por
Jefferson Rodrigues de Oliveira
por
Jefferson Rodrigues de Oliveira
FICHA CATALOGRÁFICA
155fl.
______________________________________________
Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
_______________________________________________
Prof. Dr. Jung Mo Sung
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
AGRADECIMENTOS
RESUMO
Este trabalho é uma descrição e análise sócio-histórica da Igreja do Nazareno nos aspectos
mais importantes que contribuíram para sua inserção e expansão no Brasil. Descrevemos a
trajetória formativa dessa Igreja nos Estados Unidos, partindo das considerações histórico-
sociológicas dos valores teológicos que ela agrega, como o Arminianismo, a tradição
wesleyana e a doutrina da santidade. Buscamos entender, primordialmente, como se deu o
processo de inserção e expansão da Igreja do Nazareno no Brasil, sua estrutura de governo,
sua prática litúrgica, a formação de pastores, a forma de agregação de membros e a relação
que se estabelece entre esses pastores e os membros. O estudo sobre essa denominação ainda
é incipiente no meio acadêmico brasileiro, assim, buscamos suplantar a ausência de
informações sobre ela, nesse meio. Portanto, ressaltamos os aspectos de um enfoque sócio
histórico institucional que podem se distanciar da forma eclesial como os próprios nazarenos
compreendem sua denominação. Na abordagem desse objeto, enfatizamos a pesquisa
bibliográfica, a análise documental, a utilização de recursos audiovisuais, bem como a
observação participante. Este trabalho possibilitou o entendimento de que a Igreja do
Nazareno, desde seus primórdios, conduz sua prática pela distinção no meio protestante em
que se insere. No caso do Brasil, em que existem muitas outras denominações, a Igreja se
firma sobre sua principal distinção, a doutrina da santidade, a qual, por um enfoque da teoria
das economias religiosas, tem servido de produto para atender determinado nicho do mercado
religioso brasileiro.
OLIVEIRA, Jefferson Rodrigues. The Church of the Nazarene: the beginning (1895) of the
fiftieth anniversary in Brazil (2008). Master‟s thesis - Methodist University of São Paulo -
UMESP, São Bernardo do Campo, 2011.
ABSTRACT
This thesis is a description and a socio-historical analysis of Church of the Nazarene in all
major aspects that contributed to its insertion and expansion in Brazil. We describe the
formative history of this church in the United States, drawing on historical and sociological
considerations of theological values that it brings, as arminianism, the wesleyan tradition and
the doctrine of holiness. We try to understand, primarily, as was the process of integration and
expansion of the Church of the Nazarene in Brazil, its governance, its liturgical practice, the
training of pastors, the form of aggregation of members and the relationship established
between these pastors and members. The study of that denomination is still incipient in the
Brazilian academic, so we try to overcome the lack of information about it in the medium.
Therefore, we emphasize the aspects of a socio-historical institutional approach that can
distance themselves form the Church as the Nazarenes understand their own denomination. In
addressing this subject, we emphasize the literature, documentary analysis, use of audiovisual
resources, as well as participant observation. This work enabled the understanding that the
Church of the Nazarene, from its beginnings, the practice follows the distinction between
Protestant in which it operates. In the case of Brazil, where there are many others
denominations, the Church has been firmed on its main distinction, the doctrine of holiness,
which, by a focus on the theory of religious economies, has served as a product to meet
specific market niche Brazilian religious.
Keywords: Holiness Movement, the Doctrine of Holiness, Church of the Nazarene, the
Nazarene Church in Brazil.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 .......................................................................................................................... 18
ANTECEDENTES SOCIORRELIGIOSOS DA FORMAÇÃO DA IGREJA DO
NAZARENO ........................................................................................................................... 18
Introdução ................................................................................................................................. 18
1.1 Esclarecendo a relação entre uma perspectiva sociológica e a eclesiologia....................... 20
1.2 O arminianismo .................................................................................................................. 24
1.3 O arminianismo na Inglaterra ............................................................................................. 27
1.4 A tradição wesleyana .......................................................................................................... 29
1.5. O reavivamento wesleyano ................................................................................................ 32
1.6 Doutrina da Santidade ........................................................................................................ 34
1.7 O Movimento de Santidade ................................................................................................ 38
Conclusão ................................................................................................................................. 55
CAPÍTULO 2 .......................................................................................................................... 57
A IGREJA DO NAZARENO ................................................................................................ 57
Introdução ................................................................................................................................. 57
2.1 Phineas Bresee (1838-1915) ............................................................................................... 57
2.2 As Associações e Igrejas formativas da Igreja do Nazareno .............................................. 66
2.2.1 A formação da Associação das Igrejas Pentecostais da América (AIPA). .............. 66
2.2.2 A formação da Igreja de Cristo em Santidade (ICS) ............................................... 68
2.2.3 A união da Igreja do Nazareno com a AIPA e a ICS ............................................... 71
2.2.4 A consolidação da Igreja do Nazareno: uma interpretação weberiana .................. 77
2.3 A Estrutura de poder na Igreja do Nazareno ...................................................................... 81
2.4 A Mídia Nazarena ............................................................................................................... 93
Conclusão ................................................................................................................................. 98
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 142
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 151
10
INTRODUÇÃO
partes fora dos Estados Unidos, tornando uma das principais instituições promotoras da
mensagem de santidade no mundo.
A teoria das economias religiosas, utilizada como arcabouço nesta pesquisa, distingue
da abordagem mercantilista da religião em que esta é vista dentro de uma lógica em que as
igrejas mudam seus padrões de comportamento para atender ao mercado de clientes
religiosos. Nessa perspectiva mercantilista, as igrejas utilizam de técnicas e procedimentos do
mercado para atrair os fiéis. Estruturas de marketing, gestão, negócios e de administração são
utilizadas na busca de se consolidarem no mercado religioso. Ao contrário, a teoria das
economias religiosas considera a lógica do mercado, mas não enfoca a mercantilização da
religião. Essa teoria percebe as igrejas como instituições que estão inseridas na competição
para ofertar produtos religiosos, mas que não mudam seus padrões para alcançar as pessoas e
sim buscam atender uma demanda já definida. Em síntese, as diferenças entre as
denominações criam um mercado de produtos religiosos que estão em concorrência perfeita,
devido à quebra do monopólio religioso da Igreja Católica. Cada igreja busca seu nicho
religioso sem alterar ou buscar outras formas teológicas para atender o público, visto que para
os proponentes dessa teoria não é possível a uma única instituição religiosa atender toda a
demanda.
Este estudo da Igreja do Nazareno visa também qualificá-la em temos de suas práticas
litúrgicas, de formação pastoral, de agregação de membros e de suas crenças básicas.
Portanto, aborda aspectos como a centralidade da Bíblia, a dominação carismática pastoral
sobre a membresia e a relação burocrática-legal na hierarquia da Igreja. Esses aspectos
ressaltam a extensão da influência da Igreja sobre os seus membros, que é percebida além do
âmbito meramente eclesial. A figura do pastor adquire proeminência frente às demais
lideranças e sobre qualquer pessoa na Igreja, com isso, suas decisões passam a efeito
normativo referendado pelo poder da Bíblia. Aliás, a centralidade que a Bíblia tem na Igreja
do Nazareno decorre de sua condição como a Palavra de Deus e da interpretação que o pastor
lhe dá. Não é comum questionar os atos e discursos do pastor se ambos forem interpretados a
luz da Palavra de Deus. Essa interpretação é dada com autoridade pelo pastor, portanto, há
uma simbiose entre a Palavra de Deus e a palavra do pastor.
Em todos esses aspectos, este trabalho procura suplantar a falta de conhecimento sobre
a Igreja do Nazareno, trazendo ao conhecimento público as características formativas e
essenciais dessa Igreja, por meio do estudo da questão de como foi o processo de formação e
consolidação da Igreja do Nazareno até o ano de seu cinquentenário no Brasil. Em
decorrência desta problematização, apresentamos como hipótese principal, que o processo de
inserção da Igreja do Nazareno no Brasil se deu como resposta à falta de uma instituição no
cenário protestante brasileiro que vinculasse sua mensagem diretamente ao aperfeiçoamento
dos já convertidos. Assim, apontamos que, a inserção e expansão da Igreja do Nazareno no
Brasil visaram cobrir um lapso dogmático que nem as Igrejas clássicas e nem as pentecostais
suplantaram com suas mensagens e doutrinas. A Igreja do Nazareno visualizou o cenário
religioso brasileiro em termos das economias religiosas, ou seja, um ambiente de concorrência
em que seria necessário um fortalecimento institucional, ao invés de uma prática evangelística
pulverizada. Mesmo que entendamos que a doutrina da santificação propugnada pela Igreja do
Nazareno não se originou com ela e nem é exclusividade dela, os nazarenos entendem que o
Movimento de santidade se desvaneceu no âmago de outras denominações que a princípio
haviam aderido à doutrina da santidade.
Assim como nos Estados Unidos se buscou uma organização centralizada que
preservasse e difundisse a mensagem da santidade proveniente do Movimento holiness, assim
os nazarenos buscaram implantar uma instituição eclesial no Brasil que difundisse a
perspectiva original da santidade. Podemos aventar tal hipótese, pela necessidade apresentada
pelo casal Stegemoeller, nazarenos residentes no Brasil, de solicitar à direção da Igreja nos
Estados Unidos a vinda de missionários para implantação da Igreja no Brasil, bem como,
apesar da ausência da Igreja do Nazareno no país, José Zito, um de seus pioneiros, não ter se
filiado às Igrejas Congregação Cristã no Brasil, Presbiteriana, Metodista ou qualquer outra,
enquanto a Igreja do Nazareno não se estabeleceu em terras brasileiras.
16
Por fim, ressaltamos que, o foco desse estudo é a descrição e análise da formação e
expansão de uma instituição religiosa que visa a se estabelecer em um cenário protestante
diversificado. Portanto, esse estudo atende a uma lógica institucional da fundação,
desenvolvimento e reprodução de uma organização religiosa, baseado na perspectiva da
sociologia da Religião de Max Weber (2004), François Houtart (1994) e Thomaz O‟Dea
(1969) e na especificidade de sua inserção em um mercado religioso plural abordado pela
teoria das economias religiosas. Para não perdermos os aspectos bíblicos e teológicos
pertinentes a essa instituição, buscamos o diálogo com o ramo da Teologia denominado de
eclesiologia.
Entendemos que, apesar da singularidade da Igreja do Nazareno, seu estudo pode ser
proveitoso para aqueles que percebem que os fatos que a envolvem são semelhantes aos que
envolvem outras igrejas protestantes e que os aspectos abordados nesse estudo podem ser uma
contribuição para aqueles que desejam embrenhar nos caminhos da pesquisa sobre outras
17
CAPÍTULO 1
Introdução
p. 18) e anunciaram os mesmos serviços de auxílio aos pobres, denominando esse espaço de
Nazareno, por entenderem que era o nome que mais identificava Jesus Cristo com os pobres.
O crescimento das atividades na South Main fez surgir a Igreja do Nazareno.
vinda do casal de missionários Charles e Joana Gates. Earl Mosteller e Charles Gates, com
suas respectivas esposas e filhos, chegaram ao Brasil a pedido do casal Stegemoller que havia
enviado uma carta à sede da Igreja do Nazareno nos Estados Unidos solicitando missionários
para instalarem a Igreja do Nazareno no território brasileiro. Os Stegemoller vieram a trabalho
em uma indústria de tratores e máquinas pesadas em Campinas, o que significa que não
vieram ao Brasil a serviço da Igreja. Outros missionários e novos adeptos da Igreja do
Nazareno fizeram com que essa se espalhasse para outros Estados e cidades nos poucos meses
posteriores, como é o caso de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal.
Cinquenta anos depois, a Igreja do Nazareno encontra-se em todas as regiões do Brasil com
aproximadamente 90 mil membros. (IGREJA DO NAZARENO/AGENDA, 2009.).
A breve explanação que fizemos sobre a Igreja do Nazareno tenta mostrar como a
formação institucional é dependente do ambiente sócio-histórico que a circunscreve, portanto
o estudo do processo formativo da Igreja do Nazareno servirá dos arcabouços teóricos que
privilegiam a institucionalização dos movimentos religiosos, uma vez que buscamos, neste
capítulo, o entendimento do processo formativo de uma instituição: a Igreja do Nazareno.
Tomamos, portanto, na análise desse objeto os condicionamentos sócio-históricos mais
importantes que contribuíram para o surgimento dessa Igreja. Esses condicionamentos são
retratados, como já dissemos, a partir das próprias concepções que a Igreja entende como
essenciais à sua formação, portanto as definições de arminianismo, da tradição wesleyana e do
Movimento de santidade nos Estados Unidos sustentam a abordagem deste capítulo. Assim, a
forma de análise que propomos é uma simbiose entre a abordagem da Sociologia da Religião
sobre as instituições religiosas2 e a eclesiologia, visto que os aspectos sociais de formação da
Igreja estão intrinsecamente ligados aos fatores teológicos que ela adota, ou seja, há uma
interpretação teológica dos eventos sociais no âmbito da Igreja do Nazareno.
2
Nesse aspecto, tomamos como referência teórica as perspectivas sociológicas da religião de Francois Houtart
(1994) e Thomaz O‟Dea (1969).
21
básica: O que é a Igreja? Dessa forma, essa disciplina estuda uma instituição de cunho
burocrático formal, mas também de valor simbólico espiritual. Na perspectiva de uma
eclesiologia protestante, tem-se que a Reforma Protestante (1517) se iniciou dentro da visão
do que seria a Igreja, visto que de imediato, contradizia os princípios hierárquicos,
burocráticos e teológicos da Igreja Católica Romana. Para Lutero, a Igreja Católica havia
perdido o direito de ser considerada a autêntica igreja cristã por haver se distanciado da
doutrina da graça3.
Segundo Walter Altmann (1994), Lutero fazia distinção entre a igreja externa e igreja
interna, isso é, a igreja enquanto instituição humana e comunidade mística espiritual. No
entanto, essa separação não era tão patente; são “dimensões que se dão sempre em
simultaneidade, não como entidades compartimentadas.” (ALTMANN, 1994, p. 126). Mesmo
assim, Lutero apresentou contundente crítica à Igreja institucional. Para ele, “o que se crê não
é corporal nem visível. Todos nós vemos a Igreja Romana exterior. Por esta razão, ela não
pode ser a verdadeira Igreja, que é crida e é uma comunidade ou assembleia dos santos na fé”.
(LUTERO, 1987. p. 378).
3
A graça é um conceito teológico extraído da interpretação bíblica, no qual expressa o favor incondicional de
Deus para com os seres humanos, independente desses o conhecerem ou amá-lo. Na perspectiva luterana, a graça
suprime a intervenção eclesiástica para que os seres humanos se relacionem com Deus. (Cf. GRENZ;
GURETZKI; NORDLING, 2002, In: GRAÇA)
22
preceitos de Javé, ou em torno dele, eram traduzidas como igreja, conforme estipula a versão
dos setenta4. Segundo Edward Schillebeeckx (1989, p. 60), os primeiros cristãos aproveitaram
dessa concepção e adotaram-na para se referir à reunião de fiéis aos preceitos de Jesus Cristo
em determinado local e também para as várias comunidades cristãs existentes em uma cidade,
ou espalhadas no mundo.
No caso do protestantismo, o conceito de igreja foi definido, por extensão, aos adeptos
do princípio luterano: somente pela graça, somente pela fé e somente pelas escrituras. Os
quais implicaram na singela definição encontrada nos artigos de Esmalcada5 em que a Igreja é
os cordeirinhos que ouvem a voz de seu pastor. Daí, Altmann (1994. p. 124) ressalta que “há
na compreensão de Igreja em Lutero, uma dimensão de forte crítica institucional. Excluída
está também de antemão a predominância de uma hierarquia eclesiástica”. Pelos princípios de
Schillebeck e de Lutero, entendemos que a Igreja protestante se estabelece em um
fundamento transcendente e subjetivo e em outro material histórico. Isso traz a necessidade de
uma abordagem social e eclesiológica e, nesse aspecto, visualizamos a Igreja do Nazareno no
Brasil por intermédio das relações burocráticas e pelas relações com o sagrado refletido na
supremacia da Bíblia e da prédica pastoral como padrão prescritivo na Igreja e na condução
dos membros nazarenos.
4
Versão dos setenta ou septuaginta refere-se à tradução do Antigo Testamento hebraico para o latim. Segundo a
tradição essa versão foi feita por setenta e dois rabinos que, sem se conhecerem, traduziram a Torá sem se
contradizerem.
5
Conforme Earle E. Cairns (1995), a liga Esmalcádica era uma organização formada por Príncipes protestantes
para defesa mútua contra os católicos, no ano de 1531.
23
Dessa forma, acreditamos que quaisquer que sejam as proposições utilizadas para se
definir uma igreja, o papel escriturístico é essencial, isso é, podemos pensar uma igreja com
muitos, poucos e até com um membro, podemos entendê-la com práticas ortodoxas ou
heterodoxas, com variadas formas de governo etc.. Contudo, todos esses aspectos se
submetem e são legitimados por uma avaliação bíblica. Qualquer que seja a forma ou
conteúdo de uma igreja de linha protestante evangélica são eles fundados ou referendados
pela interpretação que se tem das Escrituras Sagradas, ela torna-se o padrão normativo-
prescritivo de uma instituição religiosa do ramo protestante. C. William Fischer ([19--]), no
prefácio de seu livro, Porque sou nazareno e não Católico Romano, Espírita, Testemunha de
Jeová, Mormón e Adventista do 7º dia, estipula que o padrão nazareno de interpretação
da Bíblia é o valor principal de diferenciação em relação às outras instituições e não há
qualquer outro critério que a suplante.
Muitas observações e convicções tornaram esta obra uma tarefa compulsória, e mais
que necessária: a sagaz camuflagem da heresia, no empregar um vocabulário,
respeitável e ortodoxo [...] Se este livro criar o orgulho ou a arrogância
denominacional (dos nazarenos), terá falhado no seu propósito. Se criar ou alargar
uma caridosa compreensão naqueles cujas mentes estão distorcidas, e ao mesmo
tempo patentear tais distorções à reveladora luz do ‘Assim diz o Senhor’(da Bíblia)
e propiciar a todos que o lerem compaixão mais profunda para guiarem os
enganados aos caminhos da retidão e da verdadeira fé, terá provado que isso é obra
do Espírito. E nesta medida, e somente nesta medida, este volume será útil a todos
quantos o lerem e também agradável Àquele em cujo nome foi escrito. (FISHER,
([19--]), p. 6,7 grifo nosso).
Buscamos destacar com esse ponto, que os condicionamentos sociais que influenciam
na constituição de uma igreja são, em grande medida, referendados por alguma forma de
interpretação bíblica. O surgimento da Igreja do Nazareno é visto por seus adeptos como
resultado de uma interpretação escriturística do contexto sócio-histórico feita por seus
pioneiros. Nesse aspecto, pode parecer paradoxal a concordância que aqui se tem com as
origens sociais das denominações cristãs proposta por Helmut Richard Niebuhr (1992, p. 16)
que não se prende à interpretação ortodoxa do denominacionalismo cristão, que “considera os
credos oficiais das igrejas portadores da explicação das origens e do caráter das diferenças
vigentes” entre as várias igrejas. No entanto, propomos, como sutil diferença à abordagem de
24
Niebuhr, o fato de não se entender o credo de forma ontológica, ou seja, como algo distinto da
realidade cotidiana, simplesmente baseada nos ditames teológicos. Dessa forma, podemos
entender o credo não como um preceito de origem transcendente, mas como resultado da
forma de se perceber a realidade que é traduzida, ou é interpretada para e pela linguagem
religiosa, que se institucionaliza nas igrejas.
1.2 O arminianismo
A Igreja do Nazareno se define como arminiana. Essa ideia remete ao século XVI e
aos ensinos do teólogo holandês Jacobus Arminius (1560-1609). Armínio nasceu em
Oudewater e estudou na Universidade de Leiden e Genebra. Nesta, se empenhou a estudar o
calvinismo sob as orientações do sucessor de Calvino, Teodoro Beza. Ao terminar os estudos,
Armínio voltou para a Holanda e assumiu como pastor uma igreja em Amsterdã, nesse tempo,
conheceu as idéias de Dirk Koornhert, também teólogo, que combatia as idéias do calvinismo.
Armínio de imediato colocou-se contrário a Koornhert, mas aprofundando-se em seus estudos
verificou a plausibilidade dos argumentos do teólogo de Amsterdã e passou a adotá-los.
Segundo José Gonçalves Salvador ([19--], p. 23), Koornhert, desde 1544, “vinha atacando as
idéias de Calvino na Suíça. No conceito de Koornhert, todas as formas de religião deviam ser
toleradas, mas, ao externar seu ponto de vista, feriu uma das doutrinas fundamentais do
calvinismo, único sistema que o Estado favorecia”.
25
6
Essa designação surgiu quando um grupo de pastores adeptos das ideias de Armínio viu se intensificar as
perseguições contra suas práticas e ideias, principalmente, em decorrência das ações impetradas pelo docente da
Universidade de Leiden, Francisco Gomaro. Em decorrência de tal fato, esses pastores assinaram um documento
intitulado de o protesto ou “remonstranza” que rechaçava ainda mais o calvinismo.
26
Para os arminianos, o calvinismo coloca Deus como autor do pecado, embora não
negassem, de todo, o chamado dos salvos semelhante à eleição. Os arminianos não
corroboravam, contudo, com um decreto divino arbitrário de escolha dos salvos, pois se assim
fosse os não salvos também seriam decorrentes da escolha de Deus e, para eles, ninguém foi
chamado para a perdição. Os “remonstrantes” acreditavam que nenhum ser humano por suas
próprias forças podia alcançar a Deus, esse, por intermédio de sua graça, é que chegava até os
homens, mas isso não significava que somente alguns tinham a sorte de serem alcançados. A
partir da aproximação de Deus é que os seres humanos poderiam escolher se seguiriam ou não
os ditames da divindade, mas todos os seres humanos poderiam ter essa escolha.
7
Conforme Grenz, Guretzki e Nordling (2002, p. 123), o Sínodo de Dort foi uma assembleia das igrejas
reformadas dos Países Baixos, convocada em Dort em 1618-1619, para tratar politicamente da separação entre a
igreja e o Estado e teologicamente da questão arminiana. O Sínodo se posicionou contra o arminianismo e
estabeleceu bases que confirmavam a doutrina da depravação total da humanidade.
27
8
Puritanismo foi um movimento de reforma que a princípio buscava “purificar” a Igreja da Inglaterra após a
Reforma inglesa. Os puritanos acabaram concentrando-se na purificação dos indivíduos e da sociedade por meio
da reforma da igreja e do Estado de acordo com princípios bíblicos. Defendiam uma teologia das alianças e
tinham a convicção de que as escrituras estavam devidamente investidas de autoridade para a conduta do
indivíduo e para a organização da Igreja. (In: GRENZ, GURETZKI, NORDLING. 2002, p. 111).
29
A Igreja do Nazareno sustenta em sua declaração histórica que um dos pontos no qual se
alicerça é o movimento wesleyano e, particularmente, o movimento de reavivamento ocorrido
no Século XVIII. Nessa parte, destacamos, portanto, em quais condições sociais e religiosas
esse movimento surgiu, bem como, quais foram os fatores que contribuíram para a
emergência de João Wesley no cenário protestante inglês e qual foi a contribuição do
wesleyanismo para o surgimento da Igreja do Nazareno como instituição nacional, nos
Estados Unidos, no início do século XX.
Vimos nas páginas precedentes que a monarquia inglesa teve um papel decisivo no que
concerne ao aspecto religioso. No entanto, esse papel se deslocou para outras áreas que
influenciaram radicalmente a postura dos religiosos ingleses. O fortalecimento do Estado
absoluto possibilitou um recrudescimento das atividades comerciais, bem como um aporte de
inovações tecnológicas que deram à Inglaterra o pioneirismo na formação de uma sociedade
capitalista, bem como um impressionante desenvolvimento industrial que veio a se consolidar
na chamada Revolução Industrial.
Para Paul Singer (1991), a economia de mercado é bastante antiga. Desde tempos bem
remotos as sociedades organizavam sua economia produzindo bens que eram trocados em
locais específicos denominados de feiras ou mercado. A produção era artesanal e em cada
30
Conforme destaca Geoval Jacinto da Silva (2009, p. 35), “O modo de se viver e pensar
modificou rápida e radicalmente em todos os lugares onde ocorreu o processo de
industrialização”. Esse aspecto também não passou despercebido no transcurso do
protestantismo inglês. A forma como o clérigo anglicano João Wesley respondeu a esses
problemas e conduziu a intervenção da Igreja no âmbito social para combatê-los foi bastante
significativo para o processo de formação institucional da Igreja do Nazareno na primeira
década do Século XX.
31
A doutrina arminiana desde cedo fez parte da vida de João Wesley. Seus pais Samuel e
Suzana concordavam com as ideias arminianas de Bull e, paulatinamente, foram inculcando-
as em seus filhos. No ano de1725, Wesley ainda questionava os ensinamentos calvinistas,
conforme uma carta enviada a sua mãe. Deve-se notar o teor da resposta dada por Susana.
9
Cf. Cairns (1995, p. 271), os 39 artigos são uma revisão doutrinária, de forte ênfase calvinista, do Livro de
Oração Comum. Foram aceitos como credo da Igreja Anglicana, pelo Parlamento inglês, no ano de 1563.
32
Essa se tornara mais que uma afirmação intelectual ou uma dádiva de Deus, pois conclamava
os seres humanos à responsabilidade de um novo modo de vida.
10
C.f. Mcgrath (2005, p. 118), O termo pietismo deriva da palavra latina “pietas” que é melhor traduzida por
devoção e religiosidade, talvez originada da obra “pia desideria” (1675) de Philipp Jacob Spener. O movimento
pietista pode ser visto como uma reação contrária ao formalismo e ortodoxia doutrinária apresentada pelo
luteranismo. Buscava, pois, uma fé relacionada com os aspectos intimistas da natureza humana é a “religião do
coração”. Para Mcgrath, João Wesley está entre os representantes desse movimento e o introduziu na Inglaterra.
11
Alguns autores denominam esse período de reavivamento ao invés de avivamento, tal fato se dá em
decorrência desses estudiosos considerarem ou não o ineditismo do movimento no contexto em que se instala.
Para Heitzenrater, o autor chave nessa análise, o movimento de avivamento wesleyano foi precedido por outros
de igual natureza, por isso denomina-o de reavivamento.
33
caracterizavam pelos cercamentos dos campos para a criação de ovelhas que forneciam lã
para as manufaturas têxteis. Os cercamentos produziram uma agricultura cada vez mais
voltada para o mercado, as atividades agrárias começavam a entrar na rota de abastecimento
da incipiente classe trabalhadora, dificultando a produção e encaminhamento dos gêneros
alimentícios para sustento dos trabalhadores no campo. A atuação, em conjunto, desses
fatores tornava a vida no campo cada vez mais insustentável. Segundo Singer,
A pobreza não traz consigo coisa pior que o fazer com que os homens se tornem à
mofa. Mas, não é a falta de alimento pior do que isso? Deus proclamou como
maldição sobre o homem o fato de que ele deveria „ganhar o pão do suor do seu
rosto‟. Mas, quantos há neste país cristão que trabalham e suam e, afinal, não têm
senão que lutar contra a tristeza e a fome? Não é triste para alguém, depois de um
dia pesado de trabalho, chegar à sua casa pobre, suja e sem conforto, e não encontrar
pelo menos o alimento necessário à reparação de suas energias gastas? Refleti, vós
que tendes vida tranquila na terra e de nada tendes necessidade, senão de olhos para
ver e de ouvidos para ouvir e de coração para entender o quanto Deus vos tem feito,
quão terrível é procurar o pão diariamente e não achá-lo! [...] Rogo a Deus que
permita, antes de morrer, levantar a voz mais uma vez, como um toque de trombeta,
para alertar os que acumulam dinheiro e não dão roupas, nem onde recostar a
cabeça. Por que sofrem tanto? (Wesley apud. LOCKMANN, 2008, p. 44-
45).
Esse aspecto mostra que a mensagem wesleyana de avivamento atendia aos anseios
daqueles fatigados pela condição social. Dessa forma, o grande número de ouvintes
identificava-se com a mensagem wesleyana que se tornava oposta à condição da igreja oficial,
cuja importante parcela do clero estava arrolada entre os que se beneficiavam da exploração
das massas.
A palavra santidade usada no meio eclesial tem sua origem na Bíblia e significa santo,
sagrado, aquilo que é separado, puro. (GRENZ; GURETZKI; NORDLING. 2002, p. 121).
Assim, a santidade é vista como um atributo de Deus, qualidade do povo hebreu que se separa
dos pagãos, ou dos costumes mundanos. Também denota a separação de coisas e pessoas para
o serviço de culto a Deus, tais como o sacerdote, candelabro, óleo, oferendas. De uma forma
geral, o conceito de sagrado e seus cognatos assumiram significado daquilo que é dedicado a
Deus. No entanto, cabe discorrermos sobre o processo de assimilação do conceito de
santidade na doutrina wesleyana de perfeição cristã que a Igreja do Nazareno adota como sua
principal vertente.
35
Para J. Kenneth Grider (1991, p. 19), a raiz hebraica “KDSH” traduzida para santidade
se usa 830 vezes no Antigo Testamento, mas os eruditos não têm certeza quanto à história
etimológica da palavra, mesmo assim, poucos discordam do seu sentido de separação.
Contudo, sua tradução que significa santidade não tem originalmente nenhuma conotação
ética. Grider (1991, p. 19) afirma que essa conotação era também dada às prostitutas que
exerciam seus ofícios nos templos pagãos como forma de serviço aos deuses e deusas da
fertilidade. “elas não eram santas no sentido ético, como se entenderia no contexto bíblico,
lhes chamavam „santas‟ porque eram pessoas separadas para um uso especial de seus deuses”.
De acordo com o mesmo autor, no meio do povo hebreu já se poderia se aventar o conteúdo
ético para “KDSH” aplicado às pessoas, cujos requisitos éticos se implicavam nos requisitos
de pureza para os animais que se haviam de usar para os sacrifícios no tabernáculo.
12
Pecado Original é um termo teológico que faz menção ao processo inicial que desencadeou a proliferação do
pecado a toda humanidade. Segundo o relato bíblico esse pecado iniciou com os personagens Adão e Eva que,
desobedecendo a Deus, comeram o fruto da árvore do bem e do mal, sendo, por isso, expulsos do paraíso.
13
Batismo no Espírito Santo é uma expressão bíblico-teológica que significa a forma sobrenatural, pela qual o
cristão recebe a presença ou os dons do Espírito Santo. No meio eclesial ganhou várias vertentes e valorização,
principalmente, no ramo pentecostal em que os dons de se fazer milagres, de curar e falar línguas estranhas, por
exemplo, significam formas de comprovação de que o fiel foi batizado com o Espírito Santo.
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em mente que a inteira santificação é obra de Deus, portanto ação direta do Espírito Santo,
pois somente Deus teria a capacidade de erradicar dos seres humanos o pecado original.
Segundo Wiley e Culbertson ([19--]. p. 180.), a Bíblia apontam três sentidos para a
palavra justo. O primeiro aplica-se àquele que é pessoalmente justo e contra o qual não há
acusação nenhuma, essa é a justificação pessoal. O segundo é aplicado para aquele que foi
acusado de alguma transgressão, mas nada foi provado, é a justificação legal. O terceiro faz
menção àquele que é culpado, acusado e condenado, mas pelo sacrifício de Cristo é perdoado
e declarado justo por Deus. Para grande parte das igrejas do ramo protestante, nesta última
justificação ocorre o processo de regeneração, no sentido restrito de um novo nascimento, e
de filiação cristã que se tornam o objetivo da vida cristã. Pela declaração de justiça, os crentes
se relacionam com Deus e têm um lugar garantido no céu no findar da vida terrena.
Wesley, no entanto, entendia a justificação não como fim da vida cristã, mas como meio
para obtê-la. Ele entendia o ato regenerativo como importante mudança na alma daquele que
cria, sem a justificação não haveria regeneração, porém esse ato não trazia a plenitude da vida
cristã, era apenas o começo dela. As mudanças espirituais e morais trazidas pela regeneração
não tiravam os desejos corporais que militavam contra a nova espiritualidade, apenas por um
ato secundário da parte de Deus poderiam os seres humanos dominar a si mesmos, ou seja,
por meio da santificação. Segundo Wesley, a regeneração é o princípio da vida santa, por isso
está vinculada à santificação. No entanto, cabe distinguirmos a regeneração como santificação
inicial, que purifica os seres humanos daqueles atos impuros e depravados que se cometeu ao
longo da vida. Por assim dizer, a justificação e a consequente regeneração livram os seres
humanos dos pecados cometidos, mas não da origem desses pecados, que é o pecado original.
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O termo santidade se refere ao estado ou condição daquele que passou pela experiência
da inteira santificação. Os pressupostos morais e éticos dessa doutrina trouxeram ao
cristianismo reformado um novo padrão comportamental que respondia de forma mais
veemente o quadro social que vivia a Inglaterra do final do Século XVIII. Para Clóvis Pinto
de Castro (2008, p. 258), a compreensão wesleyana da santificação se “desenvolve na inter-
relação humana. A justificação pressupõe um ato de fé pessoal e intransferível; a santificação
implica na existência do outro, do próximo, tanto no nível comunitário eclesiástico como no
espaço público”. Com isso ressaltamos que a santificação é, também, um evento social que,
conforme afirma J. Kenneth Grider (1991), é um ensino doutrinário que em muito ultrapassou
o provincialismo teológico do metodismo conforme afirmava alguns estudiosos.
É importante notarmos que, mesmo que Wesley não excluísse a perfeição cristã da vida
em sociedade e, mesmo que essa tenha um reflexo social importante, sua origem está
intrínseca aos seres humanos na relação com a divindade. Com isso, a forma que Castro
(2008) aponta está mais para a consequência social da santificação e para sua certificação do
que para sua origem. A santificação, para Wesley, é obra oriunda da graça divina, porém,
dentro de uma perspectiva arminiana, ela decorre da condição humana querer alcançar a sua
finalidade: a santidade. Portanto, a santificação é o ato de se tornar alguém ou algo
santificado, uma vez santificado esse alguém ou algo está em santidade. No caso dos seres
humanos, as relações interpessoais demonstram se alguém é ou não santo, mas não
determinam essa condição, uma vez que muitos santificados se voltaram contra as estruturas e
prática sociais. Dessa forma, em Wesley, a santidade é social, mas pode não ser societal “não
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há santidade que não seja santidade social; reduzir o cristianismo tão somente a uma
expressão solitária é destruí-lo.” (Wesley apud CASTRO, 2009, p. 259).
Durante a vida de João Wesley, alguns pastores na Inglaterra fizeram sérias objeções à
difusão da doutrina da santidade no território e colônias inglesas. Esse quadro de objeções
também foi verificado nos Estados Unidos, onde a maioria dos ministros metodistas
estadunidenses, por querer ressaltar as diferenças com o metodismo inglês após o
reconhecimento da independência das treze colônias, negligenciava a doutrina da inteira
santificação. Segundo M. E. Redford (1995, p. 10), o crescimento do número dos metodistas e
o apego de seus bispos ao ambiente cultural dos Estados Unidos contribuíram para que
aqueles que ainda pregavam a santidade fossem perseguidos por aqueles que haviam se
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esquecido dela e também fossem colocados à parte nos trabalhos das igrejas, quando não
expulsos delas.
anglicana vinda através de companhias privadas que recebiam concessões para explorar esse
território colonial inglês. A Igreja Anglicana se tornou a igreja oficial em grande parte das 13
colônias, mas houve espaços para os congregacionalistas, presbiterianos e batistas que se
estabeleceram em sua maioria nas colônias de Nova Inglaterra, Salém e Providence
respectivamente (NICHOLS, 1981, p. 261-267).
Uma das práticas que se tornou comum entre os protestantes nas colônias inglesas da
América foi o avivamento. Esses movimentos de renovação espiritual emergiam,
normalmente, em tempos de crise. No início eram espontâneos, não organizados e de cunho
rural, depois passaram a acontecer com mais frequência em meios urbanos com o acirramento
do processo de urbanização e industrialização, com o aumento populacional e com a
degradação moral e os conflitos separatistas. (CAIRNS, 1995, p. 316). Jonathan Edwards,
Theodore Frelinghuysen e George Whitefield estão entre os maiores avivalistas do Século
XVIII na América. Apesar de alguns aspectos que esses movimentos trouxeram para as
igrejas e a sociedade, como o ensino moral nos lares, no trabalho e no lazer, criação de
universidades como Princeton, Columbia, Hampden-Sydney, além da criação de casas de
abrigo e orfanatos, (CAIRNS, 1995, p. 318), houve reações contrárias e divisões entre as
igrejas decorrentes desses movimentos avivalistas.
Ao mesmo tempo, a situação entre norte e sul também se tornara bastante conflituosa.
Por muitos anos, as condições socioeconômicas do sul permitiram o seu domínio na política,
mas, em meados do século XIX, os sulistas estavam sendo superados pelos nortistas. Criou se
entre eles, acordos políticos que serviam para administrar seus interesses, no entanto as
diferenças econômicas entre o sul agrário e o norte industrializado trouxeram sérias questões
que não foram suplantadas para a manutenção das boas relações. Dentre as diversas questões
como as tarifárias, gastos de investimentos em infraestrutura de transporte e a organização dos
Estados do oeste, essa última teve papel crucial, uma vez que o norte tendia a tolerar a
escravidão no sul, mas com a extensão desta para os novos Estados do oeste, viu-se ameaçado
em seu poderio político porque temia que esses Estados viessem a ter uma organização
semelhante ao sul e os seus representantes no Congresso fortalecessem o poderio político dos
sulistas nas eleições de 1860. (RÉMOND, 1989, p. 55-59).
Em meio a essas tensões entre norte e sul, o debate sobre o escravismo tornou-se ponto
culminante que nem os sulistas nem os nortistas conseguiram superar. Segundo Rémond,
(1989, p. 59-66) as circunstâncias se agravaram quando o norte foi atingido por uma
depressão econômica devido à queda nos investimentos e nos depósitos bancários feitos por
investidores europeus e pela especulação desenfreada no setor de construção de estradas de
ferro. Além disso, a vitória nas eleições de 1860, de Abraham Lincoln nortista, abolicionista e
republicano e, portanto, contrário aos interesses dos sulistas levou a que esses deixassem a
União para organizarem um novo país, Os Estados Confederados da América. A Guerra Civil
americana veio à tona com bastante violência, teve um custo de mais de 600 mil mortos e
terminou com o esmagamento do sul pelas tropas do norte.
Além desses aspectos, outro fato importante começava a tomar expressão, as igrejas
protestantes começaram a adotar os métodos seculares na busca por mais fiéis e para sua
expansão, de forma que suas ações eclesiais assemelhavam às organizações e empresas de
negócios. Ao mesmo tempo, preocupações de cunho social, tais como aquelas relativas aos
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O início desse movimento se deu nas reuniões metodistas, segundo Smith ([195-]),
através do pastor John C. Mcclintock, membro do comitê de celebração do centenário de sua
denominação, em 1866. Mcclintock dizia ser a perfeição cristã o tema central da Bíblia e
promoveu reuniões semanais de santidade que durante o ano de comemoração do centenário
multiplicaram em muitas cidades. O casal Palmer, seguidor de Mcclintock, promoveu
reuniões e conferências campestres nos Estados de Nova Iorque, Michigan e Ilinois. Ao
mesmo tempo, John S. Inskip, pastor metodista, dirigiu uma série de conferências que
culminou em um grande avivamento campestre para promoção da santidade em 1867. As
reuniões campestres de santidade avançaram nos anos seguintes. Em 1869, foi criado os
primeiros periódicos voltados ao movimento de santidade, “The christian standard” e o
“Home Jornal” dirigidos por John Inskip. No ano seguinte, William Mcdonald fundou uma
revista mensal, “The advocate of holiness”, daí uma contínua publicação de jornais e revistas
se espalharam pelos Estados Unidos. (SMITH, [195-], p.19.).
Os encontros campestres tiveram apoio de grande parte dos pastores e bispos de outras
igrejas. No entanto, cabe ressaltarmos, que sua disseminação se deve à ação leiga. Durante a
maior parte do século XIX, a colonização foi um fator preponderante na condição
estadunidense. O fluxo migratório contou em grande parte com a participação das igrejas
protestantes, fiéis itinerantes cavalgavam pelos caminhos do oeste e, depois da Guerra de
Secessão, por todo o território daquele país. Com pouco vínculo institucional, os leigos
celebravam cultos religiosos, construíam escolas e templos que posteriormente eram usados
pelas igrejas. Após o conflito separatista, o papel leigo foi redefinido pelas grandes reuniões,
que traziam o vínculo institucional de evangelização de massa, ou seja, visava-se não apenas
introduzir uma visão religiosa de conversão ou regeneração, mas uma perspectiva que trazia o
patrocínio de uma denominação ou de grupos denominacionais que diferenciavam entre si.
a ideia de santidade nos Estados Unidos, por meio da evangelização campestre. Segundo
Diane Leclerc, (2004, p. 28) “no início estes metodistas americanos eram extremamente fiéis
à pessoa e à teologia de John Wesley. Mas passou apenas uma geração, para que a palavra
„pai‟, que era usada quando se fazia alguma referência a Wesley, mudasse para „fundador‟”.
Esses metodistas quiseram tornar-se independentes dos padrões britânicos do metodismo.
Essa mudança não foi apenas eclesiástica, mas significava a influência do contexto no qual
estavam inseridas as igrejas estadunidenses. (LECLERC, 2004.).
A perda de três filhos levou Phoebe Palmer a ingressar na vida religiosa, em 1837.
Adepta do metodismo, sua vocação influenciou a vida de milhares de pessoas. Juntamente
com sua irmã Sarah Lankford, Palmer liderou as chamadas reuniões de terças-feiras em sua
casa. Para muitos, esse é considerado o lugar em que nasceu o Movimento de santidade.
Leclerc (2004) considera que em muitos aspectos, Phoebe Palmer não era uma mulher típica,
dos meados do século XIX. Por essa consideração de Leclerc, entendemos a figura de Phoebe
como alguém que está em posição de vanguarda em relação à sociedade em que vive. De fato,
Phoebe demonstrou isso ao assumir uma condição de liderança eclesiástica geralmente
atribuída aos homens e de iniciar um movimento ainda questionado em sua época. A própria
frustração de Phoebe em alcançar a experiência da santidade instantaneamente, por causa da
complexidade transmitida através da pregação metodista, deu-lhe grande ímpeto para fazer
com que a doutrina fosse accessível aos leigos. Conhecida por criar a fórmula dos três passos,
uma síntese que reduziu a termos simples aquilo que podia ser uma busca complicada e
perplexa da santidade, Phoebe Palmer escreveu dezenas de livros e junto com seu esposo
compraram e editaram o Guia da perfeição cristã, até 1903. Ambos também criaram postos
de assistência aos pobres, pelos quais as obras de caridade femininas foram reconhecidas.
A santidade, portanto, não é apenas uma profissão de fé, mas uma necessidade social.
Contudo, suas características intrínsecas terminantemente bíblicas, “histórica, tecida
14
O termo mundo é aqui entendido, em conotação bíblico-teológica, como o ambiente externo à influência e
ditames das igrejas. Esse termo assemelha-se, neste caso, àquilo que é secular, profano, digno de conversão aos
preceitos das igrejas.
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estava Antonette Brown que foi ordenada ao ministério15 pastoral em 1853, a primeira mulher
formalmente ordenada na história que se tem notícia. (GRIDER,1991, p. 16)
A teologia de Oberlin não estava desligada da sua agenda social. Calvinistas como
Charles Finney e Mahan estavam atentos ao novo tema de evangelismo que estava se
espalhando pelos Estados Unidos, Canadá e Grã-Bretanha, a saber: a inteira santificação.
Segundo Leclerc (2004), os calvinistas rejeitavam a relação que se dizia necessária entre a
doutrina da perfeição cristã e o metodismo. A partir daí, começaram a pregar uma nova
síntese do calvinismo e da santificação que se tornou conhecida como Nova Teologia ou Novo
Calvinismo. No entanto, houve reações extremas, principalmente, pelas denominações
calvinistas mais tradicionais, pois a teologia de Oberlin mostrava-se completamente otimista
sobre a mudança pessoal e social que pode acontecer através da santificação. Alguns sugerem
que o declínio do radicalismo de Oberlin, depois de Finney e Mahan, está diretamente ligado
à sua volta à teologia calvinista mais tradicional que está longe do perfeccionismo do século
XIX. Outros sugerem que o reavivamento de Oberlin declinou após 1842, ano em que Elder
Jacob Knapp, evangelista batista, foi banido de Boston e se tornou membro do Instituo
Oberlin, cujos pastores sofreram diversos ataques por seu suposto fanatismo.
15
A palavra ministério faz referência ao trabalho realizado nas igrejas ou fora delas, cuja designação para esse
trabalho procede de Deus ou de alguém que exerce autoridade divina. Por exemplo, aqueles que exercem o ofício
de pastor têm o ministério pastoral.
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Segundo Smith ([195-]), o principal fator que motivou a separação dos líderes do
Movimento de santidade de suas respectivas igrejas foi a participação desses líderes em
trabalhos sociais e de assistência de cunho denominacional. Alguns desses líderes deram
respaldo ao trabalho com os pobres e excluídos das grandes cidades, produzindo, assim, uma
gama de convertidos que se sentiam desconfortáveis nas igrejas existentes.
Consequentemente, surgiram diversas congregações independentes. Desde o período das
grandes cruzadas e encontros evangelísticos produzidos por Phoebe Palmer e Charles Finney,
em que se pregava contra a escravidão e se construíram casas de apoio aos pobres e asilos nos
bairros de Nova Iorque, a doutrina da santidade havia compelido a muitos para assistirem a
esse contingente de necessitados. A fundação de hospitais, asilos, casas de recuperação,
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Segundo McGrath, a escatologia é parte da Teologia cristã destinada ao estudo das últimas coisas, como a
ressurreição, inferno e vida eterna. (MCGRATH, 2005, p. 652.).
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orfanatos, casas de desabrigados, etc., ajudaram a muitos obterem uma melhor condição de
sobrevivência. Assim, aqueles que integravam o trabalho social de santidade ou eram
atendidos por ele percebiam novas razões para rechaçar o formalismo das igrejas. Com isso,
foram criados centros de adoração para esse contingente que, principalmente, após 1880 era
marginalizado nos grandes centros urbanos dos Estados Unidos.
Muitos fiéis antigos das igrejas tradicionais, bem como os iniciantes começaram a
seguir essas congregações. Os bispos metodistas notaram essa crescente debandada de seus
fiéis para as organizações de santidade e buscaram reagir adotando dois posicionamentos. O
primeiro visou rechaçar veementemente o que se pregava nos grupos de santidade enfatizando
o caráter denominacional e a autoridade episcopal sobre as decisões dos leigos, essa reação
não surtiu muito efeito e em pouco tempo esses líderes e suas igrejas se encontravam mais
enfraquecidos. O segundo posicionamento se caracterizou pela adesão de alguns bispos
metodistas aos parâmetros do Movimento de santidade, mas sem que se desqualificasse o
padrão denominacional.
Conforme Smith ([195-], p. 16-30), mesmo que as pregações sobre a segunda obra da
Graça tivessem em muito criticado a autoridade episcopal, alguns bispos metodistas
procuraram adaptar-se ao Movimento de santidade, a fim de que suas perdas fossem menores.
Dessa forma, começaram a investir em atividades missionárias e evangelísticas um tanto
quanto distantes das rigorosas disciplinas metodistas. Entre 1895 e 1905, muitos bispos do
norte e do sul patrocinaram campanhas para conscientizar pastores e leigos para a busca da
doutrina do amor perfeito. Contudo, tais campanhas refletiram resultados adversos, visto que