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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

PAULO NUNES DE ALMEIDA

LÍNGUA PORTUGUESA E LUDICIDADE:


ENSINAR BRINCANDO NÃO É
BRINCAR DE ENSINAR.

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO

2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

PAULO NUNES DE ALMEIDA

LÍNGUA PORTUGUESA E LUDICIDADE:


ENSINAR BRINCANDO NÃO É
BRINCAR DE ENSINAR.

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Dissertação apresentada à comissão examinadora da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a
obtenção do título de mestre em Língua Portuguesa, sob a
orientação do Professor Doutor Luiz Antonio Ferreira.

São Paulo

2007

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________________
Prof. Dr. Luiz Antonio Ferreira

_______________________________________________
Prof. Dr. João Hilton Sayeg de Siqueira

_______________________________________________
Profª Dra. Dina Maria Ferreira

3
Agradecimentos

Tenho consciência de que, no relato de minhas observações, pesquisa e


experiências englobadas neste trabalho, não estive só. Foram muitos os que estiveram
comigo nesta caminhada. Citar, aqui, todos que contribuíram para este percurso que aqui
se encerra, seria tarefa que tomaria muitas e muitas páginas. Relembro, então, os
principais protagonistas:

O professor Dr. Luiz Antonio Ferreira, muito mais do que um orientador, um amigo
e companheiro que soube ensinar-me a “retórica da vida”, a arte de viver bem,

os professores doutores João Hilton Sayeg de Siqueira e Dina Maria Ferreira que,
quando da qualificação, apontaram novas diretrizes e forneceram dados importantes para a
consolidação deste trabalho,

os autores das obras consultadas, pela grandiosidade de seus trabalhos e


conhecimentos neles expressos e pela certeza de que não estou só,

os professores e diretores do Colégio Lúdico de Conchas, por transporem para a


prática aquilo que refleti e construí,

o professor Silvio Luis da Silva, pelas discussões e idéias a respeito deste


trabalho,

a secretária Maria Ângela Serafim Alves, pela paciência e dedicação na digitação e


compreensão de meus manuscritos, e

a minha família, a esposa, Valéria, e os filhos, Dante Conrado, Dante Vicenzo,


Alexandre e Paula, pelo prazer de ter ao meu lado uma verdadeira escola de vida.

Por fim, devo dizer que, é possível que, entre nós, existam dúvidas na forma de
“avaliar e interpretar” as palavras, mas qualquer que seja o raciocínio e a interpretação,
obrigado. Obrigado por tudo e por todos.

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Deixaste rolar uma lágrima pela minha vida,

Deixarei tombar minha vida pela tua lágrima.

Nivo de Camargo

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RESUMO

O presente trabalho apresenta um panorama do uso de atividades lúdicas no


ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa e enfatiza o uso de jogos e brincadeiras na
escola, com o intuito de aumentar o conhecimento das crianças acerca de sua língua-mãe
e de seus papéis no seio da sociedade em que vivem. Para tanto, apresenta as origens da
palavra “lúdico” e seu uso na educação e, em seguida, fornece informações acerca das
fases de desenvolvimento das crianças, segundo a teoria piagetiana. Apresenta, também,
algumas atividades lúdicas que podem ser utilizadas na escola para facilitar o ensino de
Língua Portuguesa, de forma que a criança apreenda os conteúdos escolares relativos à
aprendizagem da língua português e se sintam motivadas durante o processo de
aprendizagem. Como ferramenta teórica, abarca, sobretudo, os estudos de Brougère
(2002), Brunner (1974, 1977, 1986 e 2001), Chateau (1987), Freire (1977, 1983 e 1989),
Piaget (1973 e 1990), Piaget & Inhelder (1974 e 1968), Snyders (1974, 1988 e 1993),
Vygotsky (1987, 2000 e 2001).

Palavras chave: Educação Lúdica, Ensino de Língua Portuguesa, processo de


desenvolvimento cognitivo.

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ABSTRACT

This study presents a panorama of the use of ludic activities in the Portuguese
language teaching and learning and emphasizes the use of games and plays at school in
order to improve children’s knowledge about their mother tongue and their roles in society.
In order to achieve its goals, it presents the origins of the word ludic, its historical aspects
and the Process of Cognitive Development formulated by Piaget. It also presents some
ludic activities to be used at school to facilitate the Portuguese language teaching in a way
children effectively learn school subjects and feel comfortable and motivated to learn. As a
theoretical feature, this study is based on de Brougère (2002), Brunner (1974, 1977, 1986
and 2001), Chateau (1987), Freire (1977, 1983 and 1989), Piaget (1973 and 1990), Piaget
& Inhelder (1974 and 1968), Snyders (1974, 1988 and 1993), Vygotsky (1987, 2000 and
2001).

Key words: Ludic Teaching, Portuguese Teaching, Process of Cognitive Development.

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SUMÁRIO
Uma vida de sérias brincadeiras ....................................................................................................... 9
1: Ludicidade, vivência e responsabilidade..................................................................................... 15
1.1: Lúdico em seu sentido etimológico ....................................................................................................15

1.2: Lúdico em ação. .................................................................................................................................19

1.3: Concretude lúdica: o jogo, a brincadeira e o brinquedo. .....................................................................22

1.4: Lúdico e comportamento humano: zonas fronteiriças. .......................................................................32

1.5: Jogos e brincadeiras: seriedade e responsabilidade. .........................................................................36

1.6: Educação lúdica. ................................................................................................................................45

2. Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos................................................ 58


2.1: Por que Piaget? ..................................................................................................................................59

2.2: Fase pré-verbal ou sensório-morota (0 – 2 anos): Semente a ser regada.............................................61

2.3: Fase verbal I (2 – 4/5 anos): A oralidade brota no horizonte. ...............................................................66

2.4: Fase verbal II (5/6 – 7/10 anos): Dos brotos da oralidade às folhas da escrita. ....................................73

2.5: Fase verbal III ( 11/12 anos em diante): Raízes do conhecimento sustentável. ....................................80

3 – Ludicidade e ensino de Língua Portuguesa: Confluências práticas........................................... 89


3.1 – Atividades para o desenvolvimento da oralidade: .............................................................................90

3.2 - Atividades para auxiliar no processo de alfabetização:......................................................................94

3.3 – Atividades para o desenvolvimento da leitura:..................................................................................99

3.4 Atividades para o desenvolvimento da escrita:..................................................................................101

3.5 – Atividades gerais para o desenvolvimento da comunicação e expressão em Língua Portuguesa: ..110

Aprender não é brincadeira. Ou é? ............................................................................................... 117


Bibliografia ................................................................................................................................... 126

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Paulo Nunes de Almeida
Língua Portuguesa e Ludicidade: ensinar brincando não é brincar de ensinar
Introdução: Uma vida de sérias brincadeiras
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Uma vida de sérias brincadeiras

Quando estamos acordados temos um


mundo coletivo, sonhando, no entanto,
cada um se depara com o seu próprio.
Aristóteles

Brincadeira, jogo e brinquedo são termos estreitamente relacionados com o que


concebemos, nos espaços escolares, como lúdico. É neste meio, o escolar, que as
indagações acerca das possibilidades de uso do lúdico como metodologia aliada à
construção do conhecimento aflora, inclusive – e, em nosso caso, principalmente – no que
tange ao ensino e aprendizagem da língua materna, ou seja, a Língua Portuguesa.

As diversas áreas do conhecimento como a Antropologia, a Sociologia, a


Psicologia, a Psicanálise, a Lingüística e a Pedagogia já se ocuparam do lúdico e dele
extraíram significados distintos – reflexo das visões da seara de cada uma destas áreas,
evidentemente - e, destes significados, partiram para defender posições específicas quanto
à utilidade da ludicidade para a vida prática.

É chegada a vez da Educação, principalmente dos professores de alfabetização e


de língua portuguesa, então, dar sua ênfase ao aspecto lúdico presente nas aulas e na
construção do conhecimento lingüístico. Por isso, neste trabalho, caracterizamos diferentes
conceitos e interpretações possíveis para o termo lúdico e averiguamos sua aplicabilidade
no âmbito escolar como ferramenta metodológica a proporcionar conhecimento aos alunos
e, por conseguinte, fomentar a qualidade do ensino de nível fundamental, com destaque
para preocupações com o ensino de Língua Portuguesa, língua mãe, e, portanto o veículo

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Paulo Nunes de Almeida
Língua Portuguesa e Ludicidade: ensinar brincando não é brincar de ensinar
Introdução: Uma vida de sérias brincadeiras
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e instrumento mediador de comunicação, informação e de construção de conhecimentos. A


Língua Portuguesa, além de ferramenta estimuladora de tensões para novas motivações,
torna-se, neste estudo, objeto fundamental à interpretação do lúdico e à conscientização de
seu uso no processo de ensino e aprendizagem.

Este trabalho dá continuidade às pesquisas motivadas pelas minhas inquietações


de pesquisador, cujos questionamentos e trabalho quanto à utilização do lúdico e a sua
aplicabilidade na vida prática escolar não é recente.

Depois de passar pelos cursos de Letras e Pedagogia, nos idos da década de 70,
passei a me dedicar ao ensino nas escolas públicas estaduais. Foram 13 anos de sala de
aula, dedicados ao ensino de Língua Portuguesa, em contato direto com as crianças e suas
preocupações, dificuldades, facilidades, saberes, não-saberes, sorrisos e lágrimas.

Neste período, consegui me aproximar mais das questões educacionais e voltar


meu olhar para a necessidade de se prover os professores e alunos com ferramentas
educacionais que contribuíssem para tornar a escola um espaço não apenas de
aprendizagem, mas de aprendizagem e/com prazer.

Segui, então, os caminhos do Estado. Fui coordenador, diretor de escola e técnico


de ensino da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Paralelamente, consultorias
pedagógicas cruzaram meu caminho e acentuaram minha preocupação com a necessidade
de se formar cidadãos conscientes já nos anos iniciais. A Língua Portuguesa, ao meu ver,
seria a via de acesso mais profícua para se alcançar este intento. Apaixonar-se por ela,
seria, então o veículo para percorrer o trajeto. Como fazê-lo sem massificar ou “militarizar”
o ensino? Trazer o aspecto lúdico à escola e à sala de aula foi minha resposta.

O lúdico, então, passou a ser parte intrínseca das minhas preocupações


pedagógicas. É certo que já o fora desde os primeiros anos em que me dediquei à sala de
aula, efetivamente lidando com os percalços do ensinar e aprender; mas os

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Língua Portuguesa e Ludicidade: ensinar brincando não é brincar de ensinar
Introdução: Uma vida de sérias brincadeiras
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questionamentos são, sempre, muitos e, por isso, justificam esse trabalho de investigação
e de criação de propostas.

Os anos de experiência me levaram à formatação de uma série de livros dedicados


ao ensino de Língua Portuguesa nas séries iniciais e à elaboração e adoção do Método
Lúdico de Alfabetização, cuja acepção traduzia-se no princípio de que se aprende a ler e a
escrever com muito mais significação se há prazer, se há liberdade e se há desafios.

Desafio foi o que me levou à fundação do Colégio Lúdico de Conchas, onde pude
por em prática o que sempre pregara. Já o nome do colégio denota a preocupação com o
que se crê como essência.

Não bastou, porém, ver os frutos de meu trabalho - realizado com a ajuda de
muitos colegas educadores, evidentemente – consolidado com a aceitação dos livros que
publiquei e a boa aceitação do Colégio Lúdico de Conchas. O tempo trouxe-me às portas
do mestrado e, como era de se esperar, não poderia tratar de outra coisa que não a
inserção do lúdico na prática pedagógica do ensino de Língua Portuguesa e da importância
de se aprofundar os conhecimentos sobre os efeitos dessa metodologia na aprendizagem.

Cheguei, assim, à proposta deste trabalho: tecer uma reflexão sobre os aspectos
conceituais, interpretativos e psicolingüísticos do lúdico para, se aceito e aprovado, permitir
ao professor maior segurança teórica para a aplicação dos “jogos e brincadeiras” em sala
de aula – o lúdico, portanto – e, concomitantemente, esclarecer o seu potencial de
contribuição para o ensino e aprendizagem de língua portuguesa. É certo que, mesmo
como uma reflexão inicial, a envergadura da proposta é grande. Tratei, então, de
estabelecer objetivos mais específicos para que a empreitada se concretizasse.

Desta forma, este trabalho enfoca, primordialmente, o ensino de Língua


Portuguesa nas séries iniciais, embora não possamos deixar de mencionar que o recorte
aqui proposto é, também, feito com o intuito de mostrar a validade pedagógica do lúdico
como fator essencial ao processo de construção das linguagens pré-verbal e verbal
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Introdução: Uma vida de sérias brincadeiras
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associadas às habilidades integrais do ser - sejam elas físico-motoras, cognitivas, afetivas,


sociais e, até mesmo, éticas - que o englobam. Insistimos nessa visão global do ser porque
entendemos que a língua, como instrumento mediador e de interação humana, não se
apresenta apenas como um ato de fala e/ou de escrita, mas se realiza impregnada de
valores e princípios multidisciplinares tal como prega a moderna teoria do discurso.

Para isso, apresenta informações e interpretações de autores e especialistas de


diferentes áreas do conhecimento que, de certa forma, tocam na questão lúdica como
ferramenta pedagógica ou fomentam a literatura com suas pesquisas e contribuições para
a evolução do ensino. Dentre elas, mencionamos, principalmente, as discussões oriundas
dos trabalhos de Huizinga (2001), Brougère (2002), Groos (1986), Piaget (1973) e (1990),
Freinet (1960), Vigotsky (2000), Kischimoto (2002), Venâncio (2005), Freire (1985) e
Ferreiro (1986), as quais são associadas às observações deste pesquisador na sua
experiência como autor de livros didáticos, pesquisador, professor e coordenador de um
Colégio, cuja proposta pedagógica abarca o lúdico como peça fundamental de sua
engrenagem.

Evidentemente não se furta, aqui, de se perceber que a questão é extremamente


complexa e aberta, além de ser essencialmente multidisciplinar, ou de se reconhecer a
parca existência de posições exatas e definidas na literatura pertinente sobre conceitos
imbricados ao que seja lúdico.

A preocupação deste trabalho não é, portanto, de explorar todo o vasto


conhecimento existente sobre os diferentes enfoques do lúdico, mas oferecer uma
investigação dos aspectos relevantes para a sua aplicação em sala de aula e, também, as
origens de sua utilização e validação como instrumento educacional importante para a
prática de Língua Portuguesa.

Assim, o primeiro capítulo traz uma discussão acerca dos conceitos e


interpretações do lúdico e versa sobre a etimologia das palavras a ele relacionadas nas

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Introdução: Uma vida de sérias brincadeiras
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diversas culturas, a fim de fornecer esclarecimentos históricos de sua vida na pedagogia e


na sociedade. Servem-nos de subsídios teóricos, principalmente, Vygostky (2000), Wallon
(1965), Huizinga (2001) Fernandes (1991), Ferreiro (1986), Piaget (1973 e 1990) Gross
(1986), Buytendjik (1986).

O segundo capítulo se volta, então, às questões do desenvolvimento da criança,


especialmente fomentado pelos estudos de Piaget (1973 e 1990) e Vigotsky (2000), em
que se estabelece uma similaridade direta entre linguagem e pensamento. É neste capítulo
que se encontram os diversos estágios (ou fases) do desenvolvimento da criança e a
contribuição das brincadeiras, jogos e brinquedos para uma percepção do universo a sua
volta, e as conseqüentes alterações de comportamento pré-verbal, num primeiro momento,
e das ações verbais, num momento posterior.

O terceiro capítulo se centra no ensino de Língua Portuguesa, especialmente nas


séries iniciais do ensino fundamental, para promover uma reflexão a respeito da
importância do prazer em aprender. O lúdico é tomado por base para ilustrar diversas
atividades que, além de promover o aprendizado dos conteúdos escolares, fomentam a
capacidade do aluno em sentir prazer nas atividades da escola. Revela, ainda, aspectos
importantes do lúdico no desenvolvimento cognitivo em geral e do português, em especial.

Por fim, discutimos, na conclusão, a respeito do ensino e da aprendizagem por


intermédio de atividades lúdicas e questionamos o papel do professor e da escola como
elementos formadores de opinião e de comportamentos. Especialmente fazemos um
apanhado das reflexões positivas da inserção dos jogos, das brincadeiras e dos brinquedos
nas escolas, a fim de suscitar o interesse em criar uma nova escola, uma escola na qual o
aprender é, acima também, prazer, posto que o conhecimento a ser transmitido pela escola
deve ser permeado pela competência dos professores em criar no aluno a capacidade de
querer saber. O que se dará muito mais facilmente se o lúdico se fizer presente.

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Introdução: Uma vida de sérias brincadeiras
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É aqui, também, que revisitamos os aspectos discutidos, com o intuito de retomar


pontos relevantes para a compreensão de nossa proposição que, de antemão, declaramos
uma porta entreaberta. Porta esta que não pretendemos fechar. Ao contrário, intentamos
abri-la ainda mais, para que mais e mais pessoas se voltem para os aspectos lúdicos do
desenvolvimento humano – especialmente na seara da educação e do ensino de Língua
Portuguesa – e entrem porta adentro para participar desta discussão que este trabalho,
singelamente, pretende dar continuidade.

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Língua Portuguesa e Ludicidade: ensinar brincando não é brincar de ensinar
Ludicidade, vivência e responsabilidade
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1: Ludicidade, vivência e responsabilidade.

Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática


de ensinar-aprender participamos de uma experiência total,
diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica,
estética, e ética, em que a boniteza deve achar-se
de mãos dadas com a decência e a seriedade.
Paulo Freire

Convencionou-se pensar o lúdico com necessidade, direito e privilégio exclusivo


das crianças e, freqüentemente, o termo é associado ao prazer e satisfação gratuitos.
Porém, em estudos mais recentes, constata-se a sua importância para o desenvolvimento
do ser humano, inclusive de suas responsabilidades perante a sociedade.

Assim, para entendermos as relações do lúdico com a construção do


conhecimento e com a formação de uma sociedade na qual o prazer seja mais presente,
mesmo em atividades obrigatórias, impostas, vamos entender como o termo se aplica,
também, aos adultos.

1.1: Lúdico em seu sentido etimológico


No âmbito etimológico, à primeira vista, encontramos uma semelhança de sentido
entre os termos lúdico, jogo, brincadeira e brinquedo. Cada um dos termos é usado e
compreendido de uma maneira irrestrita, que faz lembrar divertimentos e ações
relacionadas ao mundo infantil. Mesmo no dicionário Houaiss de Língua Portuguesa
(2001), esta abrangência, esta generalização dos termos se faz presente:

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Língua Portuguesa e Ludicidade: ensinar brincando não é brincar de ensinar
Ludicidade, vivência e responsabilidade
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Lúdico relativo a jogo, a brinquedo que visa mais ao divertimento do que qualquer
outro objetivo. Que se faz por gosto, sem outro objetivo que o próprio prazer de
fazê-lo ; tendência ou manifestação que surge na infância e na adolescência sob
forma de jogo, divertimento. (Houaiss, 2001, p. 1789)

Porém, ao analisarmos a origem etimológica desses termos, verificamos que lúdico


tem sua origem no latim clássico, ludus, que significava jogos, principalmente jogos com
bola. A palavra jogo, por sua vez, origina-se no latim popular, iocus, que significava jogo,
divertimento, gracejo, pilhéria. Há, então, uma ampliação de significados entre os termos. O
primeiro, mais restrito relaciona-se, primordialmente, ao brinquedo (bola, por exemplo), ao
passo que o segundo possui maior extensão semântica.

Devemos salientar, ainda, que existe uma relação significativa entre as palavras
iocus e iônio (Jônio), cuja etimologia aponta para os antigos habitantes da região da
Jônia, conjunto de colônias da Antiga Grécia, localizadas no litoral asiático do mar Egeu.
Curiosamente, conta a lenda que os romanos, para conquistar a região, infiltraram seus
atletas nos jogos de competição da Jônia, o que favoreceu a conquista.

Já, para os romanos, os termos lúdico e jogo (ludus e iocus) eram sinônimos e,
em sua evolução semântica, mantiveram o sentido de jogo como divertimento, mas
incorporaram conotações diferenciadas e emprestaram ao termo lúdico acepção mais
abrangente do que a palavra jogo.

O português, como é sabido, é uma língua derivada do latim vulgar, Latim Clássico
e Vulgar, têm, porém, usos distintos no emprego do léxico. Câmara Jr. (1979), nos lembra
que as palavras do latim popular eram cuidadosamente evitadas na língua clássica.

Assim, do chamado latim clássico, derivam-se, no português moderno, termos


eruditos que têm participação notada no vocabulário utilizado nas mais diversas áreas do
conhecimento .

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Ludicidade, vivência e responsabilidade
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Cavalcanti (1996), recorrendo à obra de Câmara Jr, comenta sobre essa


generalização:

os termos do latim popular muitas vezes derivaram os substantivos e verbos,


enquanto do seu equivalente no latim clássico, formaram-se palavras que
designam o conjunto de ações relativas àquele substantivo. (Cavalcanti, 1996, p.
3-4)

E oferece, como exemplo, algumas derivações importantes:

LATIM VULGAR PORTUGUÊS LATIM CLÁSSICO PORTUGUÊS


Caballus Cavalo Equus Eqüino, eqüestre
Cattus Gatu Felis Felino
Casa Casa Domus Domicílio
Jocus Jogo Ludus Lúdico
Apprendere Aprender Discere Disciplina
Bibere Bebêr Potare Potável
Grandis Grande, grandeza Magnus Magno, magnitude

Esse fenômeno não é, porém, privilégio da Língua Portuguesa. Outros idiomas


também possuem, geralmente, um termo que designa semanticamente um sentido amplo e
outro, restrito, embora ambos tenham em sua acepção idéias e significados parecidos,
próximos. A riqueza do conceito de jogo, pois, existe nas mais variadas posições
lingüísticas e grupos de línguas.

No francês, por exemplo, o termo jouer significa tanto jogar, como brincar e
representar. Essas ações são atitudes muito próximas e mesmos superpostas, e cujos
contornos é impossível delimitar (Chateau, 1987, p. 13).

No inglês, play tem uma variedade muito grande de aplicações e caracteriza ações
que vão desde os movimentos rápidos, gestos com as mãos, bater palmas e exercícios até

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o sentido de brincar, simplesmente. A acepção assumida pela palavra, portanto, abrange


tanto jogar, quanto brincar, quanto tocar; provavelmente porque estas palavras remetem à
idéia de movimento, do gesto rápido ou dos movimentos com os dedos. Por outro lado, o
termo game apresenta um significado mais restrito relacionado com o que entendemos por
jogos estratificado em etapas e fases, como a partida de futebol, real ou virtual, mas, ainda
assim, menos do que play.

No alemão, spiel refere-se a jogo, divertimento, brincadeira e representação de um


modo geral, ao passo que o termo spatz dá idéia de gracejar, fazer rir, denotando um
significado de entendimento.

No chinês o termo wan, que significa jogo leve ou brincadeira, está mais próximo
das atividades infantis. Neste mesmo idioma, encontramos o termo theng, cuja acepção se
aproxima agon, do grego, cujo significado remete ao que entendermos por competição.
Nesta última acepção, o termo pode se relacionar com a competição na vida econômica e
política e, se utilizado na seara da saúde, remete à luta contra doenças .

Há, ainda, nas línguas semíticas, uma redução no sentido de jogo, tanto em
hebreu quanto em árabe, como esclarece Albornoz (2002).

É certo que há uma riqueza do conceito de jogo nas mais variadas posições
lingüísticas e grupos de línguas, mas o agón, do grego, ou competição, do português
moderno, e o ludus, do latim clássico, ou o nosso lúdico, podem andar juntos em muitas
línguas.

Talvez o conceito tão presente na atualidade, da Jihad islâmica, que se presta a


certa ambivalência e multiplicidade de traduções, constituía uma dessas
aglutinações de sentido e inclua formas do jogo de combate que apela ao impulso
profundo de luta e superação agonística contida no seu humano. (Albornoz, 2002,
p. 9-10)

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Ludicidade, vivência e responsabilidade
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Devemos salientar que, embora seja recorrente a existência de termos similares, é


imprescindível observar que essa similaridade não é absoluta. Há variações e
abrangências maiores ou menores, afeitas ao uso do termo em circunstâncias específicas,
que devem ser consideradas na aplicação de cada um deles.

1.2: Lúdico em ação.


A evolução semântica das palavras lúdico, jogo e brincadeira acompanhou as
pesquisas sobre o significado dos termos nas diferentes ciências, o que lhes emprestou
uma variedade de conceituações e interpretações.

Estudos recentes têm demonstrado que o termo lúdico não se identifica


literalmente com o termo jogo. O jogo contém o lúdico, mas nem sempre o lúdico contém o
jogo e a brincadeira, porque o sentido destas pode extrapolar as acepções e conceituações
emprestadas ao jogo. Conforme a evolução semântica, os significados de um e de outro
parecem encontrar-se, mas mantêm um movimento, uma tendência à identificação e à
manutenção da autonomia de cada um dos termos.

No entanto, é preciso reconhecer que ambos comportam acepções mais amplas


ou mais restritas, conforme a situação e o contexto em que são empregados. Neste
reconhecimento, falamos em tendência, mas salientamos a necessidade de se explorar,
com cuidado e vagar, os conceitos envolvidos em cada situação de enunciação em que
são empregados.

Semelhante observação deve ser feita com o uso do termo brincadeira, que a
ambos os anteriores se associa em alguns empregos no português do Brasil.

Dantas (2002) chama a atenção para essas distinções peculiares aos usos dos
termos ao afirmar que:

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brincar e jogar - dois termos distintos em português e fundidos nas línguas de cuja
cultura somos devedores: o francês (jouer) e o inglês (play). Por causa disto,
freqüentemente desperdiçamos a diferenciação de ordem psicogenética que a
nossa língua nos permite. Brincar é anterior a jogar, conduta social que supõe
regras. (Dantas, 2002, p. 111)

O lúdico, propriamente dito, é a ação, a dinâmica de como se joga ou de como se


brinca. Para compreendermos essa afirmação, pensemos que a tomada de posse de um
brinquedo, por si, não determina o lúdico, mas a sua ação. Num tabuleiro de xadrez, ou de
dama, por exemplo, o que determina o lúdico é a ação, o ato de jogar, de mexer as peças,
de atacar e de ser atacado. Ao se utilizar objetos como uma boneca, uma casinha ou um
carrinho, o que interessa é o ato de brincar, de manipular esses objetos colocando em
evidência seu corpo e sua imaginação.

Nos os estudos de Gilles Bougêre (2002), percebe-se a mesma tendência em se


compreender ambos os termos. Para ele a ludicidade da brincadeira ou do brinquedo não
reside no fato de serem jogos, embora se tornem lúdicos no momento em que são,
efetivamente, utilizados para se realizar a brincadeira ou o jogo. O lúdico apresenta sempre
um sentido de ação e exploração: ver como é, desmontar, participar, construir, engajar-se e
até mesmo se sacrificar, se a ação for encarada como espírito lúdico desafiador e de
superação de limites.

Ação lúdica, de um modo geral, pode ocorrer em duas situações. A primeira,


quando o participante age com o objeto em si, ou seja, uma criança pode agir ludicamente
com um brinquedo, com o corpo ou com alguma coisa nova que provoque interesse e
satisfação. Da mesma maneira, um pesquisador pode ter um comportamento lúdico
quando o objeto de sua pesquisa lhe dá prazer e satisfação. Mesmo um adolescente, se
ficar horas e horas em frente ao seu computador e isto lhe proporciona prazer, estará,
também, em uma atividade lúdica. A segunda acontece no processo de interação humana,
na presença do “outro”, sejam os pais, os irmãos, os amigos, os vizinhos, os professores

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etc. Dirime-se, com esta percepção, a confluência dos termos. O lúdico está, então,
relacionado diretamente com a percepção do homem acerca de algo.

Nesta perspectiva, os pais, os professores, por exemplo, poderão ter um


comportamento lúdico, quando sua dinâmica combinar e interagir com o interesse e o
prazer dos alunos para dela participar e alcançar um processo interativo de construção de
aprendizagem.

Por outro lado, as ações lúdicas nem sempre têm o caráter de prazer ou de
satisfação de necessidades. Muitas vezes, podem ser substituídas pelo “esforço”,
“sacrifício” ou “fardo pesado”; mas jamais perde o caráter, a essência, o espírito, o
sentimento do comportamento lúdico, se as ações forem compreendidas e aceitas como
normas do jogo, como formas de superação de limites ou motivação para novas ações.

Uma criança pode até “sentir”, quando seu time perde na escola, mas esse
sentimento é parte integrante do espírito do jogo. Salvaguardados alguns exageros, um
universitário, quando se submete a um trote no primeiro ano de sua vida acadêmica, aceita
de bom grado as tarefas e punições impostas pelos veteranos, sem, contudo, perder o
espírito desse tipo de brincadeira. Numa brincadeira como a de cabo de guerra, na qual
duas equipes fazem um esforço enorme ao puxar a corda, o que vale não é o esforço, o
sofrimento do ato, mas o sentimento lúdico presente na ação.

Dada a complexidade da questão, numa visão menos acurada, pode parecer


paradoxal: Se é lúdico, jogo ou brincadeira, como pode ser considerado “esforço”,
“sacrifício” ou “fardo pesado”? Não seria, então, “anti-lúdico”, “anti-jogo”, “anti-brincadeira”?

Buytendijk (1986) comenta que,

se uma lebre jovem reage repentinamente a uma pressão do caçador, sem uma
causa de satisfação, não joga ou brinca. Diz-se tratar de um arranque espontâneo
do instinto de fuga. A fuga nunca tem matiz de prazer, ao contrário, envolve matiz

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significativo de coação, medo ou pavor, ou seja, um comportamento anti-lúdico,


anti-jogo. (Buytendijk, 1986, In: Baly, 1986, p. 53)

Da mesma forma, as brincadeiras de mau gosto (muito usadas hoje em dia pelos
adolescentes) chamadas de bulling apresentam-se para a vítima como uma ação anti-
lúdica, pois gera o desrespeito, a violação de regras, o desconforto.

Percebemos, com isto, que o Lúdico – e as concepções para se chamar algo de


lúdico – obedece a alguns critérios que o definem e delimitam. Dentre esses critérios,
destacamos que, para se entender como lúdica, a ação é:

a) desinteressada: a ação encontra a finalidade em si mesma (o que não quer


dizer que não estejam interessadas em participar e/ ou vencer);

b) espontânea: oposta às obrigações e responsabilidades, ou seja, o jogo é uma


assimilação do eu, por oposição ao pensamento “sério” que equilibra o processo
assimilador com a acomodação aos outros e as coisas (Piaget, 1975, p. 191);

c) prazerosa: agradável, e esse prazer corresponde à expressão afetiva dessa


assimilação;

d) libertadora: há a libertação do “eu” por solução de compensação, ou seja, não


há uma preocupação com o conflito;

e) supermotivada: necessidade de satisfazer uma tensão, de superar limites, com


desafios e ousadias; e, por fim,

f) livre: não obedece a um princípio regulador imposto pelos adultos, acontece de


acordo com as convicções e cultura dos próprios participantes.

1.3: Concretude lúdica: o jogo, a brincadeira e o brinquedo.


Com as observações anteriores, percebemos que o termo lúdico é revestido de
acepções, de sentidos, de significados diferentes de jogo, de brincadeira e de brinquedo; é
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entendido como a dinâmica, a ação desencadeada por esses últimos e essa é a acepção
adotada neste trabalho. Doravante, nos ateremos às distinções pertinentes ao uso e
significado dos termos jogo, brincadeira e brinquedo.

1.3.1: O jogo.
As questões a respeito do termo jogo são complexas porque a compreensão do
que sejam, efetivamente, jogos envolve, em geral, um conjunto de regras e conceitos que
lhe caracterizam como “jogo”. Vejamos como essas peculiaridades do termo são tratadas
na literatura pertinente.

Para iniciarmos nossa discussão, trazemos os ditos de Kishimoto (2002a), cuja


visão nos mostra a existência de termos que, por serem empregados com significados
diferentes, acabam tornando-se imprecisos, como o jogo,o brinquedo e a brincadeira. A
variedade de jogos conhecidos como faz-de-conta, simbólicos, motores, sensoriomotores,
intelectuais, cognitivos, de exterior,de interior, individuais, coletivos metafóricos, verbais,
políticos, de palavras, de adultos, de animais, de salão e inúmeros outros mostra a
multiplicidade de fenômenos incluídos nas categorias de jogo.

Dada a multiplicidade de associações que fazemos com a palavra jogo, sua própria
semântica passa a ser difusa, porque

a heterogeneidade dos elementos estudados sob o nome de jogo é tão grande,


que se é levado a supor que a palavra jogo não passa de um ardil que, pela sua
enganadora generalidade, alimenta firmes ilusões acerca da suposta familiaridade
de condutas diversificadas. (Callois, 1990, p. 187)

Kishimoto assume a proposta de Brougère sobre a existência de uma família do


jogo, na qual todos os fenômenos chamados de jogo teriam alguns princípios ou
semelhanças entre si, constituindo algo em comum, como os fios de uma teia. Essa família
do jogo, segundo Kishimoto, foi inicialmente proposta por Wittgenstein ao aglutinar
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semelhanças e pontos comuns na maioria dos jogos. Essa concepção de “família do jogo”
é reiterada por Venâncio (2005):

a família do jogo seria então a instância aglutinadora, que se concretizaria na


existência de seus membros, ou seja, nas mais diferentes manifestações de jogo
que poderiam ser agrupadas pelas suas semelhanças, além de levar em
consideração suas diferenças (Venâncio, 2005, p. 40-41)

Com Henriot (1989), começam a delinearem-se os traços centrais do jogo, uma


espécie de definição stricto sensu. Não se pode chegar ao jogo, se não há uma conjunção
de conduta subjetiva, intencional, e uma situação objetiva, constatável.

Em primeiro lugar, para que haja jogo é necessário que o sujeito tenha consciência
de que está jogando e que se manifeste com uma conduta compatível à situação. Qualquer
conduta pode transformar-se em jogo, por meio da equivalência metafórica, quando a
interação do jogador está presente. Desta forma,

pode-se chamar de jogo todo o processo metafórico resultante da decisão tomada


e mantida como um conjunto coordenado de esquemas conscientemente
percebidos como aleatórios para a realização de tema deliberada-mente colocado
como arbitrário (Kishimoto, 2002a, p. 35)

Em segundo lugar, é necessário que haja um conjunto de regras estabelecidas e


definidas pela situação de jogo na qual se determinam os limites da ação na cultura
humana. Um jogo só é jogo, numa dimensão mais universal, se for regido por uma espécie
de regras. Há um roteiro e desobedecê-lo é mudar o jogo. As regras, que são condição
sine-qua-non, precisam ser aceitas pelos participantes.

Na Antiguidade, as regras alcançaram a categoria do sagrado. Na antiga Grécia e


em Roma, o sagrado se sobressai nos espetáculos apresentados em forma de esportes e
de artes e nos tribunais de justiça. Eram ambas as coisas ao mesmo tempo, ou seja, um
elemento sagrado da mais alta importância, sem deixar de ser, essencialmente, um jogo.

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Na civilização moderna, há inúmeras situações que demonstram a condição do


sagrado no comportamento. Numa situação de jogo, na qual o jogador compete imbuído do
espírito de jogar, atira-se ao sacrifício, em função daquilo que acredita ou aceita como
condições do jogo. As crianças e os adolescentes, ao praticarem os jogos, não aceitam a
quebra das regras, pois tal ação representa, para eles, a ruptura do sagrado.

Esse reflexo cultural se espraiou e, hoje, nossos adolescentes ainda têm,


geralmente, uma visão sacralizada do jogar: as regras são fundamentais e não podem ser
subvertidas sob pena de denegrir até a moral. Percebemos, esta perspectiva ao notarmos
que um violador de regras é freqüentemente chamado de ladrão, larápio, espertinho ou
salafrário; todos termos cuja acepção remonta aos violadores não apenas do jogo, mas
doxa vigente na sociedade.

As regras delimitam os parâmetros a serem seguidos pelos participantes do jogo,


que é, já o dissemos, uma atividade lúdica. Por resquício cultural bastante potente, ambos,
regra e jogo, são revestidos de uma aura que exige concentração, adequação e respeito.

Em terceiro lugar, a expressão de liberdade é um outro fato que caracteriza o jogo.


No jogo, a liberdade de ação do jogador é uma prática voluntária e de motivação episódica,
fruto da ação da pessoa e do meio. O que a caracteriza no jogo, diferentemente da
liberdade intuitiva e espontânea da brincadeira, é o grau de intencionalidade como um
fenômeno de ação da consciência expressa de diferentes formas. Nesta ação se
encontram embutidas noções de ética, de solidariedade, de liberdade e de limites da
conduta humana. É evidente que essa liberdade, ou ação voluntária, dependerá sempre de
fatores internos ao sujeito (motivações pessoais) e de estímulos externos, conforme a
conduta de outros parceiros da atividade. É por isso que há a necessidade de regras que
norteiam o acordo comum entre os participantes do jogo; são essas regras que delimitam o
que se pode e o que não se pode fazer naquele jogo específico.

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Percebemos, com essas observações, que o jogo, além de ter em si uma


concepção do lúdico, tem, também, aspectos restringentes: as regras; e, como veremos a
seguir, difere da brincadeira porque tem um objetivo específico delimitado, ou seja, se
caracteriza por ser:

a) regrado: delimita os parâmetros a serem seguidos pelos participantes, e

b) intencional: explicita o grau de intencionalidade como um fenômeno de ação de


consciência expressa de diferentes culturas.

1.3.2: A brincadeira.
A brincadeira, diferentemente do jogo, incorpora em seu significado a ação lúdica
propriamente dita com regras mais simples. Nela predominam a liberdade, a
espontaneidade e o prazer. Geralmente, é fruto da tradição cultural oral, da observação, da
heterogeneidade e da diversidade de atividades oferecidas pela cultura lúdica do meio ou
pela criação e representação espontânea construída a partir de necessidades naturais do
ser, sejam elas biológicas (físicas), cognitivas (mentais), psicológicas (afetivas, emocionais,
de atenção ou de concentração), sociais (relativas ao grupo social), lingüísticas
(relacionadas à linguagem) ou culturais (afeitas às questões contextuais).

No significado de brincadeira, está presente um conjunto de interpretações e


sentidos, que variam de acordo com a idade, o sexo, a cultura, o meio e a época. Não nos
é difícil compreender que, para os índios, uma brincadeira como a do arco e da flecha tem
um sentido; ao passo que, para o homem branco, outro; ou mesmo que a brincadeira com
bonecas pode ter várias interpretações, que vão desde o manuseio natural da imitação de
uma representação simbólica, até a ideologia de dominação que se quer transmitir à
criança.

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Venâncio (2005) mostra que o brincar é também uma forma de lidar com a
“tensão” entre o interno e o externo e de dominar o mundo externo, através de um
processo de gradualização e simbolização. Neste sentido, ao brincar, a pessoa está
tentando controlar o mundo, compreender e interpretar a si mesma, em um processo
mental no qual outorga significações às coisas e incorpora um espaço transacional.

Para a criança, o brincar é um modo de controlar o mundo externo, assim, a


criança não pode controlar a presença ou não da mãe, mas pode controlar um
pedaço de pano que, simbolicamente, enquanto objeto transacional, representa a
mãe e o espaço da fantasia. (Venâncio, 2005, p. 33)

Brougère (2002) analisa o brincar como um fenômeno cultural. Para este autor, o
brincar é um ato da criação cultural por excelência, que vai permitir ao individuo criar uma
relação aberta e positiva com a cultura:

se brincar é essencial é porque é brincando que o paciente se mostra criativo.


Brincar torna-se o arquétipo de toda a atividade cultural, que, como a arte, não se
limita a uma relação simples do real. Brincar não é apenas uma dinâmica interna
do indivíduo, mas uma atividade dotada de uma significação social,como outras,
necessita de aprendizagem. (Brougére, 2002, p. 19-20)

É certo que a criança constrói sua cultura lúdica no ato de brincar, de perceber e
lidar com a realidade a sua volta. Nesse sentido, dependendo da cultura lúdica veiculada
no meio, situa o nível da intencionalidade como um fenômeno da ação da consciência
expressa de diferentes formas, embutindo em seu significado as noções de valor, ética,
solidariedade, liberdade e da conduta humana (Kishimoto, 2000, p. 13). O movimento da
liberdade, da política, da religião, das artes, dos esportes, quando se trata de jogo, neste
nível, atinge uma outra dimensão de interpretação. O que determina, na realidade, essa
condição de interpretação é a cultura lúdica construída pela pessoa, pelo meio, ou seja,
toda a cultura como tal que se expressa no contexto e no comportamento das pessoas ao
interagirem (ou não) neste contexto, ou seja,

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o brincar tem um lugar e um tempo. Não é dentro, em nenhum emprego da


palavra ... Tampouco é fora, o que equivale a dizer que não constitui parte do
mundo repudiado, do não “eu”, aquilo que o indivíduo decidiu identificar (com
dificuldade e até mesmo no sofrimento) como verdadeiramente externo, fora de
controle mágico. Para controlar o que está fora, há que fazer coisas, não
simplesmente pensar ou desejar, e fazer coisas toma tempo. Brincar é
“fazer”.(Winnicott,1975 apud Venâncio, 2005, p. 33)

A brincadeira contém também a liberdade de ação do jogador – ou melhor, do


brincador - a ação voluntária ou de motivação interna e episódica da ação lúdica, ou seja,
imaginação e representação da realidade metafórica e simbolicamente. A pessoa, quando
brinca está sempre representando situação como se fossem verdadeiros atores. Da mesma
forma, a flexibilidade do jogo e da brincadeira permite que as pessoas estejam sempre
mais dispostas para exercitar livremente suas idéias e condutas de comportamento do que
em outras atividades não lúdicas.

Com esta assertiva, concorda Kishimoto (2002), ao alegar que a brincadeira


assume nuances importantes para o desenvolvimento da criança. Vejamos:

Ao brincar, a criança não está preocupada com os resultados. É o prazer e a


motivação que impulsionam a ação para a exploração livre. A conduta lúdica, ao
minimizar as conseqüências da ação, contribui para a exploração e a flexibilidade
do ser que brinca, incorporando a característica que alguns autores denominam
futilidade, um ato sem conseqüência. Qualquer ser que brinca atreve-se a
explorar, a ir além da situação dada na busca de soluções pela ausência de
avaliação ou punição. Brunner entende que a criança aprenderá a solucionar
problemas e que o brincar contribui para isso (Kishimoto, 2002b, p. 143-144)

Percebemos, então, que o caráter do brincar está estreitamente relacionado com a


capacidade de envolver-se em atividades prazerosas, desconectadas de regras e objetivos
preestabelecidos. Neste sentido, associa-se ao conceito de liberdade, porque não requer
um treinamento ou instruções detalhadas, necessita, sim, de intenção de prazer. Quando o

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termo é aplicado a atividades de adultos, podemos incluir, então, as anedotas, os


trocadilhos e outras ações do gênero; quando aplicado a atividades infantis, incluímos os
vários tipos de atividades prazerosas peculiares às crianças, como o pega-pega, o
esconde-esconde, cujas regras são mínimas, e às brincadeiras livres com carrinhos,
bonecas, etc.

Em ambos os casos, porém, é importante que se consiga superar as sensações,


emoções e percepções consideradas previsíveis e adequadas para buscar o diferente, o
imprevisível, o não usual. Com isto, reflete sempre uma ação:

a) prazerosa: desenvolve ações de prazer e satisfação, em oposição à “técnica”,


ao fardo pesado e à insatisfação.

b) intencional: envolve ações das consciências dos participantes expressas em


diferentes formas, nas quais a significação é revestida de valor, autocontrole, adequação e
desenvolvimento das capacidades.

c) de liberdade: permite que os participantes usem de sua espontaneidade, sua


flexibilidade na representação simbólica e sua disposição para executar livremente suas
ações e idéias.

1.3.3: O brinquedo.
Se, anteriormente, fomos levados a concepções mais abstratas, o mesmo não
ocorre com o termo brinquedo. O termo refere-se àquilo que é material no jogo e na
brincadeira e a estes se acopla para possibilitar a sua execução, como suporte. Assim, se
estamos brincando de (ou jogando) xadrez, o brinquedo é o tabuleiro e suas peças. Se
jogamos (ou brincamos de) bola, o brinquedo é a bola propriamente dita.

Fisicamente perceptível, visível, tátil, o brinquedo tem por função dar à criança um
aparato físico, em substituição ao acervo imaginário que ela faz uso em algumas

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brincadeiras ou jogos, para que ela possa manipulá-lo. É o brinquedo que metamorfoseia e
fotografa a realidade e pode, ainda, representar o imaginário preexistente criado por
desenhos animados, seriados de tv, filmes de ficção, sonhos, mundo encantado, contos de
fadas, piratas, índios, bandidos, etc.

Pode, também se apresentar como um acessório que, em conexão com a


brincadeira e o jogo, estimula várias habilidades: a lingüística (ou verbal), a lógico-
matemática, a espacial, a sonora (ou musical). Neste sentido, o brinquedo acompanha o
processo de interação e funciona como um intensificador. É o brinquedo que permite aos
grupos uma interação mais objetiva e, porque objetiva, mais fácil de “partilhar”.

Ao voltarmos nossa atenção para os aspectos na formação da criança, verificamos


a importância que recebe o brinquedo na mente dos pequenos. Segundo Vygostky (2000,
p. 126) é enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança. É no
brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera
visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não por incentivos
fornecidos por objetos externos.

Preferencialmente, o brinquedo expressa personagens sob formas de bonecos,


como manequins articulados ou super-heróis, mistos de homens, armas, máquinas e
monstros. Estas “configurações” dos brinquedos são, sabemos, representações do
imaginário corporificadas pela indústria e, por isso, são revestidas de um caráter ideológico
de consumo ou de dominação, de acordo com o lugar, o meio, a época, as condições
culturais e etc. Os fabricantes ou os sujeitos que constroem os brinquedos, neles
introduzem (conscientemente ou não) sua cultura e sua ideologia nas quais, por certo,
verificam-se imagens que oscilam de acordo a cultura e ideologia em que estão inseridos.1

1
Philipe Áries(1981) no livro História social da criança e da família descreve no cap. 4 comenta a influencia da
ideologia do contexto no comportamento das crianças no uso de jogos , brincadeiras e brinquedos.

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Atualmente, com o avanço da industrialização, a diversidade de opções de


brinquedos é incomensurável. Vamos, então, voltar nossos olhos para os tradicionais para
que não nos alonguemos em questões mais voltadas às tecnologias do que ao interesse
deste trabalho.

Tomamos por exemplo um carro de polícia. Ao tomar este brinquedo, a criança


deve movimentar em sua mente os aspectos de polícia e de motorista que construiu em
sua mente. O mundo à volta é observado e ao se por como motorista do carrinho, além de
interagir com seu conhecimento de motoristas reais que conhece, a este aspecto
acrescenta a função social do policial. Tem, então, três concepções em uso
simultaneamente: o carro (e sua função de locomoção), o motorista (e sua função de
manipular o carro) e o policial (e sua função de revestir o homem-motorista de mais um
aspecto social: o de policial).

Interessante lembrar que esta cadeia de significação, posta em movimento, se


constrói por elementos de faz-de-conta, em que valores simbólicos são acrescidos aos
objetos-brinquedos.

É assim, então, que entendemos que a função do brinquedo está estreitamente


ligada ao valor simbólico que a criança lhe confere no ato de brincar. Há, assim, uma
associação de ficção e realidade que possibilita a representação do mundo por meio dos
objetos, os brinquedos. Nos lembra Vygotsky (2000) que a criança, ao brincar, estabelece
uma relação imaginária com o mundo interior e exterior, ao passo que o brinquedo serve de
representante físico deste imaginário. A essa percepção, o autor acrescenta que o
brinquedo é mais a memória em ação do que uma situação imaginária nova (Vygotsky,
2000, p. 134).

Podemos, então, dizer que o brinquedo, além de criar o elo entre o imaginário e o
real, pode contribuir para o desenvolvimento da criança porque

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... no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como no foco
de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do
desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de
desenvolvimento. (Vygotsky, 2000, p.134)

Precisávamos estabelecer essas diferenças aqui expostas, embora saibamos que,


em suas obras, Vygotsky fale de brinquedo como sinônimo de brincadeira com a finalidade
de representar a “fala interior” e admita que o brincar é a relação imaginária criada pela
criança, ao passo que o brinquedo é a representação física deste imaginário – como já o
dissemos – e mudam de acordo com a idade.

Voltamos a este ponto para esclarecer que a criança dá ênfase ao significado no


brincar, não no objeto; mas este significado precisa de um pivô: o brinquedo, que se
configura como sendo:

a) representação física do objeto: substitui o acervo imaginário de que a pessoa


faz uso ou manipula.

b) fonte de desenvolvimento cognitivo: serve de estímulo às funções e


capacidades físicas, perceptivas e mentais.

1.4: Lúdico e comportamento humano: zonas fronteiriças.


Durante muito tempo os termos lúdico, jogo e brincadeira apresentaram um
significado relacionado ao divertimento e às ações recreativas funcionais-motoras do ser
humano. Dispensavam, assim, qualquer significado relacionado com as realidades
superiores do homem e eram vistos apenas como fenômenos biológicos de “divertimento”.
Huizinga (2001) registra esta noção, vejamos:

...observemos os cachorrinhos para constatar que, em suas alegres evoluções,


encontram-se presentes todos os elementos essenciais do jogo humano.
Convidam-se uns aos outros para brincar, mediante certo ritual de atitudes e

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gestos. Respeitam a regra que os proíbe morderem, ou pelo menos com violência
a orelha do próximo. Fingem estar zangados e, o que é mais importante, eles, em
tudo isso, experimentam evidentemente imenso prazer e divertimento. Essas
brincadeiras dos cachorrinhos constituem apenas uma das formas mais simples
de jogo entre os animais. Existem outras formas muito mais complexas,
verdadeiras competições, belas apresentações destinadas ao público. (Huizinga,
2001, p. 03)

Evidentemente, sem a complexidade dos jogos mais elaborados, essa


demonstração dos “jogos simplificados” dos animais serve de base para se pensar o
caráter biológico do jogo e da brincadeira.

No século XIX, a Psicologia da criança recebe forte influência da Biologia e faz


transposições dos estudos dos animais para o campo infantil. Karl Gross, um dos pioneiros
estudiosos do jogo no comportamento humano, considera o jogo como pré-exercícios de
instintos herdados, estabelece uma ponte entre a Biologia e a Psicologia e, em 1896,
introduz o vocabulário jogo nas Ciências Humanas. Define o jogo como uma necessidade
biológica, um instinto e, psicologicamente, um ato voluntário. Esta perspectiva recebe
aceitação dos estudos do comportamento humano, tanto que em estudos contemporâneos
essa posição é, também, considerada, tanto que Kishimoto (2000) diz que se ao jogo
remete o natural, universal, biológico, ele é necessário para a espécie, para o treino dos
instintos herdados (Kishimoto, 2000, p. 31).

Gross, no final do século XIX, explora o significado de jogo enquanto ação


espontânea, natural, prazerosa e livre – posto que sob influência da Psicologia – e,
também, antecipa a sua relação com a educação dos instintos. Ao admitir que o jogo se
trata de uma necessidade biológica, um instinto e, psicologicamente, um ato voluntário, dá
um grande passo para a compreensão do seu significado no comportamento humano,
especialmente se considerarmos o conhecimento que havia na época de suas descobertas.

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Toma importante caráter nessa visão o fato de atribuir ao termo jogo todas as
manifestações motoras ligadas a uma finalidade instintiva e mental. Por esta concepção, os
jogos ultrapassam as ações de andar, pular, correr, pegar, sugar, etc. e passam a serem
vistos como ações superiores ao serem utilizados para imitar, generalizar, repetir, encaixar,
esconder, construir, etc., o que nos leva a compreender que o ato de jogar passa a ser
entendido como a ilustração, a criação, de um mundo à parte do real, numa instância, que
o representa, em outra instância. Esta perspectiva é que nos traz a concepção de que o
jogo contribui para a formação das estruturas mentais superiores, porque criativo, inventivo.

Partindo da proposição de que jogar é sempre jogar com algo, uma vez que só
jogam os que se acercam de um objeto ou finalidade específicos em função de algum
sentido, faz-se necessária a reflexão do que estaria subjacente a essa ação.
Questionamentos tais como: Por que jogam? Por que brincam? Por que se atiram a esse
tipo de necessidade, cujas conseqüências são tanto prazer quanto “desagrado”? O que há
por trás dessa ação?

Inicialmente, a teoria de Gross apresenta aspectos que abrem um enorme leque


de interpretações para a análise destas questões. Define uma teoria geral do lúdico
denominada como pré-exercícios que se caracterizam pelo prazer que acompanha toda a
tendência instintiva. De um modo geral a noção de pré-exercício reduz-se à assimilação do
funcional ou da mecânica que se consolidam pela repetição ativa.

Há no jogo, portanto, a ação mecânica e ritualizada como resposta instintiva (o


bebê quando toma banho repete várias vezes a ação de bater na água porque esse ato
consubstancia o prazer e os efeitos produzidos pelo ato, o que gera alegria e satisfação) e
há, também, a repetição diferida, caracterizada pela resposta associada a uma
representação simbólica (quando vai dormir abraça o travesseiro ou a fralda numa
referência ao dormir e aos aconchegos dos pais).

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Gross defende, ainda, que os exercícios físicos transformam-se em ficção


simbólica, ou seja, em representação simbólica da realidade, marcando os primórdios do
processo de construção do pensamento e da linguagem, que se cruzam num ponto
comum: a teoria dos signos. Significante como objeto real, referente, e significado como
processo simbólico de representação mental, imagem acústica. Entre ambos, a Língua
como elemento de intermediação desses elementos.

Com uma análise dos postulados de Gross podemos dizer que essas ações acima
descritas têm utilidade funcional e desempenham um importante papel no desenvolvimento
do indivíduo não apenas como satisfação de uma necessidade do presente, mas tendo em
vista o futuro.

Esta noção de vistas ao futuro é percebida em Piaget, que retoma os estudos de


Gross e de outros investigadores do assunto e incorpora em suas teorias os exercícios
ritualizados, repetitivos, por ele chamados de sensório-motores como preparatórios da
realidade simbólica. Nessa transição, considera a diferenciação progressiva entre o
significante e o significado e atribui à representação mental o processo construído pela
imitação, uma espécie de simulação da realidade.

A imitação, entendida por Piaget como uma assimilação do real, passa a ser um
dos fatores essenciais ao nascimento e ao desenvolvimento de múltiplas capacidades
cognitivas como a memorização, o raciocínio, a imaginação, a comunicação verbal, a
interação social e o equilíbrio emocional.

A ato lúdico por excelência, a imitação fornece os elementos representativos


necessários à constituição da representação mental propriamente dita, o que se completa
com o aflorar e o desenvolvimento de múltiplas capacidades, que evoluem a cada fase do
desenvolvimento do ser humano. Associada ao ensinar, destaca-se sua importância:

No desenvolvimento a imitação e o ensino desempenham um papel de primeira


importância. Põem em evidência as qualidades especificamente humanas do

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Ludicidade, vivência e responsabilidade
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cérebro e conduzem a criança a atingir novos níveis de desenvolvimento. A


criança fará amanhã sozinha aquilo que hoje é capaz de fazer em cooperação.
Por conseguinte, o único tipo correto de pedagogia é aquele que segue em
avanço relativamente ao desenvolvimento e o guia; deve ter por objetivo não as
funções maduras, mas as funções em vias de maturação. (Vygotsky, 1979, p. 138)

Evidentemente, as respostas a esses questionamentos levantados por Gross e


Piaget carecem ainda de uma acurada empreitada analítica posto que, neste campo de
análise, surge a consciência de haver, nestas ações, o sentido lúdico, ou seja, o ato de
jogar ou brincar como atividades humanas importantes, pois há alguma coisa muito
significativa implícita. Autores importantes dos estudos do comportamento como Gross,
Buytendijk, Piaget, Wallon, Vygotsky, Chateau, Freinet, Kishimoto, Brougére, Winnicott,
Ferreiro, dentre outros, caminham na mesma direção: de certa forma, todos têm procurado
mostrar a importância do lúdico na vida do ser humano.

1.5: Jogos e brincadeiras: seriedade e responsabilidade.

Já criamos, aqui, a percepção de que o lúdico de que tratamos é muito mais vasto
do que poderia imaginar um leigo. Com o perdão do trocadilho, não estamos brincando.
Devemos nos lembrar de que, se a criança se realiza em seu mundo lúdico, no qual o jogo
e a brincadeira proporcionam uma fuga do real, uma evasão; o adulto procura no jogo e na
brincadeira o apagamento, o esquecimento – mesmo que momentâneo – de seus
problemas, ou seja, o jogo e a brincadeira tornam-se instrumentos de transmutação da
realidade.

O lúdico é uma necessidade, é intrínseco ao ser humano e é em suas


manifestações pelas brincadeiras, pelos jogos e mesmo pelos brinquedos que se fomenta a
inteligência e a capacidade de convivência, de abstração, de socialização e progresso na

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vida do homem, pois uma criança que não sabe brincar, será um adulto que não saberá
pensar (Chateau, 1987, p. 15).

Interessante lembrar que, em nossa sociedade, o trabalho é tido como uma


atividade absolutamente séria, ao passo que o jogar e o brincar, não. Porém, ao contrário
do que se pensa, os atos de jogar e de brincar implicam atitudes tão sérias quanto aquelas
encontradas no ato de trabalhar. Para realizá-los é imprescindível agilidade, raciocínio,
concentração, percepção, sensibilidade, etc. Não estaríamos nos valendo de dois pesos e
duas medidas? Provavelmente.

Vejamos, por exemplo, uma criança que aprende desde cedo a ouvir e a repetir as
frases da mãe: brinca com os sons numa espécie de preparação para uma aprendizagem
da linguagem futura. Uma criança que brinca com um objeto, produzindo ruídos,
movimentos, montando-o ou desmontando-o está exercitando aprendizagens superiores.
Da mesma forma, quando joga bolinha de gude, não está apenas exercitando os músculos
finos da mão para acertar a bolinha no buraco, ao contrário, neste simples jogo, exercita
ações mentais de equilíbrio, velocidade, distância, auto-controle, memória visual, etc.

Nesta perspectiva, devemos defender, aqui, que cada brincadeira, cada brinquedo,
cada jogo da criança, por mais simples que seja, está repleto – em maior ou menor grau –
de exercícios de funções essenciais ao desenvolvimento global do ser humano. Ao
analisarmos mais profundamente a questão, verificamos que há algumas tendências que
se aproximam de um consenso, sem, contudo, tornar uníssono o discurso a respeito do
assunto.

A primeira tendência a que nos reportamos defende e incorpora a concepção do


lúdico, jogo e brincadeira como um impulso natural do ser humano em toda a sua
complexidade psicológica, por este prisma, o lúdico está intrínseco no brincar e garante
que a capacidade de brincar se manifeste em toda a vida do ser humano (Huizinga, 2001,
p. 124).

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A seguir, temos a visão Winnicott (1975), que dá à atividade lúdica um caráter de


fenômeno humano necessário e significativo. É ele quem nos lembra de que três realidades
envolvem o ser humano: a realidade do eu interior, na qual se compõem todos os agentes
e fenômenos necessários para a condição humana; a realidade externa, que envolve todas
as condições relacionadas ao meio e, por fim, a realidade intermediária, que se caracteriza
pela ação do eu sobre a realidade externa, o que se dá pela assimilação da realidade, do
real, em contato com as pessoas do seu meio. Em um exemplo simples, lembramos que a
criança pequena precisa da mãe e esta, por sua vez, exerce influência sobre o eu da
criança.

Ainda segundo Winnicott (1975), essa ação intermediária de exploração é


essencialmente lúdica no início da vida e fomenta os pilares do comportamento da vida
inteira. Para ele, o brincar acontece nesta área intermediária entre a realidade externa e a
realidade interna e é, para a criança, a atividade mais importante que realiza.

A superposição desta área intermediária na vida das pessoas dá sentido à


capacidade de brincar dos indivíduos como fato necessário à satisfação de suas
necessidades, de suas tensões, não apenas físicas, mas também afetivas, cognitivas e
sociais para que o ser humano se realize e se complete.

O brincar é, nesta perspectiva, uma forma de lidar com o mundo real e dominá-lo,
o que se dá por intermédio de um processo gradual de simbolização ou representação
mental. Quando brinca, representa, imita, as crianças se exercitam não apenas como uma
ação física e instintiva, mas como um ato complexo, originário das primeiras relações
estabelecidas com o mundo, herdeiro das primeiras experiências no campo dos fenômenos
transacionais das capacidades humanas superiores que acontecem por toda a vida: o
homem só é completo quando brinca (Shiller, apud Chateau, 1987, p. 13).

Se, por um lado, a criança brinca desde cedo com o corpo, com a voz, com os
ruídos, com os gestos dos adultos, com os movimentos de objetos, com os sons das letras,

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com as palavras, com os desafio; por outro, precisamos perceber que os olhos do bebê,
nos primeiros meses de vida, movimentam-se para todos os lados como se quisessem
devorar o mundo e, precisamos o reconhecer, desvendam a realidade com curiosidade e
imaginação, como que num desafio de desvendar e recriar o mundo.

Para Claparede, citado por Chateau (1987, p. 14) , estas atividades todas, as
brincadeiras, os jogos, os brinquedos são sempre atividades sérias, como o próprio
trabalho o bem, o dever, o ideal de vida. É a única atmosfera na qual seu ser psicológico
pode envolver-se e, conseqüentemente, pode agir. Não se pode imaginar a infância sem as
brincadeiras as mais variadas, desde a “casinha” ao “carrinho”, há sempre uma parcela de
imitação e, por conseguinte, de reflexão sobre a vida adulta, num mútuo “jogo” imbricado
de realidade e brincadeira, ou seja, exercício lúdico. É neste aspecto que a criança, ao se
utilizar da realidade intermediária, através de ações lúdicas, desenvolve as possibilidades e
capacidades e

concretiza as possibilidades virtuais que afloram sucessivamente à superfície de


seu ser, assimila-as e as desenvolve, une-as e as combina, coordena seu olhar e
lhe dá vigor (Chateau, 1987, p. 14)

Desde cedo, então, as ações lúdicas são funcionais e significativas. Muitos dos
gestos e movimentos como o bater dos pés, ficar em pé, balbuciar, pegar e deixar cair
objetos etc. apresentam significação específica, pois servem para que a criança cumpra um
trabalho capital, uma função: ela se molda em si mesma, se exercita movendo as pernas, o
que lhe permitirá andar mais tarde; esboça seus murmúrios, primórdios da construção da
linguagem e exercita no pegar, no deixar cair de objetos, a coordenação motora grossa e
fina.

Mais adiante, com o desenvolvimento dessas habilidades, adquire a capacidade de


desenhar, rabiscar, traçar, montar e desmontar objetos, cantar, declamar: é a construção
da capacidade da leitura e da escrita a se formar. Da mesma forma, ao seriar, agrupar,

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comparar quantidades, contar e diferenciar esboça a formação das relações cognitivas


necessárias às operações lógico-matemáticas.

Embora não seja óbvio, na criança, cada gesto, cada ação, tem sempre um
significado que corresponde a uma função simples que, posteriormente, faz emergir em
fase posterior as aprendizagens superiores como a fala, a escrita, o cálculo e todas as
demais necessárias para a vida adulta, em sociedade.

Neste sentido, voltamos á nossa reflexão inicial: Será que os jogos, as


brincadeiras, os brinquedos funcionais ou simbólicos, que compõem a realidade
intermediária teriam apenas a função de divertir ou alcançar um prazer sensual? Será que
as crianças, ao jogarem bolinhas de gude estão apenas “se divertindo”? Por certo o aqui
discutido responde a essas perguntas negativamente, e, então, reiteramos nossa argüição
acerca da importância maior dessas atividades, como, por exemplo, o desenvolvimento da
velocidade, lateralidade, auto-controle, equilíbrio e tantas outras já elencadas.

Um outra tendência na linha da interpretação da natureza dos jogos é a defendida


por Vygotsky. Sua teoria sobre a natureza do lúdico contrapõe-se com a concepção de
brincadeira como fonte de prazer para a criança ou como instinto natural, posto que, para
ele, os elementos fundamentais da brincadeira são a situação imaginária, a imitação e as
regras:

É enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento da criança [...] O jogo da


criança não é uma recordação simples do vivido, mas sim a transformação
criadora das impressões para a formação de uma nova realidade que responda às
exigências e inclinações da própria criança. (Vygotsky, 2000, p. 126)

Com isto, percebemos que na origem do jogo, entrelaçam-se processos geradores


de tensão, que surgem pelo fato de as crianças começarem a experimentar necessidades
que não poderiam, ainda, ser satisfeitas. Essas operações de tensão a que nos referimos
contribuem, também, para a compreensão da incapacidade de serem satisfeitas as suas

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necessidades e desejos; o que se dá pela diminuição da capacidade de esquecer a não


satisfação de outras necessidades, graças às transformações ocorridas em sua memória.

Ao brincar, a criança imita o comportamento adulto tal qual ela observa em seu
contexto. Neste sentido, a imitação assume o papel fundamental no desenvolvimento da
criança em geral – e da brincadeira em especial – á medida que faz aquilo que viu o outro
fazendo; mesmo sem ter clareza do significado da ação, à medida que deixa de repetir, por
imitação, passa a realizar efetivamente a atividade imitada anteriormente, criando-lhe
novas possibilidades e combinações. Não está, portanto, apenas copiando um modelo em
uma atividade mecanicista, está construindo um nível individual, próprio, a partir do que
observou nos outros.

As situações imaginárias criadas pela criança ao brincar estão interligadas com a


capacidade de imitação, que evoluem e trazem consigo regras de comportamento
implícitas, advindas das formas culturalmente constituídas pelas atividades dos grupos a
que pertencem:

da mesma forma que uma situação imaginária tem que conter regras de
comportamento, todo jogo com regra contém i uma situação imaginária. Jogar
xadrez, por exemplo, cria uma situação imaginária. Por quê? Porque o cavalo, o
rei, a rainha, etc. só podem se mover de maneiras determinadas; porque proteger
e correr peças são, puramente, conceitos de xadrez. Embora no jogo de xadrez
não haja uma substituição direta das relações da vida real, ele é, sem dúvida, um
tipo de situação imaginária. O mais simples jogo com regras transforma-se
imediatamente numa situação imaginária, no sentido de que, assim que o jogo é
regulamentado por certas regras, várias possibilidades de ação são eliminadas.
(Vygotsky, 2000, p. 125)

Como na atividade lúdica a criança inclui as ações reais e os objetos reais,


caracteriza, com isto, a natureza da transição da atividade da brincadeira, pois opera
significados novos a cada ação.

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Sob esta perspectiva, podemos compreender o jogo e a brincadeira como algo


construído pela própria criança em sua realidade interior, a partir da qual a criança recria a
realidade utilizando-se de sistemas simbólicos sob a égide de um contexto sócio-histórico-
cultural, ou seja, a realidade externa, fruto da atividade social humana. É, portanto, além de
uma atividade instintiva, biológica, um fenômeno psicolingüístico e sócio-cultural porque em
brincadeiras e jogos, com os brinquedos, a criança aprende a agir numa esfera cognitiva e
lingüística, não apenas numa esfera visual externa. Esta se dá muito mais em decorrência
das motivações e das tendências internas do que por incentivos fornecidos por objetos
externos. Nesta perspectiva, os objetos externos, os brinquedos, servem de subsídios para
o desenvolvimento cognitivo.

No imaginário popular, frases como: Brincadeira é coisa séria! Fulano não leva
nada a sério! Fulano leva tudo na brincadeira! Não é hora de brincadeiras! Hoje não estou
para brincadeira! e, mesmo, Fulano não é sério! incorporam sentidos de jocosidade e de
seriedade aos termos lúdico e brincadeira.

Por certo que a oposição entre brincadeira e seriedade é, em nossa sociedade,


senso comum. No latim, serius opõe-se a jogo e refere-se àquilo que é o não jogo: algo que
não diverte. O sentido de sério sofre, atualmente, algumas oscilações que vão do sério,
entendido como rigidez e rispidez, ao não sério, mais voltado para o que entendemos por
banalização.

Huizinga (2001) ao comentar sobre o assunto aponta para uma distinção


interessante e defendo que o caráter do não-sério da brincadeira não implica, exatamente,
que ele deixe de ser séria, especialmente porque, em suas postulações, o ato de brincar é
uma ação inerente à condição humana. Brinca-se sempre em função de algo.

Para ele, quando uma criança brinca, ela o faz de forma bastante compenetrada e
com muita seriedade. A pouca seriedade a que se faz referência, estaria mais relacionada
com o viés cômico, com o riso, que se contrapõe à idéia de atividade compenetrada.

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Percebemos, então, que a acepção adotada pelo imaginário popular não conflui
para aquela adotada pelos estudiosos do assunto, resta-se, de confluência em ambas as
visões sobre o assunto a noção de que, sim, Brincadeira é coisa séria!

Não questionamos mais a natureza da ação lúdica na criança como para a


construção de elementos necessários a formação do ser homem como um todo ou a sua
natureza de fomentar a definição da realidade interior.

É na observação do adulto que as interpretações sobre o lúdico, a brincadeira e o


jogo tomam outros sentidos ou funções, posto que assumem o sentido intencional e deixa
de ser um impulso de tendências ou simples manifestações de tensões, mas passa a ser
um ato consciente e voluntário. A perspectiva de relaxamento ou de ocupação do tempo
livre passa a ter sentido apenas na vida adulta. A criança, ao contrário, não brinca
simplesmente para relaxar ou descansar; para se constatar isto, basta observar seu
comportamento ao brincar: ela nunca se cansa.

No universo do adulto, o lúdico, o jogo e a brincadeira assumem funções de aliviar


as tensões e remediar o tédio. A respeito deste caráter, Pascal, citado por Chateau (1987,
p. 321) comenta que é a única ocupação do desocupado do ocioso, como do senhor de
outrora para quem a guerra era tão jogo quanto a corte.

Há, nessa interpretação, uma conotação de algo desagradável, amargo, pesado,


que tem de ser digerido. Vê-se como se comportam os jogadores nos ambientes de
jogatina dos clubes e cassinos, marcados por um ambiente escuro, tétrico, carrancudo em
total oposição ao recreio das crianças na escola, nos quais vemos reinar a alegria, a
gritaria, a satisfação e o prazer puro.

Se nos voltamos para o aspecto das tensões a que se refere Vygotsky,


percebemos uma divergência marcante entre os adultos e as crianças neste ínterim. Na
criança, a tensão gera necessidade e inadaptação reconstruída pela criação da atividade

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espontânea e lúdica para a satisfação de suas múltiplas necessidades. No adulto, gera a


tensão fruto dos estresses e das necessidades voluntárias.

É certo, porém, que há, para o adulto, uma conotação de reencontro com o
processo de representação simbólica do mundo infantil. Volta-se à infância não para
simplesmente se descontrair ou passar o tempo, mas para a busca da satisfação de
tensões frutos de necessidades voltadas para a conquista do sonho, dos desejos, do
desafio de superioridade, da prova de conhecimento, da auto-afirmação. Por isso o adulto
ocupa-se dos esportes, da arte, das descobertas científicas e de muitas conquistas ditas
superiores.

A ludicidade cresce caracterizada pelo prazer de participar de atividades como


hobby, pelo simples sucesso de ganhar (ou perder), de colecionar, de realizar trabalhos
voluntários/comunitários, sem a preocupação de “obrigatoriedade”. A atividade torna-se
secundária porque o objetivo está fora de seu cerne.

Neste sentido, no adulto, o simples relaxamento cede lugar à ocupação livre e


prazerosa das ações. Não é incomum vermos pessoas se dedicarem cada vez mais a
atividades como as acima elencadas não apenas como forma de auto-satisfação, mas,
também, como forma de construção de uma nova realidade social: os trabalhos
comunitários e voluntários talvez sejam a maior expressão do que aqui se afirma. A
preocupação, além de ser voltada para a ocupação, também abarca uma alteração do meio
em que se vive, de acordo com as convicções a que se filia o homem em sua vida adulta.

Makarenko (1985), educador russo, enxerga este sentido de satisfação, prazer,


auto-afirmação presentes no adulto como uma atribuição de felicidade às atividades
lúdicas. Para ele, a realidade pode tornar-se base, a própria fonte de prazer e deve
estabelecer uma relação entre a alegria presente e a aspiração a um futuro melhor, feliz.
Em sua concepção, a felicidade não é um ato da realidade interior, mas da coletiva. É ele

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quem também afirma que uma nação só é feliz se toda a sua população for feliz –
acrescenta, portanto, ao lúdico, um valor eminentemente político-social.

1.6: Educação lúdica.


Muito aqui já discutimos a respeito da importância do lúdico na vida das pessoas
em geral. Mostramos como, na infância, a ludicidade abarca importantes aspectos do
comportamento e da formação do ser humano para atuar em uma sociedade adulta.
Também defendemos a importância de, na vida adulta, manterem-se vivas as perspectivas
lúdicas de olhar e atuar no mundo, o que cria uma instância de prazer em atividades que,
numa visão menos acurada, parecem ser “obrigações” entendiantes.

Chega o momento, então, de voltarmos nossos olhos para a aplicabilidade do


lúdico na escola de uma maneira mais pontual, de uma forma que se possa refletir sobre o
seu papel na formação do cidadão e, concomitantemente, na prática de ensino de uma
forma geral, e na de Língua Portuguesa, em especial.

É certo que não podemos nos escusar de reconhecer a importância de atividades


obrigatórias em nossa sociedade, não estamos, absolutamente, defendendo a ociosidade e
a irresponsabilidade. O que nos move, doravante, é a percepção de que o homem é o
agente no processo de seu próprio desenvolvimento e de que a escola, o ensino em geral,
deve ser um facilitador desse processo de desenvolvimento; ao que acrescentamos, de
forma significativa, responsável e prazerosa, ou seja, lúdica.

A ação lúdica - representada pelo brinquedo, pela brincadeira e pelo jogo – como
função educativa tem suas origens nos tempos mais remotos e ganhou especial força com
a expansão da educação infantil e das pesquisas realizadas e teorias delas advindas nas
últimas décadas. Chateau (1987) defende que a escola deve se apoiar no jogo e tornar o
comportamento lúdico como modelo no comportamento escolar.

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Evidentemente essa assertiva nos leva a considerar que é preciso existir uma
relação intrínseca entre o lúdico e a função pedagógica da escola, especialmente no
sentido de desenvolver e estimular habilidades e competências, tomadas como a promoção
básica de novas aprendizagens.

No ensino de Língua Portuguesa, então, a necessidade de tornar prazerosa a


atividade obrigatória de se dominar o idioma falado no país se torna quase que uma
obrigatoriedade, haja vista a importância da matéria para dar sustentação ao aprendizado
de todas as demais. É por intermédio da língua que falamos que formulamos perguntas,
respostas, compreendemos textos etc. Devemos, nesta perspectiva, tornar a aprendizagem
da língua um momento de interesse e de participação, o que se consegue mais facilmente
com o ensino lúdico, com a utilização de métodos de estímulo à aprendizagem,
abandonando a formalidade das aulas de gramática descontextualizada, por exemplo.

No entanto, é preciso esclarecer que a relação com esses termos deve refletir
sempre o significado real do lúdico como o aqui defendido, não como mero passatempo ou
divertimento. Tomar a concepção de lúdico como mero divertimento é relegar ao
ostracismo todo o potencial estimulante que ele possui para promover e facilitar o
desenvolvimento de habilidades e competências.

Essa concepção é defendida por Chateau (1987), que defende que a criança,
quando brinca, trabalha; e trabalha muito, não no sentido literal, derivado de tripallium
(cavalete de tortura) ou no sentido restrito de produzir mercadorias, bens, mas no sentido
amplo, de participação, de construção de ações fundamentais ao seu desenvolvimento.

O trabalho escolar representa o equilíbrio entre as duas concepções, isto é, a


criança habitua-se ao esforçar-se, ao desenvolver-se, ao instruir-se e ao divertir-se,
estabelecendo uma relação com a vida, enquanto se desenvolve e se define como ser
numa determinada sociedade. Os Jogos escolares são, assim, muito importantes para o
desenvolvimento, pois

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... o jogo prepara o contato com a existência não-humana ... só se domina a


própria natureza pela obediência do espírito, de início, e depois a própria
natureza. Se o jogo fica muito distanciado dessa existência real, cabe ao trabalho
escolar para ser proveitoso, ser diferente do trabalho real. Ele habitua ao esforço,
mas não o esforço penoso do trabalhador sustentado pelo peso do arado, pela
terra que agarra a seus pés. (Chateau, 1987, p. 136)

Ao referir-se à prática pedagógica, Snyders (1974) alega que não deve haver
rigidez absoluta, insistência no pavor ou medo ou sacrifício, muito menos no livresco, no
gratuito desprovido de qualquer significação, mas no equilíbrio entre o esforço, a busca e a
disciplina com prazer e satisfação.

A criança não é apenas um ser de capricho e dispersão, mas quer entrar


vivamente no jogo, mesmo se não puder lá chegar senão com o auxílio externo.
Ela gosta do difícil das vitórias penosas, ainda quando se deixa arrastar pelo fácil,
pelo divertido, pelo engraçado. Podemos acreditar na seriedade da criança que
aspira à grandeza, num anseio que o adulto tem a certeza de poder manter ainda.
O estado de homem é belo para aquele que o atinge com todas as forças da
infância. (Snyders, 1974, p. 43)

Nesta perspectiva, a escola deve conduzir a criança à busca, ao domínio de um


conhecimento mais abstrato, conjugando habilmente uma parcela de trabalho (esforço)
com uma boa dose de brincadeira (lúdico) para transformar o trabalho, o aprendizado, num
jogo bem sucedido, o que se daria com o mergulho da criança nas atividades escolares,
sem se dar conta disso.

É evidente que, com esta perspectiva, a escola deve compreender claramente que
o trabalho escolar deve ser mais que um jogo e menos que um trabalho restrito, árduo e
pesaroso. Deve, sim, fomentar um equilíbrio entre esforço e prazer, instrução e diversão,
educação e vida. É fato que, nas escolas maternais isto seria, ainda, um quase-jogo, ou
seja, um divertimento, um desafio, uma brincadeira. Porém, nas séries mais avançadas
estará mais próximo do trabalho porque mais afeito aos aspectos de produção, elaboração,
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esforço, busca e descoberta do conhecimento mais elaborado, intensificado pela cadeia de


aprendizagem que lá, no maternal, se inicia.

Os jogos poderiam tornar-se uma forma de aproximar as diferenças e dar


condições de se fazer da escola um espaço de aprendizado lúdico, por intermédio de
estratégias pedagógicas das quais o jogo deve, sim, fazer parte. As idéias de Vygotsky e
seus seguidores ampliam a visão sobre o significado do jogo educativo, posto que ele
defende que necessidades, incentivos e motivos da criança devem ser levados em conta
por quem aplica jogos.

Quanto à prática educativa, o lúdico toma sua verdadeira forma com o enfoque
apresentado por Freinet ao definir o trabalho-jogo enfatizando o trabalho de busca, esforço,
seriedade, produção, satisfação e crítica, com o que corrobora as concepções de
Makarenko, Snyders e Paulo Freire.

Inicialmente, Freinet tentou excluir os jogos da atividade educativa séria e


formadora. Ela mesma explica:

Tentaremos não mais nos deixar levar a essas atividades arbitrariamente


impostas que suscitam e pedem os jogos de relaxamento compensados, os quais
são como a antecâmara dos jogos de lucro e dos jogos-haxixe (Freinet, 1960, p.
192)

Na realidade, investe contra a pedagogia dos jogos que leva a criança a jogar
segundo uma estratégia concebida pelo adulto, ou seja, de fora para dentro e se arma
contra a prática pedagógica que substitui todas as espécies de atividades sérias, cujo
cunho enfático se centra na noção de trabalho, pelos jogos com o intuito de satisfazer às
necessidades de prazer e alegria das crianças, um modismo pedagógico.

Porém, em seguida, justifica suas condenações e passa a entender o jogo – e


valorizá-lo – como atividade educativa e inverte o pólo de concepção para trabalho-jogo, ou
seja, a criança, nesta nova ótica, deve dedicar-se ao trabalho como se ele fosse um jogo,

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com satisfação e prazer, mas nuca ao jogo em si, pelo simples fato de jogar, o que o
limitaria a um mero passatempo.

Assim, em seus estudos posteriores, afirma que, se a organização escolar, o


comportamento do adulto, o exemplo humano passam à criança o sentido de que o
importante é a satisfação de sua necessidade de jogar, ela persuadirá, com isto,
inconscientemente a criança de que tal é a natureza de seu destino e, ao se exigir dela um
esforço – a noção de trabalho – se racionalizada e intelectualmente compreendida e aceita,
virá a assentar em seu ser, mas permanecerá como uma obrigação não essencial: uma
ação e não uma função, um acessório e não o motor de sua vida.

Se, ao contrário, no momento adequado, a criança dedicar-se aos trabalhos-jogos,


se toda a sua educação familiar, social e escolar forem centradas na necessidade desse
trabalho-jogo e dele a criança retirar as mais delicadas e mais calorosas fruições, para ela
o jogo guardará o valor acidental e substituto do relaxamento e do prazer, porém a função
trabalho é a que fomentará a vida e dar-lhe-á harmonia e equilíbrio, o que suscitará uma
nova concepção das relações sociais, filosóficas e morais que surgirão como sutil
emanação de uma nova ordem baseada na dignidade e no esplendor do trabalho

A percepção que temos, então, do trabalho-jogo é de uma atividade


intrinsecamente ligada ao ser, que se toma como uma função, cujo exercício constitui por si
mesmo a sua própria satisfação. Para Freinet (1960) o fim da educação seria, pois, a
generalização do trabalho-jogo, perpetuando a existência desta atividade, com a
concomitante perpetuação da construção e do progresso, imprescindíveis ao
desenvolvimento humano.

Para que possamos compreender nossa discussão neste momento, é preciso que
façamos uma pausa e esclareçamos a terminologia utilizada, especialmente as noções de
jogo-trabalho e trabalho-jogo, que são complexas e sutis. Percebamos, então, que, como
temos proposto neste trabalho, é a relação fundamentada na psicogenética que concebe o

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jogar e o brincar como ação de trabalho, ou seja, a criança, enquanto brinca, trabalha.
Nesta mesma direção caminha Freinet (1979), que também considera o jogo educativo
como uma forma de trabalho, mas se opõe à concepção de trabalho como jogo, no sentido
de mero divertimento ou prazer. Ao esclarecer sua concepção, diz que ser preciso que o
trabalho salvaguarde uma das tendências psíquicas mais urgentes ... o sentimento de
poder, o desejo permanente de se ultrapassar, de ultrapassar os outros, de alcançar
vitórias, pequenas ou grandes, de dominar alguém ou mais alguma coisa (Freinet, 1960, p.
197).

Há, ainda, outra proposta em relação ao jogo-trabalho citada por Heloisa Dantas
no capítulo “Brincar e trabalhar” da obra Brincar e Suas Teorias. Especificamente à pg.
118, em que discute o pensamento do educador Dewey (1979), afirma: vê-se, pois, que o
trabalho como o brinquedo podem representar um interesse pela atividade em si mesma;
mas, no caso do brinquedo, a atividade que recebe interesse é mais ou menos casual
segundo o acaso das circunstâncias, do capricho ou da determinação alheia; no caso do
trabalho, a atividade fica enriquecida pelo senso de que ela nos leva a um fim, importa em
alguma coisa, chegando ao mesmo ponto da análise psicogenética, ou seja, a incorporação
do lúdico (presentificado pela brincadeira, jogo ou brinquedo) como concepção de trabalho.

Com um enfoque diferente, a relação jogo e trabalho é também analisada por


Makarenko (1974), associando-se à perspectiva de Freinet, citada por Snyders (1974, p.
169), que diz que não se pode fazer uma obra educativa sem se propor um fim... um fim
claro, bem definido ... um conhecimento do tipo de homem que se deseja formar. Neste
sentido, o modelo pedagógico mantém uma relação direta com o presente vivido. A
coletividade infantil se recusa a viver uma vida “preparatória”. Ela quer um fenômeno da
vida real, e a vida real, hoje, para a criança é uma alegria real, presente; não uma alegria
prometida para mais tarde como recompensa longínqua de contrariedades bem próximas.

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Língua Portuguesa e Ludicidade: ensinar brincando não é brincar de ensinar
Ludicidade, vivência e responsabilidade
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É preciso afirmar a alegria das satisfações pessoais (como comer, correr, brincar,
etc) e, tendo esta alegria individual como ponto de partida, atingir a alegria de toda a
coletividade num prazo bem mais longo: o futuro da nação como um objetivo sério e feliz. É
exatamente nesse sentido que se dimensiona a conotação prática da Educação, como uma
proposta de trabalho coletivo, que se pauta na capacidade, no desenvolvimento e na
aceitação.

Importante, neste momento, lembrar que Makarenko (1974) recusa toda e qualquer
oposição entre os princípios da realidade e do prazer. Em sua perspectiva, a realidade não
se dissocia do prazer, ao contrário, ela deve ser concebida como a base deste, ou seja, a
fonte de prazer está na realidade e deve, ainda, estabelecer-se uma relação entre o dever,
a alegria presente e a aspiração a um futuro feliz. Especialmente em sua obra Poema
Pedagógico (1985), há evidências de que os fatores pelos quais o prazer e o sentido de
trabalho – dever, portanto – podem ser resgatados, pois, segundo ele, feito em mutirão,
ritualizado e adornado, o trabalho é festa.

Nesta visão, o caráter lúdico do trabalho vem da profunda compreensão do seu


sentido pessoal e comunitário, especialmente com a noção clara do porquê e do para quê
se trabalha, além de sua percepção da importância da sua realização coletiva. Estudo é
trabalho e, como ele, é obrigatório. O contato social que regula as relações entre o
indivíduo e a comunidade impõe à comunidade a satisfação das necessidades básicas e de
desenvolvimento cultural de todos os seus membros e, por conseguinte, entende a
imprescindibilidade de que esses membros aceitem as regras estabelecidas pelo
consenso, das quais o trabalho figura com especial destaque.

George Snyders (1974) acrescenta que a educação deve ser prazerosa, mas,
também, exigir esforço. Assim, caracteriza o jogo como uma atividade séria, que exige
esforço, porém, sem perder o sentido de busca e prazer. Para embasar sua visão, comenta

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Ludicidade, vivência e responsabilidade
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que nunca aprenderá a tocar violino aquele que nunca fizer outra coisa senão divertir-se ...
o mesmo se fará com a geometria ou a leitura de um autor (Snyders, 1974, p. 42).

Com esta perspectiva, recompõe o jogo como trabalho, atividade séria, desde as
concepções da educação tradicional até as mais modernas. Afirma, para ilustrar sua
concepção, que a educação tradicional estabelece entre o jogo e o trabalho um fosso,
tornando indispensável uma intervenção rigorosa do professor, porque as crianças não
encontrarão nas próprias forças possibilidades de resistir às forças que as atraem para a
brincadeira.

Em contrapartida, defende a relevância da alegria que a criança sente na


comunicação com o modelo como o fecho da abóbada da Educação. Assim, entende que o
exercício, o esforço e a exigência do professor só tomarão significado se forem sentidos
pela criança como parte integrante dessa alegria. Ao reclamar um esforço rude, o educador
corresponde à expectativa dos alunos, a sua mais bela esperança: a alegria imediata que
surge.

À função educativa do professor precede o caráter lúdico de ensinar com prazer,


com satisfação e com objetivos claros e concisos, sempre com foco no desenvolvimento de
capacidades e na incitação da criança ao fazer e à reflexão na ação, ou seja, para que,
com metas a serem alcançadas, se criem perspectivas de produção nas quais o prazer
está contido na ação de produzir, de refletir, de buscar e, então, ser possível realizar as
atividades sem o enfado da obrigatoriedade e da contrariedade. É, então, buscar o lúdico
no exercício da realidade.

Percebemos, com isto, que a educação deve exigir um esforço difícil, pois tem por
premissa conduzir seus integrantes a ultrapassar a cultura com a qual dão início na vida
educacional para, a partir dela, construir uma nova cultura e, assim, sucessivamente. Nas
crianças, o que dá início a esse processo é o momento de abandonar o egoísmo intrínseco
e dar início ao processo de socialização, passando a respeitar o outro e as “regras”

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subjacentes do convívio social, o que se dá com a percepção da necessidade de se ter, no


trabalho, um foco lúdico, pois o que estimula e orienta o pensamento humano, o que
justifica seu comportamento individual e social é o trabalho em tudo o que hoje tem de
complexo e de socialmente organizado, o trabalho, motor essencial, elemento de progresso
e da dignidade, símbolo da paz e fraternidade. Freinet é enfática neste ponto, pois alega
que basear toda a pedagogia no jogo é admitir implicitamente que o trabalho é importante
para a educação de novas gerações (In: Leif, 1978, p. 98), ao que acrescenta:

se a criança pode dedicar-se a trabalhos- jogos, se toda sua educação, toda sua
formação familiar, escolar, social e se toda sua vida são centradas na
necessidade desse trabalho-jogo, se dela a criança retira as mais dedicadas e as
mais calorosas fruições, o jogo então guardará para ela seu valor acidental de
substituto ou de relaxamento, mas é função-trabalho que lhe iluminará a vida, que
lhe dará harmonia e equilíbrio, que suscitará uma nova concepção de relações
sociais, uma filosofia e uma moral que não serão mais abstraídas da condição
humana, mas surgirão como sutil emanação de uma nova ordem baseada no
esplendor do trabalho. (Idem, p. 103)

Pode-se ver, então, que é preciso unir uma doutrina bem firme a uma constante
possibilidade de os alunos confrontarem o que lhes foi indicado com o que eles retêm. Não
se trata apenas de justificar o que lhes é proposto, mas, antes, de incitar a analisar
ludicamente o que fazem, os êxitos que obtêm, as satisfações e alegrias que podem
resultar, bem como as dificuldades e insucessos. Assim deve proceder a escola, tal qual

uma rosácea dos ofícios efetivamente praticados, adaptados tanto às


possibilidades infantis como às necessidades sociais, nos campos e nas
fazendas, nas lojas e, o mais das vezes nas oficinas, que seriam as células vivas
do nosso centro educacional (Freinet, 1960, p. 168)

Para Snyders (1974), a síntese da doutrina e da experiência própria dos alunos só


é possível quando o ensino mantém uma relação profunda com a experiência da criança,
quando se apóia nessa experiência para revelar à própria criança o sentido e o valor
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daquilo que ela vive. Para isso, é preciso firmeza na orientação pedagógica, pois, sem isto,
a criança, abandonada em si mesma, correrá o risco de ceder à atração do pitoresco, dos
folclores, sedutor em algumas circunstâncias, mas que pode inspirar o temor e o
afastamento.

A ação lúdica integra uma teoria profunda e uma prática atuante. Seus objetivos,
além de explicar as relações múltiplas do ser humano em seu contexto histórico, social,
cultural, psicológico, enfatizam a libertação das relações pessoais passivas, técnicas para
as relações reflexivas, criadoras, inteligentes, socializadoras, fazendo do ato de educar um
compromisso consciente intencional, de esforço, sem perder o caráter de prazer, de
satisfação individual e modificador da sociedade.

Por fim, dada a clara presença do lúdico nos jogos e nas brincadeiras, mesmo
naqueles voltados à prática educacional, mais consciente e com fins mais claros,
percebemos a importância de não afastar esses recursos do processo de educar, pois o
jogo é tão importante na vida da criança como é o trabalho para o adulto ... daí a educação
do futuro cidadão se desenvolver, antes de tudo, no jogo (Makarenko, Apud Snyders, 1974,
p. 169).

Assim, defendemos que o espaço escolar em sua totalidade deve tornar-se um


lugar lúdico por excelência, de modo que educadores e professores tenham consciência e
saibam conciliar os objetivos pedagógicos com os desejos (e necessidades) dos alunos.
Geralmente, o aluno sente-se motivado com um professor entusiasmado, alegre, seguro,
conhecedor e, especialmente, companheiro. O trabalho pedagógico do ensino de Língua
Portuguesa, seja para o domínio da oralidade, seja da escrita, ganha outra direção se
aplicado com enfoque lúdico, pois o crescimento intelectual da criança depende de seu
domínio dos meios sociais do pensamento, isto é, da linguagem (Vygotsky, 2005, p. 63),
cujo grande expoente é o domínio da língua mãe, o português, tanto falado quanto escrito.

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Uma escola, uma sala de aula ludicamente inspiradas para o trabalho em Língua
Portuguesa, não é, necessariamente, aquela que ensina massantemente os conteúdos
gramaticais, mas sim aquelas que provocam um gosto especial pelo o domínio da língua
como uma ferramenta de comunicação, como algo intrínseco a sua vida, como instrumento
que usa cotidianamente e usará a vida toda.

No ensino de Língua Portuguesa, a dinâmica deve abarcar o imponderável, a


surpresa, o desafio, a busca de limites e, também, a liberdade. Neste tipo de aula, o
professor renuncia à centralização, à onisciência do controle onipotente dos conteúdos e
práticas e reconhece a importância de o aluno ter uma participação ativa nas relações de
ensino e aprendizagem, tendo em, como objeto de seu trabalho, a construção
compartilhada.

O professor de Língua Portuguesa deve abolir o autoritarismo do seu trabalho


pedagógico, visto que sua atividade em sala é permeada pelo falar, escrever e partilhar,
pois convive no agora e no imponderável. Em Língua não existe o amanhã, mas o hoje, o
agora: é neste momento que ele compartilha e se relaciona.

O educador de modo geral, já traz a resposta sem se lhe terem perguntado nada
(...) O autoritarismo que corta a nossas experiências educativas inibe, quando não
reprime, a capacidade de perguntar. A natureza desafiadora da pergunta tende a
ser considerada, na atmosfera autoritária, como provocação à autoridade. E,
mesmo quando isso não ocorra explicitamente, a experiência termina por sugerir
que perguntar nem sempre é cômodo. (Freire, 1983, p. 46)

Ora, se pretende conceber uma educação lúdica como foco de nosso


planejamento pedagógico, atitudes como a descrita acima devem ser banidas. A aula deve
ser uma ação conscientemente criada, e intencional neste aspecto, mas também repleta de
espaços para o inesperado, para o surgimento do que ainda não existe, para o que não se
sabe, mas que pode ser conquistado com a ação partilhada entre professores e alunos,

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sob a égide da busca do saber pela compreensão, pela interpretação e pela elaboração de
novos conceitos.

O brincar e o jogar permitem o desenvolvimento das significações de


aprendizagem quando o professor se instrumentaliza e intervém neste processo. A
intervenção, todavia, não pode ser delimitada, centralizadora, controladora ou finalizadora,
deve, sim, ser baseada nas provocações e no desafio. No espaço lúdico da aula de Língua
Portuguesa, a intervenção não corrige ou determina as ações, mas problematiza-as, apóia-
as e incita-as. A motivação para a atividade lúdica reside exatamente no fato de correr risco
e no confronto constante com o real. A tensão do desejo de saber, a vontade de participar
e a alegria da conquista impregnarão todos os momentos da aula.

O material básico utilizado nas aulas de Língua Portuguesa que se torna suporte
da atividade lúdica na sala é o próprio aluno. Os “brinquedos” são os aportes materiais
presentes na realidade imediata, ou seja, livros, gramáticas, revistas, jornais, folhetos,
bulas, etc. ao que devemos acrescentar a utilização de estratégias amplamente conhecidas
como: simulação, dramatização, brincadeiras, jogos de linguagem, visitas.

Na mão de um professor criativo, um livro de leitura, um jornal, um texto em cordel,


tornam-se verdadeiras motivações para o encantamento de sua aula. São professores
assim, em todos os níveis, que, através de sua fala, seu jeito de ser, de sua dinâmica, de
sua capacidade de aproveitar recursos da realidade, conseguem encantar e motivar os
alunos a uma verdadeira aprendizagem.

Em suma, podemos concluir que os professores de Língua Portuguesa devem


incluir em seu projeto pedagógico a ação lúdica como meio alternativo de ensino e, com
isto, procurar encontrar o equilíbrio no cumprimento de suas funções pedagógicas – com o
planejamento de conteúdos e habilidades, procedimentos e avaliações.

Devem, ainda, ter sempre em vista a contribuição para a construção do ser


autônomo, criativo, na moldura do desempenho das funções sociais, no exercício da
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Ludicidade, vivência e responsabilidade
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cidadania e da vida solidária, além de desafiar os limites da potencialidade cognitiva e


afetiva dos alunos. Não podem se esquecer, também de sempre incentivar a busca da
justiça social e da igualdade com respeito as diferenças através de técnicas lúdicas
necessariamente adequadas e pertinentes de forma intencional, consciente. Com certeza,
o trabalho lúdico de qualidade, voltado ao ensino da língua, jamais trará prejuízos, só
benefícios.

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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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2. Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos.

A criança que pensa em fadas e acredita nas fadas,


Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em algum ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.
Alberto Caieiro

No capítulo anterior, procuramos mostrar as diferenças conceituais entre lúdico,


brincadeira, jogo e brinquedo, dando a esses termos uma significação diferenciada e mais
específica e procuramos também mostrar a validade do lúdico, bem como dos jogos, das
brincadeiras e do brinquedo na vida do ser humano e como prática pedagógica.

Neste capítulo, nos deteremos a cada fase do desenvolvimento do ser humano e


às várias formas de estimulação da linguagem oral e escrita através da prática lúdica, com
sugestões de jogos, brincadeiras e brinquedos.

Para isso, seguiremos a divisão e a classificação segundo uma ordem lingüística.


Primeiramente, tratamos da fase pré-verbal, que antecede o domínio da linguagem oral,
denominada também de fase sensório-motora, na qual os exercícios práticos, motores ou
funcionais marcam grande parte das atividades infantis até ao dois anos de idade.

Em seguida, nos detemos na fase verbal caracterizada após o domínio da


linguagem oral, fase essa submetida e etapas que constituem o pensamento simbólico,

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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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intuitivo e operatórios concreto e abstrato, o que acontece após os dois anos de idade. A
questão da idade, convém lembrar, é relativa e particular de cada pessoa.

Lembramos que a nomenclatura de que nos valemos nessa classificação é aquela


adotada pelo arcabouço teórico que nos suporta, a saber: a) exercícios funcionais: os pré-
verbais; b) brincadeiras: atividades e ações simples, espontâneas, livres; c) jogos:
atividades com regras, intencionalidade e consciência; e d) brinquedo: objeto físico,
desencadeador de ações lúdicas.

Doravante, para uma melhor abordagem, seguiremos a “ordem” das fases de


desenvolvimento do ser humano proposta pela Psicologia Genética de Piaget, acrescida
das teorias de Wallon e Vygotsky, Gouveia e Ferreiro. Nossa ênfase, porém, será dada aos
aspectos relevantes para a prática de ensino de Língua Portuguesa.

2.1: Por que Piaget?


Jean Piaget (1896-1980) estudou a evolução do pensamento desde o nascimento
até a adolescência com o intuito de compreender os mecanismos mentais utilizados pelo
indivíduo para captar o mundo. Seus trabalhos alteram a concepção vigente no século XX
de que as crianças pensam e raciocinam como os adultos. Até então se pensava que a
diferença entre o pensamento infantil e adulto era de grau, ou seja, os adultos eram
mentalmente superiores às crianças tal qual o eram fisicamente; embora os processos
cognitivos fossem os mesmos no decorrer da vida.

Em seus trabalhos realizados com os psicólogos Binet e Simon, criadores do teste


de QI, Piaget, ao analisar respostas “erradas” das crianças nestes testes, verificou que
essas respostas eram consideradas erradas porque analisadas segundo o ponto de vista
do adulto e que, na realidade, as respostas seguiam uma lógica característica de cada
idade. Conclui, então, que em muitas questões as crianças não pensam como os adultos

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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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porque lhes faltam determinadas habilidades: o pensar difere não apenas em grau, mas em
classes.

Assim, defende que o processo cognitivo se dá em razão da aprendizagem e do


desenvolvimento e postula que a aprendizagem se refere a uma resposta particular do
indivíduo aprendida em função de uma experiência, obtida de forma sistemática ou não; ao
passo que o desenvolvimento seria a aprendizagem de fato e, também, o real responsável
pelo conhecimento.

Seus trabalhos entendem a construção do conhecimento como a ocorrência de


ações físicas e mentais sobre os objetos, o que causa um desequilíbrio que, por sua vez,
resulta em uma assimilação ou acomodação2 na mente do sujeito, a fim de voltar ao
equilíbrio com o ambiente, ponto central de sua teoria.

Para Piaget (1973), o desenvolvimento se dá com a maturação (crescimento


biológico dos órgãos), a exercitação (funcionamento dos esquemas e órgãos que implica
na formação de hábitos), a aprendizagem social (aquisição valores, linguagem, costumes e
padrões sociais e culturais), e a equilibração (processo de auto-regulação interna do
organismo)

Em sua teoria sobre o desenvolvimento, descreve em 4 estágios, chamados de


fases de transição, descritos como sensório-motor (0 – 2 anos), pré-operatório (2 – 7 anos),
operatório-concreto (7 – 11 anos) e operatório-formal (12 anos em diante). É importante
lembrar que, embora haja uma certa relação com a idade física do sujeito, o
desenvolvimento do conhecimento não se dá obrigatoriamente num crescer cronológico,
embora respeite a noção de fase, posto que uma fase só pode ser alcançada quando a
anterior é assimilada pelo sujeito.

2
Na acomodação, a estrutura cognitiva se modifica em decorrência de experiências, ao passo que, na assimilação, a
realidade é assimilada às estruturas cognitivas pré-existentes no sujeito.

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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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Este é o aspecto que mais contribui para nosso trabalho, posto que estrutura a
formação do conhecimento segundo a aquisição de elementos do meio, da relação da
criança com o mundo que a cerca. Nesta relação, o elemento linguagem é crucial e a nós
interessa especialmente a fração língua da linguagem. Vejamos, então, segundo essa
“ordem”, como a Língua Portuguesa é aprendida.

2.2: Fase pré-verbal ou sensório-morota (0 – 2 anos): Semente a ser


regada.
Para a Psicologia Genética de Piaget, a criança, desde o seu nascimento,
desenvolve seus sentidos, seus movimentos, seus músculos e seu cérebro com atividades
naturais ao observar o seu meio e olhar, pegar, ouvir, apalpar, mexer em tudo o que
encontra a seu redor e, também, no contato com as pessoas que a cercam, aspecto este
que, além de contribuir para o seu desenvolvimento, a diverte e permite que conquiste a
percepção de novas realidades. Nesta fase sensório-motora, ou inteligência prática, a
criança pratica o jogo por um processo de assimilação do real do eu, de sua realidade
interior, o que caracteriza as manifestações de seu desenvolvimento.

O bebê brinca com o corpo e, neste brincar, executa movimentos como estender e
recolher os braços, pernas, dedos, músculos. As brincadeiras físicas consubstanciam as
necessidades de seu crescimento ao combinar os movimentos simples com as atitudes
naturais, que contribuem para a formação dos músculos e aperfeiçoamento da capacidade
motora. Nesta fase, as brincadeiras são sob a forma de exercícios ou jogos funcionais que,
como afirma Wallon:

podem ser movimentos muito simples, como estender e recolher os braços ou


pernas, agitar os dedos, tocar objetos, imprimir-lhes oscilações, produzir ruídos ou
sons. É fácil reconhecer aí uma atividade em busca de efeitos, aliás ainda
elementares, denominada pela lei do efeito (ações esperadas e inesperadas) de

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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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importância fundamental para preparar a utilização, sempre mais apropriada e


mais diversa de seus gestos. (Wallon,1965, apud Leif, 1978, p. 36)

Os movimentos pioneiros de balancear, chutar, movimentar-se para os lados,


chamados também de “jogos de estereotipia rítmica”, ocorrem sem que a criança
compreenda os propósitos ou objetivos destes movimentos, mas supõe-se que sejam
controlados pela maturação neuromuscular que permite desenvolver padrões motores
como suporte para outros aprendizados, posto que

... já no final do primeiro ano de vida, a criança sofre uma acentuada transição
cognitiva (formação, construção de símbolos e memorização) o que permite uma
libertação progressiva do seu repertório de estereótipos de comportamentos para
um comportamento mais inteligente (Neto, 2007p. 05).

A contribuição dessas brincadeiras para o desenvolvimento da criança não pode


ser considerada apenas pelo seu aspecto de estímulo ao desenvolvimento físico. Ao
brincar, incorporam-se ao cérebro, por meio dos sentidos (ouvir, ver, tocar, cheirar, sugar)
impressões que vão, paulatinamente, aflorando o desenvolvimento do pensamento e da
cognição. Nesta fase, quanto mais uma criança ouve, vê, pega, mais quer executar essas
ações, pois as informações enviadas ao cérebro geram conexões novas que se mantêm
sempre ativas.

Por meio destas ações simples nas quais a interação com as pessoas a sua volta
é crucial, a criança absorve milhares de informações, que constroem a base da linguagem
oral e das operações cognitivas como a formação de símbolos e as noções elementares de
espaço, lateralidade, posição, reconhecimento de objetos e pessoas. Está plantada a
semente que possibilitará que a criança alcance, gradativamente, o desenvolvimento
mental que a habilita a novas descobertas e, por conseguinte, a recepção e/ou percepção
de informações mais elevadas.

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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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O lúdico, por meio das brincadeiras, se faz presente e está estreitamente ligado ao
processo de aquisição e desenvolvimento da cognição, seja pela percepção dada por meio
das primeiras impressões sensoriais, seja pela memorização de informações, seja pelo uso
da linguagem, primeiro e supremo instrumento que o homem forjou a fim de poder
comunicar, ensinar e comandar (Huizinga, 2001: 07).

A linguagem e o jogo mantêm um parentesco bastante estreito, defende Wallon


(1965). Ambos representam a realidade, a transpõem e introduzem na vida mental
simulacros, que são a transição entre o índice (ainda ligado à coisa) e o símbolo (suporte
para as combinações intelectuais). Assim, o jogo é entendido como resultado de um
sistema lingüístico, cujo funcionamento dá-se em um contexto social.

O jogo simbólico, assim chamado por Piaget, assume papel fundamental no


processo de representação mental. Através dele se efetivam a construção do pensamento
e a conceituação da inteligência representativa.

Nestes primeiros anos, a linguagem se dá por gestos, risos e sons rudimentares:


são as formas de representação do pensamento pré-verbais. Em seguida, a manifestação
lingüística passa a ser com palavras, seguida por frases e, depois, por enunciados.

Para ilustrar esse desenvolvimento, tomemos, por exemplo, a sede, o desejo por
água. Inicialmente, a criança aponta para a água, indicando sua sede. Depois, passa a,
rudimentarmente, proferir a palavra como, por exemplo, dizendo “ága”, para depois dizer
“água”. Ao relacionar o símbolo à palavra ocorre o processo de construção da linguagem,
que evolui à medida que se desenvolvem e estreitam as relações sociais: é para comunicar
com seus se semelhantes que o homem cria e utiliza os sistema de linguagem (Kohl, 2002,
p. 42).

A linguagem desponta como um instrumento de pensamentos, de compreensão do


mundo, porque fornece os conceitos e as formas de organização do real que constitui a
mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento (Kohl, 2002, p. 43) e ordena o real.
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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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A Língua Portuguesa, neste momento do desenvolvimento, é o veículo que passa


a “dar nome” às coisas. Juntamente com este “nomear” é passada à criança a estrutura
sintática da língua. No exemplo dado, se a criança passa a falar “ága”, ainda não se pensa
em estrutura lingüística do português, mas não demora a criança passa a falar “ága qué”,
para o que a mãe já passa a tentar demonstrar a estrutura com a “correção” em forma de
pergunta: “O bebê quer água?” para depois lhe dar o que foi pedido. Consciente ou
inconscientemente, esta interação promove a construção da ordem dos elementos nas
sentenças e nuances da sintaxe da língua.

O primeiro sinal do desenvolvimento sintático se dá dos 12 aos 18 meses de idade,


com o surgimento das palavras funcionais: a criança chama de cachorro todos os animais
que vê. O passo seguinte é dado com o surgimento das construções frasais com dois ou
mais elementos, das primeiras flexões (o plural, por exemplo), das primeiras construções
interrogativas (quê?, cadê?) e das primeiras construções negativas com a palavra não
isolada ou posta no final ou início das frases (por exemplo, papá não).

Brunner (1997) assinala a relevância das brincadeiras interativas entre mãe e filho,
que dão significado aos gestos e permitem à criança decodificar contextos, apreender o
mundo e lhe dar sentido ao afirmar que o significado e a realidade são criados e não
descobertos, que a negociação é a arte de construir novos significados pelos quais os
indivíduos podem regular suas relações uns com os outros (Brunner, 1997b, p. 155). Em
seus trabalhos, explica que, para Piaget e Freud3, o desenvolvimento da criança segue
uma estrutura de estágios e o crescimento se dá naturalmente, ou seja, à medida que
desenvolve a linguagem, a criança desenvolve sua forma de pensar e ambos os

3
Freud e seus seguidores estabeleceram uma relação, uma associação prévia entre a criança, o brinquedo e o brincar.
Consideram que a abordagem psicanalítica com crianças vai além da concepção cronológica, das etapas de
desenvolvimento de um modo linear e único. Para a corrente psicanalítica, a criança é muito maior que as etapas e o
desenvolvimento ocorre dentro de um processo de construção. Da mesma forma o processo de formação sexual é não
é apenas um processo a partir do sexo biológico, mas um processo a ser construído, Mrech (2002, in Brincar e sua
teorias) e Leif (1978) apresentam outras abordagens sobre esse assunto.

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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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desenvolvimentos, embora sigam separadamente, fluem concomitantemente; o que eleva a


linguagem ao principal meio de interação da criança com a cultura.

Ao refletir sobre a visão de Freud, Piaget e Vygotsky a respeito da linguagem,


Brunner (1997b) diz que

Freud encara o presente a partir do passado: o crescimento é pela liberação.


Piaget respeita a integridade inviolada do presente: o crescimento é a nutrição da
lógica intrínseca. E Vygotsky transforma o passado cultural no presente gerativo
pelo qual procuramos alcançar o futuro: crescimento é alcançar.(Brunner, 1997b,
p. 151)

Como, a Linguagem não é um aspecto exclusivamente interior ao homem, mas


também exterior, porque compartilhada, não é difícil nos associarmos a Brunner (1997b) e
compreender o desenvolvimento humano como algo não apenas interior ao indivíduo, mas,
especialmente, perceber que a relação do indivíduo com o mundo a sua volta, posto que o
homem é parte da cultura que herda e pode, a partir de suas intervenções nela, recriá-la.
Segundo ele

o poder de recriar a realidade, de reinventar a cultura, viremos


a reconhecer, é onde uma teoria do desenvolvimento deve começar
sua discussão sobre a mente. (Brunner, 1997b, p. 156).

Assim, estes primeiros meses, nos quais a linguagem vai, paulatinamente, dando
nuances de desenvolvimento, mostrar a realidade às crianças e permitir que nela elas
exercitem sua intervenção é imprescindível. Vejamos, na tabela abaixo, como, com
algumas atividades relativamente simples, podemos dar vida a esta linguagem que se
inicia:

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Língua Portuguesa e Ludicidade: ensinar brincando não é brincar de ensinar
Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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Tabela 1: Atividades para auxiliar o desenvolvimento (0-2 anos)

ATIVIDADES PARA AUXILIAR O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM DE CRIANÇAS DE 0 – 2 ANOS.

Tipologia Finalidade Modalidade

estimular a discriminação e a Chocalhos, maracás, guizo, marimbas, CDs e DVDs com


Brinquedos
sonoros

percepção auditiva músicas folclóricas infantis, músicas suaves e músicas atuais


com vozes onomatopaicas.

estimular a discriminação e a brinquedos com cores variadas: bolas, boneca, cubos, figuras,
Brinquedos
visuais

percepção visual carrinhos, industrializados e improvisados com sucatas: pano,


caixas de papelão, saquinhos, caixotes,etc.

estimular a discriminação e a brincadeiras ritmadas e rimadas como trovinhas, parlendas,


Brincadeiras

percepção auditiva , ritmo, adivinhas e vozes onomatopaicas.


orais

sonoridade das palavras Exemplos: dedo mindinho, bambalalão, atirei o pau no gato,
onde está o bebê?, cadê a mamãe? palminha, batendo as
mãos, os pés, marcha soldado , etc.
estimular a discriminação e livros com figuras de pano ou plástico com figuras coloridas:
Brincadeiras

percepção visual: cores, formas, animais, pessoas, objetos de sua realidade.


visuais

imagens

estimular a discriminação visual , audição de histórias de bicho, encantamento, membros da


Histórias

auditiva e o pensamento família, com diálogos simples, ritmo, rimas, repetição,


simbólico acumulação; desenhos livres de figuras, personagens, etc.

estimular a linguagem oral e o Dramatização espontânea com personagens de sua realidade


Dramatizaçõe

pensamento simbólico e das histórias de encantamento.


s

2.3: Fase verbal I (2 – 4/5 anos): A oralidade brota no horizonte.


Após os dois anos de idade, na fase chamada de pré-operatória, simbólica, ou
intuitiva, os exercícios funcionais atingem grande momento de exercitação física e motora
através de experiências envolvendo movimentos rigorosos de corrida, saltos e
manipulações, mas esses movimentos, diferentemente da fase anterior, passam a ser

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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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dirigidos e aplicados segundo uma ordem “intencional”, com a finalidade de consolidar o


desenvolvimento motor, fundamentado na capacidade de força e resistência do organismo.

Isto permite uma paulatina evolução, não só da capacidade física, mas das
relações sociais, uma vez que as atividade acontecem de forma interativa, com maior
controle emocional e maior estruturação cognitiva, posto que as ações físicas são mais
conscientes, por isso denominadas psicomotoras.

As manifestações encontradas neste estágio já se dão segundo o simbolismo


representado na mente da criança, embora o pensamento ainda seja consideravelmente
depende de ações externas, assim, as ações lúdicas na criança dessa fase são
materializadas através daquilo que chamamos anteriormente de brincadeira.

Ao se observar o comportamento das crianças nesta, percebe-se que o seu modo


de agir, andar, movimentar-se e falar são extremamente lúdicos. Caso se encontrem em
escolas de educação infantil, basta observar o recreio para se verificar que as crianças
agitam-se de todas as formas. Nunca andam, estão sempre correndo, pulando, gritando e
desafiando seus limites. São os pais e professores que tentam estabelecer limites para
essa agitação lúdica, dizendo-lhes que não façam isso ou aquilo, que tomem cuidado e etc.

O contato com os pais e professores perde parte de sua valoração qualitativa,


posto que outros aspectos do universo da criança passam a receber maior atenção e
relevância em suas manifestações. É neste estágio que vemos as brincadeiras de casinha,
de motorista, de cavaleiros e imitações de personagens da televisão ou de livros. Essas
brincadeiras são manifestações do mundo que a criança já interiorizou.

As brincadeiras mais livres de outrora, neste estágio de “faz-de-conta”, ou de “jogo


simbólico”, por mais simples que pareçam em uma primeira vista, passam a exigir maior
participação ativa da criança. São, então, estímulos ao desenvolvimento cognitivo. Na
perspectiva piagetiana,

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jogando elas chegam a assimilar realidades intelectuais que, sem isso,


permaneceriam exteriores à inteligência infantil. É por isso que, pela própria
evolução interna, os jogos das crianças se transformam pouco a pouco em
construção adaptada, exigindo sempre mais trabalho efetivo, a ponto de, nas
classes pequenas de uma escola ativa, todas as transições espontâneas
ocorrerem entre o jogo e o trabalho. (Piaget, 1973, p. 158)

Sob esta perspectiva se dá nosso entendimento de que, ao experimentar, ver,


manipular objetos, a criança descobre a possibilidade de dar forma ao mundo de acordo
com suas impressões e passa não só a evocar e registrar fatos na memória, mas a recriá-
los. Corrobora para esta perspectiva os trabalhos de Wallon (1965), especialmente ao
perceber que

acontece freqüentemente de a criança interromper-se surpreendida por um de


seus gestos, os quais ela só parece perceber em suas conseqüências. É a
mudança sobrevinda em seu campo de atividade ou percepção que parece fazê-la
descobrir, e em seguida, repetir o movimento que constitui a causa. O vivo
despertar em sua curiosidade por tudo o que é novidade leva-a a esse voltar-se
para a sua atividade (Wallon, 1965, p. 52)

Desta forma, os jogos e as brincadeiras deixam de ser gratuitos, de mera


recordação de impressões observadas e vividas, dadas na imitação, para tornarem-se re-
elaboração criativa, um processo por meio do qual se combinam os dados da experiência
de construir uma nova realidade, que se relaciona à curiosidade e à necessidade, mas se
dá, indubitavelmente, por intermédio da mediação do meio e da interação com ele.
Compreender – e aceitar – o fato de que a criança adora ouvir histórias e recriá-las de sua
maneira, com sua perspectiva, torna-se absolutamente fácil sob a égide desta visão.

Nesta fase, do faz-de-conta, do jogo simbólico, a criança começa a alterar os


significados dos objetos (brinquedos), dos eventos e passa a expressar, de maneira clara,
suas intenções e a assumir papéis do contexto social e da cultura lúdica em que está
inserida. O faz-de-conta não só abarca a entrada do imaginário, mas a expressão de regras
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implícitas que se materializam nos brinquedos, nas brincadeiras e nos jogos, o que se dá
não apenas no aspecto semiótico, mas, especialmente, no aspecto lingüístico da
compreensão do mundo.

A linguagem aprimora-se e se constrói, juntamente com as regras que lhe são


inerentes, pela aquisição de símbolos e pela alteração do significado dos objetos e das
situações. Ao brincar de faz-de-conta, a criança recria símbolos e constrói sua própria
linguagem, sua maneira própria de falar e de se relacionar com as pessoas. Isto se dá na
intersecção entre o indivíduo e o coletivo, numa relação cíclica entre ambos.

Doravante linguagem e pensamento caminham juntos, porque os esquemas


verbais primitivos da fase anterior se aprimoram em esquemas verbais mais amplos, nos
quais a linguagem constitui um todo: começa a reconstruir a ação, a evocar e a representar
o mundo da criança, tal qual um jogo, no qual regras estão presentes.

O aspecto lúdico deste momento se manifesta especialmente no prazer que a


criança tem de ser ouvida, de fazer perguntas, de brincar com palavras e de adivinhar
letras. É a contribuição do lúdico para o processo de alfabetização e letramento que virá
adiante.

A linguagem passa a ser encarada como uma rede de significações e


representações simbólicas que se dão por intermédio das palavras, frases e textos e,
também, constitui um instrumento de expressão do pensamento, fruto do confronto e da
interação de crianças mergulhadas em diálogos expressos de maneira mais simplificada –
quando em relação com outras crianças – ou de forma mais elaborada – quando em
relação com adultos. A cada nova brincadeira, ou jogo, a complexidade aumenta e, desta
forma, dá-se o desenvolvimento.

É nesta fase que se dá a compreensão da organização das cores, a classificação


de etiquetas, a feitura de laços, o empilhamento de cubos, o completar estruturas, a fixação
da atenção e o domínio da instabilidade natural. É o momento, enfim, de esforçar-se e
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construir uma série de informações cognitivas que garantirão a maturação para a aquisição
de novos conhecimentos, seja de operações de linguagem, seja de operações lógico-
matemáticas.

Não é em vão que Piaget defende o desenvolvimento mental como uma


construção contínua, comparável à de um grande edifício que se torna mais sólido a cada
novo conhecimento (Apud Almeida, 2003, p. 47)

Ao voltarmo-nos para o processo de alfabetização e letramento, ainda embrionário


neste período, é muito difícil considerar separadamente cada aspecto da estrutura global
do conhecimento que se forma. A linguagem, por exemplo, apresenta-se permeada de
aspectos emocionais e sentidos relacionados à cultura, ao contexto e às intenções dos
interlocutores. A representação gráfica de traços e rabiscos (forma rudimentar de letras) se
caracteriza pelo desenvolvimento da coordenação motora grossa e fina e pelo processo
gráfico de representação: são os primeiros indícios do processo de leitura e de escrita.

O sistema de comunicação oral e, futuramente, o escrito estão em franco


desenvolvimento. Aquisição de palavras, o domínio crescente da pronúncia de todos os
sons e a construção de frases com uso de flexões nominais e verbais são aspectos que
vão se aprimorando a cada dia, o que se observa nas conversas conversa com adultos e,
também, com outras crianças.

Percebemos o desenvolvimento destes aspectos com a fase dos porquês.


Inicialmente qualquer resposta satisfaz a criança, mas ela se torna, pouco a pouco, mais
exigente em relação às respostas. O valer-se das experiências anteriores por meio da
repetição e da imitação dá lugar a um processo de investigação cada vez mais aguçado e,
por isso, o vocabulário ganha mais significação, o que torna a linguagem oral mais correta,
desembaraçada e com sentido. É o processo de assimilação da gramática da língua
fazendo-se presente, inconscientemente, na comunicação infantil.

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Contribui para o avanço e aperfeiçoamento do processo de comunicação o fato de


que a criança aprecia muito ouvir, repetidamente, histórias4. Nesta fase, ainda não as
modificam, apenas as ouvem e recontam, mas é inegável o estímulo para a sua
imaginação, pois se identificam com este ou aquele personagem e vivem intensamente as
cenas.

As histórias que assustam, com bichos grandes e feios, não são atraentes para
elas e, dependendo da reação das crianças, devem ser evitadas, pois influenciam
negativamente em seu estado emocional. A linguagem deve ser simples, animada,
desafiadora, com diálogos que se repetem, ação continuada acumulativa, rapidez de ação
e, ainda, frases ritmadas e rimadas, a fim de que proporcione prazer à criança. Muitas
histórias encantam pela musicalidade adequada ao interesse delas, como cantigas, cujas
melodias são simples e narrativas em versos, com vocabulário próprio, que rapidamente
são interiorizadas. Também contribuem para o aumento do léxico os cantos religiosos e
folclóricos, que elas passam a cantar em conjunto e a aprender a letra com facilidade.

Iniciam nessa fase, suas primeiras experiências em jogos coletivos, que, além de
fortalecerem valores de convivência em sociedade, fortalecem a linguagem socializada, o
que permite melhora na interação com outras crianças com quem partilham seus
conhecimentos. Contudo, ainda não têm consciência das regras e dos limites da vida em
sociedade. Embora a criança não compreenda claramente todas as palavras que ouve, sua
linguagem é muito fértil e, quando não conseguem expressar verbalmente algo, recorrem a
todos os recursos que possui, a fim de fazer-se entender.

Esta fase de aquisição de léxico é seguida da faze dos porquês, que se dá por
volta dos 3 a 4 anos. Agora sim, ela quer saber tudo. Aflora o poder da audição e da
imaginação pelas histórias, pela imitação e, especialmente, pelas brincadeiras
4
Incluem-se como “ouvir” histórias, os vídeos, DVDs e demais mídias que se valem da estrutura da história para
apresentar “dados” às crianças. Atualmente é muito difícil de se estabelecer exatamente quais mídias são isto ou
aquilo. O aparato tecnológico tem contribuído muito para a diversidade de elementos passíveis de serem utilizados
para aumentar o arcabouço cultural da criança.

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dramatizadas – marcadas majoritariamente pela imitação. A motivação é aguçada ao se


priorizar o uso de brinquedos ritmados, cantados, livros com figuras, histórias de bichos,
cenas familiares, brinquedos de construção, passeios, etc. Todas essas atividades são
imprescindíveis às crianças pois,

Obrigada a adaptar-se, sem cessar, a um mundo social dos mais velhos, cujos
interesses e cujas regras lhe permanecem exteriores, e a um mundo físico que ela
ainda mal compreende, a criança não consegue, como nós, satisfazer as
necessidades afetivas e até intelectuais de seu eu nessas adaptações [...] É,
portanto, indispensável ao seu equilíbrio afetivo e intelectual que possa dispor de
um setor de atividade cuja motivação não seja a adaptação ao real senão, pelo
contrário, a assimilação do real ao eu, sem coações nem sanções. (Piaget &
Inhelder, 1968, p. 55-56).

O lúdico, então, contribui para uma aprendizagem prazerosa, de forma a fornecer


à criança as ferramentas necessárias para o seu desenvolvimento. Abaixo, algumas
atividades e suas finalidades importantes para esta fase.

Tabela 2: Atividades para auxiliar o desenvolvimento (2-4/5 anos)

ATIVIDADES PARA AUXILIAR O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM


ORAL E ESBOÇO DE ESCRITA DE CRIANÇAS DE 2 – 4/5 ANOS.

Tipologia Finalidade Modalidade

estimular a discriminação e a brinquedo a pilha, chocalho, pandeiro, tambor, guizo, bumbo,


Brinquedos

percepção auditiva, enfatizando o apitos, DVD, CD com canções infantis folclóricas e religiosas,
sonoros

som das letras, os ritmos e as com vozes onomatopaicas, letras do alfabeto; atividades que
rimas relacionem a palavra falada ao símbolo (para fomentar a
representação simbólica)

estimular a discriminação e a brinquedos industrializados e improvisados como carrinho,


Brinquedos visuais

percepção visual com o uso de bola, boneca, robô, boneco de sucata, caixotes, mobílias,
figuras, formas, espaço, encaixes, montagem, desmontagem e quebra-cabeças
movimento, lateralidade; associar
letras aos respectivos sons;
estimular o processo de
representação mental.

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estimular a discriminação e a roda, parlenda , trova, trava-língua, canto religioso, cívico e


orais e visuais
Brincadeiras
percepção auditiva, visual e formativo como, por exemplo, marcha soldado, alecrim,
rítmica; enriquecer o pensamento escravos de Jó, ciranda, atirei o pau no gato, galinha do
simbólico, a aquisição de palavras vizinho, dedos da mão, dona Aranha, a barata diz que tem, a
e frases e a compreensão de casa, eu mexo as mãozinhas, adivinhações, quebra-cabeças,
enunciados e lógica intuitiva jogo dos erros, absurdos, seqüência dos fatos, etc.
estimular a audição de histórias, o histórias de bichos, rimadas e ritmados com diálogos simples,
Histórias

pensamento simbólico, a histórias de repetição e acumulação, histórias com cenas


reprodução oral, a observação familiares, histórias com ilustrações (livro de pano, livro
visual das figuras, formas, tipos e gigante, revistas), reprodução de desenhos, pinturas e
tamanho de letras cantinho da leitura com livros variados
estimular a linguagem oral, a Dramatização espontânea com cenas do dia a dia das pessoas
Dramatizaçõ

expressão corporal, a fluência da da família e dramatização provocada, com cenas de histórias e


es

fala e o pensamento simbólico personagens

estimular a discriminação visual, cinema, teatro, museu, parque, fábrica, zoológico, biblioteca,
Passeios e

auditiva e simbólica; aquisição de etc..


visitas

vocabulário e da linguagem oral


através da reprodução oral de
fatos e cenas observadas

2.4: Fase verbal II (5/6 – 7/10 anos): Dos brotos da oralidade às folhas da
escrita.
A partir dos 5/6 anos, a criança já possui uma gama de palavras armazenadas em
sua mente, os significados lhes são mais claros e, então, inicia-se a fase chamada por
Piaget de operatório-concreto, do conhecimento sistematizado. A capacidade de seriação e
de classificação matura-se e, a partir da fase de escolarização (em torno dos 6-7 anos) a
criança alcança um nível neurológico que lhe permite a coordenação simultânea das várias
dimensões dos objetos, tais como as relações e implicaturas de altura, forma, espaço,
direção e lateralidade, além de adquirir coordenação psicomotora. Com isto, passa a
perceber, discriminar e relacionar centenas de detalhes visuais, auditivos, sinestésicos e
associá-los e combiná-los para formar estruturas cognitivas mais elaboradas ainda, como o
exercício da linguagem escrita e das operações lógico-matemáticas.

Começa a compreender o mundo de maneira mais objetiva e a ter consciência de


suas ações. Passa, também, a vivenciar, discernir e compreender regras de convivência

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social para além do seio da família e, por conseguinte, respeitar limites de comportamento
e postura mais adequados à sociedade. Parte da agitação vista anteriormente é contida
pelas recriminações (ou imposições) dos adultos e, por conseguinte, essas determinações
são assimiladas, promovendo um comportamento mais “contido”. É com esta percepção
que podemos fazer a analogia ao jogo propriamente dito como parte mais “presente” nesta
fase.

Se o jogo se difere da brincadeira por seu aspecto mais rigoroso, em que as regras
são definidas e os propósitos previamente aceitos pelos “jogadores”, perceber que o
comportamento da criança está mais condicionado, mais contido, é perceber que o
comportamento segue regras e determinações como se fora o próprio jogo, embora com
um objetivo mais difuso.

As mais variadas atividades que passam a fazer parte de seu universo, tais como a
prática esportiva, a dança, a música, o teatro, a convivência com grupos mais complexos
(os colegas de escola, por exemplo) e as tarefas escolares tornam-se atividades
indispensáveis ao desenvolvimento, que vão auxiliar substancialmente na formação global
do ser “social”.

Desde a simples prática esportiva até as brincadeiras oriundas das tradições


culturais, as crianças aprendem a desenvolver não apenas os movimentos corporais, mas,
também – e talvez mais importante para a perspectiva aqui adotada – inúmeras habilidades
cognitivas como o cálculo lógico-concreto, velocidade, equilíbrio, espaço, tempo, lógica,
etc. e, também, normas de cooperação social e ética. Entra em cena a compreensão dos
“limites”.

Nesta idade, os jogos transformam-se em construções adaptadas, que exigem


mais o trabalho efetivo e participativo no processo de ensino-aprendizagem: o sentido de
jogo-trabalho (brincar, jogar são, também, atividades de trabalho) se conceitua como algo
inerente ao ser, ao passo que a função do jogo (e da brincadeira) passa a ser encarada

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como séria e significativa, como construto do ser. Jean Piaget (1973) afirma que, pelo fato
de o jogo ser um aliado tão poderoso à aprendizagem das crianças, em todo lugar em que
se consegue transformá-lo em iniciativa de leitura ou de escrita, observa-se que as
crianças passam a encarar essas atividades apaixonadamente, abandonando a
perspectiva de serem atividades maçantes.

A imensa contribuição desta perspectiva precisa ser apreendida pelos professores


para, a partir de atividades lúdicas, em jogos e brincadeira, passar a dar ênfase ao
processo de alfabetização de forma que as crianças se interessem, sem que se sintam
coagidas a se alfabetizar. A alfabetização deve se dar com o consentimento e participação
ativa das crianças. Não se pode pensar em tornar a atividade de leitura (inicial, ainda
rudimentar) como um enfado. Ao contrário, é preciso mostrar a importância da
alfabetização inclusive para participar de jogos e brincadeiras mais complexos, nas quais a
leitura e a escrita estejam presentes. O professor precisa mostrar ao aluno detalhes de
como ler, como acessar esse novo universo, inclusive em coisas aparentemente óbvias,
mas que, na verdade, não o são para aquele que inicia o processo.

Para termos uma noção desta importância, Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1986,
p. 59), ao tratar da orientação espacial da leitura nos lembram que nada há numa página
impressa que indique por onde é preciso começar a ler, e por onde há de se seguir. Faz
falta ter-se assistido a atos de leitura – acompanhados de indicações gestuais específicas –
para poder sabê-lo. A criança segue modelos, assimila-os.

As operações com modelos concretos (a lógica concreta), também permitem que


se operem inúmeras outras capacidades operatórias como a classificação e a
representação de deferentes agrupamentos. A criança, doravante, será capaz de seriar,
classificar, localizar, situar, dividir, somar, multiplicar, sintetizar, analisar, compreender,
interpretar, inferir e combinar as diversas “coisas” que a cercam. São essas relações que
darão à criança o material bruto que será armazenado em sua memória, ou seja, as

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condições necessárias para a interiorização de conhecimentos sistematizados, como o


domínio da linguagem escrita e as operações lógico-matemáticas.

A partir deste estágio, além de desenvolver inúmeras capacidades relacionadas às


memórias de curto e longo prazo5 e ao raciocínio concreto, as crianças desenvolvem
substancialmente sua criatividade, que passa a ser intencional e com objetivos, e faz o
rompimento com as estruturas rígidas.

Continuamente esquemas são rompidos com as perguntas feitas pela criança, com
a resolução de problemas e com as novas respostas encontradas. As brincadeiras e os
jogos, sejam eles físicos, esportivos, artísticos, culturais ou educativos, aparecem sempre
sob a forma de interação social, o que implica na existência de regras. É importante
salientar que essas regras caracterizam-se como convenções conjunturais nascidas das
necessidades e das relações mútuas da sociedade, porque, nesta fase, a criança passa a
libertar-se do “egocentrismo” presente na fase anterior e passa a aumentar o coeficiente de
confiança em si mesma e no outro.

O eu expande-se para o nós por intermédio da aquisição da consciência da vida


social. O gosto pela participação na organização e prática esportiva, pela tomada de
responsabilidades na família e na escola, pelo trabalho em grupo e pela noção de utilidade
(sentir-se útil) com vistas à alcançar objetivos comuns e princípios de socialização é
indispensável à formação global da criança.

Na medida em que a criança cresce e se desenvolve, percebe mais acuradamente


as regras sociais e interativas que se constituem por intermédio das relações sociais. Estas
regras são marcantes nos jogos que participam. Cada contexto ou situação cria sua
concepção de jogo, não como um ato solitário, mas como uma espécie de acordo, de
entendimento do grupo social, com a finalidade de regular o comportamento.

5
Não nos deteremos ás particularidades de uma e de outra, neste momento, mas devemos salientar que
compreendemos como memória de curto prazo e de longo prazo como sistemas interligados que continuamente
transferem informações de um para outro.

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Essas mesmas regras, por sua vez, expressas na fala ou na interpretação dos
enunciados, denotam sempre um valor histórico-socio-cultural em que a ação lúdica se
insere. Por exemplo, as regras na brincadeira de arco e flecha, para o índio, têm um
significado, uma interpretação e uma forma de comportamento associados ao exercício da
sobrevivência, ao passo que, a mesma brincadeira, em uma sociedade letrada6, para a
qual o significado envereda por caminhos subjetivos torna-se uma emissão hipotética: a
experimentação de uma categoria cultural, a indígena, veiculada na sociedade. É, neste
último caso, que se dá o exercício de intercâmbio cultural.

Ao nos voltarmos para jogos como o xadrez e a dama, notamos que o sistema de
regras permite identificar em cada jogo uma estrutura seqüencial que especifica sua
modalidade, posto que a diferença não é posta no brinquedo como um todo. Temos uma
base comum: o tabuleiro, e um aparato adjacente, as pedras na dama, que diferem das
peças do xadrez, e as respectivas regras de funcionamento de cada um dos jogos.

Importante é lembrar que a maioria dos jogos e brincadeiras possui regras que
conduzem a uma interação eu-ele-nós, traduzidas numa linguagem dialógica, formando
uma rede de significações construídas por intermédio de palavras, frases e textos em que
há compreensão e aceitação de determinados comportamentos.

Trazemos para ilustrar o funcionamento destas regras e sua aceitação um outro


exemplo: o jogo de futebol. Nele há um compartilhamento das regras, não apenas quanto a
sua compreensão e interpretação, mas, principalmente, quanto a sua aceitação. Ao
cometer uma infração, o jogador é consciente da punição a que deve se submeter. A
aceitação da punição é ponto crucial para a manutenção do acordo e para a continuidade
do jogo.

6
Apenas tomamos este exemplo para ilustrar nosso pensamento, embora saibamos da existência de sociedades
indígenas letradas. Não vamos, porém, enveredar pelos caminhos peculiares a cada uma delas, profundamente.
Resta-nos ilustrar que ambas, aqui, assumem o caráter de oposição para dar continuidade ao nosso raciocínio.

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De uma imposição, as regras passam a figurar como um contrato para o


entendimento entre as partes, o que pressupõe que os jogadores sejam capazes de entrar
em acordo, mesmo nas divergências, realizando, com isto, o propósito inicial do jogo a
contento e perpetuando as representações da linguagem nesta prática.

A fim de estabelecermos as relações das regras do jogo com as regras de


convivência em sociedade, nem sempre tão explícitas como o são no jogo, lembramos que
o sujeito que se comunica atribui ao outro (o não-eu) uma competência de linguagem
análoga, na qual o ato da fala se transforma em uma proposição em que o eu se dirige ao
tu e aguarda uma contrapartida. A analogia sujeito-jogador e sujeito-social é, para nós,
evidente.

Nas fases anteriores do desenvolvimento humano as regras também existem e


definem os jogos e as brincadeiras, porém, nelas, a possível ausência de um
compartilhamento lingüístico e social de suas nuances torna o nível de aceitação relativo.
Por essa razão, nas brincadeiras de crianças pequenas, nas quais a predominância do eu
sobre o tu e a parca existência da concepção do nós, as brigas são freqüentes; ao passo
que nas fases posteriores, com crianças de mais idade, para quem a conscientização e
aceitação de regras para o brincar e o jogar além de tornar a atividade prazerosa e
desafiadora, torna-se um excelente meio de fortalecimento de valores sociais como a
responsabilidade, a solidariedade, o companheirismo e, por que não dizer, a própria
convivência.

Uma associação mais precisa é dada por Maingueneau:

... as regras do jogo, bem como os atos da fala são constitutivos. Quando falamos,
adotamos uma forma de comportamento intencional regido por regras. As regras
dão conta das regularidades exatamente da mesma maneira que as regras do
futebol dão conta das regularidades apresentadas em uma partida de futebol.
Estas regras pressupõem instituições que são as únicas capazes de atribuir-lhes
sentido. (Maingueneau, 1997, p. 31)

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As ações lúdicas mantêm relações profundas entre as crianças e as fazem


aprender a viver e crescer conjuntamente nas relações sociais (meio), pois o jogo, a
brincadeira e o brinquedo não são atividades isoladas da pessoa ou de um grupo de
pessoas formado ao acaso, pelo contrário, essas atividades são oriundas de uma cultura
lúdica que reflete experiências, valores e conhecimentos da própria comunidade. Sabemos,
porém, que

Não podemos treinar aquilo que está em potencial, mas devemos suscitar a
eclosão desta capacidade por meio de atividades adequadas, nas quais a criança
aperfeiçoa qualidades que já possui. (Gouveia, 1967, p. 113)

Os desenvolvimentos lingüísticos e cognitivos caminham juntos. A criança


consegue coordenar mecanismos neuro-musculares mais específicos, tendo o domínio
crescente da linguagem oral e escrita. Além do domínio da musculatura fina necessária à
escrita, desenvolve a acurada capacidade de discriminação auditiva e visual necessária à
aprendizagem da leitura e da escrita. Através de suas habilidades desenvolvidas
anteriormente, sejam sensório-motoras, lingüísticas, cognitivas ou sociais, adquire
competência para a interiorização do código escrito, ou seja, a aprendizagem da leitura e
da escrita, evidenciando competência psicolingüística.

Tabela 3: Atividades para auxiliar o desenvolvimento (6/7 – 9/10 anos)

ATIVIDADES PARA AUXILIAR O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM


ORAL E ESBOÇO DE ESCRITA DE CRIANÇAS DE 6/7 – 9/10 ANOS.

Tipologia Finalidade Modalidade

estimular a discriminação e a Brinquedos industrializados, como bonecos das histórias,


percepção auditiva, visual e robôs, objetos musicais (flauta, órgão, bumbo, violão) e
psicomotora, enfatizando o improvisados ou feitos pelas crianças como carros, trens,
Brinquedos

domínio do letramento (alfabetiza- aviões, garagens, mobílias, bichos, figuras feitas com sucata,
ção); ler e compreender instruções barro, madeira, etc; jogos de letras e palavras para o domínio
para confecção de brinquedos; do alfabeto, construção de frases com segmentação e espaço
identificar formas, esparso, entre as palavras: letras móveis, sílabas móveis, palavras
movimentos de lateralidade, móveis, de encaixe, etc...
figuras, etc...

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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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Estimular a discriminação e brincadeiras tradicionais (como visto nas fases anteriores) ,


percepção auditiva, visual, brincadeiras do processo de letramento: letras, sílabas e
psicomotora e simbólica; palavras móveis, quebra-cabeças, bingo, jogo da velha, ditado
enriquecer as habilidades mudo, diagrama, forca, cruzadinhas, adivinhações, jogos de
psicolingüísticas como a segmentação, seqüência, etc...
percepção viso-motora,
Brincadeiras

segmentação das palavras,


espaço, tempo, lateralidade,
causa, efeito, inferência concreta;
desenvolver a linguagem oral; a
aquisição de palavras, frases,
enunciados e o domínio do
letramento; promover a leitura oral,
silenciosa e compreensiva de
textos
estimular a audição e visualização Livros impressos de diferentes gêneros, livros com figuras,
outros textos

de histórias, enriquecer o histórias em quadrinhos, textos de jornais, embalagens,


Histórias e

pensamento simbólico; rótulos, receitas e informativos; DVD e CD com histórias


desenvolver a leitura silenciosa narradas e visualizadas; livro gigante, reprodução através de
compreensiva e oral de textos de pinturas, desenhos e cantinho da leitura.
sua realidade
estimular e aprimorar a linguagem Espontâneas, como cenas familiares, circo, feira, casinha,
Dramatizações

oral, a expressão corporal, o personagens da tv, etc. e provocadas, como representação de


pensamento simbólico, enriquecer papeis relativos às personagens das histórias, construção do
as habilidades psicolingüísticas cenário, teatro de fantoches com bonecos improvisados e
(espaço, tempo, causa, efeito, cartões, panos, barro, tubos, etc...
coerência, coesão, ordem,).
enriquecer o vocabulário, estimular cinema, teatro, museu, exposições, zoológico, fábricas,
Passeios e

a linguagem oral através de relatos concertos e acampamento.


visitas

orais, ampliar o nível de


vocabulário e de conhecimento

enriquecer e aprimorar a Grêmio escolar, clubinhos, trabalhos em grupo, debate,


linguagem escrita (produção simulações e regulamentos esportivos.
interativas
Sessões

textual de regulamentos),
enriquecer a linguagem oral, e o
pensamento lógico.

2.5: Fase verbal III ( 11/12 anos em diante): Raízes do conhecimento


sustentável.
A partir dos 11-12 anos de idade, os jogos caracterizam-se por atividades ainda
mais complexas do que as vistas até então. Se, por um lado, ainda mantém características
de atividades adaptativas ao equilíbrio físico (os jogos de exercício) como as práticas

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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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esportivas, por outro, são também levados para a percepção de criticidade, de criatividade
abstrata, de raciocínio lógico e, assim, fazem parte da construção do pensamento formal e
possibilitam o amadurecimento de relações sociais e também contribuem para o
surgimento de lideranças participativas.

Na terminologia piagetiana, esta fase é chamada de operações formais (lógico-


matemáticas), cujo caráter leva à conquista do novo. Os jogos intelectuais, como o quebra-
cabeça, a pesquisa, os projetos, os jogos eletrônicos mais elaborados, as aventuras e as
discussões em grupo tomam a cena e ludicamente contribuem para a formação do
indivíduo cidadão e facilitam a adequação da criança ao meio social.

Na conduta, vislumbram-se a estreita relação entre a atividade expressiva


(criativa) e a experiência científica, motivada pela curiosidade. É neste estágio do
desenvolvimento que se tornam mais evidentes a realização de grandes projetos, como se
fossem um grande jogo, movidos pela observação da realidade e pela constatação de fatos
e de experiências, cujos objetivos são mais voltados à superação de limites e à busca de
soluções. A meta é projetar, dar sentido e transformar as realidades, ou seja, transformar
objetos em significados sociais.

Estamos no início da adolescência e, conscientes de que a adolescência se dá


pela transposição da infância à fase adulta, conflitos emocionais, oscilações são fatores
muito presentes. É o momento de o adolescente recusar padrões, agir com zombarias,
fazer gozações como se tudo fosse uma grande piada. Estes comportamentos, porém,
apontam para a busca de uma identidade: a zombaria e o desafio repousam na amarga
mistura prazer e drama, o que é, nada menos do que a explicitação, a demonstração, das
oscilações interiores e dos conflitos que o jovem passa a enfrentar ao perceber o mundo
sob esta nova ótica.

Ameaçado de soçobrar no trágico, o jogo no adolescente se salva pelo humor ou


pelo desafio de si mesmo: apostas estúpidas, jogos perigosos, gosto pelo risco, uso de

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drogas, jogos eletrônicos e, mais atualmente, o uso excessivo (e possessivo) da Internet


são algumas das ferramentas utilizadas pelo adolescente para transpor este estágio, para
ascender à maturidade e, talvez, compreender, posteriormente, a tormenta da transição.

Embora os jogos não sejam a consciência social, nem moral, contribuem para
intensificar a consciência e a prática sociais. Os jogos de regras, a prática da discussão, o
exercício da prática esportiva e artística, o uso da linguagem por intermédio de práticas de
leitura e de produção de textos, as descobertas científicas, os exercícios de liderança
democrática, a participação em projetos coletivos, etc. possibilitam uma nova postura
diante da sociedade.

De um modo geral, as regras também são aprendidas de forma concreta e direta


em interação com os companheiros do grupo. Para isto, também contribuem os jogos que
tomam a acepção de um juramento de respeitar certas instruções e normas estabelecidas
feito primeiro a si, depois aos outros.

A aceitação das regras dos jogos torna-se ainda mais fácil, ou, pelo menos, mais
compreensível, haja vista que são levantadas pelos participantes e democraticamente
acatadas. Respeitar as regras é, também, não aceitar a transgressão. Nas atividades de
competição, a fiscalização dos atos é mais severa, pois as regras são exteriores ao desejo
particular e o jovem, consciente delas, as acata e agem de acordo com elas.

A questão da competição traz uma complexidade para as crianças e os


adolescentes: expostos à cultura mundial da competitividade, ficam, ao mesmo tempo,
expostos às questões éticas e antiéticas. Dizer simplesmente que jogo e competição têm
uma acepção muito próxima, pois ao se falar em jogo, lembra-se de competição e vice-
versa, não é o suficiente, para nós, é preciso que nos aprofundemos neste tema.

Huizinga (2001), ao investigar este assunto, chama a atenção para a noção de


competição como um dos elementos principais da vida social, aspecto associado à noção
de jogo desde a civilização grega. Durante todo o período de sua existência, os jogos
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helênicos permaneceram intimamente ligados à religião, caráter sagrado do “agon”, ligado


aos jogos esportivos.

O mesmo autor comenta que, no mundo helenístico, de um sentido de natureza


quase infantil, exprimindo-se em muitas variadas formas, algumas delas sérias e outras de
caráter mais natural, os jogos estavam enraizados no ritual e eram dotados de uma
capacidade criadora de cultura.

A competição e o lúdico estavam intimamente ligados a um espírito que aspirava à


honra, à nobreza, à superioridade e à beleza. Tanto a magia como o mistério, o sonho, o
heroísmo, quanto os primeiros passos da música, da escultura, da lógica eram elementos
da cultura compreendidos como nobres formas lúdicas. Neste sentido, lúdico e competição
constituíam os fundamentos da civilização: não há razão alguma para recusar a qualquer
tipo de competição o caráter do jogo (Huizinga, 2005, p. 53).

Em sua análise, a essência do jogo está contida na frase “há alguma coisa em
jogo”, posto que o que está em jogo é o êxito. O êxito dá ao jogador uma satisfação que
dura mais ou menos tempo, dependendo do caso, mas é notório que a sensação de prazer
é potencializada com a presença de espectadores. Contribui para essa sensação de prazer
a possibilidade de gabar-se do êxito, de ver reconhecida a superioridade sobre outrem.

As pessoas entram em competições para alcançarem o primeiro lugar, seja em


força ou destreza, seja em conhecimento ou riqueza. A ascensão é a palavra-chave
motivadora para a inserção do indivíduo nos jogos. As competições dão-se de diversas
formas, seja com a força corporal, ou com o uso de armas, com a razão e a inteligência ou
com punhos. A noção de ascensão, de superioridade, e o desejo do primeiro lugar são,
sem dúvida, cruciais para o seu desenvolvimento.

O que percebemos, aqui, é uma cisão entre a concepção de jogos dada


anteriormente, nas fases anteriores, e esta; que pode ser explicada pela acepção tida no
mundo grego entre as palavras agón e paidiá. Paidiá evoca sempre o aspecto infantil de
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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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maneira tão intensa que dificilmente poderia ser aplicada às competições que constituíam o
mundo social helenístico; ao passo que agón definia a competição sob uma égide diferente,
mais voltada para o que o adulto entende de jogo. É interessante que esta concepção de
competição se alterando, passando de uma noção de ritual sagrado para o sentido de
disputa, de necessidade de vencer e sobrepujar o adversário perdura até nossos dias.

Embora entre orientais, os chineses, por exemplo, a competição ainda possui uma
acepção voltada ao sagrado, de dar lugar ao outro, no ocidente, na nossa cultura, tem o
sentido de participar – embora ao se dizer que o importante é participar, tenha-se, no
fundo, a esperança de vencer (em alguns casos, mesmo valendo-se de infrações às
regras).

Nos jogos de azar, por exemplo, em que há um interesse pelo ganho material, num
primeiro momento, também vemos a inclusão de uma paixão, uma fascinação, fatos que
mantêm, em seu cerne, as características do jogo na acepção grega de agón.

Nos jogos de violência, em que se tem a arma como “brinquedo” como forma de
poder, associada ao faz-de-conta do ganho fácil, a pressão de regras de coragem imposta
pelo grupo faz com que as ações criminosas tornem-se uma grande competição dentro de
um jogo. Por isso, vemos uma quantidade enorme de adolescentes e jovens nesse tipo de
“jogo” em total oposição aos jovens que respeitam o jogo como uma forma “sagrada” de
participar. É nesse momento que se caracteriza, a partir da adolescência ,a relação entre o
jogo e a ética, o jogo e a liberdade. Para o adolescente e para o adulto, o lúdico, o jogo, a
brincadeira podem apresentar uma significação de liberação ao atingir o estágio psicológico
da consciência dos limites num processo de reciprocidade social e existencial. Essa
liberação dá-se na medida em que as pessoas passam a interagir de forma crítica e
libertadora frente a todas as situações que as oprimem e manipulam. As pessoas com
vivências e experiências sobre as regras e as ações dos limites, pelo próprio espírito crítico

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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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desenvolvido são mais aptas a perceberem as jogadas deliberadas daqueles que as


querem manipular.

Para alguns estudiosos da teoria dos jogos, o lúdico, o jogo e a brincadeira estão
estreitamente ligados ao significado e ao conceito de libertação. Só brinca quem é livre e,
assim, ser livre significa fazer-se livre em total oposição à opressão. É assim que
compreendemos que é no jogo e na brincadeira que o ser humano aprende, desde cedo, a
interagir com o outro, a respeitar as regras de conduta e do compartilhamento social,
superando o egocentrismo do “eu” para atingir a plenitude da maturação social que se dá
na relação de reciprocidade com o outro e com o mundo. Liberdade não é, portanto,
simples transgressão, ao contrário, é o exercício da sabedoria da vida em grupo.

Nesta linha de pensamento, Bally (1989) demonstra que a ludicidade é o principal


meio pelo qual o ser humano pode vivenciar e praticar a consciência da liberdade: o jogo é
o movimento de liberdade que permite ver e respeitar naturalmente os limites (Bally, 1989,
p. 11). Em sua concepção, a possibilidade do jogo deriva da margem de uma relativa
liberdade frente à participação dos movimentos entre si, com as pessoas com as quais se
relacionam os jogadores. O homem que joga, convicto de seus limites, se mostra à altura
da liberdade, assegura e proporciona tesouros e criações cada vez mais ricos e duradouros
no espaço de liberdade em que se constitui ser humano.

Paulo Freire (1985) considera o homem um sujeito de sua própria historicidade,


que se caracteriza pela liberação, ou seja, pela superação da consciência individual para a
consciência coletiva, num processo de transformação da realidade, do meio social. Isso só
será possível na prática, para aqueles que vivenciaram e aprenderam, desde cedo, os
princípios básicos de convivência e solidariedade social.

Ora, se, como aqui vimos, os atos de brincar e jogar, nas suas mais diversas
formas, são parte integrante da formação do ser humano desde o seu nascimento, se, nos
primeiros anos, este “brincar e jogar” são tidos como atividades sem regras, estas – as

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Ludicidade e desenvolvimento lingüístico: estímulos cotidianos
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regras – vão paulatinamente sendo inseridas nos jogos e brincadeiras, especialmente nos
jogos, a partir das etapas e estágios de desenvolvimento da criança que vão, com o
decorrer da vida, sendo percorridos para traçar um paralelo entre as regras do jogo e as
regras da vida.

Neste capítulo, então, procuramos demonstrar a importância do lúdico, do jogo, da


brincadeira e do brinquedo no processo de formação do ser humano e que fazem parte do
processo de construção e desenvolvimento de habilidades físicas, psicomotoras,
cognitivas, lingüísticas, sociais e éticas. Mostramos que o ser humano brinca desde o seu
nascimento e que esse brincar tem estreitas relações com o trabalho, na vida adulta.

Também levantamos os pontos que esclarecem a relação da ludicidade com o


desenvolvimento da linguagem, especialmente na fala, na leitura e na escrita. A fala, a
oralidade, além da jocosidade, apresenta mais um grau de criticidade e inconformismo. São
inúmeras as atividades que podem enriquecer a oralidade dos alunos, desde o simples
diálogo até a elaboração de textos orais complexos como os debates com confronto de
idéias.

No que concerne à leitura, é possível realizar jogos e brincadeiras que promovam


a obtenção de informações, de respostas às dúvidas com as quais os alunos se deparam e
o hábito de ler por prazer ou para buscar informações precisas a cerca dos assuntos de
interesse dos alunos e concernentes aos conteúdos escolares.

Quanto à escrita, além das possibilidades tradicionais, as atividades e jogos


promovem o interesse pela adequação da escrita à linguagem utilizada em comunicações
sustentadas pelo computador, tanto sincrônicas quanto assincrônicas. Esta é, atualmente,
uma das modalidades de maior interesse dos alunos, uma vez que o computador se
incorporou às atividades cotidianas.

Cabe aos educadores organizar atividades lúdicas adequadas para se fomentar o


interesse na adequação da linguagem oral e escrita, bem como na correta utilização da
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leitura e, assim, satisfazer as múltiplas necessidades dos alunos, provocando-lhes o


interesse pela comunicação global. Sob esta perspectiva, até mesmo atividades tidas como
maçantes, como o estudo da gramática e a leitura “oficial”, poderão tornar-se interessantes,
haja vista que a ludicidade permeará as atividades obrigatórias e, também, fornecerá
subsídios aos alunos para enxergarem o caráter prazeroso das atividades escolares.

Tabela 4: Atividades para auxiliar o desenvolvimento (11/12 anos em diante)

ATIVIDADES PARA AUXILIAR O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM


A PARTIR DOS 11/12 ANOS.

Tipologia Finalidade Modalidade

estimular a discriminação auditiva, brinquedos industrializados como bonecos, robôs,


visual, psicomotora e videogames, banco imobiliário, baralho, jogos de mesa e de
Brinquedos

psicolingüística, enfatizando o habilidades (entalhe, artesanato, mecânica, eletricidade,


processo de aquisição, modelagem, etc) aeromodelismo, bordado e mágicas.
aperfeiçoamento e adequação das
linguagens oral e escrita, com
ênfase na compreensão e
interpretação textuais.
enriquecer as habilidades Jogos tradicionais, como os elencados nas fases anteriores;
psicolingüísticas como a jogos de linguagem oral, tais como debates, fóruns, relatos de
percepção viso-motora, experimentos, aulinha, jornal falado, coral, etc; jogos de
compreensão, interpretação, linguagem escrita: bingo, quebra-cabeças, palavras cruzadas,
inferências, localização, noções de forca, diagramas, adivinhações, charadas, detetive, jornal
tempo, espaço e lugar e aspectos escolar, etc.
Jogos

de coerência e coesão; aprimorar a


linguagem oral e escrita, com
ênfase na produção textual;
aprimorar a capacidade de leitura e
escrita de textos de gêneros
variados; enriquecimento do
vocabulário
Enriquecer o imaginário; livros de gêneros variados: aventura, ficção, suspense, vida
outras leituras
Histórias e

compreender os diferentes sexual, revistas esportivas, gibis, biografias, cordel, produção


gêneros e tipos textuais; de livros e murais.
compreender e interpretar textos,
desenvolver o gosto pela leitura
estimular e aprimorar a linguagem Dramatização de textos, fantoche, mímicas e jogos
Dramatização

oral, corporal e expressiva; dramáticos.


enriquecer a criatividade e o senso
crítico.

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Passeios e Enriquecer a linguagem oral o Teatro, cinema, exposições e feiras.


excursões nível vocabular, por meio de
relatos.

Enriquecer a linguagem oral, o Grêmio escolar, clubinhos, simulações, trabalhos em grupo,


Agremiações

senso crítico, a criticidade, a regulamentos esportivos, de associações, grêmios, etc.


criatividade e a linguagem escrita
por intermédio da elaboração de
regulamentos
Enriquecer e aprimorar a bate-papo, jogos interativos, correspondências.
Internet

linguagem escrita.

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Ludicidade e ensino de Língua Portuguesa: confluências práticas
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3 – Ludicidade e ensino de Língua Portuguesa: Confluências


práticas.

Um dos aspectos fundamentais para a efetivação da aprendizagem, segundo os


Parâmetros Curriculares Nacionais, é a convivência, que constrói a identidade do sujeito:

uma das formas pelas quais a identidade se constrói é na convivência e, nesta,


pela mediação de todas as linguagens que os seres humanos usam para partilhar
significados. Destes, os mais importantes são os que carregam informações e
valores sobre as próprias pessoas. (PCN, 1999, p. 09).

Assim, para podermos fortalecer a nossa convivência com a Língua Portuguesa e


dela extrair frutos promissores para o desenvolvimento, é preciso que fortaleçamos,
também, as raízes de nosso conhecimento sobre a língua e sua utilidade prática em nosso
cotidiano. Dentre as inúmeras possibilidades de se fazer uso dos aspectos lúdicos dos
jogos e brincadeiras em prol do desenvolvimento cognitivo e social de nossos alunos,
passaremos, doravante, a ilustrar com exemplos práticos a nossa visão do lúdico no ensino
de Língua Portuguesa que, como poderemos constatar, favorecem tanto a compreensão da
língua quanto a sua utilização em situações de comunicação cotidianas, em seus mais
variados aspectos.

Por certo o estímulo encontrado no lúdico facilita a integração dos conteúdos


escolares à vida cotidiana dos alunos, sem que esta necessidade de serem transmitidos
certos conteúdos (reconhecidamente importantes para o bom desempenho do cidadão no
exercício de sua cidadania) se torne um enfado e distancie o aluno da escola. A função da
pedagogia, em nosso ver, é ser inovadora e poder fomentar o conhecimento, não afugentar
os alunos, ou seja:

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Ludicidade e ensino de Língua Portuguesa: confluências práticas
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a função da pedagogia “dos conteúdos” é dar um passo à frente no papel


transformador da escola, mas à partir de condições existentes. Assim, a condição
para que a escola sirva aos interesses populares é garantir a todos um bom
ensino, isto é, a apropriação dos conteúdos escolares que tenham ressonância na
vida dos alunos (Libaneo, 1996, p. 39)

Assim, sem abandonarmos as premissas dos Parâmetros Curriculares Nacionais e


os conteúdos necessários a cada região do país, passamos a verificar como podemos dar
ao ensino de Língua Portuguesa um caráter prazeroso e eficaz.

3.1 – Atividades para o desenvolvimento da oralidade:

O desenvolvimento da oralidade pode parecer ser desnecessário, se pensarmos


que os alunos adentram a escola com uma grande carga de conhecimento lingüístico. Uma
vez que a oralidade possibilita a organização do pensamento formal e sua exteriorização, a
escola, mesmo nas séries que antecedem o período de alfabetização propriamente dito,
necessita dar início ao processo de formalização da oralidade, para, posteriormente, dar
conta dos aspectos gramático-semânticos necessários à produção de textos bem formados,
tanto orais, quanto escritos.

Nesta seção, apresentamos algumas atividades que corroboram esta perspectiva,


como sugestão para dar início à formação da capacidade de produção textual:

Atividade 1: Quem conta um conto aumenta um ponto

O professor solicita que quatro alunos retirem-se da sala. Em seguida, conta à


classe uma pequena história relacionada com um tema planejado. Pede, em seguida, que
entre um dos alunos que permaneceu fora, e ouça a história contada por qualquer outro.
Este, após ouvir a história, deverá repeti-la a outro aluno deixado para fora e, assim,

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Ludicidade e ensino de Língua Portuguesa: confluências práticas
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sucessivamente. O último, após ouvi-la, deverá repeti-la para a classe. No final, todos
ficarão surpresos ao verificar que a mensagem estará totalmente modificada.

A regra básica a ser seguida é a de que a sala não poderá interferir na recontagem
da história e, evidentemente, os alunos excluídos da sala só poderão ouvir o relato quando
da determinação do professor.

Exemplo:

O professor escolhe quatro participantes e dá-lhes as seguintes divisas: você


será o capitão, você, o tenente, você, o sargento, e você, o cabo. Pede que o tenente, o
sargento, o cabo se retirem da sala e se coloquem num lugar onde não possam escutar a
conversa.

A seguir, dirigindo-se ao capitão, dirá em voz alta:

- Capitão! Você deve dar a seguinte ordem aos seus soldados:

“Dando-se amanhã um eclipse do sol, determino que o pelotão esteja


formado, com uniforme de campanha, no campo de exercício, onde darei explicações em
torno do raro fenômeno que não acontece todos os dias. Se, por acaso, chover, nada se
poderá ver e, neste caso, a companhia fica dentro do quartel”

Dada a explicação da ordem ao capitão, pede-se que o tenente entre na sala


e escute a ordem que o capitão lhe dará. Após ouvi-la, deverá repeti-la ao sargento, o
sargento ao cabo e o cabo a todos os presentes. Porém, para ouvir a ordem, será chamado
a entrar na sala apenas um de cada vez.

Todos ficarão surpresos no final, pois a ordem estará, certamente,


modificada.

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Atividade 2: Tribunal

Antes de dar início à atividade, é preciso que o professor esclareça aos alunos os
papéis sociais dos participantes de um plenário de júri. É salutar que, nesta apresentação,
sejam trazidos à tona alguns julgamentos ocorridos na região, para que o aluno se
familiarize com o assunto e, também, para que possa sentir a importância do júri como uma
seara de democracia na sociedade.

Feito isto, o professor deve designar ao participante um dos papéis sociais


representados no plenário, a saber: juiz, promotor (acusação), advogado (defesa), réu e
jurados, e dispô-los como em um tribunal:

Promotor Juiz
defesa
Advogados de

Jurados
Réu e/ou jurados
Testemunhas

É preciso que seja apresentada uma situação-problema, preferencialmente


presente no cotidiano da comunidade ou de âmbito e importância mais extensos, mas que
sejam relevantes, como simular o julgamento de alguém em razão da poluição de um rio.
Se for preciso, apresente os fatos e o que se sabe sobre possíveis causas ou efeitos até o
momento. Também é importante que os papéis a serem desempenhados estejam claros
para os alunos e que lhes seja dado tempo suficiente para formarem sua opinião a respeito
do caso.

Atividade 3: O que diz o povo

Para pôr em prática esta atividade, o professor deve, primeiramente, explicar o que
é um provérbio e exemplificar. Em seguida, deve pedir aos alunos que elenquem os
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provérbios que conhecem (ou solicitar como atividade que os alunos recolham com seus
familiares e amigos provérbios que lhes são familiares). Após esta etapa, o professor deve
expor aos participantes alguns provérbios e pedir-lhes (individualmente ou em grupos) que,
em outras palavras, transitam o mesmo significado, o que deverá ser feito em um tempo
limitado.

É importante salientar que, ao inserir no contexto escolar estas atividades, que se


dão de uma forma lúdica, a criança é também inserida no contexto da organização social.
Nas atividades explicitadas, as informações sobre a estrutura do plenário do júri e a
hierarquia policial não são centrais, mas fomentam o conhecimento a respeito da estrutura
destas organizações.

A criança, ao realizar a atividade, pratica sua capacidade de exteriorizar seu


pensamento de acordo com o papel proposto, num processo de cooperação com os
colegas; cooperação esta que, com efeito, é um método característico da sociedade que se
constrói pela reciprocidade dos trabalhadores e a implica, ou seja, é precisamente uma
norma racional e moral indispensável para a formação das personalidades (Piaget, 1998, p.
141). Somam-se a isto, a apropriação de vocabulário de setores específicos da sociedade.
No caso dos provérbios, a tradição popular serve de mote para a retextualização e
atualização léxica, no caso do tribunal, a apropriação do léxico judiciário é importante para
se compreender até esmo algumas notícias atuais e “partes” envolvidas em vários
acontecimentos cotidianos e, no caso do quem conta um conto aumenta um ponto, está
presente o uso do imperativo e sua implicatura como ordem.

Evidentemente, dependendo da idade da criança, quaisquer dos jogos vão se


tornando mais complexos e requerendo mais atenção e mais conhecimento, mas este tipo
de atividade contribui para a formação interior da criança, especialmente porque

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basicamente, o desenvolvimento da fala interior depende de fatores externos: o


desenvolvimento da lógica na criança, como os estudos de Piaget demonstram, é
uma função direta de sua fala socializada. O crescimento intelectual da criança
depende de seu domínio dos meios sociais do pensamento ... (Vygotsky, 1991
p.44).

3.2 - Atividades para auxiliar no processo de alfabetização:


O processo de alfabetização representa um salto na forma de compreensão do
mundo e, por isso, deve receber grande foco de atenção pelos professores e pela
Instituição Escola. Nesta perspectiva, a palavra, já velha conhecida da criança em sua
forma oral, passa a ser vista como um novo instrumento, uma nova forma de representar
realidades. Uma vez que todos os sistemas fundamentais das funções psíquicas dependem
do nível alcançado por ela [a criança] no desenvolvimento do significado da palavra
(Vygotsky, 1998, p. 75), desenvolver novos significados e aumentar seu o arcabouço léxico
escrito, posto que, na oralidade, o domínio do léxico, gramática e sintaxe já se faz presente,
é fator crucial para que a escola cumpra seu papel.

É Vygotsky (1984) quem nos lembra que os gestos, os desenhos, os brinquedos e


a escrita são vistos como momentos diferentes de um processo unificado de
desenvolvimento da escrita:

Enquanto símbolos de segunda ordem, os símbolos escritos funcionam como


designações dos símbolos verbais. A compreensão da linguagem escrita é
efetuada, primeiramente, através da linguagem falada; no entanto, gradualmente
essa via é reduzida, abreviada, e a linguagem falada desaparece como elo
intermediário ... A linguagem escrita adquire caráter de simbolismo direto,
passando a ser percebido da mesma maneira que a linguagem falada. Basta
imaginarmos as enormes transformações que ocorrem no desenvolvimento
cultural em conseqüência do domínio do processo de linguagem escrita e da

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capacidade de ler, para que nos tornemos cientes de tudo que os gênios da
humanidade criara no universo da escrita. (Vygotsky, 1984, p. 132)

E, para isto, a palavra é o primeiro passo. Fornecer formas de apreensão da


palavra e sua forma de representação ortográfica é um momento importante da formação
da criança que, como aqui defendemos, não pode ser tratado como uma técnica maçante a
ser aprendida, mas como uma parte do processo de crescimento intelectual que deve ser
apreendida.

A seguir, mostramos algumas formas de tornar esta atividade lúdica e, com isso,
mais próxima de um sucesso na sua apreensão.

Atividade 1: Dominó silábico e de palavras


Para realizar esta atividade, o professor deve montar cartões com sílabas as mais
diversas e distribui-las igualmente entre os alunos. Em seguida, faz-se um sorteio para se
saber a ordem de jogar. O primeiro jogador põe na mesa uma de suas sílabas e, a partir
daí, os outros jogadores vão, na ordem do sorteio, juntado suas sílabas, formando palavras.
Vence o jogador que formar mais palavras.

A título de ilustração, tomemos a seguinte seqüência:

MA TO CO CA TE

Suponhamos que o primeiro jogador selecione a sílaba TO, o segundo, a MA:


temos a palavra TOMA. Ponto para o segundo jogador. Um terceiro acresce a sílaba TE,
ponto para o terceiro porque formou a palavra TOMATE. Um quarto jogador, abaixo do TE,
acresce MA, ponto para este jogador por ter formado TOMA, um próximo acresce, ao lado
do MA, a sílaba CA, ponto para este pela palavra MACA, o primeiro retoma a sua vez e

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acresço CO, ponto para ele por ter formado MACACO. Teríamos, aproximadamente, o
seguinte formato:

Jogador 1 Jogador 2 Jogador 3

TO MA TE
MA CA CO
Jogador 4 Jogador 5 Jogador 1

O vencedor será aquele que conseguir formar mais palavras.

Atividade 2: Bingo ortográfico

Inicialmente, o professor deve solicitar que os alunos peguem uma folha de papel
em branco e dobre-a quatro vezes. Ao abri-la, a folha tem as marcas que formam uma
cartela de bingo, assim:

Em seguida, o professor passa a ditar palavras com dificuldades ortográficas


instruindo-os para que as escreva aleatoriamente nos “quadradinhos” de sua folha. O
próximo passo é comentar sobre as palavras ditadas anteriormente, dando seu significado
e contextualizando-a, sempre que possível, a fim de esclarecer ao aluno seu significado e
seu uso. As palavras comentadas devem ser marcadas pelos alunos.

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A regra do jogo deve ser determinada pelo professor: quem fizer quatro marcas,
seja a vertical, seja na horizontal deverá levantar a mão e, em seguida, dirigir-se à lousa e
escrever as palavras que formam a sua quadra. Todos devem ajudar na correção
ortográfica, caso seja necessário. Se não houver erro na escrita do aluno, ele será
aclamado vencedor. Caso haja erro de escrita, prossegue-se o jogo.

O jogo do bingo tem muitas variações. Uma delas é preparar o número de cartelas
conforme o número de alunos na classe e montá-las com antecedência registrando nelas
palavras que deseja que os alunos aprendam a escrever. Cada cartela deve ser diferente
uma da outra. Por exemplo:

CAIXA ENCHER LUXO CHÍCARA LUXO CHUCHÚ XUXA CHUVA CHAVE AMEIXA XODÓ CARRO
CANETA SORVETE CEBOLA OVO CANETA CASA PORTA PATO CA SA CANETA LÁPIS CHUCHÚ
ALEGRIA DENTE CASA FRANGO ALEGRIA VIVER CEBOLA AMOR BALÃO MENTE ENCHER CENOURA
VIVER PATO PORTA BALÃO BALÃO BOLA FUTEBOL PORTA FUTEBOL AMOR LUXO CEBOLA

O professor deve escrever todas as palavras que aparecem nas cartelas em


cartõezinhos e colocá-las num saquinho para serem sorteadas. No dia do jogo, distribuir as
cartelas e marcadores (grão de milho, de feijão, bolinhas de papel, etc) para os alunos.
Todos de posse do seu material, o professor dá início ao jogo, sorteando uma palavra do
saquinho, lendo-a e explicando seu significado e uso aos alunos (o que pode, também, ser
solicitado para os próprios alunos, tornando a aula ainda mais interativa). O aluno deve,
então, procurar em sua cartela a palavra e, ao encontrá-la, marcá-la. E assim,
sucessivamente. O aluno que preencher toda a cartela deverá dizer bingo. O professor
confere a cartela e aclama o vencedor se estiver tudo correto. Em caso de erro (palavra não
comentada e marcada), o professor retoma o jogo até surgir o novo vencedor.

É possível, ainda, que o professor, para considerar o aluno um vencedor, lhe peça
para que explique aos colegas uma palavra marcada, para se verificar se o que se
comentou foi, mesmo, memorizado ou apreendido pelo aluno.
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Atividade 3: A forca
Nesta atividade, o professor deve formar duplas e designar um dos integrantes
como enforcador. Este enforcador escolhe uma palavra e, em uma folha de papel, escreve
a letra inicial e marca tantos tracinhos quantas forem as letras que a compõem. Seu par, o
jogador, deverá dizer, aleatoriamente, as letras do alfabeto para serem postas nos seus
respectivos lugares acima dos tracinhos, se elas constarem da palavra escolhida. Caso a
letra escolhida não conste da palavra, o enforcador deverá desenhar uma parte do corpo
humano e “pendurar” na forca que desenhou ao lado dos tracinhos. Feito o corpo (resultado
das letras erradas escolhidas pelo jogador) e, ainda assim, a palavra não tiver sido
descoberta, o jogador é “enforcado” e perde o jogo.

Para aumentar a interação do jogo, o enforcado deverá pagar uma prenda imposta
pelo enforcador. Se, ao contrário, antes de se formar totalmente a palavra o jogador a
descobrir, será o enforcador quem deverá pagar uma prenda. É importante que o
significado da palavra escolhida seja esclarecido.

O professor, nesta atividade, pode também dividir a sala em dois e formar dois
times que efetuarão a mesma atividade. Desta forma, produz uma interação maior com o
grupo.

É salutar lembrar que, no caso de estudos de campos semânticos, esta atividade


contribui para a assimilação não apenas da palavra, mas também para a compreensão de
categorização, como, por exemplo, se o professor definir que as palavras devem ser
legumes ou animais, ou sentimentos etc.

Outro aspecto que pode ser exigido é que as crianças devem, primeiro, descobrir
as vogais, depois as consoantes ou, ainda, que sejam exploradas palavras com maior grau
de dificuldade ortográfica, como ch, x, lh, ç etc.

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3.3 – Atividades para o desenvolvimento da leitura:

A compreensão leitora tem sido um dos temas mais abordados nos manuais de
ensino de Língua Portuguesa. Sua valorização se dá, inclusive, na predominância que
ocupa nos preceitos dos PCN, dão diretrizes as mais diversas para que, por meio dela, a
linguagem escrita seja depreendida pelos alunos e valorizada pela escola. Na concepção
do que seja a leitura, a decodificação de símbolos e signos lingüísticos impressos é crucial.
Neste sentido, Wallon (1979), nos lembra que é verdade que a linguagem é feita de
símbolos, mas os símbolos são, em certo sentido, o que há de mais real nas coisas, visto
que lhes formulam as razões de existência (Wallon, 1979 p. 199). Assim, fomentar a
capacidade leitora é essencial á formação do cidadão falante de português, assim como o é
à formação de qualquer cidadão do mundo.

Ensinar a depreender o código escrito, este sistema particular de símbolos e signos


cuja dominação prenuncia um ponto crítico em todo o desenvolvimento cultural da criança
(Vygotsky, 1984, p. 120) não é tarefa fácil, mas pode tornar-se mais produtiva e
interessante à criança, se realizada de maneira lúdica. No intuito facilitar fornecer ao
professor ferramentas que estimulem a leitura, por intermédio da educação lúdica,
apresentamos algumas atividades:

Atividade 1: Telejornal
Para realizar esta atividade, os alunos devem ser distribuídos em equipes. Cada
equipe deve receber uma reportagem a ser lida e discutida. A respeito desta atividade, a
equipe deverá produzir um novo texto, que deverá ser expresso em forma de noticiário de
televisão, mantendo o assunto tratado e as informações relevantes para o seu
entendimento.

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Elaborados os textos, em cada grupo, dois alunos são escolhidos para serem os
âncoras e, então, apresentar a matéria aos colegas da sala (incluindo os outros grupos).

É interessante, para a realização dessa atividade, que o professor, no momento da


apresentação, disponha as carteiras como se verifica nos noticiários, duas carteiras fazem
a vez da vez da bancada à frente da sala, enquanto os demais alunos são a platéia. Assim,
sucessivamente, o “ancoras” de cada um dos grupos vão tomando suas posições e
apresentando suas matérias, preferencialmente com um complementando a fala do outro.

Além das inúmeras vantagens desta atividade para o ensino de Língua


Portuguesa, posto que contempla a leitura, a escrita e a oratória, a adequação e o uso
correto do idioma, ela também contribui para o ensino de conteúdo das outras matérias, o
que se dá pela seleção dos textos.

Atividade 2: Caça ao tesouro


O professor deve selecionar dois textos de assuntos distintos, recortá-los em partes
(preferencialmente separando seus parágrafos) e escondê-las. Em seguida, deve dividir a
sala em dois grupos de caçadores e fornecer-lhes pistas para que encontrem as partes dos
textos. Os alunos, então, passam a seguir suas pistas e, ao encontrarem as partes, devem
juntá-las para formar o texto e, ainda em equipe, lê-lo e discuti-lo. Caso uma equipe
encontre partes do texto da outra equipe, devem negociar a sua troca.

Terminada a leitura do texto, as equipes devem contar ao adversário o que consta


de seu texto. Uma outra possibilidade para esta atividade é solicitar que os alunos leiam o
texto e, e seguida, abrir para uma discussão geral sobre o assunto. Caso haja palavras
desconhecidas, o grupo deve “adivinhar” seu significado e, não havendo uma resposta
condizente, o professor pode esclarecer.

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Para as crianças em fase de alfabetização, a mesma atividade pode ser realizada


com palavras, recortando-se suas sílabas e seguindo a mesma estratégia. Neste caso, a
brincadeira pode ser utilizada como motivação para introduzir um texto ou o estudo de
palavras temas no processo de sistematização da leitura (ou da escrita).

Atividade 3: Palavra pista


O professor deve programar uma atividade de leitura, selecionando o texto ou livro
que irá se valer. Escolhe, então, algumas palavras deste texto ou livro e oferece aos alunos
pistas, sem dizê-las, valendo-se de sinônimos ou outra forma de indicá-las, para que as
descubram. Por exemplo, caso escolha a palavra Brasil, deve dar pistas como “pátria”,
“país da América Latina”, “Ordem e progresso” etc. Assim que os alunos descobrirem a
palavra, passa-se a outra selecionada e assim por diante.

Para emprestar uma organização á atividade, os alunos não poderão dizer as


palavras sem que levantem a mão e sejam indicados pelo professor para fazê-lo.

É importante que a seleção das palavras não seja aleatória. O professor deverá
apresentar pistas para que o aluno encontre no texto elementos importantes para a sua
compreensão, como características das personagens, foco narrativo e marcadores
temporais, espaciais, etc.

3.4 Atividades para o desenvolvimento da escrita:


Ao tratarmos da escrita, devemos, primeiramente, termos em mente que

A escrita deve ter significado para a criança ... uma necessidade intrínseca deve
ser despertada nela e a escrita deve ser incorporada como uma tarefa necessária
e relevante à vida. Só então poderemos estar certos de que ela se desenvolverá
não como hábitos de mão e dedos, mas como uma forma nova e complexa de
linguagem (Vygotsky, 1994, p. 156)

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Precisamos, também, estar conscientes de que a linguagem escrita é um dos mais


bem elaborados instrumentos culturais elaborados pelo homem, cuja importância para o
desenvolvimento do próprio homem em sociedade é crucial. Na criança, portanto, a
linguagem escrita é vista como um sistema particular de símbolos e signos cuja dominação
prenuncia um ponto crítico em todo o desenvolvimento cultural (Vygotsky, 1984, p. 120) que
vai permitir-lhe fazer uso da língua materna como uma ferramenta de ascensão sócio-
cultural.

O domínio da escrita em Língua Portuguesa, portanto, é para a criança uma forma


de ascender na sociedade brasileira e, como tal, deve receber a especial atenção que
merece. Assim propomos algumas atividades lúdicas para que esta apropriação se torne
prazerosa e, com isto, melhor apreendida.

Atividade 1: Pop letras


O professor pede que o jogador trace no caderno ou numa folha 25 quadrados, tal
como indicado na figura abaixo:

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O professor deve esclarecer aos alunos que, com o quadro, deverão formar
palavras, a partir das letras ditadas e que devem ser escritas aleatoriamente nos
quadrinhos. Para efetivamente dar início à atividade, um aluno dita uma letra e os demais
escrevem-na em quaisquer dos quadrinhos. Em seguida, outro aluno dita outra letra para
que os demais escrevam em um dos quadros e, assim, sucessivamente. Após os 25
quadrados serem preenchidos, os alunos farão a contagem dos pontos para cada palavra
formada, sabendo-se que cada letra das palavras formadas vale 2 pontos e que elas podem
ser encontradas na vertical, na horizontal ou na diagonal. O vencedor é aquele que contar
maior pontuação. Veja o Exemplo:

L E T R A
O A M A M
C A T R O
A B R I R
L E N T A

No diagrama, temos: letra (10 pontos), mamão (10 pontos), latia (10 pontos), abrir
(10 pontos), tirar (10 pontos), amora (10 pontos) e lenta (10 pontos), perfazendo um total de
70 pontos.

Como atividade complementar, os alunos deverão formar sentenças completas e


significativas com as palavras encontradas e, nas séries mais avançadas, os alunos podem
fazer uma redação que contemple todas as palavras por ele formadas no quadro.

Dependendo do interesse do professor em auxiliar no entendimento da Língua


Portuguesa, ele pode delimitar as palavras a serem contadas como ponto de acordo com

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sua categoria gramatical (só valem verbos ou substantivos ou adjetivos etc.) e, também,
acrescer graus de dificuldades às sentenças a serem formadas como, por exemplo, solicitar
que, para a sentença ser considerada válida, ela deverá contemplar duas palavras
encontradas, etc.

Pode-se, ainda acrescer regras para a contagem dos pontos, como, por exemplo,
as palavras com cinco letras terem valor de 10 pontos cada e as menores que isto, apenas
cinco pontos, etc.

Com isto, além de fomentar a criatividade da criança, o professor estabelece regras


e valores, que serão, por certo assimilados e levados para outras searas do conhecimento
do aluno tanto na escola, quanto na sua vida em sociedade.

Atividade 2: Cantigas populares

As cantigas populares, poemas cantados que fazem parte das tradições brasileiras,
são de grande importância para conscientizar a criança de aspectos de rima, de retomadas,
de inversões, de estrutura de versos etc. e, para os professores de língua portuguesa, são
uma ferramenta de ensino que facilitam o trabalho com as crianças, especialmente pela sua
boa aceitação com os menores.

As cantigas de roda, então, servem para auxiliar no trabalho com o


desenvolvimento da oralidade, da leitura e da escrita. Como neste momento pretendemos
priorizar os aspectos da escrita, o processo deve considerar a escrita das cantigas, como
estratégia de aproximação da criança, o que pode ser feito ou antes da atividade (mais
indicado para que a criança tenha “domínio total” do que deverá fazer durante a atividade)
ou posterior a sua realização. Neste último caso, as brincadeiras envolvendo as cantigas e
versos, servem como estímulo ao aluno para dar conta da sua escrita.

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Como exemplos do uso destes recursos podemos elencar:

a) Você gosta de mim?

Forma-se um círculo. Um dos alunos fica no centro, os demais cantam:

Você gosta de mim, ô “fulano”? (nome da criança que está no meio da roda).

Eu também de você, ô “fulano”

Vou pedir a seu pai, ô “fulano”

Para casar com você, ô “fulano”

Se ele disser que sim, ô “fulano”

Tratarei dos papéis, ô “fulano”

Se ele disser que não, ô “fulano”

Morrerei de paixão, ô “fulano”

Em seguida, a turma canta os versos a seguir, enquanto batem palmas e os pés no


chão:

Palma, palma, palma, ô “fulano”

Pé, pé, pé, ô “fulano”

Roda, roda, roda, ô “fulano”

A criança que está no meio do círculo deve ficar girando e, ao término da música,
deve abraçar uma das crianças do círculo. Esta se dirigirá ao centro, para que a brincadeira
reinicie.

b) A canoa virou

Depois de formar uma roda, as crianças cantam os versos abaixo:

A canoa virou

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Pois a deixar virar

Foi por causa de “fulano” (nome de uma das crianças)

Que não soube remar

Ah! Se eu fosse um peixinho

E soubesse nadar

Eu tirava “fulano”

Lá do fundo do mar

Ao ouvir seu nome, a criança deve virar-se de costas para o centro do círculo. A
atividade continua até que todas as crianças estejam nesta posição.

c) Ladainhas para pular corda

O professor deve reunir grupos de quatro ou mais alunos e, enquanto duas crianças
batem a corda, uma das demais deve entrar, pular corda, recitar o verso abaixo e chamar o
nome da próxima criança a pular corda:

Subi na roseira

Quebrei um galho

Segure-me, ________________(nome de uma criança)

Senão eu caio

Ai, ai (criança que salta)

Que tem? (grupo)

Saudades (criança que salta)

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De quem? (grupo)

Do cravo, da rosa, da malva cheirosa, da _________bonita do meu coração (criança


que salta).7

d) Ciranda, cirandinha

Faz-se uma roda com as crianças de mãos dadas. Enquanto rodam, cantam, por
exemplo:

Ciranda, cirandinha,

Vamos todos cirandar

Vamos dar a meia volta

Volta e meia vamos dar

O anel que tu me deste

Era vidro e se quebrou

O amor que tu me tinhas

Erra pouco e se acabou

Por isso Dona...(fulana)

Faz favor de entrar na roda

Diga um verso bem bonito

7
Fonte: Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas.
Atividades para o Ciclo Básico, 1983.

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Diga adeus e vá-se embora.

Neste último verso, a criança chamada vai ao centro da roda, recita um verso e volta
para seu lugar. A brincadeira se repete enquanto houver interesse.

Atividade 3: Uma história de amor

Para a realização desta atividade, numa folha em branco, os alunos devem


escrever, na ordem apresentada, as seguintes indicações:

a) um nome (masculino ou feminino),

b) um lugar distante,

c) uma idade qualquer,

d) um espaço determinado de tempo (uma semana, um mês etc.)

e) um desejo,

f) um número,

g) sim ou não,

h) uma cor qualquer,

i) uma medida qualquer, expressa em números,

j) um hábito,

k) um quantia em dinheiro,

l) uma virtude,

m) uma canção e

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n) o nome de uma cidade.

Concluída esta etapa, o professor começará a fazer as seguintes perguntas:

a) Qual o nome do seu noivo (a)?

b) Onde se encontraram pela primeira vez?

c) Que idade tem ele? (ela)

d) Quanto tempo namoraram?

e) Qual é o seu principal desejo?

f) Quantas declarações de amor recebeu?

g) É bonito (a) e inteligente?

h) Qual a cor de seus olhos?

i) Que número de sapato calça?

j) Qual é o seu pior defeito?

k) Quanto dinheiro tem para gastar?

l) Qual é a sua virtude?

m) Que canção gostaria de escutar no seu casamento?

n) Em que lugar vai passar a lua-de-mel?

A lista de perguntas pode ser modificada, de acordo com os participantes e pode


ser adaptada às situações pedagógicas.

A função desta a atividade é fornecer ao alunado um estímulo para a produção de


uma redação sobre o tema abordado. Neste caso, cada aluno produzirá uma redação.
Pode-se variá-la fazendo a atividade em duplas e, também, pedir para a dupla produzir sua
redação. Em ambos os casos, como atividade complementar é interessante solicitar que

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cada aluno leia a sua produção para a turma, o que deverá produzir uma aula bastante
prazerosa em razão da comicidade de algumas redações.

É, também, possível utilizar-se deste formato, de perguntas fechadas, para se


construir vários outros textos, cujos assuntos sejam de interesse para o aprendizado da
língua e sua estrutura.

Concomitantemente, o professor deve apresentar a seqüência textual a ser


utilizada (narrativa, descritiva, dialogal, injuntiva etc.) ou o gênero textual, o que acresce
dificuldade à produção e, ainda, oferece mais dados sobre a construção de textos
diversos.

Também é possível, após a construção do primeiro texto e partilha com os


colegas, solicitar a alteração do gênero de apresentação. Neste caso, o professor deve
conscientizar o aluno dos respectivos gêneros solicitados e seu uso em contextos
comunicativos.

3.5 – Atividades gerais para o desenvolvimento da comunicação e expressão


em Língua Portuguesa:

Ao ensinar Língua Portuguesa, o professor não está preso ás concepções de


norma e uso da língua. Estes são seus pontos centrais, mas a gama de outros
ensinamentos que ensinar norma e uso requer também devem ser contemplados para que
os sentidos, os significados, sejam devidamente apreendidos e, evidentemente, passíveis
de sofrerem as modificações pertinentes aos indivíduos aprendentes.

Muito preocupado com o processo de formação educativa das crianças, Vygotsky


(2001) nos lembra que

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São precisamente as reações emocionais que devem constituir a base do


processo educativo. Antes de comunicar este ou aquele sentido, o mestre deve
suscitar a respectiva emoção do aluno e preocupar-se com que essa emoção
esteja ligada a um novo conhecimento. Todo o resto é saber morto, que extermina
qualquer relação viva com o mundo (Vygotsky, 2001, p. 144)

Por isso, nesta seção, enumeramos algumas atividades que dão subsídios para
aumentar a capacidade da criança de relacionar-se com o mundo, de emprestar
significados aos mais variados signos e símbolos a que estão, diariamente, submetidas e,
para cada atividade, sugerimos uma abordagem possível para o ensino de Língua
Portuguesa, sempre nos lembrando de que a relação pedagógica estabelecida por meio da
língua transcende a compreensão de seus aspectos normativos e de uso no processo
comunicativo com o outro e adentra aos processos cognitivos interiores da criança e lhe dá
subsídios para compreender o universo.

Atividade 1: mudo
O professor deve dividir a sala em grupos, cujo número de integrantes depende do
número de alunos em sala, e três palavras a serem “teatralizadas”. Em seguida, dentro de
um prazo estipulado, o grupo deve apresentar-se para os demais, sem que qualquer
palavra seja pronunciada. É dado um tempo para que os alunos escrevam a palavra
representada e, a seguir, o professor pede para que alguns alunos escrevam suas palavras
na lousa.

O grupo apresentante aponta a palavra correta e, caso haja problemas ortográficos,


o professor informa aos alunos, corrigindo-os.

Em seguida, a próxima palavra é apresentada teatralmente, prosseguindo-se até


que todas sejam descobertas e devidamente trabalhadas em seu aspecto ortográfico e
semântico.

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Como atividade complementar, o professor pode abrir uma discussão com o


grupo sobre o desempenho dos “atores” e, também, solicitar atividades de produção
textual com o vocabulário explorado, de busca ao dicionário para trabalhar os aspectos
semânticos etc.

É importante salientar que o professor deve adequar a atividade à capacidade e ao


nível dos alunos, escolhendo palavras relevantes para o seu desenvolvimento.

Esta atividade serve, também, como âncora para se dar início ao trabalho com
temas específicos do programa de aulas e do projeto pedagógico da escola.

Atividade 2: As raposinhas
Realizada em rodadas, esta atividade necessita de um líder (uma criança para
cada rodada) e as raposinhas (os demais alunos). O líder deve ditar algumas ordens aos
alunos, como “corram até os degraus de pedra”, “saltem até a árvore” etc. Logo que as
raposinhas chegam ao local determinado, o líder deve dar outra ordem, não excedendo a
quatro. Findo o “reinado” do líder, este deve ser substituído por outra criança, que
procederá da mesma forma.

Embora esta atividade não ofereça, como foco principal, ênfase na língua
portuguesa, é importante salientar a sua importância para a formação social dos alunos
que, com ela, aprendem a obedecer e dar ordens, além da motivação em atingir metas, que
pode dar-se escolhendo como o próximo líder aquele que primeiro cumprir a tarefa. Neste
caso, é salutar que cada líder de apenas uma ordem.

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Atividade 3: Vamos ser


A fim de aumentar o nível de compreensão dos alunos, concomitantemente com o
arsenal léxico dominado, o professor deve ser, em sua prática cotidiana, muito preciso ao
descrever objetos e acontecimentos nas conversas com os alunos ou quando dá um
comando, ou seja, o que diz deve ser compreendido pelos alunos, com um mínimo de
possibilidade erro. Desta forma, os alunos escrutam e imitam a linguagem descritiva
utilizada. Assim, em lugar de dizer “Isto fica ali”, deve preferir “Este casaco fica no fundo da
sala, pendurado no cabide, junto com os outros casacos”.

Além disso, para aumentar a capacidade descritiva dos alunos, pode, ainda com a
perspectiva de escolha de um líder, na sua vez, cada líder deve descrever alguém ou algum
objeto para os outros “fingirem ser” como, por exemplo “Vamos ser uma pessoa que está
carregando um saco”, “vamos ser um cachorro latindo” etc.

Atividade 4: Concurso de piadas


O concurso de piadas poderá ser realizado de várias maneiras. O professor poderá
entregar, por escrito, piadinhas, solicitar que leiam e recontem; ou solicitar que pesquisem
piadas referentes a alguns temas: bicho, crianças, caipira, bêbados e depois recontem.
Pode escolher com os alunos os melhores contadores de piadas. Por exemplo:

a) Bicho preguiça:

Os bichos resolveram fazer uma festa no céu.

Assim que o baile começou, descobriram que estava faltando a guitarra.


Imediatamente o rei Leão, que era o responsável pelas músicas, virou-se para o
bicho-preguiça e ordenou.

- Bicho-preguiça! Vá buscar a guitarra lá na Terra.

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Língua Portuguesa e Ludicidade: ensinar brincando não é brincar de ensinar
Ludicidade e ensino de Língua Portuguesa: confluências práticas
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Uma semana se passou e nada do bicho voltar com a guitarra. Furiosos, os


animais se reuniram e foram reclamar com o Leão.

- Isso já é demais! Que falta de consideração! – dizia um.

- O bicho preguiça é um vagabundo – rosnava outro.

- Ele não tem caráter – afirmava um terceiro.

E estavam nessa discussão quando, de repente, a porta se abre e surge o bicho


preguiça, com ar de tristeza!

- Ó, se vocês continuarem falando mal de mim, eu não vou mais, hein!

b) Laranja:

Menino sapeca vendia suas laranjas na rua e gritava:

- Olha a laranja! Olhe a laranja!

Ao escutar isso, chega um distinto senhor e pergunta:

- É doce?

E o menino:

- Se fosse doce, eu gritava: “olha o doce, olha o doce!”.

Nesta atividade, a variedade de possibilidades de exploração da língua portuguesa


é imensa. Por exemplo, para se tratar da produção de texto, pode-se pedir que os alunos
peçam aos pais que contem as piadas enquanto eles as escrevem. Para as questões de
leitura, pode-se reunir os alunos em duplas e, trocando-se as piadas, cada qual lê a do
outro. Para as questões de produção oral, pode-se pedir que os alunos leiam as piadas dos

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Ludicidade e ensino de Língua Portuguesa: confluências práticas
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colegas (ou as suas) para a sala, dramatizando-a ou com entonação vocal ou com
associação de postura (gestos) e entonação.

Atividade 5: Pedra, papel, tesoura


Inventado na China, este jogo conta com duas pessoas que ficam uma de frete
para a outra. Ambas fecham uma de suas mãos e, de pois de falar “pedra, papel, tesoura”,
abem-na em uma das três posições:

a) aberta, para papel;

b) fechada, para pedra; e

c) com dois dedos estendidos, para tesoura.

O ganhador dar-se-á segundo os seguintes critérios:

a) a pedra ganha da tesoura, quebrando-a.

b) a tesoura ganha do papel, cortando-o.

c) o papel ganha da pedra, enrolando-a.

d) o empate dar-se-á se ambos os jogadores fizerem o mesmo gesto.

Basicamente uma atividade recreativa, pedra, papel, tesoura pode ser utilizado
como mote para discussões acerca das relações de força e de importância dos mais
variados temas. Por um processo associativo, o professor pode solicitar seqüências de
“coisas” cuja função (ou força) sobrepuja outras e trabalhar questões como, por exemplo,
valores funções sociais (o policial, prende o bandido; o filho obedece aos pais etc) e força e
função dos elementos químicos (o ferro entorta o cobre; o ácido destrói o ferro etc.).

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Língua Portuguesa e Ludicidade: ensinar brincando não é brincar de ensinar
Ludicidade e ensino de Língua Portuguesa: confluências práticas
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Atividade 6: Pinga-fogo

O professor determina uma questão a ser debatida e, então, sorteia três ou quatro
alunos para defendê-la. Os demais argumentarão contra o tema proposto. Os alunos
devem falar um de cada vez e, depois de um tempo de discussão, o professor inverte as
funções: aqueles que atacaram vão à berlinda defender a questão, aqueles que estava na
berlinda voltam para seus lugares e poderão, então, atacar. Como regra geral, os alunos
não devem interferir quando o companheiro estiver argumentando.

Com esta atividade, fornecemos aos alunos a perspectiva de ver os dois lados de
uma mesma questão e, com isto, damos início a sua capacidade de produzir textos
argumentativos. É importante salientar que, sendo já possível que os alunos efetivamente
produzam, por escrito, o que debatem, pedir para fazê-lo enriquece a atividade
sobremaneira. Ademais, é possível utilizar-se esta atividade como elemento primeiro de
uma discussão a respeito de assuntos polêmicos da sociedade em geral e da comunidade
dos alunos, em particular, o que é, sem sombra de dúvidas, um elemento importante do
currículo não apenas de língua portuguesa, mas de toda e qualquer matéria escolar.

É importante relembrar que os procedimentos elencados acima servem de base


para a estruturação de aulas lúdicas com finalidades específicas, porém são realizáveis
para enfatizar diversos aspectos necessários ao desenvolvimento da criança em fase
escolar. A ênfase dada aqui, ao estabelecermos este ou aquele objetivo, é uma forma de
organizar didaticamente o arsenal de possibilidades que cada atividade consigo traz.

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Língua Portuguesa e Ludicidade: ensinar brincando não é brincar de ensinar
Aprender não é brincadeira. Ou é?
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Aprender não é brincadeira. Ou é?

... se exige muito de quem nos assiste pensar: que tenha coração grande,
amor, carinho e a experiência de também se ter dado ao pensar.
Exige-se tanto de quem ouve as palavras e o silêncio.
Como hobby , apresenta a vantagem de ser
por excelência transportável.
Mas devo avisar. Às vezes começa-se a brincar,
e eis que inesperadamente o brinquedo
começa a brincar conosco. Não é bom.
É apenas frutífero.
Clarice Lispector

Já há algum tempo se pensa na importância que tem, para os serem humanos, o


prazer em realizar as atividades cotidianas. Desde há muito a psicologia vem estudando os
benefícios de se poder conciliar o prazer de se fazer algo com a necessidade de se fazer
este algo. Temos visto muitas atividades serem modificadas em função da importância que
o ser humano dá à sua satisfação pessoal, que ele traz para o seu trabalho, para as suas
atividades de responsabilidade social. Está aí uma primeira amostra da importância do
lúdico na vida prática, no cotidiano, nas responsabilidades.

Quando nos voltamos para o ensino, para a escola, percebemos que, de certa
maneira, algumas atividades que poderiam ser feitas com prazer são, na verdade, impostas
aos alunos, sem que estes, efetivamente, se interessem por elas. Isto se dá não por seu
conteúdo específico, por seu grau de complexidade, mas pela forma de sua apresentação.
É a apresentação dos conteúdos escolares que afugenta os alunos, o que acaba por
contribuir para uma imagem negativa da escola. Não podemos mais permitir que isto
aconteça. É preciso enxergar as crianças em fase escolar de uma forma tridimensional:

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Aprender não é brincadeira. Ou é?
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para podermos estabelecer os parâmetros educativos da criança de hoje,


precisamos enxergá-la em três dimensões: a corporal, a afetiva e a cognitiva, que
devem desenvolver-se simultânea e concomitantemente. Se, porém, uma estiver
sendo desenvolvida em detrimento de outra, certamente esse equilíbrio acarretará
desorganização do indivíduo, em sua dimensão global. (Lopes, 1999: 19).

Ao nos voltarmos para o ensino de Língua Portuguesa, percebemos que a


utilização de estratégias de memorização e de formulação de regras para se compreender
o funcionamento da língua se dá de forma fragmentada, sem a devida contextualização dos
conteúdos aos interesses e práticas cotidianas dos alunos. Ensinamos a gramática
normativa, a nomenclatura pertinente, sentenças isoladas e, parcamente, produções
textuais acerca de assuntos pouco relevantes para a vida prática. Nas questões referentes
à leitura, a adoção de textos fora do contexto dos alunos força-os a uma abstração de algo
a partir do vácuo, da mera necessidade conteudística e, não obstante, sem que atividades
de introdução ao tema ou motivação para a sua apreensão sejam consideradas. Desde as
séries iniciais, é preciso considerar que o acúmulo de conhecimentos dos alunos deve ser
a base de sustentação de novos conhecimentos.

Assim, as concepções de Piaget a respeito do desenvolvimento da criança


colaboram para que entendamos a relevância de ser observar o aspecto cronológico do
desenvolvimento, que, se não é fator único para se entender os estágios de
desenvolvimento da criança de que trata o autor, contribui para a compreensão de que o
progresso é paulatino e está em consonância com a idéia desses estágios, que se dão,
mais ou menos, de acordo com o crescimento físico, biológico. As variações encontradas
no desenvolvimento são, portanto, passíveis de serem compreendidas sob a ótica da
necessidade de se ter assimilado um estágio do desenvolvimento, para que outro possa
iniciar. E assim, sucessivamente.

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Aprender não é brincadeira. Ou é?
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Entendidas as premissas piagetianas, é preciso também compreender a


importância do lúdico para o desenvolvimento, especialmente em sua presença nos jogos
que produzem uma excitação mental agradável e exercem uma influência altamente
fortificante (Huizinga, apud Antunes, 1998, p. 46) não apenas para a formação inicial da
criança, mas para toda a vida do ser humano que vive em sociedade. O jogo está presente
nas mais variadas atividades desenvolvidas ao longo da vida, sendo confrontado como um
dos aspectos formadores da responsabilidade e da seriedade imprescindíveis à vida adulta,
pois

em nosso cotidiano utilizamos várias formas de jogo: o dos sentidos, em que a


curiosidade nos leva ao conhecimento; os jogos corporais expressos na dança,
nas cerimônias e rituais de certos povos; o jogo das cores e dos sons, presente na
arte dos imortais; o jogo do olhar. Enfim, ele está aí, fazendo parte de nossas
vidas. A intensidade do jogo é tão grande que nenhuma ciência conseguiu explicar
a fascinação que ele exerce sobre as pessoas. (Martins, 2001, p. 01)

São os jogos que fornecem as primeiras noções de regras, de metas a serem


atingidas, de obrigações e de “legislação”, haja vista que, a cada jogo que se pratica, se
observam regras distintas para realização do intento de ganhar (ou perder). Vão de
encontro, então, com a criação de representações na mente, de construção de um sistema
simbólico de significações que representam uma realidade.

Rizzo (1996) afirma que os jogos constituem um poderoso recurso de estimulação


do desenvolvimento integral do educando. Eles desenvolvem a atenção, disciplina,
autocontrole, respeito as regras e habilidades perceptivas e motoras relativas a cada tipo
de jogo oferecido (Rizzo, 1996, p. 48). Que maneira mais profícua haveria, então, de
abordar os conteúdos escolares e trazer aos alunos a possibilidade de compreenderem
não apenas os conteúdos, mas as suas relações no mundo fora da escola? Aderir ao jogo

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Aprender não é brincadeira. Ou é?
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como ferramenta de formação do aluno é uma das responsabilidades dos professores,


mesmo porque

Os jogos podem ser trabalhados de forma individual ou coletiva, sempre com a


presença do educador para estimular todo o processo, observar e avaliar o nível
de desenvolvimento dos educandos e diagnosticar as dificuldades individuais para
poder produzir estímulos adequados a cada um. ‘Não há momentos próprios para
desenvolver a inteligência (...) sempre é possível progredir e aperfeiçoar-se. Os
jogos devem estar presentes todos os dias na sala de aula’. (Rizzo, 1996, p. 48)

O ensino de Língua Portuguesa é, também, permeado de significações que,


precisam ser exploradas por intermédio de jogos e brincadeiras, ou seja, ludicamente. É
necessário, ainda, transcender a compreensão de suas regras e passar a fornecer os
parâmetros para a compreensão de sua função no seio da sociedade, entendendo a sua
funcionalidade como um processo cíclico de assimilação de saberes que se interligam,
numa rede de conhecimento e capacidade de uso deste conhecimento. Não estamos mais
falando de instrução ou de informação, estamos falando de construção de saber, de
partilha, de troca e de fomento, porque a educação lúdica não é enciclopédica apenas, ao
contrário, a educação pela via da ludicidade propõe-se a uma nova postura existencial cujo
paradigma é um novo sistema de aprender brincando inspirado numa concepção de
educação para além da instrução (Santos, 2001, p. 53).

Neste aspecto, ao tratar da língua escrita, Vygotsky diz que

é importante mencionar a língua escrita como um sistema simbólico de


representação da realidade. Também contribui para esse processo o
desenvolvimento dos gestos, dos desenhos e do brinquedo simbólico, pois essas
são também atividades de caráter representativo, isto é, utilizam-se de signos
para representar significados. (Vygotsky, 2000, p. 101)

Por isso, defendemos o uso de brinquedos como aparato auxiliar na educação


formal de nossos alunos. Com a utilização de brinquedos em sala de aula, de atividades
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lúdicas na construção do conhecimento, podemos enfrentar as diversidades e


adversidades do ensino e fornecer às crianças motivações de acordo com o seu interesse
em confluência com a cultura da sociedade em que vivem nos seus mais diversos
aspectos:

As crianças vivem de modo diverso conforme a época, a cultura e a classe social.


Elas não são excluídas, mas o lugar delas é construído de modo diferente, de
acordo com o lugar e o momento. A sociologia da criança, jovem disciplina em
pleno desenvolvimento, mostra o quanto a infância varia segundo os contextos, o
quanto ela deriva, não de uma essência intemporal, mas de uma construção
social, tanto no nível das representações quanto no das condições reais de vida.
O brinquedo é antes de tudo uma relação entre o mundo do adulto e o mundo das
crianças. (Brougére, 2002, p. 14)

Pudemos, com este trabalho, perceber esta relação nas nossas discussões
iniciais, quando demos conta da terminologia encontrada a respeito dos termos jogo,
brincadeira e brinquedo e da relação que tem havido, no decorrer da história, entre os
jogos e as responsabilidades adultas. Quando nos voltamos para o ensino de Língua
Portuguesa pelos métodos lúdicos de ensino e aprendizagem, fornecemos exemplos com
os quais as regras de uma boa comunicação oral e escrita podem ser assimiladas pelos
educandos em atividades lúdicas, deixando de lado a memorização pura e simples. A
intenção é desmistificar a concepção de que jogos e brincadeiras são fúteis e pouco
influentes no aprendizado formal enfatizando que

o jogo é um fator didático altamente importante; mais do que um passatempo, ele


é elemento indispensável para o processo de ensino-aprendizagem. Educação
pelo jogo deve, portanto, ser a preocupação básica de todos os professores que
têm intenção de motivar seus alunos ao aprendizado. (Teixeira, 1995, p.. 49)

As atividades propostas não enfatizam as regras gramaticais como foco central. Ao


contrário, relegam-nas a segundo plano. Isto funciona como um efeito reverso: ao invés de

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Aprender não é brincadeira. Ou é?
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memorizá-las e poder reproduzir uma gama de regras em uma avaliação, o aluno assimila-
as e, embora em alguns casos não consiga explicar regras gramaticais ipsis literis aos
manuais e gramáticas, consegue empregá-las corretamente em produções de textos orais
e escritos, o que é mais importante para o convívio em sociedade, no nosso entender, do
que a mera constatação de uma boa memória enciclopédica.

Também compreendemos a importância do conhecimento enciclopédico que, de


certa forma, precisa ser memorizado para ser acessado em determinados momentos da
vida do aprendente. Os jogos e brincadeiras com palavras-cruzadas, com recontagem de
histórias etc. são recursos que valorizam esse conhecimento enciclopédico, mas
promovem a sua memorização de forma não sistematizada, o que lhe tira o caráter
“enfadonho”.

Durante a infância, uma das atividades mais importantes é o brincar, o jogar.


Quando percebemos que estas atividades são o universo das crianças, devemos tomá-las
como mote para passar aos próximos estágios, de responsabilidade e de conscientização,
que se dá pelo pensamento:

se admitirmos que há uma correlação entre a atividade da criança e o seu


pensamento, é evidente que é o hábito da discussão que produz a necessidade
de elaborar a unidade, de sistematizar as próprias opiniões. É o que Janet e Tarde
demonstraram a propósito da psicologia da discussão em geral. Eles mostraram-
nos que toda reflexão é produto de uma discussão interior, e de uma discussão
que leva a uma conclusão, como se o indivíduo repetisse, diante de si próprio, a
atitude que adotara para com os outros. Nossas pesquisas confirmaram esta
maneira de ver (Piaget, 1999, p.117).

Para que o pensamento seja alimentado, é preciso que haja o interesse, o estímulo
e a partilha. As atividades de motivação que elencamos no Capítulo 3 deste trabalho,
acreditamos, fornecem esse combustível ao pensamento. Mesmo aquelas que são

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anteriores ao ensino de determinados assuntos, como as brincadeiras com palavras que


serão encontradas nos textos a serem lidos (ou produzidos) pelas crianças têm por função
primordial trazer o estímulo e, com ele, outros aspectos importantes para a formação de um
cidadão como, por exemplo, o respeito aos colegas, às regras, as hierarquias etc.

Por este viés, a utilização de atividades lúdicas de ensino e aprendizagem


beneficia os alunos (e os professores) tanto pelo seu caráter de diversão e prazer quanto
pelo caráter de aprendizagem propriamente dita. As atividades lúdicas desenvolvem
inúmeras capacidades com as quais somos capazes de explorar e refletir sobre a realidade
e a cultura em que vivemos, incorporando-as e, também, questionando regras e papéis
sociais. No ensino de Língua Portuguesa, a incorporação de brincadeiras, jogos e
brinquedos tem demonstrado a melhora no desempenho dos alunos e conseqüente
desenvolvimento de mais e mais atividades que contribuem para as várias aprendizagens e
para a ampliação da rede de significados da palavra, num primeiro momento, e da própria
formação do pensamento e da linguagem, haja vista que o diálogo interior se dá na língua
mãe.

Não pretendemos, aqui, fazer um tratado sobre a importância do bom


entendimento e do domínio da língua para se ter uma boa desenvoltura na sociedade.
Acreditamos ser este um consenso embasado por inúmeros trabalhos que nos dão
sustentação para aceitar como fato esta premissa.

Nossa postulação caminha para associar este aspecto da formação, o da


consciência lingüística para a ele acrescentar que o lúdico é uma necessidade do processo
de ensino e aprendizagem porque permite ao o aluno a tomada de consciência de si, da
realidade à sua volta, das regras e adequações necessárias para um bom convívio social e,
não obstante, lhe fornece estímulo para buscar o conhecimento, sem perder o prazer de
aprender.

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Para os que defendem que o jogo e a brincadeira são atividades que se encerram
em si mesmas e, portanto, não são profícuas para uma adoção pedagógica, retomados os
ditos de Piaget:

... o jogo, segundo uma fórmula célebre encontra sua finalidade em si mesmo,
enquanto que o trabalho e as outras condutas não-lúdicas comportam um objetivo
não compreendido na ação como tal. O jogo seria, portanto, como se diz,
“desinteressado” [...] mas se observa de imediato a imprecisão deste critério [...]
todo jogo é, num certo sentido, altamente “interessado”, pois o jogador se
preocupa certamente com o resultado de sua atividade ... (Piaget, 1975, p. 188-
189)

Está aqui, portanto, nosso argumento para trazer ao ensino de Língua Portuguesa
as atividades lúdicas, além de altamente interessado há uma preocupação com o resultado
da atividade, tal qual o trabalho, tão valorizado e imprescindível em nossa sociedade.

Se a escola é um local de se preparar o aluno também para o trabalho, é no jogo e


nas brincadeiras que encontramos a via de acesso ao aprendizado da vida, da existência
em sociedade e da construção de um futuro melhor por intermédio da preparação do aluno
em todos os sentidos possíveis.

No lúdico encontramos não apenas a sensibilidade, o riso, a alegria, a


descontração. Estes são os elementos que o tornam interessantes. Com eles há a
responsabilidade, a organização, a criticidade e, por que não dizer, a pedagogia, a língua e
sua completa representação simbólica, sua existência como forma de expressão e
comunicação.

Por isso, como Paulo Freire apostou, acredito podermos trazer para a sala de aula
um saber sensível que pode tirar as práticas mecânicas e desprovidas de sentido de cena,
para consagrar um ensino de Língua Portuguesa que contemple, além da sua forma, o seu

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Aprender não é brincadeira. Ou é?
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conteúdo; que brotará de atividades lúdicas que, por sua vez, transporão os muros da
escola e ganharão as ruas do conhecimento, pelo desejo de saber.

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Língua Portuguesa e Ludicidade: ensinar brincando não é brincar de ensinar
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