INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Cuiabá/MT
2015
KEILA SOUZA DE OLIVEIRA
Cuiabá/MT
2015
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
FOLHA DE APROVAÇÃO
_______________________________________________________________________
CUIABÁ, 04/12/2015
À Márcia e Nelson, pais que a vida me deu e que são os responsáveis pela pessoa
que sou hoje.
Agradeço, também, a João Antônio, meu grande amigo, por me ouvir nos
momentos de desespero.
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para
odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.”
(Nelson Mandela).
RESUMO
Abstract the purpose of this article is to raise points that indicate to the
understanding of the phenomenon, configured in the perceived convergence in public
policies, educational inclusion and affirmation of the positive image of blacks. We believe
that movies can make a significant contribution to the teaching of history and culture of
Africa, for its accessibility, diversity and types of information, closest, understandable and
potentially more significant and interesting to students. Meet the origins is crucial to
expanding the social and historical consciousness of a nation. In the early 20th century,
the black is represented in cinematography for the most part as a stereotypical character.
This image described in the caricatures of black’s chanchadas has great influence in
forming the view that Brazilian society will have on the black. This is always the tapped,
the slave, and captive, poor and vulnerable. The fight against the stereotype of the black
image and its culture showed special effort in favor of an education that contributes
towards the overcoming of racism and to search for paths, where the Africanism could
assert the importance of its culture. At the beginning of the 21st century, there have been
several advances with regard to public policies in Brazil. Maybe, when we speak of public
policies of inclusion in the field of education discusses the need to include the racial ethnic
group marginalized, but also recover your positive image deteriorated on the impact of
ideology of racial superiority of the hegemonic racial group. It is essential that you
understand that the law does not manifest itself only in the curriculum, its function is the
multicultural dialogue. It is necessary to deconstruct what is ingrained in our society, this
Eurocentric vision, which distorts and reduces the participation of blacks in the formation
of our society. The Black International Cinema Displays has been fulfilling the function
to present, discuss and link through the films, the construction of the positive black image.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 63
12
É fundamental que se compreenda que a Lei 10.639/03 não se manifesta apenas
no currículo, sua função é o diálogo multicultural. Faz-se necessário desconstruir o que
se encontra arraigado em nossa sociedade, essa visão eurocêntrica, que distorce e diminui
a participação dos negros na formação de nossa sociedade.
13
No decorrer da década de 1960 surge o Cinema Novo, com Glauber Rocha,
principal precursor, que muda completamente a forma de se produzir filmes, dando aos
excluídos o protagonismo que até então lhes era negado. Em meio a essas mudanças nasce
o Cinema Negro, um dos focos de nossa pesquisa. Onde o negro não é apenas
protagonista, mas produtor/realizador dos filmes.
Essa pesquisa nasce da necessidade que surge no âmbito da sala de aula, com o
advento da Lei 10.639/03 onde percebemos ser imprescindível encontrar meios para a
aplicação da mesma. Os desafios são imensos, pois não dispomos de material didático e
paradidático, tão pouco, temos formação continuada que dê suporte para nos tornarmos,
de fato, instrumentalizados e preparados para trabalhar com essa temática em sala de aula.
A solução então é voltar à universidade para tentar reunir ferramentas que servirão de
base para a implementação da referida lei.
1
Utilizamos este conceito baseados no pensamento de Celso Prudente, que entende que os diversos
movimentos que lutam pelos direitos das minorias é formado pela massa, ou seja, a grande maioria da
população que não tem seus direitos devidamente garantidos.
14
Lei 10.639/2003 na humanidade do negro, negada enquanto ser no cinema (Rodrigues,
2001). Faremos uma reflexão acerca da sua representatividade na cinematografia, e em
que medida isso afeta a sociedade brasileira.
Os movimentos sociais dos anos 1970 entendiam que as imagens das mobilizações
exerciam mais força que o movimento político que decorria da própria manifestação.
Abordagem na qual o Movimento Negro Unificado (MNU) entendeu a necessidade de se
lutar contra o estereótipo da inferioridade racial, configurada na imagem do negro, que
era apresentado por uma inépcia de conhecimento que o inferiorizava; justificando a
localização social de subordinação, dado pelo estereotipo negativo dos veículos de
comunicação de massa.
15
Nesta linha de compreensão surgiram as políticas de ações afirmativas, visando
contribuir para superar o racismo com instrumentos pedagógicos. A instituição da Lei
10.639/03, que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino
a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras
providências:
“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso
Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
§ 3o (VETADO)"
16
De modo geral, durante a realização de uma pesquisa algumas questões são
colocadas imediatamente, enquanto outras vão aparecendo ao longo do trabalho. A
necessidade de dar conta dessas questões para poder encerrar as etapas da pesquisa
frequentemente nos leva a um trabalho de reflexão em torno dos problemas enfrentados,
erros cometidos, escolhas feitas e dificuldades descobertas. Para Becker (1999) a
metodologia é assunto de todos os cientistas sociais, em vez de ser uma área especial de
conhecimento esotérico dominada somente por poucos especialistas.
Isso significa que temos que adaptar os princípios gerais da metodologia à situação
especifica que temos em nossa pesquisa. É de acordo com esse pressuposto de Becker que
desenvolveremos nosso trabalho.
17
Outro fator determinante para essa escolha deve-se ao comprometimento com as
questões sociais do ator, diretor, escritor, produtor e cineasta negro Lázaro Ramos que
sempre está envolvido em diversos projetos. Foi nomeado Embaixador do UNICEF no
Brasil no dia 8 de julho de 2009, devido a credibilidade que tem perante seu público e
pela vinculação que consegue fazer entre sua agenda profissional e uma agenda social
dedicada aos direitos de crianças e adolescentes brasileiros, principalmente aqueles em
maior situação de vulnerabilidade.
Minayo (2007), afirma que “pelo fato de captar formalmente a fala sobre
determinado tema, a entrevista, quando analisada, precisa incorporar o contexto da sua
produção e, sempre que possível, ser acompanhada e complementada por informações
provenientes de observação participante”.
A obra de André Bazin “Qu’est-ce que Le cinema?” (O que é o cinema?), servirá
de base para darmos início as nossas discussões acerca do cinema, já que para falarmos
de Cinema Negro faz-se necessário a compreensão do que é o cinema em seus mais
diversos aspectos. Até a atualidade não obtivemos uma definição única do que é o cinema,
diversos críticos e historiadores vêm tentando significa-lo, colocando-o dentro de sentidos
e formulas, no entanto, não há apenas um caminho, como afirma Merten (2010), “o
cinema encerra em si todos os caminhos”.
Não podemos entender o cinema como uma invenção única, é preciso ir além, vê-
lo como algo que sofreu diversas transformações e foi fonte de várias pesquisas científicas
para projetar imagens em movimento.
18
confrontou a estética tradicional eram brincadeiras infantis em comparação com as
suscitadas pelo cinema, como afirma o autor.
Para dar uma possível explicação à discussão que propomos buscaremos em Gilles
Deleuze o sentido filosófico do cinema, compreendendo-o como imagem movimento e
também como imagem-tempo. Deleuze discute a atuação do cinema na busca humana
pela cristalização do tempo, no sentido de resistir à perenidade da vida através da captura
e preservação de instantes.
Outras obras que contribuirão para o desenvolvimento de nossa pesquisa são os livros
organizados por Edileuza Penha de Souza, uma coleção com três volumes intitulados
“Negritude, Cinema e Educação: caminhos para a implementação da Lei 10.639/2003”,
onde diversos autores analisam filmes nacionais e estrangeiros e indicam maneiras de
utilizá-los em sala de aula, de modo a contribuir com a aplicação da Lei 10.639/03.
A obra “Racismo e Educação: contribuições para a implementação da Lei 10.639/03”,
organizada por Guimes Rodrigues Filho e Cristina Mary Ribeiro Perón, contribui para a
reflexão sobre a superação do racismo no ambiente escolar.
A Mostra Internacional de Cinema Negro será analisada como reflexo das diversas
lutas dos movimentos de massa e importante disseminadora do cinema negro na
atualidade.
19
1. CAPITULO I – SURGE A CINEMATOGRAFIA: DIVERSAS
ABORDAGENS SOBRE O CINEMA
Para se fazer uma discussão sobre o movimento conhecido como Cinema Negro,
compreendemos que seja necessário recapitular o surgimento do Cinema. Entender os
fatores que favorecem sua expansão, como arte e expressão da cultura, pelo mundo.
20
parcelado, setorializado, a não ser para fins de exposição didática. Se o
desenvolvimento econômico não trouxer consigo modificações de
caráter social e político; se o desenvolvimento social e político não for
a um tempo o resultado e a causa de transformações econômicas, será
porque de fato não tivemos desenvolvimento. As modificações
verificadas em um desses setores terão sido tão superficiais, tão
epidérmicas, que não deixarão traços”. (BRESSERPEREIRA, 2002, p.
31)
O surgimento do cinema, não pode ser compreendido, apenas como uma invenção
meramente tecnológica, mas como um invento que marca o desenvolvimento, político,
social e econômico do final do século XIX e início do século XX.
Além disso, outro fator marcante desse período é a partilha do continente africano
entre as principais potencias mundiais. Entre os séculos XV e XVIII a justificativa para
se escravizar os africanos era o cristianismo, que pregava que essa era a única maneira de
salvá-los da barbárie. A partir do século XIX o discurso é modificado, agora se faz
necessário estimular o desenvolvimento desse continente no modelo europeu. Como
explica Campos e Claro (2013):
Esse processo influenciará diversas lutas pela independência de países africanos ao longo
do século XX, o que também se torna tema de inúmeros filmes do Cinema Negro.
Não é possível compreender o cinema como uma invenção única, é preciso ir além,
vê-lo como algo que sofreu diversas transformações e foi fonte de várias pesquisas
científicas para projetar imagens em movimento. Como por exemplo, o aperfeiçoamento
das técnicas fotográficas, a invenção do primeiro suporte fotográfico flexível (a
celuloide), que permitia a passagem por projetores e câmeras e também o melhoramento
de técnicas de maior precisão para montar as projeções.
O cinema se deve muito a Thomas A. Edison que com o auxílio de uma equipe
em New Jersey, trabalhava para construir máquinas que projetassem fotografias em
21
movimento. Segundo Costa (2006), em 1894 na cidade de Nova Yorque foi lançado o
salão de quinestocópios, com cerca de dez máquinas, apresentava em cada uma delas um
filme diferente. Quinestocópio era uma máquina que possuía um visor individual, onde,
através da inserção de uma moeda poder-se-ia assistir a uma tira de filme, geralmente
números cômicos, animais amestrados ou bailarinas. De acordo com Costa (2006):
22
em duas fases. A primeira apresenta como uma de suas principais características o
predomínio de apresentações documentais e atualidades e vai de 1894 até 1903. Na
segunda são criadas narrativas simples e os filmes de ficção passam a ter múltiplos planos
e até superam as atualidades, essa fase tem início em 1904 e dura até 1907.
Outro período destacado pela autora é o de transição, marcado pela busca das
empresas em atrair a classe média e com isso, fazer o cinema ganhar mais respeito, no
entanto, o público de classe baixa, continua a assistir as apresentações cinematográficas
em cinemas mais baratos. Notamos um grande esforço em se organizar novas estruturas
narrativas, mas estas ainda se mostram confusas. Como afirma Costa (2006):
“Os filmes de rolo único já não são populares: foram substituídos pelos
longas. Há novas companhias independentes. A exibição de filmes
agora é dominada pelos enormes e luxuosos palácios do cinema, muitos
23
deles propriedade das empresas produtoras de filmes. O melodrama,
com sua moralidade polarizada e defesa da ordem social, passa a ser o
gênero dominante”. (COSTA, 2006, p.28).
O movimento ideal que se desenvolve para quem lê e ouve, requer um esforço pujante.
Como afirmam Guido e Estevinho-Guido (2012), a filosofia é generosa no incentivo a
imaginação daqueles que a contemplam, quem recebe a mensagem dos filósofos ganha,
também, o convite a habilidade criativa. Vejamos a alegoria da caverna, de Platão, o
destaque dado é para que a arte exceda o dia-a-dia, quando o prisioneiro sai das sombras
da caverna para ver o mundo lá fora, para que isso aconteça faz-se necessário romper com
a apatia do cotidiano.
Walter Benjamin faz um estudo sobre Brecht, acerca do teatro épico, destacando as
funções desta arte. Para Brecht o teatro não se funda na literatura, não reproduz condições,
no entanto, as descobre. As formas do teatro épico correspondem às novas formas técnicas
do século XIX, o cinema e o rádio. Por princípio, esse teatro não conhece espectadores
retardatários. Essa característica demonstra, que sua ruptura com a concepção do teatro
como espetáculo social é mais profunda que sua ruptura com a concepção do teatro como
diversão noturna. O teatro épico questiona o caráter de diversão atribuído ao teatro. Abala
sua validade social ao privá-lo de sua função na ordem capitalista e ameaça a crítica em
seus privilégios.
Antes do surgimento da fotografia a obra de arte mantinha desde seu surgimento uma
aura sagrada, Benjamin faz uma definição deste conceito: “uma figura singular, composta
de elementos espaciais e temporais” (BENJAMIN, 1985, p. 170); o que significa que sua
posse não é destinada a qualquer pessoa e que sua reprodução não é conveniente. Aura é
“a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja” (BENJAMIN,
1985, p.171). Segundo o autor existem duas circunstâncias que explicam o declínio atual
da aura: fazer as coisas ficarem mais próximas e a tendência das massas de superar o
24
caráter único dos objetos através de sua reprodutibilidade, que se tornou possível com o
advento da fotografia.
O surgimento da fotografia foi visto por diversos estudiosos da história da arte como
profanação do divino, no entanto, Benjamin traz uma leitura diferente para esse
acontecimento:
Tanto a fotografia quanto o cinema democratizam a arte, dando acesso para públicos
cada vez maiores e diferentes. Essas manifestações sofreram diversas críticas,
principalmente daqueles que acreditavam que a arte estava restrita a produção erudita. E
segundo Guido e Estevinho-Guido os efeitos das críticas pretendiam fixar uma diferença
entre cultura e arte, sendo a primeira entendida como entretenimento das massas e a
segunda com um domínio conceitual e submetido às regras de composição apropriadas
aos cânones da concepção artística.
Para Benjamin a obra pode ser considerada como objeto de culto (valor de culto) ou
como realidade exibível (valor de exibição). O valor de culto quase obriga as obras a
manterem-se secretas, restritas as exposições museológicas ou sob propriedade de pessoas
ditas eruditas. A preponderância do valor de exibição confere à obra de arte novas
funções, faz com que ela ganhe novos espaços e chegue a diferentes grupos de pessoas.
25
rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quando à
necessidade social de seus produtos. (ADORNO, 1985, p. 114)
Para tentar compreender, ainda mais o cinema, que é nosso principal enfoque,
fomos na filosofia de Gilles Deleuze, já que esse autor analisa as composições do cinema
e, a partir delas, faz filosofia. Em sua obra Imagem-Movimento, Deleuze traz em seu
primeiro capítulo “Teses sobre o movimento – Primeiro comentário a Bérgson”, que
segundo Oliveira (2009), a escolha da filosofia bergsoniana se dá por conta de seu
vocabulário, “os textos de Bérgson são dominados por expressões linguísticas que,
posteriormente, tornar-se-iam participantes de um vocabulário técnico do cinema.
Découper, instantané, écran e o cinématographe, são termos muito atuais no período
histórico em que insere a obra bergsoniana e antecipam um léxico que tomaria conta dos
processos técnico-cinematográficos ao longo do século XX. (DELEUZE, 1983, p.10).
26
De acordo com Deleuze o cinema reconstitui o movimento através de instantes
quaisquer, como afirma Oliveira (2009), o cinema opera de modo que os instantes
quaisquer equidistantes deem impressão de continuidade, e não de poses que se
transformam em outras poses. Segundo Deleuze (1983):
Retornando a discussão sobre o cinema ser ou não arte, Deleuze afirma que:
“Nós estamos no coração mesmo da situação ambígua do cinema como ‘arte industrial’:
ele não era nem uma arte nem uma ciência”. (DELEUZE, 1983, p.16). Sendo assim, é
possível compreender que o cinema se reporta ao instante qualquer, não se aprisiona em
um instante único, movimenta-se.
27
2. O CINEMA NO BRASIL: TESTEMUNHO DA VIDA E DA ORGANIZAÇÃO
POLÍTICA NACIONAL
Os negros escravizados pelos europeus até o século XVIII não eram vistos como
seres humanos, mas como meras ferramentas de trabalho, em uma relação unicamente
econômica, neste sentido, observamos que não há preocupação com as relações humanas.
28
lo como resultante de muitas lutas e resistências dos escravizados, que sempre lutaram
por sua liberdade, como afirma Skidmore:
“Em 1887, a escravatura estava moral e politicamente minada em todas
as direções com evidentes sinais de falência social, cujo quadro não era
outro: escravos fugiam de seus senhores, o exército recusavase a caçá-
los e os juízes começavam a ignorar as reclamações dos proprietários”.
(SKIDMORE, 1976, p. 32).
Diante desses fatos, a única opção que se apresenta é a libertação dos negros que
ainda se encontravam em condição de escravidão, mas essa ação acaba se dando pelas
mãos dos fazendeiros, que haviam lutado pela permanência do sistema escravista, mas
que veem agora, os benefícios dessa mudança. Segundo Skidmore (1976) “... o fato de
comandar a etapa final da abolição deixaria a elite fazendeira no controle do governo...”.
29
Enquanto a classe dominante, formada em sua maioria por latifundiários, e a
burguesia disputam o poder político no Brasil, temos uma população esquecida e
abandonada, agora das ações do Estado. No entanto, não podemos esquecer que sempre
houve resistência por parte da população negra e no Brasil haviam intelectuais que eram
contrários ao regime escravista.
Em meio a esses acontecimentos o cinema chega ao Brasil, no início do século
XX, através do imigrante italiano Affonso Segretto, também um dos primeiros cineastas
do país, mas as exibições terão dificuldades em ser realizadas devido às precárias
condições no fornecimento de energia elétrica. Mesmo assim, nesse período haverá
centenas de pequenos filmes gravados no Rio de Janeiro e exibidos para a população
crescente que está havida por diversão e lazer.
30
“Chegou João Batista de Lacerda a afirmar que no Brasil ‘já se viram
filhos de métis2 apresentarem, na terceira geração, todos os caracteres
físicos da raça branca’. Alguns – admitiu -, ‘retêm uns poucos traços da
sua ascendência negra por influência do atavismo...’, mas ‘a influência
da seleção sexual... tende a neutralizar a do atavismo, remove dos
descendentes dos métis todos os traços da raça negra... Em virtude desse
processo de redução étnica, é lógico esperar que no curso de mais de
um século os métis tenham desaparecido do Brasil. Isso coincidirá com
a extinção paralela da raça negra em nosso meio”. (SKIDMORE, 1976,
p. 83)
Esse é o discurso que se tem da maioria de nossos intelectuais nessa época. Outro
fator que influenciava a questão do branqueamento era o incentivo recebido de visitantes
estrangeiros como nos traz Skidmore ao relatar o que o ex-presidente norte americano
Theodore Roosevelt escreve em um artigo após visita ao Brasil em 19131914 e que foi
traduzido e publicado no jornal Correio da Manhã:
Esse tipo de discurso prova que não se tem nenhuma preocupação em dar aos negros,
mestiços e indígenas condições para seu pleno desenvolvimento, enquanto povo
brasileiro, já que o que se espera é a extinção desses grupos ao longo do tempo.
2
O termo métis foi utilizado pelo diretor do Museu Nacional, João Batista de Lacerda em um relatório
intitulado Os Métis (que significa Mestiços) no I Congresso Universal de Raças, em Londres em 1911.
31
A partir de 1925 a produção cinematográfica brasileira aumenta juntamente com
a qualidade, consolida-se, nesse período, o cinema mudo. Nas décadas de 1930 e 1940 o
cinema falado ganha espaço em produções feitas, principalmente, no Rio de Janeiro,
basicamente teremos as chanchadas, como ficaram conhecidas as comédias musicais.
Segundo Jeferson De (2005), nos anos 1920 e 1930, a decupagem, cortes feitos
nas imagens para que não aparecessem imagens indesejadas nos filmes, foi utilizada no
cinema para produzir certa eugenia racial à brasileira. A passagem abaixo foi publicada
na principal revista de cinema do período mudo, Cinearte, e expressa o que parte da crítica
pensava sobre a presença de negros nos filmes:
32
país e em sua vida política. À proporção que as relações capitalistas se
ampliam, a burguesia brasileira cresce e se organiza, definindo as suas
reivindicações políticas; e, paralelamente, crescem o proletariado e o
semi proletariado, que se organizam, definindo aquele as suas
reivindicações políticas. Por força dos mesmos efeitos, reduz-se o poder
da classe dos latifundiários e no campo fermentam inquietações.
Aumenta a pequena burguesia, que se multiplica em atividades, em
disputa de melhores oportunidades. Está presente nos grandes episódios
políticos: as campanhas de Rui Barbosa, o tenentismo, a revolução de
1930. No vasto mundo rural, o campesinato começa a acordar do sono
secular: aparecem as revoluções camponesas, travestidas de fanatismo
religioso; primeiro Canudos, depois o Contestado, e prossegue na luta
dos posseiros e nas organizações atuais, as Ligas Camponesas, que tanto
surpreendem e assustam os que acreditavam piamente na eternidade do
conformismo”. (SODRÉ, 2008, p. 27)
Nas chanchadas temos atuações de atores negros que aparecem, na maioria das
vezes, como parte do cenário, seja como bailarinos ou figurantes. Há referências a cultura
negra como pano de fundo aos enredos montados. O negro aparece sempre como
secundário e, de certo modo, serve de degrau para os artistas brancos. De define bem a
representação dos negros no cinema:
33
Diante disso, percebe-se a dificuldade em se trabalhar com naturalidade a história
da África, como afirma Prudente (2002) “Pensar a milenar história africana perante a
breve história secular brasileira, por exemplo, é um exercício antropológico de difícil
realização diante da conjugação de realidades culturais tão distintas”.
Com a imagem marginal que esse continente recebe, muitas pessoas acabam
esquecendo que o Egito, uma das maiores civilizações do mundo antigo fica na África, e
que seu povo desenvolveu técnicas sofisticadas de construção, irrigação, escrita, deixando
um legado imenso para o desenvolvimento da humanidade.
No Brasil, no decorrer da década de 1930, surgem em São Paulo entidades negras
que contestam e delatam o preconceito sofrido pela população afrodescendente. Para
conter essa luta contra o racismo, constrói-se, segundo Joel Rufino dos Santos, a ideologia
da “democracia racial”, que aponta como caminho para a ascensão social do negro a
música popular e o futebol.
34
norte-americana tinha simplesmente empurrado seus mestiços para a
categoria inferior de ‘negro’.” (SKIMORE, 1976, p. 86-87)
Essa marginalização do negro brasileiro é implicada pela questão racial, onde este é
deslocado das relações consideradas socialmente válidas, por causa da discriminação.
Essa questão da miscigenação, dificulta a união do grupo afro-brasileiro, pois o mestiço
não se encaixa no grupo dos negros, tampouco no grupo dos brancos.
35
procuravam retirar as imagens de negros. Com a evolução do cinema, ocorrem mudanças
quanto aos negros que de excluídos dos filmes passam a ser representados não como
personagens reais, no entanto, aparecem agora como arquétipos.
Os pretos velhos, de início, eram os responsáveis por manter conhecimento oral nas terras
africanas, também são entidades de religiões de matriz africana como a Umbanda e o
Candomblé que são detentores de grande sabedoria, porém, ao serem representados no
cinema mudam drasticamente suas principais características. Como afirma Rodrigues
(2011):
36
“Menino exemplar que se torna um grande atleta no biográfico O rei
Pelé (1962); negro liberto que dissuade os escravos de aderir à luta
armada pela sua libertação em A marcha (1972); policial bem
intencionado que protege meninos de rua de uma terrível quadrilha em
Os trombadinhas (1979) – seus personagens didaticamente “positivos”
estão sempre muito distantes da realidade cotidiana da absoluta maioria
dos negros brasileiros”. (RODRIGUES, 2011, p. 29)
Esse personagem acaba sendo excluído pelos grupos de negros militantes, pois tende a
ser visto como traidor, já em meio aos brancos é rejeitado por não pertencer a esse grupo.
Rodrigues traz outros estereótipos tais como o nobre selvagem sempre representado
como digno, cheio de força de vontade e um exemplo de respeito. Uma versão armada
desse arquétipo é o negro revoltado, sua principal representação é Zumbi, líder do
Quilombo de Palmares, local que representou por quase cem anos a resistência dos negros
contra a escravidão.
Um arquétipo que se disseminou muito por todo o país foi o negão, atribui aos
negros apetites sexuais, pervertidos ou insaciáveis, pode, ainda, ser o objeto do desejo
ardente das jovens das classes dominantes. Uma versão feminina desse arquétipo é a
mulata boazuda, personagem que exala sexualidade, são representadas, na maioria das
vezes, como as empregadas domésticas, que despertam o desejo dos patrões. Há o
malandro, estereótipo bem comum nos filmes, é o sujeito que engana e mente para obter
aquilo que deseja, pode ser representado como mais um sobrevivente da periferia ou
mesmo um bandido. Na maioria das vezes é representado acompanhado de uma mulata
boazuda.
O crioulo doido é um tipo que fez muito sucesso no cinema nacional, por ser cômico,
simpático, ingênuo e até mesmo, infantil, raramente é o personagem central. Todos esses
estereótipos fizeram e fazem parte das representações dos negros no cinema, podemos
observar que, na maioria das vezes, não ressaltam as qualidades ou contribuições que as
populações que foram escravizadas na África trouxeram para a construção de nosso país.
Impondo a maioria da população, de origem negra, uma negação de sua ancestralidade
por sempre remeter a submissão e aceitação da condição de escravizado.
37
2.3 - Cinema Novo: Lutas de imagens no cinema nacional
38
que até então eram consideradas tabu. O Cinema Novo, segundo Prudente (1995), traz
um novo conceito:
É sensato supor que no Cinema Negro o realizador cria um cinema de luta, que
busca a reconstrução da imagem de afirmação positiva do negro. Como ensina Prudente:
39
“Cumpre lembrar que, “Leão de Sete Cabeças”, de Glauber Rocha,
talvez a mais importante obra para a fundação do Cinema Negro
brasileiro encerra inequivocamente notável sentimento de volta as
origens. ‘Ao meu quase cego ver’, é no esforço da reconstituição da mãe
África, dado por um processo de uma escatologia negra, que se percebe
a luta de afirmação ontológica da africanidade, enquanto traço estrutural
do Cinema Negro, na luta pela construção da imagem de afirmação
positiva do negro, enquanto um ensinamento para a cultura de paz”.
(PRUDENTE, 2015, p. 71)
40
3. CAPITULO III - CINEMA NEGRO: EXPRESSÃO IMAGÉTICA DE
AFIRMAÇÃO POSITIVA DO NEGRO
É sensato supor que a escravidão do negro está relacionada com inferioridade, na medida
em que o negro é utilizado como mão-de-obra apenas, possivelmente a partir disso se
41
passa a utilizar os traços culturais e físicos dos afrodescendentes como discurso para se
construir essa imagem negativa disseminada no cinema. A figura do negro não é positiva,
pois sempre remete a feiura, falta de inteligência, inabilidade.
Torna-se necessário que não nos esqueçamos que os negros sempre resistiram, das
mais diversas maneiras contra o racismo, a escravidão e a opressão. Apesar de se tornar
uma soberania nacional com a Proclamação da República, em 1889 e a democracia ter
sido estabelecida, a situação dos negros no Brasil não mudou, continuaram à margem da
sociedade.
A partir das décadas de 1960 e 1970 ocorreram alterações nos quadros políticos,
culturais e de comportamento em diversas partes do mundo. Apareceram movimentos de
estudantes e também feministas na Europa. Nos Estados Unidos, os negros lutavam por
seus direitos nas guerras civis e na África aconteceram guerras de independência em
diversos países. Já no Brasil, prevalecia a Ditadura Militar.
42
contestar a ideia de um só povo, uma só raça e da inexistência de
conflitos raciais. Era importante desconstruir o mito de que vivemos em
plena harmonia”. (SANTOS, 2007, p. 09-10)
43
memoriais, como forma de entendimento do presente. É nesse plano,
que se abre brechas para a ancestralidade, como força vital,
possivelmente, é aí, que se plasma o conceito de afro-brasileiro,
portanto só existe integração quando se considera a axiologia do grupo
étnico tratado”. (PRUDENTE, 2007, p. 07)
Nesse contexto, é possível entender a valorização da cultura negra e nosso elo com
o continente africano como base de fortalecimento do povo afro-brasileiro. No entanto, o
MNU não se preocupava só com as questões voltadas a cultura negra, havia uma
preocupação com o campo da educação, entendia-se a necessidade de se reavaliar a
história do negro no Brasil e as crianças negras ganharam atenção especial,
principalmente no combate aos estereótipos.
O Movimento Negro Unificado entendia que que a luta contra a desigualdade não
era função apenas dos negros, mas de toda a sociedade. Sendo assim, passou a se
solidarizar com outros setores minoritários. Era a compreensão de que a marginalização
dos afrodescendentes passava por outros setores da sociedade.
44
um olhar mais amplo, para que não, segundo Freire (2000), “diviniza-las ou diabolizá-
las.” Assim deve ser nossa postura diante das produções cinematográficas, pois estas, nos
possibilitariam longos debates nas escolas ou nas universidades acerca das principais
problemáticas que afetam nossa sociedade.
45
substantiva justiça e equidade social, ou seja, a construção de uma
sólida democracia.” (SILVA et. al, 2010, p. 79)
Utilizar filmes como uma possível fonte de pesquisa é uma das probabilidades
para se trabalhar a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em sala de aula. O cinema
nos permite ampliar a reflexão, desde que sejam pesquisadas outras fontes que possam ir
além do currículo oficial. A educação baseada em um currículo que contemple a
diversidade cultural, permite uma reflexão da sociedade para auxiliar a realização de uma
observação crítica das imagens que representam o mundo contemporâneo.
Para Coutinho (2009) o cinema “é uma forma de arte que se afirma nessa estreita
relação entre o social e o privado, o público e a intimidade, revelando aspectos antes
inimagináveis e, de certa forma, esgarçando seus limites”. Podemos perceber que o
cinema nos concebe um novo mundo com infinitas linguagens e possibilidades de refletir
a sociedade brasileira, questão perceptível na as abordagens do Cinema Negro.
46
estudos talvez mais comentado e aceito como relevante do que pensado
em sua complexidade e nos seus desafios enquanto espaço de reflexão
necessariamente interdisciplinar.” (KORNIS, 2008, p. 07)
47
pesquisadores que pensam em trabalhar o cinema em aulas de história como procedimento
de educação.
Sendo assim, surge a Mostra Internacional do Cinema Negro que reflete a luta dos
movimentos sociais em prol de uma imagem positiva do negro. A Mostra será nosso
objeto de estudo do próximo capítulo.
48
4. CAPITULO IV - MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA NEGRO:
REFLEXO DA LUTA PELA AFIRMAÇÃO POSITIVA DA IMAGEM DO
NEGRO NO BRASIL
De modo geral, ao iniciar uma pesquisa diversas demandas são postas imediatamente,
outras, surgem no decorrer do trabalho. Torna-se, então, necessário dar conta de tais
questões para poder concluir as fases da pesquisa que a cada passo nos leva a um trabalho
de reflexão em torno das dificuldades enfrentadas, falhas cometidas, escolhas realizadas
e problemas descobertos. O método é tema de todos os cientistas sociais, em vez de ser
apenas uma área especial de conhecimento dominada exclusivamente por escassos
especialistas.
3
O termo entropia neste caso deve ser entendido nas ciências naturais como um processo de forças
implicado em uma dinâmica que não mais se estabelece como energia.
49
volta à massa da terra, impõe-se como possibilidade da dinâmica em questão. Alternativa
possível para a compreensão da provável dimensão pedagógica do Cinema Negro visto
na inquietude reflexiva de Celso Prudente:
A Mostra Internacional do Cinema Negro foi idealizada por Celso Luiz Prudente,
antropólogo, cineasta, professor da Universidade Federal do Mato Grosso e pesquisador
do Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação (GPMSE), pertence também ao
Grupo de Estudos Educação & Merleau-Ponty (GEMPO). Possui doutorado em Educação
pela Universidade de São Paulo (USP - 2003). Tem experiência na área de Antropologia,
50
com ênfase em Antropologia das Populações Afro-Brasileiras, atuando principalmente
nos seguintes temas: cinema, reconhecimento dos realizadores, o negro; cultura, casa
grande e senzala, Cinema Novo; Glauber Rocha; Cinema Negro.
“(...) cumpre observar, que o termo cinema negro nasce com Glauber
Rocha, ideólogo do cinemanovismo. No filme “Leão de sete cabeças”,
o autor Glauber Rocha mostra uma hermenêutica, na qual a africanidade
se traduz em um terreno fértil, para a visão revolucionária do socialismo
internacional. Percebe-se nesse projeto cinematográfico glauberiano
um sentimento Afro-Latino-América.” (PRUDENTE, 2002, p.48).
51
Para a compreensão da militância da Mostra Internacional do Cinema Negro, faz-
se necessário saber que a cultura cinematográfica brasileira há tempos registra a história
do negro. Destacamos aqui a relevância de Glauber Rocha e do seu Cinema Novo que
teve forte contribuição na formação das gerações de cineastas que compuseram o Cinema
Negro. Como explica Prudente:
Percebemos aí, que a luta contra o estereótipo da imagem do negro e da sua cultura
mostrou esforço especial em favor de uma educação que concorre no sentido da superação
do racismo e também de busca de caminhos, onde a africanidade pudesse afirmar a
importância da sua cultura. Esta abordagem sugere que haja discernimento na questão da
presença positiva do negro, construído nas políticas públicas, em demanda de conquista
indicando uma reconstrução da imagem de afirmação positiva do negro e sua cultura.
52
Conhecer as origens é fundamental para a ampliação da consciência social e histórica de
uma nação.
É possível entender que a Lei 10.639/03, ainda não conseguiu atingir suas
finalidades, torna-se necessário destacar que um período de dez anos deve ser estimado
pequeno, já que leis, geralmente, demoram períodos bem maiores para se implantarem.
Observamos que um dos motivos que obstrui a plena aplicação da lei em voga, é o mito
da democracia racial, que perpetua em nossa sociedade. Essa teoria leva a crer que existe
no Brasil um convívio tranquilo dos grupos étnicos, e que todos teriam oportunidades
análogas individuais de sucesso.
Os anos 1960 e 1970 foram marcados pela ascensão dos movimentos sociais.
Como se observa nas lutas nacionalistas e movimentos separatistas no Oriente Médio, na
Europa e na Ásia. Nos Estados Unidos a luta com culminância na marcha pelos direitos
civis encontram em Luther King o pacifista que buscava no sonho os alicerces da
construção da paz, sonhando com um mundo em que as pessoas se amassem e não fossem
reconhecidas pela cor da pele e sim por seu valor humano.
Enquanto que nos países africanos o cordão da colonização caia por terra, como
resultado de sangrentas lutas de descolonização revolucionária, marcadas por influências
53
do pensamento marxista. Cabe ressaltar que esse fenômeno ocorreu, principalmente, na
África de língua portuguesa.
“(...) desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua
humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos
que a roubam, é distorção da vocação do ser mais. É distorção possível
na história, mas não vocação histórica. Na verdade, se admitíssemos
que a desumanização é vocação histórica dos homens, nada a mais
teríamos que fazer, a não ser adotar uma atitude cínica ou de total
desespero. A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela
desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como ‘seres
para si’, não teria significação. Esta somente é possível porque a
desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é porém,
destino dado, mas resultado de uma ‘ordem’ injusta que gera a violência
dos opressores e esta, o ser menos.” (FREIRE, 1987, p.16)
Sendo assim, podemos compreender que o processo de liberdade deve ser visto e
sentido por ambos os lados. A libertação do estado de opressão é uma ação social, não
54
podendo, portanto, acontecer de maneira isolada. O homem é um ser social e por isso, a
consciência e transformação do meio deve acontecer em sociedade. A forma de
imposição que o opressor envolve o oprimido faz com estes sintam-se em condições onde
ele precise do seu usurpador, ou seja, não se reconhece enquanto protagonista.
Observamos isso nas representações estereotipadas do cinema nacional, abordadas
anteriormente.
A atuação política junto aos oprimidos deve ser, portanto, uma “ação cultural” que
caminhe para a liberdade. Segundo Freire (1987) o processo de desumanização coisifica
os homens, sendo assim, lutar pela sua humanização é fazer com que estes deixem de ser
“coisas”. Os oprimidos devem lutar como homens e não como “coisas”. Nesta relação de
opressão em que estão, é que se encontram devastados. Para restaurar sua humanidade é
importante que ultrapassem esse estado de quase “coisa”.
4
Entendemos que a população brasileira em sua maioria é composta por afro-descentes. E mesmo sendo
maioria em número essa população sofre com as desigualdades e com a marginalização, estando assim,
vulneráveis.
55
Deste modo, podemos entender a dimensão pedagógica do Cinema Negro, na
medida em que por meio da luta de imagens, reconstrói a imagem de afirmação positiva
do oprimido, em busca do resgaste de sua dignidade, fenômeno defendido pelos
movimentos de massa, que podem ser compreendidos como componentes estruturais
deste movimento cinematográfico.
O diretor e ator Zózimo Bulbul é o primeiro nome que iremos destacar. Além de
ator de cinema e teatro, se fez importante no cenário de cineastas ao dirigir documentários
de curta metragem e longas. Seus filmes dialogam diretamente com as lutas do
movimento negro. São desempenhos documentais que assinalam para a história do negro,
suas lutas e as reclamações de autorrepresentação.
Zózimo sempre manteve uma possível sincronia com as demandas mais gerais
do movimento negro internacional, pois durante a Ditadura Militar no Brasil passou um
tempo em Lisboa, Nova York e Paris e viajou pelo continente da africano. Foi
influenciado pelo Cinema Novo, do qual fez parte no início de sua carreira artística,
atuou também no Centro Popular de Cultura (CPC).
56
Zózimo participou das três primeiras edições da Mostra Internacional do Cinema
Negro, sendo um dos grandes homenageados na terceira, inspirando-se para criar no Rio
de Janeiro o Centro Afro Carioca de Cinema:
“(...) ao invés de ter uma tele de televisão na minha sala, eu tenho uma
sala de cinema com quarenta lugares. E eu convido meus amigos, todos
que vão fazer o cinema, eu convido pra projetar o filme lá, que tem a
dificuldade de colocar em outros cinemão.” (Revista do Cinema
Brasileiro 2011)
57
A questão inicial da conversa é se Mautner classificaria a arte de acordo com o
que classificou Fernando Pessoa. A arte estaria dividida em três categorias segundo
Fernando Pessoa, a primeira seria a Arte Inferir aquela que é feita para agradar, a segunda
seria a Arte Média aquela que é feita para elevar e a terceira seria a Arte Superior feita
para libertar. De acordo com Mautner:
Mautner compreende que a arte é muito complexa para ser classificada, e que a
mesma está na sensibilidade das pessoas. Destaca que a arte que possui valor histórico
tem libertação e comunicação. Pois estas nos possibilitam a libertação de situações
desagradáveis e de opressões que traz uma felicidade comungada, neste momento
podemos perceber que o Cinema Negro é libertador, pois apresenta o negro como agente
histórico, libertando-o das opressões sociais. A libertação dessas opressões possivelmente
seja a luta dos movimentos negros no Brasil, para alcançar tais metas os militantes negros
utilizam todos os meios possíveis, inclusive as diversas manifestações de artes. Como nos
afirma Prudente (2002):
58
que o Brasil é a esperança do mundo, por sua cultura miscigenada. Pode-se perceber sua
luta em seu filme Demiurgo produzido em 1970, no Reino Unido, onde este diretor ficou
exilado no período da Ditadura Militar no Brasil.
Basicamente trata-se de uma obra experimental sobre exílio, poesia e o que mais
de interessante surgir na pauta, contando com a colaboração de Caetano Veloso e Gilberto
Gil. Segundo o diretor, Jorge Mautner, trata-se de "uma fábula-musicalchanchada-
filosófica que retrata muita coisa, em primeiro lugar, a saudade do Brasil". Essa produção
que faz parte do movimento cinemanovista, pelo fato de o diretor ser parceiro de Glauber
Rocha, também deve ser compreendida como realização do Cinema Negro.
Essa ilustre figura também foi entrevistada por Lázaro Ramos em seu programa
Espelho. Onde expressa toda a sua militância e crença de que os negros merecem
naturalmente todos os direitos iguais a qualquer ser humano.
59
evento homenageia-o, contando com a ilustre presença do então, Ministro da Cultura
Gilberto Gil, personalidade que sempre apoiou esta iniciativa.
60
Dessa forma, é possível observar que Joel Zito é um militante das causas sociais,
sendo por isso homenageado pelo Mostra Internacional do Cinema Negro. O esteta afirma
que suas produções não possuem a intenção de torna-lo um representante dos
afrodescendentes, mas que por ser um militante das minorias isso acaba se refletindo em
suas obras.
Jeferson De, ganha destaque por escrever o manifesto Dogma Feijoada, que
também é intitulado Gênese do Cinema Negro Brasileiro, onde o cineasta propõe sete
mandamentos para o cinema negro brasileiro. São eles: o filme tem que ser dirigido por
um realizador negro, o protagonista deve ser negro, a temática do filme tem de estar
relacionada com a cultura negra brasileira, o filme tem que ter um cronograma exequível,
61
personagens estereotipados negros (ou não) estão proibidos, o roteiro deverá privilegiar
o negro comum brasileiro e super-heróis ou bandidos deverão ser evitados.
Jeferson De destaca as influencias que o ajudaram a se tornar cineasta, como por exemplo
um filme do Spike Lee, ou a trilha sonora do filme Quilombo, interpretada por Caetano
Veloso.
“A primeira vez que eu pensei em fazer cinema foi eu acho que em 1989
vendo “faça a coisa certa” de Spike Lee. (...) A primeira trilha que eu vi
no Brasil, e que me chamou muita atenção, por exemplo, foi o Gilberto
Gil, no filme “Quilombo”, que é um filme de 1988, e acho que ela é
muito cantada (...)” (FALA, 2011).
Vale a pena ressaltar que além de Jeferson De outros cineastas como Ari Candido,
Noel Carvalho, Rogério Moura, Lílian Santiago, Daniel Santiago e Billy Castilho
formaram o grupo Cinema Feijoada. A Mostra Internacional do Cinema Negro
contempla, possivelmente, espaço para as exibições de produções de todas as épocas e os
debates intrínsecos em cada uma delas.
62
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É provável que estas questões levantadas acerca das relações raciais, perdurem por
muito tempo, mas não é nossa intenção resolvê-las. O que pretendemos e levantar pontos
para o debate para que avancem. Esse processo é impulsionado pelos ventos históricos da
ascensão internacional dos movimentos sociais que foram fundamentais a luta de
conquista da inclusão da Lei 10.639/03.
É possível observar que no início deste século ocorreram diversos avanços no que
diz respeito às políticas públicas no Brasil. Provavelmente, ao falarmos de políticas
63
públicas abordamos também a necessidade de incluir o grupo étnico racial marginalizado,
recuperando sua imagem de afirmação positiva deteriorada no impacto da ideologia de
elevação grupo racial hegemônico.
64
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1991.
BRASIL. Lei 10.639, 2003, arts. 26-A, 79-A e 79-B. Brasília – DF, janeiro de 2003.
CAMPOS, Flávio de, CLARO, Regina. Oficina de história. 1ª ed. – São Paulo: Leya,
2013.
CASTILHO, Sueli Dulce, PASSOS, Luiz Augusto, PRUDENTE, Celso Luiz. Griot do
morro: reflexões para o discernimento da construção da imagem positiva do negro. (In)
PRUDENTE Celso Luiz (org.). Cinema Negro: Algumas contribuições reflexivas para
a compreensão da questão do afrodescendente na dinâmica sociocultural da
imagem. São Paulo. Coleção Celso Prudente Africanidade, v.4 Editora Fiuzza, 2011.
CHAUÍ, Marilena de Souza. Escritos sobre a universidade. São Paulo. Editora UNESP,
2001.
COSTA, Flávia Cesarino. Primeiro Cinema. (In) Fernando Mascarello (org.). História do
cinema mundial. São Paulo: Papirus, 2006, p. 17-54.
65
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e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília – DF,
outubro 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
KORNIS, Mônica Almeida. Cinema, Televisão e História. Rio de janeiro. Jorge Zahar
ed. 2008, p. 07.
MERTEN, Luiz Carlos. Cinema: entre a realidade e o artifício. Porto Alegre, RS: Artes
e Ofícios, 2010, p. 07-14.
PRUDENTE, Celso Luiz. Mãos negras: antropologia da arte negra. São Paulo. Editora
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_______________. Cinema negro: aspecto de uma arte para uma afirmação ontológica
do negro brasileiro, (In) Revista Palmares, Ano 1, n 1, Ministério da Cultura, Brasília
2005.
66
RACISMO e educação: Contribuições para a implementação da Lei 10.639/03/
Guimes Rodrigues Filho, Cristina Mary Ribeiro Perón (organizadores). – Uberlândia
EDUFU, 2011.
SILVA, Marcos; RAMOS, Alcides Freire. Ver história: o ensino vai aos filmes. São
Paulo: Hucitec, 2011, p. 12.
SODRÉ, Nelson Werneck. Quem é o Povo no Brasil? In: Cadernos do povo brasileiro.
Rio de Janeiro, 1962.
67
7. ANEXOS
68
7.1 ANEXO I
Zózimo Bulbul: Essa casa aqui é uma forma de resistência que eu, Zózimo Bulbul,
inventei. Eu e minha mulher, que vai chegar daqui a pouco. Eu adoro cinema, só sei fazer
cinema. Teatro e cinema é a minha praia, eu não sei fazer mais nada. E essa casa estava
caindo aos pedaços, quando ela passou aqui e viu essa casa, e alugou a parte de cima. Ela
é figurinista de teatro e de cinema. Então a parte de cima é uma oficina de figurinos de
teatro e de cinema. E quando eu vi a parte de baixo, aqui em baixo era uma carpintaria,
tinha casal de cenógrafos. Cenografia é o cara que trabalha no teatro e no cinema que faz
as casas, pinta. Esse casal de cenógrafos tinhas umas maquinas aqui enormes de
carpintaria. Eu viajei e voltei. E De repente, eles me disseram “isso aqui ficou pequeno
pra mim”, porque eles ganharam uma concorrência em 2008, no maracanã pra fazer a
cenografia do maracanã nas olimpíadas. Ai eles disseram Zózimo, eu estou saindo daqui
e tem várias maquinas aqui, e alugaram uma garagem enorme aqui atrás. Quando eu vi
isso aqui vazio eu não pensei duas vezes, isso vai ser meu. Tanto que quando vocês
entraram, tem uma sala de cinema lá na frente. Repito, eu gosto e adoro cinema, faço
cinema e meus filmes e filmes de outros diretores Pretos e Pretas não passam no Brasil,
nós somos conhecidos lá fora, mas aqui não somos conhecidos. Então a aminha
resistência foi essa. Eu vou abrir uma sala de cinema pra mim e pros meus amigos pretos
e pretos passar os nossos filmes e todo ano eu faço o encontro de cinema negro Brasil-
África-américa latina. Nós precisamos nos conhecer, porque o cinema não é um livro não,
o cinema é muito rápido. Você vê que agora o festival de Canis acabou de fazer um
alvoroço ai no mundo inteiro. O Oscar americano é todo ano... Vocês não imaginam vocês
não podem imaginar, o que os Estados Unidos gastam pra fazer aquela festa da entrega
do Oscar. A entrega do Oscar é uma coisa caríssima, e dirigida psicologicamente pra
todos os povos do mundo. Eu vou dizer aqui uma coisa incrível. Eu sei, e vou passar isso
pra vocês. Quando eles fazem um filme de guerra e que ganha o Oscar, aquele canhão
que passa no filme é vendido no mundo inteiro cara, um canhão. Se o filme ganhar o
Oscar e tem um canhão, no filme de guerra, você o quanto a América vai vender aquele
canhão. Um relógio do mocinho, você vê o relógio do mocinho, todo mundo pra aquele
relógio e fala vou comprar igual, os óculos. O Oscar é essa coisa de vende, é alienação
69
mesmo, é uma fábrica internacional, economicamente muito caro, pra alienar o mundo
inteiro através do cinema.
O cinema tem uma força muito forte, vou repeti aqui pra vocês porque eu abri essa
casa e eu sei o que nós podemos fazer com essa casa. E pra adiantar um pouquinho, a
minha falação. Pra tirar o CNPJ, o alvará, pro centro afro-carioca de cinema. Eu paguei
um contador, toda firma tem que ter um contador, e esse contador disse vamos convocar
um advogado, porque eu estava tendo dificuldade pros papeis andar, burocraticamente.
Centro Afro-carioca de cinema. Me disseram Zózimo, porque que você não muda o
nome? Coloca outro nome. Muda o nome Zózimo, coloca teu nome. Não, centro Afro,
não é Afro Regee também não, carioca de cinema. Convocamos então um advogado,
preto. Levou mais dois anos, a papelada foi pra Brasília. O ministério da justiça. Desculpa
isso aqui não é medicina, não é advocacia, seria mais fácil eu abrir um centro espírita
aqui, é muito mais fácil que Centro Afro-carioca de cinema. Os caras estão com medo até
hoje disso. Isso aqui é um centro mesmo, um centro de resistência. Isso aqui é um estopim
da nossa cultura, isso aqui é hoje é uma continuação de Atos mental do negro, do Babi
Dias, Solano Trindade. Isso aqui pra mim é uma continuação dos negos de bagual*(7:00).
Isso aqui é um centro mesmo, é uma palavra de porrada cara, sabe?! Esse cinema tá se
expandido, tá se expandido mesmo. Todo ano, de proposito eu faço um encontro de
cinema negro. Zózimo, porque você não faz o encontro lá em Madureira, tem um cinema
parado lá. Vai pra Campo Grande. Não eu já aluguei pra novembro, o Odeon*(7:37). Sabe
o que que é o Odeon? O Odeon é o melhor cinema que tem aqui na Cinelândia, não sei
quem já entrou ou que não entrou. A cadeira deles é estofada, sabe o ar-condicionado
deles, o som. É um dos melhores cinemas que tem no Brasil. Eu entro na fila todo ano,
pra passar os meus filmes, os nossos filmes no Odeon.
Vou pegar pesado agora, cadê o preto? Cadê os pretos no Odeon? Ai é terrível,
cara a gente faz tudo isso. Cadê a nossa comunidade cara? Responde. Sabe eu estou
magoado, estou falando aqui estou despejando mesmo, eu vou lá na Mangueira agora
sabe, no Império Serrano para ver se desce uns crioulos ai. Mas como é que desce, pra
descer tem que colocar ônibus, no maracanã ele vai sozinho. Mas pro Odeon tem que
colocar ônibus, cara. É terrível cara.
70
7.2 ANEXO II
Durante o século XIX, alguns dos nossos principais artistas contribuíram com a
cultura brasileira com temas que envolviam o negro. Os escritores Tobias Barreto,
Machado de Assis e Lima Barreto. O poeta simbolista Cruz e Souza. O músico
Pixinguinha e muitos outros que se tornaram populares. A luta pela consciência da
importância do papel do negro no Brasil tem sido constante. A produção artística com
olhar e estética negra também cresce. Hoje temos um encontro com o passado e o presente
da cultura Afro-brasileira, na sua revista do cinema brasileira.
Ícone da cultura negra, mestre Borel, era o mais antigo alabe* (02h13min) do Rio
Grande do Sul. No candomblé são os alabeis* (02:17) responsável pelos instrumentos de
precursão das cerimonias. Os batuques tem por objetivos chamar as entidades africanas e
os orixás para participarem da festa. Reconhecido e reverenciado pelos seus
conhecimentos históricos das antigas religiões, e das mais importantes tradições
afrodescendentes, mestre Borel ou Walter Calisto Ferreira faleceu em 2011 e recebe agora
uma bonita homenagem.
71
Zózimo é uma honra ter você aqui no estúdio. A gente quer ouvir você. Eu vou
abrir falando do centro afro-carioca de cinema que fica na Lapa. Queria que você falasse
pra gente sobre o centro e como ele se movimenta como ele se articula, e quais são as
comunicações, como é esse intercambio que acontece ali dentro. Enfim.
Zózimo Bulbul: o centro carioca de cinema é um espaço que abri, e tem cinco
anos em2007 mais ou menos. Era um sonho e que de repente se tornou realidade. Sabe,
eu adoro, eu amo cinema desde garotinho. Sou aquele cinéfilo descarado, eu sei tudo de
cinema. 70 anos eu vi todas aquelas chachada brasileira, o cinema americano, a school
boys toda. E um dia eu disse: sabe que ou vou ter uma sala de cinema. Garoto, eu cismei
que eu ia ter uma sala de cinema. E hoje eu tenho uma sala de cinema. Pra passar os meus
filmes, porque eu também sou diretor e dos meus amigos. Ou você faz um cinemão ou
então fica na periferia, nos chamados alternativos.
Maria Luísa Mendonça: Mas que você tenha você tenha o direito da pesquisa,
que você tenha a liberdade de dizer o que eu quiser.
Zózimo Bulbul: e essa sala que eu abri, tem quarenta lugares. É minha. Eu bato
no peito,
Zózimo Bulbul: ao invés de ter uma tele de televisão na minha sala, eu tenho uma
sala de cinema com quarenta lugares. E eu convido meus amigos, todos que vão fazer o
cinema, eu convido pra projetar o filme lá, que tem a dificuldade de colocar em outros
cinemão.
Zózimo: olho, eu te falei, cinco anos essa sala tá existindo. Esse ano de 2011 eu
consegui uma coisa chamada, ponto de cultura, que é um negócio do município, que é
conhecimento, não é ONG, é um ponto de cultura e tem uma verba agora.
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Zózimo: esse ano, esse ano, então é, sabe a luz o aluguel, o papel higiênico, agora
esse ponto de cultura tá ajudando. E na verdade quer dizer, eu tenho que fazer, e eu faço
de dois em dois meses, de três em três meses, eu faço um encontro de pessoas interessadas
em cinema. Eu passo edições de filmes africanos e afro-brasileiros nessa sala. Pra abrir
uma discussão mesmo, e o ponto de cultura é pra isso mesmo.
Maria Luiza Mendonça: pra esse intercambio. E também você manda seus filmes
pra lá. Tem uma mostra, tem algum outro centro lá que você se comunica?
Zózimo: Olha, ainda não tem um centro, mas eu tenho ido a festivais
internacionais de cultura africana ou afro-brasileira e eu mostro os filmes lá fora.
73
7.3 ANEXO III
PROGRAMA ESPELHO
Lazaro Ramos: Fernando Pessoa criou uma escala de valores para a arte. Ele disse que:
primeiro é a arte inferior, aquela que é feita para agradar. Segundo, a arte media, aquela
que é feita para elevar. E terceiro, a arte superior, aquela produzida para libertar. Você
concorda com ele? E qual o valor da sua arte?
Jorge Mautner: eu não gosto de divisão de arte inferior, media e superior. Porque é uma
classificação. E como tudo é em eterna mutação caótica, você não pode dizer, porque, por
exemplo, o Dostoiévski, vamos pegar um exemplo, durante muito tempo, ele passou por
escritor o folheto Inesco, que era lido por senhoras, que não tinha televisão nem rádio,
então as pessoas viam Balzac, Dostoiévski, e acharam que era entretenimento, ai precisou
vir o filosofo chamado Bardi Afeia mostra que Dostoiévski era um profundo filosofo,
com aquelas questões que eram viscerais, e ao mesmo tempo a arte que agrada e é
profunda. Você tem todo o tipo. Então eu não concordo não. Por que o que diria a arte
brasileira, que é feita nos terreiros, antes mesmo pelos ancestrais indígenas. Qual é o
critério que eu vou usar? O que é a arte, e o que não é arte, hoje em dia é muito difícil,
depois do Champy também que diz que tudo é arte, que a própria vida da gente pode ser
transformada em arte. E essa classificação me lembra um pouco um preconceito, de
definição. Por exemplo, você vai me dizer a Chanchada brasileira, é arte ou não é? É arte.
Você vai ver o filme, por exemplo. Você pode dizer é Brega, o tal do Zé do caixão, mas
é arte também, então esse critério, é o critério clássico dele ainda. E ai está na
sensibilidade das pessoas. Certas coisas ficam pra sempre como arte, por que elas tinham
alguma coisa que muda as gerações e ainda tem algo a dizer. Mas eu acho que o mais
relevante pra mim na classificação se eu fosse classificar, é a arte que tem valor histórico
de libertam e de comunicação, que é o que o ser humano mais quer sempre. Liberta-se de
situações desagradáveis, opressões, sejam quais forem. E encontrarem uma felicidade
comungada. E ai é Jesus de Nazaré, que é o sermão da montanha, que virou direitos
humanos. Você defende os direitos humanos e tem sentimento de amor, você está em
plenitude. E na vida, nas ações. Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé. Então essa
sabedoria ela é uma religiosidade. E a arte como religião mesmo.
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Lazaro Ramos: ótimo começo. Então o espelho está no ar.
Lazaro Ramos: que maravilhas, que maravilha. Agora, você é muito inquieto, me parece.
Inquieto ao de ponto de em sua biografia dizer: poeta, escritor, violinista, pianista,
bandolinista, compositor, cineasta, cartunista, artista plástico e cantor. Faltou algumas
coisas? De onde vem essa inquietação?
Jorge Mautner: essa inquietação vem, claramente, porque eu sou um filho do holocausto.
Eu nasci um mês depois que os meus pais chegaram refugiados do nazismo. Meu pai,
inclusive, era do comitê de resistência judaica no exterior. E eu nasci aqui. Então, meu
dizia que amava o Brasil, e a Europa, com toda a cultura dela, o que é que fez? Fez campos
de concentração. É realmente. Eu nasci já destinado e o meu pai desde pequeno me dizia:
olha os nazismos, isso depois dos sete anos; eu com oito anos de idade ele dizia assim, o
nazismo pode voltar a qualquer instante, a gente sempre tem que estar ali, preparada. Eu
recebi como uma missão dele mesmo, e lendo os livros do mundo todo e ele escolhendo,
pra enaltecer a cultura brasileira. Ele era um entusiasta total. Ele viajava como caixeiro
viajante e me trouxa umas flechas do Mato Grosso, e dizia que o futuro era o Brasil. Aliás
Stefan Suai* (5:39), quando veio para o Brasil escreveu “Brasil: o país do futuro” e
suicidou-se porque achou que o nazismo ia ganhar. Mas isso tudo, então desde cedo eu
tive essa missão mais ainda. Minha mãe ficou paralisada, não podendo ficar muito
comigo, e eu tinha uma baba e essa baba era mãe de santo ou filha de santo do candomblé,
lá na Gloria. E durante três dias da semana ela deixava de ser minha baba e eu ia com ela.
E ela trocava de roupa e vinha como uma rainha. Ela me colocava no colo, os tambores
começavam a tocar, e ela me dizia: seus pais vieram de um lugar de gente muito má,
muito cruel, mas aqui você terá seus amigos teus irmãos. E eu adormecia no meio dos
tambores, e acordava no meio do camarim, no outro dia de novo. Durante sete anos eu
tive essa benção. Então o resto é decorrência disso.
E aos sete anos, minha mãe se separou do meu pai e se casou com um violinista.
Ai eu fui pra São Paulo. Ai tiraram meu pai e a baba, se bem que meu pai frequentou
depois a nossa casa e a baba foi me visitar quando eu tinha uns 14 anos e ai depois ela
desapareceu. Ai depois aprendi violino com meu padrasto. E ai como ele era o primeiro
viola, ele fazia também bico nas rádios, pra acompanhar a Araci de Almeida, Jorge Veiga.
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E eu ia lá também com ele pra assistir. Dos sete, oito anos até quinze. Depois eu fui calou
depois dos quinze, mas até então eu assistir com ele. O Nelson Gonsalves cantava na rádio
Record. Sentei no colo da Araci de Almeida. Memorias inacreditáveis. E teve uma vez só
que eu fiquei furioso e eu aprendia violino e ele foi fazer bi cola lá. Ai um dia ele voltou
do ensaio e mele disse: hoje estou triste. Ele era uma pessoa muito bondosa, mas aquele
dia ele estava raivosa e ai falou assim: é porque ficamos quatro horas e aquela burra não
acertou o acorde. Ai eu falei: quem é a burra? A Araci de Almeida. Ai eu escrevi no meu
livro “deus a chuva da morte Araci de Almeida igual a Beethoven, embora, ligeiramente
superior.
Essa foi eu recolhi do folclore da Paraíba, em 58, e foi a Cecilia Guarneça esposa
primeira do guarneça* (09:16) que passou “este sapo cururu, não anda de bicicleta, mas
anda por ai dizendo que a lua é careca. A se a lua fosse careca ela usava cabeleira, mas
como é bonita a bandeira brasileira, mas como é bonita a bandeira brasileira.” É a
imaginação do povo brasileiro é fantástico.
Lazaro Ramos: mas você acha que o Brasil tem muita herança do colonialismo?
Jorge Mautner: tem também, claro. Hoje em dia essa geração de hoje, ela já sabe disso.
Por exemplo, antigamente o cara achava a cultura estrangeira é superior e tentava imitar
o conjunto inglês, cantando em inglês. Hoje em dia é ao contrário, pelos pontos de cultura
jovem ele vê a música. O maracatu, por exemplo, que eu fiz um disco que vai sair pelo
Maracatu Estrela de Ouro, e é um maracatu do mestre Duda, genial. Então nesse
76
Maracatu, nós gravamos ao ar livre. Eu mestre Duda cantando, e tem às vezes um motivo
do Nelson Jacobino disse: ei mais isso ai pare, na hora do maracatu, um trecho parecido
com Popeye, aquele jazz. Ai o falaram é isso mesmo, eu tirei ali e coloquei.
Então é diferente, a cultura brasileira está no frete e se quiser ele faz recheio, um
pouco ali, hora ali. É uma outra atitude então a garotada hoje tá consciente do poder
cultural do Brasil, pra mim os outros países não tem mais inspiração nenhuma. Então o
modo do brasileiro agir e ter essa tremenda cultura que vem dois tambores, e toda nossa
visão que vem do novo, e de fabricar, pela originalidade nossa, pelo próprio isolamento
proposital, pela língua portuguesa coma a capacidade de verbos em tempos poéticos, tudo
isso e principalmente pelo trabalho, dos escravos negros que construíram o Brasil de cima
pra baixo, então as ruas as estradas as casas. Tudo, tudo e tudo e a cultura também, então
isso agora é o que explode no mundo como esperança.
Jorge Mautner: em 56 eu fiz o partido do caos, que já era uma ideia assim, em 62 eu fui
trabalhar com Mário Chemer no comitê central do partido comunista.
Jorge Mautner: É porque o caos, a ordem apolínea era muito repressiva. Então o caos é
a novidade, o inesperado, inclusive era um ensinamento do meu pai. Esse caos na verdade
se baseia no momento em que a filosofia chegou e, os cientistas estavam fazendo os
primeiros experimentos transformando matéria em energia, então o cara deixou umas
pedras que ele tinha achado em cima de uns negativos e quando ele voltou tinha radiação.
Isso são ideias que vinham e contradiziam todas as ideias de sequência lógica. O que que
existe ai, começa a existir o cálculo da incerteza, eu quero calcular de repente ao contrário.
Então esse relativismo. Tudo é ondulação, como nós artistas sentimos. E mais ainda
pesquisas noivas sobre neurônios dizem que a informação só chega ao cérebro se ela for
banhada de emoção. Então são coisas totalmente novas que os poetas já suspeitavam os
pré-socráticos, várias pessoas já tinham dito. Mas der repente, essa prova cientifica e essa
novidade que nos cerca ela é toda fruto desse caos. Então doeu que é o caos, o caos
inclusive virou nome da matemática do cálculo da incerteza. Em que o número um, pode
ser o número um e o número dois e ao mesmo tempo cinco. Então o que é isso é loucura?
Não é caos. É como a natureza é. É um mistério. Então pra se desvelar isso, a matemática
77
tem a matemática fractal. Que é essa matemática caótica, em que o número 1 tem o
número 1 apaixonado, tem o número um raivoso, tem o número um entediado. Você
categorias emocionais nas abstrações. E esse já é o mundo atual das ciências, que bate
com todas as visões dos, Fernando Pessoa com a simultaneidade de vários cérebros. Pra
que Fernando Pessoa? O candomblé aqui como se reinterpretou ele inventou os
arquétipos, antes de youg. Por que na África só aquele lugar lá é de Oxum, aquele outro
é quetu onde Oxóssi lançou a flecha. Mas aqui no Brasil todas as matas e floretas são de
Oxóssi. Todos os rios de oxum, são os arquétipos. Mas ainda tem o jogo dos búzios e que
tem a emoção fractal de novo, e a emoção é inteligência, inteligência emocional é uma
palha do reflexo disso que eu estou falando. Nem toda inteligência tem que ser emocional.
Tem o jogo dos búzios, que entra o acaso, esse misterioso acaso que é o caos. E ai você,
mas mais ainda tem o jogo do Yfa que é jogo do Ychido chinês africano, na verdade ele
é o primeiro, o ser humano nasceu na África, mas vamos deixar assim, ele é Ychido o
africano, com as varetas, aquelas possibilidades do isco. E mais ainda o ser humano tem
pelo menos três cabeças, uma na frente e duas do lado e do outro. Então você imagina
isso. Já estamos à frente das ciências, a ciência não tá evoluindo é fantástico. E então a
dificuldade das crianças nesses 4.000 pontos mais variados, mas muitos lugares humildes
em que a garotada é muito inteligente há dificuldade em aprender a matemática linear,
porque eles já estão com essa simultaneidade na cabeça. Não é fantástico isso?
78
aconteceu sempre continuei propagandeando isso e essa necessidade e quase natural.
Quando nós estamos conversando aqui, tem outro grupo conversa, então vai criando. É
intrínseco a minha biologia, sou formador de célula nato, mas são reuniões de pessoas de
todo o tipo e interessa essa conversa a todos os artistas.
Lazaro Ramos: você é considerado, se não o mais, um dos compositores mais gravados
em vida aqui no Brasil.
Jorge Mautner: Não mas eu acho que eu não, isso bom eu não sei, quem fez essa
pesquisa, bom eu não sei. Eu acho que eu posso ser bem gravado, mas o mais gravado
não sei.
Lázaro Ramos: então já que estou te provocando, vou te provocar mais um pouquinho.
Você faz composição pra agradar o cantor?
Jorge Mautner: Olha eu não tenho problema de agradar o cantor. Acontece que, por
exemplo, a tal música de encomenda não tem problema alguma, qual o problema? Se for
falar, eu quero assim, assim, mas eu faço na minha medida, eu não vou me esforçar demais
pra dilacerar, no máximo que posso ao ponto de coincidir o que eu penso dessa pessoa,
ou e vai ficar bem ou às vezes até ao contrário, o eu ninguém pensar pra chamar a atenção.
Então é isso, mas eu não tenho uma priori, um pensamento de exclusão. Tem um poema
do Brecht, ele não é assim mas eu só vou dizer a ideia: “quem é o partido (estava falando
do partido) quem é o partido? Será que ele mora dentro dessa casa, nesses apartamentos?
Que é ele. Não, o partido sou eu, vou, somos nós. Por isso se você sabe o caminho e não
conta pra nós, do que adianta sua sabedoria sozinha. Você pode estar certo e nós errado,
mas se você não estiver conosco como a gente vai saber. Não se separe de nós, por favor”.
Então essa força de chamar e trabalhar em conjunto e fazer música, por exemplo, de
encomenda, se me pedirem um faça, mas não sei se ela vai se encaixar bem, nunca me
pediram muitas músicas de encomenda, mas quando pedem eu tento, geralmente. As
pessoas que pedem deixa na independência. Antigamente tinha muito isso, acho que hoje
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em dia um pouco menos, rareou. Mais por que a coisa ficou tão caótica de novo que tudo
é o inesperado, na indústria que por exemplo, hoje é alternativa, passa a ser indústria e o
sucesso industrial vai pro lado. É muito rápida a mudança de tudo.
Lazaro Ramos: e você consegue escolher uma de suas composições que quando você
escuta novamente, você canta, bate um sentimento assim e te emociona muito. Eu sei que
é difícil escolher.
Jorge Mautner: Não, não é difícil escolher tem muitas que bate, por que eu gosto muito
do que eu faço, então gosto muito de todas as minhas músicas, não há música que eu não
goste. E cada tá ligada a lembranças de coisas reais e tudo eu diria que claro, Maracatu
Atômico, que saúda o Brasil d forma atômica.
Jorge Mautner: é literatura, nossa senhora, é literatura que tem começo, meio e fim.
Conta história com toda a capacidade. É fantástico imagina é literatura viva, já dançada,
expressão é arte integrada. Nietzsche dizia que os gregos tinham chegado, que a grande
meta era o ser humano, ele mesmo ser uma obra de arte o tempo todo, e aqui no Brasil
muita gente é assim, uma obra de arte o tempo todo é natural isso, é a rua que fez
sobreviver as maiores tortura, as amarguras, imagina a força disso.
Lazaro Ramos: e qual e a melhor poesia ou música para encerra uma entrevista
Jorge Mautner: “o bico do beija-flor, beija-flor, beija-flor. E toda fauna flora grita de
amor, quem segura o porta estandarte, tem arte, tem arte, a que passa com raça eletrônico,
maracatu atômico”.
80
7.4 ANEXO IV
PROGRAMA ESPELHO
Lazaro Ramos: E isso aqui que vai ficar bastante tempo também? Fala um pouco da
pintura. Como é que entrou a pintura na sua vida?
Abadias nascimento: é curioso que o Brasil não me conhece como pintor, eu não sai do
Brasil pinto, eu já pintava no Brasil, mas apenas o amigos muito chegados tinha
conhecimento dessa minha atividade. Mas eu senti logo que cheguei nos Estados Unidos
que a contribuição da minha pintura, poderia ser um dado muito positivo nesse momento
em que o negro aqui toma essa consciência de seu papel histórico e atua por quanto. A
minha pintura se baseia exatamente na da cultura africana no Brasil, eu Pinto
principalmente os problemas da mitologia, das crenças negras no Brasil, procurando
revalorizar as formas que já estão sendo confundidas ou mesmo perdidas. E isso aqui nos
Estados Unidos é muito importante por condições histórias, esses valores, essas formas,
esses mitos, esses sinais, foram mais omitidos, foram proscritos e eles agora estão na
busca desse passado. Daí a importância que tem a contribuição do negro brasileiro nesse
momento nos Estados Unidos, porque nós pudemos guardar a pesar das condições
desfavoráveis, nós pudemos guardar em maior autenticidade esses valores da cultura
africana na América.
Volta aos dias de hoje com Abadias comentando sobre suas pinturas
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Abadias Nascimento: Eu espero doar isso, quando vier uma entidade que possa cuidar
deles direitos. Eu para me separar deles eu tenho que ver aonde esses negócios vão ficar
e como vão ser cuidados.
Comentários sobre o livro “Sortilégio II (mistério Negro de Zumbi rede vivo)
82
7.5 ANEXO V
Joel Zito Araújo é cineasta mineiro, ou baianeiro (como prefere se denominar, por
ter nascido na fronteira entre os estados de Minas Gerais e Bahia). É realizador de obras
sobre a questão das africanidades no Brasil. Seus filmes receberam os prêmios de maior
relevância do cinema brasileiro: A Negação do Brasil (2001) recebeu prêmio de melhor
filme no Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade/It’s all true e de
melhor roteiro no Festival de Recife em 2001; o ficcional As Filhas do Vento (2005)
recebeu 8 kikitos no Festival de Gramado; e o documentário Cinderelas, lobos e um
príncipe encantado (2009) recebeu, pela votação do público, prêmios de melhor filme e
melhor diretor na 9ª edição do Festival Iberoamericano de Cinema de Sergipe. Joel Zito
é também pesquisador, doutor em Ciências da comunicação pela Escola de Comunicações
e Arte da Universidade de São Paulo – ECA/USP, Brasil e pós-doutor pelo departamento
de rádio, TV e cinema e pelo departamento de antropologia da University of Texas, em
Austin, nos Estados Unidos, tendo publicado os livros A Negação do Brasil – o negro na
telenovela brasileira (2001), e O negro na TV pública (2010).
83
O desejo de fazer cinema chegou primeiro na minha vida. Os filmes de cineastas
como Frederico Fellini, Michelangelo Antonioni e François Traffaut (entre outros nessa
linha autoral) abriram essa janela no meu horizonte, no final da minha adolescência. Na
faculdade, começando na psicologia, mas desde aí me encantando pela Antropologia e
Ciências Sociais. Eu comecei a me interessar pela investigação. Mas, acabei entrando no
cinema pela porta mais investigativa, pelo documentário. Na realidade, a maior diferença
entre a investigação acadêmica e o documentário (do jeito que faço) é que um necessita
de uma câmera como instrumento principal de trabalho. Portanto, somente o cinema
ficcional é que demanda uma atitude diferente. Mas, mesmo assim, me sinto
permanentemente investigando para a ficção, quando nos lugares públicos e privados, eu
observo as pessoas e escuto conversas alheias, como potenciais personagens ou potenciais
diálogos e atitudes para futuros filmes.
Na sequência formada pelas obras A negação do Brasil (2000), As filhas do vento
(2005) e De Cinderelas, Lobos e um príncipe encantado (2009), vislumbramos, entre
outros aspectos, a abordagem de temas relacionados às interpretações que a
sociedade brasileira estabeleceu do sujeito negro e de suas práticas culturais. Esse
conjunto de obras nos permite falar da existência de um projeto estético e ideológico
articulado pelo criador Joel Zito Araújo?
Totalmente. Uma estética e dramaturgia negras são partes do meu grande objeto.
Eu gostaria de evoluir para uma postura menos ideológica, menos comprometida com as
bandeiras dos “companheiros de viagem do movimento negro”. Mas ainda sou muito
atento às suas queixas e demandas. E elas tendem a refletir ou encontrar acolhida
especialmente no meu cinema documental. Mas os meus próximos projetos ficcionais
estão mais soltos, longe de pautas ou temas do momento. Na realidade, nunca me inspirei
em pauta de ninguém, mas acabei as trazendo para os meus filmes sem nenhuma intenção
inicial, sem nenhum planejamento.
84
traz, dentro de si, especialmente no seu comportamento afetivo e sexual uma enorme
herança africana e indígena. Ou se vive da influência ou se vive da recusa, mas consciente
ou inconscientemente estamos sempre relacionados a essa herança. Trazer isso para os
filmes é uma tarefa que considero fascinante.
85
curso, e participo deste interesse em realizar filmes na África ou com africanos, em várias
frentes, desde 2005.
Pode-se dizer que as críticas à sociedade brasileira, implícitas na análise da exclusão
dos afrodescendentes da teledramaturgia (vide o documentário A negação do Brasil),
fundamentam o seu modo de selecionar e dirigir os seus filmes?
Elas influenciaram muito diretamente em As filhas do vento, mas não sei o quanto
elas estão influenciando os novos projetos. Mas, a questão básica que está no filme e livro
A negação do Brasilcom certeza sempre fundamentará os meus trabalhos. Ou seja, é um
paradigma para o presente e para o futuro, dar visibilidade para a nossa diversidade racial
e desconstruir a ideologia do branqueamento. E isso é feito na atitude simples de valorizar
o personagem negro como um brasileiro comum, e não como estereótipo de si mesmo.
86
Eu nunca tive o desejo de ser representante dos afrodescendentes. Sempre fui um
companheiro de viagem. Abraço qualquer causa que me pareça justa e, por razões
midiáticas, só aparece o que falo sobre a questão racial. Mas dou minha opinião como
cidadão contra aquilo que condeno e que julgo necessitar da atenção pública ou de uma
opinião pública favorável. Uso a simpatia e respeito que o público tem pelo meu trabalho
como uma forma de auxiliar os movimentos sociais em causas que considero
fundamentais. Eu sou e sempre fui uma pessoa engajada no mundo em que vivo. Reajo a
injustiças, estupidez e desinformação. Mas, nunca desejei e nem desejo ser representante
político, institucional ou de qualquer outra forma da população afrodescendente. Não sou
candidato a nada. Os meus filmes também são cheios de críticas dirigidas para dentro da
comunidade negra. Por exemplo, as dificuldades do homem negro em respeitar a mulher
negra são temas constantemente tratados no meu trabalho. Portanto, a minha autonomia
autoral e intelectual vêm em primeiro lugar.
87
cansadas de tanta briga, Ju tomava a iniciativa de reconciliar chamando a Cida para
brincar na água da chuva, da mesma forma que chamou para brincar na lagoa no início
do filme. Seria uma passagem mais mágica, mais romântica. Essa cena aparece depois de
começar a subir os créditos. No entanto, sentimos que a discussão era muito desgastante,
que não dava clima para recomposição. Sentimos que o filme perderia muito se
tentássemos introduzir a cena da água bruscamente depois de uma briga muito dura. Esse
tipo de briga entre irmãs é como briga de casal, depois da tempestade existe uma pausa,
e somente depois surge um momento de conversa tranquila. Ou seja, demanda-se um certo
tempo. E é aí que existe a possibilidade do casal ser sensato, e cada um assumir seus erros.
Daí foi que decidimos também que o acerto de contas não deveria ser entre todas as
mulheres, mas somente entre as duas, e na igreja. Ali, no mesmo ambiente do primeiro
reencontro, cena inicial do filme, elas teriam a chance de fazer uma tentativa final de
reconciliação, numa conversa sensata, justa. E elas não iriam mais uma vez perder a
oportunidade de redenção.
E por que naquela igreja? Algum outro motivo, além de ter sido o local do
reencontro?
88
retorna para o seu torrão natal, e passa por um ponto que indica que o diretor também tem
uma possibilidade de voltar ao seu torrão. Há uma placa de sinalização criada pela direção
de arte, a meu pedido. Os poemas de Dorinha aparecem como se fossem parte do livro
“Cadernos Negros”, criado por um grupo de poetas e escritores de São Paulo, e grandes
amigos, que me convidaram para prefaciar uma de suas edições. Dorinha usa as poesias
da amiga Elisa Lucinda como se fossem suas. E, por fim, faço vários jogos com a vida
real de Ruth de Souza, usando as fotos de sua carreira nas paredes de sua casa, usando
trechos de novelas reais que participou, e que são mostradas como se fossem atuações de
sua personagem.
89
Essas três da nova geração participam de um mundo diferente daquele que Ruth e
Léa viveram em suas juventudes. Hoje o Brasil discute a questão racial, diferente da
juventude delas, quando o mito de que éramos uma democracia racial e que, portanto, não
existia o problema racial era muito mais forte e sufocava tudo. Era uma barreira que negou
muitas possibilidades para elas. Taís, Thalma e Daniele vivem em um mundo com
barreiras bem menores.
Nós não usamos filtros na cena dos gozos. Aquilo é resultado do cenário, do
figurino e da luz. Mas, a intenção quando elaborei essa sequência foi criar uma situação
de impacto que levasse o espectador diretamente para aquelas mulheres negras na
plenitude de suas vidas adultas. E o que podemos ter com mais plenitude nessa altura de
nossas vidas? A sexualidade. A cena dos gozos tentava tirar o espectador daquele universo
bucólico e reprimido de uma cidadezinha do interior de Minas e levar para um mundo
diferente em que aquelas mulheres tornaram-se donas dos seus gozos, de suas
sexualidades e tentavam ser donas de suas vidas afetivas. E desfrutavam disso cada uma
à sua maneira. E o jeito de gozar já tentava levar para o público os dramas ou o traço da
personalidade de cada uma delas: alegria, angústia, solidão e paz. A alegria de Dorinha,
a angústia da Selminha, a solidão de Cida e a paz e maturidade sexual do casal Ju e
Marquinhos. Foi, propositalmente, uma cena de impacto para jogar do bucólico para o
drama no tempo atual daquelas mulheres. Aqui cabe um parêntese, o roteiro foi um
trabalho de quatro mãos, com o Di Moretti, mas essa cena foi uma criação minha.
Sim, creio que até no passado recente tínhamos uma diferença marcante entre o
imaginário sexual das mulheres negras e das brancas brasileiras. Tomo como exemplo a
minha mãe negra e as minhas tias da linhagem paterna, branca. Quando minha mãe se
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separou no final dos anos 50, ela teve várias relações amorosas e sexuais. E isto era
absolutamente natural para ela. Foi feito sem culpas. As minhas tias se separaram no final
dos anos sessenta e nunca mais voltaram a ter relações sexuais. Os únicos homens de suas
vidas foram os maridos. Elas bloquearam novas possibilidades, correspondendo às
expectativas de suas famílias e de seu grupo social/racial. Acho que este exemplo espelha
a moralidade “branca” e a diferença com o universo da mulher negra brasileira, que desde
o tempo da escravidão foi até mesmo proibida de ter o “seu homem”. O senhor de escravos
não apenas se dava ao direito de dispor do corpo das mulheres negras, como definia se
elas podiam ter vínculos familiares ou não, ou com quem deviam procriar. A tudo isso se
associa o panteão mitológico das religiões dos orixás que, assim como os tipos
psicológicos definidos por algumas correntes da psicologia, enxergam as possibilidades
de cada ser humano ter comportamentos muito diferenciados um dos outros. Não somos
apenas homem ou mulher. Ou homem, mulher e um “terceiro sexo”. Temos uma
possibilidade muito grande de constituir tipos psicológicos, sexuais e afetivos
extremamente distintos, a partir dos orixás que determinam a nossa cabeça, ou que
influenciam nosso destino. Se você é uma filha de Iansã tende a ser uma pessoa direta no
que quer, não esconde sentimentos de ninguém. Tende a ser muito mulher, mãezona e
sensual, e também a ter períodos ou ciclos de certa ambivalência sexual, de ser mulher
em certas horas e meio masculina em outras. Mas se você for ver as características de
Oxum encontrará um jeito humano de ser muito distinto de Iansã ou de Nanã. Enfim,
quem nasce ou cresce, mesmo que indiretamente, sobre o manto imaginário dos orixás
compreende a si mesmo e sua sexualidade de forma muito distinta do imaginário branco
cristão europeu. As cenas dos gozos, que faz a passagem do passado para o presente no
filme, é uma intenção de representar essas diferenças humanas e, ao mesmo tempo,
mostrar a importância da sexualidade para aquelas mulheres.
91
que é esperado para ele na sociedade mineira e brasileira. No entanto, suas filhas o fazem
pensar. Tem um hiato de tempo que não sabemos o que aconteceu com ele. Mas ele
envelhece e torna-se mais doce. E a sua participação na Congada é a experiência que
ajuda no processo de ter orgulho de sua negritude. A incorporação daquele ritual típico
da Congada no enterro de uma pessoa com uma posição destacada em sua hierarquia tenta
passar para o público essa mudança na história do pai. Eu me preocupei também em trazer
para a ficção o universo do afrocatolicismo que é a marca da experiência negra diaspórica
de Minas Gerais e da região oeste do país. O negro baiano do recôncavo é ligado aos
orixás. O negro carioca é ligado também aos orixás e ao panteão mais miscigenado da
Umbanda. O cinema ficcional brasileiro nunca prestou atenção ao universo do
afrocatolicismo. Com As filhas do vento, tive a chance de trazer um pouquinho dessa
percepção para os espectadores.
A cena em que Ju aparece salvando as crianças, é uma das partes mais dinâmicas do
filme, considerando a música e a movimentação de câmeras. Por não ser um filme
blockbuster dá a impressão de que foi algo um pouco difícil de fazer e de montar.
Além disso, pareceu extraordinário que uma mulher daquela idade salvasse tantas
crianças sozinha. Poderia comentar a construção desta sequência e a opção por
inseri-la?
92
paterno. A irmã do meu pai, a querida tia Dulce, enfartou e morreu depois de salvar os
seus netos do afogamento, assim como Ju faz no filme. Esse drama real surgiu, quando
eu tentava criar uma cena que mostrasse as diferenças de personalidade da personagem
Ju, no segundo momento do filme. Na primeira parte, o público conheceu uma garota
mimada, coquete, meio irresponsável. E eu queria levar o filme para o confronto de duas
irmãs, de duas mulheres na terceira idade, que aprenderam com a vida, que se tornaram
mulheres interessantes. Uma, mãezona e a outra, uma artista famosa, reconhecida
nacionalmente. O seu heroísmo, ao salvar os seus netos do afogamento, teve a intenção
de mostrar essa mulher mãezona responsável, comprometida com sua prole e com traços
de culpa em relação ao incidente que levou à “expulsão” de sua irmã querida. É por isso
que na mesma sequência ela tem aquele diálogo sobre a sua decisão de não casar-se com
Marquinhos. A história real caiu, portanto, como uma luva para buscar transformar os
sentimentos do espectador em relação àquela jovem coquete do passado.
93
7.6 ANEXO VI
JEFERSON DE
Jeferson De: Primeira vez que eu pensei em fazer cinema foi eu acho que em 1989 vendo
“faça a coisa certa” de Spike Lee. Com uma trilha sonora incrível. Um filme super urbano,
que se passa em Nova York, que é uma cidade razoavelmente parecida com São Paulo. E
ai eu já estava na faculdade de filosofia e conhecia muita gente da faculdade de cinema,
e ai foi quando eu pensei, poxa que quero fazer cinema.
Trabalhos
Jeferson De: Primeiro trabalho que fiz foi com um ator que, coincidentemente hoje
também é muito conhecido. A gente rodou um vídeo inspirado numa obra. Fiquei
impressionado com uma obra de Nuno Ramos, chamado “111” que se referia ao massacre
no Carandiru. E eu fiz um vídeo chamado “one one one”, com um ator chamado Luiz
Miranda, e foi à primeira obra que fiz. E essa obra foi passar mostras* (01h00min) de
vídeo artes, já participou de festival e ai foi.
No ano de 2010, foi um filme que eu pude contar com um elenco enorme, número
de músicos, colaborando com o filme, muito grande. O filme que teve uma pré-estreia
num dos principais festivais do mundo em Berlim. Então essa é a minha pequena grande
obra, nesses 10 anos de cinema.
94
TRILHAS
Todas as trilhas que tem o Bremen het., o hitnkok, o Jon Willians, do Spielberg,
do Terach Blanter, dos filmes do Spike Lee, acho que o Woold Alen faz isso com uma
maestria, alguém comentou uma vez que o Woold Alen quando acaba de montar um filme,
ele pega vários discos de jazz na casa dele e vai sonorizando, vai escolhendo a melhor
música pra colocar no momento. Então qual quer filme do woold além você vai ouvir,
assim, umas dez ou quinze, grandes canções do Jazz.
A primeira trilha que eu vi no Brasil, que eu ouvi e que me chamou muita atenção,
por exemplo, foi o Gilberto Gil, no filme “quilombo”, que é um filme de 1988, e acho que
ela é muito cantada às vezes, mas eu adoro a trilha do filme. Umas das trilhas que eu tenho
que eu ouço muito é a trilha do filme “Lavoura Arcaica” do Marco Antônio do grupo Acti
(03h07min) e que e uma trilha que eu ouço e ouço, e até independente do filme é uma
coisa que me leva por outros caminhos e eu acho que tom fílmico ali.
MUSICA NO CINEMA
É impossível fazer cinema sem música. Você tem o timbre do ator. A gente
quando vai escolher um ator, tem muita essa coisa do timbre, daquela rouquidão de alguns
atores, da ocilidade de algumas atrizes. Pra mim é música também. Depois você tem todo
um trabalho que é a edição do som, a mixagem do som. Bem, talvez seja fácil você fazer
algum filme sem alguma canção, aquela música cantada, com poesia, com a palavra
falada é possível. Mas mesmo nos filmes mudo, e se a gente for pensar que o filme mudo
era projetado com um pianista atrás da tela, ninguém conseguiu imaginar o cinema sem
som. Pode não ser um som doble estéril, uma sala 3D, mas o cinema nasceu com a música.
É impossível você pensar em qualquer filme hoje, onde a música não seja forte.
95
ANEXO VII
Joel Zito Araújo: Diretor do filme “Raça” (Brasil): Pensando aqui, nos meus tempos
de Belo Horizonte. Eu fiz a minha graduação aqui, eu fiz grande parte do meu mestrado
aqui.
Esse aqui é um companheiro de velhas lutas daquele período e estava olhando pro
marquinhos aqui do lado e lembrando como que Belo Horizonte é uma cidade tão
contemporânea e com tanta dificuldade de assumir que ela é a capital de um estado tão
negro como Minas Gerais.
Eu vivi essa Minas Gerais, eu não sei se essa Minas Gerais mudou muito né?! Mas a Belo
Horizonte não refletia essa negritude de Minas Gerais. Não Refletia essa diversidade né?!
de povos que Minas Têm.
Joel Zito Araújo: O Festival da Imagem dos Povos, para Belo Horizonte, para Minas
Gerais, ele tem um lugar fundamental de fazer com que Belo Horizonte seja de fato
contemporânea. Tenha... conclua o seu ... O seu desejo de contemporaneidade. Porque
naquele período que eu vivia... Os vínculos estavam mais com Paris, os vínculos estavam
mais com os Estado Unidos né?! e eu acho que os vínculos têm de estar com a diversidade
do mundo né?! esse ano especialmente, eu acho que a Imagens dos Povos acentua essa
necessidade que o Brasil tem, que Minas Gerais tem mais ainda do que outros lugares do
Brasil, que é de ter vínculos com a diáspora africana e com África.
Joel Zito Araújo: Fui encontrar uma série de reflexões interessantes quando mudei para
São Paulo. Sobre a negritude, sobre os grandes poetas negros, sobre os grandes artistas
negros, os grandes pensadores, né?!, eu encontrei uma cena muito diferente, quando eu
96
sai de Belo Horizonte pra São Paulo em 84. Eu acho que essa cidade necessita e esse
estado, muito do fortalecimento da imagem dos povos.
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