, reforçam a Todas ns explicações apresentadas até aqui encaram os termos de pa-
filiação complementar e outros laços que, inJirectamente, irão alargar os rentesco e os t1ctores sociológicos como sistemas e resultam de análi-
laços de afinidade anteriores. Dev"ão também pn'vi!egiar lima tmnino!ogia que ses feitas a nível institucional, estrutural, "macro". Debrucemo-nos
conjim continuidade a essas relações. Coloco a hipótese de que os sislemas agora sobre o nível «micro" ou subestrutural, em que o sistema de ter-
crow-omaha, ao manterem constantes as gerações,proporcionam essa ficção mos de parentesco e os próprios termos podem ser aceites como factos
tão conveniente [1971a,245, itálico meu]. sociais e como «atribuídos" à partidn. Centrando-nos no indivíduo, é
possível demonstrar como as pessoas conseguem utilizar e manipular
Um aspecto que McRinley não sublinha suficientemente é o facto de o sistema de parentesco e
n sua terminologia. Talvez a melhor forma de
as alianças a que se refere serem orientadas para o indivíduo. Q!Jero demonstrar a utilidnde desta abordílgem seja recorrer ao exemplo de
com isto dizer que, embora as gerações do clã da mãe de ego sejam um termo de parentesco como nfowetu, O qual, ainda que possa ser ob-
mantidas constantes e este último, como indivíduo, possa manter rela- jecto de uma definição formal (e estrutural), tem claramente significa-
cionamentos com os parentes da miie. até quatro gerações (as que é dos c aplicações em contextos que ultrapassam o sistema de parentesco
provável que ele conheça pessoalmente), não pode transmitir esse con- em S\ mesmo.
Como atrás referi, o caso do termo nfoweLu é interessante porque este pertencem as mulheres, mantendo uma mesma posição estrutural face
não é um termo de origem chope, mas antes zu[u. Assim, no âmbito a esse grupo. Essa posição que partilham é, pois, a de elementos exter-
semântico do termo inclui-se a noção do contacto, directo ou indirec- nos que foram aceites pelo grupo e que, na verdade, reforçam a viabili-
to, entre os chopes e os zulus. A história da região demonstra que assim dade e a força do grupo (cf. o que digo a este propósito quando trato a
é efectivamente. A invasão zulu nos anos 20 do século XIX teve amplas vicinalidade, no capítulo 9).
consequências sociais e culturais e parece ser lícito supor que terá sido Mais uma vez, será útil voltar à etimoJogia do termo nJowetli, já que
por esta altura que os chopes conheceramo termo, que mais tarde adop- esta é esclarecedora do complexo de significados que o termo encerra ..,!
taram. No seu dicionário chope, Santos não indica, infelizmente, as etimolo-
O termo nfowe/u significa, como atrás referi, ~Igo como «irmão». Mas gias, pelo que sou forçado a basear-me nas minhas pesquisas a este res-
os chopes também têm os termos nkoma e landa, que significam im1ão peito, bem como no termo equivalente em língua zulu e respectiva eti-
mais velho e irmão mais novo, respectivamente. Como se justifica mologia, apresentados por Doke e Vilabsi (1958) no seu dicionário.
então a adopção do termo zulu? A resposta a esta questão parece residir O uso desta última referência justifica-se, na minha opinião, por duas
no facto de o termo tomado dos zulus se adequar particularmente bem razões: em primeiro lugar, os chopes admitem, abertamente que o termo
à situação social. Verifica-se que ego usa os termos nkoma e tanda para não é indígena e atribuem-lhe origens changimes (zulus); em segundo
os irmãos que pertencem ao seu grupo patrifilial, no qual o estatuto é lugar (e este argumento é mais convincente), a minha investigação reve-
ordenado pelo critério da primogenitura. Pelo contrário, o termo nfowe- lou que o termo tem entre os chopes contomos semânticos muito
Lu é usado para designar um irmão que pertence ao grupo agnático da semelhantes aos que Doke e Vilakasi indicam.
mãe de ego. Ego, provavelmente, não interage com essas pessoas diaria- Aparentemente, o termo zulu unifowelhu deriva de fà (Utmgo), cujos
mente, pelo que os problemas do estatuto relativo não se fazem sentir significados são apresentados de seguida, e tem o sufixo J[iJet/JIt, que signi-
tão fortemente. O termo nfowetll é «neutro» em termos de estatuto fica, tanto para os zulus como para os chopes, «nosso". Doke e Vilakasi
porque, contrariamente a nkoma e !anda, não tem conotações de pri- (1958, 197) indicam os seguintes significados para a raiz fà: «1) tem10 prin-
mogenitura nem implica a diferenciação de estatuto com base na idade cipal para 'homem'; 2) companheiro, camarada (amigo); 3) estranho, ini-
que está associada àquela. Poder-se-ia postular que nfO'liJe/1I é usado para migo, adversário, rival; 4) im1ão (em expressões possessivas compostas) .•.
designar o irmão quando não se pretende fazer qualquer distinção de Pondo de parte o primeiro significado, poderemos dizer que n.fo7iJc/1i
est<ltuto. (ou umJowethu, em zulu) pode significar «nosso.companheiro, nosso ca-
Ilustremos esta afirm<lção com o caso das três filhas de Caetano marada», ou <<110SS0 estranho, nosso inimigo,' nosso rivah, ou ainda
Nkome: Clementina, Rosa e Filismina. Estas três irmãs são casadas com «nosso irmão». 19 Emerge aqui uma clara ambivalência, já que o termo
homens que não têm qualquer relação de consanguinidade entre si, m<ls pode ter conotações positivas, como em «irmão» ou «camarada», m<ls
que agora se tratam por nfowettt. Considera-se que os três homens têm pode veicular t<lmbém um elemento de reserva, distância ou n:esmo
um estatuto idêntico. Neste sentido, o termo parece exprimir uma ética hostilidade, quando significa «estranho», «inimigo" ou «rival". E esta
de igualitarismo que nenhum outro termo no léxico chope veicula ambivalência que confere ao termo a sua potencial versatilidade.
(todos os outros implicam uma diferenciação de estatuto em maior ou Esta última afirmação conduz-nos ao trabalho de Maurice Bloch
menor grau). O termo n.fowetl/ é t<lmbém usado para designar o MZS e (1971a), que sugere que os termos de parentesdo deveriam ser entendi-
o MBD5, ambos ligados a ego através de elos intermédios de <lfinidade dos em função dos seus significados morais e tácticos. Dito de outro
e <lmbos pertencentes <Iclãs diferentes do de ego. Aparentemente, como modo, devemos atender aos significados implícitos de um dado termo
não estão dentro do próprio grupo de descendência de ego, não é e também aos contextos em que .e1eé utilizado. Apesar de Bloch afir-
necessário sujeitá-Ias à diferenciação de estatuto manifesta no uso dos i'
termos nkoma e !anda. Voltando ao caso dos três cunhados: estrutural-
mente, eles são marginais ao grupo de parentesco (o clã Nkome) das três
19 A análise fonnal pode, por definição. indicar apenas este llltinio significado e ne-
irmãs. Todos eles são elementos exteriores que se aliaram ao grupo a que
nhum dos outros. que geralmente implicam uma carga emocional.
mar que esta abordagem dá conta de todos os tipos de termos do paren-
',
.•.:."'
.. ...••

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transmitido pelo uso do termo. Devemos analisar o contexto - e perce-
tesco, ela parece ser particularmente adequada quando pretendemos ber se ego usa o termo para designJr um irmão "verdadeiro» (em termos
compreender os termos menos formais, como nf01oelu. estruturais) ou se alargou a sua aplicação a outras pessoas.
Bloch defende de modo convincente a ideia de que é difIcil, ou O significado moral do termo nfowelu é revelado, em parte, ~e~o sen-
mesmo impossível, enumerar tod;l\ ;lS pessoas a quem poderá reFerir-se tido que eFectivamcntc assume no sistema de parentesco. Refer,!.ante-
um dado termo de parentesco, razão pela qual julga importante o re- riormente que é usado para exprimir igualdade entre os que o utJ1lzam.
conhecimento de que algumas palavras, entre as quais poderão contar- Outro fundamento moral provém do Facto de se tratar, afinal, de um
-se alguns termos de parentesco, devem ser vistas: <<1)em termos do termo de parentesco e de designar, nessa medida, um parente próximo.
lugar que ocupam no sistema de valores; 2) do ponto de vista dos usos Há uma ética de amititia de parentesco implícita na utilização de qual-
tácticos que permitem» (1971a, 80). Bloch opõe-se tanto a Leach (os ter- quer termo de parentesco e essa ética é reforçada por um termo tão
mos como categorias sociais) como a Lounsbul)' (as regras de transfor- próximo como «irmão». Isto denota uma ligação ainda mais Forte do
mação) por estes ignorarem os usos estratégicos dos termos de paren- que o mero parentesco: o vínculo familiar. Ass!m, o. term? nf(YleJ~I:{ tem
tesco. Bloch nota que Lounsbul)' parece ver o processo de extensão os significados morais do parentesco forte e da Identlficaçao [1mI1lar, da
como sendo um «processo automático, que resulta de regras impessoais amititia, da igualdade.
mais do que de escolhas humanas» (1971a, 81). Isto é verdade, sem dúvi- Tacticamente, o termo é ideal para ser usado em situações que
da, mas nisso reside precisamente a força do trabalho de Lounsbul)': demonstram uma relação igualitária e descontraida com um parente
este demonstrou a lógica interna do sistema. ou uma relação especial com outro homem - cumo um amigo espe-
A abordagem de Bloch não contradiz necessariamente a de Lounsbul)'; cial - quando se está na própria terra ou para indicar uma identidade
pelo contr;írio, complementa-a, pois, enquanto Lounsbul)' estuda os ter- tribal comum por oposição a outras tribos em ocasiões em que, es-
mos como sistema (ou seja, a sua organização e estrutura internas), Bloch tando longe de casa, a identidade étnica possa tornar-se um facto r
assume o sistema como um «dado adquirido», ou como um "facto social», importante (como acontece nas circunstâncias social e culturalmente
que pode ser usado pelos indivíduos tacticamente para transmitir men- heterogéneas da situação de trabalho migratório). Em todos esses
sagens que são socialmente importantes para outros indivíduos, sejam casos estão implícitos os imperativos morais da {{mititia e da igualdade
estes seus parentes ou não. Parece-me que, embora todos os termos de pa- de parentesco.
rentesco possam sofrer o tipo de extensão não estrutural usada por Bloch, Apesar de todas as conotações positivas e igualitárias associadas ao
até porque podem mesmo ser aplicados a indivíduos que não são parentes, termo nf01oetu, bem como da sua popularidade enquanto termo de
alguns adaptam-se melhor a esse tratamento do que outros. Isto acontece parentesco que pode ser usado em muitas situações diversas, não deve-
porque alguns termos, que denotam uma relação particularmente próxima mos esquecer que ele comporta também aspectos negativos: o f.xto de
com ego, como, por exemplo, lale (pai), comportam significJdos morais es- o nf010elu de alguém poder ser um estranho ou um inimigo, real ou
pecíficos que limitam até certo ponto a sua utilidade estratégica. No en- aparentemente (afinal, o cunhado não deixa de ser um inimigo poten-
tJnto, outros termos, como nf01oelu, denotam uma maior distânciJ social cial que o casamento transformou num amigo). A ambivalência pre-
e os significados morais neles inscritos (bem como os direitos e obrigações sente no significado essencial do termo faz com que ele seja também
inerentes) são mais vagos e, portanto, têm uma aplicação mais flexível. particularmente adequado como instrumento de flexibilidade. A rela-
Como atrás mencionei, as regras de transFormação não podem dar ção de ego com essa pessoa caracteriza-se pelo «altruísmo prescritivo»
conta de todo o leque de usos e significados do termo nfowelu, espe- (Bloch 1971a, 81), mas, embora ego deva tratá-Ia mais ou menos como
cialmente nos casos em que um chope trata um homem que não é seu a um irmão, não se pode esquecer que ela é ainda o «nosso estranho» -
parente (por exemplo, um amigo ou outro chope numa mina de ouro a relação pode ser amigável, mas cada uma das partes deve manter
sul-africana) por esse termo. Claramente, essa pessoa não é (em nenhum algum distanciamento. O que me chamou a atenção para este [xto foi
dos casos) seu irmão em termos de parentesco estrutural. Por esse moti- o comportamento do meu intérprete, que na zona onde fiz trabalho de
vo, devemos analisar a sua intenção, bem como o significado que é campo era um estranho (vivia numa povoação situada a alguns
quilómetros de distância), mas tratava muitos indivíduos por nfowetu Assim, por exemplo, houve ocasiões em que o meu intérprete tratou
(tratamento que eles retribuíam), embora nunca tenha estabelecido uma um conhecido pelo termo nf01vctll, sendo afastado ao receber como res-
relação muito forte com nenhum deles. posta o termo nyaha (<<amigo),),um pouco mais distante. O meu intér-
Bloch afirma que esta técnica de procurar a base moral dos termos e prete estava a tentar estabelecer com o outro indivíduo uma relação
depois registar a sua utilização táctica pode aplicar-se igualmente a mais próxima do que este estava disposto a aceitar, pelo que obteve em
todos os termos de parentesco. Eu prefiro reduzir esse âmbito, pois, resposta um tenno que, embora implicasse aqui uma rejeição parcial,
como atrás referi, os informantes chopes têm uma ideia clara de quem não deixava de ser uma afirmação de amabilidade. Os dois homens es-
são os <<verdadeiros"detentores de um determinado termo, assim como tavam assim envolvidos num processo de «gestão da imagem"
têm a noção de que é a partir daí que o termo é estendido para ser apli- (Goffman 1972, 203 e segs.) - as definições que um e outro faziam da
cado também a outras pessoas (L Mayer 1965, 52 e segs.). Dito de outro situação não eram inteiramente coincidentes, embora ambos pre-
modo, quando o termo é aplicado a indivíduos que não são parentes, tendessem claramente manter a relação e mantê-Ia numa base de afa-
essa utilização parece ser feita num sentido metafórico: é atribuído um bilidade.
termo de parentesco a uma pessoa com a qual não há uma ligação de Em certa ocasião, o meu intérprete foi desdenhado quando se dirigiu
parentesco mas que se pretende tratar como se fosse um parente. Essa a um homem alguns anos mais velho pelo termo nfowelu: o homem
pessoa pode, por seu lado, aceitar ou rejeitar esse tratamento, retribuin- ignorou totalmente a forma de tratamento e a pergunta que se seguia.
do-o ou não. Tendo os indivíduos estabelecido reciprocamente a sua Com um ar algo envergonhado, o meu intérprete colocou novamente
afeição, deverá, logicamente, seguir-se um comportamento como o que a questão, mas sem proferir o termo familiar - desta vez houve respos-
se tem para com os parentes. Como afirmou r. Mayer: ta. Neste caso, a interacção tomou a forma de um encontro em que o
intérprete fez uma avaliação errada da situação (ou talvez estivesse a ver
[...] o comportamento de parentesco poderá ser concebido como um se um estatuto mais alto «pegava»). Perante a reacção arrogante, ou
código de etiqueta formal e um conjunto de obrigações simbólicas a obser- mesmo insultuosa, de que foi alvo, reavaliou a situação, aceitou o re-
var por uma pessoa relativamente a outra, de modo a exprimir uma das ati- baixamento e recuou para a relação mais educada e formal que se tem
tudes ou sentimentos apropriados a uma determinada relação: por exemplo, com os estranhos.
de deferência, respeito ou intimidade [1965,49]. A análise que possa fazer-se desta atitude só pode ser descrita como
«micro", na medida em que se prende com a int~racção interpessoal e
Neste domínio do comportamento verifica-se uma interacção subtil as transacções individuais em encontros que ocorrem apenas entre duas
ou mesmo uma competição, pois o termo de parentesco que é «ofere- pessoas. A perspectiva é diferente da das hipóteses apresentadas atrás
cido" por um indivíduo pode não ser considerado aceitável pelo outro. neste capítulo, nas quais a análise incidia sobre estruturas e grupos, ou
Ambos têm as suas próprias ideias, as suas definições subjectivas da pelo menos indivíduos como representantes de grupos. Julgo, no en-
situação, e estas podem não ser compatíveis. GofTman, nos seus vários tanto, que a abordagem ao estilo de Goffman permite uma melhor
textos, trata este tipo de situações, a que chama «encontros" (1972, 17 e compreensão de um aspecto importante dos termos de parentesco, a
segs.). Há um elemento desse encontro quando uma pessoa se dirige a saber, que os termos de parentesco são passíveis de manipulação. O uso
outra por um termo de parentesco que não é rigidamente prescrito pela estratégico a que os termos de parentesco se prestaJ11pode ser demons-
relação de parentesco existente entre elas, pois, como nota Goffman: trado por um episódio em que estive pessoalmente envolvido.
Depois de ter passado algum tempo no terreno.e de tentar desespera-
Se assumimos que o indivíduo projecta uma definição da situação quan- damente estabelecer relações com os meus vizinhos chopes, fiquei deli-
do se vê perante outros, temos de aceitar também que os outros, por muito
ciado quando um bomem, em tom de brincadeira, me ofereceu a sua
passivo que pareça ser o seu papel, irão, eles mesmos, projectar e(ectiva-
filha de 3 anos como mulher. Aceitei, também em tom de brincadeira,
mente uma definição da situação através da resposta que dêem ao indivíduo
e das linhas de acção que estabeleçam relativamente àquele 11972, 20]. e tratei a menina por nka/angu, «minha mulhel'>, ,.após o que o pai pas-
sou a chamar-me mwane (<<genro,,).A partir de então, dois outros homens
CalegoriflJ de c!assijicaçúo riopllrmlesw: IIspectos eslmlllrrtis e relcvfíncill social

(de clãs diferentes) fizeram o mesmo e um quarto clã «adoptou» a tesco, nenhuma delas, por si só, se mostrou suficiente. Neste capítulo
minha mulher como filha do clã (o resultado era o mesmo: eu era genro reuni essas tentativas, que, em conjunto, poderão contribuir, na minha
deles). Neste ponto, um quinto clã tinha já com o quarto uma relação opini~o, para a nossa compreensão do sistema chope. As abordagens a
de receptor de mulheres (isto é, eram genros deste), pelo que me tomei que me refiro dividem-se em duas categorias principais: (1) a análise das
para eles um «irmão» (do tipo nfowetu). Assim, adquiri uma rede de pa- terminologias como sistemas de ideias e sistemas ideológicos (por e~em-
rentes fictícios e, ao aceitar passar a ser tratado pelo termo de parentesco pio, Lounsbury e, em parte, McKinley); (2) as explicações sociológICas,
m1iJane, aceitara também a definição da situação que me fora oferecida que tendem a encarar os sistemas terminológicos do parentesco como
pelo meu «sogro». Acontece que eu não conhecia inteiramente as regras reflexos, a nível individual, de princípios sociológicos importantes (por
do jogo nem compreendia todas as implicações da situação tal como exemplo, a solidariedade linhageira de Radcliffe-~rown e as hipóteses
esta fora definida. A posição de genro é talvez a mais baixa de todas da norma matrimonial). !
dentro do parentesco: é preciso tratar os sogros com o m:lior respeito Considera-se frequentemente que, devido às oriel1tações teóricas
durante alguns anos; espera-se que haja um fluxo unívoco de dádivas do muito divergentes dos proponentes de cada um dos tipos de abordagens
elemento mais novo aos mais velhos; como já referi, um dos significa- e, em consequência, dos modelos que constroem, elas são mutuamente
dos do termo m1iJane é «pequeno". exclusivas. No entanto, McKinley aponta construtivamente uma nova
Para contrabalançar o que tenho vindo a descrever, deve notar-se que, direcção e, no seguimento de Berger e Luckman e da sua ideia de que
na perspectiva dos chopes, uma das formas mais óbvias de incorporar há uma dinâmica dialéctica e em três fases, oferece-nos um meta-
um estranho num dado meio social é o de lhe permitir que case com modelo que permite incorporar num mesmo enquadramcnto essas
uma filha. Para os meus vizinhos chopes eu era um estrangeiro poten- orientações diametralmente opostas.
cialmente perigoso que manifestara pretender estabelecer relações so- Esse modelo dialéctico tem a vantagem de dar conta da mudança so-
ciais com eles e já era casado de acordo com um regime monogâmico, cial e cultural. O homem pode, por exemplo, criar novos padrões na
pelo que, obviamente, não podia casar com uma das suas filhas. Restava fase de exteriorização. Contudo, não se trata de um sistema fechado:
então o recurso à estratégia de me incluir no mapa como genro fictício. existe a possibilidade de serem introduzidos novos elementos por forças
Verifica-se uma situação semelhante na percepção c na relação dos externas, em condições de contactocultural ou mudança social intensa.
chopes com o mundo dos espíritos quando (entre outras hipóteses) um Qualquer nova introdução terá de passar pela fase da objectificação,
espírito maléfico, alegadamente de origem ndau, provoca doenças e f:1Z pela qual se toma uma parte aceite da realidade social e cultural. Para
com que a má sorte atinja os indivíduos. A forma de lidar com esse es- Lounsbury e Marx, defender a primazia da sua subestrutura particubr é,
pírito, conhecido como nkwambu, é oferecer-lhe a mão de uma jovem. pois, focar a atenção numa área de um processo de tr~s fases, no qual
Os chopes desconhecem a etimologia do termo nÁ"wmnl/ll, mas, de acor- nenhuma dessas fases pode ter primazia sobre qualquer das outras. Em
do com um investigador dos ndaus, O termo significa «genro» nessa lín- qualquer momento determinado, as três exercem influência umas sobre
gua (C. Armstrong, comunicação pessoal). O princípio é o mesmo: as outras.
transforma-se um estranho potencialmente prejudicial num indivíduo Julgo que as diferentes abordagens de, por exemplo, Lounsbury,
inofensivo e, espera-se, amigável, pela aplicação criteriosa de uma rela- Leach e Bloch, que assumem posições aparentemente irreconciliáveis,
ção de parentesco fictícia, que a partir de então é simbolizada pelo uso podem, de facto, ser conciliadas a dois níveis. Em primeiro lugar, veri-
do termo de parentesco adequado. fica-se que, no âmbito de um dado sistema terminológico, nem todos
os termos de parentesco se prestam igualmente a cada uma das formas
de an<Íllse.O método extensionista de Lounsbury, que introduz a noç~o
de um referente primário e da «extensão» do termo para cobrir outros
indivíduos, funciona bem quando o referente primário pertence à
Deved já ser evidente que, embora tenha havido uma série de tenta- família nuclear, mas é menos eficaz na Jllálise de termos mais «dis-
tivas para explicar a natureza e a (unç~o das tcrlllinologi;ls de parcn- lantes», como /-:0/.:0, cujo referente prim;írio poderia ser o FF, a rM, O
MF, o MB ou a MM. É precisamente este tipo de termos que deve ser sido claramente demonstradas as possibilidades para a acção social
analisado à luz da ideia de Leach, segundo a qual se trata, de facto, de introduzidas por esses sistemas. Na parte IV, já de seguida, o enfoque
«termos que são categorias sociais», sem qualquer referente primário; passa a ser sobre a acção social. A análise incidif<Í nos indivíduos, nos
contudo, Leach não parece ter razão quando se aplica essa análise a ter- agrupamentos e nos conjuntos de acção que os primeiros convocam ou
mos como lale (F), para os quais os informantes reconhecem referentes a que pertencem. As instituições tratadas até aqui oferecem aos indiví-
primários. A técnica de Blod1 parece funcionar melhor quando se apli- duos os recursos sociais necessários para que qualquer pessoa se integre
ca a termos de parentesco relativos a relações algo distantes (social- na sua sociedade ou nela progrida. Assim, na última parte desta obra
mente) de ego e cujo significado contém alguma ambivalência (por haverá uma nítida inflexão de perspectiva: depois do estudo das estru-
exemplo, nfowetu), embora possa ser usada para quase todos os termos turas e instituições, passaremos ao nível micro da acção centrada no in-
de parentesco. divíduo.
Em segundo lugar, se recorrermos à dialéctica de Berger e Luckman,
o modelo de Leach parece cair nas fases da exteriorização e objectifi-
cação, já que os termos emergem do comportamento social e económi-
co e só depois são objectificados como factos sociais. O modelo de
Lounsbury incide nas fases de objectificação e interiorização, pois o sis-
tema terminológico do parentesco é visto como tendo uma existência
em si mesmo, impondo aos indivíduos uma «gramática» do parentesco.
Já o modelo de Bloch respeita sobretudo à fase da exteriorização, na
qual o indivíduo, recorrendo ao sistema de termos «objectificados» que
tem à sua disposição, usa os termos em [unção dos diferentes contextos
e dos diversos objectivos tácticos - esta manipulação dos termos é
essencialmente inovadora e é nesta altura que pode ocorrer a mudança
social.
Se quisermos aceitar o modelo dialéctico, desf..1z-sea divisão tradi-
cional das explicações e das perspectivas específicas que lhes são
próprias em duas ordens, uma sociológica e a outra relativa ao sistema
de ideias. Verifica-se um elemento de verdade nas afirmações determi-
nistas de ambas as correntes, mas rejeita-se a reivindicação de primazia
de qualquer delas. O modelo dialéctico, que permite sintetizar diversas
argumentações, não procura estabelecer as origens nem a primazia de
uma das f..1ses.Deve antes ser encarado como um modelo do presente,
um círculo fechado, sem princípio nem fim; cada fase traduz um mo-
mento específico e todas elas exercem influência sobre as outras.

Este capítulo sobre os termos de parentesco põe fim à parte ]J[ deste
texto, que teve como objectivo apresentar ao leitor a complexidade dos
sistemas de parentesco, herança e casamento entre os chopes. Foram
analisados, principalmente, os aspectos norrnativos destas instituições
- a estruturação dos sentimentos, por assim dizer -, embora tenham

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