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SER OU NÃO SER: A MEMÓRIA DOS CINEMAS DE RUA COMO

PATRIMÔNIO CULTURAL DO RIO DE JANEIRO

Márcia Cristina da Silva Sousa (Márcia Bessa)*

RESUMO
Esse artigo pretende lançar as bases para um estudo taxonômico da memória dos cinemas de rua
– estabelecimentos ou salas de projeções cinematográficas erguidas no espaço urbano em meio às
construções habituais: comércios, serviços, residências – da cidade do Rio de Janeiro sob a ótica
da patrimonialização material e imaterial. Estamos pensando o circuito exibidor carioca,
problematizando-o como parte do patrimônio cultural brasileiro. Através dos novos instrumentos
de reconhecimento e valorização, propomos uma discussão sobre a preservação e tombamento
dos cinemas de rua na capital fluminense. Acreditamos ser o momento ideal para uma proposição
dessa natureza devido às importantes ações de renovação e ampliação das concepções do
patrimônio para além da pedra e cal advindas da nova legislação – que versa sobre a
imaterialidade de bens móveis e imóveis – implementada recentemente.

Palavras-chave: Memória. Patrimônio. Cinema de rua.

ABSTRACT
This article intends to create the bases for a systematic study of the memory of street cinemas –
cinematographic exhibition rooms in the urban sidewalks – in Rio de Janeiro under the
patrimonial aspects. The carioca cinemas are rendering problematic as a part of Brazilian cultural
patrimony. Through the new instruments of recognition and valorization, we propose a discussion
about preservation and governmental protection of street cinemas in Rio. We believe now is the
perfect moment to discuss its on account of important renovation and enlargement actions of the
immaterial patrimony conceptions succeeds of new legislation recently implemented.

Keywords: Memory. Patrimony. Street cinema.

INTRODUÇÃO

O locus do cinema vem se transmutado drasticamente desde os seus primórdios – com


notada intensificação nas últimas décadas do século passado – até a contemporaneidade. Esse
artigo pretende lançar as bases para um estudo sistemático da memória dos cinemas de rua –
estabelecimentos ou salas de projeção cinematográfica erguidas no espaço urbano em meio às
construções habituais: comércios, serviços, residências – da cidade do Rio de Janeiro;
problematizando-as como parte de nosso patrimônio cultural. Através dos novos instrumentos de
reconhecimento e valorização, propomos a inclusão dos cinemas de rua no rol dos bens móveis

*
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Memória Social - PPGMS/UNIRIO. Bolsista CAPES.
1

ou imóveis que podem contemplar ações de preservação no Rio. Acreditamos ser o momento
ideal para uma proposição dessa natureza devido às importantes ações de renovação e ampliação
das concepções do patrimônio para além da pedra e cal advindas da nova legislação
implementada recentemente.

A arena do patrimônio cultural no Brasil está vivendo um momento novo. Se durante


décadas predominou um tipo de atuação preservacionista voltado prioritariamente para
o tombamento dos chamados bens de pedra e cal – igrejas, fortes, pontes, chafarizes,
prédios e conjuntos urbanos representativos de estilos arquitetônicos específicos –, a
aprovação do Decreto 3.551, de 4 de agosto de 2000, que instituiu o inventário e o
registro do patrimônio cultural imaterial ou intangível descortinou um panorama que
provocou a alteração radical da antiga correlação de forças. (ABREU; CHAGAS,
2009, p. 13)

Estamos vasculhando o processo de extinção das salas de cinema das calçadas da cidade e
tentaremos recuperar o impacto dessa mudança na configuração do espaço citadino;
referenciando um patrimônio material – do prédio, da arquitetura, dos equipamentos – e imaterial
– da experiência cinematográfica, dos vestígios. Trabalhamos, sobretudo, através dos rastros
deixados pelos antigos cinemas de rua – vestígios inscritos no texto da cidade.

O verdadeiro método de tornar as coisas presentes é representá-las em nosso espaço (e


não nos representar no espaço delas). [...] As coisas, assim representadas, não admitem
uma construção a partir de 'grandes contextos'. Também a contemplação de grandes
coisas do passado […] (caso ela seja bem-sucedida) consiste, na verdade, em acolhê-las
em nosso espaço. Não somos nós que nos transportamos para dentro delas, elas é que
adentram a nossa vida. (BENJAMIN, 1994, p. 240)

A maior parte dos cinemas de rua foi vendida e virou outra coisa. Algumas poucas salas
ainda permanecem fechadas aguardando seu destino incerto. Outras poucas figuram dentre os
cinemas reformados. Em número infinitamente mais reduzido temos novas salas inauguradas nas
ruas. Temos ainda poucas notícias do reconhecimento dos cinemas de rua como parte do
patrimônio cultural de nossa cidade. A patrimonialização a partir do tombamento contempla
atualmente poucos cinemas de rua no município do Rio de Janeiro. E esse tombamento não
significa o resguardo do bem por completo – protege, muitas vezes, somente a fachada ou até
mesmo a edificação, mas não garante a salvaguarda de seu uso.
2

Começando sua trajetória de entretenimento tecnológico nos teatros, cafés-concerto,


vaudevilles e feiras de variedades; consolidando suas histórias (e sua história) nos cinemas de
rua; tornando-se mais um estabelecimento comercial nos shopping centers; otimizando custos e
multiplicando lucros nos multiplex.1 O cinema de rua, em seu viés original, parece ter entrado em
xeque na contemporaneidade. Pouquíssimas salas habitam ainda as calçadas de nossa cidade nos
dias atuais. Não eram simplesmente salas de projeção. Eram espaços de socialização comunitária
e de construção da cidadania. Com o desaparecimento do circuito exibidor das vias públicas
interditam-se lugares vitais de lazer e cultura urbanos na rua. Elimina-se assim um ponto de
encontro, um local de discussão, um espaço de vivência da diversidade.

PEQUENA HISTÓRIA DOS CINEMAS DE RUA DO RIO DE JANEIRO


As primeiras salas de cinema do Rio de Janeiro possuíam duas características básicas: o
tamanho reduzido e o fato de serem nas ruas. A primeira sala, inaugurada em 1897, por Paschoal
Segreto e José Roberto Cunha Salles, chamava-se “Salão de Novidades Paris no Rio”. As sessões
de cinema eram exibidas nos locais tradicionais de diversão. O primeiro cinema de verdade
instalado na cidade foi o “Cinematographo Parisiense”. Inaugurado em 1907, o Parisiense foi o
precursor das construções realmente erguidas para abrigar salas de cinema. O Centro da cidade se
expandia e o cenário para os cinemas de rua se desenhava. As salas cresciam em número e
tamanho e o público também mudava. Crescia a admiração pela arte cinematográfica.

Das fotografias animadas ao cinema como experiência estética, o espaço que acolheu
estas imagens em movimento passou das pequenas salas improvisadas do final do século
para o requinte dos Roxys e Capitols disseminados pelo mundo inteiro. A definição do
programa arquitetônico sala de exibição, do fato mesmo de ter sua origem na afirmação
e desenvolvimento de um cinema dominante, foi profundamente marcada pelos valores
que este cinema estabeleceu. No Rio de Janeiro, a cadeia de cinemas que a Metro-
Goldwyn-Mayer fez construir para exibir as suas produções com exclusividade fez com
que o comércio cinematográfico sofresse um forte impacto e que, junto ao público, se

1
Complexos contendo várias salas de exibição concentrados em shopping centers. Geralmente associados a um
plano de exportação do produto cinematográfico norte-americano. Os multiplex oferecem uma “otimização total do
espaço, oferta múltipla de filmes, economia de escala na administração, projeto inteligente de automação, oferta de
serviços adicionais, além de uma pulverização do risco de fracasso de bilheteria (devido à possibilidade de
manutenção de um título em cartaz por um tempo maior) e a alta rotatividade entre as várias salas”. (ALMEIDA;
BUTCHER, 2003, p. 65)
3

estabelecessem padrões e necessidades novos que reforçavam não apenas a reprodução


continuada dos seus filmes como também consagrasse uma vez mais a noção já
cristalizada de que cinema americano era o verdadeiro cinema. (VIEIRA; PEREIRA,
1986, p. 59)

A região central da cidade se ampliava no início do século XX com a reforma urbanística


de Pereira Passos. Surgiram as calçadas e o comércio de rua. A luz artificial e o policiamento. O
comércio começa a organizar-se, sobretudo nas proximidades dos locais de entretenimento. A
abertura da Avenida Central em 1904 e a chegada da eletricidade – um ano mais tarde –
incentivaram a ampliação de espaços de vida noturna. Os cinemas da Praça Floriano – que vai ser
conhecida como Cinelândia – consolidaram e permitiram a proliferação das salas de exibição por
outros bairros do Rio de Janeiro. “Foi somente com a construção dos novos cinemas da
Cinelândia, no início da década de 20, que a exibição cinematográfica, assim como a arquitetura
e a engenharia civil em nossa cidade sofreram grandes transformações” (VIEIRA; PEREIRA,
1986, p. 25)
A partir dos anos 1950, e ao longo das décadas subsequentes, a presença cada vez mais
marcante da televisão no cotidiano da população, a entrada em cena do videocassete e das TVs
por assinatura fizeram com que o público de cinema reduzisse drasticamente. Muitos cinemas de
rua encerraram suas atividades. E em meados da década de 1980 teve início o processo de
desaparecimento das salas de exibição cinematográfica das ruas do Rio de Janeiro. Um fenômeno
de escala mundial.
O final do século passado assiste o surgimento de um novo cinema de rua. Parece que o
cinema que hoje nasce (ou renasce) na rua teve que se render à fórmula do multiplex. Para
acompanhar a tendência do mercado cinematográfico, do setor de exibição ou as exigências dos
novos hábitos do espectador contemporâneo, a verdade é que raros são os cinemas de rua atuais
que mantêm o conceito original. “Antes do multiplex, o único atrativo do espectador era o
próprio filme. Depois dele passou a ser, sobretudo, o espaço.” (ALMEIDA; BUTCHER, 2003, p.
65) Iniciativas como as do Cine Santa Teresa e Cine Arte Bangu2 em acreditar nos cinemas fora

2
Os Cines Santa Teresa e Cine Arte Bangu são legítimos cinemas de rua inaugurados em 2003 e 2006
respectivamente.
4

dos shoppings centers se dão de forma isolada, provando que é cada vez mais difícil a comunhão
entre rua e cinema.

POR UMA MEMÓRIA DOS CINEMAS DE RUA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL

Na contemporaneidade os bens tornam-se uma descrição do passado. Criamos nossa


própria memória. A categoria da “coleção” revela a maneira de operar dos patrimônios. Os seres
humanos – em particular ou em grupo – desempenham alguma forma de colecionamento de
elementos materiais. Seu efeito primeiro parece estar ligado à delimitação de um domínio
subjetivo em resistência a outro domínio. Logo em seguida percebemos uma nova consequência
fundamental dessa atividade que é necessariamente a formação de um patrimônio.
A palavra patrimônio tem sua origem no termo inglês heritage e nos remete a ideia de
“herança”, a alguma coisa que foi herdada e que deve ser protegida. Todo patrimônio tem
dimensões conceitualmente materiais e imateriais complementares do que vem a ser considerado
patrimônio cultural. “Para preservar, precisamos, antes, classificar e colecionar. Por isso, temos
agentes que detêm o poder legítimo de definir o que faz parte do patrimônio. Esses 'guardiães do
patrimônio' definem o que é digno de ser preservado.” (OLIVEN, 2009, p. 80) A Constituição
Federal de 1988 destaca legalmente tanto os elementos de ordem material quanto imaterial como
dois lados complementares de uma mesma moeda chamada Patrimônio Cultural Brasileiro.
Nossos estudos atuam sobre as formas de patrimônio como experiência social que
pretende catalogar e traduzir certos rastros de nossa memória social. Procuramos pensar a questão
dos cinemas de rua numa configuração patrimonial em suas extensões e integrações ao nível do
tangível – tombamentos, arquiteturas, escombros – e do intangível – cartografias, vestígios,
memórias. Uma busca investigativa em torno da concepção de novas instâncias de
patrimonialização. Mesmo que não integre a ordem do visível ou do instituído. Os cinemas de
rua emoldurados pelos quadros sociais da memória ressaltam as evidências de uma
correspondência entre a nossa memória individual e a memória social nesse campo. Esse vínculo
pode ser considerado a partir das lembranças (e esquecimentos), repletas de significados, que
5

erigimos das narrativas que elas exprimem e das estruturas que as colocam em ordem, as
motivam ou podem até modificá-las.
Uma série de fatores contribuiu para a precipitação e desenrolar do processo de extinção
dos cinemas de rua. A pressão da indústria cinematográfica dominante; a força do capital
estrangeiro; a estrutura sustentada pelos grandes exibidores; a resistência da cinematografia local,
o diálogo estabelecido entre o filme brasileiro e seu público e o poder aquisitivo do público
nacional; a violência urbana; o comércio de rua perdendo a força, a migração para os shoppings
centers e a mudança de hábitos de consumo da população; a entrada em cena da televisão, do
videocassete, da TV por assinatura; as novas tecnologias digitais e a implantação do conceito
multiplex nos grandes centros urbanos brasileiros.
Cada vez mais intenso, o fenômeno do desaparecimento das salas de exibição
cinematográfica das calçadas do Rio não é uma singularidade de nossa região. O Brasil todo, o
mundo inteiro – salvo raríssimas exceções, como a Índia, que só servem para vir confirmar a
regra – experimenta o esvaziamento dos cinemas de rua do espaço urbano.
Parece que os cinemas de rua carregam consigo várias das características necessárias para
que possam ser incluídos dentre os bens que reivindicam um estatuto de reconhecimento como
patrimônio cultural. Os cinemas de rua podem ser compreendidos como forma de expressão; são
passíveis de reconhecimento também como modos de criar, fazer e viver; figuram,
indubitavelmente, entre as mais significativas criações científicas, artísticas e tecnológicas de
nosso tempo; podem ainda ser incluídos dentre as edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais e conjuntos urbanos de valor histórico, paisagístico, artístico e
científico.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e


imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e
viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos,
documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístco-
culturais; V – conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Parágrafo 1. O poder público, com
a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro
por meio de registros, vigilâncias, tombamento e desapropriação e de outras formas de
6

acautelamento e preservação. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA, 1988


http://www.culturabrasil.pro.br/constituicao.htm)

Os cinemas de rua contém atributos que contemplam tanto as noções patrimoniais


materiais quanto imateriais. Patrimônio imaterial sim, pois não podemos pensar o tombamento –
como o do Cine Palácio Campo Grande3, por exemplo – da construção física do prédio sem
atentar para o uso que lhe será dado. No caso do cinema de Campo Grande, que era o único
remanescente dentre os cinemas de rua existentes naquele bairro, o tombamento não salvou a
edificação de transformar-se numa igreja evangélica4. É necessário pensar a preservação para
além da estrutura de pedra e cal; atentando para o uso conferido ao imóvel. O valor desses bens
está intimamente ligado à sua utilização e exposição. Para que a patrimonialização de um cinema
de rua seja realmente produtiva deve-se pensar que aquela edificação não é apenas um imóvel,
mas sim um espaço cultural, o que lhe atribui um valor outro completamente diverso do atribuído
somente à sua estrutura de pedra e cal. Um valor associado muito mais às características da mais
nova categoria de patrimônio contemporânea: o patrimônio imaterial ou intangível.
Ainda que possamos usar a categoria patrimônio em contextos muito diversos, é
necessário adotar certas precauções. É preciso contrastar cuidadosamente as
concepções do observador e as concepções nativas. Recentemente, construiu-se uma
nova qualificação: o “patrimônio imaterial” ou “intangível”. Opondo-se ao chamado
“patrimônio de pedra e cal”, aquela concepção visa a aspectos da vida social e cultural
dificilmente abrangidos pelas concepções mais tradicionais. Nessa categoria estão
lugares, festas, religiões, formas de medicina popular, música, dança, culinária,
técnicas etc. Como sugere o próprio termo, a ênfase recai menos nos aspectos materiais
e mais nos aspectos ideais e valorativos dessas formas de vida. Diferentemente das
concepções tradicionais, não se propõe o tombamento dos bens listados nesse
patrimônio. A proposta é no sentido de “registrar” essas práticas e representações e de
fazer um acompanhamento para verificar sua permanência e suas transformações.
(GONÇALVES, 2009, p. 28)

Temos poucas notícias da patrimonialização a partir do tombamento de cinemas de rua


em nosso município. Não há registros de tombamento federal de cinemas por parte do Instituto

3
Ver mais detalhes em SOUZA, William V. De cinema a igreja: a memória do Cine Palácio Campo Grande. Rio de
Janeiro: dissertação de mestrado, PPGMS/UNIRIO, 2009.
4
A maior parte dos antigos cinemas de rua brasileiros tornou-se igreja.
7

do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no Rio de Janeiro5. Mas como há também
possibilidades de tombamentos por parte de instituições patrimoniais estaduais e municipais
deparamo-nos com a informação de que o Cine Íris – que possui uma clarabóia projetada por
Eiffel, o mesmo da torre francesa – está tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
(INEPAC).6 Encontramos ainda, via Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do
Rio de Janeiro (CMPC) – subordinado à Secretaria Extraordinária de Promoção, Defesa,
Desenvolvimento e Revitalização do Patrimônio e da Memória Histórico-Cultural da Cidade do
Rio de Janeiro (SEDREPAHC) –, um Decreto de Lei Municipal (Decreto 20.048/2001) que prevê
a proteção dos imóveis construídos até o ano de 1937.7 Nesse caso, a demolição ou alteração
destes imóveis ficariam subordinadas a um pronunciamento favorável do CMPC. Em
contrapartida, o Projeto de Lei nº 558/25/03/1984 já dispunha “sobre a demolição de imóveis que
contenham instalações para projeções cinematográficas, de cunho comercial ou não.” (FERRAZ,
2009, p. 317) No início do mês de setembro de 2008, a prefeitura publicou em Diário Oficial um
decreto que tombava temporariamente o cinema Palácio (salas 1 e 2)8 para que ele pudesse
abrigar as sessões de gala da edição do Festival do Rio daquele ano. O prédio foi comprado pelo
Hotel Ambassador, que pretende expandir o seu espaço e transformar o cinema num centro de
convenções.9 Com uma arquitetura Art Déco, o cinema Carioca – “palácio cinematográfico da
Praça Saenz Peña” (GONZAGA, 1996, p. 306), na Tijuca – teve seu prédio tombado na primeira
metade da década de 1990, mas funciona como igreja evangélica desde 1999. Para o cinema
Leblon o tombamento decretado não foi empecilho para que a sala fosse dividida em duas e
várias reformas fossem feitas em seu interior – sem caráter de restauração. O Grupo Severiano

5
http://www.iphan.gov.br (faleconosco@iphan.gov.br). Acesso em 29/09/2008.
6
http://www.inepac.rj.gov.br/modules.php?name=Guia&file=guia. Acesso em 29/09/2008.
7
http://www.rio.rj.gov.br/sedrepahc/. Acesso em 29/09/2008.
8
Art. 1o – Fica tombado provisoriamente, nos termos do Art. 5o da Lei 166, de 27 de maio de 1980, o imóvel onde
funcionam os Cinemas Palácio 1 e 2, situado na Rua do Passeio nº 38 e 40, no Centro do Rio de Janeiro.
http://oglobo.globo.com/blogs/cinema/post.asp?cod_post=124211. Acesso em 03/10/2008.
9
Como o prédio - cuja fachada de arquitetura mourisca foi feita pelo espanhol Adolfo Morales, nos anos 20 - não era
tombado, tudo podia acontecer com o imóvel. Agora, resta aos cariocas esperarem pelo tombamento definitivo e para
que o Ambassador não destrua mais uma das poucas salas de cinema de rua que ainda restam na cidade.
http://oglobo.globo.com/blogs/cinema/post.asp?cod_post=124211. Acesso em 03/10/2008.
8

Ribeiro, responsável pelo cinema, explica que, o formato das salas em slope (parábola) é
diferente do stadium – formato característico do Multiplex. “Isso não pode ser alterado por conta
do tombamento do cinema. Há quatro anos, a sala 1 passou por uma grande reforma. Foram
alteradas a curvatura e a distância entre as poltronas, que foram trocadas e seguem o mesmo
padrão das salas Kinoplex.'” (Rio Show, 2010, p. 25) O “cinema de rua” Leblon ainda está em
funcionamento.
É na relação instituída entre memória e patrimônio que se ostentam exuberantemente as
coleções e as narrativas patrimoniais nacionais, regionais e locais. Notamos que gradativamente
as narrativas nacionais concebidas de forma mais geral e dignas de epopéias tem cedido lugar
para novos portadores. Indícios de uma sociedade cada vez menos uníssona. Uma identificação
exclusiva está completamente envolvida nas combinações das narrativas urbanas, regionais e
locais, com possibilidades de estabelecer conexões com muitas outras, no que diz respeito a
práticas comuns delimitadas por um modelo despoticamente instituído. Esse modelo regulador
deseja ainda fazer preponderar uma função mediadora em relação ao que é local, nacional e
global. Quando escolhemos enquadrar as conhecidas narrativas locais e urbanas, acabamos por
direcionar as pesquisas que privilegiam as práticas colecionistas do Rio de Janeiro dando espaço
merecido à memória e a constituição de um patrimônio cultural específico de nossa cidade –
concedemos direito de expressão aos falares, saberes e bens culturais locais.

REFERÊNCIAS

ABREU, Regina; CHAGAS, Mário. Introdução. In ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (orgs.).
Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009. p. 13-16.

ALMEIDA, Paulo S.; BUTCHER, Pedro. Cinema, desenvolvimento e mercado. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2003.
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e cultura. São Paulo:
Brasilense (Obras escolhidas; v. 1), 1994.

BENS TOMBADOS no Estado do Rio de Janeiro. Disponível em : < http://www.inepac.rj.gov.br/


modules.php?name=Guia&file=guia >. Acesso em: 29 ago. 2008.
9

BENS TOMBADOS no Município do Rio de Janeiro. Disponível em: < http://www.rio.rj.gov.br/


sedrepahc/ . > Acesso em 29 ago. 2008.

CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA. Disponível em: < http://www.culturabrasil.pro.br/constituicao.htm >.


Acesso em 31 mai. 2010.

FALE CONOSCO. Disponível em: < http://www.iphan.gov.br >. Acesso em 29 ago. 2008.

FERRAZ, Talitha. A segunda Cinelândia carioca: cinemas, sociabilidade e memória na Tijuca.


Rio de janeiro: Multifoco, 2009.

GONÇALVES, José Reginaldo S. O patrimônio como categoria de pensamento. In ABREU,


Regina; CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de
Janeiro: Lamparina, 2009. p. 25-33.

GONZAGA, Alice. Palácios e poeiras: 100 anos de cinemas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Record/ FUNARTE, 1996.

OLIVEN, Ruben George. Patrimônio intangível: considerações iniciais. In ABREU, Regina;


CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro:
Lamparina, 2009. p. 80-82.

SOUZA, William V. De cinema a igreja: a memória do Cine Palácio Campo Grande. 2009.
Dissertação (Mestrado e Memória Social) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2009.

TOMAMENTO do Cine Palácio. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/blogs/cinema/post.


asp?cod_post=124211. > Acesso em 03 out. 2008.

VIEIRA, João. L.; PEREIRA, Margareth C. S. Cinemas da Metro e a dominação ideológica. In:
CALIL, Carlos Augusto M.; AVELLAR, José Carlos; ESCOREL, Eduardo (Diretores
responsáveis). Cinemas. Filme Cultura, N° 47 (agosto). Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986.
_______________________. Cinemas cariocas: da Ouvidor à Cinelândia. In: CALIL, Carlos
Augusto M.; AVELLAR, José Carlos; ESCOREL, Eduardo (Diretores responsáveis). Cinemas.
Filme Cultura, N° 47 (agosto). Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986.

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