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O fundamentalismo: a Bíblia como receita de bolo – I

Por Dom Henrique Soares


Já há alguns anos temos presenciado no seio dos cristãos um amor renovado
à Palavra de Deus; uma verdadeira sede de conhecer as Escrituras Sagradas.
Deus seja louvado por tudo isso! O problema é o modo que muitas vezes se tem
de ler e interpretar a Escritura; modo este que termina mais atrapalhando que
ajudando, mais afastando que aproximando da verdade, mais confundindo que
esclarecendo. É este o caso da leitura fundamentalista da Escritura, que vamos
abordar no presente artigo.
O fundamentalismo é um modo literal de ler a Bíblia: lê-la ao pé da letra,
como está lá! Para os fundamentalistas as Sagradas Escrituras, por serem
inspiradas por Deus, não contêm erros ou evoluções de modo algum. Tudo nela
deve ser interpretado de modo estritamente literal! Assim, o mundo foi criado em
seis dias, a humanidade toda veio de um casal só – Adão e Eva, o dilúvio
aconteceu tal e qual o Gênesis afirma, Sodoma e Gomorra pereceram tal qual
está na Escritura, o sol e a lua pararam por ordem de Josué, Jonas permaneceu
três dias no ventre de um peixe… e por aí a fora.
A mentalidade fundamentalista surgiu entre grupos protestantes norte-
americanos do início deste século, seguidos por alguns grupos europeus. Entre
nós tal mentalidade encontra-se sobretudo na grande maioria das denominações
protestantes. Estes grupos sentem-se muito seguros de si porque lêem a Bíblia
assim, literalmente! Só que tal segurança é absolutamente falsa. E isto por vários
motivos:
1) A Bíblia interpretada de modo literal torna-se completamente contrária a
muitas das descobertas da ciência atual, levando o crente a negar a ciência e a
ciência a zombar da fé. Ora, o Deus que se revelou e nos convida à fé é o mesmo
Deus que deu ao homem a inteligência para descobrir e pesquisar
cientificamente! Como ignorar hoje a teoria de Charles Darwin, segundo a qual
as espécies – inclusive a humana – evoluem? Como negar as descobertas
arqueológicas que corrigem com razão muitas das afirmações da Bíblia? Como
ignorar as descobertas dos astrofísicos sobre a origem e evolução do universo?
Seria loucura e pura insensatez meter a cabeça no buraco e ignorar solenemente
tudo isto. É como se religião fosse coisa para analfabeto e ignorante! Esta atitude
fundamentalista é um assassinato à fé cristã: seria afirmar que num mundo
científico não haveria lugar para Deus: ou um ou outro, ou Deus ou a ciência!
Ora, tal visão nega e afronta a própria Bíblia: “Façamos o homem… que ele
domine sobre os peixes do mar e as aves do céu…” (Gn 1,26); “O Senhor Deus
colocou o homem no jardim do Éden para cultivá-lo e guardá-lo” (Gn 2,15). A
ciência não é obra do diabo, mas fruto da inteligência que Deus deu ao homem
para progredir e cuidar do mundo por ele criado!
2) A Escritura, se tomada literalmente, sem o auxílio da exegese, apresenta
contradições insuperáveis, que terminam por desmoralizá-la completamente.
Basta citar alguns exemplos: em Gn 1,26-27 Deus criou o homem e a mulher de
uma só vez, e isso depois de ter criado todos os animais; já em Gn 2,7-8.18-23
Deus criou primeiro o varão, depois as plantas, depois os animais e, somente
depois, a mulher, da costela do homem! Outro exemplo: em Gn 1,26-27 Deus
cria o homem pela sua palavra; em Gn 2,7 Deus cria o homem plasmando-o da
argila da terra! E agora? Outro exemplo: na história de José está dito que os
mercadores a quem José foi vendido eram ismaelitas (cf. Gn 37, 25); mais
adiante, está dito que eram madianitas (cf. Gn 37,28). Em Gn 6,6 está dito que
Deus se arrependeu de ter criado o homem; em 1Sm 15,29 diz-se que Deus não
se arrepende nunca! Mateus diz que Jesus pronunciou as bem-aventuranças
numa montanha (cf. Mt 5,1); Lucas diz o contrário: Jesus pronunciou as bem-
aventuranças numa planície (cf. Lc 6,17-23); Mateus afirma que Jesus subiu aos
céus na Galiléia (cf. Mt 28,16ss); Lucas garante que foi nos arredores de
Jerusalém, em Betânia e, portanto, na Judéia (cf. Lc 24,50ss). Marcos afirma
que era um só o cego de Jericó (cf. Mc 10,46ss); Mt 20,29ss afirma que eram
dois. Estou citando apenas alguns exemplos. Poderia citar muitíssimos, no
Antigo e no Novo Testamento, que mostram contradições entre vários textos
bíblicos. Estaria a Bíblia errada? Não! Errados estão os que a lêem literalmente,
como se ela fosse uma crônica histórica! A Bíblia não mente: ela traz a verdade
de nossa salvação!
3) De acordo com a própria Escritura, Deus nunca age sufocando o ser humano.
Isto vale também para a inspiração. Os autores dos livros sagrados não eram
simples instrumentos passivos nas mãos de Deus. Não se deve pensar a
inspiração como uma psicografia, na qual o escritor simplesmente copia o que
lhe foi ditado. Nada disso! Quando o autor sagrado escreve, muitas vezes nem
sabe que está escrevendo um livro inspirado, livro que fará parte da Bíblia.
Assim, ele escreve com sua mentalidade, seu estilo literário, suas
características. Por exemplo: o estilo do Evangelho de Marcos é grosseiro e o
seu modo de escrever o grego é muito feio e ruim. Já o estilo de São Lucas e
São João é muito belo. Cada autor tem suas idéias próprias, seu modo de ver e
avaliar a situação em que viveu. Além do mais, ninguém escreve um livro (nem
os livros da Bíblia) a toa. Para compreender bem um livro da Escritura é
necessário saber ao menos um pouco quem escreveu, para quem e com que
intenção. Repito: quem escreveu o livro não sabia que estava escrevendo um
livro inspirado! Então, quem é que diz que tal livro é inspirado? Lembre-se do
artigo sobre o cânon! A única instância que pode afirmar se um livro é ou não
inspirado por Deus é a Igreja, sob a guia dos seus legítimos pastores!
4) O fundamentalismo toma o texto bíblico sem observar como cada livro se
formou. O resultado é uma leitura totalmente deturpada! Por exemplo: a
revelação não foi feita de uma só vez, mas foi acontecendo aos poucos, na
história do povo de Israel. Assim, há na própria Bíblia uma evolução. Eis alguns
exemplos: (a) a questão da vida após a morte: no começo Israel pensava que,
com a morte, todos ficariam para sempre no sheol, num sono eterno e sem
nenhuma esperança (cf. Is 38,9-11.18; Sl 6,6; Sl 88,11-13); somente a partir do
século IV antes de Cristo, Israel começou a esperar na ressurreição (cf. 2Mc 7,8-
9.11.14.22-23.27-29; Dn 12,2-3). Então, há livros na Bíblia que esperam na
ressurreição e livros que não esperam! (b) A própria questão do Deus único
evoluiu na Bíblia: no começo Israel pensava que existiam muitos deuses, mas
somente Javé era o Deus de Israel; Javé era maior do que os outros deuses
(pensava-se assim: esses deuses existiam, mas Israel somente servirá a Javé).
Os livros mais antigos da Bíblia têm essa mentalidade (cf. Ex 20,1-3; Sl 95,3; Gn
31,53; Nm 21,29; Jz 11,23s; 1Sm 26,19; Sl 89,6-9); já os livros escritos pela
época do Exílio de Babilônia deixam claro que não há outros deuses: só existe
Javé (cf. Is 44,6-8; Jr 2,10s). (c) Mudou também o modo de a Bíblia ver a
monarquia: primeiro era contra (cf. 1Sm 8,1-9; 10,17-24), depois passou a ser a
favor (cf. 9,1 – 10,16; Sl 21,1-2). Bastam estes exemplos para fazer compreender
que não se pode entender bem a Escritura simplesmente interpretando tudo ao
pé da letra, sem olhar o contexto em que cada livro foi escrito!
5) Outro problema sério é o do gênero literário: ninguém lê uma poesia como
quem lê um jornal; ninguém lê um romance como quem lê um manual de
eletrodoméstico. Em outras palavras: cada livro tem um gênero literário e se não
se estiver atento a isto pode-se cometer erros grosseiros. Assim, por exemplo,
os salmos são poesia; Gn 1-12 são como parábolas sapienciais; Jó é um longo
poema como a nossa literatura de cordel; Êxodo é uma epopéia; Isaías é uma
coleção de oráculos; Cântico dos Cânticos é uma coleção de poemas de amor;
Ester e Jonas são pequenas novelas; Daniel é um livretinho apocalíptico;
Romanos é uma carta. Para ser bem interpretada, cada obra desta deve ser lida
dentro do seu estilo literário… senão o leitor vai trair a intenção do autor do livro,
traindo, assim, a revelação de Deus!
6) Uma outra coisa: estes fundamentalistas pensam que estão interpretando a
Bíblia ao pé da letra mas, na verdade, a estão interpretando de acordo com suas
pré-compreensões, seus “pré-conceitos”. Estão fazendo a Bíblia dizer o que eles
querem que ela diga e não o que ela quer dizer! Eis alguns exemplos: por que
os protestantes não aceitam a afirmação de Jesus: “Isto é o meu corpo; isto é o
meu sangue” (Mt 26,26-28; Mc 14,22-24; Lc 22,19-20)? Jesus foi tão claro: “A
minha carne é verdadeiramente comida e o meu sangue e verdadeiramente
bebida”(Jo 6,55)! Por que não aceitam Pedro como chefe da Igreja, se Jesus diz
claramente: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt
16,18)? A resposta é simples: quando eles lêem e interpretam a Bíblia já levam
o preconceito, isto é uma pré-compreensão, que faz com que eles entendam a
Bíblia como eles acham que devem entender! Então, cuidado: é somente na
aparência que os fundamentalistas parecem ser mais fiéis à Bíblia: na verdade,
apegando-se à letra, traem o espírito!
Bom, por agora basta! No próximo artigo vou explicar como fazer para ler
e interpretar a Bíblia corretamente, sem cair nos erros dos fundamentalistas! A
Bíblia é para todos, não somente para especialistas; mas há um modo inteligente
e um modo bobo de ler a Palavra de Deus! O modo fundamentalista é bobo!…

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