Para Antonio Candido, literatura propriamente dita deve ser considerada como “um
sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas
dominantes duma fase.” (p. 23) Assim, estes denominadores comuns são descritos por ele como
as características internas da obra, isto é, a língua, as imagens, o tema e também elementos
específicos de natureza social e psíquica que são organizados literariamente, se manifestando
historicamente e fazendo da literatura “aspecto orgânico da civilização”. No que diz respeito a
esses últimos elementos específicos, o autor cita a existência de um conjunto de produtores
mais ou menos conscientes de seu papel; receptores, ou seja, o público, “sem o qual a obra não
vive” e um veículo transmissor, isto é, “uma linguagem traduzida em estilos”. A inter-relação
desses denominadores comuns em determinadas obras faz com que elas adentrem o que
Candido chama de sistema literário. Uma vez parte do chamado sistema literário, ocorre o que
Antonio Candido denomina de continuidade literária: “espécie de transmissão da tocha entre
corredores, que assegura no tempo o movimento conjunto, definindo os lineamentos de um
todo.” (p. 24) E é com esta continuidade, transmissão e imposição de pensamentos que se cria
a tradição.
É nesta definição de sistema literário que Candido sustenta seu ponto de vista em relação
à história da formação da literatura brasileira, tanto no que compete a delimitação de seu início,
quanto no que compete ao método histórico de estudo da literatura. No que diz respeito ao
método histórico de estudar literatura, Candido aponta para o fato de as obras se articularem no
tempo, o que legitima o estudo histórico das mesmas. Quanto à polêmica da distinção entre o
que seriam as manifestações literárias e literatura propriamente dita, Antonio Candido alerta
para o fato de que antes do Arcadismo toda a produção literária era precária no que concerne à
formação de uma tradição. Não há a organização de um sistema orgânico e o autor atribui esta
então desorganização à imaturidade do meio, o que dificultava a formação de uma continuidade
entre os autores.
Desta maneira, Candido cita autores como Anchieta, Vieira e Gregório de Matos.
Embora esses autores tenham tido extrema importância na história da literatura, a partir dessa
divisão entre manifestações literárias e literatura, não podemos inseri-los no que Antonio
Candido chama de sistema literário. As obras dos autores citados sobreviviam isoladamente e
em níveis muito insignificativos de articulação com outros escritos da época. Gregório mesmo,
embora permanecesse como tradição local na Bahia, não “existiu” literariamente até que os
românticos o redescobrissem. Assim, delimitando o período dessas manifestações, o autor as
coloca entre os séculos XVI e XVIII, este último fazendo referência às suas Academias, e
quanto à formação da literatura, enquanto sistema, Candido afirma que o processo começa em
meados do século XVIII, ganhando plena força na primeira metade do século XIX.
É no processo de formação desse sistema literário que o autor chama de “uma literatura
empenhada” o desejo de missão dos autores de fazer literatura brasileira. Candido fala do anseio
por parte dos escritores de construir uma literatura como prova de que os brasileiros eram tão
capazes quanto os próprios europeus no que diz respeito à produção literária. Além disso,
Candido, aponta para o fato de que os escritores que mais se voltavam aos temas brasileiros
eram justamente os que moravam em Portugal, e mais: estes faziam questão de se qualificarem
como brasileiros. Após a Independência, essa autoafirmação se acentua e a atividade literária
passa a ser considerada como parte da construção do país livre. Através da literatura, os
escritores buscavam, então, a diferenciação e particularização dos temas e modos de exprimi-
los. É também nesse período que se dá, segundo Antonio Candido, a tomada de consciência dos
autores em relação ao seu papel, além também da intenção de escrever para a sua terra.
É claro que não se pode ignorar as dificuldades dessa nova forma de empenho na
literatura como parte fundamental da construção de um país. Esse desejo de missão dos
escritores ofuscava e até mesmo prejudicava a criação estética. É por isso que Candido muito
sabiamente não ignora certas desarmonias dentro do que ele chama de sistema literário. Esse
sistema não é formado – ele vai se formando até atingir sua quase unidade. É por isso que o
autor fala de momentos decisivos para a formação de nossa literatura: momentos, no plural. E
um desses momentos, o inicial, foi causador de certo desnorteio estético nas obras.