Erguida em um vale e nas encostas de uma montanha, La Paz foi feita sob medida para as
passeatas, sempre em um único sentido: morro abaixo. Nos últimos quatro anos, a capital
da Bolívia foi tomada por demonstrações públicas de apoio ao presidente Evo Morales, à
nova Constituição nacional, à expropriação de empresas e aos ataques do governo contra
a oposição. Nas últimas duas semanas, ao menos sete manifestações desceram as ruas
da capital. Desta vez, porém, as palavras de ordem voltaram-se contra o governo. Entre os
que andavam vagarosamente com cartazes em punho estavam centenas de cholas, as
descendentes indígenas identificáveis pelas vestes típicas que incluem chapéu-coco,
anáguas e saia colorida. Eram mães da cidade de El Alto protestando por ter de
complementar o salário dos professores de seus filhos. "Evo deve fazer o que está escrito
na nossa Constituição, na qual a educação e o respeito aos índios são uma prioridade",
diz o dirigente das juntas escolares Ricardo Huarana, um aimará. Enquanto isso, índios de
Caranavi, a 160 quilômetros da capital, bloqueavam uma estrada pedindo a instalação de
uma fábrica e a renúncia de um ministro.
Enfeitada com uma colorida embalagem étnica, essa mistura de mito do bom selvagem de
Rousseau com conceitos marxistas deu força a uma linhagem de políticos que até
recentemente nunca tinham conquistado mais que 10% dos votos em uma eleição. Um
deles foi Evo Morales, um representante dos produtores de folha de coca sem vivência em
costumes indígenas, embora descendente de aimarás (veja o quadro abaixo). Morales não
falava em retorno ao Collasuyo até 2005, depois de ganhar projeção no país como
agitador e de ser descoberto pelas ONGs e pelos teóricos do nacionalismo indígena. Eleito
naquele mesmo ano e reeleito em 2009, Morales encampou o indigenismo apenas por
conveniência. O verdadeiro ideólogo indigenista do governo é o vice-presidente Álvaro
García Linera, um professor universitário que integrou o Exército Guerrilheiro Tupac Katari
nos anos 90. O grupo misturava o nacionalismo indígena ao maoismo. Após a posse de
Morales, muitos bolivianos que se deixaram encantar por essas ideias começaram a
perceber que o discurso nativista era uma farsa. Eles reclamam da falta de abertura
democrática, da escassez de perspectivas econômicas e da repressão a dirigentes
indígenas.