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Tamanho é documento?

Cláudio Camargo

"CRESÇA E APAREÇA!"

Era com essa expressão curta mas definitiva que meus pais
enterravam.minhas vãs tentativas de pular o muro das proibições
que eles me impunham. Não que eu fosse um moleque rebelde,
ao contrário. Naqueles já distantes anos 60, morando numacida-
dezinha do interior paulista,eu reivindicava o direito a coisas
banais, como ler revistas em quadrinhos que eram "proibidas"
para menores de 13 anos (e nem eram revistas de sacanagem!) ou
esticar as saídas nos fins de semana, voltando um pouco mais
tarde, lá pelas onze da noite. Quando os argumentos dos meus
pais acabavam, eles relembravam o fato de que eu ainda não pas-
sava de um mero pirralho. Era o último recurso antes de um defi-
nitivo "cale a boca" ou de umas boas palmadas. Mas, àquela
altura, eu não poderia advinhar que o "cresça e apareça" estava
fadado a se transformar em algo muito mais sério do que uma
advertência contra minha teimosia infantil. Cedo descobri que
seria um cara de baixa estatura. O preconceito contra baixinhos
alimentou em mim um sentimento de inferioridade que custou
muito esforço para ser vencido.
Sendo o mais velho de três irmãos, eu era o mais alto e o mais
forte. Isso pelo menos até os 10, 11 anos de idade. Na hierarquia
da molecada, isso me dava "direitos" indiscutíveis sobre meus
irmãos, como o de determinar do que, quando, como e onde brin-
car. Se necessário, esses "direitos" eram impostos pela força físi-
ca. Até que um belo dia, meu irmão do meio descobriu que já
estava quase do !lleu tamanho, embora fosse dois anos mais

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novo. A descoberta fez com que ele não só deixasse de me "obe- ta~b~m era um tampinha. Mas foi o presidente .da:a.m~j ..•
decer" como também passasse a me desafiar. mais Importante .que o Brasiljá teve", garantia, lança,llqc;u:p.j'Sil~
Mas foi nos primeiros anos da escola que a humilhante con- argumentos OUVIdosem casa de meu pai e de meus aV;Q~'q,'(irSt
dição de "baixinho" me foi revelada da maneira mais cruel pos- mar~chal Caste!o ~ranco?", perguntava, referindo-se a~~IJ.m~
sível, como costuma acontecer no reino da molecada. As p:esIdent~, o primeiro dos quatro da ditadura militar. "Ele ~.ba.\"!
gozações aconteciam quase todo dia, principalmente na hora do xinho e nao tem pescoço, mas mesmo assim foi o líder da Re-
recreio, quando meus colegas adoravam me tirar do sério me volução e agora é o presidente da República." .
chamando de "tampinha" e "anão" e até criando baixarias como Mas a minha incursão pela História foi um furo n'água. Eu
"meia-foda". É claro que os caras faziam isso com requintes de continuava a ser motivo de deboche. Afinal, os hospícios estão
sadismo porque sabiam que eu não ousaria desafiá-los para "sair che~os de criaturas assim, que acham que são Napoleão, Hitler,
no braço", como se dizia. O máximo que eu conseguia era res- ElvIS Presley ... Assim, quando eu tinha mais ou menos 16 anos
ponder, sem muita convicção, com uma máxima que eu tinha resolvi "assumir", como se dizia na época, minha condição de
aprendido em algum lugar: "tamanho não é documento!". Como "baixinho". A estatura era "questão menor", raciocinava, sem
se não bastassem as gozações no recreio, a minha condição de ~e dar conta do tro~adi~o. Mas a necessidade de querer parecer
"inferioridade" era ressaltada também nas aulas de educação diferente permanecia, sinal que o complexo de inferioridade não
física, embora de maneira menos agressiva. Por eu ser um dos me abandonara. Comecei a me interessar por teatro, literatura e
mais baixos, era sempre um dos últimos a serem escalados para política. Mas não era fácil gostar de política nos anos de chumbo
jogar nos times de basquete ou futebol de salão. É verdade que eu do general Emílio Garrastazu Médici, quando o Brasil vivia na
era um perna de pau incorrigível- talvez venha daí minha aver- ilusão de um "milagre econômico" enquanto os que ousavam
são a quase todo tipo de esporte coletivo. Mas o tamanho também desafinar o coro dos contentes eram presos, torturados e mortos
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contava, e como! em quartéis e delegacias. É claro que eu não sabia de nada disso,
N o começo, resisti à discriminação buscando refúgio na a censura da época não permitia. Descobri essas coisas ao entrar
crença de que aquilo era um fato passageiro e que, de alguma em contato com um grupo de comunistas que fazia teatro amador
maneira, eu voltaria a crescer. Mas, com o tempo, foi ficando na cidade. fui convencido de qu~ não havia gesto mais nobre do
claro que minha condição física era parte tão inseparável de mim que combater ~ma tirania, mesmo à custa de sofrer perseguições,
como a cor da minha pele. Constatando a duras penas que era inú- como acontecia com os "vermelhos". Minha conversão à "causa
til dar murro em ponta de faca, mudei de tática. Já que não podia do proletariado" foi quase instantânea. Já que eu não conseguia
ser igual aos meus colegas, pois bem, seria diferente. Seria fazer as coisas normais que todo mundo fazia, como jogar bola,
melhor! Ser baixo não me impediria de sonhar alto. Como eu andar de bicicleta, nadar, namorar, resolvi ser um rebelde com
gostava um pouco de História, comecei a mergulhar em livros e ca~sa. E a experiência de participar da montagem de peças tea-
enciclopédias em busca de grandes personagens que pudessem trais - sempre com alguma "mensagem" política, geralmente
me servir de modelo. O primeiro e mais óbvio era o imperador de fundo social- caía como uma luva na minha necessidade de
francês Napoleão Bonaparte (1769-1821). "Ele tinha só um vencer a timidez.
metro e meio mas pôs toda a Europa de joelhos a seus pés!", argu- Iniciei então minha "formação política" lendo livros proibi-
mentava, triunfante, para meus colegas. "Foi o maior gênio mili- dos.de Mao Tsé-tung, Ho Chi Minh, Josef Stálin e Vladimir
tar de todos os tempos", dizia, do alto da minha precocidade Lênin. Casei-me com a Revolução (a comunista, não a de 1964;
forçada. Não me esqueci de figuras nacionais. "Getúlio Vargas esta era um "golpe militar", corno.me ensinaram meus novos

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companheiros). Tudo o mais - garotas, diversão, consúmismo xinho, por isso vou ser dispensado", acreditei. Entrei no quartel
- se tomaram coisas supérfluas, típicas da pequena burguesia todo confiante. Na hora do exame físico, a surpresa: minha altu-
(um palavrão na esquerda que significava algo como mauricinho ra era 1m57 e, portanto, eu tinha sido aprovado! Tinha apenas
hoje em dia). Para mim, o grupo a que eu me ligara era minha dois centímetros a mais do que a estatura mínima exigida
nova farm1ia. O complexo de inferioridade por ser baixinho era (lm55), que era a altura do fuzil com a baioneta ... Fiquei apavo-
compensado pela sensação de estar "fazendo História" e partici- rado, mas não tinha como fugir. Agora, eu estava no coração do
pando de uma grande empreitada da Humanidade, a Revolução lllnrugo ...
Comunista, que precisava de militantes dedicados, não importa- As questões políticas e ideológicas, no entanto, foram o que
va a classe, sexo, tamanho, origem. menos me trouxeram aporrinhações durante minha passagem
Tudo corria às mil maravilhas. Ou quase. Lembro-me de pelo serviço militar. O sentimento de inferioridade com o meu
uma situação insólita, que me trouxe certa contrariedade. tamanho, que eu pensava ter excluído das minhas preocupações
Dagoberto, meu mentor ideológico, o cara responsável pela cotidianas, voltou com toda a força. No Exército, como nas esco-
minha entrada no grupo, era um sujeito muito inteligente e tam- las daquela época, as pessoas fazem fila para marchar por ordem
bém era baixinho. Mas, desgraça das desgraças, ele era pouca de altura. Não é preciso dizer que eu acabei ficando na última fila.
coisa mais alto do que eu. Sua condição estava estigmatizada no Para piorar as coisas, como eu estava cursando o último ano do
codinome ("Baixo"), mas isso nunca foi motivo de gozação da colegial, fui um dos convocados para fazer um curso para cabos.
turma, ao contrário. De qualquer maneira, como eu era pessoa "Não quero, sargento. Não tenho vocação para isso", retruquei.
mais baixa do grupo, Dagoberto não perdia a oportunidade de me "Não lhe perguntei se você quer ou não. Militar não tem que que-
tirar uma "casquinha". Apesar desse pequeno detalhe, minha rer. Isto é uma ordem!", cortou o sargentão mal-humorado. Fiz o
autocopfiança cresceu muito naquele período. Eu já não me sen- tal curso e fui aprovado. Mas acabei, sem ter esse objetivo, des-
tia a última pessoa da face da Terra. Tanto que eu até consegui moralizando a hierarquia militar. As primeiras marchas que ten-
arrumar namoradas, então uma verdadeira proeza para mim. tei comandar foram um desastre completo, porque minhas ordens
Quando eu já estava me convencendo de que meu tamanho, de comando eram recebidas às gargalhadas. Eu não sabia - e
de fato, não era documento, descobri que aquela condição teria, também não queria - impor minha autoridade, mas atribuía essa
pelo menos, uma grande vantagem. Aproximava-me dos meus dificuldade ao fato de ser baixo. "Ninguém obedece um cabo de
18 anos, época em que todo jovem é confrontado com a possibi- um metro e meio", pensava. Mas eu tinha que racionalizar a situa-
Iidade de fazer o serviço militar. Se para a grande maioria da ção. "Tudo bem, eu não queria mesmo ser militar, isso é uma
rapaziada essa perspectiva arrepiava os cabelos, para mim ela era bosta, e é melhor parecer humilhado pelo tamanho do que desco-
simplesmente impensável. Corria então o ano de 1974, estáva- brirem que eu sou comunista", desconversava. Mas, no fundo, no
mos em plena ditadura militar e, para um comunista como eu, fundo, eu ficava uma arara. Sabia que estavam pegando meu pon-
servir no Exército era o mesmo que trair a causa. Eu deveria fugir to fraco, o meu calcanhar de Aquiles, como se dizia então.
desse êaminho como o diabo foge da cruz. Alguns amigos do Passado aquele batismo de fogo, mudei-me para São Paulo.
grupo de teatro me deram a idéia de provocar uma doença respi- A pequenez cultural de minha cidade era sufocante para um bai-
ratória para conseguir a dispensa, coisa que um deles garantia ter xinho que achava que pensava grande. Amilitância tinha me aju-
feito com sucesso dois anos antes. "Assim também não", pensei. dado a disfarçar a timidez fabricando uma imagem de intelectual
Eu tinha tido bronquite asmática na infância e me lembrava que era inversamente proporcional ao meu complexo de inferio-
muito bem do tormento que era sofrer falta de ar. "Sou muito bai- ridade. Passei a ser um sujeito discursivo, empolado e freqüente-
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mente hermético. Eu usava e abusava de conceitos, da "dialéti- ciso conviver Co.ma realidade e tirar disso. o.melhor proveito. poJ-
ca" e o diabo a quatro para cativar as pessoas. Tinha me tornado, sível. "Ninguém pode fazer você se sentir inferior sem o.seu cor1-
em suma, um pentelho. Acho. que naquela época a tolerância sentimento.", dizia a ex-primeira dama americana ••Eleanor
pública a "malas" era bem maior do.que hoje em dia ... Essa fama Roosevelt. O tamanho. (ou a origem, ou a cor, ou qualquer outro
de intelectualóide costumava impressionar e seduzir algumas atributo) pode ou não. ser documento. Depende da gente.
pessoas e o que importava, na verdade, era essa capacidade des-
coberta. Ao entrar na faculdade, cursando. Sociologia e Política,
essa tendência se acentuou consideravelmente. Mas pela primei-
ra vez na vida, eu sentia que falava coisas que as pessoas queriam
ouvir. Eu era encarado. com seriedade e gozava de uma aura de
respeitabilidade, mesmo. que as pessoas não. entendessem pata-
vina do. que eu estava falando. Assim, ficava cada vez mais raro.
ser lembrado pelo. fato. de ser baixo. Eu não. crescera, mas apare-
cera. Nada mau.
Mas só percebi que apenas tinha varrido. meu complexo de
inferioridade para baixo. do.tapete quando. comecei a fazer psica-
.; nálise' muitos anos depois. Poucas vezes na vida encontrei pes-
soas mais baixas do. que eu e uma delas foi exatamente o.meu
psicanalista, o.que de início. não. deixou de me causar um certo.
incômo.do.. Percebi então. que eu não. assumia o.desconforto com
minha estatura justamente porque achava que ter tal complexo
era ridículo. Os anos no. divã e a experiência me ensinaram que
negar um problema como o.sentimento de inferioridade apenas
torna esse sentimento. mais profundo, embora disfarçado.
Reconhecer a existência desse complexo. me ajudou a superá-lo,
Depois disso, lutar contra o.preconceito. foi "bico.".
Por isso, acho. que toda essa papagaiada de uma cultura "po.li-
ticamente correta" como forma de coibir discriminações é uma
babaquice puritana. Essa idéia presunçosa e autoritária nasceu
nos Estados U nidos e nós, brasileiros, já a estamos macaqueando.
As pessoas não. vão. deixar de discriminar negros, baixinhos ou
homossexuais só porque são. constrangidas a se referir a eles
corno "afro-americanos", "pessoas verticalmente prejudicadas"
ou "seres com opções sexuais alternativas". O black pode ser
beautiful, o baixinho. pode ser charmoso e o.gordinho pode ser
simpático, mas o.buraco é mais embaixo. Não. se combate o.pre-
coriceito mudando. o.vernáculo. Em nível pessoal, acho. que é pre-

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