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DA ANÁFORA TEXTUAL À ANÁFORA DISCURSIVA

Freda Indursky
UFRGS
Porque voltar à anáfora

Ao tomar a anáfora como um espaço teórico-analítico de reflexão, estou


pretendendo mostrar que essa noção tem sido objeto de estudo dos lingüistas de um
modo geral e que tem se mostrado muito produtiva para a lingüística textual, de modo
particular. Esse processo lingüístico, ao possibilitar a retomada/repetição, pelo viés da
pronominalização de um elemento do contexto esquerdo anterior, permite trabalhar o
objetivo central desse último campo de conhecimento que se preocupa em responder
como o texto constrói sua coesão/coerência. Ou, se preferirmos, como uma seqüência
de frases constitui um todo dotado de significação e não um mero amontoado
desconexo de frases.
Entretanto, esse processo lingüístico interessa-me particularmente por outra
razão: ele também possibilita fazer trabalhar e dar visibilidade à propriedade
discursiva que está em pauta na reflexão dessa mesa, vale dizer, as relações da
materialidade discursiva com a exterioridade.
Mais especificamente: o processo de anaforização foi por mim escolhido por
representar um processo lingüístico que pode servir para contrastar a anaforização
em seu funcionamento lingüístico e em seu funcionamento discursivo, possibilitando,
desse modo, distinguir o processo semântico de retomada/repetição no âmbito do texto
e do discurso.
Contudo, qualquer que seja o âmbito (frasal, textual ou discursivo), é preciso
frisar que é mobilizada, antes de mais nada, a injunção à interpretação. Ou seja, o
processo de anaforização determina para o lingüista, frasal ou textual, e para o
analista de discurso um trabalho de interpretação da referência dos elementos nele
envolvidos.
Entretanto, nada garante que os resultados do trabalho interpretativo desses
três analistas sejam semelhantes. Ao longo do presente trabalho, vou procurar
contrastar as diferenças interpretativas que podem ser detectadas.
Assim, ao tematizar a anáfora, meu propósito é o de mostrar que seu
funcionamento lingüístico não coincide necessariamente com seu funcionamento
discursivo, constituindo-se esse processo num espaço teórico-analítico privilegiado
para refletir sobre as relações que a forma material do discurso estabelece com a
exterioridade.
Entretanto, não estou pretendendo atribuir ao processo anafórico a
exclusividade das relações com a exterioridade. Outros processos lingüísticos já foram
identificados como espaços teórico-analíticos que funcionam como pistas desse
funcionamento geral do discurso.
Da referência à anáfora

Inicialmente, é preciso explicitar que os processos anafóricos exigem, antes de


mais nada, uma reflexão sobre a referência.
Lyons define referência como "a relação que existe entre as palavras e as coisas
(seus referentes)...", isto é, "as palavras não significam nem "denominam" as coisas,
mas se referem a elas" (Lyons, 1968).
Já para Halliday & Hasan, há dois tipos de referência; ela é exofórica quando
a remissão é feita a algum elemento do contexto situacional, isto é, quando o referente
está fora do texto (e, por essa razão, dela não se ocupam) e é endofórica quando o
referente está expresso no próprio texto (Halliday & Hasan, 1976, p.32-3). Ou seja,
esses autores, ao considerarem a referência, o fazem a partir de um ponto de vista
estritamente textual, em que a relação com as coisas do mundo é substituída pela
relação entre os termos constituintes do texto:
"são elementos de referência os itens da língua que não podem ser
interpretados semanticamente por si mesmos, mas remetem a outros itens
necessários à sua interpretação". (idib., p.31).
E os autores salientam que a referência é uma relação semântica (idib., p.32)
representada no texto por marcas gramaticais coesivas de que participam os
pronomes, os demonstrativos, os definidos e os comparativos (id., 1989, p.82). E para
tratar desse tipo de coesão, passam pela noção de anáfora (1976, p.33), da qual
passamos a nos ocupar, a seguir.
Anáfora, do grego anaphorein, significa lembrar, repetir. Há registro de seu uso
desde o século 2 d.c. nos escritos do gramático grego Apolônio Díscole que empregava
essa noção para referir-se aos pronomes que remetem a segmentos do discurso.
Modernamente, esse processo é entendido pela lingüística como segue:
"Há relação de anáfora entre duas unidades A e B quando a
interpretação de B depende crucialmente da existência de A, ao ponto de se
poder dizer que a unidade B só é interpretável à medida que ela retoma __
inteira ou parcialmente __ a unidade A". (Milner, 1982,p.18).
Essa concepção de anáfora mostra-se claramente ancorada na sintaxe da frase.
Ao mesmo tempo, como é possível perceber, a concepção de referência está na base da
noção de anáfora. Ou seja, deixa-se de relacionar as palavras e as coisas do mundo,
para estabelecer relações de referência entre as palavras. Tomemos a seqüência
textual (1) para examinar essas questões.
(1) Ruth Cardoso (A) declarou ser favorável à reeleição para o cargo
de presidente, mas foi impossível fazê-la (B) posicionar-se sobre a eventual
volta de seu marido.

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Enquanto a interpretação de A remete para a exterioridade, assinalando uma
referência exofórica, a interpretação de B (la) depende crucialmente de A (Ruth
Cardoso), ou seja, B está em relação de identidade referencial com o antecedente A.
Para melhor examinar essa relação, veja-se a descrição dela proposta em (1a):
(1a) Ruth Cardosoi (A) declarou ser favorável à reeleição para o cargo
de presidente, mas foi impossível fazer Ruth Cardosoi (B) posicionar-se
sobre a eventual volta de seu marido.
A partir de (1a), percebe-se que existe aí uma relação de correferência, assim
definida por Milner:
"há relação de correferência entre duas unidades referenciais A e B
quando elas têm a mesma referência" (Milner, 1982,p.32).
Essa concepção de correferencialidade mostra um ponto de vista eminentemente
frasal. E é o que ocorre em (1a): as duas ocorrências de Ruth Cardoso são
correferenciais e essa identidade referencial expressa-se em (1a) pelo uso de índices
referenciais idênticos.
Em minha opinião, pois, a relação de correferência está na origem do processo
de anaforização, muito embora Milner (idib, p.32) advirta que é preciso não confundir
a relação semântica simétrica de correferência com a relação semântica assimétrica de
anáfora. Assim, guardadas as devidas especificidades das duas relações semânticas ora
em consideração, reafirmo meu ponto de vista: a relação de correferência sustenta o
processo de anaforização analisado em (1a). Ou seja, a relação simétrica de
correferência, descrita em (1a), apóia a relação assimétrica existente em (1), onde a
segunda ocorrência de Ruth Cardoso (B) é substituída pelo pronome la, um anafórico,
registrando-se aí uma anáfora pronominal que, para ser interpretada, depende da
primeira ocorrência de Ruth Cardoso (A) no contexto esquerdo anterior.

Da anáfora frasal à anáfora textual

Halliday & Hasan deslocam a reflexão da frase para o texto, entendido pelos
autores como "uma unidade da linguagem em uso, não uma unidade gramatical, como
a oração ou a frase" (1976, p.1). E acrescentam que o texto é uma unidade semântica,
não de forma, mas de significação.
A lingüística textual tem se beneficiado muito dos estudos sobre referência e
correferenciação desenvolvidos pela lingüística frasal para examinar as relações
anafóricas que se instauram no interior de um texto e que se encarregam de construir
a coesão textual.
Assim, atestando a parceria existente entre a lingüística frasal e o ponto de
vista textual, lê-se na Gramática da Língua Portuguesa que
"quando um ou mais fragmentos textuais são correferentes, eles
constituem uma cadeia anafórica, isto é, uma seqüência de termos que, se um

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deles tem um dado referente, os outros também têm esse mesmo referente"
(Mateus et alii, p.200).
Vê-se aí um aproveitamento direto da reflexão produzida pela lingüística frasal
para a lingüística textual.
Cabe salientar que essa passagem é praticada sem rupturas teóricas. Vale dizer
que, ao deslizar da frase para o texto, dá-se a passagem de um nível para o outro, não
instaurando um novo objeto de análise. Diria que a passagem da frase para o texto
apenas amplia o objeto que a lingüística já havia determinado anteriormente. Os
pressupostos, entretanto, permanecem os mesmos.
Pode-se constatar também que, ao passar da frase para o texto, a problemática
da anáfora tem "o seu enfoque deslocado da sintaxe frasal para uma semântica da
sintaxe textual" (Marcuschi, 1983, p.17), em que as relações tornam-se "imanentes ao
texto e não simplesmente imanentes à língua" (idib, p.26). Ou seja, a lingüística textual
estabelece o primado da superfície textual, instituindo novas coerções até então
insuspeitadas pelos lingüistas da frase.
A esse propósito, vale lembrar a famosa afirmação de Jakobson. Segundo esse
autor,
"na combinação das frases em enunciados, a ação das regras coercitivas
da sintaxe termina e a liberdade do locutor cresce substancialmente"
(Jakobson, 1963, p.47).
Essa concepção de liberdade, à luz da lingüística textual, mostra-se, hoje, bastante
ultrapassada, pois sabe-se que existem regras que atuam ao nível textual e que, a seu
modo, são igualmente coercitivas. Diria mesmo que à noção de gramaticalidade,
ancorada na coerção frasal, corresponde a noção de textualidade, acentada na coerção
textual. Tanto é assim que, segundo teóricos do texto,
"as pronominalizações sempre correferem elementos da estrutura do texto,
nunca entidades não recobráveis nesta estrutura" (Marcuschi, op.cit, p.31).
Ou seja, a anáfora pronominal, tal como concebida no quadro teórico da lingüística
textual, é dotada de um estatuto que impõe a referência endofórica como a única
possibilidade para a sua interpretação.
Para melhor examinar essa coerção, vou analisar, a seguir, a seqüência
discursiva (2), extraída de uma alocução do presidente Figueiredo.
(2) ...o alarido dos que diziam falar pelo povo, mas eram por ele
repudiados.
Pelos parâmetros da lingüística textual, há aí uma pronominalização ou, se
preferirmos, uma anáfora pronominal, tal como analisado em (2a).
(2a)..o alarido dos que diziam falar pelo povoi mas eram por elei
repudiados.
Parafraseando (2a), pode-se reestabelecer a relação de correferência como
segue abaixo, em (2b):

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(2b) o povoi (A) repudiava aqueles que falavam em nome do povoi (B).
Vale dizer que as análises propostas em (2a) e em (2b) sinalizam uma
identidade referencial entre os dois termos vinculados pela relação anafórica aí
descrita. Essa retomada anafórica só pode estabelecer uma relação de identidade
referencial com elementos presentes na estrutura do texto, conforme vimos mais
acima, em Marcuschi. Ou seja, a interpretação, nesse quadro teórico, pode mobilizar
apenas o dito presente na superfície textual, mais especificamente, no contexto
esquerdo precedente. E como, no texto em análise, o dito que antecede ele no contexto
esquerdo é povo, essa identidade não pode ser posta em dúvida. Essa é a natureza da
coerção imposta para a interpretação da anáfora textual.
Para que essa identidade referencial seja posta em cheque é preciso fazer
intervir na análise elementos de outra ordem e que estabelecem relações entre o texto e
a exterioridade. Ou seja, a passagem da frase para o texto instituiu um novo objeto de
análise, mas a ordem permaneceu a mesma: o que interessa analisar é da ordem das
relações textuais internas. Já a passagem da frase e do texto para o discurso inaugura
não só um novo objeto, mas instaura uma nova ordem a partir da qual é preciso
contemplar de modo indissolúvel as relações internas e externas. É preciso fazer essa
passagem para poder refletir sobre a anáfora discursiva.

Da anáfora textual à anáfora discursiva

Afirmar que na ordem do discurso busca-se as relações da materialidade


discursiva com a exterioridade parece óbvio, entretanto, cabe a pergunta: como
acessar essa nova ordem? Certamente, para ingressar na ordem do discurso, é preciso
que sejam mobilizados pressupostos teóricos e metodológicos específicos.
Inicialmente, é preciso lembrar que o lingüista, ao analisar a frase ou o texto,
segmenta a superfície textual para examinar as relações que seus constituintes
estabelecem entre si. Trata-se, de toda evidência, de examinar as relações internas que
aí se estabelecem. Esse é o domínio da anáfora frasal e textual.
Contrastando com essa atitude metodológica do lingüista, o analista de
discurso não se coloca face à frase ou ao texto para segmentá-lo, mas frente a uma
seqüência discursiva para recortá-la, como salienta Orlandi (1984, p.14). Essa
distinção impõe-se fortemente porque é por seu viés que é possível captar a atitude
metodológica diferenciada deste último. Dito de outra forma, ao recortar, o analista
não limita seu espaço de observação à interioridade. Ao recortar uma seqüência
discursiva, ele recorta uma porção de linguagem em situação, submetendo à análise
um recorte discursivo e não uma frase ou um texto. Isso equivale a dizer que
seqüência discursiva e condições de produção são constitutivos do recorte e "o recorte
é um fragmento da situação discursiva." (Orlandi, 1984, p.14). Por conseguinte, as
relações com a exterioridade são constitutivas do discurso. Com base nesse gesto
analítico, o analista de discurso coloca-se em conexão não apenas com as relações
intradiscursivas, mas, sobretudo, prioriza as relações do intradiscurso com a
exterioridade, isto é, com o interdiscurso. Esse é o domínio da anáfora discursiva.

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Essa concepção de recorte inscreve-nos na ordem do discurso, onde o
funcionamento não é mais exclusivamente lingüístico. Nela, leva-se em conta o
funcionamento discursivo, que é de natureza social, e onde os interlocutores e seus
lugares sociais juntamente com o contexto histórico-social já se colocam como
constitutivos da relação de interlocução e do sentido que através dela se instaura.
Pêcheux (1969), ao tratar desse funcionamento, leva em conta as formações
imaginárias que determinam não apenas os interlocutores, mas também o referente.
Ou seja, interlocutores e referente, ao passarem pelo filtro das formações imaginárias,
participam do discurso não como representações empíricas, mas como o resultado de
um trabalho discursivo que é constitutivamente ideológico.
Estes são os elementos minimamente necessários para acessar a ordem do
discurso. E é nesse contexto teórico-metodológico que pretendo retomar a seqüência
textual (2), mas dessa vez considerando-a como um recorte, vale dizer, como uma
seqüência discursiva e suas condições de produção. Por essa razão, renumero-a para
(3).
(3) ...o alarido dos que diziam falar pelo povo, mas eram por ele
repudiados.
Para que ele seja adequadamente interpretado na ordem do discurso, é preciso
fazer intervir outros elementos que não se encontram materialmente presentes na
superfície textual. Ou seja, é preciso questionar a referência de povo para decidir se
ele retoma de fato povo. Nunca é demais frisar que não estou pondo em dúvida que ele
retoma a forma lexical povo. O que me desejo questionar é se ele repete a referência de
povo, seu antecedente.
Para tanto, é preciso admitir que para interpretar esta anáfora, ancorada
textualmente sobre a forma lexical presente em seu contexto esquerdo, faz-se
necessário recorrer a uma referência exofórica. Para tanto, impõe-se questionar:
quem falava? sobre o que falava? quem repudiou o quê?
No contexto sócio-histórico em que tal discurso foi produzido (16o aniversário
da ditadura militar), pode-se perceber que há referência às "causas" do golpe militar.
Procura-se justificar a intervenção das Forças Armadas, mostrando que o ambiente
era de turbulência política. Assim, é possível tomar como referência para os que
diziam falar pelo povo [.aqueles que defendiam as reformas de base durante o Governo
Goulart, como a agrária, por exemplo ], e como referência de povo [ os trabalhadores
rurais ], vale dizer, aqueles a quem uma reforma dessa natureza pode interessar.
Ou seja, ultrapassa-se claramente o limite do texto e adentra-se em um espaço
externo ao texto em análise, o interdiscurso. Nesse espaço externo, encontram-se os
outros discursos que estavam igualmente em circulação. A partir dele, não é possível
compreender como o povo que vai ser beneficiado por tais reformas repudia aqueles
que as defendem. Trata-se aí de uma aparente contradição que se estabelece a partir
da alegada correferência descrita em (2a) e propiciada pela representação imaginária
projetada pelo sujeito desse discurso a propósito do referente de povo. Para resolvê-la,
é preciso atribuir a povo uma outra referência, dissolvendo a correferência proposta
anteriormente em (2a) e (2b). É o que (3a) propõe.

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(3a)...o alarido dos que diziam falar pelo povoi, mas eram por elej
repudiados.
Nessa nova interpretação, povoi ainda tem como referência [ trabalhadores
rurais ], mas elej remete para uma outra representação imaginária de povo, [ os
latifundiários ]. Estes, com certeza, tinham razões de sobra para repudiar as
bandeiras reformistas que iriam de encontro aos seus interesses.
Assim, a anáfora textual, importante para prover interpretações na ordem da
semântica da sintaxe textual, nem sempre é suficiente para dar conta das relações
referenciais que subjazem aos processos semânticos que entretecem texto e discurso.
Em meu entender, a anáfora discursiva ele retoma a forma lexical povo, mas
não repete sua referência. Dito em outras palavras, pode haver a pronominalização de
um antecedente presente no contexto anterior esquerdo, sem retomá-lo em sua
integralidade. Na prática, isso implica a consideração da anáfora discursiva partir de
um comportamento misto que envolve relações endofóricas e exofóricas. Esse processo
anafórico misto é possível porque a interpretação proposta em (3a) faz parte do
universo de referência deste discurso, e, por essa razão, não precisa ser efetivamente
repetida para ser lembrada. Pensar o processo anafórico na ordem do discurso
implica, pois, a interpretação e a produção de efeitos de sentido insuspeitáveis na
ordem do texto.
A anáfora discursiva constrói-se, pois, sobre um dito retomado na superfície
textual e sobre um já-dito retomado na exterioridade do texto. É sobre o primeiro que se
constrói a retomada lexical e a coesão textual, mas é sobre o segundo que se ancora a
referência do dizer atual e a coerência discursiva. É ainda em relação a este segundo
laço coesivo que o sujeito do discurso toma posição. Essa dupla ancoragem está na
base de interpretações aparentemente tão contraditórias quanto (2a) e (3a).
Essas duas interpretações apontam para a tensão discursiva que existe em
torno da questão que está em debate, ao mesmo tempo que permitem visualizar como
a representação imaginária do referente aponta para diferentes posições-sujeito a
propósito de uma determinada questão.
Por essa razão, a referência de ele em (3a) não é da ordem do recuperável
textualmente, pois não há nenhuma marca formal que caracterize esse tipo de
retomada referencial. Essa forma de anáfora decorre de uma paráfrase discursiva e
não de uma derivação morfo-sintática. A pronominalização exofórica tem, pois, em sua
base uma predicação exterior/anterior ao ato de enunciação atual. Ou seja, a anáfora
discursiva representa um preconstruído, tal como formulado por Pêcheux (1975),
Henry (1975) e (Sériot, 1986).

Um paralelo dos dois funcionamentos discursivos

Comparando o funcionamento lingüístico e o funcionamento discursivo do


processo de anaforização, pode-se dizer que a anáfora textual retoma um dito presente
exclusivamente na superfície textual, mais exatamente, no contexto textual anterior
esquerdo, enquanto a anáfora discursiva retoma, além desse dito, um já-dito presente

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no interdiscurso específico do discurso em questão. A primeira é da ordem do textual,
a segunda é da ordem do discursivo. A primeira relaciona elementos presentes no
texto, a segunda interliga elementos presentes na materialidade discursiva com
elementos que dela estão ausentes, mas que podem ser recuperados no interdiscurso.
Com base em tudo quanto precede, pode-se afirmar que a pronominalização
exofórica representa um ponto de passagem da continuidade textual para a
descontinuidade discursiva existente entre o texto e seu interdiscurso. Em suma, a
anáfora discursiva é um vestígio privilegiado do contato que o texto mantém com sua
exterioriade. Essa passagem estabelece uma ruptura fundante que está na base da
distinção existente entre texto e discurso.
Dessa forma, é possível dizer que a anáfora pronominal está na base da coesão
textual e discursiva. Mas esta afirmação não significa que elas atuem igualmente no
texto e no discurso. Há diferenças substantivas que é preciso destacar nesse momento
final.
Enquanto provedor da coesão textual, esse processo encarrega-se de promover
a retomada/repetição de elementos textuais, estando na base de procedimentos
anafóricos que retomam o dito no contexto esquerdo como seu antecedente. Mas assim
refletindo, parte-se do pressuposto que o texto contém em seu cotexto todos os dados
necessários para sua interpretação. Esse é o funcionamento endofórico da anáfora
textual.
A partir da Análise do Discurso, é possível postular um outro ponto de vista
que considera ser o cotexto importante, mas insuficiente para prover coerentemente
certas interpretações. Por essa razão, procura o antecedente desses processos
anafóricos também fora do texto, admitindo que é possível reivindicar o
funcionamento exofórico para a anáfora. Nesse tipo de funcionamento, esses
elementos lingüísticos também estabelecem um laço coesivo, mas, nesse caso, também
com elementos externos ao texto, presentes no interdiscurso e é sua retomada que
provê a estabilização referencial para a anáfora em análise.
Pela consideração da anáfora exofórica, ultrapa-se amplamente o limite da
discussão das anáforas textuais e do papel que elas desempenham na coerência interna
de um texto, para considerar tais anáforas como o vestígio das ligações que se
estabelecem com a exterioridade, as quais entrelaçam inextricavelmente o texto com o
interdiscurso, ancorando sua coerência também na exterioridade.
Desejo, pois, para finalizar, glozar uma afirmação de Culioli. Para o autor,
"não é possível passar da frase para o enunciado por um procedimento de extensão.
Trata-se de uma ruptura teórica de conseqüências incontornáveis" (CULIOLI, apud
ADAM, p.11). Da mesma forma, pretendo não ser possível passar da anáfora textual,
enquanto funcionamento endofórico, para a anáfora discursiva e suas relações
exofóricas por um mero procedimento de extensão. Ou seja, não se trata de mais um
nível lingüístico do processo anafórico que iria da frase, passaria pelo texto e
desaguaria no discurso. Trata-se de uma passagem que instaura um outro espaço
teórico-analítico. Essa passagem exige igualmente rupturas teórico-metodológicas
para que seja possível acessar a ordem do discurso.

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