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OS TRÊS DESERTORES

Autor
KURT MAHR

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Um oficial da Força Espacial
Terrana é seqüestrado...

Oito mil terranos vivem em Fera Cinzenta, planeta do


sistema Mirta. São degredados políticos que, sob a direção de
Horace O. Mullon, conseguiram provar, após uma série de
dificuldades, que, mesmo em condições adversas, estão aptos a
sobreviver como colonos livres.
Acontece, porém, que os cálculos matemáticos revelam
que, dentro de dez meses, o sistema Mirta sofrerá a
superposição do outro plano temporal. Parte dos colonos é
evacuada para Vênus, enquanto a outra passa a trabalhar na
nova base espacial de Fera Cinzenta.
Entretanto, quando da seleção, os recrutadores falham...
E Os Três Desertores iniciam uma empresa sinistra...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — Que mantém de prontidão 3.000 naves
de sua frota solar.
Primeiro-Tenente Chellich — Que merece ganhar o
cometa azul.
Horace O. Mullon — Que só acorda quando a crise já
passou.
Walter Suttney, Ronson Lauer e Oliver Roane — Cuja
deserção leva a Galáxia à beira da guerra total.
1

Terrânia Daily News, um jornal publicado pelo Ministério das Informações e


Opinião Pública, publicou em sua edição de 3 de outubro de 2.042 a seguinte notícia:

Em Mirta VII, a mais nova das bases espaciais da frota espacial


terrana, três desertores conseguiram fugir a bordo de uma nave de
reconhecimento de longo alcance do tipo gazela. Os desertores saíram
do sistema de Mirta, com destino ignorado. Extensas operações de
busca estão em andamento.
É provável que a bordo da nave de reconhecimento se encontre,
além dos desertores, o Primeiro-Tenente Chellich, cujo nome apareceu,
recentemente, no noticiário relativo às ações de defesa levadas a efeito
contra as agressões de uma raça humanóide que vive em Mirta XII.
Supõe-se que o Primeiro-Tenente Chellich tenha sido obrigado a pilotar
a nave.
Segundo informa o comando da frota, o incidente não assume
maior importância. Nem o banco de dados da gazela, nem o Primeiro-
Tenente Chellich ou qualquer dos desertores possuem informações que
possam tornar-se importantes para nosso sistema de defesa.

***

Gunter Chellich teve um pesadelo. Virou-se de um lado para outro, começou a


transpirar e, finalmente, ergueu o corpo e arregalou os olhos. Deparou-se com um cano de
pistola.
De início acreditou que o quadro pertencesse ao sonho. Mas os olhos logo se
adaptaram e penetraram na penumbra, enxergando o que havia no camarote, atrás da
pistola.
Havia uma mão peluda, que segurava firmemente a arma, a mão pertencia a um
braço e este, na perspectiva de Chellich, atingia uma altura espantosa e terminava num
ombro que parecia pertencer ao corpo de um campeão de luta livre. O rosto do homem
estava praticamente invisível sob a luz difusa da lâmpada negra. Mas pela largura dos
ombros, Chellich concluiu que aquele homem não poderia ser outro senão Roane.
Oliver Roane era um dos colonos recentemente admitidos nos quadros da frota.
Chellich perguntou a si mesmo quais seriam as intenções de Roane.
Penetrar numa gazela no meio da noite e despertar seu único ocupante com uma
pistola de radiações não poderia ser uma simples brincadeira. Mas antes que Gunter
Chellich pudesse concluir suas reflexões, Roane gritou:
— Levante! Vamos logo! Não temos tempo a perder. E não faça tolices. Acho que o
senhor não tem dúvidas de que sei lidar com a pistola.
Sim, Chellich tinha plena certeza de que Roane sabia. Gemeu e sentou-se na beirada
do leito. Espiou para cima pelo canto dos olhos.
Ainda sonolento, colocou os pés no chão e fez menção de levantar-se. Seus
movimentos eram lentos e desajeitados, como os de um homem que ainda não conseguira
adaptar-se a uma nova realidade. Por isso o robusto Roane experimentou uma surpresa
total quando Chellich saltou que nem uma flecha. Seu ombro esquerdo atingiu a mão
direita de Roane. Este soltou um grito de raiva e surpresa, e largou a pistola.
Chellich ouviu-a cair ruidosamente ao chão e sentiu que poderia vencê-lo.
Roane era muito mais forte que ele. Mas foi pego de surpresa e, além disso, Chellich
havia recebido o treinamento duro da frota. Golpeou com o punho e atingiu o pescoço de
Roane. Este cambaleou para trás e emitiu um gemido. Chellich seguiu-o imediatamente.
Ouviu Roane bater com as costas contra a parede. Saltou com as duas pernas ao mesmo
tempo, estendeu ambos os punhos e bateu violentamente no estômago de Roane.
Chellich ouviu-o “grasnar” e viu seu corpo tombar para a esquerda. Esbaforido,
parou para verificar se Roane realmente estava liquidado, ou se apenas estava usando um
truque. Mas antes que tivesse tempo de fazer a verificação, alguma coisa explodiu com
uma forte luminosidade e de forma totalmente imprevista bem no seu cérebro.
Nem sentiu seu corpo bater com violência no chão.

***

— Que idiota! — ouviu alguém dizer quando recuperava os sentidos.


Embora a dor de cabeça martirizante tivesse afetado sua capacidade de raciocinar,
compreendeu que se referiam a ele.
A voz que acabara de ouvir era de Roane. Uma segunda voz respondeu:
— A coisa poderia ter acabado mal se eu não tivesse aparecido tão depressa. Tomara
que logo volte a si. Não podemos ficar aqui até que o dia amanheça. O sol deverá nascer
daqui a uma hora e meia, o mais tardar.
“Então foi isso! Enquanto liquidava Roane, o outro se aproximou de trás e me deu o
golpe. Quem será?”, pensou.
Chellich teve a impressão de já ter ouvido aquela voz. Mas não soube associá-la ao
rosto. Abriu os olhos e a primeira coisa que viu foi Oliver Roane, que estava de costas
para ele. Chellich achava-se deitado novamente na cama em que dormia quando Roane o
atacou.
Não conseguiu ver o outro homem. Estava encoberto pela figura de Roane. Alguém
acendera a luz. Chellich arriscou um ligeiro olhar para o lado e viu que no camarote tudo
estava em ordem. Concluiu que Roane e seu cúmplice não haviam vindo para roubar
alguma coisa.
“Por que vieram então?”, indagou-se.
Gunter Chellich rememorou os fatos.
Há algumas semanas, uma vez superada a ventura dos peepsies, o Tenente
Sikermann pousara com três cruzadores da frota espacial em Fera Cinzenta, ou melhor,
Mirta VII. Explicou aos oito mil colonos que, por motivos de suma gravidade, Mirta VII
passava a ser uma base da frota espacial terrana.
Aos colonos, condenados em processo regular à pena de degredo, em virtude de
suas atividades revolucionárias, foi facultada a residência em Vênus, ou seja, nas
imediações da Terra. A maioria aceitou e foi levada a Vênus, para o que teve de percorrer
distância superior a seis mil anos-luz. Menos de mil continuaram em Fera Cinzenta.
Tratava-se de técnicos e pessoas selecionadas, das quais se poderia supor que há muito
deixaram de sentir a antiga insatisfação com o regime do administrador.
Essas pessoas foram incluídas nos quadros da Frota Espacial. O juramento fora
prestado há poucos dias.
O próprio Chellich assumira o comando da gazela na qual viera meses depois, sob o
comando do Capitão Blailey, a fim de controlar o desenvolvimento da colônia.
Atualmente Blailey comandava uma esquadrilha de naves de reconhecimento
estacionadas em Fera Cinzenta.
Os tripulantes costumavam passar as noites nos alojamentos recém-construídos. A
bordo de todo veículo espacial que não fosse maior que uma gazela permanecia sempre
um único homem.
Chellich lembrou-se disso com certa amargura, enquanto refletia para descobrir
quem poderia trazer-lhe auxílio. Naturalmente os alojamentos não ficavam longe; os
tripulantes poderiam chegar às suas unidades numa questão de segundos. Se conseguisse
dar o alarma, estaria salvo. Acontecia, porém, que Roane e seu companheiro, fosse ele
quem fosse, não lhe dariam oportunidade para isso.
Virou para o lado. Pelo ruído Roane percebeu que sua vítima acabara de recuperar
os sentidos. Olhou para trás; com isso Chellich pôde ver seu companheiro. Era Suttney.
Chellich sabia que Suttney era um dos homens que, há alguns meses, sob a direção de
Hollander, procuraram semear a discórdia entre os colonos. Hollander fora condenado à
morte. Os membros do bando, privados de seu líder, voltaram a integrar-se na
comunidade colonial.
A presença de Suttney dava outro aspecto à coisa. Chellich sabia que não poderia
esperar nada de bom de um ex-adepto de Hollander, pois ele mesmo tivera participação
destacada na caçada que Hollander e seu bando fizeram para aniquilar Mullon.
Roane voltou a apontar a pistola. Assim que viu Chellich com os olhos abertos,
recuou dois passos e apontou a arma para o peito do tenente.
— O senhor ainda pagará por isso! — gritou para o prisioneiro. — Mas não será
agora. Temos muito tempo.
Chellich ergueu-se sobre os cotovelos.
— Há poucos dias o senhor não prestou um juramento? — perguntou, e ficou
admirado ao notar que seu crânio dolorido quase não suportava o trovejar causado pela
voz. — Isso quer dizer que o senhor está submetido às leis de guerra. Se o pegarem,
Roane, será fuzilado.
Oliver Roane não era um homem que soubesse pensar depressa e por isso não pôde
responder logo. Era apenas força física. Ao reconhecer Suttney, Chellich já se admirara
por que Roane fora encarregado de lidar com ele. Suttney afastou-se para o lado, a fim de
que Chellich pudesse vê-lo melhor, e disse:
— Não pretendemos deixar que nos peguem. E o senhor nos ajudará para que isso
não aconteça.
— O que pretendem fazer? — perguntou Chellich em tom de espanto.
— Não acho que lhe devemos contar isso — respondeu Suttney em tom frio. — O
que lhe interessa é fazer o que lhe é mandado. Caso não obedeça será incomodado.
Fitou Chellich por algum tempo, como se quisesse observar o efeito de suas
palavras. Depois fez um gesto enérgico.
— Levante e venha comigo!
Chellich não viu nenhum motivo para não acatar a ordem. Levantou-se e praguejou
contra a dor de cabeça. Suttney abriu a escotilha e saiu para o corredor. Chellich seguiu-o,
e, por sua vez, foi seguido por Roane, que mantinha a pistola apontada para suas costas.
Suttney dirigiu-se à sala de comando. Ao primeiro relance de olhos, Chellich notou
que os conjuntos principais da gazela estavam todos ligados. Aos poucos começou a
desconfiar daquilo que Roane e Suttney queriam dele, mas ainda não saberia dizer com
certeza o que tinham em vista.
Suttney parou ao lado da poltrona do piloto.
— Acho que não preciso dizer o que esperamos do senhor — disse. — Quando
estivermos no espaço, continuaremos a conversar.
Chellich gritou em tom furioso:
— Nem penso nisso...
No mesmo instante levou uma pancada. Foi atingido na metade traseira do crânio,
que já zumbia de dor. Por alguns segundos tudo ficou escuro à sua frente. Quando
recuperou os sentidos, estava deitado perto da poltrona do piloto.
Roane fitava-o com uma expressão de escárnio.
— Se quiser outra dose, fique à vontade — disse.
Chellich reprimiu a vontade de levantar-se e saltar sobre Roane. Seria uma
insensatez avançar contra uma pistola destravada.
— Então? — perguntou Suttney.
— O senhor está louco! — gritou Chellich. — Sabe lá o que acontecerá, se eu
decolar agora? Dentro de dois ou três minutos, toda a frota estacionada em Fera Cinzenta
estará no nosso encalço. Ou será que os senhores pretendem solicitar permissão de
decolar segundo todas as regras?
Levantou-se e viu que o rosto de Suttney endurecera.
— Com isso não se deve brincar — disse baixinho e em tom de ameaça. — O
senhor sabe perfeitamente quais são as potencialidades desta nave. Poderá perfeitamente
realizar uma decolagem-relâmpago e passar à transição dentro de um minuto no máximo.
Não procure contar lorotas. Sei o que uma gazela pode fazer.
“Está bem”, pensou Chellich furioso. “Você sabe o que a gazela pode fazer... Sei
perfeitamente que nunca fui um soldado-modelo, pois do contrário já seria capitão ou
algo mais. Mas você não poderá fazer isso comigo, Suttney.”
Dirigiu-se à poltrona do piloto e sentou-se. Sentia-se mal, mas não tão mal que não
pudesse rebelar-se contra a insolência de Suttney.
— Para onde vamos? — perguntou em tom contrariado. — Se quiser que eu faça
uma transição, preciso saber para onde.
— Isso não é necessário — respondeu Suttney prontamente. — Poderemos levar
avante nossos planos em qualquer ponto da Galáxia. Saia voando e tome cuidado para
que o vôo não o leve até Andrômeda. É só!
Chellich refletiu. Fez um gesto afirmativo.
— Seja o que o senhor quiser. A responsabilidade será exclusivamente sua.
— Deixe isso por minha conta — respondeu Suttney numa ironia mordaz.
Chellich passou a mexer-se devagar. Estendeu a mão para comprimir um botão, mas
parou a meio caminho, recuou com a mão, colocou-a na cabeça e soltou um gemido.
Ficou engolindo em seco, como se sentisse náuseas e, com isso, foi ganhando tempo.
Levou noventa segundos para realizar as verificações de rotina. Nesses noventa
segundos concebeu mil idéias, abandonou-as, concebeu mais quinhentas. Logo percebeu
que nenhuma delas prestava. Não lhe ocorreu qualquer truque a que pudesse recorrer.
Qualquer coisa que fizesse envolvia um risco mortal para ele. Assim que se deu conta
disso, não teve mais a menor dúvida em assumir esse risco.
Restava saber se Suttney conhecia a finalidade de determinado botão, que se
encontrava no grande painel. Esse botão não trazia qualquer indicação. Em compensação
era grande e vermelho. Qualquer pessoa que estivesse sentada, uma única vez que fosse,
diante do painel de uma gazela, não poderia deixar de conhecer as funções que
desempenhava. Esse botão desencadeava o alarma na nave.
Enquanto o veículo estivesse estacionado no campo de pouso, esse alarma estava
acoplado às instalações de superfície. Quando muito, vinte segundos se passariam desde
o momento em que Chellich comprimisse esse botão até o momento em que o campo de
pouso enxameasse de tropas. Depois já não haveria a menor possibilidade de decolar;
Suttney e Roane acabariam presos.
Gunter Chellich tinha suas dúvidas. Talvez num caso desses preferissem matar seu
prisioneiro e se suicidarem. Era um risco que teria de assumir.
O botão ficava na parte superior do quadro de comando. Fora instalado nessa
posição para que ninguém pudesse tocá-lo por engano. Chellich teria de inclinar-se bem
para a frente se quisesse atingi-lo. Preferiu não fazer isso de repente. Não precisava olhar
para trás para saber que Roane continuava vigiando-o, ameaçando-o com a pistola.
Moveu uma série de chaves que ficavam pouco abaixo do botão de alarma. Por
enquanto essas chaves não desempenhavam nenhuma função, porque os respectivos
conjuntos ainda não haviam sido colocados em movimento. Sua mão foi subindo, e teve
de inclinar o corpo cada vez mais para a frente.
Não se atreveu a olhar para trás. Se o fizesse, poderiam notar sua insegurança.
Fez uma pausa, fingindo que a dor de cabeça voltara a aumentar, e aguçou o ouvido.
Nada se movia atrás dele. A única coisa que ouviu foi a respiração forte de Roane.
Recostou-se na poltrona, a fim de ganhar mais algum tempo. Pela última vez
trabalhara na parte superior do painel. Por isso ninguém desconfiaria se voltasse a
inclinar-se para a frente. Inclinou o corpo depois de ter respirado profundamente, moveu
mais algumas chaves e, de súbito, fez a mão avançar.
O que se seguiu foi tão rápido que mais tarde não saberia distinguir a seqüência dos
fatos. Uma dor cruciante atingiu sua mão antes que esta tocasse o botão de alarma.
Depois ouviu um chiado na parte da parede mais próxima ao painel. Viu que da mesma
saíam bolhas. Alguns pingos de metal plastificado caíram e endureceram antes que
chegassem ao painel.
Chellich notou tudo isso com uma nitidez de sonâmbulo, pois a tremenda dor que
sentia na mão começava a obscurecer-lhe a consciência. Compreendeu que Suttney
percebera sua intenção e atirara contra seus dedos no momento em que pretendera
comprimir o botão de alarma. A depressão e a raiva causadas pelo fracasso do plano não
foram menos insuportáveis que a dor. Por alguns instantes, Chellich mergulhou numa
espécie de penumbra, mas logo foi arrancado do torpor pela voz penetrante de Suttney.
— Chellich, o senhor vê que não estamos brincando! Comece a trabalhar e faça o
que mandarmos.
Chellich desistiu em definitivo de qualquer resistência.
Já realizara tantas vezes os preparativos para a decolagem da gazela que até seria
capaz de executá-los dormindo. Não teve necessidade de refletir sobre o que quer que
fosse, e isso o deixou satisfeito. Seu cérebro estava repleto de vergonha pela derrota que
acabara de sofrer e de raiva contra Suttney e Roane.
Colocou os mecanismos no desempenho máximo e reclinou-se com um gemido.
Reconheceu que realmente perdera o jogo. Não havia dúvida de que a gazela estaria em
condições de decolar sem que ninguém pudesse segui-la ou derrubá-la.
Suttney tinha razão: depois de acelerar ao máximo durante quarenta segundos,
poderiam arriscar o hipersalto. E o veículo espacial estava equipado não apenas com os
compensadores estruturais, mas também com os novos neutralizadores de vibrações,
motivo por que nem mesmo durante a transição sua posição poderia ser determinada.
Quer dizer que o jogo estava perdido. Estaria mesmo?
Subitamente Gunter Chellich teve outra idéia. Era possível que Suttney e Roane
entendessem alguma coisa das instalações técnicas de uma gazela, mas tinha certeza de
que não entendiam nada de Galatonáutica. Não saberiam distinguir em que direção a
gazela se deslocava. Talvez conseguisse levar o veículo espacial para uma rota de tráfego
denso. E, quando as naves da Frota Espacial enchessem o espaço, restaria saber se
Suttney e Roane não prefeririam ser presos a verem sua nave derrubada por um disparo
de desintegrador pesado.
Não havia dúvida. As coisas poderiam ser arranjadas dessa maneira. Entre os
homens incorporados à Frota Espacial havia um único que entendia de Galatonáutica. Era
Ronson Lauer. Não se encontrava a bordo, embora, numa visão retrospectiva, Chellich o
julgasse perfeitamente capaz de se associar a Suttney e Roane, se conhecesse os planos
dos mesmos.
Mas o que importava era que Lauer não se encontrava a bordo. Chellich saberia
enganar Suttney e Roane a qualquer hora do dia, em relação ao que dissesse respeito à
rota da gazela.
A idéia deu-lhe novo ânimo.
Virou a cabeça.
— Podem sentar — disse, dirigindo-se a Suttney e Roane. — Vou decolar.
— Por quê? — perguntou Suttney em tom de espanto. — Esta nave dispõe de
neutralizadores de pressão. Quer dizer que não precisamos, não é mesmo?
Chellich ficou devendo a resposta. Seria inútil tentar convencê-los a fazerem
qualquer coisa que os obrigasse a tirarem os olhos de cima dele.
Baixou a alavanca do acelerador. Levou-a cautelosamente à primeira posição e, na
tela escura, viu que a gazela reagia prontamente. Depois abriu a mão e levou a alavanca
até o fim.
No interior da nave não se sentia nada. Mas as telas iluminaram-se subitamente.
Desenvolvendo uma aceleração que bastou para, com o impacto da nave, ionizar as
moléculas de ar, a gazela disparou pelas camadas densas da atmosfera do planeta,
deixando atrás de si uma cauda de fogo.
Chellich observou cuidadosamente os instrumentos. Viu que fora da nave a pressão
do ar diminuía rapidamente; o indicador luminoso do velocímetro subia pela escala.
Assim que chegou ao fim, a escala foi trocada. A velocidade foi indicada em outros
termos, e o indicador luminoso voltou a deslocar-se para a direita, desta vez mais
devagar.
À direita do velocímetro, um pequeno cronômetro tiquetaqueava, indicando o tempo
decorrido desde o momento da decolagem. Em outro lugar havia um aparelho que,
combinando com o velocímetro, com o indicador de aceleração e com o cronômetro,
realizava a integração dos dados por via positrônica e, dessa forma, apurava o caminho
percorrido desde a decolagem.
Depois de quarenta segundos de viagem, o trecho percorrido era pouco inferior a
quatrocentos mil quilômetros. Acelerando ao máximo, a gazela percorrera em quarenta
segundos uma distância superior à que separa a Terra da Lua.
Estava na hora da transição. Chellich não teve tempo para calcular os dados precisos
para o salto. Programou o mecanismo propulsor para um salto de duzentos anos-luz. Por
enquanto não fazia a menor idéia quanto ao lugar em que terminaria a transição. Mas não
teria nenhuma dificuldade em orientar-se assim que a nave retornasse ao espaço normal.
Dirigindo-se a Suttney, disse:
— Vou saltar.
Num movimento rápido comprimiu um botão e realizou o hipersalto. Sentiu a dor
breve e lancinante provocada pela desmaterialização. Por uma fração de segundo teve a
impressão de que alguém lhe cobria os olhos com a mão.
Quando voltou a enxergar, o quadro na tela estava completamente mudado. A névoa
luminosa formada por bilhões de estrelas distantes não sofrerá maiores alterações, mas a
constelação dos sóis mais próximos, que se destacavam como pérolas contra o fundo
escuro, estava modificada. O salto fora bem sucedido, e, desse momento em diante, tanto
em Fera Cinzenta como em qualquer outro lugar ninguém sabia onde fora parar a gazela
roubada.
A tensão reinante nas últimas horas diminuiu. Chellich conseguiu responder com a
maior tranqüilidade à pergunta de Suttney, que desejava saber onde estavam.
— Estamos a duzentos anos-luz de Fera Cinzenta; é a única coisa que sei.
“Não custarei a descobrir o resto”, pensou. “Você deve achar que duzentos anos-luz
é muito pouco, não é, Suttney? Por aqui ainda não se sente seguro. Faremos outro salto,
mais um. Um salto que nos transporte por uma distância de seis mil anos-luz, por
exemplo. E quero ver se você saberá interpretar meus cálculos para descobrir onde
terminará esse salto. A matemática galáctica é muito complicada, Suttney. Você não
entende nada de cálculo, não é? Eu lhe direi que o salto nos levará para o centro da
Galáxia. E você vai acreditar! Mas, ao descobrir que o sol, que surgirá à nossa frente, é
o nosso sol, o sol que ilumina o planeta Terra, você ficará boquiaberto...”
De uma hora para outra, as dores causadas pelos golpes de Roane passaram. Sentiu-
se forte e disposto. Queria levar Suttney ao lugar em que devia estar: nas celas do Serviço
de Segurança. E isso, o quanto antes.
Ouviu Suttney dizer:
— Acho que duzentos anos-luz são pouco. Vamos fazer mais um salto, pois não
quero correr nenhum risco. Mas antes disso, quero mostrar-lhe alguma coisa, pois não
desejo que você se entregue a ilusões.
Chellich ficou surpreso. Levantou os olhos para Suttney, e este apontou para a
escotilha de entrada. Chellich acompanhou o movimento da mão e viu a escotilha abrir-
se. Ao ver o homem que entrava na sala de comando, arregalou os olhos.
A mente deixou de funcionar por alguns segundos. Quando voltou a ter consciência
de si, sua boca estava seca como se tivesse feito uma caminhada de alguns dias pelo
deserto.
O homem que apareceu na escotilha era Ronson Lauer, o elemento que tinha
conhecimentos de Galatonáutica.

***

A história do planeta Fera Cinzenta era curta, mas movimentada.


Aquele mundo surgiu pela primeira vez nos anais da Astronáutica há dois anos,
quando a nave, que deveria levar oito mil revolucionários condenados ao degredo para
Rigel III, teve de realizar um pouso de emergência, em virtude de um motim promovido
pelos colonos, do qual resultaram avarias graves nos mecanismos propulsores. Depois do
pouso de emergência, a nave, denominada Adventurous, estava destroçada. A tripulação
teve de ficar em Fera Cinzenta juntamente com os colonos.
De início estes tiveram problemas criados por eles mesmos. Eram divididos em dois
grupos rivais. Um, o dos democratas autênticos, era comandado por Horace O. Mullon; o
outro, o dos filósofos da natureza, obedecia ao comando de Walter S. Hollander. Logo se
tornou evidente que este último aspirava ao poder pessoal e absoluto. Numa primeira
arremetida conseguiu sobrepujar o grupo de Mullon. Mas este revidou o golpe,
reconquistou a cidade de Greenwich, a única que haviam construído até então, e prendeu
Hollander juntamente com seus adeptos.
Hollander foi condenado à morte, em obediência ao direito promulgado pela
Assembléia Popular de Greenwich. Seus parceiros tiveram de cumprir penas de trabalhos
forçados. Mas logo aconteceram certas coisas que fizeram com que a execução da pena
se interrompesse e até mesmo se tornasse impossível.
Nesse meio tempo, Mullon e algumas pessoas dotadas de interesses científicos
tinham descoberto que Fera Cinzenta era habitado por duas espécies orgânicas notáveis:
os mungos, uma raça de macacos semi-inteligentes que viviam nas montanhas, e os anões
azuis, que eram figuras completamente não-humanóides com o aspecto de “panos azuis”.
Quando reunidos em grandes massas, possuíam extraordinárias faculdades
parapsicológicas e paramecânicas. Graças à sua habilidade política, Mullon conseguiu
transformar ambas as raças nativas em amigos dos colonos.
Depois de algum tempo, a desgraça veio de fora. No sistema de Mirta, que possuía
um total de quarenta e nove planetas de todos os tipos e tamanhos, existia mais um
mundo habitado por seres inteligentes. Era Mirta XII.
Tratava-se de um pequeno planeta semelhante a Marte, habitado por criaturas
humanóides de configuração bastante estranha. O tamanho dos peepsies, nome que os
colonos deram a esses seres, era de cerca de dois metros. Usavam uma língua composta
de assobios, chilreios e chiados. Foi dali que proveio o nome de peepsie.
Uns três bilhões de seres dessa raça habitavam o respectivo mundo. Este tornou-se
muito apertado para eles e, como dispusessem de uma tecnologia adequada, examinaram
“os arredores” e foram parar em Fera Cinzenta. Os oito mil colonos foram subjugados.
Não tinham meios de defender-se contra os peepsies. Estes obrigaram-nos a cultivar o
solo e semear e colher uma quantidade x de cereais, utilizando as máquinas, que foram
descarregadas da nave dos peepsies. Esta saiu de Fera Cinzenta, deixando para trás um
contingente de guardas formado por duzentos peepsies, a fim de supervisionar o
andamento dos trabalhos.
Um dos antigos adeptos de Hollander, de nome Pashen, aliara-se aos peepsies para
alcançar vantagens pessoais.
Gunter Chellich unira-se aos colonos antes da morte de Hollander. Era tripulante de
uma gazela que, por ordem de Rhodan, pousara às escondidas nas montanhas situadas a
oeste de Greenwich. De início não revelou sua origem perante os colonos. Gunter
descobriu que as máquinas agrícolas dos peepsies eram movidas por pequenos reatores.
Mandou retirar alguns desses reatores e aproveitou o respectivo material físsil, para
fabricar uma bomba atômica. Os duzentos guardas foram dominados e, dali a dois meses,
quando a nave dos peepsies voltou, esta se desmanchou no cogumelo atômico da bomba
detonada.
Chellich, que neste meio tempo já havia revelado sua identidade, não tinha a menor
dúvida de que dia menos dia, uma força dos peepsies apareceria em Fera Cinzenta, a não
ser que os colonos tomassem alguma providência. A nave auxiliar da Adventurous, que
escapara relativamente bem ao pouso forçado da nave-mãe e podia perfeitamente realizar
vôos de até quinhentos anos-luz, foi preparada para outra missão. Um grupo de treze
pessoas pôs-se a caminho de Mirta XII e, uma vez lá, se fez passar por uma embaixada de
um planeta distante chamado Aurigel.
Chellich soube lançar indícios que logo convenceram os peepsies de que a raça de
Aurigel planejava um ataque contra Mirta XII e a submissão total dos peepsies. Estes
dedicaram sua atenção ao novo problema e por algum tempo se esqueceram de Fera
Cinzenta.
Ao que tudo indicava, o plano de Chellich fora bem sucedido. Mas, em virtude de
uma série de coincidências infelizes, ele se viu desmascarado no último instante. Foi
preso juntamente com os companheiros e sem dúvida não teriam escapado à morte se não
tivesse surgido outro milagre.
O milagre consistiu na chegada de três cruzadores da Frota Espacial Terrana, sob o
comando do Tenente Sikermann. Os cientistas terranos haviam descoberto que, nos
próximos dez meses, deveria ocorrer no sistema de Mirta um fenômeno de superposição
de dois planos temporais diferentes, do mesmo tipo que ocorrera pela primeira vez no ano
de 2.040, no sistema de Mirsal. Nesta ocasião Perry Rhodan se viu numa situação
extremamente difícil. Face a isso, tornou-se necessário transformar Fera Cinzenta numa
base da frota terrana, o que permitiria a adoção de providências para a penetração em
grande escala na outra dimensão temporal.
Sikermann estava bem informado sobre a situação política do sistema de Mirta. Só
disporia de tempo e calma para instalar a base de Fera Cinzenta, se conseguisse intimidar
os peepsies. Atingiu esse objetivo por meio de uma demonstração bastante convincente
do poder terrano. Assim Chellich e seus companheiros foram libertados e puderam
regressar a Fera Cinzenta. O perigo fora afastado. Acontece que Fera Cinzenta deixara de
ser uma “colônia livre”. A Terra acabara de pôr as mãos no planeta.
Nas semanas seguintes, verificou-se uma atividade extraordinária. As frotas de
naves de transporte trouxeram o material necessário à construção da base. Uma comissão
de juristas apareceu no planeta e apresentou uma oferta aos colonos: estes poderiam fixar-
se em Vênus, nas proximidades da Terra. Os colonos aceitaram. Aqueles que tiveram
participação proeminente nos crimes de Hollander, entre eles Pashen e Prominstester,
voltaram a ser presos e foram submetidos a julgamento. O transporte dos restantes foi
uma questão de dias. Nenhuma medida foi tomada contra os simples participantes.
Pouco menos de mil colonos, pertencentes ao grupo que antigamente se denominara
de Associação dos Colonos Livres, permanecera em Fera Cinzenta. Alguém sugeriu que
estes colonos, dotados de capacidades especializadas, fossem admitidos na frota. Os
colonos concordaram, e o resto foi apenas uma formalidade. A nova base conseguira suas
próprias guarnições.
Depois de algum tempo, Perry Rhodan apareceu, a fim de verificar o andamento dos
trabalhos. De um dia para outro, Fera Cinzenta se transformara num dos pontos mais
importantes da Galáxia. Dali seria desferido o golpe decisivo contra os druufs. Tratava-se
da raça que vivia numa dimensão temporal estranha e costumava aproveitar os
fenômenos de superposição dos dois planos para raptar mundos. Aquilo que acontecera
em Fera Cinzenta estava esquecido. Os peepsies e os gigantescos animais cinzentos, que
deram o nome ao planeta, já não despertavam o menor interesse.
Ninguém se dera ao trabalho de verificar a ideologia dos novos membros da frota.
Fazia apenas dois anos que os juizes da Terra os haviam condenado ao degredo por causa
de atividades revolucionárias, participação em associações secretas e outros delitos. Era
bem verdade que a maior parte, especialmente o grupo de Horace O. Mullon, já
reconhecera seus erros. Mas ainda havia alguns, entre os antigos adeptos de Walter S.
Hollander, que continuavam a se aferrar às velhas idéias.
Estes foram admitidos sem maiores problemas ou indagações, tal qual os outros. E,
quando envergaram seu uniforme, acharam que havia chegado o tempo de realizarem
seus planos.

***

A decolagem da gazela causou um alarma geral. Poucos minutos depois do primeiro


sinal, a esquadrilha do Capitão Blailey e os cruzadores espaciais anunciaram que estavam
prontos para decolar.
Mas isso não adiantaria muito, enquanto não se soubesse para onde a gazela partira
tão apressadamente.
Perry Rhodan apareceu na sede provisória do espaçoporto. O oficial de plantão, um
jovem capitão, fez continência e ia começar uma série de explicações prolongadas.
Rhodan fez um gesto amável e disse que já estava informado.
— Ainda não ordenou a chamada geral, não é? — perguntou.
— Não senhor — respondeu o capitão. — Ainda não tive tempo.
— Muito bem. Pois faça a chamada agora. Precisamos saber quem fugiu na gazela.
Aliás, qual o oficial que se encontrava a bordo?
— O Tenente Chellich, Sir.
— Acredito que a gazela ainda não tenha entrado em contato conosco.
— Não senhor. Rhodan refletiu.
O tenente Chellich. Lembrava-se perfeitamente das informações que o superior
imediato de Chellich, o Capitão Blailey, lhe fornecera durante a execução da missão de
Fera Cinzenta. Chellich era um homem impetuoso, um homem em cujo peito dormiam
reservas de energia física e psíquica de que ninguém suspeitava. E sabia usá-las, quando
se fizesse necessário. Conforme costumava dizer o ex-degredado Horace O. Mullon,
Chellich salvara o planeta Fera Cinzenta andando a sós. Tinha trinta e um anos. Um
homem com as suas qualidades já deveria ser capitão ou até mesmo oficial do estado-
maior.
Perry Rhodan julgara o caso como algo de singular e de suma importância para
examinar, mais tarde, os assentamentos pessoais de Chellich.
Havia várias queixas de antigos superiores, que aludiam a um excesso de
autoconfiança. Em outras palavras, isso significava que não sabia calar a boca quando
tinha uma idéia melhor que a do superior hierárquico.
Rhodan conhecia uma série de casos semelhantes. Nem sempre a pessoa acusada de
excesso de autoconfiança era a parte culpada. O Capitão Blailey não demonstrou a menor
inclinação de se queixar de Chellich. Ao que tudo indicava, Blailey e Chellich eram dois
tipos que se davam muito bem.
Não, Chellich não seria capaz de subtrair uma gazela. Teria agido sob coação, ou
então estaria morto...
Um tanto pensativo, Perry Rhodan saiu do edifício-sede e voltou ao lugar onde
residia o Tenente Sikermann, que lhe cedera alguns aposentos. Sikermann estava sentado
em seu gabinete. Lá também estava Reginald Bell.
A grande tela que encimava a enorme escrivaninha emitia um brilho cinza-claro, o
que constituía sinal de que estava pronta a entrar em atividade a qualquer momento, para
estabelecer contato entre o escritório de Sikermann e qualquer lugar importante da
Galáxia.
Assim que Rhodan entrou, Reginald Bell levantou-se. Sikermann também fez
menção de levantar-se, mas Perry Rhodan acenou, pedindo que continuasse sentado.
— Por enquanto não há nada de novo — disse em tom calmo. — Só sabemos que a
gazela desapareceu. Mais nada. Não sabemos por quê, nem para onde, nem com quem.
Mas não demoraremos em obter esta última informação. Neste momento está sendo
realizada a chamada geral.
Até parecia que estas palavras representavam uma senha. Uma tela iluminou-se,
mostrando o busto de um jovem tenente que cumprimentou seus superiores com um
gesto.
— Sou o Tenente Ratcliffe. Estou realizando uma chamada geral por ordem
superior. Façam o favor de fornecer sua identidade.
— Tenente Sikermann, chefe da base.
Reginald Bell disse:
— Bell, vice-administrador.
Rhodan manteve-se em silêncio.
— E o senhor? — perguntou o tenente, dirigindo-se a Rhodan.
— Rhodan — respondeu este com um sorriso.
Ratcliffe voltou a agradecer e sua imagem desapareceu da tela.
Rhodan pôs-se a rir. Sikermann parecia perplexo. Sentia-se constrangido pelo
episódio.
— Darei uma lição a esse jovem — exclamou em tom zangado. — Se quisesse,
poderia afirmar não saber quanto são dois vezes dois. Mas perguntar o nome do senhor,
Sir, isso já passa...
Rhodan parecia divertir-se com aquilo.
— Deixe para lá — disse, para tranqüilizar o tenente indignado. — Se eu estivesse
no seu lugar, também teria tido o máximo prazer em agir dessa forma. Aliás, ele está com
a razão. Tem de ouvir todos os nomes. Seria perfeitamente possível que um robô tivesse
tomado meu lugar. E ele não poderia constatar isso. Precisa do timbre de minha voz a fim
de mandar analisá-lo.
— Está bem — concordou Sikermann.
Não fez outras observações.
Os minutos foram passando, sem que ninguém dissesse uma única palavra. Perry
Rhodan esforçou-se para adquirir uma visão de conjunto da situação, surgida após o
roubo da gazela, mas não conseguiu formar um quadro razoavelmente nítido.
Meia hora passou-se. A tela voltou a iluminar-se e mostrou o capitão da
administração do espaçoporto.
— Já temos o resultado, Sir — disse, dirigindo-se a Rhodan. — Além do Tenente
Chellich, que se encontrava no interior da gazela, desapareceram três homens: Oliver
Roane, Walter Suttney e Ronson Lauer. Todos pertencem ao grupo de colonos recém-
admitidos nos quadros da frota.
— O que se sabe a respeito desses homens? — indagou Rhodan.
— Praticamente nada; apenas sabemos que foram adeptos de Hollander.
Perry Rhodan refletiu. Finalmente agradeceu e deu a entender que no momento não
tinha outras instruções. A tela apagou-se.
Perry Rhodan levantou-se e foi à janela. Parou, olhando para o chão.
— Estamos num beco sem saída — constatou. — E num beco muito desagradável.
Reginald Bell não disse nada.
— O Major Ostal conseguiu um êxito apreciável — prosseguiu Rhodan. — Deu
uma pista errada ao computador-regente de Árcon, que há anos não conhece outro
objetivo senão descobrir a posição galáctica da Terra. Uma gigantesca frota de naves
robotizadas está a caminho do planeta que, segundo os registros encontrados na nave de
Ostal, seria a Terra. Esse planeta fica nas profundezas da Via Láctea. Qualquer dia o
Regente perceberá que foi enganado.
Ficou em silêncio e fez como se não notasse o espanto no rosto de Sikermann.
Este não compreendia qual era a ligação entre a missão do Major Ostal e o
desaparecimento da gazela.
— Mas não é isso o que importa — prosseguiu Rhodan. — O importante é
sabermos até onde vai o interesse do regente em descobrir a posição da Terra e sua
disposição de atacar assim que tenha obtido as respectivas informações.
Sikermann não pôde controlar-se por mais tempo.
— Por favor — principiou assim que Rhodan fez uma pausa. — Não consigo
descobrir o que o roubo da gazela poderia ter a ver com a curiosidade do computador-
regente.
Perry Rhodan lançou-lhe um olhar de surpresa.
— Pois é simples — respondeu. — O senhor sabe perfeitamente de que tipo de
elementos Walter S. Hollander andava rodeado. A maior parte deles só tinha um objetivo
em mente: enriquecer o quanto antes. E a revolução parecia o melhor caminho para isso.
Entre os filósofos da natureza havia poucos que levavam seus belos ideais a sério. Logo,
as pessoas que agora nos causam problemas pertencem ao primeiro tipo. Apenas
procuram sua vantagem. Já imaginou onde?
Sikermann começava a compreender. Mas antes que tivesse tempo para responder,
Rhodan deu as explicações.
— A gazela de Chellich é o veículo que enviamos a Fera Cinzenta há dois anos, a
fim de supervisionar os colonos. Em seu computador positrônico estão armazenados
todos os dados que assumem maior importância para certa potência da Galáxia, inclusive
os que dizem respeito à posição da Terra.
Fez uma pausa e concluiu:
— Não tenho a menor dúvida de que Suttney e seus dois companheiros se dirigem a
Árcon, onde pretendem revelar a posição da Terra ao computador-regente.
2

No dia 5 de outubro de 2.042, o Terrânia Times, um jornal independente, de


tendências oposicionistas, publicou o seguinte editorial:

Fazemos referência à notícia relativa à fuga de três desertores da


base espacial Mirta VII, publicada pelo Terrânia Daily News, edição de
3 de outubro. Nossos elementos de confiança constataram que, ao
contrário do que noticia o referido periódico, em Mirta VII, onde no
momento se encontra o administrador do Império Solar, Mr. Rhodan,
vem sendo atribuída grande importância ao episódio.
Ao que parece, a situação criada pelo furto de uma nave de
reconhecimento do tipo gazela vem sendo considerada tão séria que as
autoridades julgaram conveniente censurar as notícias sobre o caso.
Face a isso, daqui em diante, o público só vai receber as informações
fornecidas pelo Ministério das Informações e Opinião Pública, que
evidentemente serão adaptadas ao objetivo de tranqüilizar
artificialmente a população.
Nossa opinião é a seguinte: caso realmente haja algum perigo,
devemos confiar na energia mental dos homens da Terra e do Império
Solar e nas suas capacidades de encarar o perigo de frente. Não se
devem divulgar notícias que, ao primeiro relance de olhos, se
apresentam como inteiramente tranqüilizadoras, mas manipuladas.
Esse tipo de informação cria a desconfiança e gera confusão no
momento em que o perigo se torna evidente, apesar de todas as
tentativas de “ocultamento”. Pedimos às autoridades que usem de
sinceridade.

***

No momento em que viu Ronson Lauer, Gunter Chellich compreendeu que o jogo
estava perdido.
Aos poucos, foi recuperando a capacidade de raciocinar. Olhou para Lauer e para
Suttney, que continuava parado ao lado de sua poltrona. De repente compreendeu a tática
deste último.
“Suttney sabe que eu não posso resistir às suas exigências”, pensou Chellich. “Mas
eu posso confiar na inexperiência dele e de Roane no terreno da galatonáutica. Por isso
prefiro crer na possibilidade de enganá-los a investir sem armas contra dois homens
armados.”
Por dedução, concluiu que Lauer fora mantido oculto, para que não houvesse
problemas com a decolagem.
“E agora está sendo apresentado, a fim de convencer-me de que eu devo desistir de
meus planos”, imaginou pleno de certeza.
Ronson Lauer ficaria sentado a seu lado assim que os dados do segundo hipersalto
começassem a ser calculados. E ele não se deixaria enganar.
— O senhor acaba de ouvir o que Suttney quer do senhor — disse, dando início à
palestra. — Ligue o aparelho de leitura e escolha um setor no qual estejamos seguros.
Vamos logo! O que está esperando?
Ronson Lauer era um homem pequeno e ágil. Era difícil calcular sua idade.
“Deve estar entre os quarenta e os cinqüenta”, pensou Chellich.
Assumiu um ar petulante e demonstrava certo senso de humor, mas era um tipo de
humor que não agradava a Chellich.
Este resolveu não tomar conhecimento da ordem de Lauer. Virou-se para Suttney,
por considerá-lo o porta-voz do grupo. Lançou-lhe um olhar indagador.
— É isso mesmo — confirmou Suttney. — Lauer tem razão. Não podemos perder
tempo. Comece a preparar o salto. O senhor já dispõe de assessoramento — disse,
apontando para Lauer. — Dessa forma poderá trabalhar mais depressa, não é?
Chellich não viu motivo para responder a esta pergunta. Voltou a girar a poltrona,
colocando-se de frente para o painel, e comprimiu o botão do aparelho de leitura. A tela
do intercomunicador, que ficava acima do painel, começou a acender-se. Chellich leu
tranqüilamente os dados atuais sobre a velocidade da gazela, enquanto a imagem adquiria
contornos nítidos.
A gazela desenvolvia uma velocidade de mil e quinhentos quilômetros por segundo.
Nos arredores da nave, ou seja, num raio de dez horas-luz, não havia nenhuma
porção de matéria suficientemente grande para provocar a reação do rastreador. Segundo
uma medição de eixos paralelos não muito precisa, a estrela mais próxima ficava a três
anos-luz.
A tela do intercomunicador mostrou o frontispício do catálogo galático. Chellich
voltou a virar a cabeça e perguntou a Suttney:
— O senhor tem algum lugar específico em vista? Para onde vamos saltar?
Suttney apontou em direção a Lauer. Este se fez de desinteressado e respondeu no
tom apressado que lhe era peculiar:
— Pouco importa. O principal é que não paremos em qualquer lugar “quente”. A
proximidade de naves terranas é totalmente indesejável. Sugiro que sigamos
aproximadamente em direção ao centro da Galáxia.
Chellich fez um gesto afirmativo. Puxou para perto de si um instrumento semelhante
a uma pequena calculadora de mesa, no qual se viam várias teclas com algarismos e
letras. Comprimiu uma série de teclas e um botão vermelho. O frontispício do catálogo
desapareceu da tela, que passou a apresentar outra imagem. A mesma consistia, em
essência, num ajuntamento confuso de pontos, algarismos e letras. Alguns pontos
estavam ligados por linhas, geralmente apenas tracejadas. O quadro era encimado pelos
seguintes dizeres: Mapa geral do setor 10-000-12.000 pc, 0 a 1 graus, 89 a 90 graus.
— Está bem — disse Ronson Lauer, sem que ninguém lhe tivesse perguntado. — É
o que estamos procurando. Projete o mapa parcial onze mil a onze mil e cem, zero grau a
zero grau e dez minutos, e noventa e oito graus e cinqüenta minutos a noventa e nove
graus.
Chellich obedeceu. Seus dedos bateram habilmente o teclado da pequena
calculadora, segundo a indicação que acabara de receber. A pressão das teclas deu início
ao “processo de busca”.
Dali a alguns segundos, outro mapa surgiu na tela. Na extremidade superior deste
lia-se a indicação fornecida por Ronson Lauer. Chellich viu que o mapa não tinha
qualquer colorido além do fundo branco e dos pontos e linhas negras. Com isso, passou a
sentir-se ainda mais inseguro. A área escolhida por Lauer realmente não estava submetida
à influência de quem quer que fosse. Ao que tudo indicava, os três desertores pretendiam
escolher um recanto em que pudessem passar tranqüilamente o resto dos seus dias.
Fitou a tela e esperou que Lauer dissesse alguma coisa. Deixou que os olhos
vagassem pelos números que identificavam os pontos negros representativos das estrelas.
Na verdade, sua mente não os absorveu. Estava curioso para ver qual, dos mais de dois
mil pontos, Lauer escolheria.
O catálogo galático era um produto arcônida, como todos os catálogos estelares
utilizados pela Astronáutica terrana. A elaboração de uma mapoteca dessa extensão e
perfeição consumira mais de dez mil anos. Milhares de naves registradoras percorreram o
cosmos para recolher os dados.
Nem por isso se poderia dizer que o catálogo registrava todas as estrelas que
compunham a Galáxia. Pelos cálculos dos peritos terranos, dele deveriam constar de
setenta e cinco a oitenta por cento dos astros. Só uns sete por cento desse total foram
visitados por alguma nave. O resto era assinalado por meio de cifras e letras necessárias
para que o observador do mapa conseguisse orientar-se.
A Terra reproduzira o catálogo de Árcon. E os nomes foram conservados. Apenas as
medidas de extensão e de angulação foram substituídas segundo os padrões terranos, pois
do contrário a interpretação dos mapas exigiria o domínio da matemática arcônida. A
unidade de comprimento era o parsec ou pc. A unidade de ângulo era o grau. O ponto de
referência do sistema de coordenadas em que se baseava o catálogo era Árcon. Muita
gente do planeta Terra manifestou a opinião de que, neste ponto, o catálogo deveria ser
modificado.
A Terra, que era uma potência jovem, em expansão, não tinha necessidade de usar
um catálogo em que Árcon figurava como centro. Na verdade, o recalculo dos dados do
catálogo em função de um novo centro, a Terra, não apresentaria maiores dificuldades,
muito embora o trabalho fosse bastante volumoso.
As razões, que determinaram a manutenção do sistema de coordenadas de Árcon,
foram totalmente diversas. A posição galáctica da Terra tinha de ser mantida em segredo,
pois só assim o Império Solar poderia prosseguir tranqüilamente no seu processo de
desenvolvimento. O inimigo em potencial dispunha de uma série de recursos e, por isso,
a manutenção do segredo, em relação ao mapa, seria bastante difícil. Exigiria uma série
de providências complicadas e dispendiosas. E seria totalmente impossível manter o
segredo, caso existissem mapas onde a Terra, ou melhor, o sol terrano, servisse de ponto
de origem das coordenadas. Com isso bastaria comparar algumas indicações do catálogo
arcônida com as indicações correspondentes do catálogo terrano, para descobrir a posição
da Terra. Assim Árcon foi mantido como centro do sistema de coordenadas.
Esse sistema era esférico-simétrico. O vetor do raio indicava a distância do
respectivo objeto em relação ao ponto de origem das coordenadas, ou seja, em relação a
Árcon. Essa indicação era feita em parsec. O ângulo phi era o formado com o eixo
horizontal do sistema. O sistema estava ordenado de tal maneira que o centro geométrico
da Galáxia ficava em noventa graus theta e zero grau phi. O comprimento do vetor do
raio até o centro galático era de 10.986 parsec.
Cada folha do catálogo representava um setor da Galáxia. E os setores eram
escolhidos de maneira a terem aproximadamente o mesmo conteúdo espacial. O
microfilme do catálogo só admitia a representação bidimensional. Por isso as altitudes
das diversas estrelas, em relação ao plano do filme, eram indicadas por cifras
representativas de parsec.
Além disso, as estrelas traziam outras marcações, que eram as coordenadas
necessárias à sua fixação no hiperespaço. E essas coordenadas eram transmitidas, através
de um fator constante de conversão, em forma de volumes energéticos necessários, para
que o propulsor da nave alcançasse a respectiva estrela por meio de uma transição, ou
seja, por meio de um salto através do hiperespaço. Guardavam uma relação estreita com
aquilo que os galatonautas costumavam chamar de dados do salto.
Ronson Lauer tomou sua decisão. Pegou o pequeno aparelho semelhante a uma
calculadora, girou uma rodinha e colocou uma das duas mil estrelas no centro da tela. No
momento em que o ponto negro, representativo da estrela, cobria a cruz traçada na tela,
Lauer acionou outro botão, que fez com que o aparelho ampliasse a seção do catálogo,
que coincidia com o centro da tela. As minúsculas indicações que se encontravam junto
ao ponto tornaram-se legíveis.
— É este — disse Lauer em tom lacônico. — É do tipo do sol. É o que nos convém.
Gunter Chellich viu Lauer virar-se para Suttney. Este fez um gesto afirmativo e
disse:
— Faça o que achar melhor.
Lauer apontou em direção à tela.
— Pois bem, Chellich; comece a calcular! — ordenou. — O senhor sabe
perfeitamente como funciona isso: diferença entre a posição atual e o destino, dimensões
do veículo, conversão por meio dos dados constantes do catálogo. Vamos logo! O que
está esperando?
Chellich compreendeu que Lauer pretendia mostrar que era versado no assunto.
Acontece que já sabia disso e achou esse tipo de exibicionismo um tanto ridículo.
Enquanto realizava os cálculos, de forma automática e com a mente distraída,
Chellich ficou refletindo sobre o que três desertores esperariam encontrar nas
proximidades de um sol sem nome, que ficava a pouco menos de vinte e cinco mil anos-
luz do lugar onde se encontravam, numa área em que nem os terranos nem os arcônidas
jamais puseram os pés.
Por enquanto tateava no escuro.

***

— Sabemos perfeitamente o que devemos fazer — disse Perry Rhodan. —


Procuraremos a gazela desaparecida. Precisamos encontrá-la antes que esses três
indivíduos possam fazer alguma desgraça. Confio no sentimento de insegurança, que
mais dia menos dia os levará a cometer um erro que nos permita localizá-los... E ainda
confio no Tenente Chellich, se é que o mesmo ainda está vivo. O mesmo encontrará um
meio de dar-nos um sinal.
“No momento não há coisa mais importante a fazer senão procurar a nave
desaparecida. Até a próxima superposição dos dois planos temporais ainda nos restam
alguns meses. Quanto a isso, não precisamos, ter pressa. Podemos utilizar toda a frota nas
operações de busca.
“Podemos incumbir os vinte mil micromecânicos da raça dos swoons de criar um
aparelho que permita a localização de uma nave em transição, apesar do neutralizador de
freqüência.”
Calou-se por um instante. Um sorriso surgiu em seu rosto.
— Verificamos que a descoberta do neutralizador, com a qual tanto nos rejubilamos,
neste caso resultou numa desvantagem para nós. Equipamos a nave roubada com um
aparelho que nos impede localizá-la. Quer dizer que precisamos encontrar um novo
equipamento para tirar-nos da situação difícil em que nos achamos.
Interrompeu-se pela segunda vez. Olhou a fileira dos oficiais sentados a sua frente.
Seu olhar ficou parado no Tenente Sikermann.
— Terei de recorrer a boa parte do seu pessoal, Sikermann — prosseguiu. — As
naves estacionadas em Fera Cinzenta deverão ser integralmente guarnecidas. Você
continuará a trabalhar na construção da base. Pense que, com os últimos acontecimentos,
seu trabalho vai tornar-se da maior importância.
Seu olhar correu para o Major Van Aafen, ou Telfje, conforme era chamado pelos
companheiros.
— Van Aafen, você voará à Terra. Levará anotações que informarão o Marechal
Freyt sobre a nova situação, e as respectivas instruções. Neste momento ordeno-lhe que
entregue esses documentos nas mãos do marechal. Poderá dispor de um cruzador que
servirá de nave-correio.
Van Aafen inclinou a cabeça, num gesto de assentimento. Perry Rhodan fixou os
olhos no Capitão Aurin, que se encontrava a seu lado.
— O senhor terá um trabalho muito honroso, Aurin — disse. — Cabe-lhe colocar
toda a frota em estado de alarma. A ordem de apresentação lhe será entregue dentro de...
bem, digamos dentro de quarenta minutos. Até lá tome todas as providências.
Rodes Aurin levantou-se, fez continência e saiu.
— É tudo, senhores — concluiu Rhodan. — Muito obrigado.
No mesmo instante ouviu-se o ruído das cadeiras que eram arrastadas e dos passos
que se afastavam.
Poucos segundos depois de Rhodan ter proferido a última palavra, a pequena sala
ficou vazia.
Um poderio imenso começava a movimentar-se. O Império Solar dispunha-se a
resguardar seu segredo. E preparava-se para enfrentar um inimigo que atacaria assim que
soubesse onde procurar a Terra. O planeta preparava-se para dar uma demonstração de
seu poder. Era um poder criado em menos de setenta anos, que tinha a audácia de
competir com o Império dez vezes milenar de Árcon.

***

Deixaram-no a sós com Oliver Roane. Desligaram o intercomunicador e tomaram


todas as providências para que ele, Chellich, não pudesse ver da poltrona do piloto onde
se encontravam. Suttney dissera-lhe que deveria realizar a transição dentro de meia hora.
Chellich gostaria de saber o que Suttney e Ronson Lauer pretendiam fazer nesse
intervalo. Mas, do jeito que estavam as coisas, não tinha meios de descobrir.
Oliver Roane estava sentado atrás do tenente, numa poltrona que se encontrava mais
ou menos no centro da sala, e mantinha a pistola apontada para ele. O painel do
telecomunicador estava ao alcance de Roane, mas não de Chellich. Este fechou os olhos e
rememorou os movimentos que se tornariam necessários para fazer com que o
transmissor irradiasse um ligeiro sinal goniométrico. Estes movimentos eram apenas dois.
Teria de mover a grande chave que punha o aparelho a funcionar e comprimir o botão,
que lhe encaminharia o sinal codificado. Era só. Um homem treinado não levaria mais de
meio segundo para fazer esses movimentos.
Mas mesmo que levasse apenas um centésimo de segundo e o movimento fosse
apenas um, Chellich não poderia executá-lo. Roane prestava atenção, e, por duas vezes, já
demonstrara como sabia prestar atenção.
Chellich tremia de raiva.
Começou a brincar com o painel. Antes de sair, Ronson Lauer o havia examinado
atentamente e dissera que Chellich não poderia fazer nada que os prejudicasse. A chave
mestra, que dava início ao hipersalto, fora bloqueada assim que os respectivos dados
foram inseridos nos mecanismos propulsores. Só ficaria livre depois de passado o tempo
previsto de trinta minutos.
Oliver Roane não teve nenhuma objeção a que Chellich começasse a manipular as
teclas. Para espantar o tédio, Chellich abriu o catálogo e examinou a folha em que se
encontrava a estrela à qual se dirigiriam. Não encontrou nada que chamasse a atenção e
passou à folha seguinte. Viu que esta era tão desinteressante como a anterior e passou à
outra.
Esta tinha um trecho colorido em amarelo. E a cor amarela significava que a
respectiva área achava-se no campo de influência dos arcônidas. A parte colorida
estendia-se em formato de língua da extremidade inferior da folha até o centro da tela.
Chellich fez a ampliação e fez as respectivas estrelas com os nomes e outros dados
desfilarem diante de sua vista.
Todas as estrelas compreendidas na área de influência de Árcon tinham nomes.
Chellich leu: Galtha, Oone, Sophrum, Lo-wann, Hayireko, Minnit e uma série de outros
nomes de que nunca ouvira falar. Ficou refletindo sobre como seriam os planetas
iluminados pelo sol a que se dirigiriam e que seres viviam no mesmo.
Mas continuou a girar o botão da calculadora e, na parte superior, ultrapassou a área
colorida da folha do catálogo. Os nomes das estrelas foram-se tornando mais raros. Fora
de sua área de influência os arcônidas não se haviam dado ao trabalho de batizar todas as
estrelas. Chellich leu: Na-aiwoon, Joplat, Hoshan. Seguiram-se alguns centímetros em
que só havia pontos sem nome. Depois veio Latin-Oor.
Estacou. Latin-Oor. Lembrou-se de ter ouvido esse nome há pouco tempo. Latin-
Oor. Em que conexão ouvira estas palavras?
Latin-Oor. Chellich procurou rememorar. Latin-Oor soava como o equivalente
inglês de minério latino. Lembrou-se de ter pensado nisso, quando ouvira o nome pela
primeira vez.
Seguiu a pista de suas idéias. Minério. Ficou perguntando a si mesmo se em Latin-
Oor realmente havia minério, muito embora o nome arcônida evidentemente nada tivesse
a ver com a tradução de Chellich. Lembrara-se de que, se em Latin-Oor existisse algum
minério precioso, ali poderia ser instalada uma base, a não ser... a não ser...
Sim; era isso! A não ser que a frota robotizada de Árcon, que estava a caminho de
Latin-Oor, iria transformar o planeta num inferno chamejante.
Subitamente viu o quadro com toda nitidez!
Ao lado de outros oficiais, participara da conferência e soubera através do Serviço
de Informações Internas da Frota que o Major Ostal conseguira colocar o computador-
regente de Árcon numa pista falsa, fazendo-o acreditar que a Terra ficava em algum setor
do centro galático.
Segundo os dados falsos que Ostal fizera chegar ao cérebro positrônico, o sol em
torno do qual girava a Terra era Latin-Oor. Esse sol tinha dois planetas semelhantes à
Terra, que eram desabitados. O computador-regente haveria de supor que um desses dois
planetas era a Terra.
Quer dizer que a missão de Clyde Ostal fora bem sucedida. O regente mordera a
isca e pusera em marcha uma grande frota. Chellich não se lembrava a qual dos dois
planetas semelhantes à Terra aludiam as informações de Ostal, se a Latin-Oor III ou a
Latin-Oor IV. Mas tinha certeza absoluta de que um deles seria cercado pela frota
robotizada, que intimaria seus habitantes a capitularem incondicionalmente.
Na oportunidade soltaram estrondosas gargalhadas ao se lembrarem de que, ao notar
que sua intimação para a rendição incondicional ficaria sem resposta, a frota arcônida
pousaria no planeta e teria de constatar que em Latin-Oor III ou IV não existia uma única
criatura inteligente.
Perguntaram se o choque que o regente sofreria seria bastante forte para queimar
algumas das suas válvulas.
E agora? Haveria alguma relação entre a frota arcônida que avançava em direção a
Latin-Oor e a situação em que se encontrava?
Gunter Chellich folheou o catálogo para trás. Comparou os dados relativos ao sol
escolhido por Ronson Lauer com aqueles de Latin-Oor. A estrela a que Lauer pretendia
chegar ficava pouco acima do plano do microfilme, enquanto Latin-Oor ficava tão acima
desse plano que quase chegava a penetrar na folha anterior. A estrela escolhida por Lauer
ficava entre os ângulos teta 89 graus e 50 minutos e 90 graus 00 minutos.
A folha intermediária abrangia o ângulo de teta 90 graus 00 minutos a 90 graus 10
minutos. Após isso, seguia-se a folha em que estava registrado Latin-Oor, e que abrangia
os ângulos teta 90 graus e 10 minutos a 90 graus e 20 minutos. A distância vertical entre
os dois sóis não era superior a dez anos-luz. Acontece, porém, que havia uma ligeira
diferença entre os ângulos horizontais, motivo por que a distância total chegava a cerca
de dezesseis anos-luz ou cinco parsec.
Subitamente Chellich teve a impressão de que algo lhe caía dos olhos. Lembrou-se
de que, quando perguntara se devia dirigir a nave a um destino determinado, Lauer lhe
respondera mais ou menos assim:
“— ...o principal é que não seja um lugar quente. A presença de naves terranas
seria indesejável...”
“Então era isso! A presença de naves terranas seria indesejável!”, refletiu. “Eu já
devia ter percebido que Ronson Lauer colocara certa ênfase no adjetivo.”
A presença de naves arcônidas não teria nada de indesejável. Pelo contrário. Lauer
estudara o catálogo e sabia que a estrela à qual se dirigia ficava a apenas dezesseis anos-
luz de Latin-Oor. Ele a escolhera por desejar que houvesse naves arcônidas por perto,
quando Suttney começasse a realizar seus intentos.
Já não podia haver a menor dúvida sobre quais seriam esses intentos. Suttney
procurava aproximar-se dos arcônidas. Os arcônidas, que naturalmente receariam as
complicações, não iriam querer nada com ele, a não ser que lhes trouxesse algo capaz de
compensar o risco.
Eram os dados relativos à posição da Terra!
A partir desse instante, Gunter Chellich não precisaria do intercomunicador para
saber onde Lauer e Suttney se encontravam naquele momento e o que estavam fazendo.
Achavam-se no setor de armazenamento de dados e, com base nas informações ali
registradas, procuravam calcular os elementos relativos à posição galáctica da Terra. O
trabalho não era fácil.
Face às normas de segurança, a posição da Terra não era registrada em lugar algum.
E no catálogo galático não se encontraria nenhuma estrela chamada Sol.
No entanto, seria perfeitamente possível calcular a posição da Terra com base nas
coordenadas de sóis próximos. Isso exigiria um bom volume de conhecimentos
astronômicos. Chellich não tinha a menor dúvida de que Ronson Lauer possuía esses
conhecimentos. No entanto, não possuía a menor prática de interpolação de dados
relativos a posições astronômicas. Mesmo que dispusesse de dados relativos a todas as
estrelas vizinhas ao sistema a que pertencia a Terra, levaria algumas horas para
desenvolver um programa que pudesse ser introduzido no computador positrônico.
Chellich calculou febrilmente o tempo de que ainda poderia dispor.
Uma hora e meia se passaria até que Lauer conseguisse reunir todos os dados, e
outras três horas seriam consumidas na feitura da programação. O resto seria apenas uma
questão de segundos. O computador trabalhava muito depressa.
Seriam quatro horas e meia, a não ser que Suttney resolvesse chamar as naves
arcônidas em vez de irradiar a posição da Terra para o espaço. Se quisesse aguardar a
chegada dos arcônidas, mais algumas horas se passariam; talvez umas quatro ou cinco.
Era bastante tempo. Apesar disso, Chellich começou a ficar nervoso. Devia fazer
alguma coisa para impedir a execução do plano de Suttney. Devia dar um sinal aos
homens que se encontravam em Fera Cinzenta, a fim de que estes soubessem onde
procurar a gazela. Mas não sabia como fazer isso. Quatro horas e meia, ou mesmo mais,
eram muito pouco tempo para encontrar uma idéia que realmente fosse boa.
Virou a cabeça e olhou para Roane. Oliver Roane continuava sentado no mesmo
lugar. A pistola parecia grudada à mão. Fitava-o com uma expressão estúpida. Chellich
sorriu, mas no rosto de Roane não houve nenhuma modificação.
— Não está com medo, Roane? — perguntou Chellich.
Os pensamentos de Chellich vagavam em outro lugar. Teria de encontrar uma idéia
que lhe permitisse estragar os planos de Suttney. E, por estranho que parecesse, teve a
impressão de que isso seria mais fácil, se conversasse com alguém.
— Do senhor? — perguntou Roane em tom de escárnio.
— Não. Com medo de ser preso e fuzilado.
Uma expressão desagradável surgiu no rosto de Oliver Roane quando este
compreendeu o sentido das palavras de Chellich.
— Não seja idiota — respondeu em tom áspero. — Ninguém nos prenderá.
O cérebro de Chellich trabalhava a toda força.
— Você acha que aquilo que Suttney pretende fazer é correto? — perguntou,
enquanto seu raciocínio maquinava outra idéia.
Roane soltou uma risada tola.
— É assim que o senhor costuma interrogar os outros, não é? Pois o senhor nem
sabe o que Suttney pretende fazer.
“Meu Deus”, pensou Chellich, “este homem realmente é tolo demais.”
— É claro que sei! — afirmou.
— He! he! he! — fez Roane.
— Pretende fixar-se num planeta desconhecido e subjugar a população nativa —
disse Chellich com o rosto mais sério deste inundo. — O que poderia ser senão isso?
Os olhos de asno de Roane arregalaram-se. Inclinou-se para a frente e fitou Chellich
com uma expressão de incredulidade. Levou alguns segundos para compreender o que o
tenente acabara de dizer. E, nestes segundos, Chellich chegou à conclusão de que sua
idéia podia não ser genial, mas era aproveitável.
Oliver Roane pôs-se a rir. A sala de comando “retumbava” sob o efeito das
gargalhadas provocadas pela idiotice de Chellich. Este aproveitou a oportunidade, girou a
poltrona para o lado e num movimento rapidíssimo comprimiu dois botões vizinhos.
Roane notou o movimento repentino. Interrompeu-se em meio à gargalhada e fitou
Chellich com os olhos semicerrados.
— O que foi que o senhor fez? — gritou e levantou-se.
— Nada de especial — respondeu Chellich em tom indiferente. — Fiz uma
regulagem melhor do ar condicionado. Estou sentindo calor.

***

O distribuidor número 255 do ponto de controle XVII, situado na parte do circuito


de regulagem que ligava o compensador estrutural ao hiperpropulsor, estava acostumado
a ser alimentado com impulsos triangulares de conformação precisa, com uma altura de
dois volts e uma base de 10 -8 segundos de largura. A princípio, eram estes os únicos
impulsos que conseguia absorver, classificar e, finalmente, distribuir pelos vinte canais de
saída que dele partiam.
Apenas em mais um outro caso esse distribuidor poderia processar outro impulso,
que era o impulso quadrado de dez volts de altura e 10 -7 de base. Recebera o nome de
impulso de alarma, e não era classificado, mas armazenado por ele e bloqueava os vinte
canais de saída. Porém o distribuidor 255 só tinha capacidade de absorver esse impulso
de alarma, depois de efetuada uma modificação no potencial da grade catódica da
primeira válvula.
Embora essa modificação não tivesse sido realizada, o distribuidor 255 recebeu o
impulso de alarma. Não quis aceitá-lo, pois seu instinto eletrônico tinha boa margem de
segurança.
Mas, na fração de segundo, durante a qual o impulso aguardou diante do elemento
de entrada para ser admitido, o potencial da grade catódica da primeira válvula acabou
sendo modificado. O distribuidor não teve outra alternativa senão permitir a entrada do
impulso, cuja potência era perigosamente elevada. Infelizmente não teve tempo para
bloquear os vinte canais de saída. Antes que o distribuidor pudesse reagir ao impulso, este
já havia saído.
Parte dos aparelhos ligados às saídas dos canais deixou passar o impulso sem sofrer
qualquer dano. Assim, por exemplo, extinguiu-se ao chegar ao mecanismo direcional do
compensador estrutural, porque este estava bloqueado de outro lado. Acontece, porém,
que em outros lugares, especialmente naqueles dotados de elevada capacidade de
indução, criou bastante confusão. Afinal, tinha cinco vezes a potência normal dos
impulsos destinados ao circuito de regulagem. Logo, a auto-indução por ele causada foi
cinco vezes mais elevada. E com isso derreteu o começo de uma espula embutida numa
folha de plástico.
A partir dali, o circuito de regulagem ficou interrompido. Era verdade que a
interrupção só se verificava naquele lugar. Acontece que a instalação fora construída de
maneira a proporcionar um máximo de segurança. Por isso essa interrupção seria
suficiente para deixar todo o sistema condutor fora de ação.

***
Oliver Roane ficou desconfiado. Chellich notou que refletia intensamente sobre o
que deveria fazer.
— Foi mesmo apenas o ar condicionado?
Chellich fez que sim.
Roane ainda não havia chegado a qualquer conclusão. Sabia perfeitamente que
Suttney devia ser informado sobre o incidente. Mas, para avisá-lo, teria de sair da sala de
comando, já que o sistema de intercomunicação fora desligado.
Roane, que se sentia bastante inseguro, olhou em torno e procurou verificar se já
notava alguma diferença na regulagem do sistema de condicionamento de ar. Mas o calor
continuava o mesmo.
Gunter Chellich, que já se voltara novamente para seu painel, estava de costas para
Roane. Parecia indiferente a tudo.
“Bem”, pensou Roane, “direi a Suttney quando ele voltar.”
Enquanto isso, Gunter Chellich examinava as letras luminosas que se encontravam
abaixo de dois botões coloridos:
“Impulso de fechamento sistema distribuição compensador S. Os dois botões devem
ser acionados simultaneamente.”
Não fizera isso. Comprimira primeiro o botão da esquerda e depois o da direita.
Não sabia que efeito poderia causar...

***

A frota terrana viajava pelo espaço. As naves formavam uma larga rede de malhas.
As gazelas e os girinos esforçavam-se para fechar essas malhas. O General Deringhouse,
um veterano dos primeiros tempos do Império Solar, que se conservara jovem, dirigia a
operação a bordo da Barbarossa, um supercouraçado da classe Império. Uma única nave
não obedecia as ordens de Deringhouse. Era a Drusus, a nave capitania da frota terrana,
comandada por Perry Rhodan.
O plano seguido na operação de busca fora preparado pelos matemáticos. Havia
uma série de maneiras pelas quais se poderia localizar a pista da gazela desaparecida e,
por isso, todos os aparelhos que estivessem em condições de ver, rastrear, registrar
Irrupções energéticas, analisar remanescentes de combustíveis e constatar abalos do
espaço einsteiniano tinham de trabalhar ininterruptamente.
Uma coisa parecia impossível: a nave não poderia ser localizada em virtude do
abalo estrutural causado por uma transição. Esta provocava um choque energético. A
energia liberada durante o processo era de estrutura bastante complicada, mas sua
disseminação se regulava pelas leis simples do espaço de cinco dimensões. Sua presença
podia ser constatada por meio dos rastreadores estruturais, a não ser que a nave, que
realizasse a transição, estivesse equipada com um compensador estrutural, que absorvia o
choque energético e fazia com que este se exaurisse num espaço vazio, especialmente
criado para esse fim, de maneira que nada ou quase nada chegava ao mundo exterior.
Com isso só restavam os campos remanescentes, que se espalhavam pelo espaço
com uma potência dez mil vezes menor, em forma de vibrações típicas para o veículo
espacial e seu compensador. Esses campos remanescentes só poderiam ser registrados por
rastreadores ultra-sensíveis, criados pela raça de microtécnicos dos swoons. Acontece que
a nave em transição poderia neutralizar até mesmo esses campos remanescentes desde
que dispusesse de um neutralizador de vibrações, também denominado absorçor. Esse
aparelho não deixava escapar nem mesmo os campos remanescentes. Captava-os e
absorvia-os, fazendo com que nenhum vestígio da transição, por menor que fosse,
chegasse ao mundo exterior.
A gazela desaparecida estava equipada com ambos aparelhos. Dispunha tanto do
compensador estrutural como do neutralizador de vibrações. Sua presença no hiperespaço
tornava-se impossível de ser detectada.
Para Perry Rhodan havia uma esperança, caso Chellich ainda estivesse vivo.
“Talvez o tenente pudesse fazer surgir certas ‘ocorrências’ que se harmonizariam
com o curso normal e prefixado da operação de busca”, concluiu mentalmente.
3

No dia 8 de outubro de 2.042, o jornal Terrânia Times publicou a seguinte nota:

Ao que parece, nosso noticiário sobre o desaparecimento de uma


nave de reconhecimento do tipo gazela, ocorrido em 2 de outubro, na
nova base de Mirta VII, e a maneira irresponsável pela qual o
Ministério das Informações e Opinião Pública fez chegar as notícias ao
público provocaram um desassossego considerável em boa parte da
população.
Não há dúvida de que o incidente se reveste de maior gravidade
do que o Ministério das Informações e Opinião Pública quer admitir. E
temos certeza de que o público merece ser melhor informado,
especialmente nos momentos de perigo. De outro lado, porém, seria
absurdo acreditar que, em virtude da perda da gazela, uma guerra
mortífera teria irrompido em algum ponto afastado da Galáxia ou que
a partida de grandes contingentes da frota da Terra e dos planetas
solares possa ter alguma relação com o desaparecimento de três
desertores. Basta que façamos uma conta bem simples. Uma gazela
custa cerca de 45 milhões de solares. É o prejuízo que terá de ser
contabilizado em virtude de um veículo desse tipo. Acontece que a
operação que está em andamento já custou mil vezes essa quantia, ou
seja, cerca de 45 bilhões de solares.
Partilhamos a opinião de muitos dos nossos concidadãos, segundo
os quais nem tudo que se faz nos ministérios sediados nesta capital é
correto. No entanto, não acreditamos que o Governo possa ser acusado
de falta de conhecimento na área comercial ou matemática. Nem
mesmo um idiota seria capaz de realizar uma operação, cujo custo
poderá ascender a um total de cem bilhões de solares, para recuperar
um objeto que não vale mais de quarenta e cinco milhões de solares.
Segundo informam nossos elementos de confiança, a operação em
grande escala, que vem sendo realizada pela frota, representa uma
medida destinada a fortalecer o ânimo de luta, que será repetida
regularmente nos próximos anos. Pode-se ter esta ou aquela opinião
sobre o custo adicional que tal medida representará para a
comunidade. No entanto, não devemos deixar-nos assustar com boatos
alarmantes.

***

— Algo de novo? — perguntou Suttney ao entrar na sala de comando.


Oliver Roane levantou-se. Parecia contrariado.
— Não sei — respondeu em tom aborrecido. — Ele girou alguma coisa e disse que
era o condicionamento de ar.
Ronson Lauer encontrava-se na escotilha. Chellich que os observava viu Lauer
estremecer e fitá-lo, abaixando-se como um felino que se prepara para o salto.
“É o mais perigoso de todos”, pensou Chellich. “É ágil e inescrupuloso.”
Walter Suttney também se virou para ele e fitou-o atentamente.
— O que fez, Chellich? — perguntou.
Gunter Chellich não respondeu. Suttney aproximou-se mais alguns passos.
— Responda, Chellich! — ordenou em tom insistente. — Foi mesmo o
condicionador?
— Não — respondeu Chellich com a maior tranqüilidade, ficando de olho em
Ronson Lauer.
— Então, o que foi? — perguntou Suttney.
— Não sei — respondeu Chellich com a maior tranqüilidade de que era capaz. —
Só sei que apertei dois botões.
Pelo canto do olho viu Ronson Lauer pôr a mão na arma que trazia num coldre.
— Por quê? — perguntou Suttney.
— Para ganhar tempo — respondeu Chellich e levantou-se. — O que poderia ser?
Lauer aproximou-se silenciosamente, com a arma na mão e uma expressão assassina
nos olhos.
— Quanto mais tempo ficarmos aqui, melhor para mim, não é? O motivo é
exclusivamente este — completou Chellich depois de algum tempo.
Pela primeira vez Walter Suttney mostrou-se perturbado. Não compreendia como
uma pessoa, que se encontrava em seu poder, agia contra sua vontade e se atrevia a
confessar isso. Oliver Roane encontrava-se atrás dele, boquiaberto; ao que parecia, já não
compreendia mais nada. Ronson Lauer aproximava-se com passos de felino.
Gunter Chellich percebeu que as coisas começavam a ficar pretas para ele.
Reunindo o autocontrole que ainda lhe restava, disse:
— Tome cuidado, Suttney!
Suttney virou-se e Chellich prosseguiu.
— Ele quer matar a única pessoa que sabe dirigir este veículo.
Walter Suttney viu Lauer aproximar-se e, pela expressão dos olhos do mesmo,
percebeu quais eram as intenções dele.
— Calma! — berrou. — Lauer, fique onde está e guarde a arma!
Ronson Lauer estremeceu e parou.
— Ele nos traiu! — exclamou. — Por causa dele poderemos ficar parados no
espaço.
— Eu poderia matá-lo por isso — disse Suttney em tom tranqüilo.
Chellich deliciou-se com seu triunfo.
— Não pode, não — respondeu. — A não ser que queira ficar aqui para sempre. O
senhor entende um pouco de técnica, e Lauer de galatomatemática. Mas somando seus
conhecimentos, ainda não serão capazes de pilotar uma gazela.
Suttney já parecia ter pensado nisso, pois não se mostrou nem um pouco surpreso.
Acenou com a cabeça e disse:
— Então é assim que o senhor pensa.
Virando-se, perguntou:
— O que vamos fazer com ele?
Ronson Lauer fez um movimento violento com o braço.
— Vamos, Oliver! Encarregue-se dele.
Suttney recuou um passo. Chellich viu que estava sorrindo.
— Sim, talvez seja isso — confirmou Suttney. — Guarde a pistola, Oliver, e mostre-
lhe que não pode brincar conosco.
Oliver Roane deixou cair a pistola sobre a poltrona. Depois levantou-se e foi-se
aproximando lentamente.
Gunter Chellich também se levantou.
— Venha cá, pequenino! — disse Roane com um sorriso de deboche. — Se ficar aí
acabará caindo sobre o painel e quebrando tudo.
Chellich não saiu do lugar.
— Venha buscar-me! — disse em tom provocador.
Lauer afastou-se para o lado. Chellich parecia dedicar sua atenção exclusivamente a
Roane. Mas na realidade viu Lauer passar atrás de duas poltronas e colocar-se às suas
costas.
— Eu já disse; venha cá! — repetiu Roane em tom de ameaça.
Naquele instante, Lauer exclamou em tom exultante:
— Eu o mando para você!
Chellich ouviu um passo bem às suas costas. Afastou-se instantaneamente e deixou
Lauer, que pretendia avançar com toda força, correr para o vazio. Enquanto Lauer
passava por ele, pegou na gola de seu traje de serviço. Isso já representava metade do
caminho. Segurando Lauer pela gola e pelos fundilhos, deu dois ou três passos rápidos
em direção a Roane e atirou Lauer sobre ele. Tudo isso foi feito numa fração de segundo.
Chellich viu sua chance. Antes que Roane pudesse recuperar-se da surpresa,
colocou-se à sua frente e passou a trabalhá-lo com os punhos.
Não se lembrara dos dedos, que Oliver Roane ferira com um tiro de pistola térmica.
Já não doíam, pois, graças a uma pomada regeneradora, os mesmos foram logo cobertos
por pedaços de pele fina. Mas, ao pegar o inimigo quase inconsciente pela roupa, a fim de
fazê-lo tombar com um último soco, Chellich ficou com a mão presa num fecho
magnético de metal e as feridas abriram-se...
Seu corpo foi inundado por uma dor cruciante. Devido às lágrimas que lhe saíam
dos olhos, não viu mais nada. Roane percebeu que o inimigo o largara; ouviu-o gritar.
Não sabia o que tinha acontecido, mas aproveitou a chance. Cambaleante, Roane afastou-
se da parede. Chellich percebeu que ele aproximava-se. Procurou defender-se, mas a dor
lhe tirara todas as forças. Duas pancadas desferidas por Roane atingiram a cabeça
desprotegida. Mal sentiu a terceira pancada. A dor, que irradiava dos dedos, fazia-o
esquecer-se das outras...
Depois foi o fim.

***

O desejo de ganhar tempo era tão intenso que, mesmo durante o estado de
inconsciência, não o esqueceu. Quando recuperou os sentidos soube imediatamente o que
havia acontecido e compreendeu que a coisa mais tola que poderia fazer seria abrir os
olhos e deixar que todos soubessem que já não estava inconsciente.
Ouviu ruídos nas proximidades, mas a cabeça zumbia tanto que não sabia do que se
tratava. Depois de algum tempo reconheceu a voz de Suttney.
— Por que foi intrometer-se? Alguém lhe deu ordem para isso?
A resposta foi proferida por Lauer.
— Não recebo ordens de ninguém. Sei agir por minha conta. Haja o que houver,
ainda acertarei minhas contas com esse sujeito, quando não precisarmos mais dele.
— Você vai deixá-lo em paz, Ronson! — disse Suttney em tom tranqüilo e com uma
raiva contida. — Não estamos interessados em matar gente.
Depois de algum tempo, Lauer respondeu cheio de ódio:
— Você acha? Realmente acredita que manda em mim? Cuide de si mesmo quando
chegar a hora.
Suttney não disse mais nada. Chellich ouviu alguém dar alguns passos e acomodar-
se numa poltrona. Devia ser Suttney. Ao que parecia, o último incidente contribuíra para
perturbar a harmonia entre os desertores.
Subitamente Chellich ouviu a voz de Suttney:
— Se, daqui a uma hora, ainda não tiver recuperado os sentidos, jogaremos um
balde de água em cima dele.
Chellich resolveu aproveitar muito bem a hora que ainda lhe restava. Graças a seu
miserável estado, não teve a menor dificuldade em adormecer imediatamente.

***

A Drusus percorria a área previamente demarcada, situada num enclave em que a


matéria era escassa, a quarenta e cinco anos-luz da azul estrela anã de Vollaal. Setenta e
cinco por cento das naves auxiliares estavam em viagem, vasculhando o setor espacial
destinado à Drusus. Os veículos restantes permaneceram a bordo, para poderem ser
prontamente utilizados, caso surgisse algum imprevisto.
A bordo da Drusus encontravam-se alguns dos homens que, há alguns dias, haviam
sido admitidos pela frota. Tratava-se de colonos de Fera Cinzenta, que passaram a ser
encarados com bastante desconfiança, depois do seqüestro.
Um dos antigos colonos a bordo da Drusus era Horace O. Mullon, ex-chefe dos
Democratas Autênticos. Era o homem que derrotara Hollander. Os assentamentos sobre
Horace O. Mullon iam muito além dos dados registrados pelos tribunais terranos. Foram
colhidos, em conformidade com as Instruções de Chellich e do Capitão Blailey, durante o
tempo em que Mullon dirigia os destinos da colônia. Esses assentamentos provocaram
um interesse bastante intenso em Perry Rhodan. E Mullon era o único que estava
excluído da desconfiança geral. Ninguém acreditava que um inimigo encarniçado de
Hollander poderia unir-se aos adeptos do mesmo.
Graças ao interesse que Perry Rhodan lhe dedicava — ou melhor, graças à visão de
suas capacidades — Mullon não foi incluído no posto mais baixo do pessoal da Frota.
Obteve a graduação de suboficial, e ficou previsto que seria promovido a tenente,
independentemente do cumprimento das normas que regiam as promoções, assim que não
houvesse mais qualquer dúvida de que se afastara das suas idéias revolucionárias e de
crítica social. Apesar disso, seria um tenente velho, pois contava mais de trinta e cinco
anos. Mas não havia nada que impedisse sua rápida progressão na escala hierárquica, pois
possuía um excelente senso de organização.
Quando, com os companheiros, recebeu ordem de apresentar-se a bordo da Drusus,
Horace O. Mullon acreditou que tinha chegado o momento de dar provas de seu valor. A
nave decolara com quase todas as unidades estacionadas em Fera Cinzenta e, pelas
aparências exteriores, chegava-se à conclusão de que acabara de realizar uma transição a
grande distância. Ao que tudo indicava, acontecimentos importantes os aguardavam.
Horace O. Mullon estava decidido a distinguir-se no curso dos mesmos.
Dali a um dia descobriu do que realmente se tratava. Uma gazela fora subtraída por
Suttney, Lauer e Roane, pessoas que antigamente pertenciam ao grupo de segurança de
Hollander, na época em que este instaurou um regime de terror em Greenwich. Além
disso, Gunter Chellich, que era amigo de Mullon, era um passageiro involuntário da
gazela. Foi juntamente com ele que capturou Hollander e esquentou o inferno para os
peepsies.
Com isso, os planos de Mullon ficaram atrapalhados. Já não estava interessado em
distinguir-se. Não fazia a menor questão de ser tenente. Imaginava a situação em que
Chellich devia encontrar-se. Conhecia os três homens que haviam roubado a gazela e
sabia perfeitamente que Chellich não teria de esperar nada de bom dos mesmos.
Gunter Chellich estaria perdido se não conseguissem encontrar a gazela antes que os
desertores realizassem seus planos. Tinham de encontrar a gazela; Mullon não pensava
em outra coisa.
Os colonos a bordo da Drusus constituíam parte da 15 a companhia, que, por
enquanto, não recebera qualquer tarefa específica. Encontravam-se a bordo para fins de
treinamento. O trabalho era duro, mas por enquanto sua finalidade consistia
exclusivamente em fazer daquela gente homens de verdade. Esse era o desejo do sargento
Delacombe.
Horace O. Mullon obteve licença de Delacombe para trabalhar no setor de
localização. Aceitaram-no porque Chellich lhe ensinara a manipular os respectivos
instrumentos. Foi destacado para o setor de rastreamento de matéria e, depois disso, raras
vezes se afastava do seu posto.
A idéia de que precisava encontrar Chellich era tão forte que o fez ficar a postos dia
e noite.
Num espaço de setenta e duas horas, Mullon só dormiu cinco horas. Quiseram
arrastá-lo à cama, mas ele fez questão de que lhe dessem um estimulante para que
pudesse continuar debruçado sobre o aparelho.
Depois de três dias e meio, foi transferido para o setor de rastreamento estrutural e
de vibrações. O trabalho nos rastreadores estruturais era mais fácil.
Mullon foi transferido para não sofrer um colapso nervoso. Por enquanto ninguém
desconfiava de que Mullon desejava justamente essa transferência.

***

Gunter Chellich acordou sobressaltado, quando a água fria desabou sobre ele. Rolou
rapidamente para o lado e assim escapou ao resto do conteúdo do balde que Ronson
Lauer despejava sobre ele.
Lauer ficou aborrecido com a rapidez de sua reação. Deu-lhe um pontapé e, assim
que Chellich se levantou, deixou cair o balde e segurou a arma, apontando-a contra
Chellich.
— Venha! — gritou em tom furioso.
Depois do curto período de sono, Chellich sentia-se muito melhor. A dor de cabeça
cessara quase por completo e as pontas dos dedos coçavam.
Quando viu Ronson Lauer, começou a rir. Lauer recebera o “primeiro golpe” de
Roane, e os sinais do desastre ainda eram perfeitamente visíveis.
A risada de escárnio do tenente fez com que Lauer fervesse de raiva. Levantou a
pistola e Chellich notou que seu dedo se curvava em torno do gatilho.
— Você ainda perderá a vontade de rir, meu caro! — exclamou.
— Chega! — gritou Suttney, que se encontrava em lugar mais afastado. — Ronson,
eu já lhe disse o que acho dessa sua atitude de cão raivoso.
Chellich forçou-se a esboçar um sorriso de superioridade. Virou-se e fez de conta
que a arma apontada para ele não o incomodava nem um pouco. Viu Suttney aproximar-
se e, no mesmo instante, descobriu Oliver Roane, que esticava as pernas e se mantinha
profundamente reclinado numa poltrona. Respirava pesadamente e três quartas partes de
seu rosto estavam cobertas por ataduras que, segundo tudo indicava, haviam sido
colocadas por ele mesmo.
— Para o senhor também chega, Chellich — prosseguiu Suttney. — Daqui em
diante, não terá mais nenhuma oportunidade de causar-nos problemas. Vá para seu lugar
e descubra qual foi o dano que produziu.
Chellich obedeceu. Enquanto caminhava em direção à poltrona do piloto, olhou para
o relógio. Ficara deitado durante três horas, inconsciente ou dormindo. Mas, ao que tudo
indicava, essas três horas não foram suficientes para que as naves empenhadas na
operação de vasculhamento localizassem a gazela perdida.
Sentiu uma tensão que, só com grande dificuldade, conseguiu ocultar ao sentar-se à
frente do painel, a fim de fazer os preparativos para a transição. Só sabia que comprimira
dois botões na seqüência errada. Não tinha a menor idéia das avarias que poderia ter
causado. Nem sequer tinha certeza sobre se houvera alguma avaria.
Porém, de uma coisa tinha certeza: o sistema de regulagem era um mecanismo
extremamente complicado. Não se tratava de um aparelho de rádio, no qual se podem
realizar manipulações contraditórias sem produzir o menor dano. Caso o sistema de
regulagem fosse manipulado de forma a contrariar as normas, alguma coisa se estragaria.
Restava saber o que ficara estragado.
Enquanto Chellich fez o teste geral, suas mãos tremiam. As luzes do pequeno painel
luminoso, que eram mais de duzentas, acenderam-se, mostrando que até lá tudo estava
em ordem.
Mas duas luzinhas permaneceram apagadas. Chellich leu os pequenos letreiros
existentes embaixo das lâmpadas: Distribuidor no 255, Ponto de Controle XVII e
indutividade 15 microhenry S-Compensador.
Suspirou aliviado — muito discretamente, para que ninguém o ouvisse. Seu plano
fora bem sucedido. Os reparos apenas demorariam uma hora e meia, talvez menos.
Suttney não desconfiaria de que apenas pretendia ganhar tempo. E, principalmente, o
distribuidor 255 e a espula inutilizada com a indutividade 15 microhenry ficavam no
mesmo compartimento em que estava instalado o neutralizador de vibrações.
— Então, o que foi? — perguntou Suttney.
Chellich apontou para as lâmpadas de controle que estavam apagadas.
— Um distribuidor e uma espula estão estragados.
— São difíceis de reparar?
— A espula nem pode ser reparada. Os reparos do distribuidor deverão durar umas
duas horas.
Suttney arregalou os olhos.
— Então o senhor quer dizer que, uma vez que a espula não pode ser reparada, não
poderemos sair mais do lugar?
Chellich sorriu e sacudiu a cabeça.
— Não, não é isso que eu quero dizer. A espula é fabricada com metal volatilizado.
Logo, não pode ser reparada. Mas pode ser substituída. Temos muitas espulas no depósito
de peças sobressalentes, se é que o senhor por acaso não as jogou fora.
Suttney lançou-lhe um olhar desconfiado.
— Pare de fazer piadas — disse em tom áspero. — Quanto tempo durarão os
reparos?
— Já disse que são duas horas — respondeu Chellich.
— E a espula?
— Precisarei de dois minutos para procurá-la no depósito e de um minuto para
colocá-la.
— Muito bem. Ponha-se a trabalhar. Precisa de ferramentas?
— Preciso de várias — disse Chellich com um sorriso.
— Pois vá procurá-las. E não acredite que poderá atrapalhar-nos mais uma vez.
Ronson vigiará seu trabalho. Ronson, vá com ele.
— Será um prazer — disse Lauer.
Uma vez no depósito de ferramentas, Chellich pegou alguns instrumentos de
medição, entre eles um oscilógrafo, que entregou a Lauer para que este o carregasse, um
pequeno aparelho automático de solda, um sortimento de fios, pinças e material de solda
e outras coisas. Enquanto procurava aquilo que precisaria, procedia lenta e
tranqüilamente. Não estava interessado em que os reparos fossem concluídos muito
depressa.
No depósito de peças sobressalentes, Chellich foi pegar apenas uma espula, igual à
avariada, e alguns elementos de ligação que seriam utilizados no reparo do distribuidor.
Abriu a escotilha que dava do corredor para o poço e desceu a escada. Ronson
seguiu-o a uma distância de cinco degraus. Deixou a escotilha bem aberta.
Pela parede do poço corria grande quantidade de fios. De repente Chellich, que
ainda não sabia como levar avante o resto de seu plano sem que Lauer o percebesse, teve
uma idéia. A maior parte dos fios era formada por condutores de corrente contínua de
tensão superior a dois mil volts. Se conseguisse fazer com que Lauer encostasse o dedo a
um ponto não isolado...
A escada terminava sete metros abaixo da escotilha. Daqui em diante, o poço
transformou-se numa galeria que corria em sentido horizontal, em relação ao envoltório
da nave. Chellich parou por um instante sob a escada. Viu a pequena caixa negra onde se
encontrava o distribuidor e procurou localizar o lugar em que se achava a espula
queimada. Viu o cilindro fino e reluzente do neutralizador de vibrações, que, na verdade,
constituía o objeto do seu interesse. O neutralizador ficava a apenas meio metro da caixa
do distribuidor.
— Vá andando! — ordenou Lauer em tom nervoso.
Chellich obedeceu. Passou pelo distribuidor e colocou a bolsa de plástico com as
ferramentas e peças sobressalentes entre este e o cilindro do neutralizador.
— Tenho de trabalhar aqui, ali e lá — disse em tom solícito a Lauer, apontando para
o distribuidor, para certo ponto situado nas proximidades do neutralizador e para o lugar
em que supunha estar a espula. — Acomode-se; procure um lugar que lhe permita ficar
de olho em mim.
Ronson Lauer fitou-o com uma expressão de surpresa, mas quando descobriu que
Chellich estava escarnecendo dele, seu rosto ficou rubro de raiva. Via-se que precisava
esforçar-se para não perder o autocontrole.
Chellich começou a tirar as ferramentas. Sem que Lauer o percebesse, prestou
atenção ao lugar em que se acomodava. Empurrara o oscilógrafo a um metro de distância
e mantinha-se sentado no chão com as pernas bem afastadas. Segurava a pistola.
A primeira coisa feita por Chellich foi deixar descoberto um dos fios isolados
assinalados em vermelho. Trabalhava com um alicate de segurança e procedia com
tamanha despreocupação que Lauer nem poderia desconfiar de que estivesse mexendo
num fio de alta-tensão. O resultado deixou-o satisfeito. Removeu dez centímetros do
isolamento de um cabo da grossura de um dedo. No momento apropriado bastaria cortar
o fio com um alicate e encostar a extremidade, não isolada, a um lugar do qual a corrente
pudesse propagar-se até Lauer.
Retirou o estojo do distribuidor. Percebeu imediatamente o que havia acontecido.
Em nenhum ponto do sistema de distribuição, o oscilógrafo indicava qualquer impulso ou
sinal de tensão elétrica. No momento em que a espula se volatilizou, o distribuidor fechou
a corrente, servindo de chave de segurança. Três soldas haviam sido arrancadas e, ao que
parecia, uma das minúsculas válvulas não funcionava mais. Chellich pôs-se a trabalhar.
Voltou a firmar as soldas, retirou a válvula e substituiu-a por uma pequena resistência.
Realizou mais um ensaio e verificou que o distribuidor ainda não estava funcionando.
Gunter Chellich não teve outra alternativa senão examinar ponto por ponto todos os
circuitos do distribuidor.
O tempo foi passando.
Chellich virava a cabeça para olhar Lauer, que parecia não se sentir muito à vontade.
Por várias vezes viu-o olhar para trás, mas sempre se assustava e voltava a virar o rosto
em direção de Chellich, como se, só então, se lembrasse de que não deveria tirar os olhos
do mesmo por um segundo sequer.
Mas não fez aquilo que Chellich estava esperando; nunca encostou a pele a qualquer
peça de metal.
Chellich viu que, próximo de Lauer, um tubo solitário do sistema de refrigeração
atravessava o poço na vertical. Era feito de metal plastificado não revestido, motivo por
que podia ser considerado um excelente condutor de eletricidade. Quem dera que Lauer
pegasse esse tubo uma única vez que fosse... Havia uma travessa metálica que ligava o
tubo à parede e se estendia até perto do distribuidor no qual Chellich estava trabalhando.
Chellich começou a impacientar-se. Quarenta e cinco minutos já se haviam passado.
Resolveu pensar em outro plano, a não ser que, nos trinta minutos seguintes, Lauer
pusesse a mão no duto de refrigeração.
Prosseguiu nos trabalhos de reparo do distribuidor. O pensamento de que esta seria
sua última chance não lhe saía da cabeça. Estaria perdido se não se aproveitasse da
mesma. E, pior que isso, se o computador-regente de Árcon descobrisse a posição da
Terra, ninguém conseguiria impedir a guerra galáctica.
Começou a suar e, no seu íntimo, começou a praguejar contra Ronson Lauer. Passou
a olhar para este com uma freqüência cada vez maior, até que Lauer o notasse e o
advertisse:
— Fique com a cabeça virada para a frente. Estamos com pressa. Se olhar mais uma
vez para trás, atirarei.
— Não diga — retrucou Chellich com uma risada contrariada. — Quer que o tiro
derreta alguns fios lá atrás, não é? Se isso acontecer, o senhor terá de procurar um meio
de arranjar-se.
A desconfiança de Ronson Lauer, sempre presente, manifestou-se imediatamente.
— Então quer se prevalecer disso? — gritou em tom furioso. — Acha que não
atirarei, com medo de danificar alguma coisa? Espere, que eu lhe mostrarei o que sei
fazer.
Subitamente a chance veio!
Ronson Lauer levantou-se. Mantinha a pistola térmica apontada para baixo.
Procurava um lugar do qual pudesse atirar contra Chellich, sem danificar qualquer fio.
Não foi muito fácil levantar-se. Lauer segurou o tubo, levantou-se e, mesmo quando
já se encontrava de pé, não o soltou.
Chellich gritou.
— Não! Não atire!
Na verdade sua voz vibrava de triunfo. Enquanto Lauer fazia pontaria com o
máximo cuidado, Chellich arrastou-se para o lado e, com um único movimento do alicate
Isolado, cortou o fio do qual removera um tanto do isolamento. Segurou a parte isolada
do fio e saltou para trás do distribuidor. Lauer perturbou-se. O cano da pistola
acompanhou o alvo. Mas, de repente, o distribuidor se interpunha na trajetória de tiro. Por
maior que fosse a raiva de Lauer, não se esquecia de que estaria perdido se destruísse um
dos aparelhos vitais da nave.
Hesitou, e esta foi a chance de Gunter Chellich.
Num movimento rápido, mas cauteloso, fez avançar a mão que agarrava o fio e
encostou a extremidade desguarnecida contra a travessa lateral que segurava o tubo.
No mesmo instante, Lauer soltou um grito selvagem e apavorado. Continuou a gritar
até que Chellich tirasse o fio da peça metálica.
Depois Ronson Lauer caiu ao chão, desmaiado.
Chellich só esperou meio segundo. Num movimento seguro voltou a colocar o fio
no lugar do qual o mesmo fora tirado. A seguir, passou a trabalhar no neutralizador de
freqüência.
Soltou os fios de entrada e de saída, ligou-os aos contatos por outro pedaço de fio,
cortou este ao meio e colocou uma resistência que devia ter o tamanho aproximado da
resistência interna do neutralizador.
Depois passou o novo fio por cima do neutralizador e escondeu-o na parede.
Esse trabalho levou menos de um minuto. Assim que terminou, voltou a sentar-se e
procurou aguçar o ouvido.
Esperara que o grito de Ronson Lauer fosse ouvido na sala de comando, e que
Suttney não demorasse a aparecer na escotilha. Mas, por enquanto, nada disso havia
acontecido.
Chellich forçou o ouvido ao máximo, porém não conseguiu escutar nada.
Com movimentos rápidos, mas cuidadosos, Chellich ligou as duas pontas do fio de
alta-tensão por meio de uma peça flexível de metal plastificado. Depois voltou a colocar
o isolamento, que apenas havia sido empurrado para cima. Quando terminou o trabalho,
certificou-se de que ninguém perceberia nada, a não ser se soubessem haver algo a ser
procurado nesse fio.
Ronson Lauer continuava inconsciente.
Chellich passou por cima do corpo imobilizado e subiu pela escada. Gritava
ininterruptamente:
— Ei, Suttney, Roane! Lauer desmaiou.
Ninguém ouviu seus gritos. Saiu pela escotilha e dirigiu-se ao corredor principal.
Correu em direção à sala de comando, sempre gritando. A escotilha estava fechada, mas
abriu-se assim que Chellich se aproximou. Viu Suttney ocupado em renovar as ataduras
do rosto de Roane.
— Santo Deus, será que todos ficaram surdos? — gritou Chellich esbaforido. —
Lauer desmaiou. Deve ter encostado em algum fio de alta-tensão. Ajudem-me!
Walter Suttney lançou-lhe um olhar desconfiado.
— O senhor tem certeza de não ter mexido na alta-tensão, para que Lauer levasse
um choque? — perguntou.
Com muita habilidade, Chellich se fez de perplexo.
— Nunca poderia fazer uma coisa dessas — afirmou, ainda fungando. — O senhor
acha que eu disse a Lauer: prezado Ronson, encoste o dedo aqui?

***

Horace O. Mullon encontrava-se numa espécie de transe. Sua consciência já não


controlava os movimentos do corpo. Agia inconscientemente, manipulando os controles
pela forma que aprendera, sem pensar a respeito.
Em quatro dias dormiu apenas cinco horas. Além disso, comera pouco. O corpo
recorria às últimas reservas de energia.
De qualquer maneira, deixaram-no à vontade. Afinal, era ele mesmo quem desejava
continuar no posto.
Lidava com o goniômetro de compensação. Ou melhor, lidava com a antena do
goniômetro, que efetuava uma rotação lenta, a cada quinze minutos, vasculhando todos
os ângulos do espaço. Sabia como funcionava a antena. Haviam-no esclarecido a este
respeito.
O campo energético de vibrações, captado pela antena, se propagava na quinta
dimensão.
Horace O. Mullon já havia permanecido dez horas na frente da tela, sem que
acontecesse coisa alguma. O vidro fosco verde com os numerosos sistemas de
coordenadas que se encontrava à sua frente estava apagado. Vez por outra, com um
intervalo de alguns minutos, surgia uma minúscula fagulha, que logo se apagava. Mullon
sabia se tratar de interferências cósmicas.
No entanto, o ângulo fortemente iluminado, que surgiu de repente diante de seus
olhos, representava um sinal!
No mesmo instante, Mullon despertou do transe. Viu que o ângulo não avançava até
a extremidade superior da tela. Sem olhar bateu no botão que colocaria a antena na
posição correta. O ângulo empalideceu e foi desaparecendo. Mas, dali a alguns segundos,
apareceu de novo. Era mais luminoso que antes e tão grande que abrangia toda a extensão
da tela.
— Localização! — gritou Mullon com a voz rouca. — Localização no goniômetro
de compensação! Nós a encontramos!
Depois tombou, caindo no chão, onde permaneceu imóvel.
4

No dia 10 de outubro de 2.042, o jornal Terrânia Daily News publicou a seguinte


notícia:

Quase todas as unidades da Frota Espacial Terrana reuniram-se


nas proximidades do centro da Via Láctea, onde realizarão uma
manobra de grandes proporções. Essa manobra servirá para testar o
ânimo de luta da frota. Na opinião do almirantado, essa missão reveste-
se da maior importância, uma vez que se trata da primeira manobra de
que participa toda a frota. Na operação será experimentada
especialmente a cooperação entre as naves de guerra e as de
aprovisionamento. Continuamos a postos e dentro de poucos dias
traremos novas informações aos leitores.

No dia seguinte o jornal Terrânia Times manifestou-se:

Em vez de noticiar a manobra, que pouco interessa aos civis, o


Ministério das Informações e Opinião Pública devia dispor-se a dizer
alguma coisa sobre o desaparecimento da gazela e dos três desertores.
Todos compreenderiam se, neste meio tempo, a frota desistisse de
perseguir os fugitivos. Seria uma decisão perfeitamente razoável face à
reduzida importância de que, segundo tudo indica, se reveste o
acontecimento. Por isso não se justifica que o seqüestro continue
envolvido no véu do mistério.

***

Tudo correu bem. Ronson Lauer foi encontrado no momento em que estava
recuperando os sentidos. Felizmente não guardava a menor lembrança do que acontecera
no momento do desmaio. Naturalmente esforçou-se para pôr toda a culpa em Chellich.
Mas este permaneceu fiel à verdade. Disse que Lauer quis atirar contra ele, motivo por
que resolveu abrigar-se. Suttney parecia dar mais crédito a seu relato que às acusações
furiosas de Lauer. É bem verdade que não o deixou perceber. Em virtude do nervosismo,
Ronson Lauer começou a sentir-se mal. Suttney e Chellich levaram-no para cima e foram
a um camarote, onde o puseram na cama.
Depois Chellich voltou ao trabalho; desta vez foi vigiado por Suttney. Concluiu-o
dentro de quinze minutos. Suttney ficou muito satisfeito. Examinara tudo para ver se
descobria qualquer coisa que representasse uma prova da culpa de Chellich pelo acidente
sofrido por Lauer. Mas o fio de alta-tensão fora tão bem restaurado que nada foi
encontrado. E Suttney não fez perguntas.
Ao repetir o teste geral, todas as luzes acenderam-se. A gazela estava em condições
de voar. Chellich acionou os respectivos controles e preparou a segunda transição.
Esta foi mais demorada que a outra. Além disso, tornou-se bastante desagradável.
Quando o processo de desmaterialização chegou ao fim e a dor foi amainando, Chellich
estava quase inconsciente. Olhou em torno e viu que Suttney e Roane estavam ainda
piores que ele. Suttney foi recuperando os sentidos aos poucos, enquanto Roane
provavelmente continuaria inconsciente por um bom tempo.
Na tela brilhava, inconfundível, a mancha amarela que representava o sol que
Ronson escolhera no catálogo. A gazela encontrava-se a uma distância de vinte e cinco
unidades astronômicas desse sol e aproximava-se do mesmo com uma velocidade
residual de pouco menos de duzentos quilômetros por segundo.
Chellich transmitiu esses dados a Suttney e recebeu ordem para aumentar a
velocidade. Do tipo espectral do sol concluía-se com uma elevada dose de probabilidade
que este possuía planetas. Suttney pretendia pousar num desses mundos a fim de ver se
era lugar seguro e prosseguir na execução de seu plano.
No momento em que Chellich aumentou a velocidade da gazela para 2.000 km/seg,
seguindo as instruções de Suttney, Oliver Roane despertou do estado de inconsciência.
Suttney só parecia ter esperado por isso. Não deixou que Roane se entregasse às
recordações. Segurou-o pelo ombro, sacudiu-o e gritou:
— Acorde, seu idiota! Levante-se, pegue a pistola e vigie Chellich!
Chellich ficou surpreso. Até então não percebera que Suttney estivesse nervoso. Mas
agora havia um tom de histerismo em sua voz. Ao que parecia, tinha medo de que poderia
perder alguma coisa, caso não conseguisse imediatamente colocar Roane de pé. Dava a
impressão de estar extremamente nervoso. No momento em que soltou Roane, Chellich
viu que suas mãos tremiam. Alguma coisa “entrara” nele tão de repente que Chellich não
saberia dizer o que era.
Oliver Roane levantou-se lentamente. Parecia incapaz de reconhecer os arredores.
Percebia-se que Roane ainda não se recuperara de todo. Teve de esforçar-se, a fim de
permanecer de pé. Lançou um olhar desconfiado para a pistola que Suttney colocara em
sua mão.
Suttney endireitou seu corpo, fazendo com que olhasse na direção em que se
encontrava Chellich.
— Olhe! É Chellich! Cuide dele!
Roane resmungou alguma coisa que tanto poderia exprimir concordância como
aborrecimento. Mas mantinha-se firmemente de pé e apontava a arma para Chellich. Este
não se sentiu muito à vontade. Enquanto Roane não recuperasse inteiramente o controle
dos sentidos, poderia acontecer que apertasse o gatilho sem querer.
Por alguns segundos, Suttney ficou parado ao lado de Roane. Assim que este parecia
ter compreendido o que queriam dele, atravessou a sala de comando e dirigiu-se ao painel
do hipertransmissor.
De repente Chellich compreendeu as intenções de Suttney. Pretendia informar a
frota arcônida estacionada nas proximidades de Latin-Oor de que desejava que o viessem
buscar, pois possuíam uma informação importante.
Chellich estremeceu, embora há muito tempo soubesse que Suttney pretendia trair a
Terra.
E a traição estava por pouco...
Tudo que viria depois seria de importância secundária. Nesse instante, Suttney
avisaria os arcônidas de que viera para dizer-lhes aquilo que mais ansiavam por ouvir.
Suttney ligou o transmissor. Ele o fez com movimentos rápidos e precisos, como se
já os tivesse treinado muitas vezes. Assim que o aparelho emitiu um zumbido, parou e
olhou para Chellich.
Este sentiu-se tomado por uma raiva indomável.
— Seu traidor imundo! — gritou. — O que espera ganhar com isso?
Suttney não respondeu. Virou-se apressadamente, como se estivesse envergonhado
de fitar Chellich. Em compensação Roane aproximou-se em atitude ameaçadora. Chellich
manteve-se calado e voltou a fitar seus instrumentos.
— Venham! — implorou. — Venham e destruam-nos antes que Suttney...
Encostou os cotovelos ao painel e apoiou a cabeça nas mãos. Fechou os olhos.
Ouviu um estalido; Suttney estava preparando o microfone atrás de suas costas. Ouviu o
ruído de um pedaço de papel. Suttney havia redigido sua mensagem por escrito.
Subitamente Suttney pigarreou. Chellich ouviu-o respirar profundamente. Depois de
algum tempo principiou:
— Atenção, todas as naves arcônidas! Aqui fala Walter Suttney, um fugitivo do
planeta Terra.
Seu arcônida era horrível, mas os súditos de Árcon não deixariam de entendê-lo.
— Tenho uma informação para os senhores. Uma informação importante, relativa à
posição galáctica da Terra. Apressem-se, se estiverem interessados nesta informação. Esta
transmissão também está sendo captada por naves terranas e as mesmas procurarão deter-
me antes que possa transmitir-lhes as informações a que acabo de aludir. Atenção, todas
as naves arcônidas! Aqui fala Walter Suttney...
A mensagem foi repetida cinco vezes. Depois Suttney manteve-se calado, mas
respirava pesadamente, como se aquilo lhe tivesse custado um esforço tremendo.
Gunter Chellich sabia sobre o que Suttney refletia naquele instante. Sabia que havia
naves arcônidas numa distância de apenas dezesseis anos-luz. Uma hipermensagem
percorre essa distância num tempo zero. E, a essa distância, torna-se possível determinar
a posição do transmissor com a precisão de um quilômetro. As naves arcônidas eram
unidades robotizadas. Reagiriam com a rapidez peculiar aos robôs. Em outras palavras,
partiriam imediatamente.
Estava tudo em ordem, desde que as naves terranas não se encontrassem ainda mais
próximas. Walter Suttney esperava que fosse assim, mas não tinha certeza. Pelos seus
cálculos, a unidade mais próxima da frota terrana devia encontrar-se a cem anos-luz. A
uma distância dessas, a localização goniométrica de um transmissor pequeno como o da
gazela seria extremamente difícil. Portanto, caso uma nave terrana captasse a
hipermensagem a uma distância de cem anos-luz não teria certeza sobre se o transmissor
deveria ser procurado no próprio sistema, ou em algum outro vizinho.
Walter Suttney assim pensava. As naves terranas não poderiam chegar em tempo,
pois do contrário estaria perdido.
Depois de refletir prolongadamente, aproximou-se de Roane. Assustou-se, quando
Chellich lhe perguntou com a voz embargada:
— Por que fez isso, Suttney? O que espera ganhar?
Suttney parou. Via-se que a pergunta de Chellich o surpreendera.
— O que espero ganhar? — perguntou em tom de perplexidade. — Não pretendo
ganhar coisa alguma. Não estou agindo assim para obter alguma vantagem. O senhor já
conhece minha opinião sobre o governo do Império Solar. O regime deve ser derrubado, e
se não conseguimos derrubá-lo com nossas próprias forças, deveremos recorrer a um
auxílio vindo de fora.
— E o senhor nem se interessa em saber quantas pessoas são da mesma opinião que
o senhor, não é? Pouco lhe importa que talvez seja o único a acreditar nessa tolice.
Um sorriso condescendente surgiu no rosto de Suttney.
— É claro que não. A verdade de uma afirmativa não depende do número de pessoas
que acreditam nela. Procure lembrar-se de Galileu.
— Não me venha com Galileu! — disse Chellich em tom exaltado. — Aqui o caso
é... completamente diferente. O senhor não pode trair a Terra e entregá-la aos arcônidas,
apenas porque não concorda com os métodos de governo aplicados por Rhodan.
— Posso, sim — respondeu Suttney. Ao que parecia a discussão lhe restituíra a
autoconfiança. — Não vê que já comecei?
— E o senhor sabe o que acontecerá depois? Os arcônidas atacarão a Terra. E a
Terra se defenderá. Haverá uma guerra como a Galáxia nunca viu igual. Pouco importa
quem seja o vencedor, pois o resultado será a miséria dos povos.
— Mas a liberdade voltará a reinar na Terra! — retrucou Suttney em tom fanático.
Chellich suspirou.
— Ora, seu imbecil! O senhor está é doente. Suponhamos que os arcônidas
subjuguem a Terra. O senhor prefere ser governado pelo computador-regente?
— O computador não priva seus súditos da liberdade individual — respondeu
Suttney com a voz tranqüila.
Chellich fez um gesto de enfado e voltou a dedicar-se ao trabalho. Sabia que não
adiantaria empenhar-se em discussões sobre coisas nas quais Suttney acreditava há mais
de cinco anos.
Leu as indicações fornecidas pelo rastreador de matéria e constatou que este
registrara a presença de três planetas. Os mesmos percorriam órbitas situadas a 0,6, 2,8 e
10,3 unidades astronômicas do respectivo sol. A idéia de que nenhum deles poderia
oferecer condições semelhantes às da Terra deixou Chellich satisfeito.
O volume de radiações do sol, que tinham diante de si, era praticamente idêntico ao
do sol terrano. O mundo interior seria uma bola de fogo, mais quente que Vênus,
enquanto os dois planetas externos seriam mais frios que Marte.
Nesse sistema não havia nenhum lugar que convidasse a um pouso. E, quanto mais a
gazela demorasse no espaço, maior seria a chance de que as naves terranas conseguissem
capturá-la, antes que Suttney pudesse concretizar a traição que tinha em mente.

***

A frota terrana entrou em formação.


Três minutos depois da descoberta de Horace O. Mullon, foi localizado o segundo
ponto da transição, que acabara de produzir o campo energético. Por enquanto ninguém
conhecia a identidade do veículo espacial que havia sido atingido pelo goniômetro. Mas a
circunstância de que o goniômetro de compensação da Drusus reagira ao mesmo,
enquanto o rastreador estrutural permaneceu em silêncio, constituía indício seguro de que
se tratava de uma nave terrana, uma vez que os arcônidas ainda não conheciam o
neutralizador de vibrações.
O indício bastou para que toda a frota empenhada na operação de busca
desenvolvesse uma atividade febril. Numa mensagem circular, transmitida pelo
telecomunicador, Perry Rhodan colocou a frota em rigoroso alarma e ordenou aos
comandantes das unidades que se dirigissem o mais depressa possível ao ponto
determinado pelo goniômetro.
A própria Drusus nem perdeu tempo para recolher suas naves auxiliares. Partiu
imediatamente. As gazelas receberam instruções para segui-la o mais rápido possível. Já
os girinos, que não dispunham de hiperpropulsores, deveriam permanecer no lugar onde
se encontravam e aguardar o retorno da nave-mãe.
Uns quinze minutos depois de realizada a localização, a Drusus emergiu do
hiperespaço a dez minutos-luz do ponto determinado. Ainda chegou em tempo de
registrar a mensagem que Walter Suttney dirigiu à frota robotizada de Árcon, estacionada
nas proximidades de Latin-Oor. Segundos depois, a velocidade remanescente da
gigantesca nave foi neutralizada pelas máquinas potentes. Movida apenas pela gravitação
do sol amarelo, a Drusus manteve-se quase imóvel no espaço.
No interior da nave reinava uma tensão febril. Perry Rhodan anunciara que a
qualquer momento se deveria contar com a chegada de uma frota arcônida.
As naves terranas foram surgindo em torno do ponto prefixado. Anunciaram sua
presença por meio de ligeiros sinais goniométricos, que nada revelariam a Suttney e seus
cúmplices, mesmo que estes por acaso mantivessem ligados seus receptores.
A gazela ainda não havia sido localizada. No momento em que Suttney transmitiu a
mensagem, sua posição era conhecida. Mas não se sabia para onde se deslocara. O objeto
era muito pequeno para ser localizado por meio do rastreador de matéria. Os campos
gravitacionais, provenientes do sol e de seus planetas, sobrepunham-se ao da gazela.
Perry Rhodan acreditava que, conforme anunciara, Walter Suttney passaria a
transmitir sinais goniométricos, assim que a gazela se colocasse em posição de espera.
Esses sinais seriam irradiados por meio da antena direcional.
Não havia dúvida de que Suttney escolhera o lugar por saber que a frota arcônida
estacionada nas proximidades de Latin-Oor se encontrava a apenas dezesseis anos-luz de
distância. Acontece que qualquer transmissão realizada por meio de antena direcional
produz campos secundários, que podem ser captados a grande distância por aparelhos
sensíveis, permitindo a localização goniométrica do transmissor.
As unidades da frota terrana foram dispostas de tal maneira que os arcônidas
estariam cercados de naves terranas, fosse qual fosse o lugar em que aparecessem. Na
opinião de Perry Rhodan essa posição era a mais favorável. Sabia que a frota arcônida era
composta de cerca de quatro mil unidades. Tinha uma superioridade de quatro para três
em relação às forças terranas. E, para aguardar um inimigo mais forte, as naves não
devem ficar espalhadas pelo espaço. Deve-se entrar numa formação que permita a
compensação da superioridade, ao menos nos primeiros momentos do confronto.
Caso naquele instante alguém perguntasse se Perry Rhodan esperava ter de lutar
pela gazela ou pelas informações relativas à posição galáctica da Terra, ele não saberia
responder. Não sabia quanto valiam esses dados para o computador-regente de Árcon.
Era possível que ansiava tanto pelos mesmos que não recuaria nem sequer diante da
perspectiva de um ataque à frota terrana.
De qualquer maneira convinha estar preparado.
Face à agitação que reinava no interior da gigantesca Drusus, ninguém se interessara
por Horace O. Mullon. Este permanecia deitado junto à poltrona, totalmente exausto.
Dera tudo que suas forças lhe permitiam. Só depois que a Drusus se imobilizou, os
enfermeiros recolheram o homem inconsciente e levaram-no ao hospital. Horace O.
Mullon recebeu uma injeção que restabeleceu o equilíbrio energético de seu organismo e
transformou o estado de inconsciência num sono profundo e repousante.
Isso aconteceu no momento exato em que foi registrada a primeira série dos abalos
estruturais causados pelas naves arcônidas. Esses abalos vinham de uma distância de
dezesseis anos-luz e ainda não haviam cessado, quando nas imediações houve outra série
de abalos, que causou nos rastreadores estruturais um ribombar semelhante ao de uma
trovoada. Cada abalo causava um forte ruído no rastreador estrutural. Na seção em que
ficavam os aparelhos de localização, o pessoal viu-se obrigado a fechar a grade sonora, a
fim de não ficar exposto ao contínuo ribombar, estalar e crepitar.
Depois de vinte minutos o ruído começou a diminuir. Contaram-se quatro mil cento
e quinze abalos. Era o número de naves da frota robotizada de Árcon. A mesma reagira
imediatamente ao chamado de Suttney.
Na tela da Drusus, alguns pontos luminosos amarelos passaram a destacar-se contra
o fundo cintilante do oceano de estrelas. Eram as naves arcônidas mais próximas ao
supercouraçado de Perry Rhodan.
As telas dos arcônidas deviam exibir o mesmo quadro. Como eles, ou as tropas
auxiliares de outras raças, não ficariam surpresos ao constatar que haviam, emergido em
meio a uma frota terrana preparada para o combate.
Acreditariam que o chamado de Suttney era apenas uma armadilha?
Nesse momento teve início a espera ansiosa a bordo das naves terranas. Enquanto
isso, Horace O. Mullon recuperava as forças num profundo sono.

***

Por ordem de Suttney, Gunter Chellich aumentou a velocidade da gazela em


cinqüenta vezes. O barco espacial aproximava-se do planeta interior do sistema a 100.000
km/seg. Suttney escolhera esse planeta como campo de pouso. Chellich ponderara que o
lugar seria bastante desagradável, com uma temperatura diurna média de setenta graus
centígrados. Mas Suttney sabia tão bem quanto o tenente que no espaço aberto um
veículo espacial teria poucas possibilidades de esconder-se. Preferia pousar num planeta
escaldante a ser aprisionado pelas naves terranas.
Chellich incumbiu-se de dar um nome ao sistema e ao planeta. Não falara a este
respeito, pois Suttney não estaria disposto a receber de um prisioneiro sugestões relativas
a um ato de batismo. Para Gunter Chellich, o sol seria chamado de Calígula, enquanto o
planeta interior teria o nome de Tântalo. Não procurou enganar-se a si mesmo. Ao dar o
nome de Calígula ao sol, pensava em Ronson Lauer, cujo caráter apresentava numerosos
pontos de semelhança com os do imperador romano, embora sua fantasia fosse outra; e,
ao designar o planeta pelo nome de Tântalo, apenas exprimia o desejo de que o Calígula
moderno, que naquele momento cuidava das feridas num dos camarotes da nave, não
tivesse melhor sorte que a do homem que usara o mesmo nome.
Depois de ter discutido com Chellich os motivos da traição que estava cometendo,
Walter Suttney via-se mergulhado numa estranha rigidez. Chellich não entreteve a
esperança de que, como resultado de uma reflexão prolongada, surgiria a decisão de
desistir do plano infame. Na opinião de Chellich, Suttney enfrentava a situação de um
homem que está firmemente decidido a cometer um homicídio. Porém, no último
instante, se assusta diante da gravidade do ato. Mas isso talvez não o impediria de
assassinar alguém — ou, no caso de Suttney, de cometer a traição.
Oliver Roane assumiu a mesma atitude do chefe: manteve-se calmo. Só que em
Roane a calma não tinha sua origem na reflexão. Não tinha muita coisa com que pudesse
refletir. Para ele, a atividade mais agradável consistia em ficar sentado sem fazer nada.
Para Chellich, essa calma veio bem a propósito. Ninguém se interessou pelos
instrumentos de localização da gazela, que estavam desligados e, por isso, não poderiam
mostrar o que estava acontecendo no espaço. Chellich não teve nada a objetar. As
indicações dos aparelhos incutiriam em Suttney a suspeita de que, além da frota arcônida,
poderia haver mais algumas naves nas proximidades.
A fim de não tatear inteiramente no escuro, Chellich procurou verificar se as telas
mostravam qualquer alteração. Ele o conseguiu pela primeira vez, quando começou a
frear, a cinqüenta milhões de quilômetros de Tântalo. Só mesmo quem tivesse uma vista
bem treinada conseguiria distinguir os pontinhos amarelos que surgiam de repente. Até
mesmo Chellich não saberia dizer onde estava a diferença. Mas tinha certeza de se tratar
de naves. Por enquanto não tinha condições de saber se eram naves terranas ou arcônidas.
Notou que as mesmas se mantinham praticamente imóveis no espaço.
“Isso acontece”, pensou, “porque não conseguem constatar a presença da pequena
gazela.”
Era difícil localizar um objeto pequeno num espaço interplanetário. As
interferências eram muito numerosas. As naves que se encontravam por lá, fossem de
quem fossem, dependeriam dos sinais goniométricos de Suttney para encontrá-lo.
Chellich contou um total de trinta e cinco pontos luminosos. Eram as naves que não
se encontravam a mais de um milhão e meio de quilômetros da gazela e, devido às suas
posições, estavam sendo iluminadas pelo sol Calígula. Devia haver muito mais que essas
trinta e cinco naves — atrás dele, à sua frente, a seu lado...
Era uma sensação estranha passar no meio de uma grande formação de naves e
fingir não ver mais que trinta e cinco pontos luminosos.
Tântalo entrou no campo de visão. Oferecia um quadro fascinante ao transformar-se
numa questão de minutos, em virtude da velocidade elevada do barco espacial, de um
ponto num círculo, de um círculo numa bola e de uma bola numa imensa esfera amarelo-
acinzentada, que, alguns segundos depois, cresceu para além dos limites da tela.
Gunter Chellich fez a nave penetrar nas camadas superiores da atmosfera.
Modificou a rota e passou a deslocar-se em ângulo agudo em relação à superfície do
planeta. Enquanto isso, examinou o que se encontrava abaixo dele. A primeira coisa que
lhe chamou a atenção foi que Tântalo praticamente não apresentava qualquer divisão
entre as porções de terra. De horizonte a horizonte, tudo era amarelo-acinzentado. Em
certos lugares dominava o cinza, em outros, o amarelo. Chellich não conseguiu descobrir
a causa do fenômeno. Durante os primeiros dez minutos de observação, viu um único
risco negro e reto, que atravessava o quadro na extensão de algumas centenas de
quilômetros. Provavelmente era uma cadeia de montanhas não muito elevadas.
Subitamente alguém colocou-se a seu lado. Era Walter Suttney. Não o vira chegar.
Com Chellich, fitou a tela, e seus olhos exprimiam uma profunda depressão.
— É um deserto — disse decepcionado.
Chellich achou que Suttney tinha razão. Era a única explicação que encontrava para
a monotonia da superfície do planeta. Tântalo era um deserto gigantesco, um gigantesco
oceano de areia sobre o qual borbulhava o ar superaquecido.
Os medidores automáticos revelaram os outros dados relativos a Tântalo. O
diâmetro do planeta era quase exatamente de dez mil quilômetros, ou seja, um pouco
menor que a Terra. O giro em torno de seu eixo durava vinte e uma horas e cinco minutos
e deslocava-se pela sua órbita a uma velocidade de trinta e oito vírgula sete quilômetros
por segundo. Sua atmosfera era composta de sessenta e oito por cento de nitrogênio, vinte
e nove por cento de oxigênio, dois vírgula três por cento de argônio e zero vírgula sete
por cento de dióxido de carbono, hidrogênio e hélio. Concluía-se que o ar era respirável.
Restava saber se os pulmões suportariam o calor produzido pelo sol inclemente.
A sonda térmica constatou que a temperatura da areia na superfície do planeta era de
noventa e cinco graus centígrados.
— Olhe! — disse Suttney de repente. — Pouse ali.
Na tela via-se um segundo traço negro. A gazela deslocava-se a uma altitude de
trinta quilômetros. Notava-se perfeitamente que o traço negro era um conjunto de
montanhas — de montanhas relativamente baixas. Era um dos raros lugares onde se
poderia encontrar uma sombra em Tântalo.
Gunter Chellich observou mais uma coisa. Viu que a fronteira da face noturna ficava
a poucas centenas de quilômetros das montanhas. Dali a menos de uma hora, estaria
escuro lá embaixo.
Chellich fez a nave auxiliar descrever uma curva bem ampla e aproximou-se da
cadeia de montanhas. Numa descida forte baixou a quinhentos metros e constatou que a
montanha mais alta mal e mal atingia essa altura. Reduziu a velocidade e esperou que
Suttney escolhesse o local de pouso.
— Isso pouco importa — disse Suttney em tom de resignação. — Entre nesta fenda.
A fenda era um vale estreito e íngreme, que separava duas montanhas. A entrada do
vale era tão estreita que mal dava passagem à gazela.
Chellich ficou satisfeito ao notar que o local era bastante conveniente aos seus
planos. Suttney sabia de que direção viriam as naves arcônidas. Transmitiria o sinal
goniométrico pela antena direcional, a fim de evitar riscos. Mas, se transmitisse de dentro
do vale, as ondas seriam refletidas pelas encostas, e o efeito direcional da antena ficaria
reduzido praticamente a zero. Caso as naves terranas já se encontrassem nas
proximidades, isso seria muito importante.
Chellich fez a nave passar uns duzentos metros acima do vale. Depois pousou
cuidadosamente. Agiu como sempre costumava agir. Não se sentiu o menor solavanco.
Suttney virou-se.
— Roane! — disse em tom áspero. — Cuide dele.
Roane levantou-se e pegou a pistola.
Pela segunda vez, Suttney dirigiu-se ao painel do hipertransmissor e ligou o
aparelho.

***

Constatou-se que a frota arcônida emergiu do hiperespaço em formação compacta.


De repente surgiu no espaço o centro de um novo campo de gravitação, cuja intensidade
levava à conclusão de que era causado por quatro mil naves de guerra que se mantinham
bem próximas umas às outras.
Por meio de uma série de cálculos complicados, realizados com extrema rapidez
pelo computador positrônico, constatou-se que a frota arcônida mantinha a formação
usual. As naves deslocavam-se na face externa de uma esfera cujo diâmetro não
ultrapassava duzentos mil quilômetros. Em condições normais esse tipo de formação
seria bastante favorável. Mas aqui, que as unidades bem espalhadas da frota terrana;
aguardavam os arcônidas, não era.
O centro da esfera concluíra a transição a uma distância de seis unidades
astronômicas do astro central do sistema. As naves arcônidas continuaram a deslocar-se
em direção a esse sol a uma velocidade pouco inferior a dez quilômetros por segundo.
Logo se percebia que a confusão se instalara entre elas. Não sabiam o que estava
acontecendo em torno delas. Reconheceram alguns pontos de luz projetados pelas naves
terranas, da mesma forma que as telas destas mostravam as naves arcônidas mais
próximas.
Mas os arcônidas não tinham qualquer possibilidade de avaliar o “tamanho” da frota
inimiga. As naves terranas estavam tão afastadas umas das outras que não poderiam gerar
um campo gravitacional digno de nota, e as tentativas de localização pela eco-sonda do
hiper-rádio falharam em virtude da absorção de energia causada pelos campos defensivos
das naves terranas.
Duas horas se passaram sem que acontecesse nada de importante. Perry Rhodan
achou que a melhor tática seria deixar os arcônidas na incerteza. Com isso criaria
confusão entre os tripulantes das naves e não forçaria ao robô-comandante quaisquer
informações que lhe permitissem elaborar um novo plano.
O mais estranho era a ausência total de mensagens de rádio que prevaleceu durante
essas duas horas. As naves terranas haviam sido instruídas a manterem silêncio, a fim de
que o inimigo não obtivesse qualquer indicação que lhe permitisse calcular o número de
naves da frota.
Já do lado dos arcônidas, o silêncio constituía um sinal típico de que as naves eram
comandadas pelos robôs. Entre esse tipo de tripulante não havia qualquer espécie de
discussão. Eram apenas receptores de ordens, do chefe ao soldado raso.
Depois de mais de duas horas de espera, o silêncio foi rompido. Walter Suttney
começou a enviar sinais goniométricos. Nos setores de rádio das naves terranas, todos
começaram a suspirar aliviados.
Mas não só lá...
O fato de que Suttney estava transmitindo os sinais combinados significava que não
sabia da presença da frota terrana. Do contrário teria esperado um momento favorável;
nem pensaria em revelar sua posição. Isso facilitaria as coisas. Rhodan sentiu-se aliviado.
A espera martirizante havia chegado ao fim.
Transmitiu o sinal previamente combinado às unidades de sua frota. As naves muito
espalhadas puseram-se em marcha para concentrar-se em torno do centro do sistema.
Constatou-se que o transmissor estava situado no planeta interior do sistema, que
gravitava em torno de seu sol a uma distância média de 0,6 unidades astronômicas, ou
seja, 90 milhões de quilômetros.
De repente a imagem nas telas mudou.
Perry Rhodan fez questão de que agora, que o momento da decisão estava próximo,
o inimigo visse uma demonstração de sua força. Os mecanismos propulsores das naves
funcionavam com base em radiações de corpúsculos. Repuxos luminosos incandescentes
saíram dos gigantescos bocais e movimentaram as imensas unidades da frota. O empuxo
provocado pelos raios de corpúsculos era tremendo. Milhares de pontos cintilantes
surgiram nas telas.
Os arcônidas começaram a agir. A esfera que até então formavam desmanchou-se. A
frota arcônida entrou em formação reta e aberta e também avançou em direção ao planeta
interno do sistema.
Perry Rhodan deixou que o fizessem. Mas quando sua nave, a Drusus, se encontrava
a dez milhões de quilômetros do destino e a quinze milhões de quilômetros das unidades
mais próximas da frota arcônida, enviou uma mensagem de rádio ao comandante de
Árcon. Tinha certeza de que havia um comandante orgânico, mesmo que este não
comandasse nada, mas apenas recebesse ordens de um robô.
Ao que tudo indicava o arcônida já aguardava a chamada, pois a rapidez com que
respondeu à mesma foi inacreditável. A suposição de Rhodan, de que a bordo das naves
arcônidas havia tropas auxiliares, revelou-se correta. Poucos segundos depois de
transmitida a mensagem, surgiu na tela o busto de um metro e meio de um gigantesco
naat, um ser de três olhos vindo do quinto mundo do sistema de Árcon. O naat dirigiu os
três olhos para Perry Rhodan. O crânio calvo e esférico brilhava à luz das lâmpadas de
gás incandescente, e a boca fina parecia contorcida num sorriso ininterrupto. Rhodan
sabia que na verdade aquilo não era nenhum sorriso.
O naat esperou que Rhodan começasse a falar. Este proferiu sua fala em arcônida, e
num tom pouco convencional:
— É claro que não lhe posso proibir que mantenha sua frota justamente neste
sistema. Mas quero avisá-lo de que no planeta interior pousou uma nave roubada com
três desertores. Espero que não metam o dedo nisso.
A cabeça do naat executou um movimento automático para o lado. Olhou para
baixo, fitando alguma coisa que Rhodan não via. A expressão “não meter os dedos” era
usada tanto em arcônida quanto em inglês. O naat estava olhando suas mãos, que não
tinham dedos, mas garras. Perry Rhodan conhecia os complexos de inferioridade de que
sofriam as raças dominadas pelo Império de Árcon.
— Alguém nos enviou um pedido de socorro — respondeu o naat depois de
contemplar as mãos por algum tempo. — E nunca recusamos o socorro que nos é
solicitado.
Aquilo não passava de uma desculpa esfarrapada. Ao que parecia o naat ainda não
recebera instruções de seu robô.
— Vamos ao que importa — disse Rhodan em tom frio. — Ouvi o pedido de
socorro. Foi transmitido pelos três desertores. Apenas quero saber se está disposto a ficar
fora disso ou não.
O naat voltou a olhar para baixo. Rhodan não via nada, mas tinha certeza de que
naquele instante um cartão seria expelido por uma fenda, e nela o robô lhe diria o que
devia responder.
— Agiremos de acordo com a situação — disse o naat.
— Muito bem — “concordou” Rhodan. — Quero esclarecer mais uma coisa. Se
qualquer de suas naves se aproximar do planeta a uma distância inferior ao décuplo de
seu diâmetro, mandarei abrir fogo. Espero que tenha entendido. Não temos a intenção de
permitir que os senhores fiquem bisbilhotando os assuntos internos de nossa frota.
Desligo.
Interrompeu a comunicação antes que o naat pudesse esboçar uma resposta.
As naves continuaram a concentrar-se em torno do alvo. Perry Rhodan ordenou aos
seus comandantes que se mantivessem na mesma linha que fora indicada aos arcônidas
como limite de penetração. A cem mil quilômetros da superfície do mundo desértico
formou-se uma nuvem de espaçonaves, formada por unidades terranas e arcônidas.
Mais uma vez, teve início a espera. Os sinais goniométricos de Walter Suttney já
não estavam sendo transmitidos.
A bordo da Drusus foi preparada a gazela, que desceria à superfície do planeta e
procuraria localizar os três desertores e o Tenente Chellich.

***

Walter Suttney enviou seus sinais goniométricos durante meia hora. Gunter Chellich
tremia de excitação. Esperava que a qualquer momento uma nave terrana descesse dos
céus e parasse junto à entrada do vale.
Mas fez seus cálculos e chegou à conclusão de que a reação não poderia ser tão
rápida. Se o campo de vibrações energéticas tivesse sido registrado por alguma nave
terrana esta, se não estivesse a cinco mil anos-luz de distância, conseguiria determinar
com toda segurança o sistema solar ao qual a gazela resolvera dirigir-se. Porém não seria
capaz de saber em que ponto do sistema se encontrava o veículo espacial.
Quem calculasse em termos de centenas ou mesmo milhares de anos-luz muitas
vezes se esquecia de que uma superfície de “apenas” quatro quatrilhões de quilômetros
quadrados, que era a de um sistema das classes menores, formava um território quase
infinito, no qual a gazela poderia esconder-se pelo tempo que quisesse. Depois de
penetrarem no sistema de Calígula, as naves terranas teriam de realizar uma operação de
busca de grandes proporções se quisessem localizar a nave desaparecida. E mesmo que
tivessem captado o sinal goniométrico de Suttney levariam algum tempo para realizar as
manobras de aproximação e pousar no planeta Tântalo.
Não; ainda era cedo para que a salvação pudesse chegar. As naves terranas, mesmo
que estivessem presentes, teriam seus movimentos embaraçados pela frota arcônida, que
sem dúvida faria tudo para não perder a chance única de obter informações sobre a
posição galáctica da Terra.
Gunter Chellich teve outra idéia. E se o grupo de naves terranas de socorro chegasse
à conclusão de que não estava em condições de enfrentar as unidades arcônidas? O que
fariam as mesmas para evitar que nas condições de inferioridade em que se encontravam
o segredo caísse nas mãos dos arcônidas?
A resposta era tão fácil e convincente que qualquer pessoa se lembraria dela,
inclusive o comandante espacial mais diretamente interessado no assunto. Uma das naves
terranas tentaria chegar antes dos arcônidas. Desceria em direção a Tântalo, procuraria
localizar a gazela e a destruiria.
Seria apenas isso. Uma bomba, ou uma salva de desintegradores, e tudo estaria no
fim.
Chellich combateu o mal-estar que começou a sentir. Olhou instintivamente para o
teto da sala de comando, como se através do respectivo material pudesse reconhecer a
nave terrana, que, naquele instante, se preparava para lançar a bomba ou abrir o anteparo
diante de um gigantesco canhão de desintegração.
Não. Felizmente, mesmo para isso, ainda era cedo. Ainda lhe restava algum tempo:
uma ou duas horas. Depois, caso permanecesse no interior da gazela, estaria praticamente
morto.
Enquanto Chellich refletia sobre isso, Walter Suttney desenvolvia uma atividade
notável. Esteve lá fora. Chellich ouviu o zumbido da escotilha. Ao voltar carregava sob o
braço uma cassete de plástico pertencente ao banco de dados. Chellich logo percebeu o
que havia nela. Eram microfilmes que permitiriam a apuração da posição galáctica da
Terra. Além disso, Suttney colocara um traje espacial. Estava prestes a abandonar a nave.
Foi seguido por Ronson Lauer, que também envergava um traje espacial.
— Vá buscar um traje, Roane — ordenou Suttney.
Roane levantou-se e saiu. Chellich esforçou-se para que seu rosto exprimisse
espanto.
— Pretendem abandonar a nave?
Suttney limitou-se a acenar com a cabeça.
— Por quê?
Lauer soltou uma risada.
— Essa pergunta não é muito inteligente, Chellich. Sabe lá o que fará uma nave
terrana que se encontre nas proximidades, assim que nos encontrar?
Chellich bancou o desentendido.
— Ela nos mandará pelos ares — prosseguiu Lauer. — Dessa forma não poderemos
revelar nada. Preferimos ver como estão as coisas lá fora.
— Sente-se nervoso, não é? — perguntou Chellich em tom irônico.
O rosto de Ronson Lauer contorceu-se numa careta de deboche.
— Sempre estive, Chellich — confessou. — E são muito bons.
Com um movimento rápido, tirou a arma. Chellich saltou para o lado, mas logo
percebeu que o ataque não se dirigia a ele. Lauer girou sobre os calcanhares, numa pose
de atirador de cinema, e dirigiu o raio expelido pela arma para o grande painel que se
encontrava do outro lado da sala de comando. A energia concentrada cortou ao meio a
placa de metal. O metal evaporou-se com um chiado, afastou-se lentamente e condensou-
se nas paredes. As lâminas de plástico vitrificado estouravam e uma série de curtos-
circuitos rugiu nos condutores embutidos no painel. O pequeno recinto encheu-se de
calor e mau cheiro. Um minuto depois, o painel ficou danificado a tal ponto que ninguém
poderia repará-lo.
Ronson Lauer virou-se. Sorriu. Ao que parecia, o trabalho que acabara de fazer
deixava-o muito satisfeito. Continuava a segurar a pistola.
— Isto é para o senhor não acreditar que vamos permitir que saia voando por aí —
disse em tom de escárnio.
Chellich compreendeu o que queria dizer. Olhou para Suttney, mas este esquivou-se
ao olhar.
— Seu covarde! — disse Chellich em tom de desprezo e voltou a dirigir-se a Lauer.
— Sua carreira chegou ao fim — disse Lauer em tom dramático e muito satisfeito
com a apresentação que estava proporcionando. — Até aqui, o senhor nos tem causado
muitos problemas. Agora terminou. Não pense que quero matá-lo. Prefiro deixar que seus
amigos da frota matem-no. Acho que eles saberão cuidar muito bem do caso. Pois não
sabem que o senhor ainda está na nave, não é mesmo? Naturalmente! Não poderei
permitir que fique nos espionando. O senhor compreende?
Chellich quase não prestara atenção às palavras de Lauer. Sabia o que estava para
vir. Seu cérebro trabalhava febrilmente em busca de uma saída. Não havia por perto
nenhuma arma ou qualquer coisa de que pudesse servir-se. Suttney encontrava-se junto à
escotilha, e Ronson Lauer foi bastante inteligente para manter-se a uns cinco metros de
distância. Lentamente, como que antegozando o prazer, ergueu a pistola e apontou-a para
Chellich.
O tenente conteve a respiração e retesou os músculos. Viu que Lauer apontava a
arma para seu ombro. Quando teve a impressão de que iria puxar o gatilho, deu um
grande salto para o lado. O disparo passou por ele e atingiu a parede. Por um instante
Lauer ficou perplexo. E, nesse instante, Chellich modificou a direção do salto e investiu
sobre Ronson. Provavelmente essa ação arrojada poderia surpreender um homem menos
experimentado que Lauer. Mas este apenas recuou um pouco e voltou a disparar antes
que Chellich tivesse tempo de estender o braço.
Gunter Chellich viu um raio...
Nem chegou a sentir dor. Alguma coisa o levantou suavemente e carregou seu corpo
pela infinita amplidão luminosa!
5

Na edição de 13 de outubro de 2.042, Terrânia Times noticiou o seguinte:

Mais uma vez, temos oportunidade de examinar uma informação


relativa à concentração da frota terrana na área central da Via Láctea.
Procuram apresentar-nos a operação como se fosse uma simples
manobra. Acontece que nossos elementos de confiança informam que,
além da frota terrana, um grupo de naves arcônidas surgiu nesse setor
do espaço. Ao que tudo indica, não se trata de uma manobra, mas,
talvez, de uma operação conjunta das duas frotas, dirigida contra um
inimigo comum.
Pelo volume das forças empenhadas na operação, conclui-se que
não se trata de uma escaramuça galáctica de proporções corriqueiras.
Ao que parece, um perigo extraordinário surgiu nesse setor da Via
Láctea. Trata-se de um perigo que representa uma ameaça para os dois
reinos galácticos, o dos arcônidas e o nosso.
Somos levados a supor que, ao oferecer ao público seu noticiário
sobre os acontecimentos que se desenrolam no centro da Galáxia, o
Ministério das Informações age no intuito de não perturbar nossa paz e
tranqüilidade. No entanto, voltamos a ressaltar aquilo que já
ponderamos muitas vezes. Se quisermos esperar que os terranos ajam
com determinação e sangue-frio, devemos fazer com que os mesmos
sejam devidamente informados sobre todos os fatos importantes.

***

Quando Gunter Chellich voltou a si, admirou-se de ainda estar vivo. A explosão
ofuscante e silenciosa, a levitação num espaço luminoso e sem fim...
Mas, de repente, já não havia nenhuma luz, nem levitação. Estava escuro, seu corpo
jazia sobre alguma coisa e uma dor cruciante revolvia o lado direito do tronco.
De início, sentiu-se intrigado pela escuridão. Depois lembrou-se de que Ronson
Lauer destruíra o grande painel.
No momento em que a arma foi disparada contra Chellich, ainda era dia lá fora, e as
telas, que não estavam ligadas ao painel, traziam a luz para dentro da nave, como se
fossem enormes janelas. Mas agora era noite. Do lugar em que se encontrava, na tela
panorâmica só se via um brilho cinzento, quase imperceptível.
Gunter Chellich sabia o que lhe tinha acontecido.
Ainda se lembrava de que Suttney, Lauer e Roane pretendiam abandonar a nave.
Mas levou alguns minutos para descobrir por que pretendiam agir assim.
Perigo! Um perigo o ameaçava! A primeira espaçonave terrana que avistasse a
gazela a destruiria sem a menor hesitação.
Essa idéia o despertou de todo. Procurou esquecer a dor martirizante que sentia nos
quadris e encostou o relógio de pulso aos olhos. Sabia que, quando Lauer disparou contra
ele, eram oito horas e quarenta minutos, tempo terrano. Agora eram nove e quinze. Ficara
inconsciente por mais de meia hora. Teria de sair da nave o mais depressa possível.
A escotilha estava aberta. Depois da destruição do painel principal, já não havia
energia que pudesse fechá-la. Chellich lembrou-se de que as duas escotilhas da comporta
também deviam estar abertas. Concluiu que estava respirando o ar de Tântalo e não
notara qualquer diferença, e não parecia fazer muito calor.
“Não é de admirar”, pensou no mesmo instante. “Tântalo deve possuir um clima
acentuadamente continental. De noite o frio é miserável, enquanto de dia faz um
tremendo calor.”
Tropeçou pelo corredor e parou à frente do armário no qual eram guardados os trajes
espaciais. Estava vazio. Os trajes estavam espalhados pelo chão. Chellich apalpou-os e
constatou que todos haviam sido inutilizados. Em cada um deles havia um buraco. Não
lhe tinham deixado a menor chance.
Cego de cólera, continuou a cambalear em direção à comporta.
A escotilha externa estava a apenas um metro acima do solo. Chellich saltou e...
A perna direita não conseguiu absorver o impacto. Caiu com o rosto na areia. Deitou
sobre o lado esquerdo e, ao levantar, apoiou o peso do corpo sobre a perna esquerda.
Conseguiu erguer-se.
A areia estava morna. Ainda não pudera irradiar o calor do sol. Por algumas horas
armazenaria o calor. Mas não havia a menor dúvida de que ao amanhecer o frio seria
intenso.
Chellich olhou em torno. O céu espalhava um brilho leitoso, que lhe permitia
orientar-se pela vista.
Examinou seu corpo. O quadril direito estava reduzido a uma massa dura e
quebradiça, feita de plástico; a fazenda chamuscada e a carne queimada. Ao que parecia,
o tiro disparado por Ronson Lauer só o atingira de raspão. Mesmo assim, as dores eram
terríveis. Chellich cerrou os dentes.
Examinou o solo e encontrou a pista de Suttney e seus cúmplices. Ao notar que se
haviam dirigido para dentro do vale e pretendiam esconder-se num lugar em que havia
sombra, sentiu-se alegre.
Chellich seguiu a pista. Procurou forçar o menos possível a perna direita, e passou a
apoiar-se mais na esquerda. Alguns minutos depois, percebeu que esta também já não
estava agüentando o peso do corpo. Começou a doer. Dessa forma, não conseguiria andar
muito depressa. De qualquer maneira, avançaria mais devagar que Suttney, Lauer e
Roane.
Acontece que, nesse meio tempo, sua raiva atingira um estágio em que os
argumentos racionais não tinham lugar.
“Tenho de alcançá-los”, pensou.

***

Às oito horas e cinqüenta e cinco minutos, tempo de bordo, a estação de observação


do couraçado Barbarossa constatou que um minúsculo barco espacial se desprendia de
uma das naves arcônidas estacionadas nas proximidades. O veículo ultrapassou o limite
fixado por Perry Rhodan e se aproximava do planeta. Naturalmente pretendia dar busca
ou mesmo pousar ali.
O General Deringhouse, comandante da Barbarossa, não perdeu tempo. Fez
exatamente aquilo que Perry Rhodan recomendara.
O primeiro tiro foi disparado quando a nave auxiliar se encontrava a setenta mil
quilômetros da Barbarossa. Os canhões do costado também abriram fogo e um feixe de
raios energéticos estendeu-se em direção ao pequeno veículo espacial.
Enquadrada na mira, a nave desapareceu numa explosão fulgurante e silenciosa. Os
canhões da Barbarossa voltaram a silenciar. Os homens ficaram atentos aos aparelhos de
hiper-rádio, procurando descobrir a reação dos arcônidas. Mas nada aconteceu.
Meia hora depois de ter sido derrubada a nave auxiliar, os arcônidas ainda não
haviam respondido ao tiro. Numa gazela integralmente tripulada, Perry Rhodan decolou
da Drusus. O General Deringhouse assumiu o comando de toda a frota, inclusive da nave
capitania.

***

Ronson Lauer deixou que o amplo feixe de luz de sua lanterna brincasse sobre a
rocha. De repente descobriu a fenda estreita que se abria metro e meio acima do solo e
penetrava na parede de rocha. Aproximou-se e percebeu que o caminho subia
suavemente. Ao que parecia, levava para o platô.
Lançou um olhar indagador para Suttney. Este fez um gesto para Roane. Roane foi o
primeiro a penetrar na fenda. Assim que entrou, ajudou Suttney, que levava a carga
pesada da cassete. Ronson Lauer foi o último. Apesar do microtransmissor que trazia
pendurado ao pescoço, movia-se com bastante agilidade. Uma vez na fenda, voltou a
colocar-se na ponta do grupo e iluminou o caminho.
Subitamente Ronson Lauer notou que o sistema de condicionamento de seu traje
espacial trabalhava em outra “tonalidade”. Olhou para o termômetro de pulso e viu que a
temperatura externa era de quarenta e um graus centígrados.
Enquanto caminhava pé ante pé prestando atenção à presença eventual de animais
perigosos, embora já não acreditasse que nesse mundo existisse vida, ficou refletindo
sobre se haviam agido acertadamente ao abandonar a gazela. Concordava com Suttney,
segundo o qual toda e qualquer nave terrana que destruísse o barco espacial, mataria o
tenente.
Restava saber se existia qualquer veículo espacial terrano nas proximidades.
Ninguém poderia saber que estavam ali. Lauer achou tão improvável que no momento em
que Suttney irradiava a mensagem destinada aos arcônidas houvesse uma nave terrana
num raio de cem anos-luz que nem sequer cogitou seriamente dessa possibilidade. Era
claro que a transmissão de Suttney também fora captada pelas naves terranas. Mas as
mesmas deviam estar tão longe que levariam alguns dias para encontrar o sistema em que
se encontrava a gazela.
Concluiu que, ao fugirem da gazela, agiram precipitadamente.
Teria sido mais confortável permanecer numa poltrona e aguardar a chegada de um
arcônida.
No momento em que se virava para sugerir a Suttney que regressassem à nave,
alguma coisa aconteceu acima dele. De início, apenas viu um raio ofuscante cuja luz
penetrou na fenda. Lauer olhou fixamente para o céu e viu uma chuva de pontinhos
reluzentes que saía de algum lugar do zênite e, depois de espalhar-se para todos os lados,
caiu em direção à superfície.
Esqueceu-se do que pretendia dizer e saiu correndo. Fungando, foi subindo pela
fenda sem dar a menor atenção a Suttney e Roane. Com alguma dificuldade, chegou ao
platô.
Neste meio tempo, os pontinhos reluzentes já haviam chegado mais perto.
Subitamente algo desceu, assobiando, e com um forte estrondo caiu um pouco afastado
do lugar em que se encontravam, enterrando-se no chão arenoso. À luz crepuscular da
noite, Lauer viu uma nuvem de pó erguer-se e descer lentamente. Sentiu um forte
solavanco na rocha sobre a qual estava parado.
Voltou a erguer os olhos e notou que os pontos reluzentes haviam desaparecido.
Deviam ter caído ao solo em outro lugar. Ronson Lauer ouviu alguém respirar
pesadamente às suas costas. Nem olhou para trás a fim de ver se era Roane ou Suttney.
Saiu correndo em direção ao lugar em que a coisa estranha havia penetrado no solo.
O platô era totalmente plano, e a cratera, que o objeto caído do céu abrira no chão,
tornava-se bem visível. Lauer viu que era circular e tinha um diâmetro de cerca de quatro
metros. Sua profundidade era a mesma.
Não conseguiu ver o objeto que havia aberto a mesma!
Lauer desceu na cratera. A areia movimentou-se e Lauer começou a escorregar. Ao
chegar ao fundo da cratera, Lauer estava envolto numa nuvem de pó. Tirou o
microtransmissor de cima do ombro e atirou-o ao chão. Começou a cavar a areia com as
mãos enluvadas.
Era um trabalho penoso, ainda mais que a areia estava quente. Depois de meia hora,
quando, apesar das luvas, tinha as mãos cobertas de bolhas provocadas por queimaduras,
Lauer atingiu um lugar em que a areia derretida se aglomerara num torrão. Tirou o torrão
e jogou-o para o lado. Embaixo dele, surgiu uma peça entrecortada e retorcida de metal
plastificado, que estendia uma ponta espinhosa para Ronson.
Cautelosamente Lauer foi pegando a ponta. Procurou segurá-la para tirar a peça de
metal de baixo da areia. Mas mal tocou o material soltou um grito de dor. A temperatura
do metal plastificado era de pelo menos quinhentos graus.
Lauer recuou um pouco e ligou a lanterna. Deixou o raio deslizar centímetro por
centímetro pela ponta metálica. Aquilo evocava alguma coisa em sua mente. Tinha
certeza de que logo se lembraria do que era caso o visse no seu estado original, isto é,
antes de ser deformado pelo calor.
Subitamente ouviu a voz de Suttney no receptor de capacete. Parecia deprimida e
desesperada:
— É a coluna de direção de uma nave auxiliar arcônida...
Lauer compreendeu imediatamente que Suttney tinha razão. Era isso mesmo: uma
coluna de direção. Lembrou-se do aspecto da mesma, que lhe fora transmitido por meio
de treinamento hipnótico. Era um tubo de plástico com várias saliências que continham
os diversos controles do barco arcônida. As saliências já não existiam mais; derreteram-
se. E o resto se deformara. Mas a observação de Suttney era correta.
Ronson Lauer subiu, totalmente perplexo. Pendurou o microtransmissor no ombro.
Não sabia explicar como a coluna de direção de um barco arcônida viera parar na
superfície desértica desse planeta.
Walter Suttney encontrava-se na borda da cratera. Oliver Roane ainda não havia
chegado. Lauer viu-o caminhando pelo platô.
— Quer dizer que acabaram chegando mesmo — disse Suttney em voz tão baixa
como se estivesse falando num solilóquio.
— Quem? — perguntou Lauer. — Os arcônidas?
— Estes também vieram. Mas eu me refiro aos terranos.
Lauer respirava nervosamente.
— Quer dizer que você acha que eles derrubaram um barco arcônida?
— É claro que sim. O que poderia ser?
Lauer continuava a olhar a cratera com uma expressão de incredulidade. Depois
lançou os olhos para o céu escuro, como se pudesse avistar as naves terranas e arcônidas.
— Prepare o microtransmissor! — exclamou Suttney de repente.
Lauer virou-se abruptamente.
— Por quê? — perguntou. — Não venha me dizer que você pretende...
— Vamos logo! — insistiu Suttney. — Não podemos perder tempo. Daqui a
algumas horas, nossa gente nos encontrará.
Lauer ficou furioso.
— Que diabo você quer que eu faça com o microtransmissor? — gritou.
— Vamos dizer aos arcônidas tudo que sabemos a respeito da posição da Terra;
antes que seja tarde.
Por um instante, Lauer ficou perplexo. Roane também parecia ter perdido a fala.
— Será que você ficou maluco, Walter? — questionava Lauer depois de algum
tempo. — Se o transmissor der um pio, eles nos localizarão e dentro de três minutos
estaremos mortos.
— Três minutos são suficientes para que os arcônidas saibam onde encontrar a Terra
— respondeu Suttney em tom sério.
— E nós? O que teremos a ganhar se os arcônidas sabem disso?
Subitamente a voz de Suttney assumiu uma tonalidade irônica.
— Ronson, você não é um revolucionario? Você jurou que iria destruir Perry
Rhodan, custasse o que custasse. Pois bem. Rhodan estará destruído no momento em que
os arcônidas conseguirem encontrar a Terra. Por que perder tempo? Será que sua vida lhe
vale mais que o bem-estar da humanidade?
Ronson Lauer ficou sem fôlego.
— Não conte comigo — disse.
Suttney segurou as cassetes de microfilme sob o braço esquerdo. Respondeu sem
fazer o menor movimento:
— Você prometeu obedecer às minhas ordens, Ronson. E é exatamente o que você
vai fazer. Prepare o microtransmissor e passe-o às minhas mãos.
— Não! — gritou Lauer.
— Faça o que estou dizendo, senão...
— Senão o quê?
Walter Suttney não soube avaliar corretamente a situação. Acreditava que teria
tempo para colocar a cassete cuidadosamente no chão e puxar a arma. Com isso Ronson
Lauer pôde agir com uma facilidade verdadeiramente ridícula. Quando Suttney ainda se
erguia, já estava com a pistola destravada na mão. Levantou-a e disse em tom de
desprezo:
— Seu imbecil!
E disparou duas vezes.

***

Quando ocorreu a explosão no espaço, Gunter Chellich ainda se encontrava a


algumas centenas de metros do fundo do vale. Soube interpretar corretamente o
fenômeno. A idéia de que as naves terranas haviam chegado infundiu-lhe novo ânimo
para prosseguir na difícil marcha.
Depois de algum tempo, atingiu a encosta que fechava o fundo do vale e encontrou
a fenda. Não saberia dizer com certeza se Roane, Suttney e Lauer haviam passado pela
mesma, mas como sua pista terminasse embaixo do lugar em que ela começava e não
prosseguia em qualquer lugar, convenceu-se de que devia ser assim. Puxou o corpo para
cima. O esforço fez com que as dores nos quadris começassem de novo, motivo por que
ficou deitado por alguns minutos na rocha.
Assim que sua respiração se tornou mais tranqüila, procurou ouvir o que se passava
na escuridão. Era claro que Suttney e seus companheiros deviam tê-lo deixado bem atrás,
desde que tivessem caminhado ininterruptamente. Mas também era possível que se
encontrassem mais adiante, no interior da fenda, aguardando os acontecimentos.
Não ouviu nada. Por isso levantou-se e foi adiante. No interior da fenda o calor era
intenso e o ar abafado. Depois dos primeiros cinco passos, seu rosto ficou banhado em
suor. Encostou-se à rocha para descansar um pouco, mas esta era ainda mais quente que o
ar.
Foi andando e lançou os olhos para a frente, na esperança de que a fenda terminasse
logo e o levasse ao terreno aberto.
Subitamente ouviu um zumbido e um chiado às suas costas. Ficou tão surpreso com
o ruído, que lhe era tão familiar, que a alegria dolorosa o fez escorregar e cair ao chão
quente. O ruído cresceu e fez a rocha estremecer. Chellich começou a gritar de alegria e
na esperança absurda de conseguir fazer-se ouvir. Mas seu grito foi sufocado pelo chiado
que subitamente se misturou ao zumbido agudo dos mecanismos propulsores. Dali a
alguns segundos, uma ofuscante luz branco-azulada encheu a fenda, e um instante depois
o ribombar de uma tremenda explosão envolveu Chellich.
Este não conseguiu ver a sombra da gazela que passou rente ao platô. Sentiu-se
ofuscado. A luz fulgurante da explosão da nave auxiliar em que uma hora antes estivera
deitado, inconsciente, desenhava-lhe anéis coloridos e saltitantes diante dos olhos. Tateou
em torno e encontrou uma saliência na rocha quente. Puxou-se para cima. Cambaleante e
desiludido, continuou a subir.
Haviam destruído a nave auxiliar, conforme era esperado. Sentiu-se amargurado
com a idéia de que não tiveram a menor consideração com ele. Se Ronson Lauer o tivesse
amarrado na sala de comando, não estaria mais vivo.
É claro que não poderiam ter consideração por ele. O que significava a vida de um
ser humano, quando o destino da Terra estava em jogo? Talvez também acreditavam que
tivesse encontrado um meio de colocar-se em segurança.
Fosse como fosse, haviam chegado. Passaram pouco acima de sua cabeça. Se tivesse
um aparelho de rádio, poderia ter dado um sinal de sua presença.
A esta hora, estariam pousando nas proximidades a fim de verificar se Suttney,
Lauer e Roane haviam abandonado a gazela antes da explosão. Se tivesse sorte poderia
encontrar sua nave na manhã do dia seguinte, assim que a escuridão desaparecesse.
Prosseguiu na esperança de que, dentro de algumas horas, estaria em lugar seguro,
numa cama, tendo ao seu lado um médico gentil que lhe desse um tratamento suave.
Chegou ao platô. Refletiu se devia sentar na areia e esperar ou se seria preferível
seguir a pista de Suttney, Lauer e Roane. O platô desenhava-se nitidamente à luz das
estrelas. Via a pista numa extensão de quinhentos metros.
Depois de algum tempo, resolveu segui-la. Era possível que os ocupantes da gazela
não tivessem a menor idéia de onde se encontravam os três desertores. Quando o
localizassem, ele poderia dizer-lhes.
Dali a alguns minutos, viu duas manchas escuras, uma grande e outra pequena.
Ao aproximar-se, verificou que a mancha grande era uma cratera, enquanto a
mancha pequena era o corpo de Walter Suttney. Tinha uma ferida feia e profunda no peito
e seus olhos vidrados estavam arregalados atrás da lâmina transparente do capacete, em
direção ao céu noturno.
Gunter Chellich não soube imaginar o que teria acontecido. Era bem verdade que
julgava Ronson Lauer capaz de matar qualquer um desde que isso lhe fosse conveniente,
mas não conseguiu atinar com qualquer motivo que numa situação como esta pudesse
explicar um homicídio.
Empurrou o cadáver de Suttney até a borda da cratera e deixou que descesse ao
fundo da mesma. Quando o vento enchesse a cratera de areia, a mesma seria uma espécie
de túmulo.
Depois Chellich prosseguiu na sua caminhada.

***

Subitamente o céu noturno ficou repleto de gazelas elípticas. Perry Rhodan as


chamara, uma vez descoberta e destruída a nave desaparecida.
Não tivera a menor dificuldade em descobrir o veículo espacial. A gazela de Suttney
era praticamente a única peça de metal que se encontrava na superfície do planeta. Perry
Rhodan avançou em direção ao lugar do qual provinham os primeiros reflexos do
localizador de microondas e logo encontrou aquilo que estava procurando.
No entanto, estava convencido de que Walter Suttney fora bastante inteligente para
abandonar a nave. E era bastante provável que não tivesse saído da área de perigo de
mãos vazias. As informações relativas à posição galáctica da Terra caberiam
perfeitamente numa caixa em forma de cubo com dez centímetros de aresta.
Provavelmente Suttney mantinha os microfilmes em lugar de fácil acesso e os levara. Ao
menos deviam contar com essa possibilidade.
A gazela foi encontrada num desfiladeiro que penetrava dois quilômetros montanha
adentro, na direção leste. Caso Suttney e seus comparsas tivessem abandonado o barco
espacial, certamente teriam avançado para o leste, ou seja, em direção às montanhas. A
leste do desfiladeiro ficava um platô onde a visão era ampla. Os fugitivos não poderiam
esconder-se no mesmo. Já deveriam tê-lo atravessado, ou então se haviam dirigido para a
borda da superfície plana, situada ao norte ou ao sul.
Perry Rhodan convocara as gazelas para bloquear essa parte do complexo
montanhoso. Ordenou-lhes que pousassem no pé da cadeia montanhosa. A gazela de
Rhodan ficou à espreita na extremidade leste do platô. Só depois disso se poderia afirmar
com segurança que Suttney e Roane se encontravam numa armadilha, vivos ou mortos.
Perry Rhodan procurou entrar em contato com Walter Suttney pelo telecomunicador.
Expediu a seguinte mensagem:
— Aqui fala Rhodan! Responda, Suttney!
A partir do raiar do dia estas palavras foram irradiadas ininterruptamente pelo éter.

***

— Desça por aqui! — fungou Lauer. — Que diabo! Ande mais depressa!
A lerdeza de Roane começava a enervá-lo. Deu-lhe um pontapé nas costas, fazendo
com que seu corpo descesse pela rocha mais depressa do que pretendia. Uma vez lá
embaixo, Roane ficou deitado, gemendo.
Lauer seguiu-o agilmente. Além do microcomunicador carregava a cassete com os
microfilmes. Apesar disso, caminhava com uma extraordinária destreza.
Haviam visto a luz da explosão que destruíra a gazela. Encontravam-se num
esconderijo seguro, na extremidade leste do platô, quando viram a nave de Perry Rhodan
passar pouco acima da superfície. Dali a alguns minutos, viram uma esquadrilha de
gazelas que desceu do céu noturno e desapareceu além dos cumes montanhosos.
Ronson Lauer avaliou corretamente a situação. Estavam numa armadilha. Na
extremidade leste do platô, a encosta rochosa e íngreme descia para um vale largo e
arenoso. Na encosta havia numerosos esconderijos. Ronson Lauer sabia perfeitamente
que seria inútil prosseguir na marcha.
Sentados naquele lugar, viram o céu clarear aos poucos. Os homens de Rhodan não
demorariam a iniciar as buscas. E procurariam no lugar em que a rocha oferecia bons
esconderijos. Não levariam mais de três dias para encontrá-los.
Então era isso. Seu caminho terminara num planeta seco e poeirento, que nem
sequer tinha um nome.
Ronson Lauer sentiu-se furioso.
Que malditos idiotas eram os arcônidas! Por que não vieram mais depressa? Nesse
caso a esta hora ele e Roane estariam sentados num camarote confortável, onde lhes seria
dispensado um tratamento respeitoso, enquanto apresentavam a algum comandante
arcônida o segredo roubado a Rhodan.
No entanto, estavam sentados em meio a uma série de rochas marrom-amarelas,
esperando que o sol nascesse e que os homens de Rhodan os encontrassem.
Salvo se...
Subitamente Lauer teve uma idéia. Viu à sua frente a cassete com os microfilmes.
Não teria oportunidade de entregá-la aos arcônidas. Mas poderia fazer aquilo que Suttney
pretendia. Poderia informá-los pelo microcomunicador de que o sistema solar terrano
ficava a esta ou aquela distância do lugar em que se encontravam, e que deviam procurá-
lo nesta ou naquela direção. Não seria uma informação completa, mas bastaria para que
os arcônidas encontrassem a Terra dentro de dois anos no máximo.
Não tinha a intenção de, na situação em que se encontrava, ainda transmitir esta
informação aos arcônidas.
Mas poderia ameaçar Perry Rhodan de agir dessa forma!

***

Durante uma hora, não houve resposta. Perry Rhodan começou a espantar-se. Tinha
certeza absoluta de que Suttney e seus comparsas haviam saído da gazela, antes que esta
explodisse sob a ação de um raio de desintegrador. Mas o silêncio reinante no éter parecia
contrariar essa suposição. Se estivesse vivo, Walter Suttney não seria tolo a ponto de
acreditar que ainda lhe restava uma chance.
Rhodan não sabia que Ronson Lauer ainda não terminara de redigir sua resposta.
Foi só uma hora após o nascer do sol, mais precisamente, às vinte horas, tempo de
bordo, que uma voz apressada e nervosa se fez ouvir no receptor de Perry Rhodan:
— Aqui fala Ronson Lauer, Rhodan. Suttney está morto. Assumi seu posto e quero
propor-lhe um acordo razoável...

***
Quando o sol nasceu, Gunter Chellich havia percorrido metade do platô. Nas
últimas duas horas, sentira um frio terrível. Mas antes que o sol subisse um palmo acima
da linha do horizonte sentiu tanto calor que ansiava pelo frescor da noite.
Os cumes rochosos situados na extremidade leste da superfície plana aproximavam-
se com uma lentidão insuportável. Chellich parava constantemente para respirar. Teve a
impressão de que não saía do lugar.
A pista de Lauer e Roane atravessava a areia amarela em linha reta. Chellich pôde
ver o lugar em que chegava ao fim dessa área. Mas, antes de chegar lá, teria de percorrer
alguns quilômetros. Eram quilômetros de calor e poeira — espaço demais para alguém
que não se agüentava um segundo sobre a perna direita e há uma eternidade não bebia um
gole.
Não se via mais nada das gazelas. Ao que parecia ninguém acreditara que a
superfície arenosa fosse um local de pouso muito favorável.
Chellich continuou a arrastar-se. Começou a duvidar de que conseguisse chegar à
periferia do platô. Sentiu-se dominado pelo pavor. Teve de recorrer a toda a força do
raciocínio, para não se jogar na areia e ficar deitado.

***

— Rhodan, o senhor tem dois meios de transmitir instruções aos seus homens —
disse a voz apressada de Lauer. — Poderá usar o telecomunicador ou o rádio comum.
Estou em condições de ouvir um e outro. Garanto-lhe que, no momento em que o senhor
usar seus transmissores, para qualquer coisa que não seja a troca de mensagens comigo,
começarei a transmitir aos arcônidas as informações de que disponho. Lembre-se disso e
pense na minha proposta.
Perry Rhodan sabia que Lauer estava falando sério. Começaria a transmitir aos
arcônidas as informações relativas à posição galáctica da Terra, assim que alguém
tentasse avisar a posição do transmissor às naves, para que estas soubessem onde lançar
suas bombas.
Tanto Rhodan como Lauer encontravam-se numa situação em que só havia um
caminho a trilhar. Qualquer outro levaria à desgraça.
Ronson Lauer acabara de dizer que não revelaria a ninguém o que sabia, se lhe
fornecessem uma gazela e lhe permitissem decolar com a mesma depois da saída da frota
terrana.
Naturalmente essa proposta era inaceitável. Uma vez de posse da gazela, Lauer
voaria para Árcon, a fim de completar sua traição.
Lauer fixara um prazo de três horas. Se até lá sua proposta não fosse aceita,
começaria a transmitir. Perry Rhodan estava com as mãos atadas. Não poderia fazer nada
sem arriscar a revelação do segredo mais importante do Império Solar.
O sol amarelo foi subindo no céu branco-azulado. E a bordo da gazela oferecia-se
um reino em troca de uma boa idéia.

***

“...esquerda... puxar a perna direita...! não olhe para o sol! Não pense em água! Vá
à frente! Siga a pista!”, eram estes os pensamentos do tenente.
Aos olhos de Gunter Chellich, a areia era de um branco ofuscante e as pisadas que
via à sua frente pareciam buracos negros. Parecia um mundo feito de preto e branco e
calor.
Não sabia quanto ainda teria de caminhar até atingir a sombra das rochas. Não tinha
coragem de levantar a cabeça, pois nesse caso veria o grande sol. E não queria vê-lo.
E nem quando alguma coisa começou a uivar atrás dele levantou a cabeça. Não
estava interessado em saber o que uivava. Ouviu o ruído tornar-se mais forte e aproximar-
se de trás. Mas não parou nem virou a cabeça, pois receava que, se parasse, não
conseguiria prosseguir.
Subitamente viu que os contornos da pista se desmanchavam à sua frente.
Desfizeram-se e de repente haviam desaparecido. Piscou os olhos chamejantes, para
espantar a alucinação. Porém aquilo não era nenhuma alucinação. A pista havia
desaparecido. À sua frente, só havia areia, que alguma força inexplicável tangia...
Quando começou a ficar escuro em torno dele, acabou parando e olhou para trás.
Mas não havia mais nada que pudesse ver. Estava envolto numa densa nuvem marrom, a
areia penetrou-lhe pelos olhos, nariz e boca, e o uivo transformou-se no rugido de uma
tempestade de areia.
Cobriu o rosto com os braços e prosseguiu em sua marcha. Tinha a impressão de
saber em que direção corria a pista antes que se apagasse. Um pensamento automático lhe
disse que, se não tivesse cuidado, descreveria uma curva para a esquerda, já que em
virtude do ferimento a perna direita avançaria menos. Por isso dirigiu-se para a direita e
deixou que a tempestade o tangesse.
Não enxergava dois metros à frente dos olhos. Sempre que mordia os dentes, ouvia
um forte rangido. Mas pouco lhe importava que sentisse um ardor ou ouvisse um rangido.
Uma coisa era tão ruim quanto a outra.
Seguiu cambaleando. Perdeu a noção do tempo. O cérebro foi transmitindo
automaticamente os comandos às pernas.
“Esquerda... puxar a direita.”
Gunter Chellich se parecia com uma máquina que só continuava a caminhar, porque
alguém se esquecera de desligá-la.
De repente, tropeçou em alguma coisa. “Talvez minhas pernas fraquejaram!”,
pensou. “Não... senão eu teria caído na areia macia e... continuaria deitado.”
E ele não caiu no macio.
Seu crânio bateu contra alguma coisa dura, e isso o despertou. Teve a impressão de
ver uma rocha de dois metros à sua frente. De início não acreditava no que seus olhos
viam. Mas, depois de algum tempo, passou a mão pela rocha. As arestas arrancaram-lhe
sangue, e o sangue convenceu-o. Conseguira. Chegara ao fim do platô. Quando a
tempestade amainasse e o sol voltasse a brilhar, a rocha lhe proporcionaria uma sombra
protetora.
Contornou a rocha e comprimiu o corpo contra a face oposta ao vento. Viu que dois
metros atrás dele o chão descia fortemente.
“Provavelmente lá embaixo existe um vale”, pensou cansado.
Comprimiu a mão contra a boca e respirou entre os dedos. Precisava de ar, mesmo
que fosse quente e poeirento como o que estava respirando.
Sentiu que a tempestade sacudia a rocha.

***
Ronson Lauer viu a nuvem de areia marrom passar por cima da rocha e ouviu o uivo
da tempestade. Sentiu-se dominado pelo pânico. Com a tempestade, Rhodan teria uma
excelente oportunidade de aproximar-se sem que ele o percebesse e surpreendê-lo em seu
esconderijo.
Deveria mudar de lugar.
— Vamos embora, Roane! — gritou, esforçando-se para sobrepujar o ruído do
vento. — Vamos para lá!
Roane não sabia por que deveria sair dali, mas obedeceu. Comprimindo-se pelas
rochas, foram seguindo ao longo da encosta. Lauer ficou com o microcomunicador
ligado. Mas Perry Rhodan não chamou.
Já se haviam passado duas horas e meia.

***

A nuvem marrom tornou-se menos espessa e o ruído da tempestade diminuiu.


Chellich olhou para cima e procurou descobrir o sol. Parecia uma bola apagada, em meio
às nuvens de pó. Quem o visse assim nunca acreditaria que esse sol fosse capaz de
queimar e matar um homem.
O campo de visão de Chellich ampliou-se. Conseguiu enxergar alguns metros da
encosta que descia atrás dele. Apenas viu rochas marrons e cinzentas. Não havia nada que
valesse a pena olhar.
Subitamente a tempestade cessou. Terminou tão rapidamente como viera. Uma
nuvem de areia entrecortada corria preguiçosamente para o leste.
De repente Gunter Chellich ouviu um ruído às suas costas. Deixou-se cair de lado e
rastejou até a beira da encosta. A tempestade despertara-o de vez.
Chellich viu Ronson Lauer e Oliver Roane comprimirem-se entre as pedras e
deslocarem-se pela encosta. Encontravam-se à sua esquerda, a uns trinta metros do lugar
em que estava, e dirigiam-se para a direita.
Chellich recuou. Estava com medo. Não queria que Lauer o descobrisse. Ele o
mataria assim que o visse. Escondeu-se do outro lado da rocha. De qualquer maneira teria
de ficar lá, pois era o lado da sombra.
Comprimiu o corpo contra a rocha e sentiu que a mesma cedia. Inclinou-se
ligeiramente. Não estava presa ao solo. De repente Chellich lembrou-se de que a
tempestade a fizera tremer.
Sentiu-se fascinado por uma idéia. Tinha à sua frente uma rocha solta. Mais adiante
havia uma encosta íngreme, na qual Lauer e Roane se deslocavam com grande esforço.
Ergueu-se, apoiando-se na rocha, encostou os braços à mesma e procurou movê-la.
Lançou um olhar apressado para o outro lado e viu que Lauer e Roane se haviam
aproximado. Baixou os braços e encostou o ombro esquerdo à rocha. A dor cruciante, que
sentia no quadril, conferiu-lhe mais força.
Percebeu que a rocha se inclinava. Ouviu que lá embaixo, no lugar em que Lauer e
Roane rastejavam pela encosta, um pedaço de metal bateu contra a pedra. Compreendeu
que naquele momento os dois se encontravam bem embaixo dele. O medo de chegar
tarde conferiu-lhe o restinho de força que faltava para mover a rocha. E a pedra de dois
metros de altura tombou para a frente, deslizou até a beira da encosta, inclinou-se sobre a
mesma, ergueu-se sobre a extremidade superior e desceu ruidosamente.
Gunter Chellich caiu ao chão. Ouviu um grito de pavor. Apoiou-se sobre os braços e
rastejou até a encosta.
Bem embaixo viu a pedra que saltitava em direção ao vale, arrastando consigo uma
nuvem de pó!
À meia encosta, viu duas manchas azul-escuras.
Eram Lauer e Roane. A rocha os atingira e os arrastara algumas centenas de metros.
Mas o microcomunicador que Lauer largara no momento em que sentira o susto
mortal encontrava-se poucos metros abaixo de Chellich.
Este desceu rastejando, sem dar a menor atenção ao sol, cujos raios dardejavam a
toda força sobre seu corpo. Teve a impressão de que várias horas se passaram, antes que
conseguisse pôr as mãos no aparelho. Viu que estava funcionando e ouviu uma voz muito
conhecida que dizia:
— O que lhe podemos propor, Lauer, é o seguinte: a anistia e uma vida livre na
Terra. Mas o senhor não poderá sair do planeta. Aguardo sua resposta, Lauer, é minha
última oferta.
Chellich sorriu. As lágrimas lhe corriam pelo rosto. Aspirou profundamente o ar —
o ar escaldante de Tântalo — e disse para dentro do microfone:
— Aqui fala o Tenente Chellich, Sir. Acho que o perigo passou. Ficar-lhe-ei muito
grato se puder buscar-me.
Depois tombou e desligou o microcomunicador com a testa.

***

Perry Rhodan e Atlan, o arcônida, conversavam a bordo da Drusus, um dia e meio


depois que a frota robotizada de Árcon foi retirada e o regente reconheceu a dupla derrota
que acabara de sofrer: o blefe de Latin-Oor e o fato de que em Tântalo Perry Rhodan fora
mais rápido que ele.
— Daqui em diante, devemos contar a qualquer momento com a repetição do
incidente — disse Rhodan em tom pensativo. — Almirante, você sabe perfeitamente que
os maus exemplos fazem escola, mesmo que não dêem certo.
Atlan concordou.
— Eu me admiro — disse — de que você tenha conseguido guardar o segredo por
tanto tempo. Qualquer pessoa que queira levar vida bem confortável só precisa pegar uma
gazela e voar para Árcon. Tenho certeza de que meu augusto Senhor e Imperador — seu
rosto contorceu-se num sorriso de escárnio — lhe demonstraria a gratidão em moeda
sonante. Sua programação é “suficientemente” humana. A propósito, por que será que
Suttney não foi direto para Árcon ou para Latin-Oor? Com isso alcançaria um máximo de
segurança, não acha?
Perry Rhodan sacudiu a cabeça.
— De forma alguma. Para chegar a Árcon, teria de vencer uma distância de cerca de
trinta mil anos-luz. Uma gazela não pode fazer o salto de uma só vez. Provavelmente
Suttney não quis enfrentar o risco. Um salto representa uma chance de ser descoberto, e
cinco saltos são cinco chances. E Suttney sabia perfeitamente que não poderia confiar em
Chellich. Cada segundo que este gastasse a mais representaria um risco adicional.
Fez uma pausa e prosseguiu:
— E Latin-Oor estava fora de cogitação. Por lá estava estacionada uma frota
robotizada. E a primeira coisa que esta teria feito, se de uma hora para outra uma gazela
terrana aparecesse por lá, seria dar cabo da mesma. Suttney nem teria tido tempo de fazer
chegar sua mensagem ao destino.
“Para ele, o melhor seria mesmo esconder-se num sistema totalmente desconhecido
e chamar os arcônidas. Dessa forma, o Império Arcônida teria tempo para preparar-se.
Suttney esperava que, no momento em que começasse a transmitir pelo hiper-rádio,
nenhuma das nossas naves se encontrasse a menos de cem anos-luz. Quanto à frota
arcônida, sabia que esta se achava a apenas dezesseis anos-luz. Dali resulta uma diferença
enorme na precisão da localização. Naturalmente Suttney não sabia que, naquela altura,
nós já o havíamos localizado, em virtude da manipulação realizada com o neutralizador
de vibrações.”
Atlan estava virado de lado, fitando a tela.
— De qualquer maneira — disse em voz baixa — não posso deixar de felicitá-lo por
possuir um tenente como aquele. Se não fosse ele...
— Que tenente é este? — perguntou Rhodan, fazendo-se de espantado.
— É claro que estou aludindo a Chellich. Será que houve outro tenente que tenha
desempenhado um papel importante nessa história?
— Ah, Chellich! — disse Rhodan em tom de surpresa. — Ele não é tenente, mas
capitão, embora ainda não o saiba.

***

Walter Suttney e Ronson Lauer estavam mortos. Oliver Roane fora poupado pelo
destino. Quando o encontraram, estava apenas inconsciente. A rocha lhe esmagara a
perna direita, que teve de ser amputada. Mas Roane viveria para responder ao processo
que lhe seria movido na Terra.
Gunter Chellich não estava morto, mas quase. Os médicos da Drusus declararam
nunca terem visto um caso tão grave de esgotamento. Gunter Chellich levou três dias
para recuperar os sentidos. Quando isso aconteceu, a Drusus já havia voltado a Fera
Cinzenta.
Ao despertar, Chellich virou a cabeça de lado e viu, na cama ao lado, um rosto que
lhe parecia muito conhecido-.
— Oh, Mullon! Como foi que você veio parar aqui? — perguntou com a voz débil.
— Também esteve em Tântalo?
Mullon riu.

***

No dia 15 de outubro de 2.042, Terrânia Daily News conclui da seguinte forma um


relato minucioso dos acontecimentos no setor de Tântalo:

Mais uma vez, se verifica que existem vários tipos de informações


jornalísticas. O verdadeiro jornalista não levara ao público sem
qualquer exame toda e qualquer informação a que tenha acesso.
Procurará classificar as notícias segundo a importância do conteúdo e
seus prováveis efeitos sobre o público. E, o que é primordial, nunca
inventará uma história destinada a lançar a confusão entre o público, e
não afirmará que obteve as informações de elementos de confiança,
para atribuir-se um ar de seriedade. Geralmente esses elementos de
confiança ficam sentados numa pequena sala situada ao lado ou acima
da redação e extraem as notícias dos lápis, esferográficas ou outros
instrumentos de escrita.
O caso que acaba de ser relatado oferece uma visão flagrante das
maquinações de um jornalismo que procura a sensação pela sensação,
ou pelo desejo de aumentar as tiragens. Ainda somos de opinião que o
jornalismo diligente e responsável deve merecer a preferência do
público, face a esse tipo de apresentação das notícias.

***

Esperava-se que o Terrânia Times se manifestasse vigorosamente sobre o artigo que


encerrava uma alusão inequívoca a seu procedimento.
Mas o Terrânia Times não esboçou a menor reação. Passou tranqüilamente à ordem
do dia...

***
**
*

Mais uma vez, Perry Rhodan aniquila as ações do


cérebro-regente...
Em O Pavor, título do próximo volume, uma expedição
terrana irá viver lances indizíveis.

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