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Ensaio – Guerra cultural

A reorganização do mapa geopolítico pós-Guerra Fria acarreta uma


nova ordem nos estudos literários que, influenciada pelas correntes
pós-estruturalistas, torna insustentável a oposição entre alta e baixa
cultura e substitui a reivindicação modernista de diversidade cultural,
de fundo nacional-populista, pela postulação pós-modernista de
diferença cultural, de extração pós-colonial ou global
Raúl Antelo

No decorrer do último meio século, o modelo dos estudos literários


descansou na oposição entre o cânone e seu outro, a cultura popular.
O dictum de um crítico de arte, Clement Greenberg, pode aliás
sintetizá-lo: vanguarda ou kitsch? Porém, as guerras teóricas dos anos
80 mudaram radicalmente o panorama. Com as abordagens
desconstrutivas e pós-estruturais, isto é, com o tópico da “morte da
literatura”, as oposições entre alta e baixa cultura, ruptura e
permanência, centro e periferia tornaram-se insustentáveis. As guerras
teóricas recentes mostram que, em última análise, a literatura
comparada fornece teorias da guerra e que, ao mudar o cenário e o
objeto das lutas (não mais o indivíduo, não mais o valor, não mais a
disciplina, não mais a nação), o específico da literatura comparada
deve sua passagem ao ato, sua dissolução, sua transgressão, seu movi-
mento ao exterior de si.
Não é fortuito que comparativismo e guerra se vejam assim
associados. A dimensão universal, central ao comparativismo, só se
consolida, de fato, manu militari, no início do século XX. Sobre esse
tópico Edward Said escreveu um clássico: Cultura e imperialismo.
Porém, esse movimento de reorganização dos mapas geopolíticos e
acadêmicos trouxe consigo uma nova definição do próprio objeto. A
arte passou a perseguir uma beleza de choque, convulsiva, que, não
raro, se apropria de elementos primitivos para aprofundar a percepção
e aguçar a sensibilidade. Uma vez alcançado, porém, o conceito de
universal muda constante e conseqüentemente. A estética dadá se
assumirá como detentora de muitas
nacionalidades/racionalidades imultâneas, ao passo que o surrealismo
associará suas intervenções ora ao universal particularizado (o
stalinismo) ora ao universal em transformação constante (a revolução
permanente).
Após as análises frankfurtianas sobre a dialética da modernidade,
compreende-se melhor até mesmo aquilo que Adorno ou Horkheimer
teriam dificuldade em aceitar, isto é, que um saber sem ilusão é uma
pura ilusão e que não existe mito puro, como nos diz aliás Michel
Serres, a não ser o saber puro de todo o mito. Fundem-se aí, em
consequência, a poesia e o mito, o cânone e seu outro, dimensões que,
para serem analisadas, passam a requerer novos conceitos
operacionais, tais como, o sagrado e o profano, o heterogêneo e o
homogêneo.
Diríamos, então, que aquilo se apresenta irredutível a toda assimilação
e detentor, portanto, de algum tipo de aura (o assassino, o louco, o
poeta maldito) define-se como heterogêneo. Narra-se nas vidas
infames de Foucault e pratica-se para além dos marcos da profissão e
da disciplina. Por que, afinal de contas, deveríamos ser probos se Marx
viveu de bolsas, Nietzsche ou Kierkegaard se recusaram a atender ao
bem comum, Blanqui ou Wilde foram confinados a uma cela e
Maiakóvski ou Benjamin encontraram a via ao exterior no suicídio?
Contrária à economia do dom, heterogênea, desvenda-se pelo
contrário, em todos esses casos, como pano de fundo, a sociedade
homogênea, de intercâmbio e acumulação, para a qual toda a
heterogeneidade se transforma em subversão.
Tais princípios de heterogeneidade arrancam a arte do isolamento
autoconfiante e da satisfação indulgente. A literatura não é, sob essa
perspectiva, ou melhor, não pode ser uma reles carta de burguesia ou
distinção. A literatura situa-se, portanto, para além de uma simples
recondução, populista e redistributiva, dos bens simbólicos, mas, ao
mesmo tempo, posta-se ainda para além do refúgio onde se acoberta
e monopoliza toda a distinção social.
Sabemos que, como toda disciplina, a literatura comparada depende,
visceralmente, do desenvolvimento de lutas mais amplas; daí que o fim
da Guerra Fria tenha ferido seu estatuto universalista e afete, em
consequência, o estudo da arte e da literatura. A pax americana desta
última década apresenta-nos, com efeito, um novo avatar da guerra: a
luta por megafusões. Não seria, aliás, o pluralismo acadêmico um
sintoma particular de megafusão disciplinar? É provável. Mas para que
melhor se entenda o que quero dizer, permitam-me esquematizar o
processo de fusões a que, na falta de melhor rótulo, chamamos
modernidade.
Tomando nossa região como contexto, creio poder aventar uma
primeira onda de luta e guerra, a do Paraguai, que, em cada tradição
nacional envolvida, profissionaliza os exércitos e politiza as forças
armadas, cunhando até o gentílico regional deste Estado que hoje os
acolhe: barriga-verde. A ela se segue uma segunda guerra ou onda de
modernização, protagonizada dessa vez pelo capitão de indústrias que
capitaliza para si, dissolvendo-a, a sociedade produzida pela onda
precedente. A primeira onda guerreira declara uma tríplice aliança,
uma lei comum para os países da região. A guerra posterior, de
modernização industrial, cinde-os e em conseqüência os separa,
estimulando a concorrência entre si, porém eufemizando também a
acumulação e, para tanto, lança mão do perigo externo e de todos os
fantasmas do contágio por contato. É a dilemática guerra
antropofágica (tupy or not tupy) degradada, muitas vezes, a clichê
eufórico: o de que todo modernismo é, por força, nacionalismo quando
não protecionismo.
O período pós-ditadura, no entanto, simula ter ultrapassado esses
conflitos, harmonizados agora sob uma espécie peculiar de pax latino-
americana, o regime de intercâmbios do Mercosul. É necessário,
porém, mais do que nunca, interpretar esse período como modulação
diferencial da guerra nômade. Trata-se, com efeito, da passagem do
mercado de bens para o mercado de capitais. Como a renda dos
investimentos produtivos a longo prazo é menor que o lucro que se
obtém com as aplicações a curto prazo, a própria fusão estratégica do
capital monetário aparece agora subordinada à fusão estratégica do
capital fictício. A poesia e o mito são, como sabemos, a chave dos
príncipes da moeda e suas engenharias geopolíticas.
A poesia, disse-nos Mallarmé, remunera os defeitos das línguas. Na
guerra disciplinar em curso, um mero avatar da guerra simbólica
contemporânea, a literatura comparada visa remunerar os defeitos das
particularidades. Para tanto, busca ir além do particular, regional ou
nacional, tendo que lutar agora com a emergência de novos saberes,
via de regra, comprometidos com o inves timento a curto prazo,
empenhados eles mesmos em ultrapassar o próprio conceito de
universal. São os estudos da cultura, já praticados na Inglaterra pau-
perizada pelo fim do colonialismo, mas globalizados, irreversivelmente,
pela nova ordem mundial.
Para muitos de nós, a luta antitra dicionalista dos anos 70 traduziu-se
na premissa anti-racionalista, para não dizer antiteológica, da intenção
do autor. Para criticá-la e ultrapassá-la, atravessamos o estruturalismo
dogmático e o pós-estruturalismo desconstrutor, promovendo a
semiose ilimitada, a função leitor e uma autonomia radical da leitura.
Porém, permaneceu a atitude anti-, o que pressupõe sempre o dilema,
a duplicidade, quando não o sistema. Talvez a mudança mais
espetacular que vem se operando em nossa disciplina seja a de
modificarem as estratégias de guerra.
A alta modernidade construiu, eufórica, sólidas equações guerreiras,
contidas, entretanto, em um campo específico, o que tornava a luta
uma espécie de torneio ou cerimonial, uma festa, enfim. A baixa
modernidade, por sua vez, não apenas cansada, mas radicalmente
exausta de sua própria construção, defende a igualdade de todos
perante as normas ao preço de transformar a luta em confrontos cons-
tantes e contínuos, choques mortíferos de economia generalizada e
disseminação proliferante, que apagam as fronteiras entre o positivo e
o negativo, o puro e o impuro.
Certamente não é um consolo, mas a situação contemporânea, salvo
melhor juízo, já não se ajusta ao dilema; ela não deixa de desdobrar
inesperadas variações da situação precedente. Não é essa, por acaso,
uma estratégia comparatista radicalizada até o ponto de não mais a
reconhecermos como familiar a nossas práticas? Não essa,
precisamente, a fortuna atual de um debate fundador como o de
Picard/Barthes? A entrada do modelo lingüístico estruturalista abriu, de
fato, a porta a novos e incessantes desvios do modelo eugenicamente
literário defendido por Picard e fundado em “l’intention claire et lucide”
do texto original. Mas se hoje, a distância, podemos ver em Barthes o
partisão de um recepcionismo à outrance, não é menos válido
reconhecer, na retomada desse debate, um curioso retour à l’ordre que
nos clona um Barthes cada vez mais parecido com Picard, e, portanto,
expurgado de sua primitiva crítica culturalista.
Conquanto estejamos num congresso que articula a literatura a
instâncias ético-políticas, as dos estudos culturais, é bom frisar que,
para a atual gestão da Abralic, o ético-político não é um momento ins-
tituinte do social. Admitimos, com efeito, uma evidente expansão do
político às custas do social, porém admitimos também que essa
politização, na medida em que implica a produção contingente do
vínculo social, aponta sempre para um descentramento da sociedade
em relação a si própria, donde aquilo que torna possível a literatura e
a política (a autonomia e contingência dos atos de instituição) é aquilo
mesmo que as torna, simultaneamente, impossíveis.
É evidente que definir uma possibilidade em termos de sua impos-
sibilidade constitui heresia heterodoxa para toda perspectiva
transcendentalista, mas o fato é que o ato institucional falta sempre
em seu lugar e é essa característica de indecibilidade que legitima o
caráter democrático infinito.
Se, no tocante a questões estéticas, um julgamento de valor se quer
não-ambíguo é porque, conjuntamente ao juízo estético, ele aplica
algum princípio normativo, impossível de ser fornecido pela noção
pluralista de tolerância, princípio este que nos permitiria discriminar o
que deve do que não deve ser aceito. Se essa norma existisse
universalmente e, mais do que isso, se fosse pacificamente aceita,
estaria resolvido nosso problema e poderíamos voltar felizes para casa.
Entretanto, o julgamento transcendentalista não pode ser bem-
sucedido já que, se ele for capaz de traçar uma fronteira inequívoca
entre o canônico e o anticanônico, é porque, previamente, identificou
essa fronteira com uma outra, inconfessa quando não inconfessável,
que separa o (eticamente) aceitável e o (eticamente) repudiável, em
outras palavras, uma fronteira que hierarquiza instituição alta e baixa.
É pertinente, portanto, discriminar a reivindicação modernista de
diversidade cultural, de fundo nacional-populista, da postulação pós-
modernista de diferença cultural, de extração pós-colonial ou global.
A diversidade é uma categoria da literatura comparada que, no Brasil,
compreende um arco que vai de Gilberto Freyre a Oswald de Andrade,
incluindo, obviamente os sucessores como Darcy Ribeiro. A diferença,
entretanto, analisa no interior dos estudos culturais os processos de
significação por meio dos quais as camadas culturais tendem a se
diferenciar entre si e na era da modernidade-mundo e do internacional-
popular. Enquanto a diversidade cultural legitima enunciados, a
diferença cultural discrimina enunciações. Tributária, em
conseqüência, do conceito letrado, urbano, funcionalista e, em última
análise, dicotomicamente nacionalista de cultura, a tese racionalista
da diversidade, longe de fundar a tolerância ou o progressismo
pluralista da nação moderna, dissolve, belicamente, o significado
desses conceitos, porque, se aquilo que aceito se identifica àquilo que
moralmente aprovo, não estou tolerando, a rigor, coisa alguma.
Quando muito, estou redefinindo os limites de uma porção
perfeitamente intolerante, além de imaginariamente narcísica, que
rebaixa a contingência imanente da instituição à espontaneidade
transcendente de uma intuição.
No que tange à questão estética, portanto, cabe então dissociar o julga-
mento de valor de toda premissa ética, em virtude da necessidade de
uma sociedade funcionar de acordo com um grau relativo de
diferenciação interna para, precisamente, preservar o espírito demo-
crático.
Não devemos esquecer que uma sociedade que tentasse
intransigentemente impor uma concepção unívoca e estrita do bem
estaria, constantemente, à beira da guerra. Mas, por esse mesmo
motivo, a saída não é o laissez-faire. A tolerância não pode ser irrestrita
já que a intolerância funciona como condição de possibilidade e, ao
mesmo tempo, de impossibilidade da própria tolerância. É redutor,
portanto, fazer a instância de avaliação descansar em modelos
concretos, tidos como representantes da alta literatura. O valor que
eles encerram é antes um ponto vertiginoso, acéfalo e vazio, fruto de
uma decisão que mais se parece com a loucura do que com o bom
senso, que é secreta sem ser privada, que é irredutível ao espaço
público e à publicidade mas, contudo, abre-se constantemente à
possibilidade da politização como promessa irrealizável no devir.
Quando, em 1936, já se discutia, no Brasil, a força do projeto moderno
e o limite dos campos da literatura e a sociologia, uma crítica, uma
mulher, se perguntava se não se teria ido longe demais na revolta
vanguardista, recomendando que, entre a atitude hierática e o relaxa-
mento, devia haver um meio-termo. “O caos pode ser um início ou um
fim”, dizia Lúcia Miguel Pereira. Hoje, entretanto, no retorno feminino
desse mesmo conselho, cabe resgatar o caos fecundo de outra mulher,
Clarice Lispector, e argumentar que a conversão e a institucionalização
são apenas momentos de estabilização de algo confuso e caótico,
donde o próprio da literatura não é a responsabilidade da forma, no
sentido de correspondência entre um sujeito transcendental e algo
exterior a si, mas uma forma irresponsável, que não responde nem
corresponde aos imperativos de identificação, isto é, uma forma em
que o outro ainda permanece inapropriável e esquivo aos mecanismos
identificatórios.
Os bárbaros apostamos no caos porque ele é, ao mesmo tempo, um
risco e uma chance, um fim, porém, também um início, em outras
palavras, um “grande uivo eterno” em que se mesclam, de maneira
indecidível, o possível e o impossível. Os bárbaros também temos
nosso Mallarmé, aquele do leito terminal que, diante das janelas e
antes de Duchamp, deseja que la vitre soit l’art, soit la mysticité porque
seu objetivo, não necessariamente pós-utópico, é d’enfoncer le cristal
par le monstre insulté/ Et de s’enfuir avec mes deux ailes sans plume/
au risque de tomber pendant l’eternité.
Não há, certamente, em nossa área tarefa mais árdua do que definir
em que consiste a operação de comparar e foi, justamente, com vistas
a parar com a confusão disciplinar que o Relatório Bernheimer ensaiou
uma definição indefinitória:
“O espaço da comparação envolve atualmente comparações entre as
produções artísticas normalmente estudadas por diferentes
disciplinas; entre várias cons truções culturais dessas disciplinas; entre
tradições culturais ocidentais; tanto as culturas altas e populares
quanto as não-Ocidentais; entre as produções culturais anteriores e
posteriores ao contato de populações colonizadas; entre construções
de gênero definidas como femininas e aquelas definidas como
masculinas ou entre orientações sexuais definidas como normais e
essas outras definidas como gay; entre modelos raciais e étnicos de
significação; entre articulações hermenêuticas de sentido e análises
materialistas de seus modos de produção e circulação; e muito mais.”
Nessa heteróclita relação, como na enciclopédia chinesa de Borges, o
que espanta não é a extravagância de certas proximidades, mas a
impossibilidade de um espaço onde essas variedades possam ser
próximas umas das outras. É o próprio espaço comum do debate, o
espaço literário, que sai arruinado, e não apenas a incongruência da
própria enumeração, tão impossível quanto infinita. Esse espaço
literário revela ser não mais um instrumento dócil aos projetos hu
manistas, mas um espaço vazio e incontrolável por definição, em que
a experiência literária exibe sua realidade inobjetiva ou, para dizê-lo
com Foucault, “un écart plutôt qu’un repli, une dispersion plutôt qu’un
retour”.
Raúl Antelo
ensaísta e professor de literatura brasileira na Universidade Federal de
Santa Catarina, presidente da Abralic durante o biênio 1996-98
Texto extraído do discurso de abertura do VI Congresso da Abralic
Disponível em:
https://revistacult.uol.com.br/home/ensaio-guerra-cultural/. Acesso em
27/03/2018

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