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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

HERICO FERREIRA PRADO

DISCURSO, REPRESENTAÇÃO E ESTEREÓTIPO NO CINEMA


DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO (1964-1965)

Linha de pesquisa: Arte, Memória e narrativa

Curso pretendido: Mestrado

Projeto de pesquisa apresentado ao Processo de


Seleção 2018 do Programa de Pós Graduação em
História, Setor de Ciências Humanas da
Universidade Federal do Paraná.

CURITIBA
2017
Resumo: Neste projeto de pesquisa pretende-se problematizar, dentro do cinema
documentário brasileiro da década de 60, as representações de grupos sociais propagados a
partir do discurso do narrador (diretor) com o intuito de identificar possíveis estereótipos
construídos ou criados por este discurso. Jean Claude Bernardet, em Cineastas e Imagens do
Povo, 1985, caracteriza como modelo sociológico filmes documentários em que o
narrador/diretor conduz o espectador de modo que as entrevistas e imagens no filme sirvam
para chancelar a opinião do diretor, tornando-o o real protagonista da obra. O modelo
sociológico teve seu ápice entre 1964 e 1965 e, para desenvolver o projeto, foram
selecionados como fontes três filmes documentários que se enquadram neste modelo e no seu
período de auge. São eles: Maioria Absoluta, de Leon Hirzman, 1964, Viramundo, de Geraldo
Sarno, de 1965 e Subterrâneos do Futebol, de Maurice Copovilla de 1965. Para realizar essa
investigação, partiremos da análise dos vários discursos dos filmes (narrador/diretor, classe
média e minorias) para tentar identificar a quem pertencem, se assemelham-se e afastam-se,
se constroem estereótipos e o modo como o discurso pode reforçar estes. Espera-se com o
estudo, identificar possíveis heterogeneidades de discursos e representações.

I. DEFINIÇÃO DO OBJETO E PROBLEMÁTICA

No livro Cineastas e Imagens do Povo 1 publicado em 1985, Jean-Claude Bernardet


estuda o modo como o cinema documentário brasileiro representou o povo na imagem do
filme. O recorte, que toma desde os anos 1960 até meados dos anos 1970, conclui que as
representações deste gênero naquele período coloca o cineasta como figura detentora e
difusora do conhecimento 2. Bernardet se debruça por meio do que denomina de “método” ou
“modelo sociológico”, que consiste em analisar o olhar do cineasta sobre as classes populares,
resultando no delineamento de um perfil dessa classe. O narrador conduz o expectador de
modo que os dados expostos e a voz dos depoentes ("voz da experiência" ou "voz do outro”)
são dispositivos que servem para comprovar o que a voz do saber diz, caracterizando o
"modelo sociológico" como aquele que privilegia a voz do narrador em detrimento a "voz do
outro". Bernardet acredita que o controle sobre os recursos de realização das imagens impõe
uma parcialidade capas de impossibilitar a construção de algo mais do que um restrito ponto
de vista do cineasta de "classe média" a respeito do real. Bill Nichols 3 acredita que, ao
representar o outro excluído 4, corre-se o risco de explorá-lo, enquadrando-o dentro de
pressupostos que imobilizam a variedade de figurações, que aquele que tem sua vida filmada

1
BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e Imagens do Povo. São Paulo: Brasiliense, 1985.
2
Ibidem. Página 12
3
NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. Campinas: Papirus, 2016.
4
Embora Nichols utilize a expressão “excluído” e subalterno” em diversas passagens, os usa para referir-se à
“minorias”.
pode possuir. Na perspectiva de Shohat e Stam 5 , o problema é que “grupos historicamente
marginalizados não têm controle sobre sua própria representação” 6. Assim uma produção
audiovisual é, também, uma produção discursiva que remete às relações sociais e as disputas
ou articulações com os poderes hegemônicos 7. Sua capacidade de produção e reprodução de
sentidos e sua contribuição para a democratização das relações sociais, em sentido amplo,
deriva das maneiras como as narrativas repetem (ou não) papéis sociais e culturais associados
“naturalmente” aos diferentes grupos sociais 8.
Este projeto pretende problematizar as representações de grupos sociais propagadas a
partir do discurso do narrador (diretor) nos médias metragens brasileiros na década de 60 e
compreender como estereótipos são criados e reforçados por este discurso. Para Chartier "as
lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender
os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo
social, os valores que são os seus, o seu domínio" 9. Segundo o historiador, pode pensar-se
uma história cultural do social que tome por objeto a compreensão das formas e dos motivos –
ou, por outras palavras, das representações do mundo social que, à revelia dos atores sociais,
traduzem as suas posições e interesses objetivamente confrontados e que paralelamente,
descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse 10. Esse
conceito dialoga com o "modelo sociológico" descrito por Bernardet. Como analisa o autor, as
entrevistas e as falas dos personagens incentivaram de tal modo o registro da interação entre
personagem e realizadores dos filmes que, em último caso, a entrevista deixou de ser uma
ferramenta para compreender melhor os protagonistas dos filmes e se tornou um modo de
auto-referência do próprio diretor, sendo este – por acidente – o verdadeiro protagonista das
narrativas 11.
Na visão de Shohat e Stam, esse modelo de narrativa pode reforçar (e criar)
estereótipos porque projetam os povos como “todos iguais” 12. Assim, qualquer
comportamento negativo de um membro da comunidade oprimida é imediatamente
generalizado como típico, algo que aponta para uma eterna essência negativa. As

5
SHOHAT, Ella; STAM, Robert. Crítica da imagem eurocêntrica: multiculturalismo e representação. São Paulo:
Cosac Naify, 2006
6
Ibidem. Página 248
7
. SHOHAT, Ella; STAM, Robert. Loc.cit.
8
STAM, Robert. SPENCER, Louise. Racism, colonialism and representation. Página 32.
9
CHARTIER, Roger. História Cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo.
Aglés – Portugal: Difel, 2002. Página 17.
10
Ibidem. Página 23.
11
BERNARDET. Página 26.
12
SHOHAT, E. STAM, R. Página 244.
representações, portanto, se tornam alegóricas: no discurso hegemônico todo papel subalterno
é visto como sinédoque que resume uma comunidade vasta, mas homogênea 13. Por outro
lado, as representações dos grupos dominantes não são vistas como alegóricas, mas como
"naturalmente" diversas, exemplos de uma variedade que não pode ser generalizada. Esses
grupos não precisam se preocupar com "distorções e estereótipos", pois mesmo imagens
ocasionalmente negativas fazem pare de um amplo repertório de representações.
Para Bernardet, o contexto social do início da década de 60 foi marcado por diversas
tendências ideológicas e estéticas que queriam que as artes não só expressassem a
problemática social, mas ainda contribuísse à transformação da sociedade 14. Glauber Rocha,
no prefácio de Revolução do Cinema Novo 15, afirma que o movimento cinema novo resgatou
o cinema brasileiro de uma miséria econômica e cultural e diz que este cinema é marcado por
uma geração de intelectuais, na qual ele próprio se inclui. No livro de Bernardet, no eixo da
questão está a reafirmação da postura humilde do sujeito epistemológico que cerca o
pensamento dito pós-estruturalista no qual o livro está inserido. A validade ética das asserções
que a voz que enuncia o documentário estabelece sobre o povo é questionada em sua raiz, a
partir de uma análise da narrativa. Jean-Claude Bernardet põe em evidência o que chama de
"modelo sociológico", no qual, na representação do universo popular, a voz off seria
composta por enunciados que reafirmam o saber sobre o outro, reduzindo a nada a dimensão
da expressão desse outro 16. Essa abordagem, aplicando o raciocínio de Shohate e Stam, não
acaba por homogeneizar a representação desses grupos descritos nos documentários dentro do
modelo proposto por Bernardet? Esse modelo narrativo não reforça estereótipos negativos já
comumente associados a esses grupos? Problematizar e entender essas representações no
documentário na década de 60 poderá contribuir com os estudos de cinema que abordam o
Modelo Sociológico e representações de grupos sociais.
Refletindo sobre essas questões e considerando o contexto exposto acima, foi
selecionado três filmes documentários de média metragem que se enquadram no ápice do
“modelo sociológico” (entre 1964 e 1965) cujas características técnicas se assemelham, ainda
que a temática e os diretores sejam diferentes: Maioria Absoluta, de Leon Hirzman, 1964, que
trata da vida no campo no nordeste, Viramundo, de Geraldo Sarno, de1965 , que trata da
migração, trabalho na construção civil e aspectos religiosos e Subterrâneos do Futebol, de
Maurice Copovilla de 1965, que aborda os populares e sua relação com o futebol (distração da

13
Ibidem. Página 245 e 246.
14
BERNARDET.Op.cit.
15
ROCHA, Glauber. A revolução do Cinema Novo. São Paulo: Alhambra. 1981. Página 07.
16
RAMOS, F. P. Mas afinal...o que é mesmo documentário? São Paulo: Senac Ed., 2008. Página 73.
massas segundo a temática do documentário). Todos os filmes são médias metragens guiados
pela voz off e possuem depoimentos de populares.
Viramundo, 1965, possui muitas vozes. Falam pessoas entrevistadas, ora retirantes
nordestinos que chegam a São Paulo em busca de trabalho, ora operários e uma mãe de santo
que são entrevistados em suas casas. Fala dirigente de empresa e pregadores. Os entrevistados
só falam quando perguntados. O entrevistador, que não aparece na tela, lhes faz perguntas
sobre as suas condições de vida e de trabalho, e as respostas limitam-se ao perguntado. No
início há dizeres escritos que informam que o filme recebeu a colaboração de diversos
sociólogos, professores da Universidade de São Paulo. O locutor apoia-se nesta referencia e
na amostragem dos entrevistados para chancelar credibilidade através da narrativa 17. Há uma
clara diferença entre a representação dos mais abastados e dos menos abastados. A classe
média, os patrões, falam português correto, falam da falta de mão de obra especializada para
suprir o mercado. Há um único imigrante que aparentemente está mais estruturado e flerta
economicamente com a classe média, que não reclama de quaisquer mazelas. Diz ele: “gosto
muito de São Paulo, desse povo que adoro muito, um povo que olha pra frente, ajuda aqueles
que precisam e não me considero um nortista e sim um paulista e aqui eu quero morrer”. O
diretor adiciona essa voz para reforçar que o capital corrompe e o nortista imigrante se afasta
dos seus semelhantes e aproxima seu discurso ao da classe média. As minorias, os
trabalhadores, em suma reclamam da falta de emprego e da pobreza.
Em Maioria Absoluta, 1964, o locutor é uma voz do saber semelhante a que vemos em
Viramundo. Dá estatísticas, informações sobre a história do Brasil que explicam o latifúndio
da época, afirma que o analfabetismo não é apenas o fato de não ser alfabetizado, mas uma
das consequências da indigência e opressão. A narrativa inicia representando a classe média e
seu discurso. Os entrevistados estão na praia, sorrindo, relaxando. Uma mulher diz “não haver
crise” quando lhe perguntada a causa da crise brasileira. Um homem, que é representado de
maneira culta e politizado, diz: “a grande crise brasileira é uma crise moral. Parodiando um
escritor e político brasileiro do passado, diria que a nossa constituição deveria ter somente
um artigo e um parágrafo: todo brasileiro deve ter vergonha na cara!”. O narrador avisa que
nem todo mundo concorda que o problema seja simplesmente moral. Nesta hora surge outra
mulher, bem vestida, numa sala com móveis aparentemente caros, quadros na parede, roupas
elegantes e brada: “mas acontece que também é um povo muito indolente e que as vezes não
sabe receber quando a pessoa quer dar meios melhores para eles melhorarem”. Nestes três

17
Para maiores informações acerca dessa questão, consultar o livro de Bernardet,Cineastas e Imagens do Povo,
páginas 11 à 32.
casos é possível observar diferenças entre níveis sociais e de discursos entre os representantes
das classes favorecidas. Até este momento o filme não da voz as minorias. O plano se alterna
entre a voz do entrevistado e imagens das minorias sempre em bandos, muitos, calados.
Quando finalmente falam, todos estão em palhoças, no meio rural, todos reclamam das más
condições de vida, todos reclamam da falta de dinheiro e todos reclamam da fome 18.
Diferente dos dois filmes anteriores, em Subterrâneos do Futebol o locutor é o que
mais fala. O filme explora os jogadores já consagrados e os jogadores de várzea, amadores e
sonhadores. Há distinção entre três níveis de representação: os dirigentes, representantes da
classe média, os amadores, representantes das minorias e os jogadores profissionais, como
Pelé, que neste caso, é utópico: “ninguém jamais será igual Pelé”, diz o narrador. Os
jogadores não gostam da vida de jogadores, reclamam dos dirigentes, reclamam do pouco
reconhecimento. O foco do filme é diferente dos filmes anteriores, mas quando o jogador fala
é para reclamar das dificuldades de ser profissional ou dos cartolas que envolvem o futebol 19.
Esses direcionamentos apontam para qual significado? Por que um grupo é
representado com vozes e pensamentos distintos e o outro parece não ter essa
heterogeneidade? Qual a intenção deste ordenamento de discurso? Essas questões estão
contextualizadas nos objetivos e norteiam a construção deste trabalho.

II. JUSTIFICATIVA

No final de 2015 fiz um curso de teoria e linguagem cinematográfica com o crítico e


diretor do site Cinema em Cena, Pablo Villaça, e tive contato com o Cinema Novo pela
primeira vez. De lá pra cá imergi nesta temática estudando livros, filmes e documentários.
Quando me deparei com o livro "Cineastas e Imagens do Povo", 1985, de Jean Claude
Bernardet, recordei-me dos filmes que havia estudado e surgiu-me indagações que motivaram
a escrita deste projeto. Poder enfim escrever sobre aquilo que consumo naturalmente, mesmo
fora da academia, e encontrar respostas e direcionamentos para as indagações aqui expostas, é
colocar na prática acadêmica o que faço no particular e ainda contribuir através dessa
pesquisa para o campo de estudo de cinema.
Além do mais, está idéia também se justifica pela intenção de dar enfoque no discurso
como construção e manutenção de representações - entendendo o discurso do narrador como o

18
Dos cercas de 20 minutos do filme, o primeiro depoimento de um representante das minorias só acontece aos
05:26 minutos.
19
Maiores informações em: HIRATA, Edson. A mercantilização do futebol e os Subterrâneos da Legislação
Esportiva Brasileira (1980-2010). Curitiba:UFPR, 2011.
agente que conduz o espectador às afirmações do diretor e acidentalmente pode criar/reforçar
estereótipos - pode possibilitar uma contribuição aos estudos de cinema e representações por
analisar, dentro do modelo sociológico, o discurso como possível condicionante à imagem e
não apenas as representações provocadas pela imagem fílmica.
Os próprios filmes enquanto objeto de estudo também podem servir como justificação.
Por serem do gênero documentário, trabalham com aspectos não ficcionais e revelam através
de suas imagens e discursos, representações de um contexto específico na história do país.
São objetos que permitem diversas aproximações e são freqüentemente visitados por serem
fontes de memória histórica.
Ademais, justifica-se a continuidade dessa investigação sobre o cinema documentário
em função da importância que a imagem, voz e o cinema em particular adquiriram nas
ciências humanas. O cinema já é contemporaneamente objeto das áreas de estudo das ciências
humanas, como a Psicologia, a História e a Antropologia, que buscam no conteúdo e na forma
do filme elementos para o aprofundamento nos temas, questões e contradições da condição
humana.

III. OBJETIVOS

O principal objetivo deste trabalho é:


• Problematizar as representações de grupos sociais propagados a partir do discurso do
narrador (diretor) em filmes documentários da década de 60, para identificar possíveis
estereótipos reforçados por este discurso.

Os demais objetivos são:


• Analisar a condução discursiva do narrador frente à representação do outro e
identificar se o discurso das minorias é homogêneo ou heterogêneo.
• Investigar as representações das forças hegemônicas (classe média e empresariado) e
identificar se o discurso é homogêneo ou heterogêneo.
• Explorar como as narrativas criam/reforçam ou não estereótipos cruzando as análises
das representações nos três filmes.
IV. QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO

Segundo Nichols, a crença na verdade de uma produção fílmica depende de como


reagimos a esses significados e valores. Assim é possível acreditar nas verdades das ficções,
assim como nas das não ficções. No entanto, o que é considerado como filme documentário
costumeiramente coloca diante de nós de forma mais veemente as questões sociais atuais,
problemas recorrentes e soluções possíveis. Como sugere o autor, o vínculo entre o
documentário e o mundo histórico é forte e profundo e, além disso, acrescenta uma nova
dimensão à memória popular e à história social. 20 Fernão Pessoas Ramos possui uma visão
parecida. Para ele documentário é uma narrativa basicamente composta por imagens-câmera,
acompanhadas muitas vezes de imagens de animação, carregadas de ruídos, música e fala
(mas, no início de sua história, mudas), para as quais olhamos (nós, espectadores) em busca
de asserções sobre o mundo que nos é exterior, seja esse mundo coisa ou pessoa. 21 Esses
autores não só fundamentarão o que se entende por documentário, como iniciam as reflexões
sobre "voz" e "imagem", questões fundamentais para este proposta. Ao longo de seu livro
Nichols dá ênfase a relação entre as formas da retórica e as vozes da enunciação expositiva no
documentário. Segundo Ramos – que escreveu o prefácio do livro – com a preocupação em
focar a retórica e as vozes “evita, assim, a principal armadilha na qual a semiologia se
debate ao abordar a narrativa documentária e desloca-se do recorte que fecha a análise na
critica da transparência do discurso”. 22
Outros autores que também atentam para o enfoque na voz como alternativa
metodológica ao estudo da imagem são Robert Stam e Ella Shohat. No capítulo “Estereótipo,
realismo e luta por representação”, do livro “Crítica da Imagem Eurocêntrica”, os autores
trabalham aspectos de grande relevância para a análise da representação de minorias, de
grupos subalternos. Primeiramente, ao tratar a questão do realismo, os autores destacam o
poder da representação como um discurso, que ao apresentar uma visão unilateral ou mesmo
perniciosa dos fatos pode causar conseqüências nocivas para as culturas marginalizadas, pois
induz os espectadores a acreditarem nessa versão da História. Além disso, o fato de não
existir uma verdade absoluta, torna o alcance do real mais difícil de ser apreendido, o que
reforça ainda mais a importância das representações, que se tornam um canal pelo qual se

20
Ver em ALMEIDA, J, N. Isto não é um filme de ficção: Bill Nichols e a introdução ao documentário. Revista
Interdisciplinar Internacional de Artes Visuais da Unespar/Embap - Vol.01 - N°02.
21
NICHOLS. Op.cit., página 78.
22
RAMOS, F, P. Introdução em NICHOLS. op.cit., sem página.
entra em contato com o “mundo real”. Os autores atentam à visão simplista de construção de
estereótipos, visto que ao se pensar grupos subalternos como se todos fossem iguais,
possibilita que qualquer comportamento negativo de um membro dessa comunidade seja
tratado de forma generalizada, pois apenas reforça a imagem negativa pré-estabelecida de
todo o grupo. Entendem que o conceito de voz sugere uma metáfora de infiltração através de
fronteiras que, como o som no cinema, remodelam a própria espacialidade, ao passo que a
organização visual do espaço, com seus limites, cercas e policiamentos, forma uma metáfora
de exclusão e arranjos hierárquicos 23.
Em sua obra A Arqueologia do Saber (1969) o filósofo Francês Paul Michel Foucault
apresenta uma série de estudos que têm por objetivo estabelecer um método de investigação
que nos proporciona construção para um novo pensamento. Todo o seu trabalho foi
desenvolvido em uma arqueologia do saber filosófico, da experiência literária e da análise do
discurso: " A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens,
os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos; mas os próprios
discursos, enquanto práticas que obedecem a regras" 24. O que Foucault indica nessa
passagem da Arqueologia do saber é como tradicionalmente ocorre a produção dos saberes
científicos e dos discursos que justificam esses saberes. Em sua concepção os saberes
científicos apresentam-se como válidos em si mesmo desprezando o importante papel que os
discursos desempenham na construção das imagens e práticas desenvolvidas pelas ciências.
Foucault se ocupou centralmente em analisar as gêneses e as transformações dos saberes no
campo das ciências humanas, o ser-saber, cujo método é a arqueologia 25. Em A Ordem do
Discurso 26, 2002, Foucault diz que as condições de produção do discurso estão diretamente
relacionadas às instâncias sociais e históricas de poder do sujeito do discurso (locutor) em seu
específico ambiente de discurso. As relações de poder e o lugar do sujeito do discurso, em
face dos seus interlocutores, é que determinará a força do discurso, o grau de verdade dele e
conseqüentemente sua aceitabilidade. Nessas instâncias, Foucault será base para analisarmos
os discursos nos filmes.
Em seu texto de 2008, José Barros afirmar que "o cinema não é apenas uma forma de
expressão cultural, mas também um ‘meio de representação’. Através de um filme,

23
Ibidem. Sem página.
24
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1997. Página 169.
25
FISCHER, R.M.B. Foucault e a análise do discurso em educação. Cad: 2001, n.114, páginas 197-223,
disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-15742001000300009&script=sci_abstract&tlng=pt.
Acessado em 01/09/2017.
26
FOUCAULT, Michael. A ordem do Discurso. São Paulo. Loyola: 2002, página 46.
representa-se algo, seja uma realidade percebida e interpretada, um mundo imaginário
livremente criado pelos autores de um filme" 27. A noção de representação surge
inadvertidamente pelo caráter figurativo que a imagem cinematográfica assume em sua
aparição social padrão. Filmes, em alguma medida, ‘representam’ algo. Em história, todavia,
o representar não é somente uma questão de ‘ocupar um lugar do ausente’, uma vez que a
representação se tornou um dos temas principais da pesquisa histórica. Nessa perspectiva, o
filme além (e antes) de representar o que mostra (o presente ocupando o ausente), contêm, em
si, os sistemas classificatórios formados a partir das hierarquias e jogos de poderes que
constituem as práticas sociais, ou seja, as representações coletivas 28. Sobre representação, o
historiador Roger Chartier escreve que as lutas de representações têm tanta importância como
as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta
impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, o seu domínio. Segundo
o próprio:
“pode pensar-se uma história cultural do social que tome por objeto a compreensão das formas
e dos motivos – ou, por outras palavras, das representações do mundo social – que, à revelia
dos atores sociais, traduzem as suas posições e interesses objetivamente confrontados e que
paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que
fosse” 29.

O conceito de representação de Chartier será utilizado como apoio para entender as


representações, bem como os estudos de Shohat e Stam, autores de cinema que tratam da
representação de estereótipos dentro do objeto fílmico.
Ao que se refere aos filmes utilizaremos textos do período em questão ou que se
refiram a ele. O filme documentário brasileiro na década de 60 - sua importância, influência,
características e relação com a sociedade - é evidenciado por Glauber Rocha em Revolução do
Cinema Novo, 1981. Interessa a este projeto mais especificamente os tópicos "Cinema
Novo" 30, "Cinema Verdade" 31, "Hirszman Leon" 32 e "Sarno Geraldo 33. Rocha esmiúça os
bastidores de criação do cinema novo e cinema verdade, bem como as aspirações dos gêneros
e diretores.
27
BARROS, José D’Assunção. Cinema e história: entre expressões e representações. In: BARROS, José
D'Assunção; NÓVOA, Jorge (Orgs.). Cinema-História: Teoria e Representações Sociais no Cinema. Rio de
Janeiro: Apicuri, 2008. Página 10.
28
Ibidem. Página 22.
29
CHARTIER, R. Loc.cit.
30
ROCHA, G. Op.cit. Página 15.
31
ROCHA, G. Op.cit. Página 37.
32
ROCHA, G. Op.cit. Página 384.
33
ROCHA, G. Op.cit. Página 371.
O livro Cineastas e Imagens do Povo, 1985, de Jean-Claude Bernardet, já citado em
passagens anteriores, também evidencia detalhes da produção dos filmes e aspetos técnicos
como decisão de tomada de câmera, planos, decisões narrativas e análise sobre o diálogo entre
voz e imagem. O livro como um todo é a inspiração principal desta proposta.
Os filmes Subterrâneos do Futebol, 1965 e Viramundo, 1965, fazem parte do que
ficou conhecido como "A Caravana Farkas" 34, temática abordada por Fernão Pessoa Ramos
em Mas afinal... O que é mesmo documentário?, 2008. Como Rocha, Ramos aponta os
influxos do neo-realismo italiano 35, do cinema direto 36 e do cinéme verité 37 no documentário
brasileiro na década de 60 e seu processo de construção. Bernardet, Rocha e Ramos são
fundamentais por teorizarem o cinema no período proposto e analisarem, mais objetivamente,
os filmes que fazem parte deste trabalho.
O caminho usado para tentar alcançar o objetivo principal será analisar os diversos
discursos dos filmes (narrador/diretor, classe média e minorias), apoiado pela bibliografia
descrita ao longe deste projeto, apontar discursos que se assemelham e se afastam e a quem
eles representam. A partir disso, verificar se essa “hierarquia” de discursos constroem
estereótipos (analfabetos? Gananciosos? Irresponsáveis? Subservientes? Passivos?
Conscientes? Manipulados? Etc) e como o discursos reforçam ou não esses possíveis
estereótipos.

V. TIPOLOGIA DAS FONTES

Essa pesquisa foca, principalmente, a análise das representações propagadas pelo


discurso do narrador (diretor) nos filmes documentários de médias metragens na década de 60
e nossas fontes principais, portanto, serão audiovisuais. O recorte estabelecido deve-se em
função do modelo sociológico ter seu ápice entre 64 e 65. Os filmes foram selecionados dado
à quantidade de citações em livros, dissertações e artigos que se referem ao período e coloca-
os como ícones do gênero documentário dentro do modelo proposto por Bernardet; e por
estabelecerem temáticas diversas que possibilitam a análise de uma gama de representações e
discursos incutidos em variáveis de representações como camponeses, autônomos, operários,
34
A Caravana Farkas foi um conjunto de documentários feitos sobre as classes populares brasileiras durante o
regime militar.
35
MEIZE, L. LUCENA, R. Caravana Farkas: Itenerários do Documentário.São Paulo: Annablube, 2012.
36
RAMOS. Op.Cit. página 55.
37
Cinéme verité ou cinema verdade surge no final dos anos cinquenta e refere-se, na teoria e prática, a um
gênero de documentário que se empenha em captar, sem fins didáticos ou de ilustração histórica, a realidade tal e
qual ela é, isto é, que procura "reproduzir" aquilo que na realidade acontece.
religiosos, esportistas, anônimos, patrões, etc. Como relatado na introdução, mas reforçado
aqui, os filmes Maioria Absoluta, de Leon Hirzman, 1964, Viramundo, de Geraldo Sarno,
de1965 e Subterrâneos do Futebol, de Maurice Copovilla de 1965, serão nossas fontes
principais. Todos os filmes podem ser encontrados online (não há cópias a venda).
Para entender o contexto da época e parâmetros de produção, bem com a visão de
críticos sobre as narrativas dos objetos fílmicos, um conjunto de textos do período de recorte
serão utilizados. A Cinemateca de São Paulo possui um grande acervo de documentos
redigidos sobre os filmes como resenhas, críticas, depoimentos de críticos e diretores e notas
sobre inscrição e apresentação em festivais mundo à fora. A revista Civilização
Brasileira,1965, possui texto assinado por Alex Viany e Paulo Emílio Sales Gomes intitulado
Vitória do Cinema Novo: Gênova, 1965 que expõe nuances do gênero para o festival de
cinema de Gênova, Itália, e resenha de Maioria Absoluta, 1964, de Leon Hirszman. O filme
de Hirszman também é abordado, bem como Subterrâneos de Futebol, 1965 de Maurice
Copovilla, no catálogo de evento do Festival de Lepzig na Alemanhã. Este último e
Viramundo, 1965, também possuem resenhas disponíveis na Coleção de recortes de jornais e
revistas sobre filmes brasileiros, 1961-1968, organizado pela Cinemateca Brasileira. O texto
Um Cinema de verdade, publicado na Revista Civilização Brasileira, 1966 e assinado por
Antônio Lima, também será utilizado como fonte para contextualizar o período de produção.
No acervo de Paulo Emílio Sales Gomes, também disponível para consulta na
Cinemateca Brasileira em São Paulo, há muitos manuscritos de cartas e textos datados de 64 a
67, que não só analisam os filmes e dialogam diretamente com os diretores, como fazem
reflexões sobre o cinema novo, cinema documentário e o período descrito neste projeto (esses
textos estão detalhados no tópico "FONTES", logo abaixo).

VI. REFERÊNCIAS

FONTES

COPOVILLA, Maurice. Subterrâneos do Futebol. Documentário. 1965. 32 minutos.


HIRZMAN, Leon Moria Absoluta. Documentário. 1964. 20 minutos.
SARNO, Geraldo. Viramundo. Documentário. 1965. 37 minutos.
TEXTOS DE APOIO

BERNARDET, Jean-Claude.Brasil em tempo de cinema. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1967. 181 p. il. (Biblioteca básica de cinema, 12).

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