A simplicidade do conceito não deixa de arrastar consigo uma teia complexa de problemas, interesses, forças e fraquezas dos sistemas associados à sua Biodiversidade. Bio + Diversidade = Variedade de Vida Embora estejamos perante um conceito de difusão recente, a Diversidade Biológica já há muito era entendida como uma das mais importantes características dos ecossistemas, pois ela pode relacionar-se facilmente com os conceitos de estabilidade biológica, equilíbrio biológico, homeostasia e, em última análise, até com a sustentabilidade dos sistemas. Mas prendamo-nos com o conceito de Biodiversidade. Partindo da ideia simples de que existem locais com “coisas” parecidas e outros com “coisas” diferentes, podemos imediatamente concluir relativamente à maior ou menor biodiversidade. Contudo de que “coisas” falamos ? Atentemos por exemplo num roseiral, quando sem flor parece constituído por arbustos “iguais”, mas, quando as flores se revelam…. Se elas forem todas iguais, podemos estar perante diferentes cópias do mesmo indivíduo, i.e., todas as roseiras têm igual património genético. Se elas forem todas diferentes … na maior parte dos casos estaremos perante diversos indivíduos (códigos genéticos diferentes) de uma mesma espécie (a roseira): embora seja a mesma espécie, eles são geneticamente Hibiscus rosa-sinensis, F.L.Alves 2009 bastante próximos mas não deixam de ser indivíduos diferentes…. (As Rosas da China - Hibiscus rosa-sinensis - representadas ao lado pertencem todas à mesma espécie…) Quando falamos das sociedades humanas, a Biodiversidade adquire perspectivas muito peculiares: todos somos Homo sapiens sapiens (mesma espécie), mas a cara de cada um de nós é sempre diferente dos demais. Conseguimos entender (e dar importância) a pormenores que numa outra espécie nos deixariam obviamente indiferentes: a cor dos olhos, a forma do rosto, a cor da pele, a abertura das orbitais, a forma e a cor do cabelo… E curioso também, é que nos agregamos em núcleos onde estabelecemos valores e padrões que alicerçam culturas diversas…. Poderíamos estar a introduzir o conceito de Biodiversidade Cultural. Para estes autores a Biodiversidade deve ser abordada segundo a escala e pode ser Genética, Específica ou Sistémica. A primeira dirá respeito a conjuntos com variabilidade genética, a segunda com espécies distintas e a terceira com sistemas (ecossistemas) diversos. Embora esta seja a perspectiva que reúne maior número de simpatizantes, existem autores que associam a Biodiversidade aos locais (substrato edafo-climático) – a Hibiscus rosa-sinensis, F.L.Alves 2009 Alfa diversidade; aos habitats (ou aos ecossistemas) – a Beta diversidade e às Paisagens (aos conjuntos de Ecossistemas, aos Biomas ou às Unidades Homogéneas de Paisagem) – a Gama diversidade. Esta abordagem não distingue a Biodiversidade evidenciada, mas sim a escala em que a Biodiversidade é avaliada, o que perde um pouco a raiz biogenética do conceito para se envolver mais na leitura ecológica do território. A associação do conceito de Biodiversidade com os de Abundância e Frequência conduz também a alguns aspectos peculiares: se num dado sistema existir um número total de indivíduos reduzido e um grande número de espécies, cada uma delas será pouco abundante, mas, mesmo assim, poderemos estabelecer uma escala de abundância entre elas. Comparando diferentes sistemas, diremos que um ecossistema com uma pequena abundância de um grande número de espécies, é um ecossistema com uma grande importância ecológica (biodiversidade) e com um elevado risco (face à reduzida abundância de cada um dos “genes”). A estes locais chamamos habitualmente pontos quentes (hot spots) de biodiversidade. A Biodiversidade no Mundo sofre variações: em cada momento, as novas condições dos habitats podem levar ao aparecimento de variações genéticas melhor adaptadas e que consequentemente se independentizam. Mas essas mesmas condições também levam ao desaparecimento das espécies que estavam melhor adaptadas às Hibiscus rosa-sinensis, F.L.Alves 2009 condições habitatcionais anteriores. Naturalmente o número de espécies ganhas e perdidas tem tendência para a equiparação, i.e., em balanço, não há ganho nem perda em número. Mas o Homem tem sido capaz de promover a destruição de um número imenso de espécies, tendendo para a utilização de poucas espécies e para a anulação ou indução do desaparecimento das restantes. A este processo chamamos erosão genética ou perda de Biodiversidade. Só com um esforço colectivo e com a intencionalidade das acções podemos evitá-la. A Campanha Countdown 2010 – Save Biodiversity pretende fazer com que, em 2010, o Mundo deixe de perder espécies e Hibiscus rosa-sinensis, F.L.Alves 2009 Biodiversidade. Mas porquê evitar a perda da Biodiversidade ?
Sociedade Portuguesa para o Desenvolvimento da Educação e do Turismo Ambientais
6 Wilson, em 1992, afirmava que a Biodiversidade é uma das maiores riquezas do Planeta; contudo, ela é a menos reconhecida como tal. Mas a Biodiversidade possui diferentes valorações: Para um economista ela possui um valor de Uso. Existem espécies destinadas à alimentação la biodiversité est l'une des plus grandes richesses de la humana ou à produção directa de outros bens de planète, et pourtant la moins reconnue comme telle). consumo. Mas por outro lado também existem espécies indirectamente imprescindíveis ao Homem: elas podem não ter aproveitamento directo, mas sem elas… Por exemplo, os predadores de topo, muitas vezes tidos pelos maus caçadores como competidores pelas presas (população cinegética) são de indesmentível importância na manutenção da qualidade dessas populações ao predarem preferencialmente os indivíduos mais débeis e raquíticos, não apetecíveis para o caçador. Ninguém come abelhas, mas existem agricultores que têm que alugar colmeias para as abelhas promoverem a polinização dentro das estufas. Mas também existe um valor económico potencial como por exemplo: sabe-se que algumas pequenas plantas contêm essências de grande importância farmacológica, pois delas se elaboram medicamentos para o tratamento das diferentes doenças. Mas existem seres vivos que não se sabe se possuem ou não essências com o mesmo tipo de interesse. A sua destruição (extinção) pode levar à perda definitiva de possibilidades de cura inclusive para doenças que ainda não se revelaram. O menosprezo pela sua extinção é uma clara opção de penhora das gerações futuras. Em termos da Humanidade, a existência de uma elevada Biodiversidade é o garante da estabilidade ecológica da Terra. A maior biodiversidade possibilita alternativas ao nível dos nichos ecológicos num mesmo nível trófico, gerando alternativas em matéria de distúrbios e fazendo com que um equilíbrio dinâmico se repercuta no aumento da homeostasia e, consequentemente, na estabilidade final dos sistemas. É este estatuto que garante a sustentabilidade de cada um dos ecossistemas e que, à macro-escala, garante a sustentabilidade da Humanidade. Mesmo para alguém preocupado somente com as questões financeiras e económicas, a existência da Biodiversidade, ao garantir esta estabilidade, possui um valor. Habitualmente o seu valor é tão alto que a quem tem que lidar unicamente com números, custa a admitir a existência do Valor + ∞ (mais infinito), mas na realidade a atribuição de um valor numérico, por muito alto que seja, permite a sua “aquisição”. Ora a destruição do equilíbrio na Terra gera a falência de todo o sistema. A dificuldade está em verificar qual ou quais as variáveis que merecem a atribuição desse valor, pois existe uma teia de relações que de uma forma directa ou indirecta podem contribuir para esse desaire. Finalmente, o Homem enquanto espécie mais inteligente na Terra e com uma intervenção mais expressiva na modificação da crosta terrestre, tem uma responsabilidade ética perante a salvaguarda do seu habitat (a Terra), mas também possui uma responsabilidade ética enquanto garante da existência de todas as restantes espécies, sejam-lhe estas úteis (directamente) ou não. Mas por que acontecem estes “atentados” à Biodiversidade? Todos nós já fomos confrontados, por exemplo, com a memória dos sabores e dos cheiros das frutas e dos legumes de antigamente. Recordamo-nos “daquela” maçã que tinha um aroma e um gosto inesquecíveis. Mas também nos recordamos que ela tinha com frequência… “bicho”… Não se coaduna com a comercialização massiva de um fruto que este possa estar infestado com lagarta! Evidentemente que a curto prazo não existiriam maçãs no armazém ou todas as existentes estariam igualmente infestadas. Por isso, temos que ter tipos de maçãs que lhes sejam resistentes, ou mesmo tratá-las com fármacos para “matar” as lagartas. E também gostamos de ver maçãs grandes e luzidias num qualquer escaparate de supermercado, mesmo sabendo que essa característica lhes pode custar a total ausência de paladar ou que o brilho se deva a … terem sido parafinadas! Quantas variedades de maçãs existem hoje num supermercado? E já reparámos que são as mesmas no supermercado de Lisboa, do Porto, de Paris ou de Viena? Existem nos Andes mais de 100 variedades diferentes de batatas. Quantas existem nos nossos supermercados? 3? 4? Está provado que, em breve, 90 % dos vegetais de que nos alimentamos pertencerão provavelmente a menos de uma trintena de variedades diferentes. Todas as restantes terão sido esquecidas na nossa agricultura… Mas mesmo sem considerar as variedades genéticas habitualmente empregues na alimentação humana, se olharmos para a Natureza selvagem, verificamos que nos encarregámos ao longo de séculos de rotular certos seres vivos de prejudiciais ou pelo menos inconvenientes e por isso… eliminámo-los selectivamente. Há menos de 100 anos, um homem que se deslocasse de aldeia em aldeia, no interior português, com um cadáver de uma raposa (Vulpes vulpes), de uma geneta (Genetta genetta) ou de uma marta (Martes martes), era compensado pelos aldeãos, com prémios de diferentes tipos que poderiam ir da galinha, dos ovos, do saco de feijão ou mesmo de uma importância pecuniária. Estes bicheiros eram tidos como os “limpadores” das criaturas malfazejas que assaltavam capoeiras e eliminavam a criação. Ainda hoje, sob a desculpa do “controle de predadores” que visaria a eliminação de excedentes por exemplo de Saca-rabos (Herpestes ichneumon), muitas reservas de caça assumem que suprimem outros predadores, alegando que as armadilhas montadas não são assim tão específicas. Existem, por isso, diferentes atentados aos indivíduos das espécies em risco, uns directamente, como os exemplos relatados, outros de forma indirecta, como por exemplo a aplicação de insecticidas e outros biocidas que afectam as populações de pirilampos, ou as populações de insectos predados pelas joaninhas. Mas existe ainda um maior número de atentados aos habitats. Em particular as espécies menos cosmopolitas e as espécies topo nas cadeias alimentares (por bioacumulação) são as espécies mais ameaçadas, mas outras há que são extintas sem sequer nunca chegarem a ser conhecidas, como as extintas pelos fogos de desmatação da Amazónia, ou aquelas cujo habitat é mais susceptível de recolha de resíduos, como os ecossistemas de água doce. Como se percebe, a importância da Biodiversidade para a Humanidade é tal que houve a necessidade de se estabelecer uma Convenção da Diversidade Biológica (CBD) para sua salvaguarda. Ela foi lançada em 5 de Junho de 1992 na Conferência do Rio e entrou em vigor em 29 de Dezembro de 1993, existindo 193 países que até ao momento a ratificaram. Os seus principais objectivos são a Conservação da Biodiversidade, o Uso Sustentável da Biodiversidade e a Partilha equitativa dos benefícios emergentes do uso dos recursos genéticos.
Sociedade Portuguesa para o Desenvolvimento da Educação e do Turismo Ambientais
7 Mas quando se fala na Preservação da Diversidade Biológica fala-se implicitamente da nossa própria Conservação. Não se pode pensar no assegurar do futuro da Humanidade, se não se salvaguardar, para além da própria espécie humana, a Protecção dos outros seres vivos, dos seus habitats, do património em geral. Contudo, a conservação das espécies deveria passar preferencialmente pela sua conservação in situ, o que obrigatoriamente quererá significar a conservação dos habitats naturais ou não, algumas vezes em espaços com estatutos de protecção especial (Parques Nacionais, ou Naturais, Reservas Naturais ou outro tipo de Áreas Protegidas). Infelizmente, por vezes, tal não é possível e somente nessa situação pode tentar-se a conservação ex situ em Reservas artificiais, em Jardins Zoológicos ou Jardins Botânicos ou até mesmo em Bancos de Germoplasma (como o existente desde 26 de Fevereiro de 2008 perto da aldeia de Longyearbven na ilha de Spitsbergen do arquipélago Svalbard na Noruega). São muitos os sítios com Biodiversidade importante. De entre eles merecem destaque as Zonas Húmidas (alvos até de uma Convenção de Protecção específica: a Convenção de Ramsar), os ecossistemas insulares, as altas montanhas, as florestas equatoriais e tropicais… Em Portugal temos um grande número de Zonas Húmidas, temos ecossistemas de Montanha com um grande número de endemismos e temos ecossistemas insulares muito importantes, quer nos Açores e Madeira quer inclusive, em pequenas ilhas litorais do Continente como por exemplo a Berlenga. Só por si, estes ecossistemas merecem os estatutos de protecção que lhes foram atribuídos, mas Portugal tem ainda outras razões para dar particular importância à Biodiversidade. A sua importância geo- estratégica entre a Europa e o Norte de África e entre o Banco de Sementes de Svalbard, Internet Mediterrânieo e o Atlântico faz com que por ele passe um conjunto de corredores de migração, locais esses onde a importância da fauna migrante possui importância supra-nacional e, consequentemente, é possível inferir repercussões internacionais para algumas intervenções imponderadas nos nossos habitats. Por outro lado ainda, as grandes zonas Zoo-Geográficas euro-asiática e africana encontram-se na Península Ibérica. Ora os ecossistemas de bordadura (orla) possuem maior biodiversidade do que Elanus caeruleus, F.L.Alves 2009 os ecossistemas puros, pois eles contêm, simultânea- mente, as espécies de um e outro ecossistemas limítro- fes, acrescidas daquelas que são específicas das características daquele encontro de biomas diferen- tes. Como exemplos, tome- mos a existência do saca- rabos (que vêm de Sul), a dos Airos (que vêm do Norte) e a dos endemismos ibéricos como o Peneireiro Cyanopica cookii, F.L.Alves 2008 Cinzento (Elanus caeruleus) ou a Pega-azul (Cyanopica cookii). Rotas migratórias da Avifauna, Internet Também o desenvolvimen- to longitudinal do país segundo a latitude faz com que este apresente um mostruário das grandes regiões ecológicas temperadas que vão desde os ecossistemas de folha caduca no verão (dominados pelas Euphorbia spp), passando pelos ecossistemas de folhas esclerófitas (largas perenes) do tipo Maquis ( dominados pelos Sobreiros (Quercus suber), Azinheiras (Quercus rotundifolia), Zambujeiros (Olea europaea sylvestris), e Alfarrobeiras (Ceratonia siliqua)), pelos ecossistemas de folha caduca (dominados pelos Carvalhos negral (Quercus pyrenaica) e alvarinho(Quercus robur)) e chegando mesmo aos ecossistemas de Coníferas (dominados pelos Pinheiros Manso (Pinus pinea), Bravo (P.pinaster), da Casquinha (P. sylvestris) e das Canárias (P. canariensis)). Em termos climáticos temos os Climas Temperados Mediterrânico, Atlântico e Continental… Mas a Biodiversidade não é um problema dos outros. Cada um de nós nas suas mais simples actividades pode contribuir para a diminuição da perda de Biodiversidade. Em particular ao passarmos palavra acerca do conceito, das fragilidades, dos riscos, nas escolas, nas famílias, estamos claramente a contribuir para salvar a Biodiversidade e fazermos parar a sua diminuição. Vamos a isso? Texto de Fernando Louro Alves
Sociedade Portuguesa para o Desenvolvimento da Educação e do Turismo Ambientais