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-Isto é muito triste.Por mais que eu saiba que ela está tão perto da
verdade será sempre doloroso assistir – suspirou violeta entre palavras.
- Já a avisei de que não pode aparecer aqui quando lhe apetece.Temos dias
para as visitas Lia – responde bruscamente o chefe da ordem dos primeiros
vigilantes, Eskar.
- Eu sei...mas – e sentindo um enorme nó na garganta provocado pelo choro
contido desabafa baixinho – preciso de a ver.
- Será a última vez que que lhe concedo este favor.Pode entrar – responde
Eskar.
Lia baixa lentamente a cabeça em sinal de agradecimento e segue pelo
longo corredor até à cabine de autorização.
A cabine de autorização situava-se a meio do corredor e era ladeada por
dois feixes de luz que impediam a passagem.Somente quem carregasse uma
pequena esfera azul, adquirida na sala dos passes, os visitantes teriam
permissão para passar, desactivando os feixes. Dentro da cabine permanecia
um segundo vigilante que garantia apenas a entrada de uma pessoa assim
como a saída da mesma, no espaço de vinte minutos, cedendo deste modo o
lugar para a próxima.
Este era o esquema de visitas na grande casa circular, que mantinha
cativos todos aqueles que ousavam quebrar as cinco Leis Nacionais.
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Em Gaya, a dimensão elevada da terra, Fysis contava a visita da grande
bola de fogo que tivera a Namir.O pequeno, mas já velho sábio, confortava
estrelinha, acto comun sempre que alguém visionava a enorme luz.
- Eu sei que não temes doce Fysis.Mas também sei que a tua forte
ligação com Anar te enche de saudade, uma saudade que certamente não
sentirás para onde vais.
Fysis suspira, e subitamente envolvida num mar de memórias fecha os
olhos, tapando-os com as faces das mãos.
-É sempre díficil não sabermos para onde vamos, tanto posso regressar
aqui como posso integrar na outra dimensão.E tudo isto simplesmente porque
para onde vou, algures lá em cima,eles precisam de mim ou eu é que necessito
deles para que me sejam direccionadas novas ordens.De qualquer modo é
tudo muito vago...gostava que assim não o fosse... – responde soletrando
vagarosamente estas últimas palavras num tom quase mudo.
- Ao menos já não temos de suportar a morte como uma experiência
assustadora e aterrorizante.A presença da bola de fogo ajuda-nos na
transição.Tudo o que tens de fazer é permanecer entre a ala dos viajantes e
esperar...esperar que brevemente o teu corpo se imobilize durante o sono, e a
tua alma parta, em busca do que precisa – esclarece Namir segurando, entre
as suas, as mãos de Fysis – Aqui temos a sorte de sabermos previamente
quando vamos partir, sem dor ou qualquer género de trauma.
-Já te despediste de Anar?
-Sim, embora para ele seja tudo mais fácil.Os Lobos Dourados nunca
encarnaram em nenhuma outra raça, têm uma consciência muito ampla e
respiram uma paz reparadora, estar perto dele enche-me de confiança.
- Eu acho que no fundo sabem o mesmo que nós, só que a um nível
diferente.Pois na realidade não existem tais coisas como raças e
espécies.Fazemos parte de um mesmo todo, dividido e assimilado sob as mais
variadas formas vezes sem conta.Um dia tudo entenderemos – remata Namir,
continuando - Tu tens de certeza um importante caminho pela frente, não é a
toa que partes ao mesmo tempo do despertar de Eskar... Boa noite querida
Fyisis – e beijando-a na testa afasta-se do banco central situado entre o
verdejante jardim perto da casa que acolhe os viajantes.
Encostado entre as almofadas da sua larga cama, Eskar tenta, em vão
adormecer.As visitas efectuadas nas sessões de esclarecimento a Syara
perturbavam-no mais do que o habitual,
Syara possuia uma mente poderosa, o processo era díficil e isso, por
qualquer motivo incomodava-o, mas pensar nele incomodava-o ainda mais.
Levantando-se da cama segue em direção á casa de banho e molhando
o rosto dá por si a observar-se no comprido espelho que ali se encontra.
Eskar era esguio, como todos,contudo corpulento, pois o prolongado tempo de
trabalho e a falta de afazeres ocupacionais de lazer, assim como a influência
de uma racionada alimentação não lhes permitiam obter corpos macilentos, ou
mesmo obesos.Altos, baixos, loiros morenos, os seus corpos esguios,(apesar
de muitos serem extremamente corpolentos)eram semelhantes, talhados pelos
esforços físicos (a maior parte obrigatória para manutenção de um corpo
saudável) e regrados por rotinas mecanizadas.
Eskar vestia uma T-shirt branca e compridas calças de linho, da mesma
cor.O seu rosto dificilmente poderia ser mais belo.Rodeado de uma barba que
religiosamente mantinha aparada com o mesmo reduzido comprimento,
tornava-o ainda mais sério.E entrelaçando os dedos pelo meio dos seus curtos
e pouco ordenados cabelos castanhos, mantem neles pousadas as suas mãos
durantes uns minutos, prolongando aquele estranho contacto com a sua
imagem reflectida no espelho, como se algo aguardasse.
No piso inferior sentada na sua pequena cadeira de baloiçar em
madeira, syara contemplava o seu enorme quarto.
Colocada no centro(por sua livre vontade), encontrava-se uma cama,
não muito grande, contudo também não era pequena, ladeada por dois
compridos varões de metal que terminavam em duas esferas luminosas, as
luzes.Tinha ainda direito a uma casa de banho e sobre o chão, perto dos pés
da cama estendia-se um bonito e extenso tapete verde, que combinava com a
colcha e dois brilhantes almofadões que nela assentavam.
Enquanto observa a sua pacata prisão, entra pela janela entreaberta e
cerrada com barras gélidas, uma brisa quente e repenttina, que teima em
sussurrar aos seus ouvidos.Ao invés de se aproximar junto á janela e sentir o
vento de que tanto gosta, Syara sente-se estranhamente impelida a olhar-se no
enorme espelho que cai desde o tecto até ao chão, mesmo perto do único
armário embutido que possui no quarto.
Conduzida por um receoso caminhar aproxima-se do seu reflexo.Com as
mãos coladas uma na outra, mantém o olhar no chão, preso aos pés, como se
esperasse o momento certo para o levantar.E muito lentamente ergue os seus
olhos azuis, límpidos, ligeiramente escondidos entre os cabelos lisos e finos
como seda, de um preto profundo que lhe tornava a pele ainda mais
branca..Syara não gostava do seu cabelo uniforme e escorrido, preferia uns
balanceantes e soltos caracois e para isso matinha-o cortado, por si mesma, de
uma forma desconexa, mandando tesouradas á toa.O resultado daquela
transformação era uma mistura entre um lindo rosto de traços delicados
emuldorado num rebelde conjunto de marrafas desiguais, mas habilmente
moldadas com algo semelhante a um gel, gentilmente cedido pelos vigilantes
como parte dos produtos de higiene a que tinha direito.
Levantando a mão esquerda toca naquela imagem parada como se
acariciasse com saudade o seu próprio corpo esguio, marcado pelas salientes
curvas que espreitavam debaixo do vestido azul, docemente caido até aos
joelhos.
O que syara desconhecia é que o mesmo gesto estava a ser imitado,
precisamente naquele instante no quarto de Eskar junto ao espelho.
Ambos tocavam nos seus rostos reflectidos com as mãos quando por
breves instantes tanto um como outro deram po si a ver as suas imagens
trocadas.Syara via-se como Eskar e Eskar via-se como Syara.
Os seus corações dispararam como tambores ruidosos e pulsantes.
Instintivamente recuam movendo desordenadamente os pés.Syara cai e Eskar
de tanto abrir os olhos diante de tal visão parece agora ter abrandado o bater
do seu coração até quase parar.
O desconforto e a confusão instala-se, levando-os imediatamente para
as suas respectivas camas.
Eskar tinha sido o grande perseguidor de Syara, fora ele que a levara
aquele destino.Apesar dessa ser uma das suas tarefas, havia-o feito com uma
maior agressão e compulsividade que o normal.Syara sempre o incomodara, e
isso irritava-o.
Longa e dura foi a noite para ambos.
Mal o dial amanhece Eskar decide visitar Syara com a desculpa de que
iriam tentar uma nova sessão, e embora tivesse realmente vontade de o fazer,
tal era a raiva com que estava, sentia em simultaneo uma súbita e forte
necessidade de a confrontar após o sucedido da noite passada.
Ao passar apressadamente pelo segundo Vigilante, Tair, que acabara de
entrar no seu turno, Eskar mal o cumprimenta e fraseando um emararando
qualquer de palavras pouco perceptiveis ao seu ouvido leva o pobre a sentir-se
ligeiramente incomodado e embraçado sem saber bem o que responder.
Os segundos Vigilantes eram responsáveis pela guarda constante da
casa branca circular.Sobre esta erguiam-se oito andares, sendo quatro dos
primeiros os quartos dos criativos cativos, enquanto os restantes compunham
uma parte as residências de certos Vigilantes e outra parte inumeras salas
direccionadas para pesquisas, reuniões e as famosas sessões de
esclarecimento, realizadas por profissionais especializados em neurologia que
tinham como suporte um avançado equipamento tecnológico.
Não existiam prisões fisicamente parecidas com aquelas existentes
antes da mudança.O governador geral, Hunus, em conjunto com todos os
chefes dos primeiros vigilantes das quatro nações decidiram optar por manter
os rebeldes em ambientes estáveis e submete-los ao que chamavam as tais
sesões de esclarecimento.
Apesar de dominador e castrador, o ser humano actual tendia
praticamente para um comportamente obessessivo em prol de uma procura
vincada de obtenção de mais poder técnológico.Claro que novamente os
objectivos pelo qual o faziam e os valores no qual basevam toda a sua busca
eram errados.
Mais uma vez se estaria a deturpar e a esconder a verdadeira natureza
do ser humano reprimida sobre a natureza do comportamento humano,
manipulado, construído e distorcido pelo medo.
Um dos poucos actos de violencia fisica atrós que ali cometiam valia por
si mais do que qualquer outro conjunto de crimes violentos.A última e quinta Lei
Nacional ditava tamanha atrocidade.
Enquanto apertava o cinto da sua simples farda, apenas composta por
uma camisa castanha claro e umas calças, da mesma cor, fortemente
vincadas, segue em direcção ao quarto de Syara.Não carregavam armas
dentro daquele espaço.O próprio sistema de segurança já era uma arma.
Colocando a pequena esfera azul na cavidade faz abrir a porta.
Dobrada sobre os joelhos, que segurava com as mãos, Syara salta da
cama, somo se tivesse levado um choque eléctrico.E já de pé, num postrar
tenso e ansioso fixa Eskar.
Sem saber exatamente os motivos que ali o colocaram começa a sentir
um enorme desconforto em forma de uma bola crescente que pulsa do seu
peito e o impedem de falar.Ao mesmo tempo surge ao seu lado, na entrada do
quarto, pois ainda não havia passado da porta, Tamir, segurando um
pequenino e enrolado cobertor que escondia algo.A sua aflição era notória e
assim que murmura palavras indecifráveis ao ouvido de Eskar este explode de
raiva fazendo dois minúsculos bracinhos se agitarem para fora daquela manta
revelando um choro barulhento de um pequeno bébe.
Completamente alterado e fora de si, em grande parte por culpa do rol
de pensamentos confusos que o tinham conduzido aquele local esta manhã,
desata a berrar com Tamir.
-MAS POR QUE RAIO ME TRAZES ESSA COISA ATÉ MIM.O QUE
ESPERAS PARA A MANDAR MATAR!!
Tamir rapidamente desaparece com o pequeno bébe enrolado.
Encostada agora à parede e com uma expressão repleta de nojo e de
raiva grita no mais alto som que a sua garganta é capaz de suportar –
ASSASSINO...DESGRAÇADO...COVARDE...SE EU TE PUDESSE... – e antes
de completar a sua frase Eskar abate-se sobre ela numa estranha fúria.Sem
conseguir pensar e totalmente dominado por algo que não entende e muito
menos controla, agarra-a pelos braços com uma força exagerada para o seu
frágil corpo.Aprisionada entre a parade e aquele enorme ser encolorizado
Syara desata a chorar, não por medo, mas por impotência perante tudo o que
acabara de assistir. E num gesto inconsciente tapa o rosto com as mãos, como
se de um monstro de protegesse.Agindo sob um impulso que lhe iria custar
várias noites em branco, vai largando lentamente os braços de Syara e
conduzindo os seus numa vontade imperativa,que desistira por momentos de
controlar, destapa com delicadeza aquela face em agonia, olhando-a.
O tempo que permaneceu em seus olhos e aquilo que lhe repondeu só o
fizeram odiá-la ainda mais nos dias que se seguiram – Desculpa... – respondeu
com um timbre que não conhecia e mantendo os seus olhos fixos naquele azul
transparente, que denunciavam uma nova vaga de lágrimas prestes a cair toca-
lhe no rosto, exatamente da mesma forma que o fizera naquela troca de
imagens no espelho na noite anterior.Desta vez fora Eskar que parecera levar
um choque, afastando-se bruscamente daquele ser em quem havia tocado.E
movendo-se em largos passos estupidamente apressados deixa Syara, agora
inerte, confusa, sentada no chão.
A porta bate-se e Eskar desaparece...
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