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Modalidades de subsunção real dos trabalhadores: propostas de combate à crise

pelo CDES (2008-2010)1

André Pereira Guiot*

Resumo: Neste trabalho, analisaremos se que forma o Conselho de Desenvolvimento


Econômico e Social (CDES) constituía-se, em especial, em arena voltada para exercer a
função de canal e/ou plataforma através da qual os setores dominantes do capital,
afinando-se ativamente com a burocracia sindical social-liberal, puderam costurar,
organizar e impulsionar políticas de gestão (realocação e requalificação) da força de
trabalho em que prevaleceu, num primeiro plano, a manutenção e o recondicionamento
preventivo da condição subalterna, dependente e precarizada do trabalho diante do
capital e, no segundo plano, como dique de represamento e/ou contenção de
movimentações questionadoras das classes trabalhadoras, dique nem sempre bem
sucedido. É sobre essa função organizativa dos setores dominantes promovida no CDES
que urge trabalharmos como hipótese que se direciona mais atentamente à luta de
classes na sociedade brasileira nesse período: nele, ou através dele, sociabilizavam-se
internamente medidas voltadas à convergência entre capital e trabalho, de flexibilização
de direitos, e de mercantilização e financeirização de setores organizados ou não da
classe trabalhadora. Nesses casos, o CDES parecia funcionar como espaço de
preparação e propagação de arranjos ou pré-projetos ainda em fase experimental, em
formação e/ou germinação. Noutras situações, contudo, a função do CDES foi muito
mais orgânica, como os esforços desprendidos para realocações e requalificações de
força de trabalho às necessidades de setores do capital em evidência (indústria da
construção civil e do setor sucroalcooleiro), todos de resultados precarizantes, os quais
ali foram enunciados, formatados, articulados, orientados e promovidos.

Palavras-chave: CDES – subsunção real – governo Lula da Silva

Modalities of real subsumption of workers: proposals to combat the crisis by


CDES (2008-2010)

Abstract: In this paper, we will analyze whether the Economic and Social Development
Council (ESDC) constituted, in particular, an arena geared to channel and / or platform
through which the dominant sectors of capital, actively tuning with the social-liberal
trade union bureaucracy, were able to sew, organize, and impel management policies
(reallocation and requalification) of the workforce in which the preventive maintenance
and re-conditioning of the subordinate, dependent and precarious condition of work in
the first place prevailed. Of the capital and, in the second plane, as a dam of
imprisonment and / or containment of questioning movements of the working classes, a
dike not always successful. It is about this organizational function of the dominant
sectors promoted in the ESDC that it is urgent to work as a hypothesis that is directed
more closely to the class struggle in brazilian society in this period: in it, or through it,
internalized socially measures aimed at the convergence between capital and labor, of

1
Este trabalho é derivado da ampliação e adaptação de GUIOT, André P. Crise e classe trabalhadora:
estratégias do grande capital e associados no CDES (2008-2010). Anais da XI Semana de História
Política – Relações de poder: crise, democracia e possibilidades. VII Seminário Nacional de História:
Política, Cultura e Sociedade, PPGH, UERJ, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em <
http://semanahistoriauerj.net/anais-da-semana-de-historia/>. Acesso em 14/04/2017.
*
Professor SME-DC.
flexibilization of rights, and of commodification and financialization of organized or
non-organized sectors of the working class. In these cases, the ESDC seemed to
function as a space for the preparation and propagation of arrangements or pre-projects
still in experimental phase, in formation and / or germination. In other situations,
however, the role of the ESDC was much more organic, such as efforts to reallocate and
re-qualify the workforce to the needs of sectors of capital in evidence (construction
industry and the sugar and alcohol industry), all of which have precarious results, which
have been enunciated, formatted, articulated, oriented and promoted.

Keywords: ESDC - actual subsumption- Lula da Silva government

1.0 – Sumário contexto do CDES no período da crise (2008-2010)

Os anos que compreenderam o segundo mandato de Lula da Silva se


notabilizaram, para ampla maioria dos conselheiros do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social,2 como período que inaugurou, após longo interlúdio, a retomada
do crescimento econômico aliado ao combate às desigualdades sociais. A documentação
produzida pelo Conselho (Atas das Reuniões Plenárias, Relatórios de Atividades,
Pareceres, Moções, dentre outras fontes) estampa, em várias e distintas ocasiões,
manifestações de reconhecimento pelos conselheiros de que, enfim, as medidas
adotadas pelo governo e os resultados colhidos “pela sociedade” caminhavam ao
encontro das recomendações e dos consensos obtidos ao longo da trajetória de debates e
trabalhos havidos no CDES.
Na mesma direção, a avaliação, tantas vezes declarada pelo staff governamental
nas plenárias, era de que o CDES cumpria com rigor seu papel de assessoramento à
Presidência da República no que se refere tanto ao debate necessário às políticas
voltadas ao “crescimento com distribuição de renda” do país quanto como instrumento
de “diálogo social” e, também por isto, de “aprimoramento da democracia”. Nas
plenárias, Lula da Silva era um dos que melhor expressava, ao lado dos secretários-
executivos do CDES, a contribuição do Conselho para as políticas implementadas pelo
seu governo e, principalmente, em suas palavras, para a “maturidade do diálogo que nós
conseguimos construir no Brasil, porque havia muita teoria e pouca prática na relação

2
Sobre a esmagadora presença de lideranças de entidades e associações empresariais no interior do
CDES, bem como as frações do capital representados e a de outros segmentos sociais ver GUIOT, André
P. Estado, Burguesia e Sociedade Civil no Brasil Recente: o caso do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social (2003-2010). Anais do Marx e o Marxismo 2013: Marx hoje, 130 anos depois.
Niterói, UFF, 2013. Disponível em
<http://www.uff.br/niepmarxmarxismo/MManteriores/MM2013/Trabalhos/Amc102.pdf>. Acesso em
14/04/2017.

2
capital e trabalho”, conforme sua intervenção realizada na reunião plenária de agosto de
2009:
Vocês tenham consciência de que, direta ou indiretamente, grande parte das
mudanças que nós fizemos neste País passou ou por debate no Conselho ou
passou por grupos que vocês criaram no Conselho, sem os quais a gente não
conseguiria, por exemplo, fazer o acordo que fizemos entre os usineiros
brasileiros e os trabalhadores de cana-de-açúcar.3

O entusiasmo dos conselheiros com o desempenho econômico e social do país,


principalmente a partir do segundo mandato de Lula da Silva, era reflexo da conjuntura
de relativas melhorias nos indicadores econômicos de crescimento do PIB (com exceção
de 2009) e de distribuição de renda. As principais linhas de ação do governo
implementadas nesse período, apresentadas no Conselho por várias autoridades e
ministros do governo (Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio, Relações
Exteriores, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Presidentes do Banco Central,
do BNDES e da Petrobrás) e discutidas nas suas plenárias junto aos conselheiros,
convergiam em geral com as propostas deles encaminhadas ao Executivo.
A partir do primeiro trimestre de 2008, contudo, os debates nas reuniões
plenárias passaram necessariamente a envolver a elaboração de diagnósticos, de
instrumentos e mecanismos de prevenções e adoção urgente de medidas frente à eclosão
da crise econômica internacional. O Conselho havia incorporado o papel de formulador
e de propositor de medidas consideradas necessárias para o enfrentamento da crise,
reivindicando para tanto a recuperação ampliada e o aprofundamento de um repertório
de iniciativas tomadas desde ascensão de Guido Mantega à pasta da Fazenda.
Além disso, em 2008, os conselheiros enxergavam nas políticas públicas
adotadas a própria implantação e realização das diretrizes formuladas por eles através da
pela Agenda Nacional de Desenvolvimento (AND).4 Para os conselheiros, o melhor
caminho para combater a crise era continuar a seguir o rumo adotado pela política
econômica em vigor desde 2006, aparando as arestas de forma a estabilizar e aprimorar
o projeto, rechaçando recuos ou vacilações contracionistas, ao mesmo tempo preservava

3
Trata-se do “Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar”,
tema sobre o qual nos debruçaremos neste trabalho. Brasil. Secretaria de Relações Institucionais.
Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (SEDES). Atas das Reuniões Plenárias
do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República – CDES/PR.
4
Para uma análise da AND ver GUIOT, André P. Os documentos de orientação estratégica do CDES: A
hegemonia do grande capital produtor de valor (2005-2007). Anais do IX Simpósio Nacional Estado e
Poder: Gramsci na pesquisa história. Niterói, UFF, 2016. Disponível em
<https://files.acrobat.com/a/preview/472aa1e4-63df-4be2-8709-1e027d5a8270>. Acesso 14/04/2017.

3
e robustecia os pilares básicos de estabilização macroeconômicos herdados de FHC:
adoção do regime de metas de inflação e reformas pró-mercado.5
O deslumbramento em face do propalado “espetáculo do crescimento” adquiriu,
a nosso ver, lugar de destaque para que as divergências internas no âmbito do Conselho
se tornassem cada vez mais pontuais e episódicas. Isto não significou, de forma alguma,
o apagamento de tensões ou mesmo de rusgas ocasionais, mas, indubitavelmente,
expressou a constituição e evolução de um amalgamento muito mais sólido e duradouro
interpares, ou seja, de uma relativa soldagem entre os segmentos sociais que
compunham o CDES.
A referida soldagem não era de fato orgânica, mas programática, pois dependia,
e muito, dos resultados colhidos pela conjuntura econômica do período vis-à-vis o fato
de a ponta historicamente excluída dos trabalhadores estar alargando posições
socioeconômicas minimamente aceitas ou esperadas no interior da pactuação pretendida
e em construção, possibilitando ampliação do mercado interno e redução das
desigualdades sociais. Na essência, estava em jogo a capacidade de ampliação da
reprodução do capital levada a cabo pelo conjunto de programas, incentivos e
microrreformas, estas realizadas também por meio da renovação do arcabouço jurídico-
institucional essencial para o “ambiente saudável de negócios”. Nesse sentido, a crise
econômica funcionou como momento de maior amalgamento e aglutinação das pautas
econômicas empresariais dentro do Conselho, sem desconsiderar a importância
assumida pelas pautas distributivas (as políticas sociais) na ocasião. Como mostramos
alhures,6 o CDES assumiu, entre 2008 e 2009, o papel crucial de câmara ou célula de
gestão dos efeitos da crise econômica internacional no Brasil.
Com isso afirmamos que o Conselho funcionou, ou melhor, atribuiu-se a função
de “uma espécie de conselho de crise, de comitê de crise para discutir semanalmente as
medidas que tinham que ser tomadas”,7 nas palavras do próprio Lula da Silva na 36ª
Reunião Plenária, em dezembro de 2010. Como um dos núcleos de administração da
crise – certamente não era o único – o CDES tornou-se um palco privilegiado de
avaliações e propostas entre altas autoridades do governo e os conselheiros sobre
5
Palavras de Lula da Silva na 2ª Reunião Extraordinária do CDES (15/09/09), p. 08: “Então, eu queria
terminar dizendo isso: olhe, nós não vamos abrir mão – é importante todo mundo ter claro isso -, nós não
vamos abrir mão da nossa responsabilidade fiscal, nós não vamos abrir mão de controlar a inflação”.
6
Ver GUIOT, André P. Dominação burguesa no Brasil: estado e sociedade civil no Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) entre 2003 e 2010. Tese (Doutorado) – Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, Niterói, 2015.
Disponível em < http://www.historia.uff.br/stricto/td/1737.pdf>. Acesso em 14/04/2017.
7
Ata da 36ª Reunião Plenária, 02/10/2010, p. 05. Disponível em <http://www.imprensa.planalto.gov.br>.

4
formas de apaziguamento dos efeitos cada vez mais crescentes da crise econômica
internacional (que atravessou o segundo semestre de 2008 e aprofundou-se durante todo
o ano de 2009), debatendo e aperfeiçoando os instrumentos de política anticíclica que
estavam sendo implementados. Os setores envolvidos com a pauta distributiva nem de
longe se opunham às plataformas centrais que o grande empresariado solicitava e que o
governo atendia: entendiam que as melhorias sociais exigiam crescimento econômico
sob incentivos e investimentos do Estado ao setor privado, o que lhes permitiam cobrar
“contrapartidas sociais” frente à extração de sobretrabalho do conjunto dos
trabalhadores (formais, temporários, terceirizados, etc), consubstanciado através da
incorporação de massas de trabalhadores à base da pirâmide social em empregos de
extensas jornadas (“geração de empregos”), de módicos ganhos salariais (“política de
elevação real do salário mínimo”) e elevação da intensidade do trabalho.
Neste trabalho, debruçamo-nos para mostrar como o CDES constituía-se como
arena voltada para administração de conflitos sociais e plataforma de impulsionamento
do capital diante da crise inaugurada no Brasil em 2008. Em especial, trata-se de que o
Conselho exerceu a função de canal e/ou plataforma através da qual os setores
dominantes do capital, afinando-se ativamente com a burocracia sindical social-liberal,
puderam costurar, organizar e impulsionar políticas de gestão (realocação e
requalificação) da força de trabalho em que prevaleceu, num primeiro plano, a
manutenção e o recondicionamento preventivo da condição subalterna, dependente e
precarizada do trabalho diante do capital e, no segundo plano, como dique de
represamento e/ou contenção de movimentações questionadoras das classes
trabalhadoras, dique nem sempre bem sucedido. É sobre essa função organizativa dos
setores dominantes promovida no CDES que urge trabalharmos como hipótese que se
envolve mais diretamente à luta de classes na sociedade brasileira nesse período: nele,
ou através dele, sociabilizavam-se internamente medidas voltadas à convergência entre
capital e trabalho, de flexibilização de direitos, e de mercantilização e financeirização de
setores organizados ou não da classe trabalhadora. Nesses casos, o CDES parecia
funcionar como espaço de preparação e propagação de arranjos ou pré-projetos ainda
em fase experimental, em formação e/ou germinação. Noutras situações, contudo, a
função do CDES foi muito mais orgânica (no sentido de espaço organizativo das ações
das frações do capital em presença ante aos trabalhadores), como os esforços
desprendidos para realocações e requalificações de força de trabalho às necessidades de
setores do capital em evidência (indústria da construção civil e do setor

5
sucroalcooleiro), todos de resultados precarizantes, os quais ali foram enunciados,
formatados, articulados, orientados e promovidos.
Trata-se, portanto, de duas grandes linhas de atuação que os conselheiros
(especialmente empresários e cúpula da burocracia sindical) organizados no CDES
promoveram: a primeira, podemos denominá-la de “oportunista” e “inorgânica”, tendo
em vista que alguns conselheiros utilizavam a tribuna do CDES para anunciar e
defender pré-projetos de maior subalternização e mercantilização dos trabalhadores ao
capital sem a adesão organizada e voluntária do corpo de conselheiros; a segunda foi,
sem dúvida, “orgânica” ou “organizativa”, posto que o CDES, tanto como aparato
estatal quanto como condensação das relações de forças presentes sob hegemonia
empresarial, articulou e promoveu, dentro e fora de suas instâncias, o preparo da força
de trabalho para o capital, por meio de “requalificações” e remanejamento da mão de
obra, envolvendo a participação de parcela relevante de conselheiros para tal
empreendimento.
Em ambas as linhas de atuação, isto é, no conjunto da obra, verifica-se que a
função do CDES na luta de classes – assumida pelos projetos formulados e convertidos
em políticas, ou mesmo de tribuna divulgadora de financeirização e mercantilização dos
trabalhadores – também foi, sem dúvida, a disponibilização de massas de trabalhadores
para setores do capital, ou seja, o fomento e a promoção do exercício de
aprofundamento da subsunção real do trabalho ao capital em tempos recentes.

2.0 – O CDES como canal ou plataforma de expropriações secundárias e


disponibilização de força de trabalho para o capital diante da crise

2.1 – Propostas de bancarização e empresariamento da classe trabalhadora


Com advento da crise econômica, questões como a reforma tributária e, dentro
dela, as desonerações para o “setor produtivo”, sempre constituíram a marca dos debates
no Conselho, mesmo antes da eclosão da crise. Contudo, tal demanda assumiu foros de
urgência, com recorrentes cobranças ao governo, expressas nas intervenções plenárias a
seguir. Observa-se que se trata de ir além e de reduzir o conjunto de direitos
conquistados, em nome de “impedir” a crise (e não de combatê-la).
Eu acho que o empresário usa muitas vezes a máquina que substitui a mão de
obra porque a mão de obra se torna cara e muitas vezes perigosa para nós por
não haver uma isenção perfeita da justiça de trabalho. Então nós temos
medo da penalização que decorre de uma carteira assinada, e eu acho que se
nós tivermos uma simplificação dos encargos sociais sobre a folha e se nós
fizermos a conta do custo do capital, as máquinas não serão tão
preponderantes assim na atividade presente e futura da indústria da cana

6
(Conselheiro Paulo Vellinho, Ata da 22ª Reunião Plenária, 17/07/07, p. 45,
grifos meus).

A questão dos custos indiretos da contratação da mão de obra. O


problema no Brasil não é o salário que o trabalhador recebe, mas sim o
montante de recursos que o empresário paga para que componha o universo
do salário do trabalhador. (...) Sendo assim, acho que o governo deve
trabalhar intensamente para que se desonere a contratação do trabalhador
no Brasil (Conselheiro Murilo Aragão, Ata da 30ª Reunião Plenária,
04/06/09, p. 18, grifos meus).

Assinala-se ainda que, nesse período, ocorreu inequívoca extensão da


bancarização atingindo largos setores da classe trabalhadora, inclusive dentre os setores
mais modestos, especialmente por meio da oferta de crédito consignado em folha de
pagamento (iniciativa originalmente sugerida pelo conselheiro Luiz Marinho, então
presidente da CUT) e dos recebimentos de valores repassados por programas de
transferência de renda e benefícios de prestação continuada.
Por meio do CDES, mais uma vez, o então presidente da CUT, Artur Henrique,
mostrou-se eficaz em conseguir apoios para a implementação de sua proposta de que
trabalhadores fossem incentivados a abrirem contas bancárias em instituições que se
dispusessem a oferecer juros menores para empréstimos pessoais, compra de veículos e
demais operações de créditos simples. Conforme assinala a memória do 4º Encontro de
Monitoramento da Crise do CDES, em 16/02/2009:
O benefício contemplaria, também, tarifas mais acessíveis nas operações
bancárias. A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil demonstraram
interesse na oferta, feita durante esta IV reunião do GA de Monitoramento da
Crise Econômica Internacional, do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social. A idéia agradou, também, a Henrique Meirelles, que
estava presente na reunião do CDES e a considerou alinhada como proposta
para reduzir a taxa de juros praticada pelos bancos.8

Trata-se de mais uma medida que compõe a frente de bancarização de


significativas parcelas da classe trabalhadora brasileira, processo proveniente desde a
ditadura. O Conselho funcionou como canal facilitador e/ou abreviador da adequação da
política sindical laboral às prerrogativas de fortalecimento e recrudescimento da fração
bancário-financeira do capital, desde uma perspectiva pragmática de “melhorismo” para
os trabalhadores, redundância das formas de acesso imediato e facilitado ao
consumismo, sinonimizado como benefício de “inclusão social”. Em detrimento de
qualquer posição crítica e/ou contestatória classista, tal como o estabelecimento da luta
e da conquista de direitos coletivos no horizonte de aperfeiçoamento das condições de

8
Disponível em <http://www.cdes.gov.br/evento/4101/ga-conjuntura-economica-monitoramento-da-crise-
economica-internacional-encontro-iv.html>. Acesso em 20/01/2015

7
vida e de trabalho da classe trabalhadora, mergulha-se sem renitência à agenda do
capital bancário-financeiro, buscando soluções mercantis imediatas para as dificuldades
individuais de consumo. Tal rebaixamento da pauta política representa dramática
dependência, subordinação, expropriação e desmobilização dos trabalhadores, - por
iniciativa própria da cúpula da burocracia sindical social-liberal instalada no CDES –
mediante a criação de contingentes disponíveis (acessíveis) de trabalhadores às formas
de mercantilização e financeirização das relações de reprodução da vida social.
Outras fronteiras de subalternização do trabalho se abriram. Como medida de
combate à crise, como vimos, o impulso a setores do capital envolveu projetos de
participação ativa de aderência dos próprios trabalhadores (PROCAP BK). Trata-se de
um programa do BNDES que objetiva incentivar, por meio de uma linha de
financiamento, trabalhadores das pequenas e médias empresas de bens de capital,
componentes e autopeças a adquirirem até 30% do seu capital social.
A expectativa é a de não apenas remover do horizonte a luta de classes e a
possibilidade de emancipação dos trabalhadores, mas de responsabilizá-los pela
melhoria da gestão para o capital, na perspectiva de comprometê-los com as formas de
sociabilidade típicas do capitalismo na fase monopólico-financeira. A concepção do
programa instaura a lógica do “ganha-ganha”.
Tudo indica que o próprio conselheiro presidente da ABIMAQ, o empresário
Luiz Aubert Neto (dono da Aubert Engrenagens), foi um dos principais articuladores
pela promoção do BNDES ao setor. O conselheiro-empresário afirma que
A ideia nasceu aqui dentro da ABIMAQ quando discutíamos o que era
possível fazer para mudar o país: o caminho é juntar forças com aquele que
está no dia a dia do seu lado. Se você consegue unir forças e trabalhar junto,
este é o caminho. O Procap BK é uma forma de transformar a relação
capital e trabalho de uma maneira legal, bacana. Você cria um time
dentro do seu negócio. (...) Não tenho dúvidas de que este programa vai
estabelecer um novo paradigma e mudar a rentabilidade e a produtividade
do nosso setor9

Em plenária, Lula da Silva considerou o projeto, então em fase piloto,como


“uma coisa extraordinária”.10 Tal projeto apresentava-se como promessa de
compromisso necessário e exequível de “emancipação” econômica (ascensão dos
rendimentos individual), desde que os trabalhadores mobilizassem e comungassem

9
Segue o empresário: “O olho dele vai estar na máquina, cuidando como se fosse dele, ele vai dar
sugestões para aproveitamento de materiais, para economizar, reduzir custos e melhorar a
produtividade. Você vai trazer o pessoal para brigar por você e não brigar contra você”. Disponível
em <http://www.abimaq.org.br/informaq_show.asp?id=2546>. Acesso em 18/01/2015. Grifos meus.
10
Ata da 32ª reunião plenária, 09/12/2009, p. 32.

8
esforços para o aprimoramento e execução do cabedal técnico-profissional, da
habilidade, da cooperação produtiva entre eles e do conjunto de conhecimentos
acumulados (da expertise adquirida) em favor não apenas do aumento da produtividade
(o que é essencial), mas da adaptabilidade “empreendedora” à sociabilidade de um
trabalhador cada vez mais disponível e disposto, agora em seus aspectos psíquico-
comportamentais.

2.2 – Propostas de avanços sobre a legislação social do trabalho e


financeirização de setores pauperizados

A análise da documentação produzida e dos debates publicados nas plenárias


ordinárias mostra de forma evidente que o Conselho circunscrevia (os conselheiros e os
ministros que dele faziam parte) o escopo geral dos debates e medidas necessário à
contenção da crise ao seu aspecto econômico imediato, secundarizado, é verdade, pelas
respostas anticíclicas colhidas pelas políticas sociais em vigor, principalmente no que
tange às estratégias de transferência de renda, de aumento real do salário mínimo e de
manutenção da geração de empregos. Assim, a gestão da crise recolhia-se ao seu
significado mais aparente e imediato de promoção de incentivos a setores econômicos,
de desobstrução de gargalos estruturais da economia e de garantia da manutenção das
políticas sociais, não na direção de sua universalização, mas enquanto instrumento
acionador de políticas minimamente distributivas que, se parecia satisfazer setores
conselhistas “sensíveis” ao enfrentamento às desigualdades sociais, também implicava
no aquecimento do mercado interno, fundamental num contexto em que a saída
exportadora se via parcialmente comprometida.
A acomodação destas estratégias de gerenciamento da crise pelo conjunto de
atores sociais partícipes do CDES, contudo, obscureceu debates e propostas tidas como
não relacionadas propriamente à problemática da crise. Há duas ordens de questões que
se quer salientar. A primeira é que, por sua feição (programática e classista)
predominantemente burguesa em geral e empresarial em particular, o conceito “crise”
trabalhado no CDES derivava da dificuldade constatada de reversão da tendência de
declínio geral das taxas de lucros, bloqueando temporariamente a reprodução ampliada
do capital. Para um Conselho em que sua razão de ser foi prioritariamente o
“desenvolvimento”, ou seja, a expansão das relações sociais de produção capitalistas
sob hegemonia do grande capital, o enfoque econômico no trato da crise – posto que a
dimensão social a ele se submetia e o impulsionava – era algo que vinha ao encontro da

9
sua formatação compósita e do papel programático ao qual lhe foi atribuído e se imbuiu
desde sua criação.
A outra questão, que remete à anterior mas como seu avesso, é que sob a
posição de classe das classes subalternas, principalmente num país onde o capitalismo
foi amadurecido sob o signo da “dupla articulação” a qual nos alude Florestan
Fernandes (dependência externa e desigualdades sociais estruturais), um “capitalismo
selvagem e difícil”, a situação de crise nunca é apenas episódica ou conjuntural, mas, ao
contrário, é sempre crítica e crônico.
Não se pode esquecer que, do ponto de vista social, o capitalismo é uma
forma permanentemente crítica. As relações sociais nas quais se apoia e que
precisa expandir para sua reprodução sempre ampliada significam
permanentemente tornar crescentes massas populares dependentes da própria
expansão do capital.11

A crise para a classe trabalhadora é de outra natureza, como sabemos, e remetem


às reposições das formas de subsunção real do trabalho ao capital. Seguindo Fontes:
A subsunção real significa que o capital tende a subordinar, definir,
circunscrever a atividade mais propriamente humana – o trabalho – sob
qualquer modalidade concreta que este se apresente, alterando
incessantemente a maneira específica de seu exercício, modificando suas
características, em prol da acumulação ampliada de capital.12

Ora, o eixo de expropriação e subalternização interna (nacional) da força de


trabalho e a apropriação desses excedentes econômicos, logicamente, não se
apresentava no CDES como tarefa ou atribuição explícita e imediata de gerenciamento
da crise, tal qual o conjunto dos conselheiros restritamente a enxergava. Contudo, isso
não significou ausências programáticas e/ou planos de ação concretizados expressos em
formas de disponibilização de massas de trabalhadores para setores privilegiados do
capital e de expropriações secundárias (flexibilização de direitos), sob anuência ou, na
maioria dos programas que serão tratados, sob articulação, promoção e monitoramento
do Conselho.
Muito se falou no CDES sobre a ascensão da assim chamada “nova classe C” ou
da “nova classe média” como causa e resultado do suposto “novo ciclo econômico” que
se desenvolvia e sobre a necessidade de perenização (por meio de um marco legal) das
políticas sociais. Em paralelo, ocorria a indução, articulação e construção de políticas de
gerenciamento da mão de obra com vistas a disponibilizá-la (realocá-la, treiná-la,

11
FONTES, Virgínia. Imperialismo e crise. In: ARRUDA SAMPAIO JR. Plinio de (org.). Capitalismo
em crise: a natureza e dinâmica da crise econômica mundial. São Paulo: Editora Instituto José Luís e
Rosa Sundermann, 2009, p. 60.
12
FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. RJ: EPSJV, UFRJ, 2010, p. 43.

10
adequá-la) a setores demandantes do capital, sustentadas de maneira astuciosa sob o já
mencionado argumento do “ganha-ganha”, próprio de largos setores da burocracia
sindical social-liberal e do empresariado que se apresenta como “socialmente
responsável”.
De fato, as políticas sociais induziram alguma mobilidade social a partir do
enfrentamento focalizado às dramáticas condições de vida da parcela mais pobre dentre
os pobres cujas medidas, mesmo sendo incapazes de dirimir a desigualdade funcional da
renda, proporcionaram, durante a primeira década do século XXI, a ocupação de cerca
de 20 milhões postos de trabalho pertencentes à base da pirâmide social (com
rendimentos mensais de até 1,5 salários mínimos), conforme mostra o estudo de
Pochmann.13 Estas ocupações alocavam-se principalmente no setor de serviços, mas
também no setor de comércio e na construção civil, sendo que mais de 2/3 destas
ocupações eram formais.
Muito embora o relativo alívio na condição de extrema pobreza de uma parcela
da força de trabalho tenha sido o aspecto mais saliente do governo na área social, o
fenômeno revelou-se largamente insuficiente para caracterizar o surgimento de uma
nova classe média14 “tendo em vista as peculiaridades de suas ocupações e
remuneração”, ocorrendo “um reforço do contingente da classe trabalhadora”.15 Ainda
quanto a este ponto, mas agora partindo de uma posição crítica, Marcelo Badaró Mattos,
em entrevista ao site IHU, publicada em 06 de junho de 2014, foi esclarecedor ao
lembrar que
Nestes quase 12 anos de gestões petistas do governo federal, tanto nas fases
de crescimento mais significativo no segundo mandato de Lula da
Silva quanto nos períodos de quase estagnação do crescimento econômico,
como hoje em dia, a maior parte dos empregos gerados no Brasil foi
ancorada em baixo salário. Dados de 2011 indicam que 82% dos empregados
no Brasil recebem até três salários mínimos (30% recebem até um salário
mínimo) (...) os reajustes do salário mínimo mal e mal o recolocaram no

13
POCHMANN, Márcio. Nova classe média?: o trabalho na base da pirâmide social brasileira. São
Paulo: Boitempo, 2012.
14
A vertente social-liberal do pensamento econômico, adotada pelo governo Lula, aborda a “classe
média” unicamente através de um critério monetário (rendimentos), considerando a inserção no mercado
consumidor como ascensão social. Em suas apresentações nas plenárias do CDES, o ministro Mantega
utilizava largamente o conceito de “nova classe média” tão apenas neste sentido: ascensão da renda e do
consumo de parcela da classe trabalhadora. O conselheiro Marcelo Neri (FGV-RJ), como se sabe, foi um
dos principais formuladores e defensores da tese do surgimento de uma suposta “nova classe média”
brasileira a partir do segundo governo Lula da Silva. Desde 2012, Neri assumiu o cargo de presidente do
IPEA e, a partir de 2013, alçou também ao cargo de Ministro Interino da Secretaria de Assuntos
Estratégicos (SAE/PR), o que lhe permitiu tornar-se secretário-executivo do CDES.
15
POCHMANN, Márcio. Nova classe média?... Op. cit., p. 30.

11
patamar dos anos 1980, que já era o ponto mais baixo da sua curva desde o
final dos anos 1950.16

O quadro de exasperação dos efeitos deletérios da expansão do capital tampouco


foi relativamente amenizado no cenário brasileiro recente. Múltiplas e combinadas
formas históricas e recentes de subalternização e exploração da força de trabalho, nas
variadas modalidades precarizadas de gestão e de organização (temporárias,
terceirizadas, subcontratadas, polivalentes/flexíveis, etc), estão avassaladoramente se
estendendo e se aprofundando, ainda que revestidas de relações trabalhistas
“modernas”, ao agrado das burguesias brasileiras. “A precariedade está hoje por toda
parte”, afirmou Bourdieu,17 assinalando que se trata de um “regime político”, mas “que
é apresentado como um regime econômico regido pelas leis inflexíveis de uma espécie
de natureza social”.18 Como vontade política e não fatalidade econômica, “a luta
política é possível”.19
A precariedade se inscreve num modo de dominação de tipo novo, fundado
na instituição de uma situação generalizada e permanente de insegurança,
visando obrigar os trabalhadores à submissão, à aceitação da exploração. (...)
esse modo de dominação é absolutamente sem precedentes, motivando
alguém a propor aqui o conceito (...) de flexploração.20

Sem aprofundar o debate, nos parece obrigatório trabalhar como essas propostas
de expansão das formas de expropriação secundária (retiradas de direitos que, como
tais, também são formas de disponibilização dos trabalhadores, colocando-os em maior
concorrência no mercado de trabalho) estavam sendo enunciadas, organizadas e
promovidas no âmbito mesmo do Conselho. É interessante observar como as
modalidades de exploração, expropriação e precarização social do trabalho eram
apresentadas não apenas como “modernas”, mas como a síntese de uma “negociação
coletiva democrática” entre capital e trabalho, de natureza benfazeja. É revelador, por
exemplo, a posição pró-flexibilização das relações do então mandatário do Executivo,
Lula da Silva, exposta na 22ª Reunião Plenária, em 17/07/2007:
A Reforma Trabalhista, obviamente, se continuar do jeito que está, de um
lado um grupo de empresários achando que é preciso rasgar a CLT e fazer
tudo novo, de outro lado os dirigentes sindicais achando que têm que manter
a CLT e colocar mais coisas. Não dá acordo. Então, eu sugiro que este

16
MATTOS, Marcelo Badaró. Inicia-se um novo ciclo de lutas da classe trabalhadora brasileira?.
Entrevista concedida à Revista UHI. Publicado em agosto de 2012. Disponível em
<http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas
/532070-empregos-ancorados-em-baixos-salarios-e-greves-fragmentadas-a-realidade-trabalhista-
brasileira-entrevista-especial-com-marcelo-badaro-mattos>. Acesso em 26/12/2014.
17
BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. RJ: Zahar, 1998, p. 120.
18
Idem, p. 125.
19
Idem.
20
Idem, p. 124-125.

12
Conselho possa permitir que os trabalhadores apresentem uma proposta,
porque não é possível que o Getúlio Vargas tenha tido a onipotência de Deus
de, em 1940, fazer uma lei que prevaleça no mundo do trabalho de hoje na
sua totalidade. Muitas coisas podem ser aperfeiçoadas em função da
realidade, sobretudo, do surgimento de uma coisa chamada setor de serviços,
em função, (...) de que hoje nós temos mais gente na economia informal do
que na economia formal e precisamos dar a resposta para eles de que hoje
temos milhões de jovens que querem adentrar no mercado de trabalho e não
conseguem, muitas vezes, pelas condições exigidas. Ou nós discutimos isso
para dizer: olha, nós não queremos mudar, nós queremos mudar, ou achar um
meio-termo. E aí os empresários preparam a deles, os trabalhadores preparam
a deles e aí nós costuramos um denominador comum. Do contrário nunca
haverá mudança, vai ficar essa situação que já perdura há uma ou duas
décadas, e quanto mais houver evolução tecnológica, mais o setor de serviços
vai ganhar espaço, portanto, as condições de trabalho terão que ser discutidas
(Presidente Lula da Silva, Ata da 22ª Reunião Plenária, p. 34).
O debate sobre a precarização no CDES dificilmente aparecia de maneira
articulada, coesa e detalhada, senão sob o viés enunciativo e genérico, salvo em caso
específico do “Compromisso Nacional”, onde o CDES envolveu-se de forma orgânica,
como veremos. De todo modo, uma espécie de acordo prévio, ainda em gestação, se
enunciava no Conselho entre as cúpulas da coalizão empresarial e sindical, na ocasião
figuradas entre o megaempresário Jorge Gerdau (cuja exposição versava sobre os
obstáculos à competitividade do setor siderúrgico) e o então presidente da CUT, Artur
Henrique:
Gerdau: Na lei trabalhista, acho que temos que ter menos leis e mais
negociação.
(...)
Artur Henrique: Mas eu quero dizer uma coisa para o conselheiro Gerdau e
para todos os empresários aqui presentes. Nós, das centrais sindicais,
achamos que não precisa ter tanta lei, desde que tenhamos mais negociação e
mais sindicatos representativos organizados, a partir do local de trabalho.
Quanto mais sindicatos fortes, organizados a partir do local de trabalho,
menos necessidade de legislação. Enquanto não mudarmos a estrutura
sindical brasileira, tanto a nossa dos trabalhadores, quanto a de vocês
empresários, nós não vamos conseguir superar esse dilema e esse é um
grande desafio para o próximo período (ATA da 32ª Reunião Plenária,
09/12/09, p. 03; 21)
A proposta de “menos legislação e mais negociação” reapresentou-se três anos
mais tarde por meio de um Acordo Coletivo Especial (ACE) de autoria do Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC e consubstanciado no anteprojeto de lei denominado “Acordo
Coletivo de Trabalho com Propósito Específico”. No fundo, tratava-se da reedição do
Projeto de Lei 5483/2001 que, sob o lema “o negociado prevalece sobre o legislado”,
foi apresentado ao Congresso Nacional pelo governo FHC e em total convergência com

13
os interesses da CNI, como demonstra a socióloga Graça Druck (UFBA) em entrevista
ao site IHU, em agosto de 2012.21
Segundo Druck, o anteprojeto do ACE foi assumido pelo secretário-geral da
Presidência da República do governo Dilma Rousseff, Gilberto Carvalho, como uma
proposta do Executivo, e reedita duas propostas do Fórum Nacional do Trabalho
(realizado em 2003 e que inclusive contou com alguns conselheiros do CDES) que não
tramitaram no Congresso Nacional: a) a representação nos locais de trabalho por meio
da representação sindical, isto é, sob controle e direção dos sindicatos nos Comitês
Sindicais de Empresa (CSE); e b) negociação coletiva como processo obrigatório. Isto
expressa, para Druck, a desistência na luta pela organização autônoma por local de
trabalho e, no segundo caso, “o esforço pelo consenso entre trabalhadores e
empregadores”, capitaneado pela CUT e entidades patronais.22
Nesse caso específico, a documentação investigada no período não nos autoriza
a atribuir ao CDES a promoção desse ou de outros Acordos Coletivos Especiais. O que
estamos sugerindo é que dentro dele havia interesses do capital e do trabalho com vistas
a alterar as normas de regulação das relações de trabalho. O que se quer realçar é que, se
o CDES não cumpriu um papel orgânico, enquanto institucionalidade direcionada ao
“pacto social”, de construção de plataformas programáticas de flexibilizações de
direitos trabalhistas, não podemos desconsiderá-lo como um espaço em que algumas
linhas de ação em elaboração pudessem ser propagadas e alianças esboçadas, utilizando
sua tribuna interna como palanque de acordos e projetos inacabados, ou em vias de
construção.
Na função de tribuna ou palanque de arranjos internos de projetos em gestação
que primam pelo avanço das relações de mercantilização da vida dos setores sociais
pauperizados da classe trabalhadora, podemos destacar a iniciativa de oferta de
microsseguros para os beneficiários do Bolsa Família. A proposta surgiu no Conselho
na 25ª reunião plenária, em 01 de abril de 2008, através do conselheiro João Elisio

21
DRUCK, Graça. Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico é a negação dos direitos
trabalhistas. Entrevista concedida à Revista UHI. Publicado em junho de 2014. Disponível em
<http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/512572-acordo-coletivo-de-trabalho-com-proposito-especifico-e-
a-negacao-dos-direitos-trabalhistas-entrevista-com-graca-druck. Acesso em 30/12/2014.
22
Como nossa investigação documental acerca do CDES não abrange o período do governo de Dilma
Rousseff, não sabemos se a proposta deste ACE compareceu ou mesmo se robusteceu nas discussões e
encaminhamentos nas plenárias e documentos do Conselho. De qualquer maneira, os atores sociais
envolvidos (cúpula burocrático-sindical e lideranças de APH’s empresariais) permaneceram também
durante este período no Conselho, isto é, o perfil compósito do CDES manteve-se praticamente
inalterado.

14
Ferraz de Campos23 empolgado com a missão de cinco representantes do Banco
Mundial dispostos a “incrementar no Brasil a oferta dos microsseguros” à população de
baixa renda.
Aliado à iniciativa de “inclusão social” do programa Bolsa Família, o
microsseguro poderia, segundo Campos, ajudar a manter seus beneficiários acima dessa
linha da pobreza. A intenção era inculcar nestas populações “a cultura do seguro”: “é a
proteção da população de baixa renda contra perigos específicos a que estão sujeitos em
troca de pagamentos regulares de prêmio proporcionais à probabilidade e custo do risco
envolvido”24. Em outros países, argumentou o conselheiro, o programa já era “uma
realidade bem sucedida”:

O principal motivo de um país adotar determinada política de micro-finança é


promover a inclusão social das camadas de mais baixa renda da população,
promovendo a elas essa promoção (...) pode ser entendido como um seguro
de inclusão social, pois é uma ferramenta para aliviar os efeitos da pobreza na
medida em que evita que os choques econômicos afetem o orçamento dos
lares mais humildes (ATA da 25ª reunião plenária, 01/04/08, p. 24).

A situação criada pelo modestíssimo ganho de renda oriundo do Bolsa Família


pela parcela mais pobre da classe trabalhadora havia motivado a inserção do projeto no
Brasil na medida em que, segundo o conselheiro, foi criado um mercado potencial de
“cerca de 120 milhões de pessoas”, segundo dados da PNAD de 2006, pois o micro-
seguro “é destinado a pessoas de até dois salários mínimos”: “é gente que, em sua
ampla maioria, não conhece o mercado de seguros, mas necessita da proteção que ele
oferece”.25

2.3 – Disponibilização e manejo da força de trabalho


As saídas da crise econômica oferecidas no CDES passavam necessariamente
pelo aprofundamento da dependência do trabalho ao capital, tendo em vista que a
edificação do almejado “desenvolvimento com inclusão social” imprescindia da
disponibilidade de uma massa de trabalhadores adaptada e treinada para os requisitos

23
O conselheiro credenciava-se como representante do setor de seguros da fração financeira, cuja
trajetória percorreu várias empresas seguradoras, fundos de previdência privada, bancos, ocupou lugar de
destaque nas entidades representativas do setor (CNSeg e Fenaseg) na sociedade civil e cargos na
sociedade política (secretaria de finanças do Paraná, presidente do Banco de Desenvolvimento do Paraná,
deputado federal pela ARENA, vice-governador e governador do Paraná em 1986, pelo PMDB).
24
BRASIL, SEDES. Atas das Reuniões Plenárias... p. 23.
25
Idem, p. 24. Em junho de 2008, dois meses após esta reunião no CDES, foi realizada a Designação
Consultiva de Microsseguros com composição paritária Governo/Mercado. Em 2011, inaugura-se o
marco legal das operações de microsseguros no país, concluído em junho de 2012 com a publicação de
regulamentação das normas do setor pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). Cf.
<http://www.cnseg.org.br/cnseg/microsseguro/>. Acesso em 21/01/2015.

15
exigidos por vários setores do capital em franca e veloz expansão. Por isso, além de
envolver plataformas de flexibilização de direitos de categorias historicamente
organizadas e combativas do movimento sindical, de financeirização e mercantilização
da vida social de setores pauperizados da classe trabalhadora, alguns conselheiros
também se voltavam à produção de programas de gestão e manejo de mão de obra
extremamente precarizada e destituída de amparo da legislação, a fim de ampliar a
disponibilização de largos contingentes de trabalhadores a dois setores do capital
tradicional e reconhecidamente mais infames em face ao cumprimento de obrigações
salariais e trabalhistas e de condições dignas trabalho: a indústria da construção civil e a
indústria sucroalcooleira. Quanto a estes programas, destacamos duas frentes de
atuações as quais o CDES se envolveu de forma orgânica e não apenas como
“palanque”: o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na
Cana-de-Açúcar e a qualificação profissional para beneficiários do Programa Bolsa
Família.
2.3.1 – O Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de
Trabalho na Cana-de-Açúcar
Resultado de um processo de negociação tripartite que envolveu, desde julho de
2008, entidades de trabalhadores canavieiros, de empresários do setor sucroalcooleiro e
de alguns ministérios e secretarias do governo federal, sob a coordenação da Secretaria-
Geral da Presidência da República (SG/PR),26 o Compromisso Nacional para
Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar foi realizado em junho de
2009 e objetivava, segundo seus termos, “enfrentar o desafio de melhorar as condições
devida e trabalho no cultivo manual da cana-de-açúcar”.27
O intuito é focalizarmos a atuação do CDES como lócus emanador de políticas
voltadas à força de trabalho canavieira e, por esta via, como impulsionador da indústria
do agronegócio no Brasil. Nesse sentido, parece-nos correta a hipótese de Teixeira
(2013: 90) sobre o papel central que o CDES assume diante do “Compromisso

26
Compunham o Compromisso Nacional as seguintes entidades de trabalhadores canavieiros: a Federação
de Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp/CUT) e a Confederação Nacional
dos Trabalhadores da Agricultura (Contag); as entidades patronais do setor se faziam representar na Mesa
de Negociação através da União das Indústrias de Cana de Açúcar (ÚNICA) e do Fórum Nacional
Sucroalcooleiro (FNS). Os ministérios participantes foram o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), o Ministério da Educação (MEC), o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Ministério das
Relações Exteriores (MRE),o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a
Secretaria de Direitos Humanos (SDH).
27
Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar. Gabinete
Ministerial. Secretaria-Geral da Presidência da República. Disponível em <http://inovacao.enap.gov.br/
index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=327>. Acesso em 03/01/2015.

16
Nacional” não apenas na condução mas sobretudo na produção dos “pontos
fundamentais que no futuro comporão o pacto nacional [que] já saem preestabelecidos a
partir de uma arena composta pela discussão entre empresários e o sindicalismo
cutista”. Salienta o autor que no GT Bionergia do CDES, já em 2007, portanto um ano
antes do início da Mesa de Diálogo,
(...) as discussões sobre os conflitos canavieiros (que culminariam no
Compromisso Nacional) foram desenvolvidas apenas com a participação do
então presidente da CUT, Artur Henrique [coordenador do referido GT], e
com o empresariado representado pela ÚNICA. As discussões dentro do
GT, que acabaram por definir grande parte dos pontos a serem debatidos,
resultados esperados e as principais vias de resolução, não consideraram a
participação da Feraesp, da Contag, nem do FNS.28

Sendo assim, os movimentos sociais, sindicais e pastorais responsáveis pelas


denúncias e visibilidade dos conflitos nos canaviais jamais tiveram assento nos
encontros do CDES, basilares na definição de pontos centrais da futura Mesa de
Diálogo ocorrida entre julho de 2008 e junho de 2009, alijando, segundo Teixeira, do
debate e da deliberação “um conjunto significativo dos grupos sociais diretamente
envolvidos e impactados pelas decisões que seriam ali tomadas”.29 Como a pauta já
tinha sido negociada anteriormente, o GT do CDES retirou das organizações de
trabalhadores canavieiros a “possibilidade de opinar em pontos fundamentais ao
enfrentamento dos conflitos canavieiros”.30
De fato, o papel antecipatório, substitutivo e preventivo que o CDES assumia na
constituição do “Compromisso Nacional” estava expresso no “Parecer sobre Bioenergia
e Desenvolvimento” do agora renomeado “GT Matriz Energética para o
Desenvolvimento com Equidade e Responsabilidade Socioambiental” no item
denominado “Qualificação, Requalificação e Recolocação de Mão de obra” de outubro
de 2008:
Finalmente, o CDES recomenda que governo, empresários e trabalhadores
constituam um grupo tripartite com o objetivo de estimular um
entendimento de abrangência nacional, com vistas à realização da
contratação coletiva nacional ou de um protocolo nacional de adesão
voluntária, que busque estabelecer pontos possíveis de um
disciplinamento nacional. Exemplos de pontos sobre os quais é necessário
esse entendimento nacional: piso salarial, jornada de trabalho, produção
diária, caracterização do trabalho degradante, etc. Por outro lado, é
fundamental definir políticas públicas que beneficiem projetos que

28
TEIXEIRA, Gabriel da Silva. Desafios da participação social no agronegócio sucroalcooleiro. Ruris –
Revista do Centro de Estudos Rurais, Unicamp, vol. 8, nº 1, 2014, p. 126-127, grifos meus.
29
Idem, 128.
30
Idem.

17
estiverem em conformidade com o entendimento nacional acordado
entre governo, empresários e trabalhadores.31

O caráter voluntário da adesão ao Compromisso, segundo o autor, deveu-se à


pressão do patronato sucroalcooleiro que também interveio, por meio da ÚNICA, na
determinação dos participantes e dos pontos a serem acordados “ameaçando retirar-se
do espaço e implodir o acordo”.32 Da mesma forma, mesmo com a participação de
entidades representativas dos trabalhadores canavieiros nos eventos organizativos para a
Mesa de Diálogo, isto não garantiu que grande parte das reivindicações dos
trabalhadores estivessem plasmadas no “Compromisso Nacional”, obrigando tais
entidades a pressionar para que a parcela acatada fosse cumprida à duras penas.33
Teixeira, lançando mão de entrevistas junto a lideranças sindicais asseverou que essas
“não apresentavam conhecimento sobre o acordo ou repudiavam-no em algum grau” e,
apoiado em seu trabalho de campo em sete usinas, constatou que “todas portavam
irregularidades graves no cumprimento dos pontos pactuados”.34
O “Compromisso Nacional” estabeleceu que as empresas que obedeciam aos
chamados “bons tratos” ou “trabalho humanizado” ante os trabalhadores, teriam direito
a um selo, concedido pela SG/PR, e figurariam como “Empresa Compromissada”. O
objetivo principal da certificação era, a nosso ver, ampliar a inserção do etanol
produzido no Brasil nos mercados consumidores internacionais mais relevantes,
facilitando o aumento de suas exportações, agora sob a chancela de empresas
“socialmente responsáveis”, numa tentativa de contornar ou de abrandar a malfadada e
histórica imagem de degradação das relações de trabalho havidas nos canaviais
brasileiros. Ademais, expressa também a importância das lutas dos movimentos sociais
e sindicais do campo em amenizar ou extirpar os efeitos deletérios da extensa
exploração a que os trabalhadores canavieiros estão secularmente submetidos, na
expectativa de que a obtenção da certificação pela SG/PR possa significar algum alívio
nas condições de vida e de trabalho e cobrando das empresas certificadas o
cumprimento das regras acordadas, principalmente através da ação sindical e/ou pela
denúncia aos órgãos de fiscalização e regulação das relações trabalhistas.

31
Presidência da República. Secretaria de Relações Institucionais. SEDES. Parecer sobre Bioenergia e
Desenvolvimento. 2008c, p. 05, grifos no original.
32
TEIXEIRA, Gabriel da Silva. Desafios da participação social no agronegócio... Op. cit., p. 131.
33
Idem, p. 137.
34
Idem, p. 140.

18
Quanto ao último ponto, contudo, persistem no noticiário denúncias de
autoridades judiciárias e de procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT)
acerca da certificação de empresas sucroalcooleiras que respondem por ações
trabalhistas na Justiça do Trabalho. A fiscalização foi atribuída a quatro empresas de
“consultorias independentes”,35 selecionadas mediante edital de chamada pública. Em
2012, após a vigência acordada de dois anos do “Compromisso”, adicionado um ano de
prorrogação em 2011, o MPT constatou inúmeras irregularidades em pelo menos 60 das
169 usinas que receberam o selo “Empresa Compromissada”, chegando a entrar com
uma ação civil pública questionando a concessão dos selos. Segundo o jornal “O
Globo”:
Levantamento do Ministério Público do Trabalho (MPT) de São Paulo,
estado responsável por mais da metade da produção de cana do país e dos
empregos no setor, mostra que 26 das 85 empresas no estado que receberam
o selo do governo estão envolvidas em ações na Justiça do Trabalho. Entre as
irregularidades mais frequentes, estão a falta de equipamento de proteção,
inexistência de área de vivência (sanitário, refeitório, local para descanso),
faltam pausas para descanso e há utilização de terceiros, ou “gatos”, para
contratar trabalhadores.36

Ou seja, o cenário de extrema precarização e exploração da força de trabalho dos


trabalhadores nas usinas de cana-de-açúcar não se alterou substancialmente após o
“Compromisso Nacional”, agora certificadas aos olhos do mercado exterior como
“Empresas Compromissadas”. Teixeira, a partir de investigações do MPT de Araraquara
e de seu trabalho de campo, por exemplo, mostra o elenco de usinas certificadas como
“boas empregadoras” que operavam ao arrepio da legislação trabalhista em vigor,
dentro de um quadro infracional gravíssimo.37
A mecanização, a despeito do que sustentava o discurso empresarial e o
noticiário, tampouco reduziu as relações degradantes e expropriatórias de produção nos
canaviais. Ao contrário, novas modalidades de subalternização e de exploração
aviltantes surgiram através de uma nova especialização do trabalho manual no interior

35
As aspas são necessárias porque, de acordo com a pesquisa de Teixeira, os auditores “responsáveis pelas
auditagens das empresas sucroalcooleiras explicitavam vínculos profissionais e fraternais que se
estabeleceram entre os fiscais e grupos fiscalizados. (...) Alguns chegaram a ser contratados
posteriormente pelas usinas que fiscalizaram, ou mesmo fizeram carreira em alguma delas antes de
tornarem-se auditores (...) ”. TEIXEIRA, Gabriel da Silva. Desafios da participação social no
agronegócio... Op. cit., p. 138-139. As empresas de auditoria foram: KMPG, Delloit Touche, Ernst e
Young Terco e Uhy Moreira Auditoria.
36
“Compromisso para inglês ver”, reportagem de Lino Rodrigues. Jornal “O Globo”, 21/07/2012.
Disponível em <http://oglobo.globo.com/economia/compromisso-para-gringo-ver-5549753>. Acesso em
05/01/2015.
37
TEIXEIRA, Gabriel da Silva. Trabalho, tripartismo e processos sociais: contribuições sobre o
Compromisso Nacional da Cana de Açúcar. Dissertação (mestrado), CPDA, UFRRJ: 2013, p. 135-136.

19
das usinas, com aparecimento de novos postos de trabalho manuais que em nada se
assemelhavam com a pretendida “humanização” divulgada pelo “Compromisso”,
pactuada pelas entidades patronais e cutistas, pelo governo e também trazida pela
documentação do CDES.38 Os pontos do “Compromisso”, aliás, sequer conseguiram
alcançar ou contemplar os efeitos perversos da mecanização nas condições de trabalho
que se retroalimentavam a partir de sua introdução, e seus articuladores utilizavam o
fetiche do “progresso técnico” como argumento para o aperfeiçoamento inevitável das
condições de trabalho.
A preocupação se direcionava apenas à gestão dos excedentes de trabalhadores
produzidos pelo avanço da mecanização nas usinas. Isto levou o CDES, em 2010, a
criar o Subgrupo Requalificação de Trabalhadores da Cana-de-Açúcar no âmbito do GT
Matriz Energética.39 Naquele ano, três reuniões do subgrupo foram realizadas para
cuidar do tema. Dos 23 membros do Subgrupo, apenas 4 eram conselheiros titulares do
CDES, mas, devido ao grande número de assessores listados, supõe-se que esses
figuravam como substitutos de outros conselheiros já que, com exceção da Feraesp e do
Sinduscon-SP, vinculavam-se às entidades laborais e patronais presentes no CDES.40
O programa de requalificação almejava alcançar os trabalhadores canavieiros
atingidos pelo aprofundamento e ampliação do processo de mecanização das usinas no
interior de São Paulo a partir de duas frentes: a) treinamento para manutenção e
utilização das novas máquinas e para adequação aos processos de trabalho delas

38
As bituqueiras ou bituqueiros são os trabalhadores manuais cuja tarefa consiste em recolher restos de
cana que caiam fora dos caminhões transportadores, os “transbordos”. Também têm a incumbência de
cortar canas eventualmente deixadas pelas máquinas. As trabalhadoras da perca tem a tarefa de retocar
trabalhos deixados pelos cortadores manuais ou trabalhadores dedicados ao plantio do tolete de cana-de-
açúcar. Existem ainda as faxineiras, cuja tarefa consiste em catar pedras que possam vir a danificar as
colheitadeiras. A maior parte dessas funções é ocupada por mulheres, especialmente esposas de
trabalhadores migrantes à região das usinas (Cf. TEIXEIRA, Gabriel da Silva. Trabalho, tripartismo e
processos sociais... Op. cit., 114-115).
39
O Subgrupo dividia-se claramente entre entidades patronais (com 10 membros) os quais estavam
representadas pela União das Indústrias de Cana de Açúcar (ÚNICA), Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (FIESP), Associação Nacional dos Comerciantes de Materiais de Construção
(ANAMACO), Sindicato das Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP) e
Câmara Brasileira da Industria da Construção (CBIC), e entidades laborais (com 11 membros) com
enorme prevalência da Central Única dos Trabalhadores, seguida da Federação de Empregados Rurais
Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp/CUT) e do Departamento Intersindical de Estatísticas e
Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Foi eleito um Comitê Executivo, integrado por um membro de cada
entidade acima descrita, e uma coordenação do Comitê, formada por um representante da Feraesp e um
da ÚNICA (Sedes, 2010b: 01).Disponível em <http://www.cdes.gov.br/grupo/881/subgrupo-
requalificacao-de-trabalhadores-da-cana-de-acucar.html>. Acesso em 06/01/2015.
40
SRI. SEDES. GT Matriz Energética para o Desenvolvimento com Equidade e Responsabilidade
Socioambiental. Subgrupo Requalificação de Trabalhadores da Cana-de-açúcar. Memória da reunião II.
CDES, 2010b, p. 01.

20
advindos41 e b) recolocação dos excedentes de trabalhadores com vistas à absorção pela
indústria da construção civil em São Paulo, onde havia enorme demanda por
trabalhadores. Foi precisamente nesse último ponto que o CDES se debruçou de forma
orgânica.
2.3.2 – O Programa de Setorial de Qualificação para beneficiários do
programa Bolsa Família (PlanSeq Bolsa Família)

Na II Reunião do Subgrupo, consta no Relatório que a Feraesp/CUT “apóia


integralmente o projeto piloto de qualificação de trabalhadores dispensados do corte da
cana-de-açucar para a cadeia produtiva da construção civil no Estado de São Paulo”.42
Nesse mesmo relatório, fica evidente o papel do CDES como articulador, negociador e
avalizador do projeto piloto, muito em virtude dos esforços e da coalizão de expoentes
das entidades patronais do setor sucroalcooleiro, da construção civil e de materiais de
construção e da maior central sindical do país, com o “apoio técnico” e político da
Secretaria Geral e da Casa Civil da Presidência da República, a qual a SEDES era
vinculada:
Por sugestão do Conselheiro Cláudio Conz ficou definido que os conselheiros
que patrocinaram o diálogo social e o entendimento entre as partes (Artur
Henrique, Cláudio Conz, Marcos Jank e Paulo Simão) e a equipe técnica da
SEDES serão informados permanentemente sobre o andamento dos
trabalhos. Quando necessário, o Comitê Executivo poderá solicitar reunião de
monitoramento com o CDES e a SEDES/SRI visando à tomada de decisões
que contribuam para o bom andamento do projeto, inclusive em termos de
apoio institucional, técnico e político.43

A articulação empresarial-sindicalistas laborais por meio do CDES, isto é, se


valendo da construção simbólica e política que o Conselho angariou como arena do
“diálogo social” e, portanto, de “democratização das decisões”, ao longo dos dois

41
Este propósito ficou a cargo do Projeto RenovAção, promovido pela ÚNICA/Feraesp. Segundo
Rosemeire Salata “O projeto conta com o patrocínio de grandes empresas que compõem a cadeia do
agronegócio, tais como John Deere e Case IH (produtoras de maquinários agrícolas e colheitadeiras),
Syngenta (fabricante de sementes e agrotóxicos que recentemente passou a investir na produção
canavieira), e tem o apoio do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento”.SALATA, Rosemeire.
Novas formas de organização da produção canavieira na região de Ribeirão Preto/SP: qualificação
profissional e o “Programa Renovação”. Dissertação de Mestrado, Sociologia, Araraquara: UNESP, 2013,
p. 53. No CDES, ele foi divulgado pela iniciativa de Marcos Jank (Presidente da Única), através de uma
apresentação no Subgrupo Requalificação... Ao que parece, o conselheiro obteve sucesso, de sorte que o
conselheiro Cláudio Conz, conforme consta no Relatório da II Reunião do Subgrupo, afirmou que “o
objetivo do subgrupo é desenvolver um projeto piloto voltado para a construção civil, pensando,
sobretudo, na mão de obra local e não na migrante. Esse projeto seria baseado na experiência bem
sucedida do Projeto Renovação, desenvolvido pela ÚNICA”.
42
SRI. SEDES. GT Matriz Energética ... Op. cit.. Memória da reunião II. CDES, 2010b.
43
Idem, p. 02. Arthur Henrique (Presidente da CUT); Cláudio Conz (Presidente da ANAMACO); Marcos
Jank (Presidente da ÚNICA) e Paulo Simão (Presidente da CBIC).

21
governos Lula da Silva, foi suficientemente capaz de nele se apoiar para posicionar-se
como arena articuladora e validadora do remanejamento de trabalhadores precarizados e
superexplorados, justamente em prol dos setores do capital que mais ampliaram suas
taxas de lucros durante o período. A indústria de agrocombustível e da construção civil,
inclusive, puderam exponencializar a intensidade44 – que costuma vir combinada com o
aumento dos níveis de produtividade – do uso da força de trabalho, valendo-se, para
tanto, da modernização de máquinas e equipamentos, dos novos procedimentos
produtivos e da requalificação dos trabalhadores, remanejados ou não. O conselheiro
Paulo Simão (CBIC) se valeu da plenária do CDES para expor a dimensão do
crescimento do setor mobiliário no Brasil durante os anos Lula:
Ao ser convocado pelo Governo Federal em 2003 para modificar e dinamizar
o mercado brasileiro o nosso setor deu mostra de competências, capacidade
de organização em trabalho coletivo e grande espírito empreendedor. O
resultado em poucos anos já pode ser sentido por todos. O mercado
imobiliário, hoje, apresenta números surpreendentes. Em apenas quatro anos
os investimentos em créditos imobiliários se multiplicaram por oito.
Passaram de 2,2 para 18 bilhões de reais e segue em frente (Ata da 24ª
Reunião Plenária, 27/11/2007, p. 10).

Estudo realizado pela FGV em parceria com CBIC em 2012, mas com dados
levantados das empresas de construção civil no período 2003-2009, através de survey
enviado às empresas de construção, observa que,
A percepção do setor é de que a produtividade evoluiu no período
pesquisado, mas essa evolução poderia ter sido melhor. Para conseguir o
desejado salto na produtividade, as principais iniciativas se referem ao
treinamento de pessoal e a condições favoráveis de investimento em
máquinas, equipamentos e processos produtivos – o que depende de medidas
que envolvem as entidades setoriais e os governos.
(...)
Questionou-se a percepção das empresas com relação à produtividade da mão
de obra na comparação dos períodos anterior e posterior a 2007. Um total de
80% respondeu que o investimento em treinamento passou a ser mais
intenso a partir de 2007, sendo que 37% disseram que passaram a investir
muito mais em treinamento nesse período. Portanto o crescimento setorial
foi acompanhado de iniciativas mais intensas de treinamento pela grande
maioria das empresas. O treinamento oferecido pelas empresas, por sua vez,
ocorre em cursos organizados pelas próprias empresas (60%), pelo Senai
(58%), porempresas especializadas (52%) e pelo sindicato (37%).45

44
Teixeira mostra como, devido à mecanização, novas formas de intensificação da exploração da força de
trabalho se deram no interior dos canaviais, especialmente na época da safra quando os tratoristas
promovem jornadas de corte que chegam a 15 horas seguidas, enquanto a colheideira funciona 24 horas
por dia. Mecânicos, combustíveis e ferramentas são levados a campo para eventual utilização,
viabilizando a estratégia de utilização dos maquinários em tempo integral. TEIXEIRA, Gabriel da Silva.
Trabalho, tripartismo e processos sociais... Op. cit. p. 133.
45
CBIC/FGV. A produtividade da Construção Civil Brasileira. 2012, p. 13, grifos meus. Disponível em
<http://www.cbicdados.com.br/media/anexos/066.pdf>. Acesso em 07/01/2015.

22
O “salto na produtividade” de que o setor afirma necessitar conta com a
“inclusão produtiva” de uma massa de contingentes de trabalhadores disponíveis e em
situação social de trânsito entre a pobreza absoluta e a pobreza oficial, como no caso do
Programa de Setorial de Qualificação para beneficiários do programa Bolsa Família
(PlanSeq Bolsa Família) direcionado ao setor da construção civil. Como uma das
modalidades do Plano Nacional de Qualificação (PNQ) criado em 2003, do Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE), o PlanSeq integra a ação de alguns ministérios (MDS,
MTE e Casa Civil) em articulação com entidades patronais (CBIC e Sistema CNI) e
objetiva, prioritariamente, subqualificar (ou “treinar” na acepção da CBIC) mão de obra
subremunerada para, exatamente, elevar a produtividade da indústria da construção
civil, valendo-se, para tanto, de recursos públicos advindos do Fundo de Amparo do
Trabalhador (FAT), repassados para a execução descentralizada do Programa, ou seja,
para cada estado ou prefeitura, sob a orientação do MTE. Os cursos oferecidos
destinam-se à preparação de trabalhadores (pedreiros, pintores, eletricistas, encanadores,
mestres de obras, etc) nas frentes de trabalho requeridas pelo Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), iniciado em 2007 e pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, de
2009. O documento “Qualificação profissional para beneficiários do Bolsa Família”,
produzido pelo MDS e MTE em 2008, destaca como objetivos do programa:
• Atender à demanda de mão de obra qualificada para as vagas criadas pelo
crescimento econômico.
• Implementar um modelo unificado de ações complementares que ampliem
as oportunidades de inclusão ocupacional dos trabalhadores beneficiários do
Programa Bolsa Família.
• Adequar os cursos de qualificação profissional às demandas de mão de obra
regionais, tomando como base a evolução da oferta de postos de trabalho.
• Estimular a articulação entre os setores de trabalho e assistência social, nos
âmbitos federal, estadual e municipal.46

O nascedouro do PlanSeq Construção Civil recebeu grande apoio, incentivo e


propaganda por parte do CDES por ocasião, por exemplo, do seu anúncio pelo
presidente da CBIC, o conselheiro Paulo Safady Simão, na 30ª reunião plenária:
Eu queria dizer primeiro ao Ministro Patrus Ananias, quero confirmar esse
belíssimo projeto que estamos fazendo juntos, da construção civil junto ao
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e também com o
Ministério do Trabalho, que é um processo de treinamento de pessoas do
Bolsa Família para ingressar nas obras do PAC. (...) E não é só para as obras

46
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Ministério do Trabalho e Emprego.
Qualificação profissional para beneficiários do Bolsa Família. Orientações técnicas para o
acompanhamento do Plano Setorial de Qualificação e Inserção Profissional para os beneficiários do
programa Bolsa Família, [2008], p. 05. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/backup/sites/banner-
internas/praticas-inovadoras-bf-planseq/arquivos/orientacoes_tecnicas_-_secom.pdf>. Acesso
10/01/2015.

23
do PAC, agora temos um programa desafiador, que é o Minha Casa, Minha
Vida (Conselheiro Paulo Simão, Ata da 30ª Reunião Plenária, 04/06/09, p.
28).

Em junho de 2008 – portanto um ano antes da intervenção de Paulo Simão na


plenária do CDES – o conselheiro viajou com a comitiva do CDES (no papel de
instituição presidente da AICESIS), para a 97ª Conferência Internacional do Trabalho
na OIT, em Genebra, para divulgar e angariar apoios, na reunião sobre “Construção
Civil e Empregos Verdes”, para o PlanSeq Construção:47
O Conselheiro do CDES Paulo Simão apresentou o projeto denominado
PlanSeQ Construção, que é um programa de treinamento voltado a capacitar
250.000 mulheres e homens do programa Bolsa Família para as obras da
construção do PAC, a serem realizadas em 13 regiões metropolitanas
previamente escolhidas.

Obviamente, o Programa procura responder às demandas caras ao empresariado


da construção civil por remanejamento, absorção e treinamento de mão de obra, num
movimento que prioriza a arregimentação de populações de grande vulnerabilidade
social integrantes do Programa Bolsa Família em direção ao atendimento emergencial e
transitório do complexo da indústria da construção, em sua expansão galopante durante
os governos Lula da Silva, a qual corroborou a assunção de intelectuais orgânicos de
seus aparelhos privados de hegemonia e de projetos do setor a algumas agências estatais
responsáveis pelas políticas públicas consideradas promotoras do “desenvolvimento
sustentável com inclusão social”.
Perceba-se que, mais uma vez, por meio de fóruns promotores de acordos
embasados no “diálogo social”, do qual o CDES é pioneiro e um dos carros-chefe nos
governos Lula da Silva, diferentes setores do capital encontravam caminhos de
facilitação e/ou encurtamento para garantir o “abastecimento” de mão de obra de setores
da classe trabalhadora com vistas a prepará-los tão-somente para a ocupação de postos
de trabalho simples e não estruturantes, isto é, para o atendimento de eventos
transitórios como a Copa do Mundo, as Olimpíadas ou de investimentos nas obras do
PAC, todos de viés temporário e às custas da elevação da taxa de exploração da força de
trabalho. Não há uma formação de natureza efetivamente profissional, que proporcione
o domínio aprofundado e consistente de um campo científico e tecnológico, mas, ao
contrário, trata-se da disponibilização de uma massa de reserva de trabalhadores

47
Secretaria de Relações Institucionais. SEDES. 97ª Conferência Internacional do Trabalho – OIT:
Memória da Participação do CDES. 2008d. Disponível em file:///C:/Users/Andre/Downloads/Mem%C3%
B3ria_da_97.%C2%AA_Conferencia_da_OIT_-_participa%C3%A7%C3%A3o_do_CDES_-
_09_e_10.06.2008_-_%20(1).pdf>. Acesso em 10/01/2015.

24
acionável, manejável e descartável de acordo com o ciclo de negócios do empresariado.
Na Revista Poli: Saúde, Educação e Trabalho, Ruy Braga sintetizou com perspicácia
esse movimento:
O que temos hoje é uma demanda das empresas para que o Estado atue, por
intermédio de políticas públicas, como o principal instrumento de garantia e
manutenção dessa população excedente às necessidades imediatas das
empresas porque elas querem contar com esse pessoal para entrar no mercado
de trabalho quando puderem aproveitar o ciclo de negócios e investimentos
(...) Nesse sentido, as políticas de formação são políticas de administração da
superpopulação relativa em benefício, evidentemente, das empresas. 48

A estupefação maior fica a cargo da posição extremamente potenciadora às


determinações rapineiras do capital em que se defende e promove, de forma astuciosa, o
encontro benevolente entre a “inclusão produtiva” e o aumento da competitividade
empresarial. Como relação vantajosa para ambas as partes, a ideologia pactuadora
precisa encontrar atendimento a direitos onde há exploração, enxergar ganhos onde há
expropriação, realçar emancipação onde há subalternização, bradar pela inclusão
quando predomina a precarização. Ou seja, posicionar possuidores e despossuídos como
agentes econômicos necessariamente complementares e afins, reapropriação ideológica
da lei neoclássica de interesses mútuos entre a oferta e a procura como orientação de
condução das formas de gerenciamento dos conflitos entre as classes sociais
fundamentais, sobressaindo a pavimentação não apenas para o apassivamento da classe
trabalhadora, mas para a introjeção de modos de vida e de visão de mundo caras ao
sujeito social antagonista:
É claro que temos trabalhadores de baixa renda, famílias organizadas,
constituídas e estamos priorizando com muito vigor as políticas de
capacitação profissional, de qualificação, de inclusão produtiva, integrando
com as possibilidades do PAC, com as possibilidades de desenvolvimento
regional, com os arranjos produtivos locais, formação de empreendedores,
cooperativismo, nessa linha emancipatória que eu penso que é o foco desse
segundo momento em que estamos vivendo (Ministro Patrus Ananias, Ata da
30ª Reunião Plenária, 04/06/09, p. 32 – grifos meus).

Desta maneira, uma das funções precípuas do CDES era trabalhar


processualmente para que se criasse a imagem deque a relação capital-trabalho pudesse
(quase) sempre convergir para tentativas de ganhos mútuos. Como arena de prevenção e
administração de conflitos, as divergências sociais eram deslocadas para o terreno onde

Revista Poli: Saúde, Educação e Trabalho – jornalismo público para o fortalecimento da Educação
48

Profissional em Saúde. Ano VI – nº 32, jan/fev 2014, p. 06.

25
supostamente todos pudessem ganhar, típica manifestação do idealismo burguês, sobre
o qual nos ensina Florestan.49
Na verdade, deve-se atentar para o fato de que, em contextos de recuperação de
crescimento econômico, calcados principalmente em setores do capital de intensiva
utilização de mão de obra, como é o caso da construção civil, as barreiras jurídico-legais
e fiscalizatórias do Estado, quando existem e atuam, recuam em meio ao avanço
predatório e subhumano das condições de exploração por parte das empresas e se
tornam mais débeis e de difícil alcance regulador. A luta se torna ainda mais árdua e de
difícil solução para o campo popular quando se encontra em situações de ofensiva
(coercitiva ou consensual) de setores do capital cada vez mais fortemente organizados
na sociedade civil e galgando posições estratégicas, decisivas no interior da sociedade
política e, por outro lado, quando são estreitíssimas as margens de concessões (políticas
e sociais) às parcelas mais precarizadas dos trabalhadores.
Assim, em alguns projetos de megaempreendimentos de infraestrutura levados a
cabo pelo governo federal, em “parceria” com o setor privado e sob excessiva
licenciosidade das burocracias sindicais frente às terceirizações e subcontratações
(insistindo nas “contrapartidas sociais” para realização das obras) retorna à cena a
evidência do caráter historicamente despótico e autocrático das burguesias brasileiras na
forma de ondas disruptivas causadas por paralisações, greves e rebeliões nos canteiros
de trabalho das principais obras do PAC, em 2011, nas Hidrelétricas de Jirau e de Santo
(RO), de São Domingos (MS), em frentes de trabalho na Bahia e Ceará, no Complexo
Petroquímico de Suape (PE), sem contar outras ocorridas em 2012 no Complexo
Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), e novas paralisações em Suape, Jirau, etc.
Deve-se observar que, ainda em 2009, a denúncia da situação de trabalhadores que
viviam sob condição análoga a escravidão havia circulado nos noticiários:
Durante a última greve dos trabalhadores das obras de Jirau e Santo Antonio,
eles afirmaram que “ficar lá é ficar no inferno” e denunciaram que o
alojamento é apertado para a quantidade de homens hospedados; que o preço
pago pela hora de serviço, além de ser baixíssimo, nem sempre cobre todas as
horas extras trabalhadas e que ficam à mercê dos controladores, já que não
têm acesso aos registros das horas trabalhadas.50

49
“O idealismo burguês precisa ser posto de lado, com seus compromissos mais ou menos fortes com
qualquer reformismo autêntico, com qualquer liberalismo radical, com qualquer nacionalismo
democrático-burguês mais ou menos congruente”. FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no
Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 5ª ed. - São Paulo: Globo, 2005, p. 345.
50
Jornal Brasil de Fato. Trabalho escravo em hidrelétricas financiadas pelo BNDES. Reportagem de
Alexania Rossato. 15/12/2009. Disponível em <http://www.brasildefato.com.br/node/5009>.
Acesso em 10/01/2015.

26
Esta é a demonstração concreta e cabal do “crescente divórcio”, nas palavras de
Florestan, “que se dá entre a ideologia e a utopia burguesas e a realidade criada pela
dominação burguesa”51 e esvazia de sentido e conteúdo quaisquer traços de
humanização e democratização das relações de trabalho sob a égide do capital, factível
apenas como sustentáculo necessário do idealismo burguês em tempos de intensificação
das formas de exploração, expropriação e precarização da existência social dos
trabalhadores, apresentada sob a forma de “democracia”.

3.0 – Conclusão
A marca diferencial do CDES, contudo, deriva de sua peculiaridade constitutiva:
de um lado, como arena que se apresenta como aglutinadora de representação de
interesses híbridos (não antagônicos), traz um crônico componente empresarial de peso
numérico significativo e de considerável capacidade articuladora nas determinações
centrais dos programas expedidos pelo Conselho; de outro lado, reveste as formas de
obtenção da hegemonia social pelo grande empresariado como fruto de “acordos”,
“diálogos”, “pactuações”, apresentando-se como fruto da “democracia participativa” o
que foi expressão da canalização organizada da ação política empresarial, ainda que sob
necessários ajustes e concessões.
A especificidade formativa “pluralista” do Conselho, ao mesmo tempo em que
apenas aparenta dificultar as demandas (setoriais ou gerais) da classe empresarial, no
fundo a impulsiona: não devido apenas ao caráter legitimador dos resultados colhidos
num ambiente de recomendações produzidas com outros segmentos sociais, mas
principalmente porque, por meio desse estratagema, o particular torna-se universal, ou
seja, as expectativas puramente corporativas ganham status de interesses nacionais.
Defendemos que as estratégias de combate à crise advogadas pelo Conselho
foram pensadas e articuladas a partir da lógica mercantil-empresarial, como formas de
impulsionar a ampliação da reprodução das relações capitalistas de produção expressas
não apenas pelo conteúdo das propostas operadas– apresentado nos debates das
plenárias, nas propostas contidas nos documentos do Conselho e pelas exposições da
equipe ministerial – mas também pela intermitente ação política e inconteste
composição majoritária empresarial tanto das instâncias internas criadas pelo Conselho
quanto dos fóruns inaugurados na sociedade política e na sociedade civil.

51
FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil... Op. cit., 345.

27
A função de câmara de gestão da crise para o capital do CDES não se deteve nos
requisitos exigidos pelo capital, eivados de “variáveis econômicas”, apagando as
relações sociais subjacentes. No CDES e através dele, o capital também exigiu o manejo
sobre o “capital variável” e, para tanto, requereu e acionou uma massa crescente de
trabalhadores disponíveis, sob o signo da “requalificação” e “inclusão produtiva”, para
os setores do capital que asseguravam a manutenção ou a expansão do crescimento
econômico: o setor da construção civil e o subsetor sucroalcooleiro da fração do
agronegócio. Duas linhas de ação de gestão e manejo da mão de obra foram utilizadas:
recolocação de excedentes de trabalhadores do setor canavieiro paulista no setor de
construção civil e absorção dos beneficiários do Bolsa Família para as obras do PAC.
A primeira foi tributária do “Compromisso Nacional”, articulado no interior do
CDES que, ao fim ao cabo, certificou como “Empresas Compromissadas” usinas
exportadoras de etanol ainda que as condições de trabalho dos canavieiros
permanecessem praticamente inalteradas. Ao avanço da mecanização no setor,
“requalificou-se” (ou seja, ofereceu-se treinamento precarizado) para ingressarem, ou
seja, para serem “realocados” na indústria da construção civil local, reduto igualmente
de péssimas condições de trabalho. Neste acordo o CDES teve participação orgânica,
isto é, foi por meio dele que se articulou e se viabilizou a construção do “Compromisso
Nacional”. A segunda linha de gestão e manejo de mão de obra foi apenas apoiada e
divulgada pelo CDES. Com o PlanSeq Construção Civil, articulado no CDES pelo
conselheiro Paulo Simão, disponibilizou-se igualmente contingentes de mão de obra
beneficiados pelo Bolsa Família para trabalharem nas obras do PAC.
Esse verdadeiro “arranque” na almejada disponibilização de força de trabalho
para o capital em tempos de crise também não se limitou, como vimos, a esses setores,
tampouco à parcela precarizada da força de trabalho. A cúpula sindical cutista esforçou-
se (e foi vitoriosa) na fragilização das relações trabalhistas através do Acordo Coletivo
Especial (ACE) de autoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, resultando aqui em
expropriações secundárias; e na disponibilização de seus sindicalizados para o capital
bancário-financeiro na forma de consumidores de seus produtos e serviços, no acordo
entre a CUT e o BB/CEF. Efetivamente, o CDES não costurou o ACE dos metalúrgicos
do ABC, mas serviu como palanque inicial de propagação e de possíveis acordos.
Quanto ao segundo acordo entre a burocracia sindical cutista e os bancos públicos, o
CDES serviu como instrumento ou canal de acesso facilitador do acordo.

28
Nos dois casos, o papel do CDES foi “inorgânico”, isto é, não atuou como
intelectual orgânico na composição dos acordos, como realizado no caso do
“Compromisso Nacional”. Pode-se dizer que ele era visto e tomado por alguns
conselheiros como uma bancada, plataforma de facilitação ou encurtamento de acordos
previamente elaborados, bem como de palanque ou tribuna interna de projetos em
elaboração. Outro exemplo cabal destas artimanhas e estratagemas apresentadas em
suas plenárias ou instâncias internas foi a proposta de implantação de microsseguros
para a população pauperizada, outra frente de avanço da disponibilização de largos
contingentes da classe trabalhadora ao mercado bancário-financeiro. Sem falar do
acordo PROCAP BK, anunciado por Mantega e aplaudido pelo presidente Lula da
Silva, mecanismo de endividamento dos trabalhadores para salvar (“capitalizar”) as
empresas que lhes exploram.
Cabe dizer que todas as frentes de mercantilização, financeirização,
precarização, fragilização da relação trabalhista, “requalificação” e “realocação” da
força de trabalho operadas de forma “orgânica” e “inorgânica” pelo CDES significam,
em primeiro lugar, expandir relações sociais que exasperam disponibilização da força
de trabalho ao capital. Em segundo lugar, garantirem as formas pelas quais o trabalho
é subsumido pela lógica capitalista socialmente dominante, isto é, através da subsunção
real do trabalho ao capital. Esses mecanismos de subsunção, balizadores de programas
de disponibilização de força de trabalho, foram perenizados por meio da absorção e
elevação deles à condição de políticas públicas.
Esses processos ocorreram em função dos programas de adequação, treinamento
e preparação ao ingresso de postos de trabalho transitórios e precários de contingentes
trabalhadores em que o CDES assumiu papel organizativo para o grande empresariado.
Mas também ocorreram em razão das lideranças sindicais e patronais presentes no
CDES trabalharem na perspectiva de fragilizar e flexibilizar a legislação do trabalho
(expropriações secundárias) consubstanciada na proposta “menos legislação e mais
negociação” que recuperava a apologética liberal das condições igualitárias de
negociação entre capital e trabalho em tempos de acumulação flexível, retirada de
direitos e de garantias, e de refluxo das organizações mais combativas do movimento
sindical e de seus elos político-partidários. Ou, por fim, em função de servir como
tribuna enunciativa de projetos, ainda que em elaboração, de subalternização e
dependência mercantil-financeira de trabalhadores formalizados, sindicalizados ou não.
Isto é, seja por todos esses formatos de expropriação sobre as classes subalternas que

29
aceleraram a base social de expansão do capital e de impulsionamento da extração de
mais-valor, o bloco social empresarial-sindical-burocrático instalado no Conselho foi
extremamente eficiente na inovação das formas de gestão e administração da crise
econômica para o capital desde a perspectiva de atrelamento e subjugação com vistas à
disponibilização das classes trabalhadoras. O foco de gestão foi triplo: liberar recursos
para praticamente todos os setores do capital e assegurar mão de obra tanto pelo
apassivamento quanto pelo fornecimento direto de trabalhadores.
Os termos foram auspiciosamente escolhidos, exaltados e propagandeados nas
formas de “inclusão produtiva”, “geração de oportunidades”, “combate ao desemprego”,
“proteção contra o risco”, “facilitação do acesso ao mercado de consumo de bens e
serviços”, “requalificação”, “negociação coletiva”, “empregos verdes”,
“empreendedorismo”, dentre outros, e as estratégias idem, sem as quais se dificultam as
transgressões de limites (ético-morais, político-ideológicos, legal-normativos etc)
necessárias à generalização das formas de ampliação de extração do sobretrabalho.
Nesses termos, a crise segue a sua condição crítica: ela é permanentemente
promotora de situações críticas para o conjunto da classe trabalhadora (condições
precárias de moradia, saneamento, transportes, serviços públicos de saúde, educação,
etc), mesmo com ganhos salariais; ela é igualmente ambiental (desmatamentos,
transgenia, uso de agrotóxicos, poluição atmosférica, dos rios, etc). O combate à crise
socioambiental não pode se efetivar com mais crescimento, mais expropriações, mais
exploração sob a classe trabalhadora. Seu combate necessariamente requer o “espírito
de cisão”, na expressão gramsciana:
O que se pode contrapor, por parte de uma classe inovadora, a este complexo
formidável de trincheiras e fortificações da classe dominante? O espírito de
cisão, isto é, a conquista progressiva da consciência da própria personalidade
histórica, espírito de cisão que deve tender a se ampliar da classe protagonista
às classes aliadas potenciais: tudo isso requer um complexo trabalho
ideológico, cuja primeira condição é o exato conhecimento do campo a ser
esvaziado de seu elemento de massa humana.52
Essa reflexão requer que se dispense e ultrapasse, como um dos pontos de
partida para edificação da hegemonia dos subalternos, as formas político-ideológicas de
adulação e de pactuação com seu antagonista social.

52
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, v. 2. Os Intelectuais; O princípio educativo; Jornalismo,
2004, p. 78.

30

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