1 Doutorando em Filosofia (UFPel), Mestre em Ciência Política (UFPel) e Mestre em Sociologia (UFPel).
substâncial, a ordem e a estrutura de uma dada organização sistêmica vigente. A
característica positiva ou negativa pouco importa para a presente análise (embora seja
possível sustentar que, no ponto de vista do sistema que encontra seu limite e rompe,
seja sempre negativa, no sentido hegeliano do termo), já que este escrito visa evidenciar
primeiramente que, para os autores em tela, há o compartilhamento de elementos pós-
fundacionais que ditam a inexistência de um fundamento último, ao mesmo tempo que
fornece ferramentas teóricas que justificam a compreensão de uma mutabilidade sempre
possível em todo e qualquer sistema ou ordem, independente do juízo valorativo
aplicável.
Sendo assim, em um primeiro momento serão abordadas as noções de
organização sistêmica e seus principais elementos teóricos. Em um segundo momento,
serão destacadas as noções mesmas de ruptura para, em um terceiro momento,
identificar e caracterizar os elementos teóricos principais utilizados pelos autores para
demonstrar os efeitos desta quebra da ordem estabelecida. Por fim, serão apresentadas
considerações sobre as possíveis conexões entre o deslocamento de Laclau e o
acontecimento de Badiou enquanto teorizações da ruptura sistêmica. Cabe destacar que
o principal escopo deste escrito não será o de apresentar toda a teoria dos autores em
tela, mas sim discutir as possíveis aproximações estre ambas.
2 A tese que sustento não declara em absoluto que o Ser é matemático. É uma tese sobre o discurso. Ela afirma que as
matemáticas, em todo o seu devir histórico, pronunciam o que é dizível do ser-enquanto-ser (BADIOU, 1996, p. 04).
3 Eu gostaria simplesmente lembrar que essa distinção lacaniana entre o Um pensado em seu Ser, isto é, a tese de que “o Um é”, e
a tese “há Um” como potência da conta, como potência operatória da conta-por-um, é a tese absolutamente inaugural de meu livro
O Ser e o acontecimento. É o seu ponto de partida (BADIOU, 2013D, p. 48)
4 A uma multitude consistente particular (por exemplo, a sociedade francesa, a arte moderna...), Badiou a denomina “situação”; uma
situação está estruturada, e sua estrutura nos permite “conta-la como (ou por) uma. (...)”. Quando uma situação é então “contada
como uma”, identificada com sua estrutura simbólica, temos o “estado da situação”. (ZIZEK, 2001, p.139)
e estão incluídos em um outro múltiplo, o conjunto formado pela conta-por-um que
constituí esta situação.
Em uma linguagem mais simplificada, Badiou estabelece que em sua teoria
um dado conjunto possuí um determinado critério que estabelece as condições de
inclusão e pertencimento de seus elementos. Um exemplo simples seria o do conjunto
das bandas brasileiras de rock psicodélico. Para ser contado-por-um (ser elemento deste
conjunto) é necessário atender às exigências da fórmula explícita de língua (lei) desta
situação, ou seja, ser um conjunto que toca música, que esta música seja caracterizada
como rock, que seus integrantes sejam brasileiros e que seu estilo enquadre-se na
categoria de psicodélico. Note-se que cada um destas exigências é também uma
multiplicidade, ou seja, outros conjuntos que possuem outras exigências para que seus
elementos sejam contados-por-um (ser contado como psicodélico exige determinadas
características que um sertenajo certamente nem mesmo compreenderia e que faz com
que este estilo não seja contado como pertencente a este conjunto).
Trazendo outro elemento teórico indispensável, é necessário que a própria
estrutura da situação, ou conjunto em nosso exemplo, seja contada-por-um. Este estado
da situação, que nada mais é do que uma apresentação estruturada, é o que garante que
a conta-por-um5 das partes (submúltiplos ou subconjuntos) da situação se efetive,
fazendo com que a necessidade de eliminar toda a representação do vazio se concretize.
O estado fecha completamente a plenitude da situação, ou pelo menos, realiza o esforço
para tal. Por fim, em relação ao estado da situação, cabe destacar que este nada mais é
do que a apresentação da apresentação, ou seja, representação (a condição que permite
ao elemento ou termo pertencer e estar incluído em uma situação é a normalidade).
Contribuíndo para a complementação e simplificação do que foi dito, o
estado de situação é descrito como algo consistente no instante da representação de
elementos que se encontram contidos em conjuntos. Estes conjuntos, que são infinitos,
possuem caracteristicas comuns àqueles outros conjuntos em que estão contidos como
elementos (são conjuntos de conjuntos), cada um deles são coisas diferenciadas (e assim
singulares). Um conjunto, nesta lógica, abarca uma coleção de elementos (outros
conjuntos) e coisas que estão representadas em sua particular “anatomia”, o que as
traduz em sua determinada singularidade. Deste modo, uma situação ao tomar sua
definição por intermédio desta forma conjuntística, apresenta como contidos em seu
conjunto aqueles elementos que existem (por serem contados, simbolizados,
5 O próprio da estruturação lógica é que o “há Um” originário, operando sob o modo de conta-por-um, se apresente consistente: “a
existência não tem norma alguma além da consistência discursiva” (BADIOU, 1999B, p. 55). Essa é uma consequência da própria
lei do discurso: sem consistência, não há existência. Assim pensa Badiou: “é a lei de uma apresentação estrutural que ‘Ser’ e ‘Um’
sejam aí reciprocicáveis, pelo viés da consistência do múltiplo” (BADIOU, 1996, p. 83). Ou seja, o pensamento originário não
escapa a essa lei da estrutura: opera sob a forma do Um. (ROSSI, 2015.p.86)
representados, identificados como contidos) e os separa não apenas entre si (criando
subconjuntos reunidos na especificidade atribuída a cada elemento/coisa que permite
agrupá-los em um subconjunto), mas ao mesmo tempo também dos que assim não foram
contados. Como resultado, tem-se que aquilo que não é contado não existe, pois não foi
representado (diferenciado e reunido em subconjunto de elementos singulares) na
medida em que não se apresentou à operação.
Esta forma de estruturação ou sistematização nada mais é que um processo
de contagem e verificação, ou de saber que não necessariamente tem como implicação
um processo de verdade (BADIOU, 1996). Logo, em complemento, Alain Badiou afirma
ser o estado da situação6 o processo por meio do qual obtemos a reorganização daquele
contingente de subconjuntos contados no interior de uma situação, que sempre é maior
que o conjunto que os absorve por motivo da infinidade absoluta de elementos/coisas que
podem ser contados. Badiou busca assim estipular a precisão que venha a estruturar de
dada maneira tudo aquilo que excede aos subconjuntos dados como existentes, no
sentido de conectá-los forçadamente sempre ao conjunto já representado. Tal operação
resulta em retirar do excesso a possível potência ainda não explorada, ou não contada.
De outra forma, também explicativa, temos um procedimento no qual ocorre uma espécie
de quantificação duplicada, porém, agora centrada na figura do excesso dos
subconjuntos contidos nos conjuntos de uma situação. Este procedimento visa garantir: a)
que naquele excesso em que se faz presente também o incontável não se apresente
aquilo que não existia anteriormente, b) que no interior do excesso de coleção de
elementos e coisas de subconjuntos de subconjuntos de um dado conjunto não se
apresente algo a ser possivelmente diferenciado (contado) e, como consequência, com a
capacidade de gerar um novo processo que acabaria por colapsar o precedente e já dado
conjunto.
Ocorre que na teoria dos conjuntos o único conjunto que pertence a todos os
conjuntos (assim em toda e qualquer situação) é aquele que não possuí nenhum
elemento, o conjunto vazio. O axioma do vazio (um dos nove axiomas conjuntísticos), é
de fundamental importância para a compreensão da noção de estrutura sistêmica no
pensamento de Alain Badiou. O vazio é o elemento que vagueia em toda apresentação
enquanto sustenta sua condição de subtração à conta, aquele elemento que, embora
presente em toda situação, não é contado-por-um. É aquele elemento que não pode ser
simbolizado pela fórmula explícita da língua de um estado da situação, o que assegura a
6“Denomino “Estado” ou “estado da situação” O sistema de imposições que limitam justamente a possibilidade dos possíveis.
Poderíamos dizer do mesmo modo que O Estado é aquilo que prescreve o que, em dada situação, é o impossível próprio dessa
situação, com base na prescrição formal do que e possível. (p.138)”.
impossibilidade de totalização, sempre pretendida ao mesmo tempo que sempre
frustrada, de toda a conta-por-um. Este elemento contém características muito próximas a
falha do discurso que não consegue significar o que lhe foge, ambos, o vazio e a falha,
são elementos determinantes tanto para o acontecimento quanto para o deslocamento
como será discutido.
Há um outro elemento na topologia conjuntística de Badiou que merece enfoque
em razão de sua importância explicativa para a descrição do acontecimento, a borda do
vazio. É na borda, ou próximo, do vazio que se encontra o que Badiou denomina de sítio
acontecimental. Este múltiplo que é apresentado, embora nenhum de seus elementos
seja, pertence ao conjunto, que é uma situação, ao mesmo tempo em que não está nela
incluído. Este é o elemento fundador que provoca o curto-circuíto que permite a
ocorrência de um possível acontecimento (ruptura sistêmica como veremos) pois traz em
seu conjunto elementos de si mesmo e do próprio acontecimento.
Neste ponto do desenvolvimento deste escrito, já tendo sido apresentados
os principais elementos que permitem uma noção geral das noções de estrutura
discursiva de Laclau e de estado da situação de Badiou, em que pese a densidade e
pluralidade de conceitos teóricos envolvidos, é momento de tratar dos momentos de
ruptura peopriamente ditos e suas consequencias. No entanto, até este momento não fica
difícil de sustentar uma certa aproximação nas noções estruturais apresentadas pelos
dois autores. Enquanto Ernesto Laclau sustenta que uma dada ordem simbólica é
estabelecida na forma de um discurso que se estabelece por meio de cadeias de
equivalência que se estabelece partindo de um ponto nodal que dita as fixações de
sentidos que visam uma hegemonia sempre precária e contingente, Alain Badiou sustenta
que uma ordem, também simbólica, é estabelecida na forma de um conjunto que
determina a conta-por-um de outros conjuntos, partindo de uma dada forma explícita de
linguagem que estrutura uma operação que estabelece os critérios de pertença e
exclusão a este estado da situação, visando o fechamento da plenitude daquela situação.
Em ambos os casos, temos presente algo que frustra as pretensões de totalização destas
estruturas ( a impossibilidade de totalidade discursiva e o fechamento da plenitude), nas
respectivas categorias de falha e vazio.
Deslocamento e Acontecimento
Denomino “acontecimento” uma ruptura na disposição normal dos corpos e das linguagens tal
como ela existe para uma situação particular (se nos remetemos a “O ser e o evento” [1988] ou
ao “Manifesto pela filosofia” [1989]) ou tal como aparece num mundo particular (se nos
remetemos à “Lógicas do mundo” [2006] ou à “Segundo manifesto pela filosofia” [2009]). O que
é importante aqui é notar que um acontecimento não é a realização de uma possibilidade
interna a situação ou dependente das leis transcendentais do mundo. Um acontecimento é a
7 Interessante citar a noção do próprio Ernesto Laclau sobre acontecimento: O acontecimento é a declaração do vazio, uma ruptura
radical com a situação que torna visível o que a situação sozinha não pode ocultar. Embora o conhecimento seja a inscrição do que
passa dentro de categorias objetivas prévias, a verdade – as séries de implicações derivadas do surgimento de um acontecimento
– é singular: sua natureza de acontecimento não pode submeter-se a uma regra preexistente. Assim, o acontecimento é
incomensurável com a situação, sua ruptura com ela é autenticamente fundacional. Se tratamos de definir sua relação com a
situação, somente podemos dizer que o acontecimento é uma subtração com respeito a ela. (Laclau, 2004).
criação de novas possibilidades. Situa-se não simplesmente no nível das possibilidades
objetivas, mas no nível da possibilidade dos possíveis. O que também pode ser dito: em
relação à situação ou ao mundo, um acontecimento abre a possibilidade daquilo que, do estrito
ponto de vista da composição dessa situação ou da legalidade desse mundo, é propriamente
impossível. Se recordarmos que, para Lacan, temos a equação real = impossível, vemos de
imediato a dimensão intrinsecamente real do acontecimento. Poderíamos dizer também que
um acontecimento é o advento do real enquanto possível futuro dele mesmo. (BADIOU in:
MADARASZ, 2011, p.138)
A confusão entre a existência do locus (por exemplo: a classe operária, ou um estado dado
de tendências artísticas, ou um impasse da ciência) e a necessidade do acontecimento é a
cruz dos pensamentos deterministas ou globalizantes. O locus nunca é mais do que
condição de ser do acontecimento. Certamente, se a situação é natural, compacta ou
neutra, o acontecimento é impossível. Mas a existência de um múltiplo na borda do vazio
faz advir apenas a possibilidade do evento. É sempre possível que não se produza nenhum.
Um locus só é “eventural” no sentido estrito de sua qualificação pelo acontecimento. No
entanto, conhecemos uma carcterística ontológica dele, ligada à forma da apresentação: ele
é sempre múltiplo a-normal, um múltiplo da borda do vazio. (BADIOU, 1996,p.148)
8 Designação da diferença sem medida, quantitativa ou de potência, entre a situação e o estado da situação. É a
diferença entre o ser em situação e o acontecimento, errante e indeterminável. (BADIOU, 1996, p. 390)
9 Estabelece-se a distinção entre o homem, ser biológico, e o sujeito, induzido por um processo de verdade que lhe
um ponto vazio; não é absolutamente a organização de sentido de um dada experiência;
não é um invariante da apresentação. Além destas observações, cabe ainda sublinhar que
todo o sujeito é qualificado (p.ex: misto, individual ou coletivo), como também não é
resultado nem origem. Para a teoria acontecimental não há imposição da lei no sentido da
existência de um sujeito, este sujeito é o estatuto do procedimento na forma que se
configura o excesso da situação.
Como vimos, a ruptura acontecimental produz excessos que são
denominados de verdades10 e que a subjetivação ocorre justamente na sustentação desta
verdade. Esta verdade é a parte infinita da situação, produz um furo no saber pois é
indiscernível ao não ser simbolizável por nenhum determinante da enciclopédia da
situação, ou seja, não é explicitável pela língua da situação (sua regra da conta-por-um).
De maneira mais simples ainda, verdade é o que extrapola a estrutura que prescreve a
operação que tem como resultado a própria situação, é a verdade do ser da situação que
passa a poder ser ente. Analisado, ainda que repidamente, o sujeito e sua relação com o
acontecimento, é momento de relacionar a liberdade com a ruptura estrutural.
A liberdade em Laclau não é um tema fácil, visto que o autor deixou margem
para diferentes interpretações, o que permite a abertura de um espaço para um
interessante debate teórico. Neste artigo, será apenas apresentada uma noção suscinta
desta categoria e sua imbricação com a noção de deslocamento, deixando ao largo o
debate referido. É possível tomar como ponto de partida a ideia de indecidibilidade como
elemento necessário para a liberdade. Se as possibilidades de escolha são dadas como
alternativas estabelecidas, não havendo espaço para a criação das alternativas mesmas,
não há também espaço para a liberdade. E tal espaço para o indecidível somente é
possível no deslocamento estrutural, segundo Laclau. Tanto assim é que o argentino
afirma que “uma sociedade será mais livre quanto maior seja a indeterminação
estrutural”(LACLAU, 2000, p.60). Na teoría do discurso, a forma da própria liberdade é o
deslocamento, já que a liberdade é a ausência de um determinação. E esta
indeterminação faz referência direta à falha estrutural, à incapacidade de simbolizar da
estrutura, que ao se deslocar e se reestruturar, marca o momento do sujeito que tem
nesta ruptura a ampliação de sua liberdade. No sentido de complementar esta relação da
liberdade com o deslocamento, em aduzir sua raridade e efemeridade, cabe citar a
preexiste. A subjetivação faz do animal mortal um imortal à medida que é atravessado pelas verdades (que, como
tais, são atemporais) e se torna o suporte de uma fidelidade, entendida como um movimento continuado de ruptura.
10 Para que se inicie o processo de uma verdade, é preciso que algo aconteça. Pois, o que existe, a situação do saber tal
como está, dá- nos apenas a repetição. Para que uma verdade afirme sua novidade, tem de haver um suplemento, o
qual está entregue ao acaso. Ele é imprevisível, incalculável. Situa-se para além daquilo que existe, chamo-o
acontecimento (Badiou, 1994, p. 178).
passagem do texto de Felipe Corral de Freitas:
Com isso, a liberdade, no nosso entendimento, depende do que lhes falta, e o que lhes falta
é sempre algo estrutural – algo que a estrutura não significa em relação à demanda dos
sujeitos sociais. Desse modo, a liberdade não é definida pela estrutura, mas sim a partir da
estrutura, a partir da falta que a estrutura não supre nesses sujeitos. Escolhas não
constituem a liberdade, a liberdade é momento de reinvindicação por uma nova opção de
escolha que antes não estava dada. (FREITAS, 2015)
Enquanto imprevisível e indutor do “advir” de “outra coisa” que não está presente
na estrutura, nem nas opiniões instituídas por tanto, a possibilidade de dar nome ao vazio,
de nomear aquilo que fura o saber instituido na situação criando outro saber, essa é a
própria definição da liberdade. Serve de corolário a esta interpretação a constatação de
que , para Badiou, ao reconhecer a si mesmo como vítima, “de besta sofredora”, o ser
humano enfatiza sua subestrutura animal, ou seja, a simples e natural
qualidade/identidade de ser vivo. Ao contrário, se logra a superação desta existência
simples, passa a se configurar como ser imortal, numa rara oposição ao simples ser-para-
morte, rompendo uma regra de representação sistémica ao se singularizar na vida. É
neste ato de suportar a verdade deste excesso que se experimenta a rara e fugaz
liberdade : “A subjetivação é imortal e constitui o homem.” (Badiou, 1995, p. 24).
Considerações
Tanto para Laclau quanto para Badiou, entre particular e universal existe uma
brecha irredutível. Ambos negam a noção de um “universal concreto” de matriz hegeliana.
Para Ernesto Laclau, a brecha entre universal e particular exige um processo de
hegemonização entre a estrutura diferencial da ordem social positiva e o antagonismo
político em sentido próprio, enquanto que em Badiou, esta brecha entre particular e
universal é traduzida como brecha entre ser e acontecimento, ou seja, entre uma
estrutura – ou estado de situação - e o acontecimento-verdade (Zizek, 2007). É possível
sustentar, ainda, que ambos teorizam uma espécie de quebra no campo ontológico que
se fecha sobre si mesmo enquanto descrição do universo positivo. Este fechamento
ontológico, tanto em Laclau quanto em Badiou, acaba por ser sobescavado por uma
dimensão de caráter ético: o caráter de contingência de uma decisão sobre o fundo de
multiplicidade indecidível do ser. Também em ambos é possível identificar um
procedimento de subjetivação que depende de um corte profundo para com os vínculos
com a ontologia, gravitando o ato contingente da decisão.
Laclau e Badiou teorizam, cada qual a seu modo, a sempre possível ruptura
sistêmica cuja própria possibilidade tem seu lugar na incapacidade de toda e qualquer
tentativa de totalização ou de fechamento. Segundo esses autores, é nesta possibilidade
do impossível, nesta oportunidade de colapso presente em toda estrutura sistêmica que
se acham os espaços e os momentos de subjetivação, de liberdade. Neste escrito,
propositalmente, o esforço foi o de, afastando referências políticas (ou policiais como diria
Jacques Rancière), demonstrar a riqueza destas teorias que mesmo nesta rápida análise
se faz perceptível. E esta, talvéz, seja a principal ponte que aproxima estes dois autores,
a demonstração presente em suas teorias de que a mudança (ou a possibilidade delas),
ainda que não percebida com clareza, está sempre à espreita.
Referências
BADIOU, Alain. O ser e o evento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar/ UFERJ, 1996.
LACLAU, Ernesto. Nuevas reflexiones sobre la revolución de nuestro tiempo. Buenos Aires:
Nueva Vision, 2000.
__________. Ética do compromisso militante, in: Virtualia: Revista digital de La escuela de
La orientación lacaniana, n. 11/12. Buenos Aires, 2004.
MADARASZ, Norman R. O múltiplo sem um. São Paulo: Ideias e Letras, 2011.
ZIZEK, Slavoj. El espinoso sujeto: El centro ausente de la ontologia política. Buenos Aires:
Paidós, 2008.