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A farsa da nação indígena

Na Bolívia, país de maioria mestiça, a ideologia que mistura


nostalgia inca com marxismo levou Evo Morales ao poder.
Muitos índios começam a perceber o engano

Erguida em um vale e nas encostas de uma montanha, La Paz foi feita sob medida para as
passeatas, sempre em um único sentido: morro abaixo. Nos últimos quatro anos, a capital
da Bolívia foi tomada por demonstrações públicas de apoio ao presidente Evo Morales, à
nova Constituição nacional, à expropriação de empresas e aos ataques do governo contra
a oposição. Nas últimas duas semanas, ao menos sete manifestações desceram as ruas
da capital. Desta vez, porém, as palavras de ordem voltaram-se contra o governo. Entre os
que andavam vagarosamente com cartazes em punho estavam centenas de cholas, as
descendentes indígenas identificáveis pelas vestes típicas que incluem chapéu-coco,
anáguas e saia colorida. Eram mães da cidade de El Alto protestando por ter de
complementar o salário dos professores de seus filhos. "Evo deve fazer o que está escrito
na nossa Constituição, na qual a educação e o respeito aos índios são uma prioridade",
diz o dirigente das juntas escolares Ricardo Huarana, um aimará. Enquanto isso, índios de
Caranavi, a 160 quilômetros da capital, bloqueavam uma estrada pedindo a instalação de
uma fábrica e a renúncia de um ministro.

A presença de índios nos protestos contra o governo é um fenômeno recente na atual


gestão presidencial. Seu crescimento está desmoralizando o nacionalismo indígena,
ideologia que nas últimas duas décadas ganhou espaço entre os bolivianos e assumiu
uma posição central no discurso populista de Evo Morales. Criado em universidades
americanas e europeias e transferido para o altiplano com a ajuda de 1 600 ONGs que
atuam na Bolívia, o nacionalismo indígena contém a promessa de tirar da miséria o país
mais pobre da América do Sul. O argumento básico dessa forma de indigenismo é a
necessidade de eliminar o que os seus ideólogos chamam de "exploração secular de
brancos europeus contra índios". Para isso, é preciso empenhar-se em uma luta de
classes modificada, na qual o proletariado é substituído pelo índio. "Enquanto o marxismo
entende que o operário oprimido possui direitos que estão por cima dos direitos dos
demais, o indigenismo concede esse privilégio ao índio", diz o espanhol Alberto Carnero,
especialista em América Latina e diretor da Fundação para a Análise e Estudos Sociais,
em Madri. No lugar do "capitalismo explorador", o nacionalismo indígena boliviano – o
movimento também existe no Peru, no Paraguai e no Equador – propõe o retorno ao
Collasuyo, uma das quatro regiões do império inca, que ocupava um terço do território
boliviano.

Enfeitada com uma colorida embalagem étnica, essa mistura de mito do bom selvagem de
Rousseau com conceitos marxistas deu força a uma linhagem de políticos que até
recentemente nunca tinham conquistado mais que 10% dos votos em uma eleição. Um
deles foi Evo Morales, um representante dos produtores de folha de coca sem vivência em
costumes indígenas, embora descendente de aimarás (veja o quadro abaixo). Morales não
falava em retorno ao Collasuyo até 2005, depois de ganhar projeção no país como
agitador e de ser descoberto pelas ONGs e pelos teóricos do nacionalismo indígena. Eleito
naquele mesmo ano e reeleito em 2009, Morales encampou o indigenismo apenas por
conveniência. O verdadeiro ideólogo indigenista do governo é o vice-presidente Álvaro
García Linera, um professor universitário que integrou o Exército Guerrilheiro Tupac Katari
nos anos 90. O grupo misturava o nacionalismo indígena ao maoismo. Após a posse de
Morales, muitos bolivianos que se deixaram encantar por essas ideias começaram a
perceber que o discurso nativista era uma farsa. Eles reclamam da falta de abertura
democrática, da escassez de perspectivas econômicas e da repressão a dirigentes
indígenas.

O nacionalismo indígena foi institucionalizado na Bolívia com a aprovação de uma nova


Constituição, em novembro de 2007, dentro de um quartel e sem os representantes da
oposição. O referendo que endossou a Carta só ocorreu em janeiro de 2009, depois de
muitos conflitos. O texto estabelece que a Bolívia é um estado plurinacional constituído por
"36 nações originais de camponeses indígenas". "Cumprindo o mandato de nossos povos,
com a fortaleza de nossa Pachamama (mãe-terra, a deusa da fertilidade) e graças a Deus,
refundamos a Bolívia", diz o preâmbulo da Constituição. São conceitos artificiais, pois a
sociedade boliviana é majoritariamente urbana e mestiça (veja o quadro). Os índios
representam apenas 17% da população. Os delírios utopistas do documento
constitucional, no entanto, são os que menos causam danos à sociedade boliviana. O
perigo maior está no fato de o texto promover o caos social interno ao institucionalizar a
chamada Justiça comunitária, que não está submetida à Justiça comum. Há séculos,
conselhos formados por anciãos indígenas punem ladrões e assaltantes locais obrigando-
os a desempenhar trabalhos forçados. Sanções com açoitamentos eram raras até
recentemente. Na prática, a inclusão dos julgamentos comunitários na Lei Magna do país
teve duas repercussões. A primeira foi propagar linchamentos entre a população, que
agora acredita estar livre para fazer justiça com as próprias mãos. Na Bolívia, há em média
um linchamento por semana. Pichações com a frase "Ladrão será linchado" podem ser
vistas em vários muros e em bonecos pendurados em postes de La Paz e da vizinha El
Alto. Os agressores não são presos nem indiciados porque alegam seguir uma tradição
autorizada por lei. A segunda consequência foi ter criado uma brutal arma contra a
oposição e ex-aliados de Morales.

Ao valorizar a Justiça comunitária, o nacionalismo indígena enfraqueceu a Justiça


ordinária, "eurocêntrica", e deu o aval para que militantes do Movimento ao Socialismo
(MAS), o partido do presidente, investissem contra seus desafetos impunemente. Com
isso, a Bolívia tornou-se uma terra sem lei. Um caso recente é o do aimará Felix Patzi, ex-
ministro da Educação do governo Morales. Apesar de estar em vantagem nas pesquisas
para as eleições a governador do departamento de La Paz, de abril deste ano, não
contava com o apoio de Morales. Flagrado dirigindo bêbado, foi condenado pela Justiça
comunitária a fazer 1 000 tijolos. Além disso, teve a candidatura inabilitada. Se Patzi
tivesse concorrido ao pleito e vencido, isso tampouco garantiria a sua posse. Em
Achocalla, cidade a poucos quilômetros de La Paz que vive da produção de hortaliças, o
mecânico Pedro Ninaja, um aimará, venceu as eleições para prefeito com 32% dos votos.
O resultado foi divulgado no site da Corte Nacional Eleitoral no dia 10 de abril. Cinco dias
depois, os números foram alterados para beneficiar o MAS. Votos de uma urna
desapareceram. Ninaja reclamou para a Corte, sem efeito. "As pessoas de Achocalla
sabem que é uma trapaça. Se continuar assim, Morales não conseguirá terminar o seu
mandato", diz Patzi, que apoiou o cocaleiro nas últimas duas eleições presidenciais.
Outras punições anunciadas como sentenças da Justiça comunitária são mais bárbaras.
Em 2009, o ex-vice-presidente Victor Hugo Cárdenas, um aimará, teve a casa às margens
do Lago Titicaca invadida por militantes do MAS. Ele escapou porque estava dando aulas
na capital. Sua filha de 16 anos, seu filho e a esposa tiveram menos sorte e foram
golpeados com pau e chicote. "A imagem de que esse governo defende os indígenas está
desmoronando mais rápido do que se pensava", desabafa Cárdenas. "Os índios
perceberam que a vida não mudou em nada, tampouco conseguiram alguma
representatividade política."
A desilusão com a promessa de uma nação indígena pode ser aferida de várias formas.
Quando iniciou seu mandato, em 2006, Morales contava com a adesão das quatro maiores
organizações de índios do país. Já perdeu o apoio de duas delas: o Conselho Nacional de
Ayullus e Markas do Collasuyo (Conamaq) e a Assembleia do Povo Guarani (APG). Uma
terceira está dividida. É a Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da
Bolívia (CSUTCB). A perda de apoio entre os índios também pode ser confirmada pelo
crescente número de bloqueios em estradas, greves e passeatas. Antes de assumir a
Presidência, havia 55 protestos por mês no país, muitos deles organizados por Morales. A
situação acalmou-se nos anos seguintes, já que o presidente controlava os baderneiros.
Neste ano, contudo, os distúrbios populares voltaram a patamares semelhantes aos de
2005. Por fim, nas eleições regionais de abril, apesar de ter garantido o controle da maioria
dos departamentos do país, o MAS só conquistou a prefeitura de três das dez maiores
cidades. "Morales perdeu o monopólio do voto indígena", disse a VEJA o antropólogo
Ricardo Calla, da Universidade da Cordilheira, em La Paz. "Sua antiga base agora está
dividida, e há índios que se consideram de direita, de centro e de esquerda." Mais do que
o retorno a um passado pré-colombiano idealizado, o nacionalismo indígena angariou fãs
ao prometer um futuro de harmonia e prosperidade. Na Bolívia, a ascensão de uma
ideologia assim é compreensível. Apesar de serem minoria no país, os índios formam 65%
da camada mais pobre da população. Agora, eles começam a tomar consciência do fato
de que foram enganados.

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