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A percepção de que os direitos têm custos e a jurisprudência do STF

Rodolfo Tsunetaka Tamanaha1

1. Introdução

O tema da efetivação dos direitos sociais pelo Poder Judiciário no caso de omissão dos
demais poderes há tempos deixou de ficar restrito aos debates doutrinários e tem ganhado corpo na
jurisprudência, principalmente do Supremo Tribunal Federal.

Sem prejuízo de decisões judiciais proferidas em primeira ou segunda instância que, de


alguma forma, contribuíram para o avanço do tema da efetivação dos direitos sociais pelo Poder
Judiciário, não se pode olvidar o fato de que foi o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal
Federal quando do julgamento da ADPF nº. 45/DF, de relatoria do Min. Celso de Mello, em
29.04.2004, que definitivamente lançou na arena do debate das idéias o tema da implementação
dos direitos fundamentais, articulado com a escassez de recursos e a chamada cláusula da “reserva
do possível”, tendo como respaldo doutrinário, entre outros, o livro “The Cost of Rights”, de
Stephen Holmes e Cass R. Sunstein.
A partir desse julgamento, novos processos que tratassem da difícil relação entre
omissão dos órgãos estatais e efetivação dos direitos fundamentais inscritos na Constituição
Federal passaram a ser apreciados também à luz da cláusula da “reserva do possível”, que se
tornou argumento a ser sopesado em julgamentos desse jaez, em conjunto com o reconhecimento
da dimensão política da jurisdição constitucional, a necessidade de proteção dos direitos e
garantias fundamentais e a discussão a respeito da legitimidade do órgão estatal responsável pela
efetivação e implementação de políticas públicas.

O Supremo Tribunal Federal, apesar de em diversos precedentes reconhecer que não


compete aos magistrados a formulação e implementação de políticas públicas, pois, nessa seara,
tais encargos seriam de incumbência dos representantes dos Poderes Legislativo e Executivo,

1
Mestrando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília. Especialista em Direito
Administrativo pela PUC/SP. Professor Voluntário da Universidade de Brasília. Membro do Grupo de
Pesquisa “Estado, Constituição e Direito Tributário” (UNB), inscrito no CNPQ. Advogado.

1
declara ser de atribuição do Poder Judiciário – e da Suprema Corte, em especial – a proteção de
políticas públicas fundadas na Constituição Federal que, de alguma maneira, corram o risco de
restarem comprometidas pela omissão dos poderes primariamente responsáveis pela sua
concretização.

A problemática que surge nesse contexto decorre da percepção de que a efetivação e


implementação dos direitos previstos na Constituição pelo Poder Judiciário é sempre onerosa,
demandando recursos orçamentários inevitavelmente finitos. Diante dessa constatação de que o
processo de concretização de direitos constitucionais depende, em grande medida, das
possibilidades orçamentárias do Estado, o Min. Celso de Mello, no julgamento da ADPF 45,
confere importância ao tema da “reserva do possível”, fazendo expressa referência ao livro “The
Cost of Rights”.

Nesse livro, Stephen Holmes e Cass R. Sunstein, juristas norte-americanos de


significativa expressão, objetivam chamar a atenção para o fato de que todos os direitos têm
custos, e que mesmo as liberdades privadas têm custos públicos. Essa percepção tem implicações
importantes, pois, a partir do reconhecimento de que mesmos os direitos privados dependem do
poderio estatal para serem defendidos e/ou concretizados, urge debater quem teria legitimidade
para alocar determinado montante dos sempre escassos recursos orçamentários para implementar
específicos direitos, e sob quais parâmetros. Afinal, é inegável que a escassez de recursos exige
que o Estado faça escolhas contínuas de direitos a serem defendidos, o que pressupõe direitos que
são vistos como prioritários, frente a outros, que acabam preteridos.

Nessa senda, o objetivo do presente estudo é, em um primeiro momento, apresentar os


principais argumentos constantes do livro “The Cost of Rights”. Em seguida, pretende-se analisar
algumas decisões do Supremo Tribunal Federal que utilizam a obra mencionada como referência
doutrinária relevante para a apreciação de lides que envolvam pretensões de tutela jurisdicional
que concretize direitos sociais previstos na Constituição. Por fim, se conclui com um balanço a
respeito de qual foi o real impacto que as idéias de Stephen Holmes e Cass R. Sunstein exerceram
sobre a citada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

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2. A constatação nada trivial de que os direitos custam dinheiro

No livro “The Cost of Rights”, os autores Stephen Holmes e Cass R. Sunstein


desenvolvem diversos aspectos de seu argumento central, qual seja: que todos os direitos têm
custos, uma vez que dependem do aparelhamento estatal para serem concretizados.

A tese, apesar de sua aparente simplicidade, necessariamente suscita algumas questões


de relevo, que não se restringem à mensuração efetiva dos custos de cada direito, mas que dizem
respeito principalmente à identificação de quem deve decidir como alocar os escassos recursos
públicos para a proteção de direitos. Quais direitos devem receber recursos e por quê? Quais são
os princípios comumente invocados para guiar essas alocações? Esses princípios encontram
respaldo na opinião pública?

Ademais, a percepção de que os direitos custam dinheiro parece levar à conclusão de


que, para que se possa falar em direitos, há de existir necessariamente a figura estatal, o que coloca
sob uma nova luz a polêmica discussão a respeito das dimensões do Estado Social no contexto da
sociedade contemporânea e a própria natureza dos direitos legalmente previstos em contraposição
aos direitos de índole moral.

2.1. Delimitação dos conceitos

Atentos à ambigüidade que a frase “os custos dos direitos” suscita, os autores
apresentam inicialmente os seguintes esclarecimentos a fim de delimitar o campo de análise da
investigação: “custos” devem ser compreendidos como custos orçamentários, e “direitos”, como
interesses importantes que podem ser protegidos por indivíduos ou grupos por intermédio de
instrumentos estatais.

No caso do conceito de direitos, os autores discorrem, em primeiro lugar, sobre a


distinção clássica entre a perspectiva moral ou valorativa dos direitos e a perspectiva descritiva.
No caso da primeira, cuja origem remonta à filosofia moral, os direitos são identificados não a

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partir de uma análise da legislação ou dos precedentes jurisprudenciais, mas sim mediante o
questionamento acerca do que o ser humano, enquanto ser dotado de razão, naturalmente é
detentor.

No caso da segunda forma de abordagem do que seriam os direitos, que remonta aos
escritos do filósofo inglês Jeremy Bentham, do Juiz da Suprema Corte Americana Oliver Wendell
Holmes Jr. e dos filósofos do direito Hans Kelsen e H. L. A. Hart, o procedimento é mais
empírico, uma vez que a investigação é direcionada à identificação dos direitos que uma
determinada sociedade organizada politicamente decidiu resguardar ou não. Ou seja, direitos no
sentido legal ou jurídico do termo.

E é a partir dessa segunda linha de pensamento que Holmes e Sunstein afirmam que os
direitos, do ponto de vista legal, têm “dentes”, o que afasta a percepção de que eles seriam
inofensivos ou inocentes. Isso porque, direitos são poderes atribuídos pela comunidade política e
que podem ser usados em face de outras pessoas para obrigá-las a adotar determinado
comportamento ou cessar a prática de um ato. Mesmo no caso do aparentemente inofensivo direito
à liberdade de expressão, seu mau uso (por exemplo, gritar “Fogo!” dentro da sala de cinema)
pode colocar em risco a segurança pública. Por outro lado, quando os direitos não têm respaldo na
força política do Estado, como no caso dos direitos sob a perspectiva moral, eles são entendidos
pelos autores como toothless, ou seja, ineficientes.
Não obstante, os autores entendem que o tema dos custos dos direitos deve ser
apreciado sob a perspectiva descritiva, uma vez que os direitos morais exigem receitas que serão
concedidas apenas e tão somente se existir a respectiva previsão orçamentária, esta fruto de uma
decisão política da comunidade. Isto inclusive serve de crítica aos filósofos morais que não dão a
devida atenção ao tema da arrecadação de recursos orçamentários e às despesas públicas.

Partindo da premissa de que um direito legalmente previsto somente existe, na


realidade, quando está atrelado a um custo orçamentário, Holmes e Sunstein afirmam não fazer
parte de seu objeto de estudo os direitos de mulheres vítimas de estupro em zonas de guerra como
na Bósnia ou em Ruanda, pois, nessa situação, inexiste uma autoridade política constituída capaz
de intervir em situações conflituosas como essas. Igualmente se encontram ausentes da análise

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empreendida no livro em análise os direitos inscritos em declarações internacionais de direitos
humanos que não tenham sido subscritas por estados nacionais detentores do poder de tributar e de
direcionar os gastos públicos.

Por sua vez, para tratar do conceito de “custos”, Holmes e Sunstein abordam a
distinção entre tributos e tarifas, chamando a atenção para o fato de que, enquanto os primeiros são
de recolhimento obrigatório pela sociedade como um todo, inclusive em situações que independem
de algum tipo de contraprestação estatal2, os segundos estão atrelados ao efetivo uso de serviços
pelos beneficiários, que pagam as tarifas na medida da intensidade do uso que fazem dos
respectivos serviços. Ocorre que os direitos individuais, incluindo o direito à propriedade, são em
geral financiados por tributos, não tarifas, o que leva à conclusão de que, no sistema jurídico
(norte-americano), os direitos individuais são bens públicos, e não privados.

Por óbvio, os direitos têm custos sociais, e não somente orçamentários, mas os autores
entendem que o estudo circunscrito aos custos orçamentários dos direitos tem o condão de focar a
atenção para a relação de dependência fundamental que existe entre as liberdades individuais e os
recursos coletivos manejados pelos agentes públicos.

Ademais, deve-se perceber que direitos podem impor um ônus ao orçamento público
além de seus custos diretos. Os autores apresentam alguns exemplos para ilustrar essa idéia, como
no caso da revogação das leis que restringiam a liberdade de ir e vir na África do Sul, que teve
como efeito indireto a necessidade de melhora e expansão da infra-estrutura urbana para fazer
frente aos milhões de pessoas que passaram a afluir das zonas rurais para as cidades.

É de se notar que tais custos indiretos dos direitos, pelo fato de influenciarem
decisivamente na gestão dos recursos públicos, se incluem no conceito de “custos” adotados nesse
estudo. Segundo os autores, esses custos são especialmente importantes, em alguns casos, pelo
potencial que têm de conformar os direitos de índole privada. Outro exemplo analisado pelos
autores ajuda a compreender essa afirmativa: o Congresso Americano, em um dado momento,

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Não é abordada aqui a questão das contribuições sociais, que, apesar de não serem impostos, são de
recolhimento obrigatório no caso de ocorrência de seu fato gerador, por se tratar de controvérsia atinente
ao sistema jurídico-tributário brasileiro.

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instruiu o Ministro dos Transportes a reter recursos de alguns estados que ainda não haviam
abolido o direito dos motoristas de dirigir motocicletas sem usar obrigatoriamente capacetes, a
partir de um estudo feito a pedido do Congresso acerca dos custos associados aos acidentes
envolvendo condutores de motocicletas que não eram integralmente suportados pelas seguradoras
privadas.

2.2. Motivos pelos quais se costuma ignorar o tema dos custos dos direitos

É interessante observar os motivos apresentados por Holmes e Sunstein para justificar


a existência de pouca literatura que trate dos custos dos direitos. Fundamentalmente, constatam os
autores que reconhecer que os direitos custam dinheiro é reconhecer que, muitas vezes, sua
implementação implica em uma escolha, dada a limitação de recursos. Por sua vez, ignorar os
custos dos direitos é, de certa forma, deixar na sombra questões tormentosas.

Segundo os autores, os liberals ou progressistas são céticos a respeito do tema dos


custos dos direitos, uma vez que, na percepção deles, o desvelamento dos gastos, ineficiências e
sobrecargas envolvendo despesas relacionadas à concretização de direitos podem servir como
justificativas para uma redução de verbas orçamentárias destinadas à proteção inclusive de direitos
fundamentais.
Por seu turno, no caso dos conservadores, a “cegueira” para os custos dos direitos é
entendida como uma forma de não encarar o fato de que não se sustenta a ficção libertária de que
os indivíduos que exercitam seus direitos entendidos à moda clássica (ou oitocentista) estão apenas
agindo de forma livre e autônoma, sem depender do Estado e dos recursos oriundos do
recolhimento de tributos da sociedade.

Por fim, asseveram Holmes e Sunstein existir um terceiro obstáculo que impede que a
devida atenção seja dada aos dispêndios financeiros relacionados aos direitos, que reside na
atuação profissional dos operadores do direito. O Judiciário se orgulha de não sofrer influência do
processo político e seguir apenas os ditames da razão, delegando ao Legislativo e ao Executivo a
preocupação com assuntos fiscais. O mesmo ocorre com os advogados e promotores que atuam em
prol das liberdades civis, haja vista o fato de que eles concebem os direitos como armas a serem

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usadas contra o Estado em prol da sociedade. Nesta situação, pode ser desconfortável investigar a
fonte orçamentária dos direitos, pois isto leva à conclusão de que os direitos, em verdade, são
“criaturas” do Estado.

Em termos gerais, a constatação de que direitos custam dinheiro gera incômodo na


medida em que estabelece uma ligação muito forte entre o estado de direito e as escolhas políticas.
Imaginar que o direito está ou pode se colocar à margem da influência exercida pelas finanças
públicas apenas serve para nos tornar cegos à face política da proteção dos direitos. Porque encarar
que os direitos custam dinheiro implica, de forma dolorosa, mas realista, aceitar o fato de que a
esfera política, responsável pela alocação dos recursos públicos, afeta de forma substancial e
decisiva a concretização dos direitos.

2.3. A falácia da dicotomia: direitos positivos e direitos negativos

Entende-se que a distinção entre direitos positivos e direitos negativos ou entre


liberdades e subsídios ganha plausibilidade pelo fato de espelharem o contraste que existe na
ordem política entre o Estado de grandes dimensões e o Estado de pequenas dimensões, tema caro
ao debate político norte-americano. Destarte, trata-se de uma distinção presente inclusive na
jurisprudência da Suprema Corte, que a absorveu de forma acrítica.
Nesse contexto, infere-se que os direitos negativos banem ou excluem a figura estatal,
cuidam de proteger a liberdade dos indivíduos, representam um escudo contra o Estado e podem
ser entendidos como privatistas. Por outro lado, os direitos de índole positiva exigem a intervenção
estatal, via de regra promovem a igualdade, pressupõem a prestação de serviços pelo Estado e são
vistos como solidários.

Os autores entendem que a atração exercida por essa caracterização dos direitos deflui
parcialmente da advertência ou promessa moral que se acredita que ela suscita. Isso porque, a
postura dos conservadores é a de se utilizar dessa dicotomia para propagar a idéia de que, por um
lado, os direitos sociais são potencialmente infantilizantes, além de serem financiados por recursos
expropriados pelo Estado da sociedade, o que se opõe aos direitos individuais, que são exercidos

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de forma autônoma e livre por cidadãos independentes e responsáveis, que desprezam a postura
paternalista do Estado.

Ademais, críticos do Estado Social corriqueiramente interpretam a oposição entre


direitos positivos e direitos negativos à luz de uma simplificada história de declínio ou traição. Os
direitos negativos, eles dizem, teriam sido as primeiras liberdades estabelecidas, que foram
institucionalizadas de forma sábia pelos Pais Fundadores da nação norte-americana. Somente
depois de muito tempo, já sob a égide do Estado Social, do New Deal e da Presidência Warren na
Corte Suprema, que a idéia de direitos tutelados pelo Estado surgiu, ocasionando a erosão da
liberdade fundamental dos norte-americanos, seja através do confisco das rendas dos ricos, seja
por intermédio do enfraquecimento da capacidade de autodeterminação dos menos abastados.

Obviamente, essa narrativa de declínio não encontra eco nos progressistas, mas o
interessante é que estes adotam a mesma dicotomia para abordar a questão. No seu ponto de vista,
a transição de direitos vistos como imunidades à intervenção estatal para direitos sociais, que
exigem a atuação do Estado, representa uma histórica de evolução e amadurecimento moral.
Referido progresso evidencia uma compreensão mais estruturada dos ditames da justiça e da
igualdade. Ou seja, apesar das avaliações diametralmente opostas existentes entre progressistas e
conservadores, ambos pressupõem a distinção entre direitos positivos e negativos.

Se contrapondo a essa corrente de pensamento amplamente aceita, Holmes e Sunstein


constatam que, em verdade, todos os direitos legalmente existentes são necessariamente direitos
positivos. Se valendo da antiga máxima de que “onde há um direito, há uma garantia a ampará-lo”,
os autores afirmam que os direitos custam dinheiro porque as garantias desses direitos são
necessariamente onerosas. A positivação de um direito reconhecido a um dado indivíduo tem
como contraposição o estabelecimento de uma obrigação a outro, o que pressupõe custos para a
concretização desse direito pelo Estado, que deve estar constantemente preparado para punir
aqueles que transgridem suas obrigações.

Sob essa perspectiva, nenhum direito é simplesmente um direito a não ser incomodado
pelos agentes públicos. Todos os direitos, sejam eles quais forem, exigem uma atuação estatal para

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sua efetivação e implementação. Os autores defendem que, se os direitos fossem apenas
imunidades contra a intervenção pública, a máxima virtude de um Estado (em um contexto em que
se pretende privilegiar o exercício de direitos) seria ser paralítico. Mas um Estado inoperante é
incapaz de proteger as liberdades pessoais, mesmo aquelas entendidas como direitos negativos,
como o direito de não sofrer tortura ou abusos por parte da força policial. Um Estado
impossibilitado de promover visitas à presos por advogados públicos responsáveis por investigar e
trazer ao júri evidências indispensáveis à solução dos crimes é impotente para proteger os
encarcerados contra torturas e punições físicas. Todos os direitos são onerosos porque todos os
direitos pressupõem o financiamento público de um maquinário estatal responsável pela vigilância
e efetivação dos direitos.

É nessa perspectiva que se deve analisar o fato de que mesmo o Poder Judiciário,
comumente visto como a entidade responsável pela defesa dos direitos dos cidadãos, nada mais é
do que um órgão do Estado, que precisa ser financiado pelos tributos recolhidos da sociedade. Por
mais que se propale a independência dos juízes, nenhuma corte pode operar num vácuo
orçamentário. Nenhuma estrutura do Poder Judiciário consegue sobreviver sem receber constantes
injeções de recursos públicos retirados das rendas dos cidadãos. Na medida em que a defesa dos
direitos depende da vigilância do Poder Judiciário, os custos envolvidos na defesa desses direitos
no mínimo são diretamente proporcionais aos custos para a seleção, recrutamento e pagamento dos
agentes públicos que atuam no Poder Judiciário. E o mesmo se aplica a todos os demais órgãos
estatais que, de uma forma ou de outra, atuam no sentido de concretizar os direitos dos cidadãos.

2.4. A faceta pública dos direitos individuais

Em vista do acima exposto, percebe-se que o grande insight de Holmes e Sunstein é o


estabelecimento da premissa de que todas as liberdades privadas têm necessariamente custos
públicos. Diante disso, cai por terra a usual dicotomia entre direitos positivos e negativos e deve-se
levar a sério o fato de que todos os direitos legalmente previstos dependem fundamentalmente de
recursos orçamentários para serem concretizados. Concebidos como assunto de finanças públicas,
os direitos emergem como instrumentos criados politicamente e financiados coletivamente com o
propósito de promover o bem-estar da coletividade.

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Nessa perspectiva dos autores, os direitos são entendidos como uma invenção
institucional por intermédio do qual uma sociedade liberal almeja criar e manter as pré-condições
mínimas que permitam o desenvolvimento próprio dos indivíduos e para resolver problemas que
assolam a todos, inclusive a resolução de litígios e a facilitação de respostas inteligentes e
coordenadas para fazer frente a desafios coletivos, como desastres e crises. E por serem uma
invenção institucional, os direitos variam com a passagem do tempo e de uma jurisdição para
outra, além de obrigatoriamente necessitarem de recursos para serem efetivados e protegidos.

Questão que sempre irá pairar quando se tratar de direitos é: será que determinado
recurso público não poderia ser utilizado de uma maneira melhor? Mas apesar dessa questão soar
um tanto “econômica”, Holmes e Sunstein defendem que a mesma diz respeito ao âmbito da
deliberação política, e sob essa perspectiva que o tema deve ser analisado. Ou seja, reconhecer que
a alocação de recursos públicos destinados à efetivação e defesa de direitos é um assunto
eminentemente político, deve encorajar as pessoas a participarem das deliberações que visam
estabelecer as políticas públicas a serem perseguidas pelo Estado.

E se não bastasse, o tema dos custos dos direitos, além de suscitar questões a respeito
da transparência do processo de alocação de recursos públicos e de fiscalização democrática das
decisões envolvendo políticas públicas, resvala diretamente no cerne da teoria moral e nos
problemas envolvendo distribuição equitativa e justiça distributiva. Assim, perceber que os
direitos custam dinheiro é questionar: as prioridades nacionais na área da proteção dos direitos
realmente promovem o bem-estar geral da população ou meramente refletem a influência de
grupos poderosos?

Assim, os autores asseveram que a deliberação pública envolvendo os custos dos


direitos deve focar em quatro questões: (1) Quanto a sociedade pretende gastar com cada direito?
(2) Quais são os grupos de direito considerados indispensáveis, uma vez que os recursos que são
destinados à proteção de um direito não estarão mais disponíveis para outro direito? (3) Quais são
as melhores estruturas para proteger o maior número de direitos possível pelo menor custo? (4) Os

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direitos, como atualmente são delimitados e protegidos, redistribuem a riqueza de uma maneira
justificável à luz do interesse público?

Por fim, Holmes e Sunstein sustentam que, ao dizer que a efetivação de direitos
pressupõe uma alocação estratégica de recursos públicos, está se dizendo que, em última instância,
a liberdade individual de cada cidadão é, ao mesmo tempo, constituída e financiada por
contribuições coletivas, o que deve ocasionar uma reavaliação da exagerada oposição existente
entre o indivíduo e a sociedade. E nessa senda, concluem os autores que o Estado ainda é o
instrumento mais eficiente à disposição por meio do qual uma sociedade organizada politicamente
persegue seus objetivos comuns, incluindo o desejo compartilhado de assegurar a proteção dos
direitos legalmente previstos para todos os cidadãos.

3. A dimensão da influência de The Cost of Rights sobre a jurisprudência do STF

Como visto no tópico anterior, o livro The Cost of Rights, de Stephen Holmes e Cass
R. Sunstein, apresenta consistentes argumentos a respeito da necessidade incontornável de se
avaliar os custos orçamentários envolvidos na concretização de direitos legalmente previstos.
Como todo direito, seja ele positivo ou negativo, exige a máquina estatal para ser protegido e
efetivado, a escassez dos recursos orçamentários é um elemento importante a ser levado em
consideração quando se submete à apreciação do Poder Judiciário uma lide que pretende exigir do
Poder Público que este torne realidade um determinado direito social previsto na Constituição
Federal.

Por óbvio, o tema da judicialização de políticas públicas já foi apreciado pelo STF
muito antes da edição da obra de Holmes e Sunstein e do próprio julgamento da ADPF 45, em
2004, precedente importante citado na Introdução. Mas é interessante anotar que, de acordo com
estudo feito pelo pesquisador WANG (2008), a jurisprudência que existia anteriormente a esse
julgamento – no qual fez-se a primeira referência expressa ao livro The Cost of Rights –, parece
seguir uma linha argumentativa única no sentido de não levar em consideração a escassez de
recursos como argumento relevante quando se tratasse de demanda envolvendo a concretização de
direitos sociais.

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Referido posicionamento da Corte Suprema pode ser sintetizada pela seguinte
passagem de Voto do Min. Celso de Mello, na citada ADPF 45, in verbis:

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES.


– O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de
medicamentos a pessoas carentes, [...] dá efetividade a preceitos fundamentais da
Constituição da República (art. 5o, caput, e 196) e representa, na concreção do seu
alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas,
especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua
própria humanidade e de sua essencial dignidade.
O sentido de fundamentalidade do direito à saúde [...] impõe ao Poder Público um dever
de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais,
quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação
efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.
Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais [...] recai,
sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a
tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável
inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de
garantias instrumentalmente vinculadas à realização, por parte das entidades
governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição.
Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um
direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse
direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles
casos em que o direito - como o direito à saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica
de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações
positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. Cumpre assinalar,
finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte
qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art.
197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário
naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o
mandamento constitucional frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja
por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de
comportamento governamental desviante.

O que se infere do trecho transcrito é que o STF adotava o entendimento de que o


Poder Judiciário, salvo hipóteses excepcionais em que o comportamento (ou omissão) do Estado
fosse plenamente justificável, teria ampla competência para impor ao ente estatal o efetivo
cumprimento do direito social vindicado, não havendo espaço para discussões a respeito dos
custos dos direitos e da escassez orçamentária, que eram vistos como questões de segunda
importância (interesse secundário da Administração Pública).

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O que se verifica, posteriormente, é que, quando do julgamento da ADPF 453, o STF
avançou no sentido de considerar relevante a análise do tema dos custos do direito em conjunto
com a questão da efetividade dos direitos sociais pelo Poder Judiciário. Veja-se importante trecho
da decisão do Ministro Relator proferida no bojo da citação ação, que costuma ser citada em
profusão em diversos precedentes da Corte Suprema:

Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte - que
o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não pode converter-
se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando
justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o
cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade
governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado" (RTJ 175/1212-
1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao
tema pertinente à "reserva do possível" (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN,
"The Cost of Rights", 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e
implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos
econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e
exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas
individuais e/ou coletivas.
É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se
pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um
inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de
tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa
estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material
referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida
manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo
artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e
de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de
condições materiais mínimas de existência.
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a
ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado,
com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais,
notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou,
até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial
fundamentalidade. (g. n.)

3
A ADPF 45 foi ajuizada pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) em razão de veto do presidente da
República ao § 2º art. 55, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei 10.707/03), sob o entendimento de que a decisão
presidencial diminuiu a quantidade de recursos que seriam aplicados em ações e serviços públicos de saúde. Ocorre
que a citação ação foi julgada prejudicada por perda do objeto, uma vez que o Presidente da República, logo após o
veto parcial questionado, remeteu ao Congresso Nacional projeto de lei que restaurou o dispositivo da Lei n.
10.707/2003 (LDO), sobre a qual incidira anteriormente o veto executivo.

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Deduz-se do trecho transcrito acima que o tema dos custos dos direitos se apresenta
com mais vigor na apreciação pelo STF de processo que trata da implementação de políticas
públicas pelo Poder Judiciário em caso de omissão do Estado, havendo o reconhecimento do fato
de que a limitação de recursos existe e é uma contingência que não pode ser ignorada pelos
magistrados quando da análise do caso concreto.

Nessa toada, afirmou o Min. Celso de Mello, em sua decisão na ADPF 45, que o
processo de concretização dos direitos sociais se submete a duas condicionantes em atenção à
chamada cláusula da “reserva do possível” 4, quais sejam: “(1) a razoabilidade da pretensão
individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de
disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas”.
Acaso faltante alguma dessas condições, entende o magistrado que não é possível se exigir do
Estado a efetivação de um direito.

Por outro lado, aduz o Min. Celso de Mello que a reserva do possível não pode ser
invocada pelo Estado como justificativa dolosa para desobrigar-se de cumprir suas obrigações
constitucionais, ainda mais se referida omissão estatal tiver o condão de concorrer para violar as
condições mínimas de existência dos cidadãos.

Em julgados posteriores do Supremo Tribunal Federal, o que se verifica é que a


mesma linha de raciocínio adotada no citado julgamento é reproduzida, na medida em que se faz a
constatação de que a implementação de direitos sociais, como o direito à educação, possui um
incontornável vínculo financeiro, o que, todavia, não pode se sobrepor aos direitos fundamentais e
sociais inscritos na Constituição Federal5.

4
“A doutrina modificou-se radicalmente, abandonando o positivismo sociológico e adotando a visão principiológica
em que se realçam: (...) d) o reconhecimento da prevalência do princípio da reserva do possível (expressão cunhada
pelo Tribunal Constitucional da Alemanha – BverGE 33: 303-333 – largamente empregada em Portugal e no Brasil)
ou da reserva orçamentária: ‘não são determinados previamente, mas sujeitos à reserva do possível (Vorbehalt des
Möglichen), no sentido de que a sociedade deve fixar a razoabilidade da pretensão. Em primeira linha compete ao
legislador julgar, pela sua própria responsabilidade, sobre a importância das diversas pretensões da comunidade, para
incluí-las no Orçamento, resguardando o equilíbrio financeiro geral.’ E) possibilidade de superação do princípio da
reserva do possível no caso de contradição incontornável com o princípio da dignidade humana, consubstanciado no
direito a prestação estatal jusfundamental” (TORRES, 2004).
5
Cf. AI 583588/SC, Min. Dias Toffoli, DJ 09.06.2011.

14
Porém, não se pode deixar de fazer referência às decisões proferidas na STA 91 e na
SS 3073, ambas de relatoria da Ministra Ellen Gracie, que determinaram a não obrigatoriedade do
Estado em fornecer determinado medicamento requerido em razão da limitação de recursos e na
necessidade de racionalização do uso do orçamento para garantir o atendimento de um maior
número de pessoas6. Isso demonstra avanço na percepção de que, como todos os direitos têm
custos (inclusive os direitos fundamentais), é decisiva a questão orçamentária para a sua
concretização, exigindo-se, desse modo, uma fundamentação mais consistente das decisões que
reconheçam a necessidade de efetivação (ou não) do direito vindicado.

Mas o que se constata em algumas decisões posteriores à STA 91 e à SS 3073 é uma


ausência de evolução no aprofundamento da análise da difícil relação entre concretização de
direitos sociais e limitação orçamentária, e talvez um retorno à linha de pensamento anterior à
ADPF 45, como se verifica, por exemplo, na SS 31587. Neste caso especificamente, muito embora
a restrição orçamentária se apresente como limite ao deferimento do fornecimento do
medicamento pleiteado – medicamento esse que não fazia parte inclusive da lista de medicamentos
a serem fornecidos pelo Estado –, entendeu-se que “a discussão em relação à competência para a

6
STF, DJU 14 fev. 2007, SS 3.073/RN, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie: “Verifico estar devidamente configurada a
lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem administrativa, porquanto a execução de decisões
como a ora impugnada afeta o já abalado sistema público de saúde. Com efeito, a gestão da política
nacional de saúde, que é feita de forma regionalizada, busca uma maior racionalização entre o custo e o
benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número
possível de beneficiários. Entendo que a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegura o
direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como
um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações individualizadas. A
responsabilidade do Estado em fornecer os recursos necessários à reabilitação da saúde de seus cidadãos
não pode vir a inviabilizar o sistema público de saúde. No presente caso, ao se deferir o custeio do
medicamento em questão em prol do impetrante, está-se diminuindo a possibilidade de serem oferecidos
serviços de saúde básicos ao restante da coletividade. Ademais, o medicamento solicitado pelo impetrante,
além de ser de custo elevado, não consta da lista do Programa de Dispensação de Medicamentos em
Caráter Excepcional do Ministério
da Saúde, certo, ainda, que o mesmo se encontra em fase de estudos e pesquisas. Constato, também, que
o Estado do Rio Grande do Norte não está se recusando a fornecer tratamento ao impetrante. É que,
conforme asseverou em suas razões, ‘o medicamento requerido é um plus ao tratamento que a parte
impetrante já está recebendo’ (fl. 14). Finalmente, no presente caso, poderá haver o denominado "efeito
multiplicador" (SS 1.836-AgR/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, unânime, DJ 11.10.2001), diante da
existência de milhares de pessoas em situação potencialmente
idêntica àquela do impetrante. 6. Ante o exposto, defiro o pedido para suspender a execução da liminar
concedida nos autos do Mandado de Segurança nº 2006.006795-0 (fls. 31-35), em trâmite no Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Comunique-se, com urgência.” (g. n.)
7
Rel. Min. Ellen Gracie, DJ. 08.06.2007.

15
execução de programas de saúde e de distribuição de medicamentos não pode se sobrepor ao
direito à saúde, assegurado pelo art. 196 da Constituição da República, que obriga todas as esferas
de Governo a atuarem de forma solidária”.

Por fim, a respeito da chamada cláusula da “reserva do possível”, vale esclarecer que a
mesma não comparece exatamente nesses termos no livro The Cost of Rights, uma vez que sua
origem é atribuída à jurisprudência da Corte Constitucional alemã8. Apesar de não constituir
objeto de investigação deste estudo a identificação da eventual influência da cláusula na obra de
Holmes e Sunstein, constata-se que não há referência expressa à jurisprudência alemã no livro dos
juristas norte-americanos.

Ao que parece, a associação entre a cláusula da “reserva do possível” e o livro The


Cost of Rights partiu de uma interpretação feita pelo próprio Min. Celso de Mello a partir do ponto
em comum que é a percepção que os custos dos direitos tem relevância e precisam ser sopesados
com os demais elementos envolvidos quando da apreciação de controvérsia jurisdicional
envolvendo a implementação de direitos sociais.

Não obstante, há que se considerar que a investigação proposta por Holmes e Sunstein
abrange um espectro maior de questões a partir da (nada) trivial premissa de que “private liberties
have public costs”, sendo a cláusula da “reserva do possível” apenas uma das conseqüências mais
evidentes.

4. Conclusão

Como visto no tópico 2 deste estudo, no livro The Cost of Rights, os juritas Stephen
Holmes e Cass R. Sunstein adotam a premissa de que um direito legalmente previsto somente
existe efetivamente quando está atrelado a um respectivo suporte orçamentário.

A partir dessa premissa, constatam os autores que reconhecer que os direitos custam
dinheiro é também reconhecer que, muitas vezes, sua implementação implica necessariamente em

8
Conforme exposto na nota 04.

16
uma escolha (e uma ou várias renúncias), dada a limitação de recursos que acomete qualquer
Estado.

Ademais, a percepção de que direitos custam dinheiro gera certo incômodo sob o
ponto de vista de Holmes e Sunstein, na medida em que evidencia a forte ligação existente entre o
estado de direito e as escolhas tomadas pelas classes políticas, o que nos obriga a aceitar o fato de
que a esfera política, responsável pela decisão a respeito da alocação dos recursos públicos, afeta
de forma substancial e decisiva a própria concretização dos direitos.

E como todos direitos são onerosos e pressupõem o financiamento público de um


maquinário estatal responsável pela sua vigilância e proteção, entendem os autores que, mesmo o
Poder Judiciário, comumente visto como a entidade responsável pela defesa dos direitos dos
cidadãos, nada mais é do que um órgão do Estado, que não opera num vácuo orçamentário e que
precisa ser financiado pelos tributos recolhidos pela sociedade.

O interessante do insight dos autores de The Cost of Rights de que todos os direitos,
sem exceção, são onerosos, é que essa percepção acaba por suscitar reflexões relevantes a respeito
da indispensável transparência do processo de alocação de recursos públicos e de fiscalização
democrática das decisões envolvendo políticas públicas, além de influenciar a teoria moral e
representar elemento pragmático importante na discussão envolvendo a distribuição equitativa e a
justiça distributiva, que acabam ganhando uma nova perspectiva de análise.

Diante do exposto, deve-se louvar o fato do Min. Celso de Mello ter trazido para o
debate na Corte Suprema, pela primeira vez, os relevantes argumentos desenvolvidos por Stephen
Holmes e Cass R. Sunstein em The Cost of Rights, quando do julgamento da ADPF 45.

Por outro lado, não se pode deixar de registrar que a influência da mencionada obra
sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ficou circunscrita à mera percepção de que o
tema dos custos dos direitos é importante quando da apreciação de lides que envolvam a
implementação de direitos sociais delineados na Constituição Federal, não havendo, todavia, um
maior aprofundamento a respeito das conseqüências redistributivas das decisões judiciais de

17
alocação de recursos e uma preocupação em se estabelecer limites e parâmetros claros para a
tomada de decisões por parte da Administração Pública e do próprio Judiciário quando da análise
de confrontos entre direitos sociais versus restrições orçamentárias.

Referências Bibliográficas

SUNSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. Nova
York: W.W. Norton& Company, 1999.

TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial, os direitos sociais e a reserva do possível. In:
António José Avelãs Nunes e Jacinto Nelson Miranda Coutinho (Org.). Diálogos Constitucionais:
Brasil-Portugal. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 455-6.

WANG, Daniel Wei Liang. “Escassez de Recursos, Custos dos Direitos e Reserva do Possível na
Jurisprudência do STF”. In Revista Direito GV, São Paulo, Jul - Dez 2008, p. 538-568.

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