Anda di halaman 1dari 7

Os Kaiowá e Guarani no Mato Grosso do Sul:

os conflitos de terra e as marcas do SPI

Eranir Martins de Siqueira1


Orientador: Antônio Jacó Brand.2

Introdução.

O presente trabalho centra-se na análise de questões referentes ás terras


ocupadas e reivindicadas pelos Kaiowá e Guarani, localizados no cone sul do Estado
de Mato Grosso do Sul. Os Kaiowá e Guarani constituem hoje uma população
estimada em 32.000 pessoas, ocupando 27 áreas. Historicamente confinados em
pequenas reservas de terras demarcadas pelo Serviço de Proteção aos Índios, eles
vêm buscando, nas últimas duas décadas, quebrar esse confinamento recuperando
áreas de terras ocupadas pelas diversas frentes de colonização que adentraram em
seu território. Enfrentam inúmeros conflitos relacionados à posse de terras
consideradas, pelos índios, como sendo de ocupação tradicional. Embora já
identificadas pela FUNAI, muitas dessas terras seguem em mãos de terceiros,
considerados ocupantes de boa fé.
Apoiado em pesquisa bibliográfica e documental, o artigo demonstra como as
argumentações de proprietários e órgãos públicos, contra o direito indígena á terra
encontram sua lógica nas concepções construídas pelo SPI e seguidas pelo órgão
indigenista no processo de demarcação, entre os anos de 1915 e 1928, de oito
reservas de terras, legalmente destinadas à posse dos Kaiowá e Guarani. Ignorando
os padrões indígenas de relacionamento com o território e recursos naturais e,
principalmente, a sua organização social, o órgão indigenista firmou compreensão
equivocada sobre terras de ocupação tradicional.

O SPI e a demarcação das terras indígenas em Mato Grosso do Sul


Em 1910 foi criado, por meio do Decreto nº 8.072, o Serviço de Proteção aos
Índios (SPI), órgão subordinado ao Ministério da Agricultura. Os objetivos que

1
Acadêmica do curso de História – UCDB, bolsista CNPq – Programa Kaiowá/Guarani – NEPPI. Campo
Grande – MS, eranirsiqueira@hotmail.com
2
Doutor em História, professor na Universidade Católica Dom Bosco e coordenador do Programa
Kaiowá/Guarani, um programa de pesquisa que conta com o apoio do CNPq. Campo Grande – MS,
brand@ucdb.

Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-
UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
2

nortearam a criação deste órgão, da administração pública federal, foi colocar as


populações indígenas sob a égide do Estado, por meio do instituto da tutela,
prometendo assegurar-lhes assistência e proteção, tornando efetiva e segura a
expansão capitalista nas áreas onde havia conflito entre índios e fazendeiros. Uma
administração regional do SPI instalou-se em Campo Grande, MS, para atender os
índios localizados no sul do então estado de Mato Grosso e São Paulo.
No ano de 1915, o SPI inicia suas atividades junto aos Kaiowá e Guarani no sul
de Mato Grosso, com a demarcação oficial das reservas destinadas a essa população
indígena. Os Kaiowá e Guarani viviam espalhados por uma ampla região em ambos
os lados da fronteira entre o Brasil e Paraguai, reunidos, fundamentalmente, em
grupos macrofamiliares. Coincidentemente, seu território era, também, área de forte
presença da erva-mate. Sua exploração constitui-se no período pós-guerra do
Paraguai em importante atividade econômica, sendo praticamente todo o território
tradicional dos Kaiowá e Guarani arrendado à Companhia Matte Larangeira.
Os critérios utilizados pelo SPI na demarcação das reservas de terras a serem
destinada aos Kaiowá e Guarani foram de três ordens. Um primeiro dizia respeito à
significativa concentração de índios, o que em muitos casos estava relacionada às
atividades de coleta da erva-mate e, portanto, ao trabalho dos índios na colheita da
erva. Um segundo aspecto diz respeito á disponibilidade da terra, ou seja, a
inexistência de outros pretendentes para o espaço naquele momento ocupado pelos
índios.E, finalmente, a qualidade da terra, ou seja, a busca de terras mais aptas para a
agricultura (BRAND, 1997). Portanto, como se percebe, em nenhum momento houve a
preocupação deste órgão, em procurar saber realmente onde se localizavam as terras
de ocupação tradicional destes índios e muito menos se as demarcações respeitavam
a organização social dos mesmos.
Esses critérios que orientaram, efetivamente, as demarcações das reservas
indígenas destinadas aos Kaiowá e Guarani no atual Mato grosso do Sul deram
margem a vários equívocos, sendo o principal deles, e que persiste até hoje,
perpassando as polêmicas em torno das atuais disputas pela retomada de terras por
parte dos índios, o de caracterizar como terras indígenas apenas aquelas demarcadas
como reservas e não as de ocupação tradicional, tal como são definidos nos textos
constitucionais, especialmente os de 1988.
Entre os anos de 1915 a 1928 são demarcadas, oitos reservas de terras
destinadas aos Kaiowá e Guarani. São criadas as reservas de Amambaí (Benjamin
Constant), de Dourados (Francisco Horta) e de Caarapó, todas inicialmente com 3.600
ha cada uma. Vem a seguir a demarcação das reservas de Ramada ou Sassoró, Porto
Lindo ou Jacare’y, Pirajuí e Taquapery, todas com 2.000 ha.

Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-
UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
3

No entanto, a reserva de Amambaí, antes mesmo da sua demarcação física,


perde mil hectares, que são vendidas para um particular. Para compensar essa perda,
o Governo demarca, aleatoriamente, uma pequena reserva 900 ha, Limão Verde,
localizado no mesmo município de Amabaí (BRAND, 1997). A preocupação exclusiva
do órgão oficial é a demarcação de terras.
O SPI, ao demarcar estas oito reservas, oficializou a política de aldeamento,
confinando estas populações a pequenos lotes de terras. Cabe perguntar as razões
que levaram o SPI a garantir aos índios extensões de terras tão reduzidas se o
Estado, neste período, possuía muitas terras devolutas. A resposta a essa questão
deve ser buscada nos objetivos da ação do SPI que era a de integrar os índios na
economia regional. Porém, cabe destacar que mesmo que a intenção da “proteção
oficial” era “transformar os índios em pequenos produtores rurais capazes de auto-
sustentarem”, mesmo assim as reservas eram muito pequenas (LIMA, 1992:159).
A ação do SPI e do Governo do Estado, ao demarcar essas reservas, sinaliza e
oficializa o processo de confinamento compulsório, dos Kaiowá e Guarani,
sedimentando a compreensão que as terras por direto de posse indígena eram
exclusivamente as reservas demarcadas. E essa compreensão de que terra indígena
restringe-se às reservas demarcadas pelo SPI, generaliza-se entre a população
regional, apesar dos textos constitucionais afirmarem, a partir de 1934, compreensão
contrária.
Para os Kaiowá e Guarani do Mato Grosso do Sul, as reservas significaram o
seu confinamento, que desrespeitou a sua organização social ao juntar numa mesma
área famílias extensas diversas, ou seja, reunir numa mesma reserva diversas aldeias,
antes autônomas. Desconsiderando as lideranças religiosas, os tekohauvicha (líderes
religioso), o SPI introduziu a figura do “capitão” como líder máximo em cada reserva,
atribuindo-lhe o papel de interlocutor exclusivo entre o Estado e a comunidade
indígena. Eram escolhidos, pelo órgão oficial, como capitães exatamente aqueles
índios já mais próximos e integrados no contexto regional. Ao demarcar as reservas, o
Governo liberou o restante da terra para a colonização, ou, segundo (Lima,1992:125),
o governo criou “espaços livres para a empresa privada”. O Governo, ao considerar
como terras indígenas apenas essas reservas demarcadas até 1928, liberou o
restante da terra indígenas que passa a ser transferida a particulares, por meio de
títulos de propriedades.

A quebra do confinamento – os conflitos de terra.


Uma das características destacadas na bibliografia existente sobre os Kaiowá e
Guarani é sua índole dócil e pacífica, adotando como estratégia, historicamente, o

Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-
UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
4

distanciamento dos colonizadores. Essa era a forma de seguirem vivendo segundo o


seu modo de ser, para o qual a violência física é sinal de desequilíbrio. Com a
implantação dos projetos agropecuários, buscaram localizar suas aldeias nos fundos
de algumas propriedades, onde procuraram resistir enquanto possível à transferência
para dentro das reservas demarcadas pelo SPI. Aos fazendeiros interessava a
presença dos índios nos fundos de suas fazendas enquanto necessários como mão de
obra barata e fácil, pois os índios faziam o desmatamento. Quando não fosse mais do
interesse dos fazendeiros a sua presença, estes eram transferidos, muitas vezes, pelo
próprio SPI para dentro das reservas.
Porém, com o apoio de organizações não-governamentais e Igrejas, os índios
não só passam a oferecer maior resistência à sua transferência para dentro das
reservas, como, também, buscam reocupar áreas perdidas no decorrer do processo
de confinamento. Segundo Hamilton Lopes, líder indígena da aldeia Pirakuá “Não
pediram licença para tirarem nossa terra, não pedimo licença para recuperar nossa
área, nosso povo precisa da terra pra vive a terra é nosso mãe e nois vamo retomá
ela”.
Dessa forma, especialmente a partir da década de 1980, os Kaiowá e Guarani,
apoiados na legislação em vigor e com apoio de setores da sociedade civil, iniciam um
amplo processo de recuperação de terras perdidas.No decorrer do processo de
colonização, os índios foram obrigados pelo próprio SPI a abandonar suas terras sob o
argumento que eles teriam direito apenas às terras abrangidas pelas reservas
demarcadas até o ano de 1928. De 1980 até a presente data os Kaiowá e Guarani
recuperaram 10 novas áreas, perfazendo um total de 21.211 ha, hoje já devidamente
demarcadas e de posse dos índios. E, de outra parte, outras 10 áreas seguem em
processo de reocupação, sendo que os índios, em alguns casos, ocupam pequenas
parcelas da terra pretendida (BRAND, 2003). Os conflitos entre fazendeiros e índios
aumentam. Inúmeros processos tramitam em diversas instâncias da Justiça.
Analisando os argumentos mais recorrentes utilizados pelos proprietários rurais
para contestar as demandas indígenas de recuperação de territórios tradicionais dos
quais foram retirados, em muitos casos pelo próprio SPI, e a partir de 1967, pela
Fundação Nacional do Índio (FUNAI), criada após a extinção do primeiro, percebe-se
que esses seguem amplamente apoiados na argumentação construída pelo SPI, no
bojo das teses integracionistas que sustentavam sua ação.
Em entrevista concedida ao Jornal Correio do Estado, publicada no dia 25 de
janeiro de 2004, o produtor rural, Ricardo Bacha, afirma que “O funcionamento da
FUNAI, transformou num reduto corporativista que se desvinculou completamente dos
objetivos para os quais foram criados”. Para Bacha, “o conflito envolvendo índios e

Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-
UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
5

fazendeiros no Estado, faz parte de uma estratégia que visa transformar cerca de 20%
do território estadual em reservas indígenas, algo que inviabilizaria economicamente
Mato Grosso do Sul, visto o refluxo produtivo que provocaria”.
Na mesma entrevista, quando perguntado se a ampliação das áreas indígenas
não significaria abrir perspectivas melhores na condição de vida para os índios.
Respondeu afirmando que:

Do jeito que está posto, os índios terão apenas mais área. Isso
não resolve. O que se quer saber – e até agora nem a Funai,
nem o Cimi, as ONGs responderam a essa pergunta – é o
seguinte: mais área para os índios para quê? Ou seja, nós
vamos tirar da terra alguém que está produzindo, passar a
área para o Governo federal, para deixar de produzir, para ela
servir a quê? Qual é o caráter social dessa ação? Os índios
têm que convencer a sociedade brasileira de que a ampliação
da reserva que pretendem é melhor para o país.

Centram-se esses argumentos na contestação da ocupação tradicional,


explicitado no texto constitucional de 1988, buscando destituir as demandas indígenas
por terra de seu conteúdo mais profundo, explicitado pelo conceito de território
indígena. Além de desconsiderar o caráter ilegal, arbitrário e violento que caracterizou
o processo de confinamento dos índios, não atenta para outras formas de uso ou
outras formas de relacionamentos com a terra, reduzindo as demandas indígenas por
terras aquelas eventualmente necessárias para o cultivo. Ou, ainda, argumentando
que ao invés de mais terras a solução seria a garantia de emprego e maior assistência
por parte do Estado.
É exatamente essa concepção de terra que norteou toda a ação do SPI, e
posteriormente da FUNAI, no que se refere à garantia das terras indígenas para os
Kaiowá e Guarani até a Constituição de 1988. E, nesse sentido, os proprietários de
terra sempre puderam contar com a presença do órgão de proteção aos índios na
liberação das terras fora das reservas demarcadas. O SPI firmou entendimento de que
todos os índios fora das reservas eram “índios desaldeados”, atribuindo-se a si a
tarefa de aldeá-los, ou seja, transferi-los para dentro das reservas demarcadas.
É o que afirma Brand (1997:104).

O deslocamento para dentro das Reservas de famílias e


aldeias indígenas ainda residentes em fazendas da região

Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-
UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
6

seguiu constante durante a década de 1980, como atestam os


informes e relatórios dos diversos funcionários da FUNAI.
Estes mesmos relatórios confirmam, também, que o
envolvimento do órgão oficial na política de confinamento
dentro das Reservas, das comunidades localizadas fora das
mesmas continuava (1997, p.104).

Ou seja, até a década de 1980, o órgão indigenista oficial seguiu posisionando-


se do lado dos proprietários de terras nos conflitos envolvendo demandas indígenas
voltadas à recuperação de terras de ocupação tradicional. Seguia confirmando o
entendimento de que terras indígenas eram apenas as oito reservas reconhecidas
pelo SPI até 1928, contribuindo para sedimentar uma compreensão equivocada e que
hoje sustenta as teses dos pretensos donos.
Na mesma linha segue Relatório apresentado em 9 de junho de 2004, pelo
Relator da Comissão Especial do Senado Delcídio do Amaral Gomes, de Mato Grosso
do Sul, que estuda os conflitos envolvendo a demarcação de terras indígenas.
Segundo notícias divulgadas pela assessoria do senador (Correio do Estado de
9/06/2004), este propõe em seu Relatório, entre outras medidas, que não sejam
demarcadas como terras indígenas aquelas terras legalmente tituladas em nome de
terceiros não-índios. Ora todas as terras das quais os índios Kaiowá e Guarani foram
historicamente, despejados de forma arbitrária estão hoje tituladas em nome de
terceiros.
Essas são algumas das marcas nas lutas dos Kaiowá e Guarani pela
recuperação de parcelas de seu território tradicional deixadas pela longa ação do SPI.
A dificuldade de amplos setores da opinião pública e do poder executivo em admitir o
conceito de ocupação tradicional está ancorada nessa longa trajetória histórica de uma
política indigenista, voltada para integração e que ignorou a concepção indígena de
território e ocupação tradicional.

Referências
BRAND, Antônio. O confinamento e seu impacto sobre os Pãi/Kaiowá. Porto
Alegre, 1993. Dissertação (Mestrado em História) - PUC-RS.
______. O impacto da perda da terra sobre a tradição kaiowá/guarani: os difíceis
caminhos da palavra. Porto Alegre, 1997. Tese (Doutorado em História) - PUC-RS.
______. Os Kaiowá/ Guarani no Mato Grosso do Sul e o processo de confinamento-a
“entrada de nossos contrários” In Conflitos de direitos sobre as terras guarani
kaiowá no Estado de Mato Grosso do Sul. São Paulo: Palas Athena, 2000.

Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-
UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
7

Correio do Estado. O Conflito indígena inviabiliza o Estado. Campo Grande,


p.5ª.janeiro/2004.
CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo:
FAPESP/ Companhia das Letras/SMC: 1992
GRESSLER, Lori A.; SWENSSON, Lauro J. Aspectos históricos do povoamento e
da colonização do Estado de Mato Grosso do Sul. Dourados: Dag: l988.
LIMA, Antônio C. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação do
Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.
PAULETTI, Maucir et al. Povo guarani e kaiowá: uma história de luta pela terra no
Estado de Mato Grosso do Sul. In Conflitos de direitos sobre as terras guarani
kaiowá no Estado de Mato Grosso do Sul. São Paulo: Palas Athena, 2000.
SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura guarani. São Paulo:
Pedagógica/USP, l974.

Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-
UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.

Anda mungkin juga menyukai