LUKÁCS, Georg. Introdução a uma estética marxista.
Sobre a peculiaridade como categoria
estética. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leonardo Konder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.
Prefácio
[de 1956 – Bucareste, no exílio]
A particularidade como categoria central da estética. P. 2 O reflexo científico e o reflexo estético refletem a mesma realidade objetiva [...] devem ser os mesmos não só os conteúdos refletidos, mas as próprias categorias que os formam [...] [as diferenças se manifestam no interior dessa identidade geral] uma escolha específica entre a infinidade dos conteúdos possíveis numa acentuação específica e numa reorganização específica das categorias a cada passo decisivas. P. 2 [discussão da particularidade na estrutura da obra de arte]
A questão lógica do Particular em Kant e Schelling
[Lenin já identifica em Aristóteles o] perigo ideológico de autonomização do universal
[...] [Lenin já avança a Aristóteles] p. 5 [Lenin identifica como se dá a relação dialética entre singular e universal, como um se faz e se forma a partir do outro, e como nessa discussão já está incluído o conceito de necessidade, contingente, aparência e essência] Perigo da autonomização do universal [...] [quando] uma só dessas categorias passa a ser considerada como a mais real em confronto com as outras, e até como a única real, a única objetiva, ao passo que as outras se reconhece somente uma importância subjetiva. P. 6 Realismo conceitual [...] faz da universalidade uma determinação puramente subjetiva, fictícia. P. 6 A questão de que tratamos [a particularidade] só começou a se colocar no centro do interesse filosófico quando o interesse científico não mais se limitou à física [...] e se estendeu à química e, sobretudo, à biologia; ou seja, quando na biologia começaram a aparecer os problemas da evolução, quando a Revolução Francesa colocou em primeiro plano a luta pela idéia da evolução nas próprias ciências sociais e históricas. P. 7 A primeira obra na qual o problema da particularidade [...] ocupa um lugar central é a Crítica do Juizo de Kant [...] é um momento importante na aguda crise filosófica desencadeada no século XVIII. P. 8 [Kant] na sua ética, estabelece-se uma sujeição exclusiva e incondicionada ao dever ser; e nela não há lugar para uma dialética dos conflitos éticos. Desse modo, Kant veio a se tornar [...] a primeira figura importante e influente na criação do método dialético no idealismo da filosofia clássica alemã. Sua filosofia é mais um sintoma da crise do que uma tentativa realmente séria para dar-lhe solução. P. 8 Oscilação de Kant entre materialismo e idealismo. P. 12 [Em Kant, apenas dois movimentos rigidamente separados um do outro: do particular para o universal (especificação) ou do universal para o particular (classificação)]. Concepção da realidade [...] buscar as raízes, os fundamentos da especificação – e, naturalmente, da classificação – na própria realidade objetiva; os princípios de especificação e classificação elaborados por tal caminho deveriam ser propriedades objetivas, características do objeto em si mesmo, da concatenação e desenvolvimento deles. P. 12 Nova teoria do conhecimento. P. 13 [Para Kant] o juízo é determinante na passagem do universal ao particular; e é apenas reflexivo se o universal é buscado a partir do particular [essa contradição indica uma] crise do pensamento metafísico em geral. P. 13 É preciso assinalar como momentos decisivos dessa argumentação de Kant que, de um lado, todas as leis particulares (empíricas) são contingentes “segundo o modo de ver do nosso intelecto e essa sua contingência para “nosso” pensamento permanece necessariamente insuperável; e, de outro, para que possam “se chamadas leis” há que ser colocado como fundamento delas “um princípio da unidade da multiplicidade” que “para nós” é desconhecido e incognoscível. [...] o idealismo subjetivo dos agnósticos interfere de modo profundamente nocivo na própria práxis completa e científica dos físicos. P. 15 A incognoscibilidade do mundo objetivo, independente da consciência, insere-se em toda e qualquer afirmação concreta, determinando o conteúdo científico e o método científico. P. 16 Todas essas contradições insuperáveis decorrem, em última instância, do idealismo filosófico. [...] um dilema insolúvel: ou tenta resolver os problemas biológicos com os meios do pensamento metafísico (quer dizer, procura reduzi-los às leis da mecânica) e cai em contradição com os acontecimentos específicos da vida, ou tenta compreender os novos fenômenos com uma aparelhagem conceitual que transcende à mecânica e cai necessariamente na categoria da finalidade e em todas as contradições desta categoria em sua formulação idealista. P. 17 [Kant define finalidade como] uma conformidade à lei do contingente como tal [Kant não quer que o conceito de finalidade desemboque em teologia, e nem afastar da finalidade as leis de causalidade, quer colocá-la no sistema geral dessas leis]. P. 17 [Em Kant] Necessidade e contingência confrontam-se de maneira imediata e rígida. Para Kant, só é necessário aquilo que pode ser conhecido a priori; o resto escorrega inevitavelmente para a contingência. [...] tudo que é particular e singular – deve necessariamente aparecer como contingente. Ver a contingência tanto na especificação como na finalidade, buscar as categorias próprias da Biologia sem abandonar ou minimizar as da natureza sem vida [...] há momentos progressistas [esses são os momentos progressistas de Kant]. P. 17 Na relação do particular com o universal, vê o momento da contingência [...] a constatação de que aquilo que constitui a particularidade não é, em sua especificidade, passível de ser meramente deduzido no universal, e que de um particular não se pode obter simplesmente um universal [...] pensamento realmente dialético [...] reconheça na contingencia um elemento, um momento da necessidade. [Conceito de Contingência/contingente (Dicionário de Filosofia - Abbagnano) – na tradição escolástica, e sobretudo por influência árabe, o termo C. passou a ter significado específico, diferente do que se entende por “possível”; passou a significar aquilo que, embora sendo possível “em sí”, isto é, em seu conceito, pode ser necessário em relação a outra coisa, ou seja, àquilo que o faz ser [...] O C. é o possível que pode ser necessariamente determinado e, portanto, pode ser necessário [...] Na filosofia contemporânea [...] francesa [....] C. passou a ser sinônimo de “não- determinado”, isto é, de livre e imprevisível [...] Contingencia, portanto, é a liberdade na relação do homem com o mundo (Sartre)] Em Kant, a estética se torna não só subjetivista como também formalista: o afastamento do conteúdo importa na dissolução do conteúdo. P. 20 Crise decisiva do pensamento metafísico [...] emergência de problemas manifestadamente dialéticos. P. 21 Um pensamento que era impetuosamente exigido pelo desenvolvimento das ciências naturais e pela visão de mundo que surgia à base delas: o pensamento dialético. P. 23 [Schelling, dando um passo à frente de Kant] na tentativa de compreender dialeticamente a vida [...] desenvolvimento e concretização ulterior do particular [...] papel do ambiente no nascimento e no fim da vida, da relação recíproca dialética entre organismo e o ambiente. [...] tanto o contingente como o particular assumem nele um significado dialético que Kant não teria podido entender: as duas categorias começam a perder aquela rigidez e aquele caráter metafísico abstrato que tinham em Kant, tornando-se mais concretas, são inseridas em nexos dialéticos. P. 25 Dois defeitos do jovem Schelling: a nítida contraposição adialética de necessidade e liberdade, como herança kantiana; a mistificação da liberdade, como conseqüência da filosofia da intuição. P. 26 [Schelling] na tentativa de descobrir a interconexão de universalidade, particularidade e singularidade, insiste em compreender tal interconexão como simples dedutibilidade, como subsunção sem resíduos “não contingentes” do particular e do singular sob o universal [...] pensamento metafísico [...] resposta irracionalista. P. 27 O intelecto intuitivo postulado por Kant realiza-se em Schelling como uma tentativa de renovação dialética da doutrina platônica das idéias. [...] estão presentes em sua obra – apesar de todo o misticismo irracionalista – também tendências à objetividade, à admissão da cognoscibilidade do mundo exterior. P. 28 Categoria da potência [...] uma presumida relação quantitativa dos princípios (subjetivo e objetivo, etc.), de modo que a escolha, a determinação dessas proporções quantitativas é pura e simplesmente abandonada ao arbítrio que constrói. P. 28 A determinação ideal é apenas a expressão subjetiva da realidade objetiva existente em si. P. 29 Em Schelling, a filosofia da natureza e a estética pedem fundamentação idealista objetiva. O platonismo de Schelling tem como conseqüência que tudo – inclusive a questão da relação do universal e do particular – sofra uma radical inversão: a essência da realidade objetiva aparece como cognoscível, mas a idéia não deve ser o reflexo da coisa e sim a coisa é que recebe a sua existência, o seu em-si, da idéia. P. 30 A matéria vem a ser identificada com o universal e a forma com o particular. P. 31 A estética de Schelling vai além de Kant também porque tende a fundar uma dialética histórica da arte. A contraposição do antigo e do moderno em Schelling deve ser derivada da dialética histórica do universal (gênero) e particular (indivíduo). P. 31 As tentativas de solução de Hegel
Enquanto o método dialético tende a conceber todos os setores do ser e da
consciência como um processo histórico movido por contradições, o sistema fechado elimina este movimento para o presente e para o futuro, introduz contradições insolúveis inclusive na concepção de que o pensamento te movimento, transforma frequentemente o desenvolvimento reconhecido pelo método em um desenvolvimento apenas aparente. P. 35 Limite do idealismo objetivo: a identidade sujeito-objeto ao invés de uma realidade independente da consciência e que é refletida no pensamento. P. 35 Hegel é o primeiro pensador a colocar no centro da lógica a questão das relações entre singularidade, particularidade e universalidade. P. 35 Ele [Hegel] só pode dar este passo porque fez múltiplas tentativas de compreender filosoficamente as experiências da revolução burguesa de sua época, de encontrar nela a base para a existência de uma dialética histórica. P. 36 Para Hegel, portanto, na dinâmica histórica da revolução, manifesta-se um quadro no qual um sistema socialmente sobrevivente exerce uma verdadeira e real tirania que é desonrosa para todo o povo (o universal torna-se particular). A classe revolucionária, a burguesia, o Terceiro Estado, ao contrário, representam na revolução o progresso social, bem como os interesses das outras classes (o particular torna-se universal). P. 36 O fato de que a sua transposição em termos filosóficos era o reflexo de uma realidade social. P. 37 Importância da categoria da positividade [...] predecessor de conceitos centrais posteriores, como alienação e estranhamento. P. 38 Nesta controvérsia entre Kant e Hegel, está em jogo precisamente o fato de saber se é possível, de uma lei universal (aqui do imperativo categórico), obter os casos particulares de sua aplicação mediante uma simples subsunção lógica, ou se, entre elas, relações recíprocas dialéticas mais complicadas dominam a dialética das mais diversas determinações no seio de uma concreta totalidade. P. 39 [Autonomização do particular] p. 39 “A passagem de uma formação espiritual a outra consiste precisamente em que o precedente universal é superado quando é pensado como particular. Este subseqüente mais alto (por assim dizer, o gênero próximo da espécie precedente) está intimamente presente, mas ainda não chegou a se afirmar; e isto torna oscilante e frágil a realidade existente” [...] a dialética da universalidade e particularidade é o problema da ininterrupta transformação da sociedade como lei fundamental da história [...] “este universal é um momento da idéia produtiva, um momento da verdade que aspira e se dirige para si mesma”. P. 41 Limite idealista [...] na dialética de universal e particular a função do pensamento, da consciência, é quase sempre supervalorizada com relação ao ser social, mas também por causa da inclinação de Hegel para emprestar às formações sociais que se sucedem uma relação de espécie e gênero (particular e universal). P. 41 Essa dialética tem também um importante papel na indicação das leis mais gerais do movimento da história. P. 43 “o interesse particular da paixão, portanto, é inseparável da atuação do universal; pois é do particular e do determinado, bem como de sua negação, que nasce o universal. O particular tem seu próprio interesse na história universal; ele é algo finito e, como tal, deve necessariamente perecer. É o particular que combate reciprocamente a si mesmo e uma arte dele deve perecer. Mas precisamente na luta, na derrota do particular, surge o universal” P. 43-44 Ele [Hegel] não está em condições de compreender a dialética real, que, a partir das aspirações particulares dos homens singulares e dos grupos, desenvolve a universalidade das modificações históricas das formações sociais que se sucedem. P. 45 A falsa construção lógica – vida após teleologia [trabalho] revela, portanto, o fundamento limite idealista de Hegel. P. 47 Recíproca conversão destes momentos [universal e particular] um no outro. [tendo o conteúdo histórico-social como fator determinante] P. 47