Senhor, dá-me a palavra brisa, surge como o vento noturno Pergunto agora pelos ventos
irmã das fontes, dá-me agora que trouxe a página perdida, arrogantes dentro da noite,
qualquer palavra que suavize e que me fez continuar pergunto agora que umedeço
a minha vida, para sempre. a luta, o poema parado. em vão o gesso do papel.
Cobre várias vezes com a gaze Talvez as palavras se esgotem Quando decidires voltar
de tuas nuvens o vocábulo neste poema, e aqui terminem. na alta madrugada, verás
ferido (como eu) na cidade Mas tenho a mesa iluminada o teu filho ainda parado
dos cegos, pisado por eles. ainda, não me abandonaste. no último verso que ditaste.
X XIII
VII
Sei que falo destituído Por que levarei adiante
De novo mergulhei a pena de todas as conquistas do tempo, este poema ameaçado?
na água, deixaste-me de novo. ainda tenho as asperezas Por que levarei esta vida
A cesta de papéis à espera de certas coisas intocadas. tão ameaçada também?
do poema que não nasceu.
Essas novas escavações Poesia, poema, por quê?
É tarde para desmanchar devem chegar até meu corpo. Disso tudo possuis, senhor,
a pose e tirar a gravata, Escuto apenas as pisadas a chave no bolso da túnica
tudo já foi fotografado dos amigos na superfície. ou deste a algum anjo a resposta?
de muito perto, por teus anjos.
Preciso ser tocado, ainda Seminovas meditações
Cheio de fogo e petulância que meu corpo de areia solta sobre a palavra. Nós falávamos
assinei o poema. Nem seja comido pelos ventos longamente de nossa angústia
de leve toquei o teu nome, ao ficar em cima da terra. e eu tentava falar mais alto.
Senhor, no teu ombro de névoa.
Puseste minha voz sumida Poemas ditos e no fim
Saí de casa desviando numa sala subterrânea, fazíamos o mesmo trajeto.
todas as brisas para mim, dá-me forças para cavar Nossas mães e nossas irmãs
e fechei a única janela por dentro e irromper num jardim, olhavam-nos: “tudo perdido”.
do companheiro sufocado.
ou a certeza de que serei Quando as vozes ultrapassadas
Dentro das brisas de setembro por um milagre descoberto, falavam de tua existência,
tua presença era demais, quando os amigos resolverem nós escutávamos calados,
e foi bom que me abandonasses plantar aqui uma roseira. pensando em novas descobertas.
um pouco, antes que eu te perdesse.
XII
XXI
XVIII
XIV Somente uma tranqüila réstia
Agora mesmo perguntaram de teu vulto ainda consegue
O poema ataca de notie porque eu, altas horas do Século, tocar-me a vida neste instante,
os seres desarmados. Com tal como um cão retardatário, e iluminar o meu poema.
requintes de perversidade, venho arranhar a tua porta.
ele aproveita a tua ausência. E o que há de limpo, o que há de luz
Acharam fora de propósito (merecida, apesar de tudo)
Vem equipado, traz nos ombros a maneira como me arrosto entram pela telha quebrada
os instrumentos da tortura, contra tua túnica, rasgando-a ou pela porta semi-aberta.
as palavras que não desistem cheio de furioso amor.
de entrar à força no meu sonho. Uma réstia na minha face,
Não sabem que te peço a nova atuante, imperceptível,
O teu ser é impronunciável beleza despreocupada, dá-me por alguns momentos
e estou cercado de palavras antes a qual este meu poema grandes vantagens sobre o mundo.
que procuram, a todo custo, será simples mata-borrão.
passar à frente do teu nome. Eu não preciso de teu sol
Que busco pegar a palavra inteiro, sobre a minha casa,
A minha voz dentro da sombra entre muitos homens na estrada: basta que venhas clarear
é revesada escuto passos despi-la dentro do ataúde por alguns instantes a página.
e sei que algo me levará e fecundá-la novamente.
daqui a pouco, não teus anjos. E levantarei nessa hora
E nem ao menos compreendem a canção que todos disseram
Ainda é noite e sou jogado minha devida gratidão estar perdida, e está apenas
às pedreiras do desencanto, à grande voz que nomeou emperrada dentro de mim.
ao trabalho forçado, às grandes antes de mim todas as coisas.
injunções do tempo sem Deus.
XIX XXII
XVI
A manhã não deve surgir A multidão que me jogou
Senhor, este poema sabe antes de meu poema acabar, nesta aldeia tão afastada
o número certo de mortos: antes de encontrar a palavra não sabia que aqui estavas
acaba de ler os jornais certa, para o dia seguinte. à minha espera, há tanto tempo.
do dia, e não está contente.
Este poema é a resposta Todas as coisas arrastadas
Olha teus anjos, mas não perde que pedi e nunca me deram, com sacrifício para o quarto:
de vista as patrulhas que rondam é o outro braço que faltava desta noite não sairá
as alamedas do teu reino, para agarrar minha esperança. uma só palavra vazia.
como disse, desencantado.
Egresso de uma vida comum Tudo que havia para ser
Entra furioso no templo e aparentemente perdida, levado o vento já levou,
para pedir-te explicações, soube atingir o ponto alto e só resta o que restará
e tocar os sinos mais altos (não muito alto) do que sou. por muitos anos sobre a Terra.
e provocar tua inocência.
Escadas retorcidas, trechos Cabe-me apenas a meu jeito
Volta sem flores do mercado de desespero organizado copiar tudo que encontrei
(para não falar noutra coisa e previsões, as mais absurdas, germinando em volta dos templos
que magoa a forma discreta emergem salvas como solhas. mortos, à minha revelia.
de acusar o tempo que passa).
Que esta vida e minhas palavras Aceitar a bandeira branca
Segue furtivo e camuflado sejam pedra na superfície: da página, lutar por ela,
como um lagarto, pelas folhas: sejam flores, mas endureçam e plantá-la nos pontos altos
Senhor, este poema sabe na hora de serem arrancadas. de minha vida até aqui.
de tudo, e não pode dizer.
XXIII XXV
O teu filho distanciado
Conheço minha letra, escrevo Como um vento muito pesado, da própria época não sabe
para mim, escrevo à vontade. cheio de lágrimas e cinzas, se é ontem ou se é amanhã,
Mas cada dia sou de mim o poema vai saqueando qual o tempo que é, e que perde.
mesmo, um diferente leitor. a paz, o campo de algodão.
Julga às vezes pronunciar
Palavras lidas e vividas, Mas não sabia que este mundo a oração que foi omitida.
as únicas pronunciadas, precisasse tanto de música, Mas desde quando o berro humano
e tudo seguirá o curso e que voltasse a ser um disco, te chama, entre pilhas enormes?
imprevisível das crianças. agora um disco musical.
A Torre de Babel, de livros,
Minha voz é o vocabulário Estou liberto para ser precipitada sobre a úmida
pobre ou rico deste momento. devorado pela palavra. terra dos grandes alagados,
Só meus sonhos serão forçados Que houve contigo que me deixas onde os homens baixo morreram.
a ver muito além de mim. esquecer-te rapidamente?
Meu desespero submisso
Mas tudo cresce sob a tua Não tarda que eu tome o partido parte a coleira de repente:
luminosa supervisão. do companheiro descuidado, Dá-me a força de dominá-lo
Cabes em todos os poemas que julga poder enfrentar ainda, pela última vez.
dos três tempos imaginados. sozinho um poema no mundo.
É o dedo inútil me acusando
Novas idéias, novas formas Daqui a pouco sairei diante de ti, que me conheces.
por todo lado me comprimem: empurrando minhas palavras: Pobre Terra, forca florida,
mas eu defendo minha dor animais velhos, que só andam razão de ser e de chorar.
e saio vivo da cidade. quando sentem tua presença.
XXVI
XXVII
XXIV A cem quilômetros por hora,
Sob a chuva de outra estação solto a direção do automóvel,
De repente, surge a vontade estas mangueiras não florescem: para escrever alguma coisa
de ficar nesta rua clara, lenta e definitivamente mais urgente que minha vida.
e comungar as alegrias me levantas, Senhor do Tempo.
que sobem, bolas coloridas. Devo portanto utilizar
Crescerão apenas as frutas o vocabulário econômico
É a festa da grande estação que o ramo triste suportar. do Século: é proibido
explodida em setembro, quando Todas as demais cairão amar, fumar, pisar na grama.
todos se dirigem à praia verdes, na pocilga assanhada.
e me acenam dos caminhões. Mas gostaria que restasse
Vamos suportar a demora algum tempo para dizer
Meu verso curto é pequenina de Deus, a Poesia: longa no poema as palavras súbitas
trena medindo o horizonte, espera, longa paciência de recompensa e remissão.
e é cansativo colocá-lo ante os olhos que tudo viram.
tantas vezes na superfície. Ó meu Deus, eu quero escrever
Não tocarei as campainhas a minha vida, não teu Céu.
Ó semicírculo do mar, de prata, mas com meus poemas Eu estou só e enlouquecido
arco voltaico do verão, te alcançarei, Forma Azulada, como as ovelhas mais longínquas.
não saberei ainda o que quando chegar a grande época.
falta, neste bojo de luz. Dá pelo menos a esperança
Nem amaldiçoarei os pássaros de terminar o doloroso
Sei tão somente retirar de minha espécie (não teus anjos), poema. Dá isso a teu filho,
do bolso o bloco de papel, mas aprenderão a cantar caído, e coberto de sal.
e anotar com as últimas tintas com humildade os supremos cantos.
do teu sol o sono do tempo.
XXVIII
XXIX
Na vigésima oitava parte incidindo sobre meu sonho. todas as outras que me deste.
de meu poema estou perdido:
velhas palavras, como dentes, Tua luz vai forrando tudo: Entretanto, nem mesmo isso,
apodrecem na minha boca. cai como a chuva e vai tornando posso sozinho conseguir:
navegável, por muito tempo, Dá-me, Senhor, essa palavra,
Sabes de cor as pretensões este meu rio pequenino. antes que chegue o último verso.
impublicáveis de teu filho:
o original que tens na mão Que ela se espalhe como as brisas
é cópia de um rebanho inteiro. XXX dentro das minas, de repente,
e una-se sólida na hora
Aos gritos, mas cheio de amor Senhor, nesta manhã de outubro, em que apertar a tua mão.
apesar de tudo regressas ainda com o jeito de quem ia
com teus mapas acompanhados reiniciar longa viagem, Quero morrer, quero alcançá-la,
de asas do último modelo. meu poema chegou ao fim. e já começo a persegui-la
como se fosse uma serpente
E me apronto para escrever Agora todo meu trabalho que fugisse com minha morte.
como se fosse viajar é procurar uma palavra
à noite, com tua lanterna que te agradeça humildemente
Oração pelo Poema. Recife: UFPE, separata da revista Estudos Universitários, 1969. /Dois Caminhos e uma Oração, editora
A Girafa, 2003. Orazione per il Poema. Besa (Jan. 1 2012). Language: Italian. ISBN-10: 8849708548. ISBN-13: 978-
8849708547. Edição bilingue.