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O LIVRO VERMELHO DOS

^
PENSAMENTOS DE MILLOR

1
LIVROS DE MILLÔR FERNANDES NA COLEÇÃO L&PM POCKET

Hai-Kais
Millôr Definitivo – A bíblia do caos
Poemas
O livro vermelho dos pensamentos de Millôr
Teatro
Flávia, cabeça, tronco e membros
O homem do princípio ao fim
Liberdade, liberdade (com Flávio Rangel)
Traduções e adaptações teatrais
As alegres matronas de Windsor (Shakespeare)
Don Juan, o convidado de pedra (Molière)
Fedra (Racine)
Hamlet (Shakespeare)
Lisístrata (Aristófanes)
A megera domada (Shakespeare)
Pigmaleão (Bernard Shaw)
Rei Lear (Shakespeare)

2
Millor
^ Fernandes

O LIVRO VERMELHO DOS


^
PENSAMENTOS DE MILLOR

www.lpm.com.br
L&PM POCKET
3
Coleção L&PM Pocket, vol. 464
Primeira edição na Coleção L&PM POCKET: setembro de 2005
Esta reimpressão: maio de 2007

Publicado pela primeira vez nos tempos “heróicos” do Pasquim.


(MF)
Capa: Marco Cena sobre ilustração de Ziraldo
Revisão: Eva Motchi e Luciana Balbueno

ISBN: 978-85-254-0784-9

© Millôr Fernandes, 2005

Todos os direitos desta edição reservados à L&PM Editores


PORTO ALEGRE: Rua Comendador Coruja 314, loja 9 - 90220-180
Floresta - RS / Fone: 51.3225.5777
PEDIDOS & DEPTO. COMERCIAL: vendas@lpm.com.br
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www.lpm.com.br

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Sumario
´

Nota dos coordenadores / 7


Objetivos / 9
Educação e deseducação / 16
Religião e misticismo / 26
Comunicação e meios / 30
Métodos de ação. Trabalho / 40
Métodos de pensamento. Dialética / 47
Ética e disciplina / 55
Profissões: limitações e deveres / 58
Como lidar com as contradições / 68
Economia. Sistemas / 80
Subdesenvolvimento / 89
Tecnologia: utilidades e perigos / 94
Liberdade. Limitações / 101
Relações naturais e artificiais / 110
Relações de poderes / 120
Hipocrisia social e política / 129
Responsabilidades / 141
Idealizações / 148
Artifícios da arte / 162
Formas de liderança / 165
Formas de opressão / 170
Individualismo. Positivo e negativo / 179
Vícios e abstinências / 186
Guerra e paz / 190

5
6
Nota dos coordenadores

Ao tomar a iniciativa de coordenar e siste-


matizar os pensamentos de Millôr Fernandes
neste Livro Vermelho reagimos apenas às solicita-
ções que nos chegaram de todos os setores da vida
brasileira, solicitações essas que constituem uma
demonstração inequívoca da influência das pala-
vras e das idéias do Autor sobre as mentes e os
corações de, no mínimo, duas gerações de leitores
nacionais e estrangeiros.
O trabalho chegou a propor-se impossível
dada a grande variedade de fontes de consulta nem
sempre de fácil acesso, tendo-se até de recorrer,
por vezes, a métodos de escuta reconhecidamente
reprováveis, mas aqui plenamente justificados
diante da importância da missão a cumprir.
O documento aí está, agora, pronto para ser
considerado livro de cabeceira de políticos, tecno-
cratas, burocratas, primatas e astronautas, estu-
dantes, livres-pensadores e sectários de todas as
correntes. Tal é a importância deste documento que
– disso estamos certos – muitos irão compará-lo a
Common Sense de Tom Paine, Uncle’s Tom Cabin
de Harriet, Beecher Stowe, Manifesto do Partido

7
Comunista de Marx e Engels, Mein Kampft de
Adolf Hitler e Citações do presidente Mao Tsé-tung
do próprio, obras cujo traço comum é o de terem
servido para inspirar, persuadir, excitar e conduzir
grandes massas da humanidade.
Para Millôr, entretanto, não há sabedoria,
conceito (ou preconceito), definição ou verdade,
por mais popular, estabelecida e definitiva que seja,
que não admita reexame e uma nova interpreta-
ção. É por esse prisma que Millôr consegue des-
cobrir novas perspectivas para verdades consu-
madas (– Diz-me com quem andas e dir-te-ei
quem és – Mas Cristo andou com Judas!).
Assim, este documento que revoluciona todo
o pensamento ocidental (e oriental), é de uma
atualidade permanente e extraordinária, é uma
fonte na qual todos deverão embeber-se, é uma
leitura recomendada para pessoas inteligentes,
conscienciosas, ponderadas e descomplexadas, é
um verdadeiro orgasmo filosófico que fará estre-
mecer o mundo nas suas bases.

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Objetivos

O consenso, na maior parte das atividades


públicas, é fundamental à base de estrutura
política. Sem qualidade de liderança não há
objetivo, mas sem número de adeptos ponderável
não há o que objetivar. A fragmentação excessiva
de uma filosofia básica faz com que muitos movi-
mentos revolucionários acabem tendo mais pro-
fetas do que seguidores.
OBRAS COMPLETAS, V. II, P. 33

N o trançado da história, o que interessa, afinal,


é o resultado. O fim acaba sempre justificando
os meios desde que não esteja demasiado longe –
em sacrifícios e tempo – do início. O futuro não
vai saber se faltou massa; o importante é que o
padeiro inventou a rosca.
CONVERSA COM JORGE AMADO, ROMANCISTA. 1967

O s que advogam a nudez total de todo mundo


em nome de impurezas representadas pelo
hábito de vestir, devem se recordar de que no prin-
cípio dos princípios todo mundo andava nu e al-
guém começou a advogar o vestuário como salva-
ção da humanidade.
DIÁLOGO COM BADEN POWELL, VIOLONISTA. 1967

9
S obreviver não é apenas um direito, é uma obri-
gação. Dentro dos mais estritos limites, sob
todas as pressões, até mesmo em face das mais hu-
milhantes concessões, é fundamental sobreviver.
Amanhã é um dia novo, ninguém sabe o que a his-
tória nos reserva, a felicidade pode estar na esquina,
a solução a um passo e, quando você pensa que
não pode mais, ainda pode muito. E é melhor ter
mau hálito do que não ter hálito nenhum.
CONVERSA COM WALTER GONÇALVES, ODONTOLOGISTA. 1970

A o ser “descoberta”, uma região é examinada e


estudada pelos mais fortes, que aferem suas
possibilidades econômicas e estratégicas. Se as
possibilidades são boas tomam posse da terra, quei-
ram ou não os nativos, e os mantêm no nível mais
baixo possível a fim de que forneçam trabalho e
matérias-primas bem baratos pelos séculos a fora.
E até difícil de acreditar mas, quando foi desco-
berto, o Brasil era um país brasileiro.
INFORMAÇÃO A ADRIANO E MAGUI, ENGENHEIRO/A ELETRÔNICOS. 1997

U ma atitude de contestação não tem, necessa-


riamente, que ser perigosa e pode até ser ren-
dosa, pois, não hostilizando os poderosos, man-
tém viva, para os oprimidos, a imagem de nossa
rebeldia. Como orientação basta ler, diariamente,
editoriais dos grandes jornais brasileiros, editoriais
geralmente magníficos. Não dizem absolutamente
nada. Mas são contra.
CONTATO COM ANTÔNIO CALADO, JORNALISTA, TEATRÓLOGO,
ROMANCISTA. 1971

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N o jogo financeiro, onde está, afinal, mais do
que no jogo econômico, a grande fonte de lu-
cro dos capitalistas, o conhecimento de detalhes
técnicos minuciosos e de uma rapidez e segurança
de informação, são fatores definitivos de sucesso.
Mas uma inescrupulosidade hábil e bem orientada
é mais eficiente para auferir lucros do que quais-
quer outros fatores, pois, inclusive, prevê, orienta
e participa desses fatores.
CONVERSA COM MAURÍCIO CIBULARES, EX-ASSESSOR DO GEN.
JUAREZ TÁVORA, ÀS VÉSPERAS DO CRACK DE 1971

O menino que, no meio da suntuosa festa pala-


ciana, apontou o rei gritando que ele estava
nu, não prestou qualquer benefício à coletividade,
pois sua ação, politicamente sem continuidade,
só serviu para irritar e agitar um meio que passaria
melhor sem essa provocação tola, porque sem
cobertura. Na ação social contra o poder consti-
tuído os planos têm que ter amplitude e conti-
nuidade visando à cura total dos males do sistema.
O pior cego é o que quer ver.
CONVERSA COM OTTO LARA REZENDE, JORNALISTA, ESCRITOR,
CAUSEUR. 1967

D iz-se que o macarrão era apenas um canu-


dinho de massa que os chineses usavam para
tomar bebidas. Marco Polo não entendeu o uso,
ensinou seus compatriotas a cozinhar e comer o
macarrão e transformou-o em sucesso culinário
definitivo. O importante não é a coisa: é o uso
que se faz dela.
PAPO COM MARILIA KRANZ, PINTORA.

11
O homem atingirá a sabedoria total no dia em
que for completamente marxista – 40% de
Groucho, 30% de Chico, 20% de Harpo e 10%
de Karl.
CONVERSA COM IVAN LESSA, JORNALISTA, ESCRITOR. 1971

O s problemas devem ser aprofundados e levados


sempre um passo adiante do ponto em que o
deixou a geração anterior. Na fábula da raposa e
das uvas você não deve aceitar o final de Esopo,
admitindo a frustração da raposa. É fundamental
verificar se as uvas realmente não estavam verdes.
CONVERSA COM PAULA FERNANDES, FILHA. 1972

N a contestação cívica como em qualquer de-


sobediência civil não há caminhos pré-fabri-
cados nem orientação definitiva. A ação é ocasio-
nal, o risco total. E só a análise constante dos
acontecimentos e um aprimoramento dialético
podem fazer triunfar nossas idéias. A linha reta
só é o caminho mais curto entre dois pontos –
uma iluminação social e sua concretização – quan-
do o poder está distraído.
CONVERSA COM MAX NUNES, MÉDICO, HUMORISTA. 1959

T emos que ser realistas e humanos com relação


à situação presidiária do país. Realistas para
declarar que possuímos um dos piores sistemas
penitenciários do mundo. Humanos para tentar
melhorá-lo A reforma do nosso sistema carcerário
teria efeitos revolucionários. Acredito mesmo que
o péssimo estado de muitas de nossas prisões é o

12
que as impede de serem ocupadas por algumas
pessoas de nossa melhor sociedade.
CONVERSA COM DIDU DE SOUZA CAMPOS (HOMEM DO SOCIETY
QUE, COM TEREZA DE SOUZA CAMPOS, FORMOU O CASAL 20).
1959

A questão de não deixar para amanhã é fun-


damental. Se você escrever uma página por
dia terminará seu livro em um ano. Se escrever
uma linha por dia talvez termine seu livro em
trinta anos. Se você não escrever nem uma palavra
por dia seu trabalho jamais será concluído. Exa-
mine bem seus objetivos. Você já passa da metade
da existência e ainda está em Pirapora.
CARTA A UM ESCRITOR. 1956

E´ preciso lutarmos até por leis menores, como,


por exemplo, uma que permita às pessoas
mudarem seus nomes aos 18 ou aos 21 anos. Às
vezes as pessoas têm que carregar, a vida inteira,
um nome idiota dado por um pai idiota, apenas
porque a lei idiota não lhe permite o direito de
escolha. Outras vezes a pessoa, por ser idiota, acha
seu nome admiravelmente brasileiro (João, por
exemplo) ridículo e prefere um nome brasileira-
mente ridículo (Washington, por exemplo). Tem
de tudo. Eu, que sempre me antecipei às leis,
mudei meu nome de Milton para Millôr aos 18
anos. E estou pensando em mudá-lo novamente
para Bulbo Raquidiano.
CONVERSA COM ESTERÔNIO VALVULAR DE ANDRADE, CHEFE DOS
CONTÍNUOS DA CPI. 1965

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N ão respeito nenhum movimento feminino
brasileiro que não cuide, em primeiro lugar,
das desgraçadas empregadas domésticas, ainda
hoje tratadas como caso de polícia. Mas acho natu-
ral que dêem a elas um quarto sem banheiro. Pois,
como sabe qualquer sociólogo brasileiro, no Brasil
só as granfinas têm xoxota.
CONVERSA COM HERBERTO SALLES, ROMANCISTA. IMORTAL. 1960

A lém das conhecidas ordens jônica, dórica e


coríntia, as outras maravilhas da arquitetura
grega também só foram possíveis devido a Or-
dens Superiores, oriundas de Quem de Direito,
no Século de Ouro, tempo em que havia, na
Grécia, um governo sabiamente forte. Essas or-
dens motivaram a construção imediata de monu-
mentos eternos para atraírem turistas dentro de,
no máximo, 2.000 anos. Houve alguns protestos
quanto à deformação da paisagem e, também,
quanto à má distribuição do PNG (produto
nacional grego) assim desviado para ampliação
da Glória Pátria, enquanto o povo era obrigado a
uma poupança obrigatória nas suas 2.840 drac-
mas mensais.
DOCUMENTO SECRETO, ARQUITETURA. 1973

S ou apenas um jornalista que trabalha para


ganhar a vida. Sou melhor do que a maioria,
o que não é difícil, e inferior a muitos, muitos
mesmo. Não há dentro de mim nenhum senti-
mento de superioridade quanto aos primeiros,

14
nem de competição quanto aos outros. Minha vida
não passa pela competição. Sou um dos inventores
do frescobol – o único esporte com espírito espor-
tivo. Até hoje ninguém inventou nesse jogo aposta
ou ganhadores. Em volta de mim, amados amigos,
também ninguém ganha ou perde. Vive.
DECLARAÇÃO A CHICO-FIM-DE-NOITE, COMPOSITOR DA BOSSA
NOVA. NUM FIM DE NOITE EM COPACABANA. 1989

15
Educacao~ e
´
deseducacao
~
´

A mais importante de todas as educações, aquela


em que o Estado deve investir toda a sua eco-
nomia e toda a competência disponível, se chama
cuidados pré-natais. Se, como se sabe hoje, a for-
mação da personalidade é gradativa (e geometri-
camente menos importante) à proporção que a
idade avança, e que, psiquicamente, quase tudo
se forma até os três anos de idade, então os nove
meses pré-natais passam a ser definitivos na vida
humana. Em verdade, uma pessoa não só nasce
inteligente mas também nasce culta. Dependendo
da emulsão com que for trazida ao mundo, com
quaisquer dados que lhe sejam oferecidos depois,
a criatura fará um produto final extraordinário.
Por isso mesmo é que a filosofia do Women’s Lib,
segundo a qual tudo é condicionamento, e o ser
humano um corpo vazio, que o Estado (ou o meio
social, o que vem a dar no mesmo) pode encher
com o que bem entender, me parece a idéia mais
perfeitamente totalitária (“fascista”) de que tenho
notícia. Falei e disse.
DISCUSSÃO NO BERÇÁRIO ACALANTO. 1973

16
A Academia Brasileira de Letras, com aqueles
velhinhos metidos em mil gramatiquices, é
um lugar em que se acredita que as pessoas têm
gênero, mas não têm sexo.
CONVERSA COM AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE, ESCRITOR. IMORTAL.
1973

A s crianças, saudavelmente rebeldes, são também


bém saudavelmente egoístas e sádicas. As pes-
soas que vivem falando da inocência das crianças,
ou têm muito má memória ou, mais provável, já
nasceram adultas.
REFLEXÃO COM PAULO CARVALHO, ODONTOLOGISTA. 1992

O s mapas das Geografias, por medidas também


econômicas, não devem ter cores, pois nin-
guém ignora, hoje, que as cores dos mapas são
artificiosas e inúteis. Quando uma criança cresce
pode ter a decepção que tive a primeira vez que
cheguei a Buenos Aires e descobri que a Argentina
não era cor-de-laranja.
JANTANDO COM JOSÉ CANOSA MIGUEZ, ARQUITETO. 1998

C omo é que se pode confiar na cultura ociden-


tal se, autoritária na sua imposição de dogmas
místicos e, paradoxalmente, também racionalistas,
com nossas escolas teimando em aferir cultura e
conhecimento por meio de pontos, ainda assim
continuamos a chamar o 9º, o 10º, o 11º e o 12º
meses do ano de SETembro, OUTubro, NOVembro
e DEZembro?
DIÁLOGO COM JOÃO BETHENCOURT, ESCRITOR, DRAMATURGO. 1967

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P ara que só sejam editados livros úteis e os
editores não sofram pressões indevidas, de
vaidades menores, os direitos autorais serão pagos
pelo autor ao editor, na proporção das vendas ou
não-vendas. O dinheiro assim apurado deverá ser
entregue a uma instituição de deseducação, encar-
regada de tirar da cabeça de pessoas, formadas em
várias especialidades, as noções erradas de tudo
que aprenderam.
ACERTO COM ZUENIR VENTURA, JORNALISTA, AGITADOR SOCIAL.
1979

O lhar sempre de vários ângulos para a percep-


ção mais exata possível do acontecimento, na
certeza de que tudo é relativo, o que, é óbvio, eli-
mina, inclusive, a relatividade absoluta. Um sábio
chinês, só escrevendo com caracteres chineses,
será sempre analfabeto.
RELATIVIDADE E EINSTEIN. CONVERSA COM O DR. SILVA MELO,
MÉDICO. IMORTAL. 1972

A creditar num determinado tipo de cultura


como único e definitivo e, sobretudo, impô-
lo a outros grupos humanos, é a pretensão que
leva às piores tiranias. Considerar outros agrupa-
mentos sociais inferiores apenas porque não usam
nossos dados culturais tem permitido os piores
crimes, até genocídios. Nossa civilização, fundada
na transmissão da experiência através de símbolos
escritos, não é superior a inúmeras outras cuja

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cultura se transmite apenas de maneira oral. Con-
vém não esquecer que quem inventou o alfabeto
foi um analfabeto.
MODOS DE EXPRESSÃO. CONVERSA COM ANTÔNIO HOUAISS. 1972

J ornalistas, médicos, sociólogos, educadores e,


sobretudo, políticos, falando noite e dia no
amparo ao homem comum. Enquanto isso a nação
perde um potencial inestimável, pelo qual ninguém
parece se interessar – o homem extraordinário.
MATERIAL HUMANO E MÃO-DE-OBRA. CONVERSA COM ENRICO
BIANCO, PINTOR. 1956

O Estado só deveria dar ao indivíduo, como


educação, o aprendizado da leitura. Daí em
diante o cidadão seria, do ponto de vista oficial,
completamente deseducado, o Estado criando
apenas vastíssimas bibliotecas e centros de infor-
mações, onde o cidadão pudesse encontrar todas
(mas todas mesmo) tendências culturais existen-
tes. Ao chegar à puberdade (14, 15, 16, 17 anos
ou quando ele próprio decidisse) o cidadão fre-
qüentaria centros de aprendizado técnico, onde
lidaria com máquinas e instrumentos necessários
a uma educação técnica, não-abstrata. Os cida-
dãos interessados apenas em atividades abstratas
– escrever, pintar, psicanalizar ou politicar – fre-
qüentariam, se quisessem, locais de discussão –
ágoras modernas – mas continuariam, no sentido
atual, totalmente autodidatas. O sistema educa-

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cional vigente é apenas uma maneira de levar a
ignorância às suas extremas conseqüências.
CONVERSA COM JOÃO UCHOA CAVALCANTI NETTO, JUIZ,
PROFESSOR, ARTISTA PLÁSTICO. 1970

S e não se (des)educa de base, as sociedades não


mudam e as relações humanas ficam estagna-
das. Uma sociedade realmente revolucionária tem
que criar um homem novo, pois o ser humano
atualmente gerado e educado é um animal inviável.
GENÉTICA CONTROLADA? CONVERSA COM JOSÉ LEWGOY. 1958

C ada um tem sua função e todos precisam


cumpri-la. Mas a inaptidão ocasional não tira
os direitos do cidadão como também não lhe dá
mais direitos em relação a seu semelhante o fato
de ter capacidade extraordinária. Se a natureza é
aristocrática, a busca social deve ser a igualdade.
Citando Lincoln (e muitos outros): “A cada um
de acordo com a sua necessidade, de cada um de
acordo com a sua capacidade”. Que cada um exija
o que lhe cabe, se exerça no seu melhor e que
ninguém acredite que ficar imaginando que tra-
balha é um trabalho de imaginação.
CONTRASTE ENTRE DIREITOS E DEVERES. MONOGRAFIA DISCUTIDA
COM PAULO FRANCIS, JORNALISTA, ESCRITOR. 1959

P ensar é a todo momento e a todo custo. Pensar


dói, cansa e só traz aborrecimentos. Melhor é
não pensar. Mas pensar não é facultativo. Se o
cérebro, a mínima parte dele que seja, deixa de

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estar alerta por um momento, penetram lá, como
parasitas difíceis de erradicar, “idéias” vindas da
imprensa, do rádio, da televisão, da propaganda
geral, dos produtos em série, do consumo dege-
nerado, dos doutores em lei, arte, literatura, ciência,
política, sociologia. Essa massa de desinformação,
não só inútil como nociva, nos é, aliás, imposta
de maneira criminosa nos primeiros anos de nossa
vida. E se, algum dia, chegamos a pensar no ver-
dadeiro sentido do termo, todo o restante esforço
da existência é para nos livrarmos de uma lamen-
tável herança cultural. Pois, infelizmente, o cére-
bro humano é um dos poucos órgãos do corpo
que não têm uma válvula excretora. E as fezes
culturais ficam lá, nos envenenando pelo resto da
vida, transformando o mais complexo e mais
nobre órgão do corpo numa imensa fossa, imunda
e fedorenta. Um lamentável erro da Criação.
CONVERSA COM OTÁVIO MORAIS, ARQUITETO E CRAQUE DO
BOTAFOGO. 1967

Q uando um grupo de pessoas pernósticas e


incompetentes, chamadas professores, ensina
a um indivíduo sem gosto e vocação, uma série de
noções tolas ou, no máximo, discutíveis, consegue
formar, no fim de uma dezena de anos, essa coisa
ao mesmo tempo ridícula e monstruosa que se
chama um homem culto.
CONVERSA COM ARMANDO NOGUEIRA, JORNALISTA. 1968

21
T entar “formar” o caráter de uma criança é a
única violência que não tem perdão e merece
a pena de morte.
CONVERSA COM SEIXAS DÓRIA, POLÍTICO SERGIPANO. 1970

O erudito é um mal social dos mais lamentáveis


e só um idiota como ele se confundiria com
cultura. Já está sendo substituído, nos países
desenvolvidos, por centrais cibernéticas de dados.
Você necessita uma informação, liga um botão,
recebe a informação em dez segundos. Isso libera
o cérebro para sua única função digna – pensar –,
não se necessitando sobrecarregá-lo com uma
cloaca de erudição.
DIÁLOGO COM RENATA DESCHAMPS, UMA BELA MULHER. 1971

U m idiota lê um livro pelo seu título e pelos


seus autores, nunca pelas suas idéias. Olha
os quadros pelo seu valor econômico e não pela
possível beleza e importância social que eles
contêm. Estima a ciência pelo que ela tem de
reacionário e prepotente. Daí a ser considerado
um homem de grande cultura é um passo.
CONVERSA COM NOEL NUTELS, MÉDICO, INDIANISTA. 1970

A frase mens sana in corpore sano é uma re-


dundância e, como tal, inútil. Não há corpo
são sem mente sã, e vice-versa.
DIÁLOGO COM LEO GILSON RIBEIRO, ESCRITOR, CRÍTICO LITERÁRIO.
1972

22
E studando a Ilíada, concluímos que a famosa
guerra contra o imperialismo dos “gregos”
decadentes teria tido um resultado bem diferente
se Enéias fosse mais duro com os subversivos de
então. Sabe-se que, a essa altura, Tróia estava já
dividida em Tróia do Norte e Tróia do Sul (esta
recebendo forte auxílio dos persas em forma de
arcabuzes, bestas, arcos de setas múltiplas e aríetes
de longo alcance, sem falar de infantes adestrados).
Enquanto isso, a Tróia do Norte era completamente
dominada pelos Tróia-Congs, que desciam e ata-
cavam pela trilha de A-Gha-Menon. Foram os
Tróia-Congs que permitiram e facilitaram a entrada,
em Tróia, do famoso elefante (está provado que um
cavalo, mesmo agigantado, daria apenas para meia
divisão e o número de homens que penetrou na
cidade compunha uma divisão inteira) que liquidou
com a cidadela de Príamo. Recomendamos o in-
tenso estudo crítico dessa história.
CONVERSA COM TÔNIA CARRERO, ATRIZ. 1957

A s louças e objetos domésticos da antiga Gré-


cia são peças maravilhosas provando que o
convívio social naquela época era intensíssimo: o
Banquete, de Platão, não necessita mais ser des-
crito. Embora a propaganda inimiga, sobretudo
romana, tenha tentado denegrir a imagem grega,
insinuando que nos banquetes compareciam até
mulheres, parece que realmente ali só era permi-
tida a entrada de renomados sábios e belos efebos.

23
E mesmo se admitindo que nesses banquetes se
comia de tudo e de todos, o fato é que isso resultou,
historicamente, no brilho maior de potes e poterias
– todas as louças ainda hoje existentes são gravadas
com motivos familiares. Isto é, familiares aos que
freqüentavam as bacanais.
BACANAIS E SATURNAIS. ALMOÇANDO COM JAIME LERNER,
ARQUITETO, POLÍTICO. 1967

O s homens são sábios, não pelo que lhes ensi-


nam, mas por sua capacidade de negar o que
lhes ensinam.
CONVERSA COM BAPTISTA-BASTOS, JORNALISTA E ROMANCISTA
PORTUGUÊS. 1973

O alfabeto foi inventado única, exclusiva e


solidariamente, pelo Gênio Grego, há mais de
2.000 anos, seguindo uma recomendação do
Corpo Especial de Pressão Psicológica daquela
época gloriosa. O objetivo da invenção era funda-
mentalmente político: a unificação, através da
escrita, das ilhas da Hélade. Como antes as repre-
sentações gráficas eram todas ideogramáticas ou
simbólicas, com figuras ou cuneiformes (repre-
sentativas do objeto descrito; não se procurava
ainda representar o som) isso trazia sérias com-
plicações, equívocos e atritos hierárquicos e até
mesmo a corrupção dos que melhor sabiam se
exprimir com a complicada semântica. Mas o
objetivo da nova escrita ultrapassava os limites

24
da unificação pura e simples. Compreende-se a
impossibilidade de alguém se ofender seriamente
sendo chamado de a-ideogramático ou de seu
cuneiforme. O novo sistema de símbolos permitiu
que, pela primeira vez na história, se pudesse
gritar para o inimigo esta suprema ofensa: “An-
al-fa-be-to!”
DOCUMENTO SECRETO: A GRÉCIA. 1972

S empre que surgem novidades tecnológicas,


o nível cultural baixa, há repetição de coisas
passadas como se fossem invenções extraordi-
nárias, lixo cultural como se fosse criações supre-
mas da inteligência. A Internet é a mais nova e mais
universal demonstração desse paradoxo. Noventa
por cento lixo.
E-MAIL ENVIADO A ANTÔNIO SKÁRMETA, AUTOR D’O CARTEIRO E O
POETA. 1999

25
Religiao
~ e
misticismo

D eus protege os fracos e desamparados, mas


um bom sindicato ajuda.
DIÁLOGO COM DOM MARCOS BARBOSA. S.O.B. 1966

D e repente a Igreja Católica, depois do II Con-


gresso Ecumênico, começou a se aggiornar,
traduzindo a liturgia do latim para as línguas na-
cionais, permitindo às freiras novas indumentárias,
a todos os prelados uma participação mais aberta
na vida social e mundana de suas comunidades.
E acabou por admitir o fim do celibato dos padres,
num gesto de grande sabedoria. Afinal de contas,
foi por não se reproduzirem que os santos desa-
pareceram.
LIÇÃO TRANSMITIDA A DOM HÉLDER CÂMARA. 1952

A vida é breve e da morte ninguém sabe nada.


Mas basta ler um pouco de história para veri-
ficar que tem muita gente importante que já estava
morta há mais de 10.000 anos. Então, uma coisa
é certa: a morte pode não ser definitiva, mas é por
muito tempo.
CONVERSA COM JOSÉ APARECIDO DE OLIVEIRA, POLÍTICO MINEIRO.
1969

26
D o que li, meditei e aprendi em Gensaku, muita
coisa foi transformada com o passar do tem-
po de minha própria vida, e os ventos terrais de
minha existência ocidental. Assim, do que Gen-
saku me ensinou e do que experimentei, posso
transmitir estes itens que continuam ratificados
pela sabedoria dos séculos:

1. Jamais lavar os cabelos depois do meio-dia.


2. Nunca apontar para um arco-íris.
3. Nunca tomar banho com o estômago vazio.
4. Não molhar os pés quando os dois ponteiros do
relógio estiverem juntos.
5. Não dormir nu, banhado pela luz da lua.
6. Não contar seu dinheiro no Sábado de Aleluia.
7. No inverno, não falar sem que nos dirijam a
palavra.
8. Não se deitar de costas quando houver chuva
com raios ou trovões.
9. Jamais falar quando estiver andando. Quando
tiver alguma coisa importante a dizer, parar, e só
então dizer.
10. Tomar um banho bem no início do dia 9 de
abril, todos os anos. Um banho no dia 7 de agosto
torna a pele áspera e seca.
11. Não comer nada em dia de eclipse lunar ou
solar, total ou parcial.
12. No verão, dormir com a cabeça voltada para o
Leste. No outono e no inverno virar a cabeça para

27
o Oeste. Jamais, em nenhuma circunstância, dor-
mir com a cabeça voltada para o Norte.
13. Só tirar os fios brancos do cabelo ou da barba
em dias determinados. Esses cabelos devem ser
guardados para serem queimados sigilosamente
no Dia do Tigre (de doze em doze anos).
14. Jamais cantar na cama, por melhor que seja a
mulher.
PAPO COM TÉCIO LINS E SILVA, CAUSÍDICO. 1970

A s idealizações das orações sacras, feitas de


palavras vazias, servem, contudo, para apla-
car a grita dos descontentes e manter a horda de
olho apenas num futuro mítico. De menino sem-
pre achei muito curiosa a insistência com que
sempre se pede, ao Todo-Poderoso, o pão nosso
de cada dia. Em algum momento da história
sagrada se diz que o Todo-Poderoso era padeiro?
O meu eu quero em dinheiro.
CONVERSA COM PAULO VIEIRA RÔNAI, PAULINHO. 1991

A maior vantagem da comida macrobiótica é


que, por mais que você coma, por mais que
você encha o estômago, está sempre perfeita-
mente subalimentado.
HIGIENE. CONVERSA COM O DR. RODOLFO FERREIRA, CLÍNICO
“GERAL”, COMO SE CHAMAVAM ANTIGAMENTE OS MÉDICOS
HUMANISTAS. 1973

S e tudo isso que está aí é realmente obra de


um Deus Todo-Poderoso, que patife!
CONVERSA COM MINO CARTA, JORNALISTA, PINTOR. 1969

28
E´ necessário rever toda a história e tentar uma
reavaliação dos seus heróis, mesmo os mais
santos e místicos. Uma coisa para mim é certa:
Cristo só expulsou os vendilhões do templo por-
que eles não tinham licença e estavam prejudi-
cando o comércio estabelecido. Eram camelôs.
CONVERSA COM DOM JEREMIAS BARBOSA. 1967

O ração e oral têm a mesma origem semântica.


Daí nasceu a expressão sacro libidinosa “Ajoe-
lhou, tem que rezar”.
LETRA, ACOMPANHAMENTO DE CANTO PARA O TENOR EDUARDO
ALVAREZ. 1985

E´ preciso não esquecer que o mandamento que


proíbe: “não cobiçarás a mulher do próximo”,
está, automaticamente, autorizando a cobiça de
todas as outras.
CONVERSA EM PARIS COM CARLOS FREIRE, FOTÓGRAFO. 1994

29
Comunicacao
~
´
e meios

A pesar do quadro negro de uma cúpula política


e intelectual desvairada e grossa e de um povo
abandonado a seu próprio destino, ainda havia
ali, no país, naquele espantoso verão de 1955,
uma considerável energia vital, uma exaltada
alegria de viver, acentuada, em alguns lugares e
num ou noutro indivíduo, ainda mais possuído
do gozo pleno de um extraordinário senso lúdico
tropical. Estávamos, poderíamos nos considerar
como estando, num dos últimos redutos do ser
humano. Depois disso viria o fim, não, como
todos pensavam, com um estrondo, mas com um
soluço. A densa nuvem desceria, não, como
tantos pensavam, feita de moléculas radioativas,
mas da grosseria de todos os dias, acumulada,
aumentada, transmitida, potenciada. O homem
se amesquinharia, vítima da mesquinharia do seu
semelhante, cada dia menos atento a um gesto de
gentileza, a um ato de beleza, a um olhar de amor
desinteressado, a uma palavra dita com uma pre-
cisa propriedade. E tudo começou a ficar densa-
mente escuro, porque tudo era terrivelmente

30
patrocinado por enlatadores de banha, fabricantes
de chouriço e vendedores de desodorante, de modo
que toda a pretensa graça da vida se dirigia apenas
à barriga dos gordos, à tripa dos porcos, ou, no
máximo de finura e elegância, às axilas das damas.
PREFÁCIO PARA UM ELEFANTE NO CAOS, PEÇA DO AUTOR. 1962

T odo tempo de opressão é tempo de grandes


sutilezas. Hoje você pode dizer sem medo que
“Nero tocava violino enquanto Roma pegava fogo.”
Mas, na época do fato, se noticiava apenas que:
“Personalidade romana colocada na mais alta
cúpula, já famosa por ter, anteriormente, encur-
tado os dias de sua progenitora, foi vista prati-
cando uma sonata ao violino enquanto a capital
do seu país ardia numa conflagração sem igual”.
Há muito que aprender com a história em matéria
de calar a boca.
CONVERSA COM TARIK DE SOUZA, POETA, CRÍTICO MUSICAL. 1971

A ssim que os tipos móveis se provaram como


uma revolução na arte de imprimir, imediata-
mente os meios de produção se apoderaram deles
e os colocaram a seu serviço. Isto é, a imprensa,
logo ao nascer, não foi um meio de ampliação da
cultura mas apenas um modo de filtrar para maior
número de indivíduos o tipo de informação que
interessava à classe dominante. Passou não apenas
a ser uma forma de divulgar mentiras como, tam-
bém, de ocultar toda verdade que não interessasse

31
aos poderosos. Gutemberg, em verdade, não inven-
tou a imprensa. Inventou a imprensa marrom.
O PAPEL DA DIVULGAÇÃO A SERVIÇO DO POVO. 1954

O último refúgio do oprimido é a ironia e


nenhum tirano, por mais violento que seja,
escapa a ela. O tirano pode evitar uma fotografia.
Não pode impedir uma caricatura. A mordaça au-
menta a mordacidade.
CONVERSA COM BORJALO, DESENHISTA, HOMEM DE TELEVISÃO.
1973

P raticamente todas as teorizações filosófico-


políticas já tinham sido feitas há dois mil anos,
na Grécia. Os grandes meios de comunicação
foram inventados quando ninguém tinha mais
nada a dizer.
CONVERSA COM ÊNIO SILVEIRA, JORNALISTA, EDITOR. 1973

S ó depois que a tecnologia inventou o telefone,


o telégrafo, a televisão, todos os meios de co-
municação a longa distância, foi que se descobriu
que o problema de comunicação mais sério era o
de perto.
CONVERSA COM ADOLPHO BLOCH, EDITOR, O HOMEM QUE LEVOU
A LACUNA COM ELE. 1958

H á, segundo divulgações da mídia, uma abso-


luta falta de comunicação entre os homens e
mulheres. Dizem isso enquanto dão notícias,

32
também assustadoras, a respeito da explosão de-
mográfica em todo o mundo.
ENCONTRO COM O DR. PAULO ALBUQUERQUE,
ENDOCRINOLOGISTA. 1970

A ntigamente, o único sistema de Comunicação


Central era o de aquecimento ou refrigeração.
O desenvolvimento tecnológico tornou possível a
estupidez central e a incompetência central.
CONVERSA COM MOACIR WERNECK DE CASTRO, JORNALISTA,
ESCRITOR, TRADUTOR. 1972

S e a pressa é inimiga da perfeição, então quanto


mais devagar se faz um trabalho mais perfeito
ele é. Dai se concluiria que um semanário deve
ser melhor do que um diário e um mensário
melhor do que um semanário, sem falar de anuá-
rios. O que talvez explique a atração popular pelos
slogans que apregoam: “O crime do ano”, “O jul-
gamento do século”, “O maior filme de todos os
tempos”.
CONVERSA COM JOÃO BATISTA CASTEJON BRANCO, JORNALISTA.
1971

U ma inverdade, apanhada na hora, é uma men-


tira deslavada. Um ano depois, porém, pode
ser apenas uma outra faceta da verdade. Se resistir,
dentro de dez anos será um dos raptos de imagina-
ção da pessoa que a pronunciou. Um século depois
já ninguém se lembrará quem a disse e ela será

33
parte e fundamento do folclore. Com o passar dos
tempos, mais e mais anos sedimentarão a mentira
e ela será transformada em fantasia, em canto,
em criação geral, em história cíclica, em ode, em
épico, em conceito geral de eternidade filosófica.
DISCURSO SÓ PARA CRISTINA DE LUCCA, JORNALISTA,
TELEVISIONISTA. 1972

O s sujeitos que escrevem cartas anônimas não


se preocupam com a redação das cartas pelo
fato mesmo de pretenderem que elas permaneçam
no anonimato. O resultado é que, descobertos,
não são considerados somente canalhas mas
também ignorantes.
A PRÁTICA. OBRAS COMPLETAS. 1970

P or algum mistério indecifrável o fato de “ter


voltado” parece renovar a pessoa, lhe dá um
prestígio fresco. E lhe traz a agradável sensação
de ser especialmente bem recebido nos lugares a
que chega, isto é, a que volta. Por isso quase todo
mundo sente necessidade de mentir a respeito da
data em que “voltou”, respondendo sempre que
acaba de chegar, quando, na verdade, já voltou há
mais de um mês.
CONVERSA COM IVAN FERNANDES, ARTISTA PLÁSTICO, EMPRESÁRIO
GRÁFICO, FILHO DO AUTOR. 1961

S e fôssemos franceses e alguém nos pergun-


tasse quem escreveu a música de Sabiá,

34
poderíamos responder com muito espírito: “C’est
le ton que fait la chanson”. E, entusiasmados,
poderíamos continuar: “Loin des yeux, loin du
couer”, “Loups ne se mangent pas entre eux”, “Mieux
vaut tard que jamais”, o que nos faria passar por
absolutos idiotas.
CONVERSA COM FREDERICO CHATEAUBRIAND, EXTRAORDINÁRIO
JORNALISTA. 1973

O que levou todo mundo a confundir Genaro


Hermano com Gênero Humano complicou-
se ainda mais com os meios de comunicação. A
mídia, em mãos impróprias, colocou o cidadão
comum na angústia definitiva de não conseguir
decidir se um açougueiro branco que vende carne
verde a um freguês preto é pior ou melhor do que
um russo branco que vende caviar vermelho no
mercado negro.
A POLUIÇÃO SEMÂNTICA, CONVERSA COM RICARDO CRAVO ALBIN,
JORNALISTA, MUSICÓLOGO, AGITADOR SOCIAL. 1968

C ertas coisas públicas não se podem tornar


particulares.
TESE E PRÁTICA DE INFILTRAÇÃO. 1966

A campanha do “Sorria Sempre” revela um


conformismo total e é indigna do humorista.
Quem sorri sempre ou é um idiota total ou tem a
dentadura mal ajustada.
CONVERSA COM JORGE ARTHUR GRAÇA SIRIKA, ODONTOLOGISTA E
UM DOS INVENTORES DO FRESCOBOL. 1973

35
H iroshima e Nagasaki. Dois holocaustos, exata-
mente idênticos, no mesmo país, na mesma
época, praticados nas mesmas odiosas circuns-
tâncias. No entanto, Nagasaki não tem metade do
charme publicitário de Hiroshima, que é a pri-
meira palavra de revolta que nos vem quando nos
lembramos da tragédia atômica. A sonoridade de
um nome, possibilitando ser cantado em verso e
filme por escritores e poetas, deu a Hiroshima o
status de um símbolo. É uma questão para os assim
ditos técnicos em comunicação: se Cristo fosse
enforcado, a forca teria a mesma força simbólica
da cruz?
O ABSOLUTO E O RELATIVO. OBRAS INCOMPLETAS. 1970

O terror do século é a apropriação dos termos


por uma mídia que não sabe, ela própria, o
que está dizendo. Uma semântica desvairada ater-
roriza o homem comum que, ao ler o jornal diaria-
mente, encontra ali palavras que não existiam
ontem e vão se tornar moda, ou serão esquecidas,
amanhã. Essas palavras, se tomadas em seu signifi-
cado exato e preciso, não têm sentido no uso diário.
Se tomadas no significado que adquiriram quando
popularizadas, passam a ser aterrorizantes, acenan-
do para o homem comum com um mundo que
ele não compreende e muito menos quer. Daí o
pânico geral. Daí vivermos no mundo ideal para
os psicanalistas.
CONVERSA COM LUÍS ALBERTO BAHIA, JORNALISTA. 1971

36
U´ nico meio de comunicação do ser humano (a
matemática é especializada, a música é emo-
cional, a imagem é incompleta, a expressão corpo-
ral é apenas auxiliar), a palavra se torna, ao fim e
ao cabo, um elemento reacionário. Se nova, serve
apenas de comunicação elitista e, quando muito
usada, se desgasta e confunde.
CONVERSA COM AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA, ETIMOLOGISTA,
ESCRITOR. 1960

N unca conheci ninguém que falasse duas lín-


guas. Cada palavra, nuança ou ritmia que se
aprende numa língua, se perde na outra. Além
disso “falar bem uma língua estrangeira é demons-
tração de absoluta falta de caráter”, no mais amplo
sentido da palavra. Como dizia Shaw: “Nenhum
homem realmente capaz em sua própria língua
se interessa em dominar outra”.
CONVERSA COM MAURÍCIO ROBERTO, ARQUITETO. 1973

U ma folha de papel, acrescida de algumas notas


de discurso a ser proferido, ganha em magni-
tude mas não em peso.
CONVERSA COM MARCO NANINI, ATOR. 1978

A alienação, que se refere, indiferentemente, à


mulher tomada como objeto de exploração,
aos meios de comunicação sem sentido ou obje-
tivo, à “idiotice da vida do campo”, à cultura como
elemento de exploração classista, virou palavra de
ataque, perdeu o sentido e alienou-se.
CONVERSA COM BADEN POWELL, VIOLONISTA. 1965

37
S e cada país tem que ter a sua imagem nacional,
a efígie brasileira deveria ser a do jogador de
porrinha, posto em todas as praças vestindo a
camisa do Flamengo, o braço estendido, a mão
fechada. Uma figura mais estranha do que a Es-
finge porque, feita de mármore do Paraná, jamais
abriria a mão. Ninguém jamais saberia quantos
pauzinhos teria o herói nacional.
SUGESTÃO PARA JOÃO UBALDO RIBEIRO, JORNALISTA, ROMANCISTA.
1962

Q uando o clima vitoriano se instala num país e a


censura vê crimes e insolências em todas as
manifestações, até a palavra pudibunda passa a
ser meio pornográfica.
CONVERSA COM PAULO PONTES, TEATRÓLOGO. 1973

A língua (o povo) tem suas próprias razões, que


ninguém jamais poderá pesquisar. Quase
todas as palavras em Português terminadas em eca
tendem ao ridículo: beca, breca, burreca, camoeca,
careca, caneca, cueca, jaleca, marreca, meleca,
muleca, munheca, panqueca, peteca, rebeca,
sapeca. Vá lá alguém explicar. E tem gente que
explica.
PAPO COM B. PIROPO, JORNALISTA, ENGENHEIRO, TÉCNICO E
TEÓRICO DE INFORMÁTICA. 1956

F undamental: sem o alfabeto teria sido impos-


sível a alfabetização. Existiria, no máximo, a
ideogramatização e cuneiformização. Uma coisa

38
óbvia, mas que escapa a todo mundo é que Capa-
dócio, inventor do alfabeto aos 45 anos de idade,
era, claro, um analfabeto. Entre todos os gregos
era o único que não podia ocultar isso.
CONVERSA COM INÊS OZELA, ARGENTINA, PROPRIETÁRIA DA LOJA
MUJER, NO CENTRO DA PIAZZA DELA SIGNORIA, FLORENÇA. 1973

A palavra foi sempre usada como mágica. Co-


meçou no começo, com o Fiat Lux!. Passou
pelos mandamentos do Sinai, fez o poder dos
sacerdotes do Egito, atravessou os séculos na
semântica de todas as religiões, igrejas, maçona-
rias, mãos negras. Como código secreto controlou
parte substancial da política da segunda guerra
mundial, foi, e é, alicerce e mistério do poder
judiciário. E domina o mundo de nossos dias com
a informática, cada vez mais desnecessariamente
complexa, erigindo e exaltando novos pajés, que
enganam os trouxas e obriga-os a consumir tudo
quanto é amuleto – up-grade – vendido nas cate-
drais da Sancta Theknológias.
ADVERTÊNCIA A ROSENTAL CALMON ALVES, JORNALISTA, REPÓRTER
POLÍTICO, PROFESSOR & KNIGHT CHAIR IN JOURNALISM,

UNIVERSIDADE DO TEXAS. 1987

39
Metodos
´ de acao.
~
Trabalho ´

M enos do que um meio de vida, uma atividade


de interesse público, a prática política é um
alucinógeno.
CONVERSA COM CARLOS CASTELO BRANCO, COMENTARISTA
POLÍTICO. 1972

A atenção nos métodos, o cuidado com as ações,


a cura dos detalhes, a delicadeza com os
amigos, o efeito das palavras. O mal das encren-
cas é que elas começam muito direitinho.
CONVERSA COM FERNANDO GASPARIAN, EDITOR, DEPUTADO. 1972

O radicalismo é quase sempre inútil e são sempre


louváveis as virtudes da contenção, a ciência
do meio. Mas não há excessos no sexo, pois ele é
auto-regulável. E o álcool, tomado com modera-
ção, não oferece nenhum perigo, mesmo em gran-
des quantidades.
CONVERSA COM ROBERTO CAVANA, QUÍMICO, FOTÓGRAFO E
PENSADOR ITALIANO. 1991

O Poder corrompe. E o Poder Absoluto corrom-


pe muito melhor.
ALGUMAS NOTAS SOBRE LIDERANÇA POPULAR. 1967

40
P ela primeira vez vejo um país, o Chile, experi-
mentando na prática uma velha proposta
minha, que considero a melhor possibilidade de
solução dos problemas sociais: um capitalismo
dirigido por socialistas. Ou vice-versa.
MÉTODOS. 1967

E´ menos uma atitude otimista do que realista.


Em qualquer situação é fundamental não es-
quecer o riso. O pranto só serve para chorar.
CONVERSA COM DI CAVALCANTI, PINTOR. 1951

N ão há nenhuma característica ou atitude


pragmática que indique as intenções do
adversário. A crença de que um canalha tem cara
de canalha é absolutamente pueril. Mas, como ela
existe, quando você tiver que mentir faça-o
olhando o interlocutor bem dentro dos olhos,
com absoluta firmeza.
DIÁLOGO COM WESLEY DUKE LEE, PINTOR, JORNALISTA E
COLECIONADOR. 1967

A
` s vezes você busca soluções complexas e téc-
nicas para problemas que podem ser resol-
vidos de maneira bem simples. Por exemplo: se
você aperta a barriga à altura do fígado e sente
dor, em vez de procurar médicos e se submeter a
tratamentos complicadíssimos, o mais sábio é, sim-
plesmente, deixar de apertar.
SOLUCIONÁTICAS. CONVERSA COM MÔNICA SILVEIRA. EMPRESÁRIA,
ARTICULADORA SOCIAL, BELA MULHER CARIOCA. 1969

41
C andidate-se. Por mais idiota que você seja
sempre haverá um número suficiente de
idiotas maiores do que você para acreditar que
você não o é.
CONSELHO A UM CANDIDATO. 1958

P ela estrada da indecisão se vai bater direitinho


na casa da pusilanimidade.
CONVERSA COM ERICO VERISSIMO, ESCRITOR. 1970

O rwel previu para 1984 o domínio definitivo,


no mundo inteiro, do Big Brother. Mas da ma-
neira por que marcha o mundo o Grande Irmão já
chegou, já viu e vai vencer bem antes de 1984.
Portanto, se você tem que fazer, faz logo: amanhã
pode ser ilegal.
HOMEM LOBO DO HOMEM. 1967

A medida de cada um não é a mesma e isso deve


ser levado sempre em conta na ação humana,
onde, mais do que em qualquer outra ciência,
quem pode o mais pode o menos mas a recíproca
não é verdadeira. Todo sábio, de vez em quando,
banca o idiota. Mas quando o idiota quer bancar
o sábio só consegue ficar mais idiota.
EXPLICAÇÃO PARA NELMA, SECRETÁRIA E NUME TUTELAR DO
PASQUIM, JORNAL CARIOCA DOS ANOS 70. NO AEROPORTO SANTOS
DUMONT. 1972

P ara o trabalho coletivo é preciso ter sempre em


mente as fraquezas individuais e o excesso de

42
confiança trazido pela proximidade. O colabora-
dor íntimo nos trai menos por traiçoeiro do que
por íntimo. Na luta social a intimidade já traz em
si o germe da traição.
DISCURSO NA ÁREA LIBERADA PARA O TRÁFEGO DO TÚNEL DO
PASMADO. 1963

N a política só é possível um acordo sincero


naquilo com que se concorda.
CONVERSA COM A CONDESSA PEREIRA CARNEIRO, PRESIDENTE E
PROPRIETÁRIA DO JORNAL DO BRASIL, DURANTE UMA VIAGEM AO

NILO. 1961

N os processos de luta ou negociação podemos


impor uma realidade nossa ao adversário
mais fraco mas temos que tratar dialeticamente
com as armas e os recursos do adversário mais
forte. Quando a burrice manda, a suprema bur-
rice é ser sábio. Quando um técnico vai tratar
com imbecis tem que levar um imbecil como
técnico.
CONSELHOS TÉCNICOS A SÉRGIO JAGUARIBE, DITO JAGUAR. 1967

S e o adversário pede trégua, dê-lhe trégua, mas


sempre fingindo a necessária relutância a fim
de que ele jamais perceba o quanto você esteve
perto de dar o que pedia.
CONVERSA COM GAMAL NASSER, NO CAIRO. 1961

A
` s vezes a argumentação do adversário equivale
a um ato de violência. Mas, se você não pode

43
com a dialética dele, tem sempre o recurso de lhe
atirar com uma pedra na cabeça.
CONCLUSÃO MORAL E DIALÉTICA ENUNCIADA NA REDAÇÃO DE
O CRUZEIRO, DEPOIS DE REIVINDICAÇÕES SALARIAIS. 1961

O u se golpeia, ou não. Não se pode atacar a meio


termo, a meia altura, a meia força. O inimigo
não destroçado volta com mais violência ou
prestígio. Se não se pode destruí-lo é melhor igno-
rá-lo. Companheiros de profissão, cuidado com a
Sátira: ela pode glorificar.
DO EXATO EMPREGO DESTA ATIVIDADE. LOCUÇÃO A SÉRGIO
AUGUSTO, JORNALISTA, ENSAÍSTA CINEMATOGRÁFICO. 1969

C onscientizar é uma forma de levar o cidadão a


encaminhar seus passos no sentido de uma
constante melhoria social e política. O conscienti-
zado, acreditando numa revolução permanente,
seja dito, diária, prega uma contestação tão cons-
tante que, no fim, se torna inconsciente. É a nega-
ção do subversivo, que luta suicidamente para
desencarrilhar a história. Com ele dentro.
NOTAS À MARGEM DO RIO. 1970

D e modo geral a cada eleitor cabe um voto. Esse


voto pode ser contra, a favor ou muito pelo
contrário. Um eleitor dando mais de um voto a
um candidato se chama voto qualitativo. Também
se pode chamar fraude. Um candidato aceitando
mais de um voto de cada eleitor é um eleito.
TÉCNICAS DE PODER. CONVERSA COM FERNANDO PEDREIRA,
JORNALISTA, EMBAIXADOR. 1967

44
C inqüenta séculos de civilização baseados no
mito do herói, no primado da macheza, cul-
minaram na cunhagem da frase: “Dou um boi
para não entrar numa briga; dou uma boiada para
não sair”. É a glória da jactância, o blasonar desvai-
rado do pavão doido, a mais autêntica expressão
de assobio no escuro. Pois na verdade o homem já
não é mais tão másculo assim. Criado a puericul-
tura e a estrôncio 90, cheio de sopas Knorr nas
veias e banhado com Coca-Cola, o homem já não
topa paradas com o mesmo prazer com que o fazia
em Ur ou Neandertal. Na verdade, com exceção
dos profissionais (e esses não vale contar pois se
realizam exatamente na briga) o homem atual
prefere mesmo – se não houver terríveis imposi-
ções “morais” à volta – levar seus desaforos para
casa, escovar os dentes três vezes por dia e visitar
o psicanalista duas vezes por ano. Instado, insti-
gado, empurrado para uma briga, ainda assim ele
cumpre a primeira parte do provérbio e oferece
seu boi para não participar do entrevero, tentando
se evadir ao apelo marcial. Porém, se já está
apanhando, sua mais sagrada vontade, entre um
soco e outro, é entregar a boiada toda ao primeiro
que se interessar por ela e ir para casa logo, dei-
tar-se, e gemer nos mais efeminados coxins que
encontrar. Hagia Sophia!
CONVERSA COM O CONDE DE KAROL NOWINA, ELEGANTÍSSIMO
PROFESSOR DE LUTA LIVRE E GINÁSTICA, MESTRE DO AUTOR. 1968

45
P ois, para ser livre, é preciso sacudir os grilhões,
desprender as algemas, cavar túneis por baixo
das donzelas, desbridar os corcéis da aventura
amarrados à burocracia e gritar: “Laços fora!”
Imitar D. Pedro I na medida do possível, isto é:
usar fósforos Ipiranga e ser marginal.
CONVERSA COM REDI, EXTRAORDINÁRIO CARICATURISTA. 1975

46
Metodos
´ de pensamento.
Dialetica
´

Q uem quer a liberdade? A liberdade exige


decisões pessoais para todos os dilemas
diários: saio, não saio, vou, fico, o que é que eles
estão querendo dizer com isso?, como é que eu
devo agir em função disso? A cada ato, cada
desastre, cada notícia, corresponde uma atitude
definida e um esforço para o qual o ser normal
não foi adequado. Só um tarado (liberal) aprecia
a liberdade total. O homem médio prefere se
entregar a prepostos, ama despachantes, obedece
a mestres, serve a diretores, mitifica líderes. A pró-
pria constituição humana está talhada para a
limitação. É evidente que Deus fez o homem com
a cabeça maior do que o corpo para ele não poder
passar por entre as grades.
IMPOR A LIBERDADE MESMO ATRAVÉS DA COAÇÃO. OBRAS
COMPLETAS. 1970

A s novas realidades nem sempre ultrapassam


a velha sabedoria. Uma coisa é conceito, ou-
tra experiência existencial. Teu avô pode não ter
curso secundário. Mas tem 67 anos.
CONFLITOS. 1963

47
E´ necessário não apenas contestar. É mais
importante contestar também pelo direito
inalienável de contestação. Isso não exclui, é claro,
antes inclui, como coisa definitiva, o direito de
contestar a contestação dos outros.
DISCURSO DE ENCERRAMENTO (FALÊNCIA) DA FACULDADE DE
ENGENHO NOVO. 1949

A originalidade é a marca do gênio. Mas, para


quem não pode almejar tanto, o cultivo do
lugar comum bem aplicado, do provérbio usado
em boa hora, também ajuda muito e, às vezes,
até substitui o talento real. E, convém lembrar,
o domínio do óbvio está ao alcance de qualquer
um.
LIÇÕES DE COISAS. 1959

D iscussões exaustivas de métodos, informações


exaustivas de processos, troca de opiniões
sobre tudo, eis a única forma possível de esclarecer
teorias e melhorar o nível de prática. A discussão,
mesmo quando não traz a luz, liquida com muita
idéia imbecil.
DISCUSSÃO COM CHICO BRITTO, ARQUITETO CARIOCA QUE POUCO
ARQUITETOU, MAS TODOS OS DIAS DE MADRUGADA NADAVA ALGUNS

QUILÔMETROS MAR A DENTRO, NA PRAIA DE COPACABANA. AOS 84

ANOS NÃO VOLTOU. 1971

E´ preciso muita fé no ser humano para não


acreditar na sua absoluta incapacidade de se
autogovernar. Pelo número de ditaduras que

48
existiram e existem no mundo, conclui-se que a
suprema aspiração popular é a liberdade de não
ter que decidir coisa nenhuma.
MÉTODOS DE TRABALHO. 1955

O homem brilhante, capaz de raciocinar a todo


momento, dinâmico no seu pensamento, varia
e muda com o tempo e não é mais hoje o que era
dez anos atrás. Mas o imbecil, que só tem uma
idéia, incapaz de raciocinar, é, forçosamente, um
homem de grande convicção.
DISCUSSÃO COM PAULO FRANCIS, JORNALISTA, ESCRITOR. NOVA
YORK. 1973

N ão há que se horrorizar com o palavrão. Tudo


é palavrão e nada é palavrão. Palavras e ex-
pressões tais como “Tira. Bota. Mais. Mexe. Aí não!
É muito grande! Que coisa enorme, etc....” não
são palavrões e, pelos critérios de censura, posso
publicá-las livremente. Se alguém achar essas
palavras ou expressões indecentes é porque as
colocou num contexto de sua própria criação. Ao
contrário, a expressão “filho da puta” pode ser
usada como expressão de grande admiração e até
carinho, como no caso famoso do cavalo inglês,
glorioso na história do hipismo. É evidente que o
dono não lhe pôs esse nome como ofensa.
PALAVRÕES E PALAVRINHAS. PREFÁCIO PARA A TRADUÇÃO DE
HOMECOMING, DE HAROLD PINTER. 1970

49
S ó há uma coisa que a vida ensina: a vida nada
ensina. Alguém precisa aprender mais do que
isso no ato de viver?
CONVERSA COM MARCO AURÉLIO DE MOURA MATOS, JORNALISTA
E ESCRITOR MINEIRO. 1969

A precisão vocabular é fundamental em qual-


quer contato político já que as palavras são,
por si mesmas, evasivas e, por isso, perigosas. A pa-
lavra de uma região tem nuanças estranhas em
outra, senão significado diametralmente oposto.
Isso, que todos sabem, em geral é ignorado com
respeito a classes sociais ou níveis de educação em
que se usam as mesmas palavras com nuanças
absolutamente surpreendentes. Um bom político
é inequívoco quando tem que ser inequívoco e
equívoco sempre que o deseja, jamais cometendo
o erro grosseiro do deputado mineiro que, convi-
dado a jantar pela mulher do governador, respon-
deu pressuroso: “Realmente, madame, essa idéia
não me repugna”.
DIÁLOGO COM LUCIANO CARNEIRO, JORNALISTA-REPÓRTER-
FOTÓGRAFO, MORTO EM DESASTRE DE AVIAÇÃO. 1957

U ma força irresistível não pode encontrar um


obstáculo intransponível. A contradição dialé-
tica aparente se desfaz se você ou elimina o termo
irresistível, ou o termo intransponível. Na prática his-
tórica, porém, a verificação do que é irresistível e
do que é intransponível tem custado muito sangue.
O PAPEL DOS QUE NÃO TÊM PAPEL. PALESTRA NA FACULDADE DE
ALÉM-PARAÍBA, DIRIGIDA POR FUAD SAYONE, UM SANTO. 1973

50
A s paralelas quase sempre se encontram. A uma
certa distância, é claro, mas que se encontram,
se encontram. Pois, se ficam muito distanciadas,
perdem até mesmo a condição de paralelas.
CONVERSA COM FLÁVIO RANGEL, JORNALISTA, TEATRÓLOGO. 1970

A s interferências de determinadas idéias e re-


lações não podem ser tiradas sem análise de
campo do problema levantado. Por saber que o
branco é a reunião de todas as cores você não pode
inferir daí que todos os sons do dia reunidos fazem
o grande silêncio das horas tardas.
CONVERSANDO COM GUILHERMINA, DOMÉSTICA QUE SABIA TUDO.
1968

O mundo tem muitos canalhas mas, felizmente,


estão todos nas outras mesas.
CONVERSA NO BAR VELOSO, COM TOM JOBIM, MÚSICO. 1962

P erdemos a batalha mas jamais poderemos


perder a consciência das palavras que tornam
isso menos desastroso. Perdemos a batalha mas
“salvamos a honra e o prestígio de nossa gloriosa
corporação”.
HIERARQUIA. CONVERSA COM O DR. SOBRAL PINTO. 1963

V ocês devem estar bem lembrados de que, no


meio do ano, quando quase toda a população
se queixava do frio violento, previmos a vinda de
dezembro assim que acabasse novembro, a en-
trada daquele mês trazendo consigo, fatalmente,
o verão. Avançamos mais ainda e previmos que

51
em dezembro deveria findar o ano de 1969, coisa
que ninguém pode negar agora que já estamos em
janeiro de 1970.
RIDÍCULO DOS ORADORES RETÓRICOS. TESE PARA ANTÔNIO HOUAISS.
1970

O ser humano consegue sobreviver com uma


parte de si mesmo espantosamente sofisticada
e outra parte ainda mergulhada no lamaçal de sua
primitividade. Quando os filósofos gregos desco-
briram que a raiz quadrada de 2 não é um número
racional (?) celebraram a descoberta com uma
Hecatombe – a morte de cem bois.
SOBRE A IRRACIONALIDADE DA FUTUROLOGIA E DA PASSADOLOGIA.
PAPO COM MÁRCIO MOREIRA ALVES, MARCITO, JORNALISTA,
DEPUTADO. 1970

S logans de longa durabilidade, alguns com


séculos de existência, como “o dinheiro não
traz felicidade” ou “o dinheiro não é tudo”, devem
a sua extraordinária permanência a uma grande
carga de sabedoria. Mas, sendo apenas parcial-
mente verdadeiros, devem ser combatidos. Não
se tentando anulá-los, o que seria impossível, mas
se tentando ultrapassá-los, completando-os com
uma verdade maior. Assim, o slogan “o dinheiro
não é tudo” deve ser completado com a frase “tudo
é a falta de dinheiro”. E quando disserem que “o
crime não compensa”, você tem de lembrar que
isso é por que, quando compensa, muda de nome.
DIÁLOGO COM EVARISTO DE MORAIS, FILHO, ADVOGADO. 1973

52
S anto Agostinho disse que todos os pecados que
ele cometeu foram imediatamente punidos
por Deus, na medida em que “toda perturbação
da alma é sua própria punição”. Mas Agostinho
também disse, e com mais sabedoria prática: “É
preciso um mínimo de bens materiais para exercer
as virtudes do espírito”. Socialismo? Parece. Isso
antes, muito antes de Proudhon dizer que “toda
propriedade é um roubo” e Shaw acrescentar que
“todo lucro é um roubo”, gritando ainda “Horace
Halger morreu chorando pelo pobre. Eu morrerei
denunciando a pobreza”.
PAPO COM CHICO CARUSO, JORNALISTA, DESENHISTA, SHOW-MAN.
1990

R ever posições. Quando todos procuram a


chave do sucesso esquecem que importante
mesmo é o sucesso da chave.
CONVERSA COM JORGE DE ANDRADE, TEATRÓLOGO. 1967

O voto não resolve nada. A ausência do voto des-


trói tudo. O direito divino é uma hipocrisia.
O poder pela força é uma violência. O problema
político continua em aberto.
CONVERSA COM EDSON SILVA, ATOR. 1960

A verdade é que todo o progresso da humani-


dade não depende, como querem religiosos de
um lado e fascistas de outro, de crenças profun-
das, de princípios arraigados, de religiões místicas
ou econômicas. Todo o progresso da humanidade

53
se deve unicamente à descrença, ao ceticismo.
Desconfiar é progredir.
CONVERSA COM JOSÉ MEDEIROS, FOTÓGRAFO DO PERÍODO ÁUREO
DA REVISTA O CRUZEIRO. 1960

O s reformadores sociais afastados da realidade


sempre me lembram o conselho de segurança
para pregar um prego sem perigo de se machucar:
basta pegar o martelo com as duas mãos.
CONVERSA COM OLAVO RAMOS, COMERCIANTE. 1968

54
Etica
´ e
disciplina

E´ claro que você deve ter a coragem das suas


convicções e enfrentar as coisas cara a cara e
– desde que, naturalmente, não vá contra seus
próprios e inerradicáveis interesses, desde que, é
óbvio, respeite fundamentalmente a família (a sua
e também a dos outros, é evidente, sem deixar de
respeitar a institucional, naturalmente), desde que
observe que a verdade não pode estar toda do seu
lado e que o outro lado também tem sua parcela,
desde que suas idéias sejam sempre sadias e
patrióticas e que você observe à risca os estatutos
vigentes, os decálogos em curso, as apostilas reco-
mendadas, as orientações gerais sobre aquilo em
que é permitido opinar, as bases do que é respei-
tável moral e civicamente, os exemplos de cima,
até onde se pode chegar dentro do sistema, até
onde vão suas responsabilidades na sociedade em
que se vive, não fugindo também, o que é com-
preensível, das normativas propostas e estabele-
cidas, evitando cair em erros ideológicos funda-
mentais, respeitando os inúmeros estatutos parciais
ou locais e jamais desrespeitando as bases em que

55
estão assentados os nossos princípios de povo e
de nação assim como nossos usos e costumes –,
pode exteriorizar toda sua convicção e dizer tudo
o que pensa, contar tudo o que sabe, com coragem
e destemor, doa a quem doer. Você deve apenas
tomar o cuidado, que acreditamos perfeitamente
válido, de declarar, antes de mais nada, a fim de
não ferir susceptibilidades, que qualquer seme-
lhança com pessoas vivas ou mortas é mera coinci-
dência e que tudo, é evidente, se passa em outra
época e num país imaginário.
ORAÇÃO AOS JOVENS. CONVERSA COM O FOTÓGRAFO FRANCÊS JEAN
MANZON, MUITO JOVEM ENTÃO. 1969

T odas as estórias (sobretudo a História) preci-


sam ser contadas de novo agora que, afinal,
começamos a ser sinceros.
CONVERSA COM MARCOS VASCONCELOS, ARQUITETO E ESCRITOR.
1972

E ntre a burrice e a canalhice não passa o fio de


uma navalha.
ARENGA NO ROTARY CLUBE. 1963

T razemos do berço um conteúdo de felicidade


ou infelicidade que é preciso aprender a usar
O mais das vezes o sofrimento está em nós mesmos,
não no que nos acontece. Abrindo os braços cada
um de nós é sua própria cruz.
COMO ENFRENTAR O FATO DE SER. 1971

56
S e os seus princípios são rígidos e inabaláveis,
você, pessoalmente, já não precisa ser tanto.
CONVERSA COM JARDS MACALÉ, MÚSICO, COMPOSITOR, CANTOR,
HERDEIRO DE MOREIRA DA SILVA. 1959

O fundamental é aproveitar o tempo, não no


sentido utilitário e materialista, mas no sen-
tido do gozo existencial, do dia-a-dia, da hora-a-
hora. Quem perde tempo, se perde no tempo.
O ÚTIL E O DESFRUTÁVEL. 1957

N ão se fie na crença de que são os ratos os pri-


meiros a abandonar o navio. Qualquer ho-
mem sábio ao ver o navio afundando deve tentar
bater os ratos na corrida para a salvação.
TERTÚLIA COM ALI KAMEL, JORNALISTA. 1992

E´ preciso levar um objetivo avante e às suas


supremas conseqüências, não se parando
diante de argumentos e palavras por mais que
estes pareçam sábios e sensatos. Concordo com
tudo que dizeis mas lutarei até a morte para im-
pedir-vos de dizê-lo.
PARÓDIA DE MORAL. 1961

57
Profissoes:
~
limitacoes
~ e deveres
´

N ão podemos, como profissionais, oferecer ao


público que nos freqüenta uma criação que
ele também se julgue capaz de realizar. Seria o
mesmo que um artesão fabricante de cadeiras nos
oferecer uma cadeira feita com três ripas mal
pregadas, mal alinhadas e mal envernizadas e nos
cobrar por isso um preço profissional. No campo
viril do artesanato, isso é impossível, pelo menos
a esse ponto absurdo e pelo menos em larga escala.
Uma cadeira comprada será sempre melhor do
que as que conseguimos fazer em casa com nossas
parcas habilidades e ferramentas inadequadas. E,
no entanto, sem sombra de dignidade profissio-
nal, artistas, jornalistas e, sobretudo, produtores de
televisão, não têm vergonha de apresentar ao
público espetáculos degradantes como caráter,
humilhantes como representação geral do nível
artístico do país, e perigosíssimos no sentido de
que uma massa de estupidez muito grande acaba
embotando mesmo o potencial de inteligência
mais privilegiado.
PREFÁCIO PARA A PEÇA POR QUE ME UFANO DO MEU PAÍS. 1955

58
M al baseada num juramento (hipocrático) que
na verdade é apenas uma lei de proteção ao
clã médico, a medicina é pretensiosa e se arroga
uma infalibilidade papal, que lhe dá margens de
escapar com uma porcentagem de erros assusta-
dora. Morre mais gente de medicina do que de
doença. É um ato de extrema insensatez procurar
o médico à menor dor de cabeça. A medicina não
perdoa nem se arrepende.
DECLARAÇÃO DEPOIS DE PROTESTAR CONTRA O MAU ATENDIMENTO
NUM HOSPITAL DO INPS. 1969

U ma teorização desvairada sem apoio na reali-


dade é inútil e até mesmo perniciosa. Não se
conhece um simples poeta, desde a antigüidade
até nossos dias, que não tenha escrito amplamente
sobre o amor. Mas os poetas são, via de regra,
maus amantes.
DIÁLOGO COM SANTOS FERNANDO, EXCELENTE HUMORISTA
PORTUGUÊS. 1971

O marginal adivinha brechas na sociedade e se


antecipa à pragmatização de suas necessida-
des. Sem ter o que fazer, onde aplicar seu tempo e
como ganhar sua vida, o “picareta de ouro”, por
exemplo, percebeu que havia prestadores de ser-
viços (intelectuais, artistas, fotógrafos, cinegra-
fistas) interessados em prestar serviços, enquanto
os homens interessados em lhes dar serviço
(industriais e empresas de modo geral) não sabiam

59
como arregimentá-los e entrar em contato com
eles. O “picareta”, dada sua disponibilidade, tinha
contatos com uns e outros, e passou a se beneficiar
desse conhecimento arranjando encontros entre
os prestadores de serviços e os usuários desses ser-
viços. Os encontros se realizavam quase sempre
em almoços longos e fartos, única compensação
do marginal que os promovia. Daí a instituciona-
lização dessa atividade com o nome de Relações
Públicas”, foi só uma questão de tempo. Toda
atividade social nova tem um ar de impostura.
FALA COM MONIQUE DUVERNOIS, DECORADORA. 1985

A medicina, tendo feito alguns progressos, não


conseguiu, contudo, acompanhar o ritmo
evolutivo dos males do mundo. Seu know-how, por
exemplo, em relação a doenças psíquicas, é ridí-
culo, e ela se sente tão impotente em relação a isso
que entregou essa parte substancial da patologia
do ser humano a charlatães perigosos chamados
psicanalistas. E enquanto progredia brilhante-
mente em algumas, poucas, intervenções cirúrgi-
cas, e em aplicações de descobertas substanciais
de laboratórios (exames, pílulas preventivas e
variedades químicas) esquecia a parte mais séria,
definitiva da terapia: o exame do cliente, indivi-
dualmente (fora dos meros check-ups tecnológi-
cos), analisado como ser humano por outro ser
humano, aliás, um dos mais respeitáveis seres
humanos em todos os tempos: o clínico geral,

60
quando competente. Por isso a maior causa da
mortalidade no mundo inteiro continua sendo esse
mal terrível chamado diagnóstico.
CONVERSA COM O DR. CARLOS GIESTA, ORTOPEDISTA. 1970

O tipo de atividade fechada em si mesma, sem


nenhuma outra utilidade que não seja o seu
próprio exercício, não tem porque ser incremen-
tada pois só serve a afirmações individualísticas
e/ou nacionalistas no pior sentido. O xadrez tem
tido sua prática incrementada apenas por motivos
competitivos lamentáveis. Pois é um jogo que não
melhora o ser humano para nenhuma outra prá-
tica, não o leva a melhor relacionamento humano,
não o torna melhor cidadão no sentido de uma
lição de vida ou ação social, nem mesmo à melhoria
da linguagem rotineiramente falada. O xadrez
desenvolve apenas o tipo de inteligência que leva
o indivíduo a jogar melhor xadrez.
RECADO A MEQUINHO, CAMPEÃO BRASILEIRO DE XADREZ. 1972

O extremo cuidado na observação científica e um


tempo de espera para confirmações e reche-
ques são fundamentais a qualquer tese. O risco é
exemplificado pelos cientistas soviéticos que, de-
pois de, apressadamente, anunciarem ao mundo a
certeza de que na Lua havia borracha e latão,
verificaram que tinham recolhido na Lua apenas
uma tampa de lata de cerveja e um salto de bota
deixados pelos astronautas americanos.
DIÁLOGO COM CÉSAR LATTES, CIENTISTA. 1970

61
A maior parte da humanidade tem absoluta
necessidade de se punir com o trabalho. E
nisso acaba adorando o ato de trabalhar e viciada
nele. A totalidade dos trabalhadores é absoluta-
mente irrecuperável.
RECADO PARA BEATRIZ RÓNAI HOFMEYER (BIA). 1996

1) O ministro deve, a todo momento, ser encora-


jado na sua crença de que dirige o Ministério.
2) A infalibilidade do ministro deve ser reafir-
mada em todas as ocasiões. 3) Jamais se deve dar
ao ministro mais informações do que necessita
para tomar a decisão certa, i.e., a decisão que os
burocratas já decidiram. Um bom ministro é
aquele que segue cegamente a decisão de seus
companheiros burocráticos. 4) Um mau minis-
tro é aquele que desenvolve idéias próprias
(erradas) a partir de informações dadas pelos
burocratas. 5) Um ministro perigoso é aquele que
tem idéias novas e decisões próprias e exige dos
burocratas mais informações do que lhe foram
dadas. 6) O ministro é um amador. O burocrata é
um profissional.
MINISTROS. COMO TRATÁ-LOS. 1953

A s frases em língua estrangeira não devem ser


grifadas nem aspeadas, economizando mu-
dança tipográfica e espaço gráfico.
ECONOMIA LITERÁRIA. ENCONTRO COM FRANCISCO BRENNAND,
ESCULTOR. 1960

62
E conomia definitiva para a indústria do livro e
conseqüente valorização do poeta verdadeiro é
publicar tudo quanto é verso em linhas corridas,
a poesia só surgindo quando for mesmo verdadeira
e não forçada através de truques gráficos. Alguns
poetas, para valorização definitiva poderiam ser
publicados clandestina e disfarçadamente, como
tratados de economia.
CONVERSA COM ELIANA CARUSO. 1984

O s diálogos não devem ter traços. Só um leitor


muito idiota precisa desse aviso para saber que
um personagem está falando. Basta apurar o ouvido.
RECOMENDAÇÃO A CARMEM ÁLVARES, BAILARINA, ESPECIALISTA EM
ENCADERNAÇÃO. 1988

F icam abolidas dedicatórias, folhas em branco


separando capítulos, espaços em branco em
fins de capítulos, margens muito grandes, promo-
ção pessoal dos autores com títulos honoríficos e
de obras, citações de crítica, etcetera.
PAPO COM HELOÍSA MAGALHÃES, DESENHISTA, PINTORA. 1997

E ducados em palavras, enredados em palavras,


vivendo de palavras, negando as palavras,
intoxicados de palavras, os psicanalistas são um
mal desnecessário, e a semântica, o seu ópio.
O SÉCULO DO MEDO. 1971

E u não sou um grande humorista. Sou apenas


o sujeito mais engraçado da família mais

63
engraçada da cidade mais engraçada do país mais
engraçado do mundo.
TRINTA ANOS DE MIM MESMO. 1972

R eunida a junta de médicos e decidida a tua


operação, pouco importa se você vai morrer
com uma votação de 5 x 4 ou por absoluta unani-
midade.
DAS PROFISSÕES PERIGOSAS. CONVERSA COM O DR. CÉSAR LIMA
SANTOS, MÉDICO. 1963

O crime não compensa, mas enquanto um


trabalhador comum tem que exercer a sua
atividade nos momentos e nos lugares a que o
obrigam, da maneira como os patrões exigem, o
criminoso pelo menos pode escolher a hora, o
local e o método de trabalho.
CONVERSA COM O ATOR ARMANDO COUTO DURANTE OS ENSAIOS
DE DO TAMANHO DO DEFUNTO. 1955

U ma sabedoria que já chegou facilmente às


disputas esportivas, onde partidas entre dois
países são julgadas por um juiz neutro, ainda não
atingiu setores mais complexos ou mais impor-
tantes do ponto de vista social. E continuamos a
ver julgamentos feitos por pessoas inidôneas, um
censor impondo uma censura sem a qual ele
próprio não pode sobreviver, médicos julgando
crimes médicos cuja condenação recairia sobre
suas próprias cabeças, e economistas decidindo
questões financeiras que, ocasionalmente, os

64
enriquecem. O sistema só estará depurado no dia
em que se firmar, definitivamente, que um rato
não pode ser juiz na partilha de um queijo.
CONVERSA COM O JUIZ TEÓDULO MIRANDA. 1972

A medicina pode ser melhorada com medidas


simples: o nome do médico ser sempre publi-
cado junto aos avisos fúnebres do paciente fale-
cido, o cliente só pagar depois de curado e a morte
do cliente obrigar o médico, logo depois, à devolu-
ção de tudo que cobrou.
POR UMA MEDICINA REALMENTE SOCIAL. 1965

M ais da metade das atividades humanas está


baseada, parcial ou totalmente, na descon-
fiança: o advogado, o militar, o chaveiro, o conta-
dor, o detetive, o fiscal e o tabelião devem boa parte
de sua fortuna a essa senhora ao mesmo tempo
evasiva e sempre presente.
REFLETINDO NO TERRAÇO AGRÁRIO DE RUBEM BRAGA, ESCRITOR.
1968

U ma profissão como outra qualquer, exercida


por homens falíveis e sujeitos às pressões do
meio político e econômico, a medicina ou é mito-
logizada ou excomungada. E o médico, enterrando
seus erros, se justifica apenas: “Bem, um dia tinha
que morrer”.
DIVERSIDADES PROFISSIONAIS. DISCURSO NO JARDIM DO MEYER.
1952

65
F icarão abolidas quaisquer passagens descri-
tivas que tenham mais que 10 linhas (para des-
crição de uma cidade) ou três para descrição de
uma sala. Será usada a técnica cinematográfica,
amplamente vitoriosa, de limitar a determinado
tempo (no caso da literatura, número de folhas)
para contar uma história ou tratar de um proble-
ma. Para filmes de uma hora e 40 corresponderão
livros de 30 páginas e, correspondendo, digamos,
ao “...E o vento levou” teremos romances fleuve de
50 páginas. Dessa forma os autores não perderão
tempo descrevendo seus personagens discando
telefones (já “cortam” para o meio do diálogo) nem
atravessando a rua (já abrem a porta para sair e
aparecem, do outro lado, entrando no palácio do
arquiduque). Descrições maiores só em livros de
geografia.
ECONOMIA LITERÁRIA. 1960

A medicina preventiva não é um bem em si


mesmo. Os exames periódicos, sem necessi-
dade aparente, não são um bem em si mesmos.
Ninguém até hoje provou se se morre mais por
falta de assistência médica ou por excesso.
CONVERSA COM O DR. IVO PITANGUY, CIRURGIÃO PLÁSTICO. 1961

O humorista é o último dos homens, um ser à


parte, tipo que não é chamado para congressos
salvadores do mundo, não é eleito para academias,
não está alistado entre cidadãos úteis da república,
semeia ventos e colhe tempestades. É um tipo que

66
muitos acham engraçado e há até os que o lou-
vam e endeusam. Mas um dos defeitos que não
pode ser tolerado pelo humorista é a própria
vaidade. A vaidade vai bem ao comediante, por
natureza extrovertido. O humorista, por natureza
introvertido, sabe que bastará facilitar um pouco
que o transformarão em estátua e mito. Mas acei-
tar isso será perder a substância fundamental do
humorista.
DECÁLOGO DO HUMORISTA. 1955

Q uando o ar de seu próprio tempo lhe é insufi-


ciente, o homem respira a utopia do futuro.
Mas os grandes utópicos não foram residentes de
um país impossível senão deste mesmo, melhor. E
Leonardo, sonhando com um futuro tecnológico
para o qual deixou contribuições ainda hoje consul-
táveis, não teve o pesadelo de suas conseqüências:
o aproveitamento do gênio humano para o pior da
ação humana – o massacre de tudo e todos, em
nome de um poder doentio e de uma fé suspeita.
CONVERSA COM PEDRO DUTRA, ADVOGADO. 1988

N em a guilhotina, nem o machado, nem o cepo,


nem o gás, nem a corda foram suficientes para
intimidar o instinto criminoso do ser humano.
Quer dizer, por mais bárbaro que seja o processo
de assassinato oficial, sempre há um carrasco para
executá-lo.
CONVERSA COM O ATOR E DIRETOR DE TEATRO CARLOS KROEBER,
O CARLÃO. 1972

67
Como lidar com as
contradicoes
~
´

E´ sabido que o fato novo assusta os indivíduos,


que preferem o mal velho, testado e vivido, à
experiência nova, sempre ameaçadora Se você
disser ao cidadão desprevenido que o leite, por ser
essencial, deve sair das mãos dos particulares para
cooperativas ou entidades estatais, se você disser
que os bancos, vivendo exclusivamente das pou-
panças populares, não têm nenhuma razão de estar
em mãos privadas, o cidadão o olhará com os olhos
perplexos de quem vê alguém propondo algo muito
perigoso. Mas, se, ao contrário, você advogar a tese
de que a água deveria ser explorada por particula-
res, todos se voltarão contra você pois – com toda
razão – jamais poderiam admitir essa hipótese, tão
acostumados estão com essa que é uma das mais
antigas realizações comunitárias (comunistas?) do
homem: a água é direito e serventia de todos. Por
isso o cidadão deve ficar alerta, sobretudo para
com os malucos, excepcionais e marginais, pois
estes, quase sempre, são os que trazem as mais
espantosas propostas de renovação contra tudo
que foi estabelecido.
DE OLHOS ABERTOS. VOANDO NUM AVIÃO COM UM MOTOR PARADO
ENTRE LONDRES E HONG KONG. 1965

68
A necessária materialização de certos estímulos
orgânicos leva à frustração, à decepção e à
depressão. O sexo seria uma coisa ainda mais ma-
ravilhosa se não houvesse contato físico.
CONVERSA COM ISABEL PANE, PSICANALISTA. 1967

A história do Brasil não é a mesma no Paraguai.


CONVERSA COM YLLEN KERR, JORNALISTA, FOTÓGRAFO E ATLETA.
EM ASSUNÇÃO. 1971

E´ bom considerar sempre que, no Decálogo, no


mandamento dizendo para não fazermos aos
outros aquilo que não queremos que nos façam,
há um desconhecimento total da natureza hu-
mana, sua diversidade e amplitude de interesses.
Para cada masoquista há um sádico e, portanto,
nosso comportamento social não deve estar
condicionado a uma repetição monótona e pouco
prática. O bom líder deve ter sempre presente
que os homens não fervem todos à mesma tem-
peratura.
DIÁLOGO COM CÉSAR LATTES, CIENTISTA. LOS ANGELES. 1948

Q ual a diferença entre uma pessoa física e uma


pessoa jurídica? A pessoa física, se você aperta,
dói. A pessoa jurídica é insensível. E imortal.
PAPO COM CARMEM MIRANDA, CANTORA, ATRIZ DE CINEMA.
LOS ANGELES. 1948

N ão conheço ninguém que, como eu, tenha


tanta noção de ser um homem medíocre.

69
O que, desde logo, me torna um homem extraor-
dinário.
CONVERSA COM JAIME LERNER, ARQUITETO, POLÍTICO. 1978

T oda regra tem exceção. E se toda regra tem


exceção, então, esta regra também tem exceção
e deve haver, perdida por aí, uma regra absoluta-
mente sem exceção.
RECADO AO XARÁ MILLÔR (DUVAL), DE BELÉM DO PARÁ. 1995

E m todos os momentos da história ficou pro-


vado que um país que precisa de um salvador
não merece ser salvo.
CONVERSA COM MILTON CAMPOS, GOVERNADOR DE MINAS
GERAIS E CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. 1955

A os desesperados, que pensam nada ser pos-


sível, aos que acreditam que o mundo não
tem correção, convém lembrar que com suas guer-
ras múltiplas, seus problemas inacreditáveis, seus
acontecimentos aterrorizantes, o nosso século
pode ser considerado o mais interessante da his-
tória. E há apenas sessenta e sete anos nem existia.
ENTRETENIMENTO COM IVAN MOURA CAMPOS, FILÓSOFO,
ESPECIALISTA EM INTERNET. 1996

S e você não consegue mudar de atitude, pro-


cure ao menos mudar de apartamento. Isso,
no fundo, talvez seja uma mudança mais radical.
CONVERSA COM CAULOS, JORNALISTA, DESENHISTA E PINTOR. 1972
E m dúvida, não duvide.
CONSELHO A WAGNER TISO, COMPOSITOR, MAESTRO. 1984

E m dúvida, tente o contrário.


TELEFONEMA PARA JOSÉ RUBEM FONSECA, ROMANCISTA. 1979

E m dúvida, não se meta.


CONVERSA COM O POODLE IGOR, UM SER HUMANO COMO OUTRO
QUALQUER. 1998

E ntre o real e o imaginário, entre o aferível e o


não dimensionável, o material e o intemporal,
a escolha é quase sempre impossível e nem mesmo
fundamental. Qual é o melhor: aquela noite ines-
quecível ou aquela noite na qual você nem mesmo
se lembra o que aconteceu?
CONVERSA COM LEON ELIACHAR, HUMORISTA. 1956

U ma das contradições do homem educado num


sistema possessivo e restritivo, tendo a mulher
como dependente total, é que ele pode não ter rela-
ções sexuais com ela durante seis meses mas quer
matar qualquer pessoa que o faça.
PERMISSIVIDADE. CONVERSA COM RAUL SOLNADO, ATOR,
COMEDIANTE. LISBOA. 1973

S e em vez de Português a gente falasse Inglês


chamaríamos o smoking de tuxedo. E footing a
gente chamaria de walking.
CONVERSA COM SENA CHAVES, EDITOR PORTUGUÊS. 1970
Q ualquer homem, andando uma média de doze
horas por dia, levaria apenas duzentos e oiten-
ta e cinco dias para ir do Rio de Janeiro a Paris. Isso,
naturalmente, se não houvesse o Oceano Atlântico
no meio.
IDEM

B asta você substituir o vódica por uísque e o


suco de tomate por limão e açúcar para trans-
formar um Bloody Mary num uísque sauer.
CONVERSA COM LUÍSA CHAVES FERREIRA, EMPRESÁRIA. LISBOA.
1973

T oda verdade revolucionária é combatida e só


lentamente vai se implantado até se impor à
massa. Quando se impôs é porque já não serve à
verdade nova que se desenvolveu junto com ela.
Donde nada ser mais falso do que uma verdade
estabelecida.
CONVERSA COM SCARLET MOON, JORNALISTA. 1973

A s aparências trazem equívocos e os mais in-


flamados teóricos nem sempre são os que mais
se esforçam pela causa comum. O suor do gozo é
exatamente igual ao suor do trabalho.
VER PARA NÃO CRER. MESA-REDONDA NA TV TUPI. 1954

A s pessoas acreditam mais no rótulo do que no


conteúdo da garrafa. Você, preservando o
conteúdo da garrafa, que é a sua ação cotidiana,
não deve, contudo, esquecer o rótulo, que é o
logotipo de sua vida, a imagem com que as pessoas

72
o encaram. A verdade é que se você conseguiu fama
de que levanta cedo, pode dormir o dia inteiro.
FALANDO COM SÉRGIO CABRAL, JORNALISTA, HISTORIADOR DE
MÚSICA POPULAR. 1969

N unca vi um canalha que, nas reuniões ínti-


mas, não invectivasse, com toda sinceridade,
os canalhas do mundo. Nem um ladrão que não
fosse contra o roubo. Mulheres e homens de com-
portamento desregrado são, em geral, os mais
ferrenhos moralistas. E a primeira coisa que um
governo despótico faz é inaugurar uma praça com
o nome de Praça da Liberdade.
EM NOME DE DEUS. OBRAS COMPLETAS. 1970

S e a televisão fosse sem imagem se chamaria


rádio e não teríamos que assistir certos pro-
gramas.
CONVERSA COM RAUL BRUNINI, RADIALISTA. 1960

S e você chegar a um país e quiser saber da


liberdade política que têm seus cidadãos,
basta ler os jornais desse país. Se dizem que o go-
verno é admirável, seus mentores maravilhosos,
dignos e capazes, é porque os governantes são dés-
potas que liquidaram com a liberdade de expres-
são. Agora, se os jornais dizem que os governan-
tes são incapazes, hipócritas e estão levando o país
à ruína, o país está, pelo menos politicamente,
muito bem.
CONFERÊNCIA NO INSTITUTO DE SURDOS-MUDOS, EM PRAGA.
REALIZADA PELO MÉTODO BRAILE. 1956

73
O Amazonas seria bem menor do que Mato
Grosso se não fosse maior do que Sergipe.
CONVERSA COM FLÁVIO MIGLIACIO, DESENHISTA, COMEDIANTE.
1962

S e você está profundamente consciente de que


o seu objetivo é o ser humano, não se importe
com os argumentos contrários. Às vezes você se
sentirá dialeticamente perdido, quando o adver-
sário o confrontar com o ridículo ou a derrisão.
Mas quando sentir que não pode vencer a dis-
cussão bata com a colher no prato. É revolucio-
nário.
DURANTE UM JANTAR DE CERIMÔNIA NA EMBAIXADA INGLESA. 1957

J oe Louis jamais teria chegado a campeão de


boxe se não vencesse os seus adversários.
ADVERTÊNCIA A JOÃO MÁXIMO, JORNALISTA, HISTORIADOR DE
MÚSICA POPULAR E FUTEBOL. 1983

U m cego apura profundamente seu senso de


audição. Essa afirmativa desvairada de otimistas
que estão sempre buscando uma compensação
impossível para os desastres naturais e os espan-
tosos erros da natureza, só pode ser ratificada e
apoiada por um exemplo ainda mais visível da lei
das compensações: um indivíduo com uma perna
mais curta do que a outra tem sempre, infalivel-
mente, a outra perna mais comprida.
MANIFESTO CONTRA A NATUREZA. 1956

74
N ão é possível acreditar em reformadores
pragmáticos, o tempo todo seguros a seus
racionalismos, tentando conduzir a história pelo
cabresto curto da dignidade de comportamento,
do acordo sereno, do compromisso tático de não
quebrar a louça nem ferir direitos. A revaloriza-
ção constante do ser humano dentro da sociedade
presume excessos, iras, tremendas injustiças. A Re-
volta não pode dar a festa sem convidar a Indig-
nação.
A TEORIA NA PRÁTICA. OBRAS COMPLETAS. 1970

O que é Dialética, vocês me perguntam? Bem,


quando os radicais afirmam que “não se pode
fazer uma omelete sem quebrar os ovos” eu lhes
respondo que “depende de quantos ovos”. Quando
os conservadores de uma sabedoria perempta me
afirmam que “o hábito não faz o monge” eu lhes
respondo “mas fá-lo parecer de longe”. Quando
os embromadores de sempre envolvem alguém à
minha frente com a pergunta clássica “o que é
que pesa mais, um quilo de plumas ou um quilo
de chumbo?” já com a resposta óbvia e embaraçosa
de que um quilo de plumas e um quilo de chumbo
só podem pesar um quilo, eu lhes respondo
dialeticamente: “Na verdade um quilo de plumas
só pesa um quilo na relatividade da balança. Mas,
do ponto de vista absoluto, como o volume de um
quilo de plumas é imensamente maior do que o
de um quilo de chumbo, o quilo de plumas sofre

75
uma resistência enorme do ar e para marcar um
quilo na balança tem que ter mais do que um quilo
de chumbo”. Fiquem tranqüilos, irmãos: sempre
se pode provar o contrário.
OS DOIS LADOS DA QUESTÃO. MONOGRAFIA. 1971

O que é estranho, nessas reiteradas afirmativas


das autoridades colocando-se sempre a favor
da apuração de riquezas ilícitas, é elas suporem
que haja riquezas lícitas.
CONVERSA COM IVAN PINHEIRO MACHADO, PINTOR, EDITOR. 1983

A lei deve ser posta em prática com prudência e


as penas distribuídas parcimoniosamente,
como um remédio ruim. Toda autoridade sábia
exerce apenas metade dos seus direitos, uma forma
de se livrar de metade de suas obrigações tediosas
ou cruéis. Os criminosos, fora das práticas que
lhes dão essa designação, também são seres huma-
nos, às vezes até mais amáveis ou fascinantes do
que os cidadãos prestantes. De qualquer forma,
convém não esquecer que um facínora, preso
muitas vezes, acaba íntimo do delegado.
INTRODUÇÃO PARA AS OBRAS COMPLETAS. 1970

T odo cuidado é pouco com os contestatários


tipo galináceo que cacarejam o tempo todo
na esquerda mas põem seus ovos cuidadosamente
na direita.
CONVERSA COM O JORNALISTA LUÍS EDGAR DE ANDRADE. 1972

76
R epito e repito sempre: é preciso rever constan-
temente nossas posições. Com relação aos
gregos lembro que Sófocles escreveu um mara-
vilhoso poema dramático sobre a mãe (de Édipo)
grega. Esse monumento literário foi posterior-
mente deturpado por um grupo de judeus aus-
tríacos comandados por Sigmund Freud.
CONVERSA COM RAUL BELÉM, POLÍTICO MINEIRO. 1970

O revisionista é aquele famoso bombeiro que na


juventude foi incendiário. Prefere acreditar
que o mundo evolui por si mesmo para não ter
que se dar ao trabalho de lutar por sua evolução.
Chama “de ferro” uma cortina de idéias e jamais
pensa em encher um regador para molhar os tigres
de papel. Segundo Jean-Jacques Marie, reduziu as
propostas dialéticas a um socialismo num só país
para acabar aceitando o de uma rua só.
CONTATO COM JEAN-LOUIS LACERDA, FAZENDEIRO
SHAKESPEAREANO INTERNACIONAL. 1977

O genocídio começa na discriminação contra os


velhos. Devido a cuidados especiais, diminuiu
muito, no país, a mortalidade infantil. Já os velhos
continuam morrendo aos montes.
CONVERSA COM BORORÓ, COMPOSITOR. 1973

O governo teima em atrair turistas para o Rio,


cantando, em prosa e verso, as inexcedíveis
belezas da cidade (do país). Acho que o Rio,

77
justamente, deveria ser interditado ao turista,
como vergonha nacional.
TURISMO É PROSTITUIÇÃO. 1973

A falta de autocrítica científica trouxe como


resultado apenas multidões de consumidores
ávidos e telespectadores passivos.
CONVERSA COM FERNANDO SABINO, JORNALISTA, ROMANCISTA.
1968

A s limitações intelectuais do homem diante do


mistério do universo e de seu próprio mistério
metafísico são totais e simples de explicar, compa-
rando-se-as com a limitação dos outros animais,
que o homem aceita e compreende (porque seu
orgulho não está em jogo). Um cão, um gato, até
mesmo uma formiga ou uma pulga podem apreen-
der determinados fenômenos, coordená-los, imi-
tá-los e repeti-los. Mas você não ensina uma pulga
a nadar, assim como você jamais fará com que
um cão leia um jornal, embora possa facilmente
ensinar o cão a ir buscar o jornal na porta. Da mesma
forma o homem, capaz de entender inúmeros pro-
blemas (isto é, de ir buscar o seu jornal metafísico),
jamais conseguirá saber de onde veio, para onde
vai e o que faz aqui. E, se você mandar que imagine
o infinito, ele não consegue porque sempre acaba
imaginando uma abóboda imensa (a do céu) que,
naturalmente, tem um outro lado. Mas se, ao con-
trário, você quiser que ele imagine o finito, ele

78
também não consegue porque acaba limitando
toda sua imaginação com uma abóboda, aliás a
mesma. E porque tem o cérebro limitado como o
de qualquer outro animal, o homem se apavora
diante da morte, sem saber que esta é apenas uma
promoção intelectual saudada com uma garga-
lhada. Ao morrer, o homem, subitamente untado
com uma inteligência superior (matéria pura), bate
na testa (inexistente), percebe que o pesadelo era
aqui e não lá, que, na verdade, agora é que ele está
vivo, e exclama às gargalhadas: “Mas, era isso?”
CONVERSA COM ALÇADA BAPTISTA, ROMANCISTA PORTUGUÊS. 1968

79
Economia.
Sistemas

D a ascendência hitita, o Rico é o segundo ou


terceiro filho de Noé (os eruditos divergem)
e, provavelmente, o que mais zombou do pai ao
vê-lo no pileque histórico em regozijo por ter salvo
o Homem. Daí, seus descendentes ligarem-se aos
poderosos do tempo, a Ceres (a da cornucópia), a
Fortuna (deusa italiana cujo nome lhe indica os
poderes), a Fortunato (habitante de Famagusta
que recebeu, dessa mesma deusa, Fortuna, uma
bolsa que não se esvaziava nunca) e a Midas. Real,
e com toques do divino em sua natureza, Midas
estabeleceu para a posteridade os fundamentos do
viver do rico. Primeiro – embriagou Sileno, pai
adotivo do poderoso Baco. Segundo – durante anos
não largou Sileno em farras que atroaram aos céus.
Terceiro – conseguiu de Baco, por ser tão amigo
de Sileno, o poder de transformar tudo em ouro.
Quarto – apesar desse seu extraordinário poder
e, como conseqüência dele, não podia comer.
Quinto – tinha orelhas de burro, que ninguém via.
Ou fingia não ver.
GENEALOGIA E BIOGRAFIA DOS RICOS. 1960

80
E´ sabido que, no trato do dinheiro, um golpe de
audácia pode fazer uma fortuna. Mas, na
média, os muito ricos fizeram sua riqueza des-
prezando tentações, querendo garantias, empre-
gando certo, exigindo mais no momento em que
o cliente tem menos e menos quando o cliente é
poderoso e pode negociar. O gênio dos grandes
banqueiros é evitar mais os riscos do que aprovei-
tar as oportunidades.
APARTE NA ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO BANCO DO
BRASIL. 1971

N um sistema de autoproteção que procura se


reforçar e ampliar, os impostos sociais – so-
bretudo o de renda – são fictícios para os ricos e
reais e esmagadores para os pobres. Pode-se falsi-
ficar e glosar de mil maneiras diferentes a escritu-
ração de uma empresa. Até hoje ainda não apare-
ceu o gênio capaz de falsificar um salário.
COMENTÁRIO AO IMPOSTO DE RENDA PROGRESSIVO, COM PAULO
MERCADANTE. 1967

M orrer rico é sinal de extrema incompetência.


Significa que você não usufruiu, ou pelo
menos não usufruiu todo, o seu dinheiro. Além
disso, um rico que gasta tudo que tem antes de
morrer, livra seus herdeiros do odioso imposto de
transmissão.
MÁXIMAS MILIONÁRIAS, CONVERSA COM UM MILIONÁRIO
ARRUINADO. 1972

81
O dinheiro, na mão de pessoas não adestradas
para usá-lo, é a fonte de todo o mal do mundo.
Por isso o dinheiro deve ser conservado cada vez
mais na mão de um número bem pequeno de
pessoas especializadas, aquelas que, por tradição
familiar ou vocação de berço, têm o tino e a sabe-
doria de como usá-lo. Os pobres geralmente são
muito incompetentes quando investidos no papel
de milionários. Deve-se evitar para eles a maldição
implícita no excesso de pecúnia.
CONVERSA COM JÂNIO DE FREITAS, JORNALISTA. 1978

A s grandes fortunas, as extraordinárias massas


de dinheiro, não trazem, necessariamente,
uma felicidade proporcional. Um multimilioná-
rio como Onassis, gastando às vezes mais de dois
milhões de dólares por mês, não consegue ser mais
feliz do que o Baby Pignatari, que gasta apenas
um milhão.
ENCONTRO COM DANUSA LEÃO, JORNALISTA, INTERNACIONALISTA.
1979

S empre se pode concordar, parcialmente, com


a idéia demagógica de que “o dinheiro não é
tudo”. Importante e fundamental, o dinheiro,
porém, tem que ser olhado com extrema relativi-
dade. Pois, se a falta de dinheiro traz certa e fatal-
mente a infelicidade, sua posse, todos sabem, não
é nenhum passaporte para a euforia existencial.
COMO ACEITAR AS CONTRADIÇÕES PRÁTICAS E TEÓRICAS. DISCURSO
NO LICEU LITERÁRIO PORTUGUÊS. 1967

82
U m falsário não tem muita dificuldade em fazer
dinheiro. Sua dificuldade é gastá-lo.
TELEFONEMA PARA JOSÉ APARECIDO DE OLIVEIRA, POLÍTICO
MINEIRO. 1985

N um mundo em que a subsistência individual


é problema de cada um, o dinheiro é um deus
que compra o canil, o cão e o abanar do rabo.
BILHETE PARA GLAUCO MATOSO, ESCRITOR, ERUDITO, POETA. 1987

O s sistemas matemáticos têm sua própria lógica


e conseqüência. Só no sistema decimal 2 e 2
são quatro, não acontecendo o mesmo no sistema
exagesimal, nem nas denominações binárias nem
nas canções populares. É importante saber isso para
você não se desesperar com as oscilações da bolsa
onde tem a possibilidade de ganhar espantosa-
mente, mas nunca perde mais de 100%. Porém,
cuidado com a matemática das sociedades anôni-
mas: quem de 100 tira 51 perde o controle da
empresa.
DIÁLOGO COM SÉRGIO LACERDA. 1970

O s comunistas são contra o lucro. Devemos ser


apenas contra os prejuízos.
TÁTICA DE PRODUÇÃO. 1954

O s milionários gostam de fazer mistério sobre


sua fortuna, acrescentando ao gozo material
do que possuem a superioridade intelectual sobre
os que os freqüentam. Mas é muito fácil ficar

83
milionário. Basta para isso dormir e acordar só
pensando em dinheiro. Não abrir mão de qualquer
possibilidade de ganhar dinheiro, mesmo que o
contrário lhe dê imenso prazer. Ser frio e racional
na hora de dar ou emprestar a seu melhor amigo,
parente e até irmão, cobrando os juros e as taxas
exatas, embora seu coração lhe diga que desta vez
você devia ser generoso. Não ter qualquer escrú-
pulo, em qualquer ocasião. Pensar sempre no
melhor partido que você pode tirar de uma situa-
ção desastrosa em que se encontram seus compa-
nheiros de negócio. Não temer o castigo de Deus,
a opinião pública, a perseguição legal. Pensar que
um lucro grande é melhor do que um pequeno
mas que um lucro pequeno, repetido muitas vezes,
pode vir a ser melhor do que um lucro grande. Se
você, em suma, usar da subserviência exata no
momento em que esta for necessária, a audácia e
a grosseria precisas nos momentos em que a ca-
nalhice e a violência forem os melhores caminhos,
se não tiver nenhum problema de consciência,
nenhuma dúvida moral, nenhuma ambição de
cultura, nenhuma preocupação quanto aos outros
o acharem indecente, pérfido ou criminoso, o
caminho da fortuna está facilmente aberto para
você, como para qualquer um.
O PRIMEIRO MILHÃO. OBRAS COMPLETAS. 1970

D entro de um sistema econômico os valores


todos giram em torno dele. No sistema

84
capitalista o único valor é o do dinheiro acumu-
lado por todos os meios e imantado de todas as
virtudes. “Meu amigo é milionário: que admi-
rável, que honrado, que inteligente, que capaz é
o meu amigo!”
MEDITAÇÃO NA FURNA DA TIJUCA. 1967

A
economia capitalista, com sua concentração
egoísta e mesquinha de riquezas, tem como
resultado natural a imoralidade e a degradação
humana e em vão tenta nos convencer de que essa
corrupção desenfreada é um planejamento perfei-
tamente racional.
AFERINDO PREÇOS PARA CONTRIBUIR EM FAVOR DA CAMPANHA DIGA
NÃO À INFLAÇÃO. 1973

O s teóricos do laissez-faire continuam ativos


na esperança de que a lei da oferta e da pro-
cura (a oferta sempre controlada pelos poderosos
– a procura sendo apenas uma conseqüência desse
interesse) continue a engordá-los, ou a pagar o
regime de emagrecimento de suas belas mulheres.
Mas é fácil calar os que afirmam que a economia
é um assunto particular entre produtores e con-
sumidores perguntando-lhes se o assassinato
também é um affair particular entre assassino e
assassinado.
DIÁLOGO COM IVAN LESSA DIANTE DE UM PROGRAMA DE TELEVISÃO
EM CORES, NO CANAL 4. 1972

85
J á concordei: “O dinheiro não é tudo”. Já dis-
cordei: “Tudo é a falta de dinheiro”. E duvido: é
fundamental mesmo muito dinheiro? São funda-
mentais essas quantias imensas que, em vez de
servirem a nossa vida, nos obrigam a trabalhar por
elas? Quais são os bens materiais mínimos que
Santo Agostinho apregoava como fundamentais
para exercer as virtudes do espírito? O miserável,
é evidente, não pode colocar um calção de banho,
como eu faço, e caminhar na praia diariamente,
feliz como uma criança. Mas o milionário igual-
mente não pode. No balanço da felicidade humana
quanto vale uma amizade? Uma fé? Uma repu-
tação? Aqui entre nós, Judas, 30 dinheiros foi mes-
mo um bom preço?
DISCURSO PARA AS CRIANCINHAS DO BERÇÁRIO ACALANTO. 1973

E ntre Freud e Marx, um afirmando o pan-


sexualismo, outro o pan-economismo, estou
mais com o último. Em inúmeras ocasiões da vida
o sexo não está presente. Nem direta, nem
indiretamente. Nem materialmente, nem por
inferência. Nem na superfície, nem nas profun-
didades do psíquico. Já o sentido econômico da
vida é total e universal. Sem seu sentido econômi-
co a vida não existe. Sem economia (representada
por qualquer esforço humano, horas-trabalho)
não se nasce nem se morre. E nas horas de con-
fronto entre sexo e necessidade econômica Freud
perde para Marx de goleada. Coloquem diante de

86
um jovem que passou tempo indeterminado aban-
donado no deserto, uma linda mulher e um magní-
fico prato de comida e ele só será atraído pela mu-
lher depois de encher o estômago. Pode-se dar uma
colher de chá a Freud apenas afirmando que quando
um homem tem fome não há nada mais sensual
do que a nudez de um franguinho no espeto.
OBRAS COMPLETAS, P. 6.1970

O s crimes são apenas os juros que, de tempos


em tempos, temos de pagar por viver no pe-
queno lado bom de uma sociedade gigantesca-
mente imoral.
LEGISLAÇÃO, PRINCÍPIOS. 1966

A Beleza é o subproduto de uma linhagem de


ancestrais economicamente bem situados.
CONVERSA COM CARLOS LACERDA, POLÍTICO CARIOCA. 1963

S er pobre é um pecado venial. Se conformar


com isso é um pecado mortal.
CONVERSA COM JOSÉ APARECIDO DE OLIVEIRA, POLÍTICO MINEIRO.
1971

C omo cada coisa tem seu preço, o homem já


nasce devendo à mãe nove meses de pensão.
Não existe nada que não tenha um preço.
CONVERSA COM NORMA BENGUEL, ATRIZ. 1965

A Loteria Esportiva é o Imposto de Renda im-


posto aos miseráveis. Como o Estado fica com
65% da renda bruta, o jogador paupérrimo, que

87
arrisca dois cruzeiros por semana, ao fim de um
ano pagou Cr$ 67,60 de contribuição aos cofres
públicos.
RECADO A DELFIM NETTO. 1973

S eja o que for que venha a se estabelecer como


ordem econômica, o capitalismo está nas
últimas, com disenteria e paralisia crônica, mas
resistindo como um velho rico e inútil, até o fim.
Por isso, seus meios e métodos de ação são cada
vez mais desesperados. Cuidado com os estertores
do capitalismo. Ainda pode durar mil anos.
CONVERSA COM O ARQUITETO ZANINI. 1970

A verdadeira Pedra Filosofal é como matar a


fome.
CONVERSA COM O ARQUITETO SÉRGIO RODRIGUES. 1972

P apai Noel, filho da exploração comercial, da


ignorância infantil e da incapacidade de reação
paternal, é um velho meio idiota, meio malandro,
extremamente desonesto, que se presta a servir
de intermediário para o enriquecimento da
sociedade de consumo, em todo o mundo. Um
canalha.
CONVERSA COM JOSÉ CARVALHO, INDUSTRIAL, DONO DA DUCAL.
1958

88
Subdesenvolvimento

E´ muito difícil aceitar as condições subdesen-


volvidas do país. Há uma injustiça social
permanente, a distribuição de renda é quase cri-
minosa, as condições higiênicas e educacionais de
uma precariedade lamentável, a exploração eco-
nômica é visível, a desumanização urbana flagran-
te. Por isso o amor à Pátria tem que ser ensinado
desde o berço ou o garoto, assim que cresce um
pouquinho, vai morar noutro país.
CONVERSA COM MARIA EUDÓXIA, BONITA. 1972

S er pobre não é crime mas ajuda muito a che-


gar lá.
CONVERSA COM RAUL SOLNADO, ATOR E COMEDIANTE PORTUGUÊS.
1973

O grau de (in)civilização de um povo se mede


andando por essas praças do interior, às vezes
descarnadas e quase sempre inconfortáveis,
estranhamente desarborizadas ou salpicadas de
árvores mesquinhas, mas mostrando sempre um
dinheiro (mal) gasto em estátuas de figuras locais
em granito e ferro ou nacionais em mármore e
bronze. Com o dinheiro gasto em cada uma dessas
estátuas inúteis e feias se poderia plantar e manter

89
dez árvores frondosas, belas, fortes, amigas e aco-
lhedoras. A coisa mais civilizada do mundo é uma
bela árvore.
CONVERSA COM ROSINHA FERNANDES. PIRASSUNUNGA. 1964

N um país em que o salário mínimo não atinge


¼ da população, criar conceituações morais,
falar em drogas, vícios, excessos sexuais ou morais
é inútil e ridículo. É aconselhar as pessoas a fugi-
rem de tentações que jamais se darão ao trabalho
de tentá-las.
CONVERSA COM CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, JORNALISTA,
POETA. 1973

A pobreza não é, necessariamente, vergonhosa.


Há muito pobre sem vergonha.
A TEORIA NA PRÁTICA. 1967

N o Brasil, atualmente, só há um extremismo


perigoso: o dos indivíduos extremamente
conservadores.
CONVERSA COM FERNANDO SABINO, JORNALISTA, ROMANCISTA.
1973

N um país como o Brasil, onde os preconceitos


existem, por mais que sejam negados, onde o
acesso é extremamente limitado, nascer branco e
de classe média já é estar numa diminuta faixa
privilegiada da população. Daí a validade da frase:
“O menino nasceu preto apesar de todo o esforço
dos médicos”.
CONVERSA COM O ATOR MILTON GONÇALVES. 1967

90
E´ verdade que o voto não enche barriga. Mas
chega aquele momento em que o povo já
comeu o suficiente.
RECADO A FILINTO MÜLLER, CHEFE DE POLÍCIA DA DITADURA
VARGAS. 1951

T emos que começar por baixo. Como os Esta-


dos Unidos, por exemplo: começaram com um
país só.
LIBERDADE, LIBERDADE, PEÇA DE TEATRO. 1966

S ó existe uma urbanização respeitável: aquela


que conseguir abrigar uma família proletária
de 16 pessoas no espaço urbanístico onde “só” cabe
um casal burguês.
CONVERSA COM MARCOS VASCONCELOS, ARQUITETO. 1964

A condição social de 70% dos brasileiros é


inferior à de uma batata podre.
CONVERSA COM SEIXAS DÓRIA, POLÍTICO SERGIPANO. 1958

O sonho do rapaz subdesenvolvido não é entrar


para a faculdade, pois isto é impossível. É se-
qüestrar um avião, ir para os Estados Unidos lavar
pratos, ganhar muito dinheiro e voltar para abrir
uma indústria em seu próprio país.
QUE FAZER?, OBRAS COMPLETAS. 1970

O triste de ser subdesenvolvido é que basta os


Estados Unidos descobrirem e anunciarem a
terrível poluição de suas grandes cidades para que
o governador do Piauí, por uma questão de

91
prestígio político, prometa aos seus contribuintes
que vai fazer tudo para acabar com a poluição em
Teresina.
CONVERSA COM CARLOS CASTELO BRANCO, JORNALISTA. 1968

D adas as lamentáveis condições de produtivi-


dade, a distribuição de renda precária e acesso
impossível, o cidadão que neste país chega ao fim
de seus dias tendo conseguido tomar banho com
regularidade e se alimentar duas vezes por dia
pode se considerar um homem vitorioso.
CONVERSA COM ZUENIR VENTURA, JORNALISTA. 1969

N as escolas e universidades de um país subde-


senvolvido o aluno paga adiantadamente por
um péssimo produto que só vai receber daí a anos.
Sua tendência natural é, pois, vender ainda mais
caro o que comprou tão caro e não deixar que se
mudem de maneira alguma as regras da cultura
vigente a fim de não perder tão precioso patri-
mônio.
DIÁLOGO COM CELSO CUNHA, FILÓLOGO. 1958

P egaram um homem em Caxias, amarraram-no


num poste e o lincharam até a morte numa
atrocidade inconcebível. Inconcebível por quê?
Não há leis demais? As moradias não são pequenas
demais e insuficientes? As diversões não são caras
demais? Os exemplos não são oficiais? As violên-
cias não são globais? As repressões não são sexuais?
Em alguém a contenção forçada vai explodir, o

92
exemplo do alto germinar. A alguém o círculo de
ferro vai atingir. Não há fuga.
CONVERSA COM RODRIGO ARGOLO, DECORADOR E ARTISTA
PLÁSTICO. 1972

93
Tecnologia:
Utilidades e perigos

H ouve uma época em que viajavam apenas


pessoas altamente habilitadas, só elas, de
Marco Polo e Humboldt. Iam com amor, viajavam
com conhecimento, levavam informações, traziam
riquezas. Tinham uma consciência de que estavam
em missão, o seu perambular lhes dava um status,
arriscavam um tempo infinito entre ir e vir, torna-
vam-se, muitas vezes, estranhos para os seus pró-
prios conterrâneos, tanto tempo ficavam longe.
Partir, realmente, era morrer um pouco. A tecno-
logia trouxe a viagem em massa, o viajante odioso
e predatório, a classe média ignorante e ansiosa.
Os navios estão cheios, os trens estão cheios, os
aviões, sobretudo, estão cheíssimos. Cada dia se
viaja mais. Mas já ninguém parte a sério.
CONVERSA COM MÁRIO GIBSON, EMBAIXADOR. 1972

O homem é o câncer da natureza. Estraga a


terra, corrompe as matas, fura os túneis,
empesta o ar, suja as águas, apodrece tudo onde
pisa, sem sentido nem objetivo. A explosão nuclear,
ao contrário do que todos pensam, não será uma
tragédia senão para nós. Para o universo é apenas

94
uma medida saneadora, uma forma drástica de se
livrar do ser humano.
CONVERSA COM CHAVES FERREIRA, EDITOR PORTUGUÊS. 1973

O automóvel é a maior contradição tecnoló-


gica pois só poderia ter sido criado por um
gênio – Henry Ford. Mas só um imbecil não perce-
beria estar criando o maior dos paradoxos – uma
invenção que já nascia obsoleta.
CONVERSA COM MINO CASTELO BRANCO, HUMORISTA.
FORTALEZA. 1967

O extraordinário desenvolvimento da “civili-


zação” só trouxe como conseqüência o idiota
alcançar um raio de ação jamais imaginado. O mun-
do tem hoje, pela primeira vez, o idiota global.
ILUSÕES. 1957

D o culto da economia e finanças ao culto do


computador, da estatística e do número em si
mesmo, acabamos num sistema religioso, ciber-
nético e litúrgico, eletrônico e mitológico. E já não
me espanto de saber que as mulheres do Norte
do país são 52% mais desdentadas do que as do
Sul, que as mulheres casadas de São Paulo são
mais tendentes ao queixo-duplo (double menton)
do que as mulheres cariocas da mesma idade e os
garis (limpeza pública) têm narizes maiores em
Belo Horizonte do que em qualquer outra cidade
do Brasil. Não me espanto, mas acho lícito reagir
com uma pesquisa própria, na qual descobri que

95
os técnicos que fazem esse tipo de pesquisa são
mandados à &’ = + ! +?/!**! 72% vezes mais do
que a média das pessoas.
CIBERNÉTICA, HERE I AM! 1965

O s paradoxos entre a técnica e a realidade são


flagrantes e indestrutíveis: continuamos no-
vos nas fotos antigas e velhos nas fotos novas.
ILUSÕES. 1967

N ão tenho o menor complexo nem o menor


temor diante do que o futuro me reserva com
suas cibernéticas estupendas e seus computadores
extraordinários. A meu cérebro só falta a eletrônica.
CONVERSA COM ENRICO BIANCO. 1967

D ada a imaturidade política do ser humano em


relação a seu desenvolvimento no campo
tecnológico só uma coisa pode resultar como
conseqüência do homem desintegrar o átomo: o
átomo desintegrar o homem.
CONVERSA COM PAULO GARCEZ NO BAR FLAG. 1970

A s conquistas técnicas foram tornando cada vez


mais fácil outra conquista, a das massas, pas-
sivas e alienadas. Já ninguém mais precisa se es-
forçar longamente, viajar muito, perder anos até
alcançar a discutível popularidade. Hoje uma ce-
lebridade é todo débil mental que aparecer meia
dúzia de vezes na televisão.
PROPOSTA PARA USO DA MÍDIA. 1970

96
F abricar-se-ão livros didáticos comestíveis,
aproveitando o avanço da tecnologia e a
superprodução da soja. Os livros poderão ser fa-
bricados com sabores variados: sabor matemá-
tica, sabor geografia, sabor logaritmos, etc....
Uma forma real de acabar com a fome de saber.
No Nordeste, esses livros, distribuídos aos milhões,
acabariam ao mesmo tempo com o analfabetismo
e a subnutrição.
IDEM

P ouco a pouco a máquina vai substituindo o


homem em todas as suas atividades. Como,
porém, necessita-se de recursos financeiros cada
vez maiores para fabricar máquinas, é seguro
afirmar que elas nunca conseguirão substituir o
homem no seu mais importante papel social – o
de contribuinte.
RECADO AO DEPUTADO JOSÉ SARNEY. 1971

A quase totalidade das descobertas tecnoló-


gicas tem o lado negativo maior do que posi-
tivo. O automóvel virou instrumento de ameaça
coletiva, a televisão impôs um condicionamento
cultural insuportável, o telefone trouxe uma ver-
dadeira neurose de anticomunicação e os compu-
tadores institucionalizaram a fraude financeira.
Nesse campo, apenas duas são as contribuições
realmente válidas e saudáveis do talento humano:
a água encanada, um milagre diário em que

97
ninguém repara, e, mais importante e quase sem-
pre discreta: a luz elétrica.
PROGRESSO CIENTÍFICO. ATÉ ONDE? 1971

O fato é que toda essa andação pelas crateras da


Lua trouxe muito pouca coisa útil e serviu
apenas para apunhalar nossa alma romântica (que
esperava da Lua pelo menos uma reação com
monstrinhos de olhos verdes, roedores satânicos
ou uma exalação mefítica) e nos roubou, em troca
de nada, uma herança poética de milênios. E aí,
como defesa a posteriori, foi que começamos a per-
guntar: “Para que serve essa viagem?” “Com essa
despesa toda não se poderia encontrar a cura para
a democracia?” “Não se poderia inventar uma nova
espécie de sexo sabor-virtude?”
CONVERSA COM NELMA QUADROS, FIGURA TUTELAR DO PASQUIM.
1970

B asta você parar diante de uma vitrina e olhar


garrafas, latas, invólucros, vidros, metais e
plásticos para ficar maravilhado com a infinita
capacidade da tecnologia inventar, todos os dias,
mais e mais objetos absolutamente dispensáveis.
PROGRESSO CONTIDO. 1967

A tecnologia desvairada voltou-se contra o


homem, a quem afirma, hipocritamente,
querer proteger e melhorar. O ambiente se dete-
riora, as relações humanas apodrecem, o próprio
ser humano deteriora, enquanto, em nome da

98
auto-afirmação de uma elite de cientistas, a tecno-
logia floresce e progride atirando foguetes à Lua e
mísseis no Vietnã. Que adianta o vidro do pára-
brisas ser inquebrável se a nossa cabeça não é?
NA ASSOCIAÇÃO PARA O CONTROLE DO DESENVOLVIMENTO
CIENTÍFICO E INDUSTRIAL DO PIAUÍ. 1971

D estroços de mundos utópicos, de religiões que


não se renovaram, de metrópoles que acredi-
taram na mão única. Aqui isso não acontece? Bem,
os romanos também disseram isso.
RESPOSTA A GUSTAVO CORÇÃO, ESCRITOR. 1970

O Todo-Poderoso reuniu apenas os materiais.


O resto está aí para ser feito por nós. Levamos
milhares de anos para o levantamento das pos-
sibilidades, uns dez mil anos de civilização para
aprender processos. Mas o mundo, propriamente
dito, começou a ser feito apenas há dez anos.
RESPOSTA A HENFIL. 1973

A o acender volitivamente o primeiro fogo


(pauzinho contra pauzinho, pedra contra
pedra) o ser humano ficou emocionado mas in-
consciente do seu próprio poder de criatividade.
Se tivesse tido a noção de que acabava de descobrir
a tecnologia, na certa teria voltado à caverna e
nunca mais saído lá de dentro.
SOBRE A IRRACIONALIDADE DA FUTUROLOGIA. 1970

O ridículo do século XIX foi a fúria com que


rejeitou todas as inovações, desde reformas

99
trabalhistas essenciais até o último direito femi-
nino, usar a saia mais curta, passando pela máqui-
na a vapor, propostas artísticas e avanços morais.
O ridículo do século XX é a pressa com que aceita
qualquer estupidez social, qualquer reivindicação
absurda, qualquer invenção consumística, sem
reflexão nem demora, por medo da pecha de
reacionarismo. A maior transformação do século
XX foi a facilidade com que se passou a aceitar
qualquer transformação.
MENSAGEM DE FELICITAÇÕES NO 96º ANIVERSÁRIO DE PABLO
CASALS. 1972

H á os que acreditam sinceramente que o pro-


gresso é uma máquina trabalhando feito
louca, no meio de operários miseráveis, para fazer
bugigangas para crianças ricas.
OBRAS COMPLETAS. 1970

A
televisão foi um meio inventado pelo ho-
mem medíocre para ser utilizado pela medio-
cridade para a mediocridade. Deveria se chamar
mediovisão.
MÍDIA. 1971

O inventor da poltrona foi o maior reacio-


nário da história: criou o supremo como-
dismo, a imagem definitiva da alienação. E o gênio
tecnológico burguês que colocou em frente da
poltrona uma televisão em cores, fechou o ciclo
da impossibilidade de reação da classe média.
CONVERSA COM JOSÉ CARLOS CABRAL DE ALMEIDA, GENETICISTA.
1973
100
Liberdade.
Limitacoes
~
´

E´ fundamental aprender a conviver com o medo,


perder o mais cedo possível a esperança de nos
livrarmos dele. Guimarães Rosa disse com sabedo-
ria: “A cada dia, a cada hora, o homem aprende
uma espécie nova de medo”. Vivemos com medo
físico, com medo econômico, com o medo meta-
físico diante da própria ameaça existencial que faz
de nossos dias uma caminhada irreversível para a
doença, para a velhice e para a morte: para o desas-
tre. O medo é a mais fiel de nossas qualidades, nosso
definitivo companheiro. Mesmo no silêncio e no
escuro – ou sobretudo aí – não nos deixa. Quando
o lugar é terrível, a situação desesperadora, as forças
nos abandonam, a coragem nos deixa, o medo fica
e cresce. Segue-nos como uma sombra e, inúmeras
vezes, se confunde com ela. Nasce conosco e, se
nos mata, morre conosco.
O SER HUMANO SEM IDEALIZAÇÕES. CONVERSA COM MARCO
AURÉLIO DE MOURA MATOS, ESCRITOR MINEIRO. 1958

E xiste uma média de vida mas que não serve


como garantia para a vida individual. Ninguém
é tão velho que não possa viver mais um ano,

101
ninguém é tão moço que não possa morrer já. Aqui
e agora, aproveita a vida, irmão. Talvez já tenha
passado mais tempo do que você pensa.
CONSELHOS AOS JOVENS TURCOS. OBRAS COMPLETAS. 1970

P ode-se conviver com regimes fascistas e tota-


litários, sobreviver no clima sempre terrível da
Lei e da Ordem. Não se pode é conviver com o
caos. Por isso um golpe de Estado ainda é melhor
do que um estado de golpes.
ENTREVISTA A TRÊS AGENTES-DUPLOS DA POLÍCIA PARAGUAIA. 1963

Q uem fala em amor livre? Com o amor livre, ai


dos feios, dos demasiadamente desinteressan-
tes. Amor livre, sim, de alguns tabus que se incrus-
taram doentiamente nas relações entre homem e
mulher. Mas só. Quem fala em amor livre nunca
ouviu falar em impotência masculina.
UTOPIAS. OBRAS COMPLETAS. 1970

A os pobres que acham, com razão, que é muito


difícil ficar rico, deve-se advertir que para os
ricos é ainda mais difícil ficar pobre. Qualquer mo-
vimento que façam nesse sentido é imediatamente
censurado – senão punido – por sanções familia-
res, dos amigos, dos sócios e de críticos ocasionais
que nem têm nada com isso. E, o que é pior, quan-
do um rico resiste à riqueza, abre mão dos seus
bens, investe em obras de caridade, doa para or-
ganizações culturais e artísticas, mesmo isso,
inúmeras vezes, resulta em lucros absolutamente
inesperados.
IDEM
102
S e você passa a vida dizendo exatamente o que
pensa depois não venha se queixar.
DIÁLOGO COM MÁRIO PRATA. 1971

O que amealha exageradamente, o que rouba


de forma consentida ou não, o que tolhe o
ato de criação alheia, todos, na corrida longa
criam condições sociais impossíveis para si pró-
prios. A escravidão de cada um começa onde ter-
mina a liberdade alheia.
CONVERSA PERIPATÉTICA COM HÉLIO PELEGRINO, NA PRAIA DE
IPANEMA. 1972

E scorraçada de toda parte, vivendo esfomeada,


tendo que subsistir sem morada certa, apu-
nhalada aqui, estrangulada ali, não desejada em
verdade a não ser por uns poucos e loucos huma-
nistas e revolucionários através da História, é
ridículo se representar a Liberdade como uma
mulher bela, um facho eternamente aceso na
mão, os traços finos, a fisionomia tranqüila e
altiva. A Liberdade é um cachorro vira-lata.
RELATÓRIO NA SEGUNDA SESSÃO PLENÁRIA DA CONFERÊNCIA SOBRE
DIREITOS HUMANOS EM BUCARESTE. 1958

O s poucos que, em verdade, desejam a liberdade


são os grandes responsáveis pelos tumultos
que avassalam o mundo, hoje e sempre. Só não
há paz entre os que mandam e os que obedecem
devido a uns neuróticos que se metem no meio.
FALA NA CELEBRAÇÃO DO 50º ANIVERSÁRIO DO FRACASSO DA
PRIMEIRA INTENTONA CONTRA HAILÉ SELASSIÉ. ADIS ABEBA. 1964

103
D oentes, miseráveis, velhos, jogados no último
cárcere do estado da mais extrema miséria, só
aí atingimos um definitivo grau de liberdade – nada
temos a perder e nada de pior nos pode acontecer.
MONÓLOGO NO MORRO DOS URUBUS. PILARES, RIO. 1987

O conceito de Estado nasceu com o conceito da


contenção da atividade individual. Quando a
primeira dona de casa cromagnon se queixou da
fumaça da fogueira da gruta vizinha, tinha criado
o princípio de que o direito de cada um termina
onde começa o direito alheio e reivindicado a
necessidade da Lei e da Ordem. Daí às restrições
em favor do próprio exercício do poder foi apenas
um passo. Apareceram os líderes, os guias provi-
denciais, os salvadores, os pais da pátria, os liber-
tadores. E a liberdade propriamente dita passou a
ser considerada apenas uma lamentável negli-
gência das autoridades.
MONÓLOGO NO MEIO DE UMA MULTIDÃO. ARPOADOR. 1967

T odo homem tem o sagrado direito de torcer pelo


Vasco na arquibancada do Flamengo.
ENCONTRO COM EVARISTO DE MORAIS FILHO, ADVOGADO. 1970

A liberdade é um esforço individual, coletivo,


nacional. Dizem que o preço dela é a eterna
vigilância, ou a organização, ou a cultura. Qual-
quer que seja o preço, o nosso credor se chama
Estados Unidos da América do Norte e cobra mui-
to caro.
ARENGA AO STAFF EDITORIAL DA LUTA DEMOCRÁTICA. 1965

104
N ão pense. Se pensar, não fale. Se, por acaso,
for obrigado a falar seu pensamento, evite
escrevê-lo. Se escrever seu pensamento, não deixe
que o publiquem. Se o publicarem, recuse assi-
ná-lo. Se o seu pensamento aparecer assinado em
qualquer lugar, corra para casa imediatamente e
escreva um desmentido.
COMO SOBREVIVER EM REGIME DITATORIAL. 1969

S egunda metade do século XX: independência


e liberdade totais, permissividade absoluta, as
experiências mais válidas, mais loucas e mais
grupais e comunitárias que já foram feitas quanto
a sexo e orgasmo Mas filho continua sendo só de
duas pessoas.
OBRAS COMPLETAS. 1970

R ealmente, se você não atravessar a rua dificil-


mente será atropelado, se não entrar num
avião é quase impossível que morra num desastre
de aviação, se evitar correntes de ar terá menos
resfriados, se não prevaricar manterá mais firme-
mente a harmonia do lar, se não beber cometerá
menos desatinos, se gastar menos do que ganha
terá sempre uma reserva para os dias difíceis, uma
vida muito mais segura do que a do estróina e pró-
digo. O preço da segurança é a eterna chateação.
DOS RISCOS DE EXISTIR. CONVERSA COM RUBEM BRAGA. 1971

N um ponto a Bíblia tem toda razão e é contes-


tadora e antiburguesa: deve-se matar um vitelo

105
gordo na volta do filho pródigo. Pois ir é muito
mais difícil. Largar tudo, ir embora, desvariar pelo
mundo, mesmo apenas para constatar que, ao fim
e ao cabo, o mundo não vale o seu lar, é extre-
mamente difícil. Pode ser que o outro filho seja
mais confiável, pois ficou no arado, na monoto-
nia, garantindo o sustento dos seus. Ótimo. Mas
o pródigo foi lá, viu como é que era e voltou para
contar. Tem o direito de engrandecer tudo o que
viu, e de mentir sem contestação porque, se traz
no alforje o macarrão, o papel e a pólvora, tudo o
mais lhe é permitido.
CONVERSA COM NOELZA GUIMARÃES, FELIZ. 1970

L iberdade existe. Não só existe como é feita de


concreto e aço e tem cem metros de altura.
Foi doada pelos franceses aos americanos em 1886
porque os franceses naquela época tinham excesso
dela e os americanos, pouca. Recebendo-a dos
franceses, os americanos colocaram-na na ilha de
Bedloe, na entrada do porto de Nova York. Nunca
entrou completamente nos Estados Unidos.
LIBERDADE. LIBERDADE. 1965

S erá a Liberdade apenas uma nostalgia? Uma


colagem malfeita de fatos só imaginados? A po-
lítica da esperança já desesperada? A simples omis-
são dos poderosos? O Fla x Flu do Possível contra a
Aventura? O condicionamento total é a liberdade?
CONVERSA COM AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE, PRESIDENTE DA ABL.
1959

106
T odo homem nasce livre. Naturalmente de-
pendendo do pai, da mãe, da classe social em
que nasceu, sem falar dos acasos genéticos e da
falta de cuidados pré-natais que o podem fazer
raquítico para sempre. Nascido, decora logo a ta-
bela de direitos e deveres de cidadão do seu país,
faz as contas e, se leva vantagem, cai de pau em
cima dos outros. Assim é o homem, e sua liber-
dade, condicionada a um sistema de classes.
CONVERSA COM HAROLDO COSTA, ATOR. 1970

O preso não é mais culpado do que o carcereiro


que mantém e acredita no sistema que prende.
E de prisão é fundamental não se falar muito, já
que os presos nada têm a dizer e os homens livres
não sabem do que estão falando. A solidão, as
promiscuidades repetidas e enervantes, os 150 cm
de espaço vital, o dia e a noite indistinguíveis das
solitárias, tudo que é feito para reduzir o preso
político à impotência, mostra mais a impotência
do Poder Ocasional, buscando inutilmente persua-
dir através do constrangimento físico. Sempre
haverá criminosos.
LIBERDADE. LIBERDADE. 1965

A verdade é que, na luta milenar e desvairada


pela liberdade utópica, todos saem perdendo:
não há palpite triplo e as “zebras” estão na cadeia.
Prometeu acabou lá, no rochedo. E o abutre? Bem,
o abutre detestava fígado.
CONVERSA COM IVO PITANGUY. 1972

107
Q uem confunde liberdade de pensamento com
liberdade é porque nunca pensou em nada.
CONVERSA COM RENATO BITHENCOURT, JORNALISTA QUE FOI
EMBORA PRO ESTRANGEIRO E NUNCA MAIS VOLTOU. 1969

N osso lema é o mesmo dos antigos desvairados


de Ouro Preto: Libertas quae sera tamen. Tamen
ou também? Nunca se soube. Repare bem, a mesma
estrutura sintática do Podes crer, amizade.
CONVERSA COM PAULO GRACINDO, ATOR. 1973

O ato de ser preso é, para o homem médio, uma


humilhação irreparável. Para o verdadeiro
marginal, que vive permanentemente em regime
de humilhação social, pouco importa. Donde a
absoluta inutilidade das prisões.
CONVERSA COM FERNANDA MONTENEGRO. 1967

P ara efeito e medida da punição existe uma


responsabilidade pessoal que age acima da
responsabilidade coletiva. Quero dizer, no caso
arquetípico do cidadão que rouba o pão porque
a sociedade não lhe deu as menores condições
de ganhar o pão, quem é o culpado? Mas a própria
sociedade que cria as condições fundamentais
para o roubo do pão é que vai julgar o ladrão do
pão. Que faria você como juiz? Ponha-se nessa
posição e decida-se pelo grau de pena, que são
muitos e muito imaginosas as suas formas em
todas as sociedades: forca, exílio, ergástulo, cas-
tigo corporal, simples reprimenda, seis ave-marias

108
e dezoito salve-rainhas. Ou você acha que basta o
remorso? Dizem que Judas se enforcou numa
figueira. Eu não vi, não sei.
CONVERSA COM EVARISTO DE MORAIS FILHO, ADVOGADO. 1973

109
Relacoes
~ naturais
´
e artificiais

O clã das embaixadas é eterno e seus compo-


ponentes imutáveis, aqui e no Oriente, no
passado e no futuro. Vemo-los iguais, como se
fossem frutos de uma árvore genealógica especial,
em Ancara, em Washington, em Paris, em Livorno.
Nunca envelhecem, nunca são excessivamente
másculos, nunca estão cansados, são sempre bem
informados e altamente preparados, têm sempre
um ar decadente de uma nobreza que já não manda
mais e se contenta em servir, com uma certa
satisfação em mostrar boas maneiras de outros
tempos aos donos grosseiros dos tempos atuais.
CONVERSA COM ARAÚJO CASTRO. EMBAIXADOR. EM ATENAS.
1965

A crença de que os homens são iguais é abso-


lutamente indefensável e deriva-se apenas do
fato de serem feitos da mesma maneira.
CONVERSA COM CLARICE LISPECTOR. 1967

U m incorruptível não tem o menor valor para


um corruptor.
IDEM

110
O s que falam em desaparecimento do homem
da face da Terra são, eles próprios, homens,
falando do alto de sua presunção homocêntrica.
Na verdade, o Cosmos não toma o menor conheci-
mento dessas lamúrias. O desaparecimento do ser
humano – que corrompe a natureza, fura túneis,
empesta o ar, emporcalha as águas, apodrece tudo
onde pisa – se tiver alguma importância, será
positiva, e apenas para a vida desta diminuta faixa
geográfica chamada Terra. Não fará a menor dife-
rença à economia do Cosmos.
DIÁLOGO COM JOÃO CONDÉ, JORNALISTA, COLECIONADOR. 1964

U m problema pode ser transplantado e estudado


em teoria. Mas isso até um certo ponto. É alta-
mente recomendável que o estudo da botânica, da
fauna e da geologia seja feito ao ar livre.
A TEORIA NA PRÁTICA. 1967

C omo sexo as mulheres são insuportáveis, mas


na hora do sexo, não tem nada melhor.
ENTREVISTA COM BETTY FRIEDAN, QUE CHUTOU A MESA. 1970

O s que aspiram a uma permissividade total,


inclusive e sobretudo nos hábitos de vestir
(despir) podem perder as esperanças. A nudez total
jamais vai triunfar enquanto houver fábricas de
produtos têxteis.
CONVERSA COM MAURÍCIO BEBIANO, INTELECTUAL E PLAYBOY.
1963

111
N ada é tudo e tudo não prova nada. Slogans
sobre a família que rezando unida, ou traba-
lhando unida, ou se divertindo unida, permane-
cerá unida, não têm nada a ver com a realidade.
E, mesmo permanecendo unida, que é que isso
quer dizer? Que permanece feliz? É duvidoso.
Apenas porque reza, apenas porque trabalha,
apenas porque come unida? Para mim a família
que permanece unida permanece unida. E só.
REFORMA DE CONSCIÊNCIAS. 1967

P ara distinguir entre a realidade e a moda basta


verificar se o fato pode ser alterado fundamen-
talmente com a nossa intervenção, no momento
ou mesmo num período mais longo. Não temos
como alterar a queda do corpo do alto do edifício,
o fluxo das marés, o nascer e o morrer do Sol.
Podemos intervir (e modificar rapidamente) na
preferência por cores, maneiras de vestir, gosto
musical. Moda é tudo que passa de moda.
MODISMOS. 1967

A cultura é um acervo muito relativo e, in-


dividualmente, para você parecer culto, basta
apenas ficar bem atento ao que o interlocutor
ignora.
CONVERSA COM ZÉLIO ALVES PINTO. 1971

Q uando me lembro de Lincoln – “Pode-se enga-


nar algumas pessoas todo o tempo, todas as
pessoas algum tempo, mas não se pode enganar

112
todas as pessoas todo o tempo” – sinto que minha
colocação (estou mais em) é muito mais entre
algumas pessoas do que entre todas as pessoas.
ENTRE ALTOS E BAIXOS. OBRAS COMPLETAS. 1971

N ão se pode deixar de ter saudades dos tempos


mais tranqüilos, tempos em que a humani-
dade era mais pura e inocente, como em Sodoma
e Gomorra.
CONVERSA COM CARLOS FREIRE, FOTÓGRAFO, PESQUISADOR. 1966

M ãe, mulher, filhos, maridos, parentes, não é


que sofram mais, necessariamente, mas a
ligação deles entre si faz com que sejam obrigados
a sofrer mais, obrigatoriamente, diante de qual-
quer tragédia que atinja um deles. A pragmática
da ação humana é tão importante quanto a própria
ação. O relógio acaba mais importante do que as
horas. E quem tem um lenço se despede mais.
CONVERSA COM JÂNIO DE FREITAS. 1959

O ato dinâmico de viver e sua avaliação cons-


tante, o balanço de uma existência, não po-
dem ser feitos leviana e prematuramente. O maior
canalha se redime, o mais puro varão de Plutarco
se corrompe. É preciso esperar a hora final. O ho-
mem só está fora de perigo quando morre.
AOS QUE VÃO RESSUSCITAR. 1966

A segurança psicológica não é atingida de


dentro para fora mas pela observação da

113
insegurança alheia. Todo homem tem seu grau
de incompetência e seu nível de insegurança.
Fique certo: seu complexo de inferioridade não é
inferior ao de ninguém.
CONVERSA COM FERNANDO PESSOA, JORNALISTA. 1952

A intimidade acaba com o mistério e reduz o


ídolo a suas verdadeiras proporções, quase
sempre mesquinhas. Mesmo os padres, de tanto
dizerem missa, acabam desconfiando de Deus.
CONVERSA COM OTTO LARA RESENDE, JORNALISTA, ESCRITOR,
CONVERSADOR. 1964

A provocação é uma técnica que deve ser co-


nhecida e utilizada. Primeiro: porque é irre-
sistível. Segundo: pra resistir a ela. Experimente
na prática: a mais calma das pessoas fica furiosa
se você, no meio da mais tranqüila discussão, lhe
diz que não pode discutir com ela porque ela é
facilmente irritável.
NAS DUNAS DE ABAETÉ COM DORIVAL CAYMMI. 1951

A` proporção que o sistema vai fechando seus


tentáculos kafkianos sobre o indivíduo, até o
filhinho deixa de ser olhado como um ser amado
e passa a ser encarado apenas como mais uma
isenção do imposto de renda.
CONVERSA COM LUÍS HIDALGO, ADVOGADO. 1973

D esconfie de linhagens, de famílias tradicionais,


de qualidades e posses passadas de pai para

114
filho há gerações e gerações. Os que se orgulham
muito de sua ascendência, em geral só estão
mostrando é o quanto já decaíram.
O PAPEL DA TRADIÇÃO E DA INOVAÇÃO. OBRAS COMPLETAS. 1970

A s mulheres, desistindo, parece, definitiva-


mente, da maternidade (e apoiadas pelos orga-
nizadores que acreditam no controle da natali-
dade) querem, agora, que o controle seja feito
basicamente por e através dos homens. O ataque é
frontal, abaixo da cintura, atingindo os homens
naquilo que mais os caracteriza. Chama-se, creio,
a isso, cortar o mal pela raiz.
LUTA DE CLASSES E DE SEXOS. 1970

A estrutura da família convencional, um grupo


de indivíduos vivendo de maneira insusten-
tável e em constante atrito provocado pelas ter-
ríveis pressões de uma sociedade que já não a
compreende, compõe-se de um homem que não
ganha o suficiente, de uma mulher absolutamente
irrealizada e de três filhos que crescem para ser,
respectivamente, transviado, hippie e subversivo.
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO. PALESTRA NO CAMPO DO VASCO,
TENDO COMO OUVINTES ZAGALO E PAULO CÉSAR. 1972

C om esse homem, feito apenas para a emula-


ção do poder, da ambição e do ciúme, a única
coisa que se tem conseguido – precariamente –
através dos tempos, é uma revolução econômica.
E toda revolução econômica faz apenas uma

115
mudança de capitalistas e do nome com que são
chamados.
DISCURSO DE ABERTURA DAS AULAS DA UNIVERSIDADE DO MEYER.
1951

E ntre os muitos erros da Natureza está o do


envelhecimento, que começa muito cedo, aí
por volta dos trinta anos, se acentua dramatica-
mente aos quarenta, quando o indivíduo ainda está
na metade de sua vida. Uma das grandes sabedo-
rias da Natureza é, porém, a morte, que pode che-
gar a qualquer momento e pode ainda demorar
muito, por mais jovem ou por mais velho que se
seja. Os que acham a morte uma coisa injusta deve-
riam pensar na injustiça que seria, aí sim!, haver
no mundo pessoas mortais e pessoas imortais.
CONVERSA COM LÚCIO RANGEL, JORNALISTA, MUSICÓLOGO. 1968

A
mais prezada das relações humanas (pelo
menos no lado de cá do mundo, o que co-
nheço, o ocidental) é a relação homem-mulher,
sentimental, intelectual e sexual, dita amor. Feito
de mil razões sutis, palavras e tons de palavras,
gesto e pressão de gestos, defeitos de visão (psico-
lógica e até mesmo física) buscando o tempo todo,
mas quase sempre chegando sem ser pressentido,
o amor, contudo, não tem a mesma discrição ao
ir embora. Parte sempre fazendo aquele quebra-
quebra.
LAZERES ÍNTIMOS DO POVO. DISCURSO NO MACKENZIE, SÃO
PAULO. 1963

116
A
natureza fez o pescoço com uma mobilidade
que possibilita uma visão de 360 graus. Por-
tanto devemos olhar a coisa de todos os ângulos.
CONVERSA COM GERALDO QUEIROZ, DIRETOR DE TEATRO. 1960

D entro de um sistema precário de relações


humanas, com a mulher ainda colocada
numa condição social inferior, é extremamente
difícil a felicidade conjugal. Que só existe, em
verdade, no dia em que morre um dos cônjuges.
POSSIBILIDADES DO MATRIMÔNIO.
SERMÃO SUBSTITUINDO O PÁROCO DA SÉ DE URUBURETAMA. 1972

O casamento é, basicamente, uma necessidade


de continuação da Família. E a Família serve
como estímulo ao casamento. O resultado é
conhecido.
CONVERSA COM JOSÉ ÁLVARO, JORNALISTA, EDITOR. 1971

A
final de contas, ser branco não é, em si mesmo,
uma coisa tão maravilhosa assim. Se vocês
vissem os tipos de branco que, em Joanesburgo,
pátria do apartheid, passam os dias sentados nos
bancos em que está escrito “só para europeus”,
certamente cairiam numa razoável depressão a
respeito de nossa decantada superioridade racial.
Mesmo fisicamente.
RACISMO E LIBERALISMO. 1959

O melhor caminho para uma futura violên-


cia de relações com os filhos é os pais se

117
sacrificarem inicialmente por esses filhos. Infa-
livelmente, cobrarão com juros esse patrimônio
de sacrifícios.
CONVERSA COM SÁBATO MAGALDI, JORNALISTA, CRÍTICO TEATRAL.
1956

O pai de família mais exemplar e conformado


e a mãe de família mais casta e monogâmica,
se falarem 10% do que estão pensando, poderão
ser presos como devassos, iconoclastas e extre-
mistas.
CONVERSA COM FERNANDO TORRES, ATOR, DIRETOR DE TEATRO.
1967

C omo tudo é relativo, se você se mantiver apenas


curvado diante dos poderosos quando todos os
outros estão agachados, será considerado um
homem de grande altivez.
CONVERSA COM ÊNIO SILVEIRA, JORNALISTA, EDITOR. 1957

M ais cedo ou mais tarde as pessoas justas e


honestas receberão o devido castigo.
PIF. ZIG. PAF. PONG, ESPETÁCULO TEATRAL. 1962

D e vez em quando alguém repete aquela


expressão de quem não tem o que dizer: ser
carioca é um estado de espírito. Mas, qual será,
fundamentalmente, esse estado de espírito? Para
mim, embora pareça estranho num povo extro-
vertido, a qualidade fundamental do carioca é a
discrição. Porque se seu estado de espírito, em

118
massa, é o da ostentação lúdica do futebol e do
carnaval, individualmente o carioca é discretís-
simo e sempre meio envergonhado diante do
elogio: “Pera lá, quem sou eu?”.
DEFESA CONTRA OS GRUPOS PREDATÓRIOS. CONVERSA DE PRAIA.
1972

119
Relacoes
~ de poderes
´

O homem é um produto do meio. O meio é um


produto do homem. O produto é um homem
do meio.
REFLEXÕES ABSTRATAS. OBRAS COMPLETAS. 1970

S er burocrata é padecer na anedota. Déspotas


natos, tiranos da mediocridade kafkiana, os
burocratas concedem porém que todas as ironias
que lhes fazem têm sua razão e servem ainda como
válvula de escape sem a qual a saída para “as exi-
gências da lei e as insolências da burocracia” seria
o crime puro e simples: o assassinato.
IDEM

O nazismo alemão, o fascismo italiano, o mo-


narquismo abissínio, a ditadura do prole-
tariado estalinista encontraram o meio fácil e efi-
ciente de acabar com a pobreza: acabaram com
os pobres.
A TEORIA NA PRÁTICA. 1971

C om taxas e mais taxas, arbitrárias e crescentes,


aplicadas com impiedade e violência sobre todos
os contribuintes, ninguém sabe mais separar o que
é imposto do que é confisco de bens.
NAS NEGOCIAÇÕES DE 13 DE AGOSTO. 1970

120
O plutocrata ambicioso mas sensível e progres-
sista, nem por isso deve andar desprotegido
contra a inveja e a incompreensão ocasionais da
massa. Aconselha-se pois que vista sempre, por
baixo do seu casaco de casimira inglesa, um colete
de malha de aço com pelo menos três polegadas
de espessura. Que, aliás, já existe de fabricação
nacional.
IDEM

N a indústria e no comércio, cada vez mais, o


importante é vencer, se possível sem competir.
DISCURSO NA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL. 1958

I nseguro e incapaz, o indivíduo só pode melho-


rar numa comunidade mais desenvolvida e es-
timulada. A sociedade, tal qual existe, incita à
rivalidade mais mesquinha e todos os cidadãos,
entre si, vivem num atrito odioso, não por um
lugar ao Sol, mas pela mínima réstia de luz. Por
isso, no mundo em que vivemos, só o morto
merece todas as loas e só o morto é benquisto.
Um cadáver não disputa, não exige, não erra, não
atrapalha.
SOBRE A QUESTÃO DA COOPERAÇÃO AGRÍCOLA. 1953

O poder tem suas limitações e suas hipocrisias.


Quando um Estado não pode proibir as ex-
plosões nucleares, proíbe fogos de São João.
DITADO. 1967

121
N ão façamos utopia da Grécia antiga compa-
rando-a com a moderna. A luta tem que ser
constante pois a opressão, a corrupção e a incom-
petência também são constantes. O que se pode
dizer de pior contra a Junta Militar é que, até agora,
ela nem sequer ameaçou produzir uma Ilíada, uma
Antígona, não fez nenhuma ágora. Sua literatura
é ruim, sua arquitetura barata, seu urbanismo
serve apenas, mal, para o escoamento do tráfego.
Pior que tudo – como são feios, os coronéis.
CONVERSA COM MARIA KOUTSIKOS, ROMA. 1973

E é necessária uma sólida coerência nas rei-


vindicações. Se todos querem afirmar seus
direitos, nada mais justo do que o Poder Público
também ter o direito de ser contra toda e qualquer
oposição.
CONTATO COM O DEPUTADO MARCOS TITO. 1971

A democracia é o último refúgio da impossibili-


dade de governo.
DIÁLOGO COM PAULO MENDES CAMPOS, ESCRITOR, POETA. 1968

U ma frase que cada dia adquire mais signifi-


cado: a união faz a força Não só. Só a União
tem a força.
CONVERSA COM BRITO VELHO, O MOÇO. 1963

H á duas forças que se contrapõem em todas as


atividades. A ostensiva e a dos bastidores. Há
os que preferem a coisa pública, aberta, o aplauso

122
múltiplo e popular. Há os que convivem bem com
o poder profissional, sem ressonância, mas intenso
e concentrado, tipo eminência parda. As duas forças
vivem em tensão permanente.
OBRAS COMPLETAS. 1970

N o jogo político não há hipótese de uma per-


fídia ficar escondida muito tempo. Os pró-
prios beneficiadores fazem questão de divulgar os
benefícios feitos, a fim de comprometer os bene-
ficiados. Quem se curva aos opressores acaba
sempre mostrando o rabo aos oprimidos.
DIÁLOGO COM JOÃO CABRAL DE MELO NETO. SEVILHA. 1958

O adversário tem que ser tratado com realismo,


sem concessões e sem provocações. Só o apa-
ziguador nato, tíbio compulsivo, teima em alimen-
tar um tigre na esperança de que ele dê leite de
vaca.
CONVERSA COM HUGO BIDET, JORNALISTA. 1970

N ão é verdade que quando um não quer dois


não brigam. Toda concessão, como tem pro-
vado a história, traz apenas novas reivindicações
por parte de quem foi contentado na primeira
investida. Ou você coloca o adversário na sua
posição, de saída, dando-lhe apenas aquilo a que
tem direito, ou não há paz possível. Quando um
quer dois brigam.
CONVERSA COM O COMERCIANTE E ATLETA RAUL MATA DE LEI,
FORA DA ARREBENTAÇÃO NA PRAIA DE IPANEMA. 1971

123
O controle dos meios de Comunicação mo-
dernos deu aos poderes constituídos uma
força esmagadora e quase imbatível. Os poderosos
podem não aumentar a própria estatura mas lhes
é muito fácil rebaixar o teto.
PAPO COM ADRIANO, ENGENHEIRO ELETRÔNICO. 1992

S tálin, Hitler, Salazar, tiranos, donos de países


e ideologias completamente diferentes e opos-
tas. Mas o tipo de Inquisição que criaram é absolu-
tamente igual.
COMO LIDAR COM A HIERARQUIA. OBRAS COMPLETAS. 1970

O s americanos, como é sabido, pagam por pa-


lavra a seus intelectuais. Aos intelectuais es-
trangeiros pagam o dobro para que não as es-
crevam.
CONVERSA COM MAURO SANTAYANA, JORNALISTA. 1973

C ertas coisas são proporcionais, tudo é possível,


quase tudo relativo. Em quem dói muito, por
exemplo, o fato de às vezes doer um pouco menos
faz parecer que dói ainda menos do que naqueles
em quem não dói nunca e agora está doendo um
pouco. Swift, o louco, sabia disso quando recomen-
dava que uma pulga deve ser sempre desenhada
maior do que o natural e um elefante, menor.
DO ABSOLUTO SOCIAL. OBRAS COMPLETAS. 1970

A alienação social absoluta (Maria Antonieta, os


Romanoff, Faruk) leva, repentinamente, um

124
susto diante da realidade miserável e, como tal,
miserável demais. Nunca foi possível o Nirvana
total dos poderosos, nunca foi perfeito o sibari-
tismo do sultão de Alderaabad: tem sempre alguém
que grita por socorro no melhor da festa.
DISCURSO DE INAUGURAÇÃO DA NOVA SEDE DO PASQUIM. 1972

E m que consiste a punição? A que ou a quem


serve? Quais são seus princípios e razões? Qual
é a autoridade punidora ou punitiva, de Deus ao
pai, e em que ocasião e em que medida, e com
que fito e exemplo, deve a autoridade ser exercida?
Existe, no punido, o desejo da punição? Que for-
mas e proporções devem ter as punições relativa-
mente aos crimes cometidos? A punição pode ser
atenuada pela intenção da falta, determinação da
falta, inocência da falta, competência ou incom-
petência do faltoso? Kant afirma: “É o princípio
da Igualdade que deve fazer com que a balança da
Justiça não se incline mais para um lado do que
para o outro. É como se o mal que uma pessoa faz
à outra se voltasse, exatamente igual, contra ela,
culpada”. Se chama a isso Direito de Retaliação.
Pena de Talião (ius talionis), quantos crimes não
se cometeram em teu nome!
DIREITOS E DEVERES. 1969

O Poder não se explica. O Poder não garante


nada. O Poder, enfim, não tem compensação a
não ser o próprio Poder. Não há nenhum motivo

125
para se tentar a escalada suicida. Sobe-se porque a
montanha está lá.
CONVERSA COM SEBASTIÃO LACERDA, EDITOR. 1974

F ala-se nas penas da lei como se esta fosse uma


galinha prodigiosa. As penas da lei são as penas
dos homens, sempre classistas, preservadores dos
direitos dos que dominam o jogo social.
LEGISLAÇÃO. 1956

N a ocasião dos acontecimentos de maio de


1968, em Paris, La voix des Polices, órgão
oficial da polícia francesa (um pobre homem, o
policial, e uma lamentável organização, a polícia,
espremida, nos países livres, entre o cidadão irri-
tado e o governo acuado e, portanto, implacável)
publicou: “Lembramos que, em todas as circuns-
tâncias, os funcionários da polícia devem agir com
discernimento e espírito humanitário. Desapro-
vamos certos métodos empregados contra os
estudantes e deploramos os confrontos estudan-
tes-policiais, os quais complicam os problemas
verdadeiros, que devem ser discutidos nas uni-
versidades”. Que quer dizer isso? Autopunição
verbal motivada por uma punição corporal nos
estudantes, inevitável na dinâmica do processo?
Um ato espantoso de compreensão partindo de
uma organização tida mundialmente como obtusa?
A conclusão de que a prisão, afinal, depois de sé-
culos de desgaste, já não prende ninguém? Como

126
diz Berto Fahri: “Graças à sutil degradação da disci-
plina concentracionária, miasmas acumulados por
séculos de Ordem e Justiça, hoje a punição está para
a lei como o camping está para o eremitismo”. Na
prisão de Barrages, no Egito, seção A, célula II, num
friso da Era Vitoriana, em 1935, dez anos antes de
Sartre, um condenado de Direito Comum escre-
veu, em língua árabe: “O homem é um condenado
à Liberdade”. Ao que outro ajuntou: “A Injustiça é
o fundamento da Liberdade”.* A desordem tam-
bém. E a corrupção. Todos os iniciados sabem que
as prisões mais sujas são as mais livres. E a punição
violenta é um ato de desespero.
CARTA A PAULO FRANCIS, ESCRITOR, POLEMISTA. 1963

O Poder, se me permitem, é, mais do que tudo, a


ausência do Poder. Sem poder todos nós
morremos de dor, ansiamos por ele, lutamos assas-
sinamente por ele. Poder é o que os outros têm.
CONVERSA COM JÔ SOARES. 1969

A Desobediência Civil, teorizada por Tolstói, é a


mais nobre e a mais salutar das virtudes
sociais e a primeira a ser enquadrada na lei pelos
poderosos.
CONVERSA COM RAUL SOLNADO. 1962

S er livre, é bom notar, não é ser libertado. “Eu


te dou toda liberdade”, é a restrição suprema.
CONVERSA COM RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES. 1963

* Encyclopédie Politique – Seuil.


127
O estranho é que, num país com mais de 60% de
analfabetos, a grande preocupação do Poder
Público seja o que dizem meia dúzia de escritores.
CONVERSA COM CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE. 1971

T odo Estado é administrado por um grupo de


criminosos que, ao tomar o Poder, estabelece
uma legislação pondo todos os outros cidadãos
mais ou menos fora da lei.
LEGISLAÇÃO. PRINCÍPIOS. 1966

N um regime ditatorial ou se motiva a massa ou


se organiza a indiferença.
AQUI E AGORA. 1957

128
Hipocrisia social
e politica
´

E´ difícil fazer um jovem acreditar que todas as


verdades estabelecidas são, em verdade, menti-
ras deslavadas, estabelecidas mentiras. Que lhe dizer
da estrutura social que não é estrutura nem social,
dos homens de bem, apelido de todos os canalhas
defensores do sistema de manutenção de privi-
légios, da liberdade (para cidadãos que trabalham
dez horas por dia, gastam pelo menos quatro para
ir e vir do trabalho e, nos momentos raros de lazer,
não têm com que pagar o ingresso do campo de
futebol, onde está a liberdade?), da Justiça (feita para
manter um código de leis imutáveis) e da impos-
tura internacional para domínio de mercado? Por
isso ao falar aos jovens é fundamental mentir para
não passar por mentiroso.
TÉCNICA DE MEIOS. OBRAS COMPLETAS. 1970

A lei escrita é sempre muitos anos atrasada em


relação ao direito real, aquele que está no ar e
pertence ao nosso tempo de vida. A Justiça não só
é cega mas sua balança desregulada e sua espada
sem fio. É fundamental impor um direito mais
amplo do que o que está escrito, obrigar o juiz a

129
funcionar acima da mediocridade do regime em
que vive.
DIÁLOGO COM EMMANUEL VIVEIROS DE CASTRO, MANINHO,
ADVOGADO. 1967

O capitalismo não perde por esperar. No Brasil


ganha 6% ao mês.
REFORMA BANCÁRIA. OBRAS COMPLETAS. 1970

A divisão de lucros é, segundo o muito que tenho


lido a respeito, a salvação da humanidade e a
porta para o milênio de felicidade humana. De
modo que, se você possui uma fábrica onde
trabalham 22.000 homens e essa fábrica (depois
de deduzidas, naturalmente, todas as despesas, in-
clusive as pessoais, viagens, jantares, custeio de
um segundo lar, eventuais e atualização do ativo)
dá 44.000 cruzeiros de lucro por mês, é justo que
você divida esse lucro totalmente pelos trabalha-
dores, entregando a cada um deles os dois cruzeiros
que merecem por seu esforço, dedicação e compe-
tência. Teremos, aí, então, o socialismo. Ou melhor,
jamais ouviremos falar, de novo, no socialismo.
IDEM

D e modo geral a cada eleitor cabe um voto. Esse


voto pode ser contra, a favor ou inutilizado.
O eleitor que consegue dar mais de um voto a um
candidato está atribuindo a si mesmo o direito de
usar o chamado voto qualitativo.
CONSTITUIÇÕES. 1946

130
O julgamento feito a partir de uma faixa etária
em que um adulto, apenas por ter mais de
dezoito anos, é sempre culpado em relação a uma
menor de dezoito anos, não tem nenhuma base
real, não encerra qualquer justiça. A verdade é que
as menores seduzidas são, em geral, extraordi-
nariamente sedutoras.
IDEM

O s que se eximem da culpa afirmando que “foi


só uma vez” devem se lembrar que também
só se morre (ou se mata) uma vez. Para sempre.
OBRAS COMPLETAS. 1970

N uma ditadura todo ônus da prova pertence ao


acusado e todo cidadão é culpado até prova
em contrário.
CIRCULAR SOBRE A SITUAÇÃO. 1965

A confiança é um ato de ida e volta em que a


nossa ação tem uma correspondente direta e
proporcional no apoio dos que orientamos. Só nas
grandes corporações capitalistas existe a fórmula
hipócrita do voto de confiança, uma coisa que só
se pede quando já começaram a desconfiar.
CONVERSA COM HAROLDO BARBOSA, COMPOSITOR, HUMORISTA.
1957

A libertação de hábitos mentais há muito tem-


po adquiridos é quase impossível e eles se
tornam inerradicáveis, a não ser que você faça um

131
esforço sobre-humano. Os loucos, antigamente
tratados como criminosos, ainda são tratados como
doentes por mero preconceito dos que detêm o
poder dentro da medicina. Basta um indivíduo ter
mania de andar nu para que isso seja considerado
uma loucura. Porém, se algum tempo depois, a
prática se generaliza porque posta em moda por
elementos bem-sucedidos no sistema econômico
e divulgada pela mídia interessada em tirar partido
do fenômeno, aí andar nu passa, no máximo, a ser
uma extravagância erótica. A única diferença entre
a loucura e a saúde mental é que a primeira é muito
mais comum.
CONVERSA COM JOSÉ AMÁDIO, JORNALISTA. 1948

A análise de lendas a respeito de grandes ho-


mens traz conclusões desalentadoras. George
Washington, famoso porque não mentiu ao pai que
lhe perguntou quem tinha derrubado sua cerejeira
de estimação, só torna evidente que a norma, para
os outros chefes de Estado, é a mentira constante,
cínica e deslavada.
A REALIDADE E O MITO. 1965

A hipocrisia é o elemento básico na filosofia


das grandes nações. Seria tão fácil elas ter-
minarem com as explosões atômicas. Mas gastam
tempo, energia e dinheiro tentando controlar a
explosão demográfica.
IDEM, P. 1.389

132
A defesa do status quo chega a seu extremo na
“boa educação” quando são impostos, inclu-
sive, ridículos hábitos de “como sentar à mesa”,
“como falar aos mais velhos”, “como se vestir para
sair” com orientação precisa, inclusive, quanto a
gestos e palavras que devem ou não ser ditas em
determinados lugares e ocasiões. Quaisquer dessas
regras quebradas significa perda de status para o
indivíduo, a família e o clã ao qual o indivíduo per-
tence. Com esse processo se busca defender todo
um sistema no qual, afinal, sobrevivem poucos e
lucram pouquíssimos. A respeitabilidade é o leão-
de-chácara da burguesia.
CONVERSA NA PRAIA COM RAUL RIFF, JORNALISTA. 1971

I nstalados no maior conforto burguês, em apar-


tamentos suntuosos com três vagas na gara-
gem, possuindo enormes contas em bancos nacio-
nais e estrangeiros, investimentos em todas as
formas de economia repressiva, espoliativa e inútil,
ganhando dinheiro apenas porque fazem parte
integrante do sistema, alguns milionários ainda
posam de revolucionários, pregando reformas
sociais da boca pra fora mas numa veemência às
vezes muito parecida com a sinceridade. Em ver-
dade querem reformas drásticas que deixem tudo
exatamente como está.
MANEIRA CORRETA DE LIDAR COM AS CONTRADIÇÕES DOS
PODEROSOS. 1971

133
A conceituação tem mais força do que a reali-
dade. Se, repetidamente, fazemos críticas
muito desonestas a respeito de uma pessoa, nunca
mais conseguiremos acreditar nessa pessoa.
QUEM SÃO NOSSOS AMIGOS? 1957

M e dêem mil atos de absoluta moralidade e eu


construirei um bordel.
CONVERSA COM FLÁVIO CAVALCANTI, APRESENTADOR DE
TELEVISÃO. 1957

A conhecida lei do PSD é a mesma eterna lei da


tergiversação e do compromisso. Para os que
adotam essa política e essa filosofia, ensinar um
cachorro é dizer: “Malhado, levanta ou não levanta
e vem cá, se quiser”. Consideram uma afirmativa
audaciosa dizer que estão onde sempre estiveram.
E que não são contra nem a favor, muito pelo
contrário. Levam seu acordo político ao extremo
de prever que o tempo será bom ou ruim, se não
for estável; que está muito quente em caso de
calor e que os ventos soprarão de um lado ou do
outro, conforme o sudoeste que soprar. Essa técni-
ca, adaptada à coletividade política, passa até a ser
considerada estadismo.
ALGUNS TÓPICOS SOBRE LIDERANÇA. CONVERSA COM JOEL SILVEIRA
JUNTO AO MURO DAS LAMENTAÇÕES. 1952

E´ fundamental verificar sempre a afirmação


de sinceridade de nossos companheiros que
fazem suas pregações sociais entre um artigo para

134
a Manchete e um programa para a TV Globo, assim
como quem faz o regime de emagrecimento entre
uma refeição e outra. Na verdade, esses compa-
nheiros desgarrados não são contra o roubo. São
apenas contra serem roubados.
MANEIRA CORRETA DE LIDAR COM OS COLABORADORES. CONVERSA
COM ZIRALDO. 1971

U m bom caixa de banco, para contar dinheiro,


sempre deve molhar a ponta dos dedos numa
esponja a fim de evitar que duas notas passem por
uma. Esse cuidado é desnecessário nas operações
de depósito.
ENTRE O RICO E O POBRE. TESE DEFENDIDA NO CAFÉ LAMAS. 1963

A os que violentam e não o sabem, aos que rou-


bam e nem suspeitam de que o que fazem é
um roubo e aos que prevaricam sem consciência,
aconselho mais reflexão. Também tenho uma tia,
que passou por prostíbulos, tem seis filhos e se diz,
e se considera, sinceramente, virgem e inocente.
IDEM

U m governo sábio realiza primeiro e, posterior-


mente, vendo o que foi realizado, faz os planos
e os projetos. É a única forma possível de fazer os
planos coincidirem com os resultados.
RELATÓRIO COMO CONSELHEIRO DO PLANEJAMENTO DE UGANDA.
1971

Q uando as informações sobre a destruição do


meio ambiente pela ganância dos sistemas

135
econômicos vigentes chegou ao conhecimento do
homem médio, o homem médio, como sói acon-
tecer, adotou a técnica do avestruz: comprou mais
um apartamento e enfiou a cabeça na areia. E pas-
samos a xingar a tecnologia, que não sendo má
em si mesma é também, ela, uma vítima do sis-
tema, que exige uma produção caótica, um afã de
superação, uma ânsia doentia de status e o pensa-
mento dirigido só e unicamente para a renta-
bilidade. Tudo isso colocando o homem nesses
escaninhos sinistros chamados classes (média, alta,
baixa), vivendo à espera da morte ou, se preferi-
rem, morrendo à espera da vida.
CONVERSA COM JACÓ DO BANDOLIM. 1967

S éculos de egoísmo, exploração do homem pelo


homem, escravatura, inconsciência e ambi-
ção desmedida. O resultado está aí para quem
quiser ver.
CONVERSA COM NOEL MARINHO, ARQUITETO. 1966

O rico, que come mais do que o pobre, inventou


a boa educação para que seus iguais não vi-
vam arrotando à mesa.
CONVERSA COM CARLOS LEMOS. 1970

O Poder é uma sensação vertiginosa e maravi-


lhosa, cultivada pelos impotentes.
CONVERSA COM ALFREDO MACHADO, EDITOR. 1971

N o mais extremo exagero, a Censura Federal


proibiu o rebolado na televisão. O rebolado

136
do samba. Assim, temos o samba sem rebolado,
que é como ter o sal sem o salgado. Isso na televi-
são, que, essa sim, é imoral, porque comercial,
subintelectual, contrária a qualquer tipo de edu-
cação. Tem razão o escritor Abgard Renault “Que
se pode esperar de um país que tem uma Comissão
Executiva da Mandioca?”.
CONTATO COM ALBERTO DINES. 1972

A Justiça, de qualquer forma, aí está, com sua


cabeça erguida, seu olho rútilo, mesmo
coberto pela venda que, teoricamente, a impede
de ver errado. Para o dicionário, é uma virtude.
Para o jurista, um direito organizado, pragmatizado
e institucionalizado. Para o teólogo, arma de am-
parar o respeito do homem pelo homem, feito à
imagem e semelhança de Deus. Para o cidadão
comum, um recurso supremo, quer dizer, uma
derradeira e vaga esperança. Para os homens da lei,
quase sempre apenas um ganha-pão monótono.
Para o Poder, um instrumento político. Só a impos-
tura das sociedades modernas faz crer ao cidadão
comum que a justiça é com maiúscula e pode
funcionar independentemente do Poder Político,
acima dele, pairando soberba e solene, lá bem alto,
como um Concorde subsônico. Essa justiça existe
e se chama Justiça Criminal, mas julga apenas
elementos da baixa classe média em processos que,
socialmente, não têm a menor importância.
CONVERSA COM GRANDE OTELO, ATOR. 1956

137
D esconfio por princípio daqueles que lucram
com seu ideal.
CONVERSA COM O DR. NOVA MONTEIRO, ORTOPEDISTA. 1971

N os países ditatoriais de esquerda ou direita, a


miséria social se torna tão grande que, de
tempos em tempos, se distribui ao povo uma
esmola política na forma de um voto.
CONVERSA COM JORGE AMADO. 1956

C uidado com os administradores públicos que


lançam todo o peso de sua ação para um futuro
remoto. Nem eles, nem os críticos, estarão lá para
verificar o acerto das medidas tomadas no pre-
sente. Geralmente o lucro do futuro parte de um
presente bem administrado.
CONVERSA COM NEGRÃO DE LIMA, POLÍTICO. 1972

T enho a nítida impressão de que todos os meus


amigos são puros, todos os lugares que fre-
qüento impolutos, todas as mulheres que conheço
sacrossantas. Ladrões são os outros, sujos são os
locais a que os outros vão, prostitutas apenas as
mulheres dos vizinhos. Há trinta anos que em vão
tento me corromper. Só me oferecem cargos de
sacrifício, postos em que se necessita um salvador
ocasional, campanhas “em prol de”, sem que eu
possa me beneficiar de nada. Ilibados amigos meus
– eu quero dinheiro, glória, cargos, opulência, sexo
farto e fácil.
CONVERSA NO PASQUIM, COM A PATOTA. 1972

138
N azistas por nazistas, por que perseguir uns e
homenagear outros, se os crimes variaram
apenas de estilo? Por que, enquanto Borman é
odiado e procurado por cães farejadores em qua-
tro continentes, von Braun é extremamente bem
pago, tem a seu dispor, para suas experiências,
todos os bens da Terra e é bajulado pelos que
desejam seus serviços? Por que é um cientista?
Então a medida é essa? A ciência, por si mesma,
exime o cientista de qualquer responsabilidade?
Ou é apenas porque a V2, de von Braun, estudada,
financiada e patrocinada pelos nazistas, não caiu
na cabeça dos judeus mas dos ingleses?
CONVERSA COM CÉSAR LATTES. 1960

O que espanta, no caso do detetive Nelson


Duarte, é a busca, cansativa e deviacionista,
de provas que não interessam e só fazem o 007
sinistro ganhar tempo. Bastava olhá-lo na tele-
visão, ouvi-lo falar, escutar o que ele dizia, sentir
como dizia, observar a maneira dele se vestir e se
comportar para concluir que ali estava um cida-
dão acima de qualquer suspeita. Sou a favor da
criação de uma justiça psicológica, talvez tão
injusta quanto as outras mas, pelo menos, infi-
nitamente mais rápida.
CONVERSA COM BORJALO. 1973

S e você acredita no sistema em que vive, luta


pela preservação dos bons costumes e da

139
moral, pensa no futuro como uma continuidade
deste sórdido presente, então basta conseguir um
pouco de dinheiro para poder ser considerado um
perfeito canalha.
DE TODOS OS HOMENS DO MUNDO. 1953

E m antigos sistemas políticos, os nobres parla-


mentares, disputando com seus pares-em-po-
der, não podiam prometer sem sofrerem pressão
– dos seus rivais no dia-a-dia político – por reali-
zações. De tempos em tempos leiloava-se o Parla-
mento, os lances sendo feitos, como hoje, com
promessas, estas, porém, com um mínimo de ga-
rantias. Depois de um século ou dois o processo
ficou tão difícil que os Senhores acharam menos
cansativo e perigoso dar ao povo, em vez de refor-
mas, o direito ao voto. O engodo é perfeito. A Opi-
nião Pública que, atingindo nobres e ricos, aca-
bava restringindo esses velhos líderes “naturais”,
desapareceu sintetizada num escrotínio (sic)
periódico. Os novos líderes, “revolucionários”, con-
seguiram, sem má consciência, e com perfeita
impunidade, dizer hoje uma coisa e amanhã outra,
sem serem cobrados depois. Pois estão ratificados,
senão santificados, pela Urna e pelo Voto.
ADVERTÊNCIA A LUIZ ANTÔNIO GRAVATÁ, GEÓLOGO,
COLECIONADOR, INFORMATA. 1979

140
Responsabilidades

H á os que cedem diante da violência, os que


temem qualquer ameaça, os que nem su-
portam a idéia de perderem um emprego. O poder
opressor usa todos os meios, alguns até instintivos,
para dominar o cidadão rebelde e a ovelha negra.
Pela convicção, pelo cansaço, pelo suborno, pela
ridicularização de sua fé e, afinal, pela extrema
coação física, o Filho Pródigo é persuadido a voltar
e a partilhar do vitelo gordo. Por isso é fundamental
uma resistência constante às pressões e às tenta-
ções do poder. O preceito fundamental do alge-
mado é não pensar em comichão.
PALESTRA NA UNIVERSIDADE DO MEYER. 1950

Q uando os legisladores legislam, na pura teo-


ria, sem pressões maiores do julgamento real,
conseguem obter uma certa sabedoria da lei
escrita. Na prática, porém, as interpretações dadas
pelos juízes sob impulsos e interesses do momen-
to, tornam as leis injustas e odiosas. Mas toda lei
é boa se usada legalmente.
RECADO A MARCEL DUVAL, IRMÃO DO XARÁ MILLÔR. 1995

T emos que lutar com nossos próprios re-


cursos, mantendo a fé, no meio do ódio e da

141
necessidade. Pois é bem possível que isto seja ape-
nas uma astronave tentando escapar de mundos
ainda piores.
DISCURSO NA PRAÇA. 1968

D epois de alguns milhares de séculos de lutas,


o mal está cada vez mais bem plantado, o crime
não só compensa como está institucionalizado, o
masoquismo não só não é combatido como é até
estimulado. Temos que reconhecer que Deus en-
velheceu e o Demônio evoluiu.
CONVERSA COM GLAUCO RODRIGUES, PINTOR. 1973

O conhecimento distante de um mal social não


é suficiente para aferir suas causas e encon-
trar maneiras de solucioná-lo. É necessário um
conhecimento íntimo do problema e esse co-
nhecimento acaba sempre in loco, no dia a dia em
que se apresenta e desenvolve. É preciso experi-
mentar, viver um mal, para a exata consciência
de sua extensão e profundidade. Conhecer a dife-
rença essencial entre o latido e a mordida de um
cão. Esta é mais pessoal.
A TEORIA NA PRÁTICA. 1968

N em todos têm a capacidade e os meios de


construir na medida do que gostariam. Mas
todos, sem exceção, podem evitar os males sociais
dos realizadores sem escrúpulos, dos empreitei-
ros ambiciosos, dos que destroem tudo por onde
passam no afã do lucro, numa política de cupidez

142
e terra arrasada. Você pode não realizar seus sonhos
mas deve fazer tudo para que outros não realizem
os seus pesadelos.
CONVERSA COM CARLOS HENRIQUE PORTO, ARQUITETO. 1965

T radição é meia solução. É fundamental você


examinar bem o meio em que vive, as condi-
ções sociais existentes, e tentar equacionar com o
máximo cuidado todos os efeitos de uma mudança.
O perigo dos movimentos sociais orientados por
aprendizes de feiticeiro é tentar destruir o status
quo e acabar destruindo apenas o status sem mexer
no quo.
CONVERSA COM GISELLE GOLDONI, EMPRESÁRIA. 1988

A classe média, sem aspirações nem grandeza,


é uma entidade que não sobe nem desce, não
quer nem deixa, e está em toda parte ao mesmo
tempo.
CONVERSA COM VILMAR, DESENHISTA. 1972

F az parte fundamental da luta social uma


infinita paciência no lidar com as pessoas,
problemas, tudo, todos e todos os seres. Isso, evi-
dentemente, não inclui cachorros, crianças, grã-
finos, classe média em geral, proletários e militares.
CASTAS. 1965

E´ preciso que as armas que você tem para lu-


tar – culturais ou não – sejam adequadas ao
tipo de processo e ação em que você está integrado.

143
Não adianta nada você ter as melhores mãos de
pôquer quando está jogando canastra.
CONVERSA COM PEDRO ALVERGA. 1972

N ão importa o que se faça com eles, aplican-


do-os em utilidade prática, bem comum ou
gozo individual. Mas é fundamental cuidar dos
minutos. As horas passam.
CONVERSA COM CLAUDIUS, ARQUITETO, DESENHISTA, DIANTE DA
RELOJOARIA SUÍÇA JET D’OR. 1973

V ocê, salvo prova em contrário, é um mem-


bro da espécie humana. Isto é, um assassino
nato, usufruidor da miséria geral (se você come,
alguém está deixando de comer, pois o mundo
não tem alimento para todos os seus habitantes),
sequaz de assassinos, parceiro de ladrões, cúm-
plice de espoliadores. Se você vive, você é um
homem. E um homem, nas circunstâncias em que
vivemos, é exatamente o oposto do homem do
If, de Kipling.
CONVERSA COM DANIEL TOLIPÃ, EMPRESÁRIO. 1967

E´ preciso que a autocrítica não seja superficial


e deviacionista, feita apenas para, ao fim,
ocultar erros graves, ampliando os sem impor-
tância. Nossa ação só poderá melhorar quando
deixarmos de nos queixar de nossa falta de me-
mória e começarmos a nos queixar de nossa falta
de caráter.
ORIENTAÇÕES. 1965

144
O s direitos de cada um terminam onde as au-
toridades se sentem impunes.
ENCONTRO COM GUGA FRÓES, PROMOTER. 1985

A gora que os homens já foram à Lua meia dú-


zia de vezes, fizeram lá um show ao vivo e sem
censura, mostraram que o telefone de lá funciona
melhor do que o daqui, roubaram umas pedras
do solo lunar (o homem é visceralmente ladrão)
e deixaram por lá, como presente da Terra, um
aparelho de laser, algumas antenas radiotrans-
missoras, um pouco de xixi e de cocô humanos
(devidamente esterilizados, diga-se-a bem da
verdade) e duas bandeiras de plástico, uma russa
e uma americana (esta com um gadget que a faz
vibrar permanentemente) se defrontando de modo
hostil, o romantismo lunar desapareceu para sem-
pre. Isso eles conseguiram, os astronautas: tira-
ram a magia da velha dindinha Lua.
PAPO DISTRAÍDO COM RENATA CUNHA, EMPRESÁRIA. 1991

N ão reclame o pouco que lhe coube. A mais


íntima das formas de vida é a ameba. Daí sur-
giram os grandes homens.
TEORIA E PRÁTICA. 1967

N ão existe liberdade consentida. A liberdade é


de baixo para cima, imposta pelas reivindica-
ções e pela consciência do indivíduo. As tiranias,
por vontade própria, jamais dão liberdade. Apenas,
à proporção em que se sentem seguras, vão pondo

145
mais elos na corrente que prende todos os ci-
dadãos.
DIÁLOGO COM SÉRGIO LACERDA, EDITOR. 1963

O problema não é apenas caminhar na estrada


certa. Temos que arriscar também a con-
tramão.
TRÁFEGO SOCIAL. 1967

C ada um de nós tem que escolher com precisão


seu campo de batalha, conhecendo as próprias
limitações e possibilidades. Dentro disso há uma
escolha: ou passar para a escala superior com
meios próprios ou ficar na própria média alcan-
çada. De um limite a outro há uma imensidão de
possibilidades. Dependendo de sua própria escolha
você pode ser o último dos rápidos ou o vencedor
dos lentos.
RECEBENDO UMA EQUIPE DE FUTEBOL AMADOR DE CONCEIÇÃO DE
MATO DENTRO. 1971

C ada um tem sua função e todos precisam cum-


pri-la. Citando Lincoln: “Se Deus quisesse que
uns homens só comessem e não trabalhassem e
outros só trabalhassem e não comessem, teria
metade dos homens só com bocas e sem mãos e a
outra metade só com mãos e sem boca”. Mas é
mesmo, Lincoln?
IDEM

A mística da obediência cega e irrefletida seria


ridícula se não fosse sinistra. O cara que jogou

146
a bomba em Hiroshima também dizia que estava
cumprindo ordens.
CONVERSA COM O LÍDER AGRÁRIO NIGERIANO TOMUKO SEILÁS.
1948

D e vez em quando esqueça. Ou melhor, se


lembre de que, ao fim e ao cabo, todo ho-
mem tem direito a meia hora de absoluta aliena-
ção e que o mundo não é feito apenas de Vietnãs,
cânceres no duodeno e credores à porta.
CONVERSA COM JOSÉ ÁLVARO, EDITOR. 1972

O s que acham que não têm força, os que pen-


sam que não têm meios, devem lembrar-se
de que Cristo começou com uma cruz só.
BILHETE PARA A JORNALISTA SUSAN SONTAG. 1968

E , quando a situação se apresenta catastrófica,


a lei eterna da estratégia deve ser respeitada:
mulheres e crianças primeiro. Isto é, é, deve-se
espalhar o pânico no inimigo bombardeando
mulheres e crianças primeiro.
LIÇÃO A UM GENERAL APOSENTADO. 1971

Q uando os homens do futuro pararem diante


de nossas cidades, bastará olhá-las para mur-
murarem cheios de espanto: “Mas, eram todos
canalhas?”
URBANISMO. 1973

147
Idealizacoes
~
´

N ossa tarefa, a missão essencial do ser hu-


mano, é apenas livrar o mundo dos políticos
corruptos, da crescente violência, da possibilidade
de fabricação de bombas nucleares domésticas, da
emigração indesejável, das “fronteiras móveis”
entre países mais fortes e mais fracos, do turismo
desenfreado, dos conglomerados internacionais
que ameaçam os países subdesenvolvidos, da
Conspiração Amarela para dominar a Raça Branca,
da poluição dos plásticos (sem falar em todas as
outras já catalogadas: a da água, ar, luz, sexo, moral,
roupas), das marandubas africanas organizadas em
exércitos, do neonazismo, do neofascismo, do gás
néon, dos bumerangues a baixa altitude, dos raios
manta e dos raios laser mal aplicados, da bomba de
cobalto usada criminosamente na eutanásia, da
reimplantação internacional do sistema de castas,
da elefantíase, dos ateus, dos hereges, dos antipa-
pistas e outros fanáticos anti-religiosos, de vulcões
não extintos, da conspiração internacional dos
porcos chauvinistas, da luta da Mão Negra contra
a Máfia, dos pintores primitivos, dos alto-falantes
nas praças, das tempestades de areia, das pistas de
tráfego com três e quatro andares, da ameaça do

148
degelo no Polo Ártico, da conspiração internacio-
nal homossexual, dos sedutores de menores, do
boom da impotência, dos Panteras Negras, do
Setembro Negro, do Capitalismo Negro, da Lei e
da Ordem, da especulação na bolsa de valores, da
especulação com os trabalhos artísticos, da sodo-
mia, da legalização das drogas, da superpopulação,
dos sinistros movimentos geológicos, das explosões
solares, dos delatores de modo geral, dos tortura-
dores sem pátria, dos mosquitos gigantescos da
África do Sul, dos jigabôs e telêmacos, dos ma-
níacos depressivos, do trabalho forçado, dos ma-
terialistas sem Deus e sem moral, da volta da febre
amarela, do voodoo, da magia negra, da macumba
e da maçonaria, do monossódio e hexacloreto de
coentro, da censura aos meios de comunicação
sem censura, do underground, do establishment, dos
colonialistas negros e dos missionários santimo-
niosos, das virgens profissionais, da prostituição
de menores, das nuvens de barata vindas da Grécia,
da conspiração internacional das agências de pu-
blicidade, da epidemia de tiques nervosos, dos
mulatos liberais, da conspiração internacional dos
psicanalistas, da arteriosclerose, dos caçadores de
cabeças mercenários, dos vôos charters sem iti-
nerário, dos ciganos em desespero, do aumento
espantoso de monstros nazistas, dos cursilhos, dos
autos-de-fé, dos menores delinqüentes, das guar-
das pessoais, dos alcoólatras, dos exploradores do
câncer, das comunas hippies e dos campings da

149
classe média, das bombas atômicas extraviadas,
das touradas e outras selvagerias para a idolização
dos toureiros e outros selvagens, da conspiração
internacional das companhias de seguros, dos soli-
tários maníacos sexuais, dos ditadores analfabetos,
da organização militar das atividades religiosas, da
organização mística das atividades militares, do
rompimento de gigantescos interceptores de
esgotos, de desastres com petroleiros de um milhão
de toneladas, dos terremotos, dos maremotos, das
donas de casa incompetentes, dos ricos totalmente
ociosos, das estradas mal sinalizadas, dos contra-
bandistas, dos navios navegando com bandeiras
piratas, dos bloqueios navais, dos antropólogos
pretensiosos, dos peixes contaminados, dos psico-
logismos e economismos, das construções inse-
guras, do vitiligo, das pelagras e outras doenças de
subnutrição, da violação de correspondência, de
incêndios, de enchentes, de aquecedores a gás defei-
tuosos e da terapia grupal. Aí teremos feito da Terra
um paraíso. Teremos conquistado o Milênio.
SOBRE TAREFAS SOCIAIS. CONVERSA COM PAULO AUTRAN, ATOR.
1965

E m política não há utopias e o maior utópico


é o que acredita num socialismo em que ele
ficará muito bem com o pouco que tem e o pouco
que lhe vai caber. E, além disso, espera, natural-
mente, uma socialização de bens tão perfeita que
o Estado consiga distribuir, com absoluta eqüidade,

150
chuva, sol, aborrecimentos familiares e acomoda-
ções nos transportes coletivos.
CONVERSA COM JUAREZ MACHADO, PINTOR. 1969

E´ preciso ser muito primário para achar que


sexo é um ato físico.
CONVERSA COM JAGUAR, JORNALISTA, DESENHISTA. 1969

O sexo puro e simples só tem interesse anima-


lesco (lato senso) e, portanto, reprodutivo. Foi
preciso a imaginação humana para mitificá-lo e
transformá-lo na ação esplêndida em que se tor-
nou, cheio de mistério e variação. Da mitificação,
criada pelos inventores, aos tabus, criados pelos que
não podiam inventar nada, a distância é imensa.
Tentando-se reduzir o sexo de novo à sua forma
“livre” – isto é, um ato tão natural quanto almoçar
num restaurante – é perder a, talvez, mais impor-
tante idealização humana. Sem idealização os seios
das mulheres voltarão a ser apenas duas funcionais
glândulas mamárias, na quase totalidade dos casos
feias, moles, pensas, manchadas, sem a menor
atração erótica. De todos os animais o homem é o
único que tem (porque inventou) admiração pelas
mamas da sua fêmea.
MITO E TABU. OBRAS COMPLETAS. 1970

O “diz-me com quem andas que eu te direi quem


és” não quer dizer nada. Judas andava com
Cristo. E Cristo andava com Judas.
CONVERSA DO LADO DE FORA DA PUC. 1970

151
T rês coisas sem fim e sem compensação mas que
são ambicionadas por qualquer ser humano:
a busca da verdade, a luta pela liberdade, a prática
da fraternidade.
TRÍADES. 1973

N os momentos de crise ou perigo é fundamen-


tal manter a presença de espírito, embora o
ideal fosse conseguir a ausência de corpo.
PROBLEMAS DE ESTRATÉGIA. 1956

N o EnJU Satsuyoo, o mais precioso livro sobre


a vida humana jamais escrito, aprendi, com
fervor e devoção, muito do que hoje sei sobre andar
na terra e olhar os mares. Gensaku, o sacerdote,
que o escreveu em 1578, viveu 98 anos, experi-
mentando quase tudo na prática, sem falar do que
viu e anotou. Descobriu que o Homem e o Universo
são exatamente iguais ou, pelo menos, têm muitas
semelhanças. A cabeça do Homem é redonda,
seus pés são quadrados: o céu é redondo, a Terra
é quadrada. O Sol e a Lua são como os olhos do
mundo. Os rios são o sangue e a saliva do ser
humano. Os ventos são a respiração. E as árvores,
os cabelos da cabeça.
MINHA PROVERBIAL SABEDORIA CHINESA. 1967

H omens que “vieram de baixo”, que lutaram


durante dez anos até atingir a posição de
mando, poder e riqueza de que atualmente desfru-
tam, tendem a declarar nas entrevistas à imprensa

152
que as horas mais puras que viveram, as mais felizes
e alegres, foram as dos antigos dias da mocidade,
quando não sabiam se teriam ou não a próxima
refeição. É tudo mentira. Ou falta de memória.
ENCONTRO COM JOSÉ CANOSA MIGUEZ, ARQUITETO, ILUMINADOR
DO RIO DE JANEIRO. 1998

U ma criatura bela traz na beleza a sua forma de


talento, assim como uma criatura de talento
traz no talento a sua forma de beleza. Os burros e
feios trazem na burrice e feiura a sua forma de
feiúra e burrice.
CONVERSA COM A PANTERA SÍLVIA AMÉLIA. 1968

A constituição familiar, a prática política, as


tradições da Igreja, os hábitos de alimenta-
ção, o sistema de economia, as relações sociais e
de classe, o respeito entre as gerações, a orientação
educacional, o comportamento da mulher – um
a um estão sendo destruídos, sistematicamente,
todos os nossos valores tradicionais: não há mal
que sempre dure.
CONVERSA COM ASCENSO FERREIRA, POETA, NUM LUPANAR DA RUA
ALICE. 1955

Q uando Carlyle afirmou que “o homem é o


único animal que ri” não fazia com isso uma
mera constatação biológica. Biologicamente a hiena
também ri. Fazia uma constatação psicológica e
social. Seu erro era apenas admitir o riso como
uma qualidade humana, quando é um defeito.

153
O homem, da maneira por que vive, não tem do
que rir. Por isso, à frase de Carlyle deve-se acres-
centar: “E é rindo que ele mostra o animal que é”.
NOTA SOBRE OS DEZ DOCUMENTOS BEM ESCRITOS DOS
COMPANHEIROS DE CALABAR. 1971

P ode ser até que haja vida inteligente em outro


planeta. Neste, até agora, não se viu a menor
demonstração.
CONVERSA COM PEDRO PORFÍRIO, HOMEM DE TEATRO, POLÍTICO.
1972

E nganados de todos os lados pela Informática,


já não conseguimos acreditar em nada, mas
ainda não conseguimos aceitar a dinâmica da des-
crença total. Ainda ansiamos pelo “ver para crer”
sem saber que isso é uma forma de ceticismo des-
coberta pelos cegos.
CONVERSA COM MIGUEL PAIVA, DESENHISTA. 1969

E nquanto se combate o uso de drogas, apenas


pelo fato de que elas são chamadas com esse
nome e, portanto, atemorizam (a semântica é
capaz de todos os crimes e todas as pressões), o
futebol, praticado sem nenhum controle, continua
sendo permitido e até mesmo divulgado em todas
as camadas sociais, sobretudo as mais inferiores,
que não têm, em relação a ele, qualquer defesa.
E, no entanto, se essa lamentável prática fosse di-
versificada e o tempo e a energia úteis dos cidadãos
se derivassem para outras atividades, tais como

154
tênis, natação, remo, peteca, voleibol, etecetera,
o mal seria muito menor. Enquanto a repressão
combate a maconha e afins, a hipertrofia do fute-
bol cria dependência, ajuntamentos perigosos de
multidões, motiva violência, causa engarrafamen-
tos sinistros nas grandes cidades e leva inúmeras
pessoas a crimes tais como mentiras, subornos e
agressões. Sem falar em desentendimentos inter-
nacionais. Deve-se combater de maneira enérgica
a implantação do vício a partir dos pequenos cam-
pos do Interior (como se faz com os campos de
maconha) onde experts traficam com a inocência
infantil que começa bem cedo a ser envolvida pela
prática posteriormente incurável.
O ESPORTE BRETÃO. CONFERÊNCIA NA CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA
DE TÊNIS. 1966

A brindo uma enciclopédia qualquer, britânica,


gálica, latina, saxônica, qualquer uma, refle-
tindo no que está dito a respeito das figuras ali imor-
talizadas, concluímos facilmente que toda aquela
grandeza, dignidade e nobreza é pura e simples
invenção. Fora os compromissos (Los interesses
creados, de Benavente) que fizeram aqueles homens
serem registrados como soberbos, eles são, sem
exceção, usurpadores, exploradores da comuni-
dade, santos de fancaria, tubarões econômicos,
guerreiros impiedosos, cientistas egocêntricos,
artistas cuja arte principal foi uma desvairada
autopromoção. Uma cambada.
DIÁLOGO COM JUDITH FERNANDES, IRMÃ. 1964

155
E chega o momento em que é difícil acreditar
que já houve um dia em que pensamos 35
anos ser o máximo da velhice. Mas, compensação,
lembro a frase de Mark Twain, como eu, agora,
terminando um almoço: “Qualquer que seja a
idade de um homem, ele pode ficar facilmente dez
anos mais moço. Basta botar um cravo vermelho
na lapela”. Penso isso não por acaso pois, ao ter-
minar o almoço, me vejo, subitamente, com um
cravo vermelho na mão. Mas, onde, Deus do Céu,
anda a lapela?
OBRAS COMPLETAS. 1970

A parentemente não há nada parecido com a


vida humana num raio de alguns milhões de
quilômetros. O que torna evidente também que a
vida – da maneira como a conhecemos – é algo
sem sentido, inteiramente par hasard. Por que um
Deus Todopoderoso ou um mecanismo ciber-
nético extremamente aperfeiçoado colocaria a
vida exatamente nas condições em que a temos?
A Terra é um saco de gatos, sem qualquer progra-
mação. Come-se mal, as condições são lamen-
táveis e, o que é pior: chove dentro.
CIRCULAR SOBRE A SITUAÇÃO GERAL. 1959

N ossos olhos acreditam, naturalmente, no que


vêem. E nossos ouvidos acreditam, natural-
mente, no que as outras pessoas viram. Mas o “ver
para crer” está desmoralizado, com milhares de
imagens falsas que nos são impingidas diariamente

156
depois de fabricadas pela mídia. Da mesma forma
não se pode acreditar em tudo que não se ouve.
Entre o fabricado e o omitido só pode sobreviver
o absoluto desconfiado.
CONVERSA COM EVANDRO CARLOS DE ANDRADE, JORNALISTA.
1973

A s violências sanguinolentas de Salomão, as


contradições morais de Júlio César, as taras e
ambições sociais de Napoleão, não os impediram
de se transformarem em gloriosos ancestrais de
nós todos.
DURANTE UMA RODADA DE PÔQUER COM LEON ELIACHAR E
ANTÔNIO MARIA, JORNALISTAS, HUMORISTAS. 1959

I ncapaz de dominar suas mais mesquinhas pai-


xões, sem controle do próprio egoísmo, tolo,
tonto, sofrido, inseguro e criminoso, o homem
lança suas derradeiras ambições para a posteridade,
quando será imantado numa glória a que não
assistirá, mitificado naquilo que nunca foi. E sua
ânsia de nobreza é colocada em ser esplêndido em
cinzas, faustoso em túmulos, solenizando a morte
com incrível esplendor, transformando em ceri-
mônia e pompa toda a estupidez de sua natureza.
COMPUTA, COMPUTADOR, COMPUTA. PEÇA DE TEATRO. 1972

U m reacionário só é levado a enfrentar uma ver-


dade social da mesma maneira que um crimi-
noso é levado a enfrentar a justiça: pela gola.
OBRAS COMPLETAS. 1970

157
N ão é que você não tenha o mesmo impulso.
Apenas lhe falta coragem. Pois algumas pes-
soas matam. Outras se satisfazem lendo notícias
sobre o assassinato.
CONVERSA COM RUTH FERNANDES, IRMÃ. 1960

A justiça é igual para todos. Aí já começa a


injustiça.
CONVERSA COM PEDRO FIORITO, NOTÁRIO. 1970

O ato existencial, a felicidade e o destino hu-


manos não estão na razão de propostas mo-
rais. Igualmente felizes ou infelizes estão os que
dão a vida por um ideal ou os que, diante do mesmo
ideal, apenas bocejam.
NOSSOS AMIGOS, NOSSOS INIMIGOS. 1965

D iante da tentativa constante de nos mitifica-


rem, dando-nos qualidades que não possuí-
mos, coragens que não sentimos, capacidades in-
telectuais que nunca demonstramos, é preciso
conservarmos a autocrítica a todo custo. A ten-
tação de acreditar é grande, a vontade de ser Deus
ou, para os mais medíocres, estátua, permanente.
Façamos como aquela mulher, cheia de senso de
humor que, sempre que se via nua na intimidade
do banheiro, morria de rir de seus admiradores.
AUTODISCIPLINA. DISCURSO. FACULDADE DE RECUPERAÇÃO DA
ABBR. 1959

158
O Mundo: construído com material de segun-
da por um arquiteto inexperiente, acabou
produzindo o ser humano.
CONTATO COM CAMILA AMADO, ATRIZ. 1962

C uidado com o homem cujos deuses estão nos


bancos.
CONVERSA COM LUÍS SÉRGIO PERSON, CINEASTA. 1971

O s deuses modernos, mesmo os mais prepo-


tentes, exigem do povo o sacrifício do voto.
CONVERSA COM LUDY VELOSO, ATRIZ. 1965

P ode ser apenas uma necessidade pictórica o


uso compulsivo do vermelho e do laranja, mas
os pessimistas diante dos horrores do mundo
devem olhar com mais cuidado os desenhos in-
fantis: há sempre um Sol brilhando mesmo que o
dia seja tempestuoso.
COMO MANTER O ÂNIMO DE TRABALHO. OBRAS COMPLETAS. 1970

S ou um crente, pois creio firmemente na des-


crença. E se não creio em Deus tenho a cer-
teza de que Ele crê em mim. Creio que a Terra é
chata. Procuro em vão não sê-lo. Creio que as para-
lelas se encontram nos paralelepípedos. Acredito
também numa lógica de ferro como base para um
pensamento mais amplo que é ilógico, alógico,
subjetivo e animal. Como os checos, eu posso di-
zer: “Svoboda suverenita”. Ou melhor: “Za
svobodu dubceka cernika”. O que ambas as frases,

159
literalmente, significam, não tenho a menor idéia.
Mas estou disposto a morrer por elas, como tanta
gente morre por outras frases que também não
têm o menor sentido.
DISCURSO DEPOIS DE NADAR OITO QUILÔMETROS CONTRA A
CORRENTE NO RIO SÃO FRANCISCO POR OCASIÃO DO SEU 40º
ANIVERSÁRIO.

O s dirigentes, quanto mais ignorantes e vulga-


res, mais duram no poder. Não é que isso sa-
tisfaça o povo como resultado político e social. Mas
lhe dá uma rara oportunidade de satisfação hu-
mana se sentir superior a um poderoso.
CONVERSA COM NEWTON CARLOS, JORNALISTA. 1972

O s ídolos dos selvagens, de pedra ou de madei-


ra só exigem aquilo que os pajés, através do
consenso, exigem que eles exijam. Os ídolos civili-
zados têm idéias próprias e não param nunca em
suas exigências.
MONÓLOGO DIRIGIDO A PADRE CÍCERO, LÍDER RELIGIOSO. 1973

S ó à distância os objetos podem manter uma


perspectiva ideal. Checov, quando se apro-
ximou das bailarinas, no intervalo de um balé
maravilhoso, ficou decepcionado porque “elas
cheiravam como cavalos”.
CONVERSA COM LENNIE DALE, BAILARINO AMERICANO. 1971

Q uando eu vejo Senhor Puntilla, de Brecht, acho


o personagem que dá nome à peça extraordi-
nariamente falso. É um rico desagradável e ridículo,

160
o rico rural, ultrapassado e pouco ofensivo. O odio-
so, na maior parte dos ricos que conheci, é que,
além de tudo, a vida lhes dá oportunidade de serem
bem educados no sentido do trato social, simpáti-
cos e mesmo generosos.
CONVERSA COM FLÁVIO RANGEL, JORNALISTA, TEATRÓLOGO. 1967

T oda a literatura grega, trabalho gigantesco de


continuidade de pensamento e estilística du-
rante vários séculos, se baseia na sabedoria exis-
tencial e metafísica de que o homem deve pagar
por seus delitos. E qualquer erro humano (sedu-
zir a mãe, matar o pai, trair o Poder) tem de ser
punido por forças secretas que subjugam os réus
na rede de seus próprios delitos e os submetem a
interrogatórios lapidares que, geralmente, duram
duas a quatro horas de espetáculo.
AÇÃO REPRESSIVA, HISTÓRICO. 1973

A Odisséia é um monumento de licenciosidade


e subversão.
CONVERSA COM JOSÉ APARECIDO DE OLIVEIRA, GOVERNADOR DO
DISTRITO FEDERAL. 1987

N ão tenha dúvida: a função fundamental da


crítica cinematográfica sempre foi nos fazer
de bobos.
CONVERSA COM SÉRGIO AUGUSTO, JORNALISTA, ESCRITOR. 1972

O que assassina um líder, como o que o idola-


tra, ambos crêem profundamente que ele é
um Deus, responsável por tudo.
CONVERSA COM CARLOS LEONAM, JORNALISTA, ESCRITOR. 1967

161
Artificios
´ da arte

A arte pela arte é, também, uma criação da


indústria da arte a fim de valorizar comer-
cialmente certos artistas. E, num terreno não
aferível como é o do valor artístico, temos que nos
curvar, afinal, aos preços e valores do próprio mer-
cado. Depois de criado o monstro Picasso (inde-
pendentemente de seu exato valor), os interesses
investidos nele passaram a ser irreversíveis. Ne-
nhum grande diário, semanário ou crítico pode
destruir o mito, já que, direta ou indiretamente –
dada a extraordinária produção de Picasso – todos
têm algum capital empenhado nele. O capitalismo
não tem condições de desvalorizar Picasso.
OS MITOS INTELECTUAIS CRIADOS PELA ECONOMIA. 1970

A utilidade da música é conhecida. Serve para


animar soldados nas marchas e nas batalhas,
para fundo de filmes cinematográficos, animação
de festas sociais, ambientação de bares e restau-
rantes e alienação do paciente enquanto o dentista
lhe trata dos dentes.
HIPERTROFIAS ARTÍSTICAS. 1967

C om uma mídia controlada pelo comércio, a pro-


moção de pessoas incompetentes – sobretudo

162
nas atividades subjetivas – a expoentes de sua
atividade, atingiu uma proporção assustadora.
Inúmeros artistas contemporâneos não são ar-
tistas e, examinando melhor, nem são contem-
porâneos.
DECADÊNCIA DAS ARTES PLÁSTICAS. 1961

S e todos os seres humanos tivessem o ouvido


realmente apurado, nenhum idiota teria a
coragem de inventar o acordeão.
CONVERSA COM SÉRGIO RICARDO, MÚSICO. 1970

M uitas pinturas consideradas obras-primas


muitas vezes são apenas obras medíocres
que durante séculos foram colocadas de cabeça
para baixo.
JULGAMENTO CRÍTICO. DISCUSSÃO COM WALMIR AYALA, POETA.
1965

A poluição semântica trouxe seu apoio maligno


a todas as atividades não objetivas, facilitando
a exploração dos incautos com uma enxurrada de
palavras pomposas e esotéricas. Por isso os pin-
tores, ao invés de pintarem para serem entendi-
dos pelo que pintavam, passaram a pertencer a
escolas com denominações esdrúxulas e intimida-
doras, saindo do abstracionismo daltônico para a
pura ininteligibilidade cromática. Isso significa
que, quando o leigo (e comprador) pede explica-
ções, podem responder que a coloração neo-realista
e a configuração pragmática perderam terreno

163
definitivamente para as revolucionárias concep-
ções ótico-acústicas, embora estas tenham voltado
a se basear num realismo sincrético. Na prática
isso serve para elevar artificialmente o preço de
alguns artistas. E aumentou o risco, já enorme,
de um desprevenido colocar seus quadros de
cabeça para baixo.
POR UMA ARTE DE MASSAS. 1955

A moldura que serve para um quadro vaga-


bundo pode ser usada também numa obra-
prima, desde que o tamanho das duas obras seja
igual.
CONVERSA COM O MARCHAND FRANCO TERRANOVA. 1961

E´ tão visível a decadência das artes plásticas que,


nas exposições, as poucas pessoas que olham
os quadros com atenção estão apenas querendo
que todo mundo veja que elas estão olhando os
quadros com atenção.
DIÁLOGO COM O COLECIONADOR GILBERTO CHATEAUBRIAND,
COLECIONADOR DE ARTE. 1967

164
Formas de lideranca
´

U m revés é um infortúnio mas, para evitar que


nos cause traumas individualmente desneces-
sários e coletivamente desastrosos, devemos sem-
pre procurar remediá-lo com censuras e punições
nos subordinados.
HIERARQUIA. 1963

C om alguma habilidade e senso de organização


pode-se transformar uma rendição numa difi-
culdade tão grande para os vencedores que, breve,
eles terão se arrependido da vitória.
LIÇÕES TÁTICAS. 1958

A queda de um chefe não deve ser encarada


como uma desgraça para nós, mas como uma
promoção.
INTERPRETAÇÕES. 1978

S hakespeare afirmava que o mundo é um palco.


Faltou dizer: de fantoches.
ILUSÕES. 1957

N a mais feroz ditadura, na mais violenta e con-


trastante sociedade, as lideranças funcionam
em pirâmide, acabando num líder, num führer,
num condottieri – num homem só. Negativo ou

165
positivo, eleito ou imposto, sua personalidade
condiciona um estilo tribal, nacional ou mundial.
A falta de liderança é a inação ou o caos. Se Moisés
acreditasse em plebiscito os judeus até hoje ainda
estariam no Egito.
CONVERSA COM SÉRGIO FIGUEIREDO, JORNALISTA. 1962

Q ue haja seres humanos melhores do que


outros, física, psíquica e intelectualmente, e
que sirvam de exemplo para esses outros. Mas que
essa supremacia seja medida por pontos, médias e
notas, é uma mistificação que leva fatalmente aos
concursos de misses, onde a beleza é medida com
réguas e esquadros, ou às piscinas de natação,
onde um atleta, por ter chegado à frente do outro
uma fração de tempo que tem que ser medida em
relógios eletrônicos, vira um super-herói, milio-
nário, cercado de pompas e circunstâncias, en-
quanto milhares de outros pelo mundo afora, na-
dando exatamente a mesma coisa (minus a fração
eletrônica), passam sem atenção, sem considera-
ção, no total anonimato.
RECADO A FEOLA, TÉCNICO DE FUTEBOL. 1971

A liderança é sempre indispensável e, mesmo


quando ditatorial, pelo menos orienta, influi
e impõe. O quorum, necessário para equilíbrio de
qualquer grupo, é, geralmente, a incapacidade
individual multiplicada pelo número regulamentar.
DISCUSSÃO DE BALANÇO DA CODECRI (COMITÊ DE DEFESA DO
CRIOLÉU, EDITORA DO PASQUIM) LTDA. 1972

166
N uma biografia moderna destinada ao sucesso
junto às massas, é necessário você colocar
fatos que indiquem uma vida sacrificada, dificulda-
des de estudo, impossibilidade de alimentação, soli-
dão e abandono. Jamais caia na bazófia e, mesmo
que você seja forte, saudável, e tenha sido cercado
de carinho a vida inteira, não o deixe transparecer.
Qualquer liderança lhe fugiria se descobrissem que
você é um homem extraordinário. Um líder tem
que ser extraordinariamente comum.
CONVERSA COM PAULINHO GARCEZ, FOTÓGRAFO. 1967

O esforço social, praticado por homens de elite,


exige destes uma extrema generosidade pois,
não tendo a ganhar senão a realização pessoal, têm,
materialmente, tudo a perder dentro do sistema
em que foram gerados e educados. Uma das con-
tradições da cultura burguesa é que ela não só
não resolve nossos problemas como faz com que
possamos ser presos por causa dos problemas no
Extremo Oriente.
OBRAS COMPLETAS. 1970

E m qualquer caso, circunstância, por pior que


seja, por mais estranha, esdrúxula, visivel-
mente errada ou visceralmente destinada ao
fracasso, a conduta dos superiores é sempre impe-
cável e digna dos maiores encômios.
CONVERSA COM GLAUCO OLIVEIRA, JORNALISTA. 1973

167
J usta ou injustamente, não sei por quê, me vem
sempre à cabeça a imagem do desaparecido
Cienfuegos, herói cubano. Mas toda revolução vi-
toriosa paga seu preço de injustiças e até mesmo
crimes contra os que ajudaram a criá-la. Diante do
herói incômodo só resta um recurso – fuzilá-lo e
erguer-lhe uma estátua.
COMO LIDAR COM AS CONTRADIÇÕES SOCIAIS. CONVERSA COM
ORIANA FALACI, ROMA. 1965

C ontinuo acreditando na força do indivíduo


diante das circunstâncias e na das circuns-
tâncias diante do indivíduo. Ou seja, em nada.
Ou melhor, em tudo. Se Calabar tivesse vencido
estaríamos agora numa comunidade muito mais
ampla – a espanhola (já que ninguém aqui no
Brasil jamais iria aprender a falar holandês). E tem
mais: na comunidade espanhola eu comeria paella
todo dia – comida que adoro. Calabar perdeu, que
é que sobrou? Bacalhau à Gomes de Sá. Por falar
nisso: quem foi Gomes de Sá?
CONVERSA COM SÉRGIO RODRIGUES, ARQUITETO, NO AO
TIMPANAS. 1971

O difícil é você se livrar dos idiotas que pre-


tendem lutar ao seu lado interpretando a sua
negação da cultura dominante como uma
afirmação de louvor à ignorância.
CONVERSA COM CÉSAR THEDIN, ARQUITETO. 1963

168
S ó existe uma regra definitiva: não há regras
definitivas.
CONVERSA COM RENATO CONSORTE, ATOR. 1963

T oda revolução fracassa por se esquecer, afinal,


de que o homem tem uma suprema ambição
social e política: voltar pra casa.
CONVERSA COM ODUVALDO VIANA FILHO, ATOR, DRAMATURGO.
1965

169
Formas de opressao
~

P rimeiro o troglodita ordenou à mulher que


não saísse mais da gruta porque cá fora era
muito perigoso, e dividiu o mundo em duas meta-
des: metade dominadores e metade dominados.
Depois, quando lhe nasceram os filhos, ele orde-
nou à mulher que cuidasse deles e a eles que obe-
decessem ao sistema de vida que sua geração tinha
criado. E o mundo ficou dividido em um terço de
dominadores (homens) e dois terços de domina-
dos (mulheres e crianças). Aí o troglodita encon-
trou homens como ele mas, como tinham a cor
da pele diferente, gritou que eram inferiores e
aprisionou-os. E aí o mundo ficou dividido em
um sexto de dominadores, dois terços de domina-
dos (mulheres e crianças) e um sexto de domina-
dos pelos dominadores e dominados. Para facilitar
foram chamados de escravos. Mas aí, metade do
um sexto (um doze avos) dominador quis dominar
a outra metade e inventou Deus. A luta, tremenda,
terminou em empate. E a Terra foi dividida em Poder
Temporal e Poder Espiritual. E ambos concordaram
em que tinham que inventar um slogan básico para
manter todos os outros cinco sextos da humani-
dade na posição em que estavam. E criaram o maior
e mais belo slogan de todos os tempos: “O dinheiro

170
não é tudo”. E como, por mais rico que o homem
seja, não está garantido contra o desastre e o infor-
túnio, contra a doença e contra a morte, foi fácil
convencer a maior parte da humanidade (gastan-
do-se nisso, é verdade, rios de dinheiro) de que “é
mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma
agulha do que um rico entrar no reino dos céus”;
de que “no Juízo Final, os humildes herdarão a
Terra”, de que “a riqueza não traz felicidade”, ete-
cétera. Até o dia em que o Millôr chegou, olhou a
miséria em volta, trazendo como conseqüência o
analfabetismo, a sujeira, o ódio e a opressão, e
concordou tranqüilamente: “Sim, o dinheiro não
é tudo. Tudo é a falta de dinheiro”.
ANÁLISE DAS ESTRATIFICAÇÕES SOCIAIS. TESE DEFENDIDA NA
FACULDADE DE PESQUISAS SOCIAIS DETORONTO. TÓQUIO. 1961

C om mais de 70% da humanidade vivendo em


condições subumanas e, muitas vezes, subani-
mais, pode-se dizer que todo cidadão, ao nascer,
adquiriu o direito inalienável a 60 anos de prisão.
CONVERSA COM O JORNALISTA PEDRO GOMES. 1971

N o sistema em que vivemos, numa organiza-


ção injusta e desequilibrada, todo homem tem
direito apenas à busca da infelicidade.
CONSTITUIÇÕES. 1950

N uma democracia todos são (presumivel-


mente) iguais perante a lei. Numa ditadura
todos são iguais ante a polícia.
CONVERSA COM GEORGE TAVARES, ADVOGADO. 1971

171
O ditador Selassié, o rei dos reis, o mais antigo
rei do mundo, de uma dinastia que vem do
início dos tempos; Mao, o comunitário absolutista,
cuja dinastia começa em si mesmo; Nixon, eleito
pelo povo, e todos os outros, Tito, Fidel, Chiang-
Kai-Chek, Papadopoulos, Marcelo Caetano, acre-
ditam e provam que o homem é o lobo do homem,
tem que ser governado com mão de ferro porque
é perigoso e irredimível. Portanto, em dúvida, não
saia de casa.
CONVERSA COM LAN, DESENHISTA. 1970

A burocracia, que poucos se recordam vir da


palavra bureau, mesa ou secretária, acaba se
resumindo nisso mesmo: um móvel atrás do qual
se senta uma pessoa que detesta fazer aquilo que
faz mas fará tudo para fazê-lo da maneira mais
demorada e complicada, a fim de se dar uma im-
portância que jamais teria se realizasse a tarefa
com a simplicidade e a rapidez que ela requer.
MINISTROS E SUAS FUNÇÕES. 1963

A burocracia – “um mecanismo gigantesco


controlado por pigmeus” – é um exército
imenso e sempre crescente de funcionários públicos
e particulares, diplomatas, contadores, contínuos,
escrivães, coletores de impostos, multadores pro-
fissionais e atravancadores de profissão que, sen-
tados atrás de um buro, impõem a todos a sua
execrável cracia.
DISCUTINDO COM PAULA, FILHA. 1982

172
D entro da faixa de possibilidades sociais que
lhe são dadas, o homem não tem fuga. Em
média, se não for atropelado ficará no desemprego,
se não ficar desempregado vai pegar um enfisema,
será humilhado, abandonado pela mulher, arre-
bentado sentimentalmente pelos filhos, mordido
de cobra, ficará impotente e, mesmo escapando
de tudo, ficará velho, senil, babando num asilo.
O mundo não tem lugar senão para um terço da
humanidade.
DISCURSO NUM JANTAR NO PORTO, PORTUGAL. 1973

E m determinados países como o nosso, neste


momento da história, assaltado ou violen-
tado, é melhor não gritar por socorro – corre-se
o risco de atrair a polícia.
CONTATO COM CÍCERO SANDRONI, JORNALISTA, ESCRITOR. 1962

E m vez de deblaterarem contra o serviço domés-


tico – que alguém, afinal, tem que executar e
não é mais indigno do que inúmeros outros afa-
zeres masculinos – as mulheres deviam lutar pela
dignificação do trabalho doméstico através da sin-
dicalização e obtenção de seguros sociais para as
empregadas, e uma participação efetiva (para uso
próprio) da dona de casa no salário do marido.
Com 20% do salário bruto do marido como seu
salário de administradora doméstica (um traba-
lho menos árduo do que muitos outros exercidos
pelo homem mas que requer uma competência

173
extraordinária) a imagem da mulher passaria de
mantida (como se o homem fizesse um perma-
nente favor em sustentá-la) para a de uma trabalha-
dora especializada, em pé de igualdade com o
marido que, ao fim e ao cabo, não deve ficar com
muito mais (se fica) de 20% do salário para suas
despesas pessoais. As mulheres de regiões pobres
seriam as mais beneficiadas em sua dignidade pois,
embora a princípio fosse difícil ou impossível
controlar o seu pagamento, com o passar do tempo
isso se tornaria uso e costume, ato de elevação social
e igualização com os homens.
ENTREVISTA COM BETTY FRIEDAN, LÍDER FEMINISTA. PASQUIM. 1970

D entro dos critérios da classe média brasileira


há vários estilos de serviço à mesa, os prin-
cipais sendo o serviço estilo português ou italiano,
em que os pratos são todos postos na mesa e cada
um se serve ou a dona da casa serve a todos; o ser-
viço americano, em que os pratos são todos colo-
cados numa aparadeira e cada convidado se serve,
sentando posteriormente onde bem entender ou
em mesas determinadas, e o serviço à francesa, em
que um servidor traz as bandejas de comida uma
em cada mão, os convidados retirando a comida
que querem pela esquerda. Esse tipo de serviço,
odiosamente snob, humilha os criados modernos
(pois torna visível a sua incompetência) e deixa
inconfortáveis os convidados, que acabam se ser-
vindo menos do que pretendem, com o medo,

174
sempre presente, de jogar tudo no chão. Servir à
francesa em país subdesenvolvido, com empregados
sem qualquer especialização e ganhando salários
miseráveis, é uma ostentação ridícula.
ADMINISTRAÇÃO DOMÉSTICA. 1967

E por que não se admitir que o filho de um


milionário continue milionário, se se admite
que milhões de filhos de trabalhadores mante-
nham uma posição de hierarquia tradicionalista e
continuem a ser trabalhadores?
CONVERSA COM DALVA GASPARIAN, FILÓSOFA PAULISTA. 1973

A pressão da sociedade de consumo foi levada


a tais extremos que os presentes de Natal já
não os damos por generosidade mas por medo.
DIÁLOGO COM VERA HIME, PROMOTER. 1972

S ó quando chegarmos ao dia da meritocracia,


as pessoas serão avaliadas independente-
mente de suas características, idade ou sexo.
Porque isso (ainda?) não é possível, a lei tem que
determinar um dia exato na vida individual em
que a sua irresponsabilidade quase total passa para
uma responsabilidade absoluta. Um homem pode
“seduzir” uma moça em 18 anos mais um dia sem
que a lei o persiga e não pode fazer o mesmo a uma
moça com 18 anos menos um dia. Um homem
estúpido pode ser presidente da Nação porque tem
mais de trinta e cinco anos, mas um homem de
34 e 364 dias não pode ocupar esse posto por mais

175
genialmente bem dotado que seja. As leis rígidas
já trazem dentro de si o germe da insurreição.
DIÁLOGO COM GERALDO DE FREITAS, JORNALISTA. 1968

C omo acreditar que todos os homens são iguais


perante a lei se uns são condenados a morrer
de indigestão e outros a morrer de fome?
NOTA INTRODUTÓRIA AO PEDIDO DE CASAMENTO DE UMA TIA.
1947

S e os resíduos psíquicos fossem materiais, nas


grandes cidades não haveria esgoto que bas-
tasse.
CONVERSA COM OSCAR CASTRO NEVES, MÚSICO. 1965

O mal da censura é que ela não tem função


crítica, atingindo a todos nociva e indiscri-
minadamente. Para proibir uma pessoa de fumar
é preciso, antes de tudo, saber se ela fuma.
CONVERSA COM ZIRALDO, HUMORISTA, NA ARQUIBANCADA DO
MARACANÃ. MAIO. 1968

N ão convém desesperar se os tempos são difí-


ceis, se a época cresce em restrições e purita-
nismo. Com todas as limitações que imponha, ne-
nhum Estado jamais vai conseguir fazer com que
os meninos não nasçam com o pirulito de fora.
CONVERSA COM JAIME BERNARDES DA SILVA, EDITOR. 1972

O anarquista se revolta contra ser governado.


Não ser governado por este ou aquele sis-
tema, mas contra o fato mesmo de ser governado

176
Pois ser governado é ser “guardado à vista, ins-
pecionado o tempo todo, espionado, legislado
absurdamente, regulamentado, condicionado,
doutrinado, estampilhado, censurado, coman-
dado por elementos que não têm títulos para isso,
nem capacidade, nem ciência, nem virtude”. Ser
governado é, a cada operação, a cada transição, a
cada gesto, “ser registrado, tarifado, timbrado,
recenseado, cotizado, patenteado, licenciado,
apostilhado, admoestado, intimado, intimidado
e corrigido”. É, em nome da utilidade pública e do
interesse geral, ser obrigado a contribuir. É ser
explorado, monopolizado, pressionado, mistifi-
cado, roubado. E, à primeira palavra de protesto,
ao primeiro gesto de resistência, ser reprimido,
vilipendiado, envergonhado, difamado, desar-
mado, aprisionado, fuzilado, metralhado, gui-
lhotinado, julgado, condenado, deportado,
sacrificado, vendido, traído. Só um idealista
enlouquecido consegue sobreviver a essa visão
do mundo.
COMO SOBREVIVER. 1956

A punição funciona não só em relação ao crime


mas também ao pecado, ao vício, ao erro e ao
descuido e omissão. De acordo com o tipo de
desvio, a autoridade punitiva passa a ser a Família,
o Pai, a Sociedade, a Polícia, ou simplesmente o
Mais Forte, ou Deus (um pouco afastado, hoje).
DIREITOS E DEVERES. 1956

177
A censura começa por textos escritos e acaba
proibindo os próprios escritores de circula-
rem.
LIBERDADE, LIBERDADE. 1965

N a Tragédia Grega os inimigos do povo sempre


sofrem tremendas crises de remorso e aca-
bam apanhados por alguma indiscrição, pois sen-
tem-se obrigados, voluntariamente, a denunciar,
numa ação de catarse (método precursor da
lavagem cerebral, inventado por Aristóteles), a
ação indigna que cometeram contra a moral, o
sistema de governo ou os costumes vigentes.
FLORINDA BOLKAN, ATRIZ. 1972

O pior da censura é que ela não só cala as poucas


vozes dissidentes mas desperta nas outras um
extraordinário desejo de subserviência.
CONVERSA COM WILSON AGUIAR, JORNALISTA. 1968

S e os ignorantes forem suficientemente fortes


acabam impondo tudo o que querem. Como
os colonizadores eram sempre ignorantes e pode-
rosos, acabavam impondo sua língua aos nativos.
CONVERSA COM RODOLFO NEDER, PUBLICITÁRIO. 1987

178
Individualismo.
Positivo e negativo

A lém de oito, dez, doze horas de trabalhos


diários, você ainda se preocupa com as possi-
bilidades (impossibilidades) de seu próprio futuro.
Se é extremamente moço encara, com uma certa
angústia, os velhos que passam. Se é velho pensa,
dia a dia, no dia imediato, você mais velho e mais
marginalizado do processo existencial. O dinheiro
falta ou, se não falta, pode vir a faltar. A mulher
possuída pode desaparecer amanhã levada pelo
ímpeto de uma outra paixão. Se não lhe aconteceu
até agora nenhum desastre físico, nenhuma muti-
lação importante, você, estatisticamente, está mais
sujeito a ela a cada hora que passa. E desfilam, à
sua frente, um cego, um idiota, um traído, um
monótono, um nojentamente gordo, um tisica-
mente magro. Mas para que se preocupar tanto?
O cadáver é que é o produto final. Nós somos
apenas a matéria-prima.
SOBRE “MANEIRA CORRETA DE ENFRENTAR AS CONTRADIÇÕES
EXISTENCIAIS”. DISCURSO NA UNIVERSIDADE DO MEYER. 1945

N ão tenho, não tenha ilusões. Se Cristo ou


Marx ressuscitassem iriam abjurar tudo que

179
se faz em seus nomes. Aliás, nem Cristo era cristão
nem Marx marxista. Seria uma megalomania
insuportável.
OBRAS COMPLETAS. 1970

P ela fórmula geral de comportamento, pelo


modismo levado ao extremo, repetição de
hábitos e gestos e uma linguagem reduzida a mo-
nossílabos, a impressão é que a liberdade que todos
almejavam era apenas a de se copiarem uns aos
outros.
CONVERSA COM GERALDO CARNEIRO, JORNALISTA, HOMEM DE
TELEVISÃO, POETA. 1980

O homem que, enquanto é pobre, pensa mais


nos outros do que em si próprio, jamais,
obviamente, chegará a ser rico. Nos estágios ini-
ciais da vida econômica é fundamental preservar
ao máximo nossas reservas naturais de egoísmo e
cupidez, combatendo violentamente qualquer
sentimento de generosidade ou espírito humani-
tário que teime em nos aparecer. Esse tipo de pro-
cedimento tem um alto conteúdo social pois, uma
vez milionário, você poderá praticar a generosidade
e a filantropia em escala muito mais ampla e, além
disso, deduzi-las do Imposto de Renda.
CONVERSA COM PAULO MERCADANTE, ECONOMISTA. 1969

A idade traz compensações que devem ser


aproveitadas. Nadador medíocre, não nadar
bem não me humilha mais. Quando saio do mar

180
ou da piscina já tenho idade suficiente para adotar
um ar de ex-nadador entediado.
CONVERSA COM YLLEN KERR, JORNALISTA, FOTÓGRAFO, ATLETA.
1973

A fuga à civilização não é uma solução civilizada.


O fundamental é não confundir isso que te-
mos com civilização, mas criar uma de verdade,
em que se possa viver no confronto do outro ser
humano, gozando o lado positivo da ciência e da
tecnologia. O homem é gregário, embora não tão
gregário quanto o obrigam a ser. A civilização atual
é desagradável e imprópria, as aglomerações são
excessivamente aglomeradas, a superpopulação
enche os locais mais bonitos do mundo. Mas basta
você tentar ir a locais vazios e distantes, calmos e
solitários para descobrir logo que os únicos lugares
freqüentáveis são os lugares muito freqüentados.
DIVAGAÇÕES COM CORA RÓNAI, JORNALISTA. 1988

T odo homem é seu valor dividido pela sua au-


to-estimativa.
DESTINO INDIVIDUAL. 1965

S empre ouvi falar do grande mudo, aquele


homem lacônico ou totalmente silencioso,
imagem de prudência e sabedoria inabalável, con-
traposta à do boquirroto e parlapatão, por defini-
ção um leviano total. Mas, na prática, embora o
homem calado constitua, numa reunião ou ação,
figura mais ameaçadora do que o que fala muito e

181
acaba, via de regra, se revelando mesmo é um sau-
dável idiota. Quem tem algo a dizer não consegue
se conter durante muito tempo. Mas, cuidado: as
pessoas que falam muito são inclinadas a contar
coisas que ainda não aconteceram.
IDEM, P. 1.089

A lei e a ordem. Isso significa que você deve


sempre diminuir um pouco a marcha e veri-
ficar se não há nenhum guarda por perto, antes
de avançar o sinal. Só.
DIÁLOGO COM HÉLIO FERNANDES, JORNALISTA. 1964

A necessidade de respeitar a massa não exclui o


esforço de sair dela se afirmando como
indivíduo. O medíocre, no seu lato senso, é evitável
e deve ser evitado. O homem se afirma quando se
cura da normalidade.
DIÁLOGO COM PAULO FRANCIS, JORNALISTA, POLEMISTA. NOVA
YORK. 1973

C onceito para o aderente universal: você pode ser


a favor de todas as pessoas algum tempo. Você
pode ser a favor de algumas pessoas todo o tempo.
Mas você não pode ser a favor de todas as pessoas
todo o tempo.
PARA AS ALUNAS DO COLÉGIO STELA MARIS. 1958

N ão espere melhorar seu trabalho ou sua per-


sonalidade através de uma crítica exterior.
Seus melhores amigos jamais lhe dirão tudo que

182
pensam de você ou só o farão em momentos de
exaltação pró ou contra, tornando a crítica não
confiável. Ninguém jamais lhe dirá as coisas
amargamente terríveis que você mesmo inúmeras
vezes se diz, às três horas da manhã, no escuro do
próprio quarto, a cabeça mergulhada no traves-
seiro. Só existe uma crítica: a autocrítica.
CONVERSA COM PAULO GRACINDO, ATOR. 1973

C uidado, porém, com a inação provocada por


uma autocrítica exagerada, levada a extremos
masoquistas. A autocrítica tem que ser pró com a
mesma profundidade com que é contra. Você tem
que parar no balanço geral e dizer para si próprio:
“Não, isto eu fiz bem”. “É. Aqui eu estava certo’.
“Sim, por aqui eu vou que o caminho é só meu”.
DIÁLOGO COM CLÁUDIO CORRÊA E CASTRO, ATOR. 1970

V ida política: um ato permanente de dedicação


para o bem e para o mal, 24 horas por dia,
trabalho, sangue, suor, privação, lágrimas ver-
dadeiras e sorrisos falsos. Pelo bem do povo? Tem
muitos que nem sabem o que é isso. Para enri-
quecer? Muitos não se importam com o dinheiro
ou já são ricos. Para aparecer o tempo todo? Há
detentores do poder que têm como sua maior
vaidade a modéstia e realmente detestam aparecer.
Por quê?
PODER É QUERER. 1973

183
O cara que não reage é extremamente desa-
gradável e dá a você a responsabilidade de uma
posterior auto-análise cansativa e cheia de remorso.
CONVERSA COM GONÇALO IVO, PINTOR. 1991

N a autocrítica, análise de si mesmo por si pró-


prio, quem é o superior – o julgador ou o
julgado? Aquele que foi e agora dá vez e direito ao
outro de julgá-lo ou o outro por se achar mais
avançado no tempo em relação ao julgado?
CONVERSA COM BERNARDO SILVEIRA, HOMEM DE SOCIEDADE.
1972

O único democrata autêntico que conheci em


minha vida foi o Papa Doc, do Haiti. Fuzilava
inimigos, amigos e até parentes com absoluta
imparcialidade.
CONVERSA COM PAULO GARCEZ, FOTÓGRAFO. 1971

D epois de tantos anos de vida, por consciência,


temperamento ou até mesmo por cansaço, des-
cubro que sou e continuo sendo um democrata.
Alguém tinha que ser.
CONVERSA COM FLÁVIO DAMM, FOTÓGRAFO. 1973

E m toda parte onde ando, neste pequeno mun-


do, Grécia, Espanha, Portugal ou Suíça, vejo
bandos de japoneses e só japoneses em bando.
Estou convencido de que não existe o japonês indi-
vidual.
CONVERSA COM MARIA KOUTSIKOS, EMPRESÁRIA DE MODA.
FLORENÇA. 1968

184
N ão há homens puros. Mas todo homem tem
seu núcleo de pureza quase nunca descoberto
e pouco suspeitado.
CONVERSA COM LUCIANA VILLASBOAS, JORNALISTA, EDITORA. 1987

E´ isso: aprendemos que a vida é feita de coisas


essenciais. E achamos razoável uma certa irri-
tação e uma certa perplexidade diante das mil
frescuras (muletas) que se inventaram ou cresce-
ram nos últimos anos: a psicanálise, as “ondas”
sócio-metafísicas, as curtições religiosas de toda
espécie.
CONVERSA COM OSWALDO ROCHA, DIVULGADOR
CINEMATOGRÁFICO. 1970

185
Vicios
´ e
abstinencias
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S e não fossem os grandes bêbedos – para não


falar dos grandes homossexuais – o Império
Britânico jamais teria conquistado a sua majestade
histórica, o seu imenso lugar no mapa (dos outros).
A tradição heróica e a vastidão geográfica da Ingla-
terra não foram feitas com contenções puritanas,
abstenções etílicas e rigores antialcoólicos. Em
cada leme de bergantim, em cada proa de brigue,
em cada ponte de fragata, o que a nossa memória
nos lembra não é a figura do almirante uniformi-
zado e solene, digno, áspero e reto, mas, ao contrá-
rio, a de um pirata de galé, barbudo e sujo, roufenho
e rude, uma garrafa de brandy vagabundo na mão,
um papagaio no ombro, uma mulata (às vezes um
mulatinho) do Caribe a tiracolo, berrando a seus
homens, criminosos e párias, quase todos tam-
bém devidamente aquecidos pela bebida, para que
contenham os cabos e recolham as velas que va-
mos atravessar o cabo Horn e essas ondas de trinta
metros que vêm aí não são de nada.
COMO SE FAZ UMA COLETIVIDADE. ARENGA NA PRAIA DO CAJU.
1972

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O escritor americano Gore Vidal afirma que se
vamos medir pelo número de vezes, quanti-
tativamente, então o único ato sexual realmente
normal é a masturbação. Eu, por mim, que sou a
favor de alguma mitificação sexual (sem isso o sexo
vira um ato puramente animal) e contra todos os
tabus, tenho que, de todas as taras sexuais, a mais
estranha é, sem dúvida alguma, a abstinência.
ENCONTRO COM CARLOS IMPERIAL, MÚSICO, E JECE VALADÃO,
ATOR. 1969

E´ preciso uma certa tranqüilidade na aprecia-


ção dos vícios condenados pela sociedade de
consumo. Algumas drogas, longamente combati-
das, como o fumo, foram assimiladas no momento
em que a indústria capitalista viu nelas fonte de
lucro. As acusações ao alcoolismo partem de fontes
suspeitas e, inúmeras vezes, voltadas para a violên-
cia, nacional e internacional. Uma coisa é defini-
tiva a favor dos bêbados: nunca ninguém viu cem
mil bêbados de um país querendo invadir outro
país para estraçalhar cem mil bêbados inimigos.
NA MISSA DE AÇÃO DE GRAÇAS PELO 15º ANIVERSÁRIO DOS
ALCOÓLICOS ANÔNIMOS DE PATI DO ALFERES. 1967

S e você beber duas doses de uísque durante


29.200 dias, terá bebido exatamente 3.000
garrafas de uísque. E, o que é melhor, estará com-
pletando oitenta anos.
COMO MODERAR OS EXAGEROS. 1970

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O homem é um animal como outro qualquer,
só que naturalmente muito mais desenvol-
vido, isto é, muito pior. Para sobreviver e manter
o próprio ciclo vital, pouco se importa de deterio-
rar ou destruir o que lhe está em volta. Come carne
(oriunda da morte de outros animais), ou ovos (o
que impede o nascimento de outros animais), ou
sementes (o que destrói inúmeras futuras vidas
vegetais). O único produto da natureza que é pura-
mente alimento, o leite, o homem abandona assim
que começa a engatinhar no mundo.
O PIOR ANIMAL. 1965

S em ter aplicação para sua energia vital, o grã-


fino (burguês finamente educado para a abso-
luta inutilidade) aplica todo o seu tempo, artifi-
cialmente, em encontros sem profundidade ou
objetivo. Dessem a qualquer um de nós, trabalha-
dores braçais, que nos divertimos imensamente com
a variação e escopo de nossas atividades, a obrigação
de comparecer, seis meses seguidos, diariamente, a
essas festas e reuniões a que os grã-finos compare-
cem, tendo que ouvir conversas sem interesse e
conversar frivolidades com mulheres dessexuadas
na sua busca frenética de sexo, e morreríamos de
tédio ou urticária. Além disso, a vida de “sociedade”
afasta as pessoas em vez de juntá-las, desidrata as
relações pessoais, artificializa os contatos entre
parentes, irmãos, pais e filhos. O preço da badalação
é a eterna solidão.
DECLARAÇÃO AOS EMPREGADOS DA COZINHA DE TEREZA DE SOUZA
CAMPOS, MULHER DE SOCIEDADE. 1961

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P or mais hábil que seja, o jogador acaba sem-
pre perdendo, na corrida longa. O jogo está
sempre acima do jogador.
CONVERSA COM LEON ELIACHAR, JORNALISTA, HUMORISTA. 1954

E´ fundamental resistir às tentações. O sábio é


sermos nós os tentadores.
CONVERSA COM TUCA MAGALHÃES, ADMINISTRADORA. 1971

189
Guerra e paz

S empre houve no mundo libertações, mas a


palavra-chave Libertação só começou a ter
curso corrente por volta de 1940, quando povos
começaram a ser arrancados do domínio de alguns
países para serem colocados sob o domínio de Hitler
e depois (1945), depois foram arrancados de Hitler
para serem colocados sob o jugo de outras variadas
nações. Daí em diante o uso da palavra Libertação
ficou tão popularizado que, sempre, ambas as
partes em luta (sem contar os próprios libertados,
divididos em grupos, cada um procurando uma
libertação diferente) apregoam estar libertando
determinada região ou povo das garras do outro
libertador. Na prática, um país se diz libertado no
exato momento em que está sendo conquistado. E
se afirma que é livre quando menos liberdade existe
para se dizer que ele não é. Há uma grande disputa
para se saber qual é o país mais libertado do mundo:
se a Hungria, a Polônia ou a Tcheco-Eslováquia.
ENCONTRO COM LUÍS LOPES COELHO, ADVOGADO, PRECURSOR DO
ROMANCE POLICIAL BRASILEIRO. 1958

A confusão em torno da paz e do que é paz criou


expressões estranhas como a “paz para ter-

190
minar todas as pazes”, cinismo realista paralelo à
utopia desvairada que se chama a “guerra para ter-
minar todas as guerras”. A primeira, permanente
desde que a “humanidade” se chamou, errada-
mente, assim, é, na realidade, um acordo cheio
de injustiças e impossibilidades práticas, onde
cada parágrafo torna-se motivo de novas disputas
assim que os combatentes estão refeitos. A “guerra
para terminar todas as guerras” é, porém, a hostili-
dade e as lutas destinadas a estabelecer relações
definitivas entre grupos, regiões e países, “evitando
qualquer guerra futura”. Como se pode facilmente
concluir, uma guerra justa.
DA HIPOCRISIA INTERNACIONAL. 1961

Q uanto à possibilidade de catástrofe final, o


fim da humanidade através de explosões
nucleares, explosões demográficas ou epidemias,
isso só existe para os observadores a curto prazo,
esquecidos de que, através do homem ou mesmo
sem ele, a natureza tem sempre, prontos a servi-la,
seus mecanismos auto-reguladores. As explosões
demográficas são meras compensações para as
explosões nucleares. E vice-versa.
CONVERSA COM JOEL SILVEIRA, JORNALISTA, REPÓRTER. 1973

N ão há nação boazinha, nem mesmo nação


“amiga”. Mais do que na relação individual, a
relação entre nações é ditada pelo interesse e esse
interesse é reconhecido como válido e legítimo.

191
Esse tipo de emulação, inevitável até o dia do inter-
nacionalismo final, da ausência total de fronteiras
(que vai chegar mais por influência da tecnologia
do que de uma melhora da humanidade), é a causa
de todos os conflitos e de todas as guerras. E faz
com que um país só tenha autoridade para entrar
numa conferência de paz se estiver muitíssimo
bem armado.
GOVERNOS DE COALIZÃO. 1965

A s guerras deveriam ser evitadas, senão por


outro motivo, pelo motivo mesmo do desper-
dício econômico que representam. Enquanto
milhares de homens se aniquilam nas frentes de
batalha, uns poucos na retaguarda enriquecem
mais do que nunca. Tome-se a guerra do Vietnã.
Nunca, no campo dos conflitos humanos, tantos
deram tanto dinheiro a ganhar a tão poucos.
RETIFICANDO O ESTILO DA VIDA COMUNAL. 1965

A Bomba Atômica, explodida a todo momento


por mais uma nação neurótica e odienta que
não quer ficar em inferioridade na corrida do
Apocalipse, traz porém consigo uma esperança.
A de eliminar de uma vez por todas a causa fun-
damental de todas as guerras: o ser humano.
DIÁLOGO COM JOMICO AZULAY, CINEASTA. 1965

T oda a história dos brancos (leia-se os que detêm


o poder nos últimos séculos) trata com infinito
desprezo e imensa superioridade os sacrifícios

192
feitos às divindades pelos povos primitivos. E, no
entanto, os brancos não fazem nenhuma trans-
missão de poder, nenhuma disputa de mercados,
nenhum domínio territorial, sem imensos sacri-
fícios a seus deuses econômicos que, sanguinários
e insaciáveis, só aceitam as vidas mais jovens dos
países que os protegem.
CONVERSA COM JORGE ZAHAR, EDITOR. 1969

P or necessidade ou não, enquanto as guerras


se tornaram mais e mais violentas, com muti-
lações civis cada vez em maior número e mais hor-
rendas, dirigi-las é cada vez mais confortável e se
faz de locais cada vez mais distantes da conflagra-
ção. Na próxima guerra, sem dúvida alguma, o úni-
co lugar seguro – se houver algum – será o centro
de decisões militares. Os estrategistas deverão, obri-
gatoriamente, colocá-lo fora do alcance das bombas
atômicas. Isso nenhum estrategista jamais conse-
guirá fazer com as cidades, onde vivem os civis.
PALESTRA NA TV DE PIRAPORA. 1970

U ma superpotência não tem condições de fazer


uma paz rápida, devendo se preparar para ela
mais lentamente do que se preparou para a guerra.
Pior do que a perda de vidas jovens e a concentra-
ção maciça de bens econômicos num conflito é a
volta repentina, para um país, de centenas de milha-
res de combatentes. Nenhum país resiste a uma
súbita inflação de civis.
CONVERSA COM CARLOS LEONAM, JORNALISTA. 1972

193
A violência no mundo inteiro só tem um fator
positivo – tornou mais apaixonante o estudo
da geografia.
CONVERSA COM CLARICE LISPECTOR, ESCRITORA. 1973

O cavalo de Tróia foi um presente de paz.


Os gregos só não fizeram uma pomba por-
que nas proporções de uma pomba não cabe uma
divisão de infantes. Mas o exemplo de paz como
camuflagem já era velho. A palavra paz sempre
camuflou propósitos violentos. Tínhamos a pedra
da paz, sobre a qual se faziam sacrifícios huma-
nos. A Paz do Rei, armistícios de um dia, para não
perturbar os festejos, Natal, casamento e nasci-
mento de poderosos. Depois veio a “paz a qualquer
preço”, de Luís Filipe, símbolo da suprema covar-
dia, compromisso pusilânime, cujo exemplo maior
é a Paz de Munique (hei, Chamberlain velho de paz!),
concessão nefasta, baseada na crença de que se você
alimenta muito bem um tigre com carne de vaca
ele acaba mugindo e dando leite. Sem falar na
milenar Paz de Judas, falso beijo fraternal indicando
aos verdugos quem era quem entre os apóstolos.
CONVERSA COM CRISTINA ZAHAR, EDITORA. 1983

A paz no Vietnã é uma pomba estranha, des-


confiada e nada confiável. Improvável, triste,
manca, depenada, no bico um ramo seco e desfo-
lhado. Está para a verdadeira Pomba da Paz assim
como um vôo charter está para a grande aventura.
QUE PAX? CONVERSA COM FORTUNA, DESENHISTA, HUMORISTA. 1973

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A té hoje um mundo irracional só conhece a paz
da redução latina: “si vis pacem para bellum”,
a nenhuma credibilidade da paz, aquela que
aconselha estar sempre armado e preparado, a paz
do respeito, que é o bom, do temor, que é funda-
mental impor ao adversário. Stálin sabia disso
melhor do que ninguém, quando, já bastante
irritado com os protestos “morais” de Pio XII,
exclamava numa reunião do Soviet Supremo:
“Afinal de contas, quantas divisões tem esse papa?”
IDEM. 1973

A s ruínas dos templos gregos não são devidas a


construção de má qualidade, mas sim à infil-
tração dos ingleses, como eram chamados os ame-
ricanos do século XIX, que levaram a maior parte
da Grécia para os museus de Londres.
MENSAGEM A ARNOLD TOYNBEE, HISTORIADOR. 1972

E fique dito que não pretendemos provar


nada com tudo o que fizemos ou não fize-
mos, escrevemos ou deixamos de escrever. A não
ser que o ser humano está acima (e abaixo tam-
bém) de todas as teorias e previsões e que há,
soltas no mundo, palavras demais, não querendo
dizer absolutamente nada.
CONVERSA COM WALTER SALLES, CINEASTA. 1992

O Homem é um animal inviável.


DISCURSO DE POSSE NA DIREÇÃO DE O PASQUIM. 1972

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