Resumo
Introdução
Hermes transmitia as mensagens dos deuses aos mortais, quer isto dizer que,
não só as anunciava textualmente, mas agia também como “intérprete”,
tornando as palavras inteligíveis e significativas, o que pode obrigar a uma
clarificação, num aspecto ou noutro, ou a um comentário adicional.
Conseqüentemente, a hermenêutica tem duas tarefas: uma, determinar o
conteúdo do significado exato de uma palavra, frase, texto, etc.; outra,
descobrir as instruções contidas em formas simbólicas.
(BLEICHER, 1980, p. 23)
Terry Eagleton (2006, P. 108) reitera o fato de que o significado de uma obra
literária não se esgota nunca pelas intenções de seu autor, afirmando que, “quando a
obra passa de um contexto histórico para outro, novos significados podem ser dela
extraídos, e é provável que eles nunca tenham sido imaginados pelo seu autor ou pelo
público contemporâneo dele”.
Richard Palmer considera o ato de compreender como uma operação
essencialmente referencial, pois segundo ele, compreendemos algo quando o
comparamos com algo que já conhecemos. O autor retoma o conceito de círculo
hermenêutico de Gadamer, salientando que aquilo que compreendemos agrupa-se em
unidades sistemáticas, ou círculos compostos de partes. O círculo como um todo define
a parte individual, e as partes dos conjuntos formam o círculo. Por exemplo, uma frase
como um todo é uma unidade. Compreendemos o sentido de uma palavra individual
quando a consideramos na sua referência à totalidade da frase; e reciprocamente, o
sentido da frase como um todo está dependente do sentido das palavras individuais:
Umberto Eco leva em conta o papel do leitor na leitura de um texto, visto que ele
próprio, como autor, muitas vezes descobre sentidos novos nos textos em que ele
mesmo escreveu. O funcionamento de um texto explica-se, na visão do autor, levando
em consideração “o papel desempenhado pelo destinatário em sua compreensão,
atualização e interpretação, bem como o modo com que o próprio texto prevê essa
participação”. Eco afirma que
quando um texto é produzido não para um único destinatário, mas para uma
comunidade de leitores, o autor sabe que esse texto será interpretado não
segundo suas intenções, mas segundo uma complexa estratégia de interações
que envolvem também os leitores, juntamente com a competência destes em
relação à língua como patrimônio social.
(ECO, 2008, p.84)
A autora retoma as idéias de Jauss salientando que “cada leitor pode reagir
individualmente a um texto, mas a recepção é um fato social – uma medida comum
localizada entre essas reações particulares; este é o horizonte que marca os limites
dentro dos quais uma obra é compreendida em seu tempo e que, sendo “trans-
subjetivo”, condiciona a ação do texto.
Ângela Kleiman (1989, p. 20) afirma que, quanto mais conhecimento textual o
leitor tiver, quanto maior a sua exposição a todo o tipo de texto, mais fácil será sua
compreensão, pois o conhecimento de estruturas pessoais e de tipos de discurso
determinará, em grande medida, suas expectativas em relação aos textos, expectativas
estas que exercem um papel considerável na compreensão.
Segundo a autora, compreender um texto é um processo que se caracteriza pela
utilização do conhecimento prévio: o leitor emprega na leitura o que já sabe, o
conhecimento adquirido ao longo de sua vida. A autora considera que é mediante a
interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento lingüístico, o
textual, o conhecimento do mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto. E
porque o leitor usa justamente diversos níveis de conhecimento que interagem entre si, a
leitura é considerada um processo interativo. Pode-se dizer com segurança que, sem o
engajamento do conhecimento prévio do leitor, não haverá compreensão.
O trabalho do professor de Literatura é de mediação entre a palavra escrita e a
interpretação que os estudantes realizam dos textos em sala de aula. Nesse processo, é
possível permitir que várias atribuições de sentido possam ser dadas numa leitura em
conjunto. Porém, devemos considerar o limite da coerência abordado por Eco (2008, p,
15), que considera que a iniciativa do leitor consiste em fazer uma conjectura que deve
ser aprovada pelo complexo do texto como um todo orgânico. Isso não significa que só
se possa fazer sobre um texto uma e apenas uma conjetura interpretativa. Em princípio,
podemos fazer uma infinitude delas. Mas, no fim, as conjeturas deverão ser testadas
sobre a coerência do texto.
Respeitar a coerência do texto não significa limitá-lo a uma única interpretação
dita correta, mas perceber que, ao final de todas as possibilidades apontadas pelos
leitores, levando em conta a época atual e as vivências de cada um que interferem no
processo interpretativo, existe algum ponto em comum, uma ou mais mensagens em
comum que possam ser sugeridas pelas metáforas e demais figuras de linguagem,
características do texto poético.
Bleicher (1980, p. 258) relembra o fato de que a compreensão hermenêutica não
pode abordar um assunto sem qualquer preconceito; ela pertence, prévia e
inevitavelmente, ao contexto em que o sujeito que compreende adquiriu inicialmente os
seus esquemas interpretativos. Inevitavelmente, o leitor traz consigo suas experiências
interpretativas e particularidades de sua formação na leitura de um poema. Mas o que
favorece a interpretação em grupo é a flexibilidade de sentidos que esse gênero textual
proporciona. Umberto Eco, mesmo chamando a atenção para a importância da coerência
textual, considera o fato de que um dos traços mais relevantes do pensamento
hermenêutico é exatamente a flexível agilidade com que aceita quaisquer critérios de
semelhança, e a todos conjuntamente, embora se contradigam uns aos outros.
Segundo Hermann (2002, p. 87), a valorização da metáfora na educação se deve
às possibilidades interpretativas, pois abrir o sentido da educação pela metáfora é
ampliar as possibilidades compreensivas, deixar o espaço para a pluralidade, ou seja,
para as diferentes percepções sobre um mesmo texto. A autora enfatiza que a
hermenêutica ressurge modernamente no contexto da luta contra a pretensão de haver
um único caminho de acesso à verdade, o que nos leva a valorizar as múltiplas
percepções no processo de interpretação textual. A hermenêutica possibilita, na visão da
autora, que a formação opere com a estranheza e a familiaridade, necessárias à
constituição do sentido. Pelo distanciamento e estranhamento, o sujeito pode
reinterpretar e demover hábitos, e pela familiaridade o sujeito pode produzir, a partir de
seu mundo, antecipações de sentido (HERMANN, 2002, p. 58).
O diálogo é um aspecto fundamental no trabalho com os estudantes. Hermann
afirma que aquele que compreende não adota uma atitude de superioridade, mas sente a
necessidade de submeter a exame sua suposta verdade, põe em jogo seus próprios
preconceitos. A autora vê o diálogo como aquilo que possibilita condições de reflexão
sobre um entendimento ainda não disponível; ou seja, concede aos participantes a
oportunidade de fazer uma reflexão sobre seus pontos de vista.
Na interpretação de um texto em sala de aula, todos se encontram envolvidos
pelo tema, e o objetivo não é enfraquecer a posição do outro, como uma mera disputa,
mas penetrar no tema e mostrar sua força. O verdadeiro diálogo, portanto, “não tem por
objetivo derrotar uma pessoa, mas deixar o tema vir à luz”. Dialogar pressupõe a atitude
de perguntar e responder, que é um dos traços mais importantes da hermenêutica
filosófica.
O caráter libertador do fato literário, de acordo com Zilberman (2001, p. 91),
explica a mutabilidade da história literária, porque a cada texto competirá para oferecer
indagações novas e inquietantes aos públicos diferentes que aparecem. Assim como os
consumidores não são fixos, nem estáticos, a obra literária não é inalterável. A
flexibilidade de cada texto decorre de sua habilidade em responder de modo distinto a
cada leitor ou aos segmentos variados de público; decorre igualmente da propriedade de
o destinatário intervir na obra.
Precisamos cativar os estudantes, incentivá-los ao estudo do texto literário por
sua riqueza de interpretações, oferecendo-os a possibilidade de reconhecer na Literatura
uma maneira de representar aspectos da vida do ser humano, como as ciências
compreensivas objetivam priorizar.
Referências
MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
ZILBERMAN, Regina. Fim do livro, fim dos leitores? São Paulo: SENAC, 2001.
ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da Literatura. São Paulo: Ática, 2001.