O dilema do milk-shake
A GRANDE IDEIA
Milk-shakes de manhã
Em meados da década de 1990, dois consultores de Detroit me perguntaram
se poderiam me fazer uma visita em meu escritório na Harvard Business
School para obter mais informações sobre minha teoria das inovações de
ruptura, então recém-publicada. Bob Moesta e Rick Pedi, seu sócio na épo-
ca, estavam desenvolvendo um negócio de nicho prestando consultoria a
padarias, confeitarias e fabricantes de lanches a respeito do desenvolvimen-
to de novos produtos que as pessoas previsivelmente comprariam.
Ao discutirmos a teoria das inovações de ruptura, pude perceber que
ela previa de modo bastante nítido o que as empresas estabelecidas fariam
diante de uma ruptura iminente, proveniente de pequenos confeiteiros e
empresas de petiscos. Com relação a isso, apresentei um enunciado claro
sobre causa e efeito. Contudo, à medida que conversamos, tornou-se evi-
dente que a teoria das inovações de ruptura não oferecia um roteiro para os
clientes deles. A teoria das inovações de ruptura não oferece uma explicação
causal clara sobre as ações ofensivas que uma empresa deve empregar para
ser bem-sucedida: se fizer isso, e não aquilo, terá êxito. Na verdade, percebi
que, se uma empresa tem a intenção de provocar rupturas em uma empresa
consolidada, é provável que as chances de criar exatamente o produto ou
serviço para alcançar esse intento sejam inferiores a 25%. Quando muito.
Durante anos me concentrei em compreender o motivo do insucesso de
empresas notáveis, mas constatei que eu nunca realmente refleti acerca do
problema inverso: como as empresas bem-sucedidas distinguem de que forma
devem crescer?
Só depois de alguns meses é que finalmente obtive uma resposta. Moes-
ta conversou comigo sobre um projeto para uma cadeia de fast-food: como
vender mais milk-shakes. Eles haviam passado meses estudando detalha-
damente essa questão. A cadeia recorreu a clientes que se enquadravam
no perfil de um consumidor perfeito de milk-shake e os bombardeou com
perguntas: “Você poderia nos dizer o que poderíamos melhorar em nos-
sos milk-shakes para que você compre mais? Você gostaria que eles fossem
mais baratos? Mais espessos? Consistentes? Tivessem mais chocolate?” Até
mesmo quando os clientes explicavam o que eles imaginavam querer, era
difícil saber exatamente o que fazer. A cadeia experimentou várias coisas em
resposta ao feedback dos clientes, inovações com o propósito específico de
satisfazer ao maior número de possíveis consumidores de milk-shake. Após
alguns meses aconteceu algo notável: nada. Mesmo depois de todas as ini-
ciativas empreendidas pelos profissionais de marketing, não houve mudança
nas vendas, na categoria de milk-shakes da cadeia.
Diante disso, fizemos a pergunta de uma forma totalmente diferente:
Que tipo de trabalho na vida das pessoas as motiva a vir a este restaurante
para “contratar” milk-shakes?
Imaginei que essa seria uma maneira interessante de pensar o proble-
ma. Esses clientes não estavam apenas comprando um produto; eles estavam
contratando o milk-shake para um trabalho específico na vida deles. O que
nos motiva a comprar produtos e serviços são as coisas que ocorrem conos-
co o dia todo, todo dia. Todos nos deparamos com trabalhos ou tarefas em
nossa vida cotidiana que precisamos realizar. E ao realizá-los, contratamos
produtos ou serviços para concluí-los.
Munida dessa perspectiva, a equipe permaneceu por 18 horas em um
restaurante, observando as pessoas: em que horário compram milk-shakes?
O que estão vestindo? Estão sozinhas? Compram alguma outra comida para
acompanhar? Tomam o milk-shake no restaurante ou o levam?
O que se constatou foi uma venda surpreendente de milk-shakes antes
da 9h para pessoas que entravam sozinhas no restaurante. Esse era pratica-
mente o único produto que elas compravam. Elas não paravam para tomá-lo
lá; entravam no carro e dirigiam com ele na mão. Diante disso, pergunta-
mos: “Com licença, mas preciso desvendar esse quebra-cabeça. Que traba-
lho você está tentando realizar para si mesmo que o motivou a vir aqui e a
contratar esse milk-shake?”
A princípio, os próprios clientes tiveram dificuldade para responder
essa pergunta, até o momento em que procuramos investigar o que mais
eles contratavam ocasionalmente em vez de milk-shake. Não demorou mui-
to para percebermos com clareza que os clientes do início da manhã tinham
o mesmo trabalho a ser feito: tinham um longo e entediante percurso até o
local de trabalho. Eles precisavam de algo para manter aquele percurso inte-
ressante. Na verdade, eles ainda não estavam com fome, mas sabiam que em
algumas horas, no meio da manhã, o estômago começaria a roncar. Havia
muitos concorrentes para esse trabalho, mas nenhum deles o fazia perfeita-
mente. “Algumas vezes contrato bananas. Mas pode acreditar no que digo:
não consuma bananas. Elas são digeridas muito rapidamente – e você ficará
com fome novamente no meio da manhã”, um deles nos disse. Os doughnuts
se desfaziam com muita facilidade e os clientes ficavam com os dedos gru-
dando, sujavam as roupas e o volante ao tentar comê-los e dirigir ao mesmo
tempo. Os bagels eram sempre secos e sem sabor, e isso forçava as pessoas a
dirigir o carro com o joelho para passar requeijão e geleia nos pães. Outro
cliente confessou: “Certa vez contratei uma barra de Snickers. Mas me senti
tão culpado por comer doce no café da manhã que nunca mais voltei a fazer
isso”. Mas milk-shake? Era o que havia de melhor. Levava-se um tempo para
consumir um milk-shake espesso com um canudo fino. E o milk-shake era
suficientemente nutritivo para evitar os acessos de fome no meio da manhã.
Um cliente foi mais longe: “Este milk-shake. Ele é muito espesso! Com certe-
za levo uns 20 minutos para sugá-lo com este canudo. Quem se importa em
saber quais são os ingredientes? Eu não. Só sei é que fico satisfeito a manhã
inteira”. “E ele se encaixa direitinho no meu porta-copo”, disse ele erguendo
a mão desocupada. O que se constata é que o milk-shake cumpre melhor
essa função do que qualquer um dos concorrentes – os quais, na mente dos
clientes, não são apenas milk-shakes de outras cadeias, mas bananas, bagels,
doughnuts, barras de cereais, sucos vitaminados, café etc.
Quando a equipe reuniu todas essas respostas e examinou os diferentes
perfis dessas pessoas, outro fator ficou claro: o que esses consumidores de
milk-shake tinham em comum não tinha nada a ver com seus dados demo-
gráficos individuais. Na verdade, todos eles tinham um trabalho em comum
que precisavam realizar de manhã.
“Ajudar a me manter acordado e ocupado e ao mesmo tempo tornar
mais agradável meu percurso até o local de trabalho.” Tínhamos a resposta!
Infelizmente, não era tão simples.
Acontece que muitos milk-shakes são comprados à tarde e à noite, fora
do contexto da locomoção para o trabalho. Nessas circunstâncias, os mes-
mos clientes podiam contratar um milk-shake para um trabalho completa-
mente diferente. Os pais têm de dizer “não” para os filhos com relação a um
grande número de coisas ao longo de toda a semana. “Nada de brinquedo
novo. Não, você não pode ficar acordado até tarde. Não, você não pode ter um
cachorro!” Percebi que eu era um desses pais, e procurei por um momento
me relacionar com meus filhos. Estava procurado algo inofensivo para o
qual pudesse dizer “sim”– para me sentir um pai afável e amoroso. Lá estava
eu na fila com meu filho no final da tarde. Pedi uma refeição. Meu filho
então fez uma pausa e ergueu os olhos para mim, do modo que só um filho
consegue fazer, e perguntou: “Papai, posso tomar um milk-shake também?”
E o momento então chegou. Não estávamos em casa, onde prometi para
minha esposa restringir lanches não saudáveis por volta da hora de refeição.
Estávamos em um lugar em que podia finalmente dizer “sim” para meu filho
porque aquela era uma ocasião especial. Estendi o braço para baixo, colo-
quei a mão sobre o ombro dele e disse”: “Claro, Spence, você pode tomar um
milk-shake”. Nesse momento, o milk-shake não está competindo com uma
banana ou uma barra de Snickers ou um doughnut, tal como o milk-shake
compete de manhã. Ele está competindo contra uma passada em uma loja
de brinquedos ou a possibilidade de eu encontrar tempo para brincar de
beisebol com ele mais tarde.
Pense em como esse trabalho é diferente do trabalho de quem está se
locomovendo para o local de trabalho – e no quanto o concorrente para
realizar esse trabalho é diferente. Imagine nosso restaurante fast-food con-
vidando um pai como eu para oferecer feedback em uma de suas pesquisas
PONTOS-CHAVE DO CAPÍTULO
A inovação de ruptura, teoria de resposta competitiva às inovações, oferece
percepções valiosas aos gestores que estão procurando se posicionar em re-
lação a ameaças e oportunidades. Contudo, essa teoria não responde como
uma empresa deve inovar para crescer de maneira sistemática. Ela não indi-
ca onde especificamente procurar novas oportunidades ou quais produtos e
serviços que você criar os clientes desejarão comprar.
Este livro apresenta a teoria do trabalho a ser feito (ou teoria dos traba-
lhos) para responder a essas perguntas e oferecer orientações bem delinea-
das para as empresas que estão procurando crescer por meio da inovação.
Em essência, a teoria dos trabalhos explica por que os clientes introduzem
determinados produtos e serviços em suas vidas: eles fazem isso para en-
contrar uma solução para trabalhos extremamente importantes ainda não
atendidos. E isso, por sua vez, explica por que algumas inovações são bem-
-sucedidas e outras não.
A teoria dos trabalhos não apenas fornece orientações eficazes para a
inovação, mas também analisa a concorrência de maneira a permitir uma
diferenciação real e uma vantagem competitiva de longo prazo, oferece uma
linguagem comum para as organizações compreenderem o comportamento
dos clientes e até possibilita que os líderes expressem com maior precisão o
propósito de suas empresas.
NOTAS
1. Christensen, Clayton M. The Innovator’s Dilemma: When New Technologies
Cause Great Firms to Fail. Boston: Harvard Business School Press, 1997.
2. As evidências já então apontavam para os efeitos adversos da gordura transgê-
nica (assunto sobre o qual eu e minha filha estávamos confessadamente desin-
formados na época). A teoria dos trabalhos ajuda a compreender por que os
clientes fazem as opções que fazem – e não se você deve oferecer uma solução
para o trabalho desses clientes. O cigarro, por exemplo, pode ser contratado
para satisfazer um conjunto de trabalhos, mas não é bom para a saúde dos
clientes. Como seria de esperar, é igualmente importante fazer escolhas éticas
acertadas.
3. Talvez “sem sabor” seja um pouco injusto. Recentemente, minha família pas-
sou um fim de semana prolongado em Bar Harbor, Maine – uma das capitais
mundiais da lagosta. Em toda esquina parece haver um tipo diferente de res-
taurante com lagostas. Como adoramos frutos do mar, imaginamos que esse
lugar fosse o paraíso! Quando nos sentamos em um dos locais, vi “hambúrgue-
res de lagosta” no cardápio. Ora, adoro hambúrgueres. E adoro lagostas. Então
imaginei que essa combinação seria perfeita. Entretanto, quando me serviram
o hambúrguer de lagosta, percebi que era simplesmente um pão com uma cau-
da de lagosta dentro. Sem nenhum molho. Sem molho tártaro. Sem manteiga.
Quando dei uma mordida, tive uma revelação surpreendente: a lagosta em si
não tinha absolutamente nenhum sabor! Normalmente o motivo de ser tão
saborosa é que ao pedir uma lagosta você tem o direito de mergulhá-la na
manteiga. É a manteiga que é saborosa, não a lagosta. Essa experiência me fez
refletir: quantos outros “substratos” eu estava ingerindo sem saber que eles em
si não tinham absolutamente sabor! Percebi que todas essas coisas – os subs-
tratos – são essencialmente plataformas sobre as quais se criam sabores e tex-
turas maravilhosos. Por isso, talvez o setor esteja pegando o caminho errado!
Poderíamos vender substratos, mas também vender “ampliações” com lucro.
4. Atualmente, a Associação Americana do Coração recomenda que se comprem
spreads suaves sem gordura transgênica, em vez de manteiga normal ou mar-
garina em tablete.