CDU 22.06
ISBN 978-85-7528-487-2
Editoração: Roseli Menzen
Supervisão de Impressão Gráfica: Edison Wolf
Gráfica da ULBRA
1
CARSON, Donald A. Teologia Bíblica ou Teologia Sistemática? Unidade e diversidade no Novo Testamento.
Tradução de Carlos Osvaldo Pinto. São Paulo: Vida Nova, 2001, p.23.
2
Os termos diacrônico e sincrônico são mais familiares quando se trata da própria Teologia Bíblica ou
da Exegética. Quando se inicia um estudo exegético pela crítica literária, por exemplo, esse método é
chamado de diacrônico. Quando este estudo principia com o texto bíblico em si, o método é denomi-
nado de sincrônico. Numa analogia feita por Hiebert, ele compara a Teologia Sincrônica ao estudo de
peça por peça ou sistema por sistema de um automóvel. Quando a teologia é diacrônica, se estuda a
história desse automóvel, seus proprietários e viagens feitas. Nessa comparação, Hiebert conclui que
precisamos tanto da Teologia Bíblica como da Sistemática. HIEBERT, Paul. O Evangelho e a diversidade
de culturas. Tradução de Maria Alexandra Contar Grosso. São Paulo: Vida Nova, 1999, p.205-6.
universo, é preciso focar na Teologia Sistemática. Mas, quando queremos saber o
que está acontecendo, precisamos de uma Teologia Bíblica3.
Assim, a disciplina Tópicos Especiais em Teologia Bíblica está destinada a promover
reflexões introdutórias sobre o método da Teologia Bíblica, em comparação com
a Teologia Sistemática, e discutir temas teológicos contemporâneos e tópicos da
Escritura Sagrada à luz desse diálogo entre as duas teologias.
3
Idem, p.205-6.
SOBRE OS AUTORES
Vilson Schoolz
Introdução .............................................................................................................51
4.1 O contexto contemporâneo ................................................................................51
4.2 Presença do Pai, do Filho e do Espírito no Antigo Testamento ...............................52
4.3 A presença do Filho no Antigo Testamento...........................................................53
4.4 A interpretação cristocêntrica do Antigo Testamento na história
da interpretação ...............................................................................................54
4.5 A presença do Filho: teofanias no Antigo Testamento ...........................................55
4.6 A presença do Espírito no Antigo Testamento ......................................................59
Atividades de autoestudo ..................................................................................61
5 O PECADO ORIGINAL NAS ESCRITURAS SAGRADAS ...................................................63
Introdução .............................................................................................................63
5.1 O pecado original no judaísmo do primeiro século................................................64
5.2 O pecado como condição natural do ser humano nos ensinos de Jesus
e dos evangelistas .............................................................................................65
5.3 O pecado como condição natural do ser humano nos ensinos do apóstolo
Paulo ............................................................................................................66
5.4 O pecado como condição natural do ser humano em Tiago e Pedro .......................68
5.5 O pecado original e a antropologia dos cristãos regenerados ...............................68
Atividades de autoestudo ..................................................................................70
6 PAULO – UM TEÓLOGO BÍBLICO: O ENSINO SOBRE A JUSTIFICAÇÃO, A PARTIR
DE UMA LEITURA DE ROMANOS 3.21 A 4.8 ...............................................................73
Introdução .............................................................................................................73
6.1 Um estudo em Romanos 3.21 a 4.8 .....................................................................74
6.2 Aspectos centrais da teologia da salvação ..........................................................79
Atividades de autoestudo ...................................................................................86
7 A NOVA PERSPECTIVA SOBRE O APÓSTOLO PAULO ....................................................89
Introdução .............................................................................................................89
7.1 E. P. Sanders .....................................................................................................90
7.2 A velha perspectiva ............................................................................................90
7.3 O contexto cultural da nova perspectiva ..............................................................93
7.4 O judaísmo palestino segundo Sanders ...............................................................93
7.5 Paulo segundo E. P. Sanders ...............................................................................95
7.6 Como responder a isso tudo................................................................................97
Atividades de autoestudo ................................................................................100
9
Introdução
Há questionamentos sobre a fonte principal da Teologia Bíblica, mas é o Novo
Testamento que tem servido como referência primária. A igreja pós Novo
Testamento não possuía uma Teologia Bíblica, pois o conteúdo dos escritos
canônicos, quando bem entendido, era idêntico ao dogma da igreja e havia uma
validade universal. A tradição apostólica era passada adiante pelos líderes e
professores dos primeiros séculos.
O objetivo deste capítulo inicial é obter uma visão panorâmica da Teologia Bíblica
desde os tempos primórdios até algumas tendências teológicas dos séculos XX
e XXI. Esse escaneamento histórico tem como finalidade a familiarização com
as diferentes correntes do pensamento teológico e implicações na visão de uma
unidade teológica do Antigo e do Novo Testamentos.
1
HASEL, Gerhard. Teologia do Antigo e Novo Testamento. Tradução de Luís M. Sander e Jussara Marindir
P. S. Arias. São Paulo: Academia Cristã e Loyola, 2008, p.29-45.
12
Assim, exegese como tal praticamente era inexistente, de modo que o ensino oficial
da igreja nunca viesse a mudar. Esta abordagem alcançou sua expressão oficial
no Concílio de Trento. A Bíblia foi reconhecida como importante, no entanto, as
tradições eclesiásticas foram colocadas no mesmo nível de importância.
1.2 Reforma
Nesse período, houve um rompimento duplo: com a tradição da igreja e o seu modo
de interpretar as Sagradas Escrituras e a teologia escolástica, definida como um
movimento preocupado com a dogmática. Baseado nas premissas de Aristóteles, o
objetivo era articular, compreender, harmonizar e provar as doutrinas de maneira
racional.
Em termos hermenêuticos, a ênfase passou de uma interpretação alegórica para
uma interpretação literal. Daí se pode falar do início de uma Teologia Bíblica.
Embora Martinho Lutero tenha variado sua hermenêutica e até usado o modelo
quádruplo de interpretação [literal, alegórico, moral e anagógico], ele introduziu
uma nova hermenêutica que tem como núcleo o aspecto cristocêntrico da Bíblia.
A verdadeira Escritura é a que revela Cristo.
Outro fator importante foi a ênfase na origem divina da Escritura, que conferiu
maior autoridade a todo ensino fundamentado na mesma. A exegese nem sempre
era cuidadosamente histórica; por vezes era um tanto subjetiva. No entanto, abriu
caminho para os estudos bíblicos posteriores.
Em vez de apelarem para a interpretação oficial da igreja, os reformadores
insistiram no estudo da Escritura, à base do texto original. À Bíblia não foi somente
conferido o atributo da importância, mas o princípio da exclusividade, a saber, do
Sola Scriptura. A sistematização das verdades bíblicas fugia bastante do modelo
filosófico usado na dogmática de então. Não se fazia distinção entre teologia
do Antigo Testamento e do Novo Testamento. Qualquer parte da Escritura era
considerada igualmente válida para a fundamentação da doutrina e a unidade
teológica do Antigo e do Novo Testamento fora reafirmada.
No período imediatamente posterior à Reforma (Ortodoxia)2, desenvolveu-se muito
a visão a respeito da Escritura como fonte de textos-prova para fundamentar as
doutrinas. Havia, por outro lado, uma grande ênfase na unidade da Escritura.
Nesse período, pouca atenção se dava para o contexto histórico do texto, visto que
seu conteúdo era o mais importante.
2
O período conhecido como Ortodoxia foi depois do ano de 1580. Embora se atribua a esse período um
rótulo até pejorativo (“árida ortodoxia”), em razão de sua ênfase quase exclusiva na sistematização de
doutrinas, a época e o contexto exigiram o trabalho de salvaguardar os principais ensinos de erros.
13
Teologia Bíblica como disciplina teológica tem seus contornos iniciais na virada do
1.3 Racionalismo/iluminismo
A separação entre Teologia Bíblica e Sistemática promoveu uma “rivalidade” entre
as duas teologias. Isso aconteceu principalmente com a influência racionalista.
Nesse período, desenvolveu-se a perspectiva de uma interpretação absolutamente
“objetiva” [científica] da Bíblia. O alvo era romper com o ensino oficial da igreja. O
texto bíblico passou a ser visto como um fruto da História. Os textos deixaram de
ser avaliados como “soprados” por Deus Espírito Santo para serem considerados
simplesmente um registro humano, a exemplo de outras formas de literatura.
A razão humana passou a ser o critério final e fonte principal do conhecimento.
A autoridade infalível da revelação divina foi rejeitada. Houve nessa época o
desenvolvimento do método histórico-crítico na interpretação bíblica. Um dos
primeiros nomes que surge é o do racionalista Johan Solomo Semler (1725-1791).
O princípio hermenêutico que passou a ser adotado é o de que nem todas as
partes da Escritura são inspiradas. A Bíblia passou a ser vista como um documento
[meramente] histórico. Assim, no processo de investigação deveria ser levada
em conta a metodologia histórica-crítica. Palavra de Deus e Escritura não eram
consideradas como idênticas. Num trabalho exegético de Gotthilf Traugott
Zachariä, o autor até se ateve à inspiração da Bíblia, o aspecto histórico considerado,
mas colocado em segundo plano.
O estudo da Bíblia passou a ser visto não como um estudo de teologia, mas de
história da religião, com os relatos da evolução da religiosidade de um povo (no
caso, Israel).
Foi em 31/3/1787, em uma aula inaugural, que Johan Philip Gabler fez uma
distinção profunda entre Teologia Bíblica e Dogmática. Nessa ocasião, Gabler
criticou a Teologia Dogmática, dizendo ser ela o fruto do filosofar humano, a partir
da própria razão; também incentivou para que se desse maior atenção à Teologia
Bíblica, por consistir ela de uma disciplina histórica. O objetivo da Teologia Bíblica
14
seria, segundo ele, descobrir o surgimento das ideias religiosas do povo de Israel,
ULBRA – Educação a Distância
3
“Espírito” para Hegel tem a ver com uma espécie de consciência geral ou uma mente comum a todas
as pessoas.
15
4
Essa escola geralmente é identificada como tendo um período de visão mais conservadora no sentido
de ser mais bíblica, embora supernatural, que afirma que a autenticidade bíblica é atestada em parte
pelas profecias e pelos milagres. O outro período, com Baur, seria um tempo em que se inaugurou
uma abordagem mais racionalista das Escrituras.
16
5
Literalmente “história da salvação”. A atividade de Deus em favor da humanidade.
6
A Escola de Erlangen buscava combinar as “novas descobertas” com a teologia da Reforma.
17
teologia de Paulo) em detrimento de outros. Nem se pode criar suas próprias ideias
ULBRA – Educação a Distância
em que ele próprio baseou seu estudo, teriam sido fundados a partir da visão
7
Termo cunhado por Bultamnn como uma forma de oferecer uma interpretação para o homem moderno.
O princípio é remover da Escritura textos que seriam “mitos” antigos e proclamar a sua mensagem
numa linguagem contemporânea relevante.
8
LIVINGSTON, Herbert G. The Pentateuch in Its Cultural Environment. Michigan: Baker Book House,
1987, p.203.
20
Atividades de autoestudo
1. Um exame histórico dos avanços, variações e mudanças no conceito de
Teologia Bíblica indica que o iluminismo gerou um marco significativo nesse
desenvolvimento. Nesse período, não só houve uma separação entre a Teologia
Bíblica e Sistemática, como se criou uma rivalidade entre ambas. Descreva o
assunto de forma generalizada, bem como de forma mais específica sobre a
interpretação objetiva da Bíblia e suas consequências.
9
Outras divisões da exegese bíblica que continuam tendo traços de influência: Crítica das Fontes,
Crítica Literária e Crítica Textual.
10
LINK, Hans Georg. Glossário de Termos Técnicos. In: Dicionário Internacional de Teologia do Novo Tes-
tamento. Lothar Coenen e Colin Brown, editores. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova,
2000.
21
Respostas
2.e; 3. e
Referências
BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento.
Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 2000.
CARSON, Donald A. Teologia Bíblica ou Sistemática? Unidade e Diversidade no Novo Testamento.
Tradução de Carlos Osvaldo Pinto. São Paulo: Vida Nova, 2001.
HASEL, Gerhard. Teologia do Antigo e Novo Testamento. Tradução do AT: Luís M. Sander;
Tradução do NT: Jussara Marindir P. S. Arias. São Paulo: Academia Cristã e Loyola, 2008
2
Anselmo Ernesto Graff
UM MODELO DE TEOLOGIA BÍBLICA
11
Notas introdutórias
O princípio do Sola Scriptura [Somente a Escritura] pressupõe que existe uma
unidade entre a Palavra de Deus e as doutrinas sistematizadas nas confissões de
uma igreja. No entanto, a Palavra de Deus sempre deve ser vista como a regra
absoluta e autoridade decisiva em questões de doutrina e fé. A norma secundária
são as confissões. Ainda que sua necessidade seja relativa, elas é que determinam
se a compreensão da Escritura tem sido clara e verdadeira.
O objetivo principal deste capítulo é auxiliar na reflexão sobre parâmetros e
referências que podem ser consideradas na elaboração de uma Teologia Bíblica
coerente e autenticamente bíblica. A proposta está fundamentada na ideia do
diálogo entre a Teologia Bíblica e a Teologia Sistemática.
11
O modelo apresentado está baseado em artigo de David L. Adams. The Present God: A Framework
for Biblical Theology. In: Concordia Journal, v.22, n.3, julho de 1996, p.279-294.
12
O assunto das metáforas foi inspirado em texto de James W. Voelz, no livro What Does This Mean? St.
Louis: Concordia Publishing House, 1995, p.350-351.
24
ou evitar que se faça uma viagem para algum outro lugar. Eles são produzidos
ULBRA – Educação a Distância
cuidadosamente para providenciar direção para uma viagem. Um mapa, hoje mais
o GPS, gera confiança e segurança, o que nem sempre pode acontecer sem seu
auxílio. Além disso, o uso do mapa possibilitará chegar ao destino final.
No caso das confissões ou de um corpo doutrinário, o objetivo é entender a
totalidade das partes e sua relação de umas para com as outras, para também chegar
ao coração ou no centro, e que é encontrar um caminho coerente que auxiliará na
leitura e interpretação da Sagrada Escritura. As confissões ou o corpo doutrinário
podem funcionar como um mapa que nos auxilia na leitura da Sagrada Escritura.
E como um mapa não substitui a viagem, a leitura de documentos confessionais
não são substitutos para a leitura da Bíblia.
A analogia de um quebra-cabeça pode facilitar ainda mais essa compreensão.
Assim como um quebra-cabeça, as Escrituras contêm muitos conceitos diferentes
e que precisam ser colocados juntos e assim formar uma figura coerente e correta.
As Confissões (Credos, doutrinas) são auxílios em juntar essas peças individuais,
assim como a figura na caixa do quebra-cabeça serve como um auxílio para quem
se dispõe a montar as diferentes peças. As Confissões (ou o corpo doutrinário)
fornecem uma visão panorâmica da figura (Teologia) e na qual é possível discernir
e identificar as partes centrais do quebra-cabeça, bem como sua relação entre elas
e especialmente com o cerne da revelação de Deus, Jesus Cristo.
Como a Palavra de Deus não regula só questões de doutrina, mas toda a vida
em Cristo, é conveniente ter uma figura clara da maneira pela qual a Palavra
está relacionada aos vários aspectos que abrangem a vida em Cristo. Assim, a
investigação das Escrituras não será e tão somente reduzida a encontrar “textos
prova” para sustentar formulações sistemáticas, mas ela será dirigida na perspectiva
de buscar nela orientações para a vida e a fé.
13
História das Religiões. É uma divisão que estuda primordialmente o desenvolvimento e a história de
religiões específicas na sua origem, evolução, fases e mudanças.
14
Diacrônico e sincrônico são termos que identificam dois métodos exegéticos no estudo das Sagradas
Escrituras. No diacrônico, a tarefa exegética inicia com o exame das fontes editoriais, a crítica literária
e outros expedientes, visando considerar as etapas que o texto sofreu para sua formatação final. No
sincrônico, o pressuposto é de que as Escrituras, como elas são, é o produto final, com uma unidade
teológica coerente e lógica.
26
Há pelo menos três aspectos ou propriedades que uma coerente Teologia Bíblica
deve refletir. Ser autenticamente bíblica, providenciar um fundamento para a vida
de culto do povo de Deus e prover um alicerce sólido para a Teologia Dogmática
da igreja de Cristo.
15
Fides Quae e Fides Qua são duas formas compactas na língua latina para afirmar verdades sobre a fé.
A primeira se refere à doutrina ou ao ensino da salvação em Cristo. Já a Fides Qua diz respeito à fé
pessoal, como meio receptor dos méritos de Cristo obtidos na cruz.
28
16
WORTHING, Mark William. Theology: Queen of Sciences? In: Concordia Journal, outubro 1994,
v.20, n.4, p.402-414. Esse é outro artigo que pode promover reflexões sobre o assunto. ZEUCH,
Manfred. A pesquisa em Teologia Sistemática numa perspectiva transdisciplinar: reflexões a partir
de uma experiência. In: Revista Igreja Luterana, v.59, junho/2000, n.1, p.29-46. Disponível em www.
seminarioconcordia.com.br/seminario/biblioteca/revistail.php
17
É importante a diferenciação do uso ministerial e magistral da razão humana. No uso magistral, a
recomendação é de que o conhecimento natural que o ser humano tem de Deus não funcione como
autoridade igualada à Palavra de Deus. Porém, no sentido ministerial ou instrumental, o emprego
correto das leis da linguagem humana bem como das leis do raciocínio humano (lógica) podem ser
legítimas, na medida em que se reconhece que Deus deu a sua palavra aos seres humanos se servindo
da linguagem e pensamento humanos (MUELLER, John Theodore. Dogmática Cristã. Canoas: Porto
Alegre: Editora da ULBRA / Concórdia, 2004, p.137).
30
seja, sua reflexão é dirigida na essência do ser. A Teologia Bíblica, por sua vez, usa
ULBRA – Educação a Distância
uma forma de linguagem narrativa e que é existencial em sua natureza. Ela tenta
descrever a maneira pela qual Deus age com a pessoa e como isso transparece em
termos de experiência humana18.
Um dos primeiros desafios do teólogo bíblico é construir uma ponte sobre este
vazio entre o modelo analítico de expressar a verdade, característica da Teologia
Sistemática, e o modelo sintético da Teologia Bíblica. Isso nem sempre é fácil. O
modelo analítico tem sido tão prioritário para formar paradigmas que expressam
a verdade que é difícil reconhecer que haja outro modelo. No entanto, essa ponte
é preciso ser construída para proclamar a Teologia Bíblica.
18
Donald A. Carson, Teologia Bíblica ou Sistemática, p.23, oferece outra analogia para as diferenças e
semelhanças entre a Teologia Bíblica e a Sistemática. Ele cita Warfield para comparar o trabalho da
exegese (Teologia Bíblica) ao trabalho de um oficial de recrutamento que seleciona homens para o
exército e os organiza em companhias, regimentos e batalhões. Já a Teologia Sistemática combina
esses diferentes grupos para formar um exército.
31
O criticismo histórico tem argumentado por quase 150 anos que a genuína noção
hebraica da presença de Deus foi derivada do seu contexto nômade. Por exemplo: a
presença de Deus associada com um lugar entrou no pensamento hebraico, quando
Davi precisou de uma teologia para justificar a construção do templo. Essa ideia,
segundo os críticos, foi “emprestada” da ideia cananita (Jebuseus). Para David
Adams, a genuína presença de Deus segundo a noção hebraica pode ser vista
como bipolar, ou seja, ela está associada tanto a pessoas como a lugares. Esses dois
elementos podem ser chamados de “presença local” e “presença acompanhada”
(Is 57.15). Esse conceito de presença bipolar pode ser uma chave para entender de
maneira adequada o desenvolvimento da fé hebraica.
Companhia
Presença acompanhada Presença local
de Deus
A revelação ocorre em
A revelação ocorre em formas
formas que refletem
que refletem somente a palavra
um aspecto visual
divina, falada à parte de qualquer
explícito a quem está
Modos de aspecto visual, incluindo aqueles
sendo proporcionado o
revelação que acontecem na forma de
encontro, especialmente
sonhos, onde o elemento “visual”
aqueles em que Deus
está dentro da pessoa e não é
é visto, parcial ou
manifestação exterior.
plenamente.
A passagem está
Categoria A passagem está relacionada à relacionada à teologia
teológica teologia do nome de Deus. Ela da glória de Deus. Ela
relacionada reflete a noção do tempo sagrado. reflete a noção do espaço
sagrado.
33
o ministério da igreja através de sua presença nos meios da graça, ou nos meios
Atividades de autoestudo
1. Este capítulo tratou de aspectos que diferenciam a Teologia Bíblica da
Sistemática. Em que sentido elas podem ser vistas como uma unidade e
em que feições elas se diferenciam? Faça uma análise breve sobre a questão
proposta.
Respostas
2.e; 3.c
Referência
ADAMS, David L. The Present God: A Framework for Biblical Theology. In: Concordia Journal,
v.22, n.3, julho de 1996.
3
A LEITURA DAS ESCRITURAS
SAGRADAS EM TEMPOS
PÓS-MODERNOS
Introdução
Para a grande maioria dos cristãos de todos os tempos, a Escritura Sagrada é central
para dirigir e normatizar a doutrina e a existência da Igreja Cristã. Ela é a fonte e
a norma do que se crê e do que se pratica. Nesse sentido, é importante observar
como é exercida a interpretação de seus livros. O que significa para essa era “pós-
moderna” ler e interpretar a Escritura Sagrada?
O objetivo deste capítulo é considerar de forma especial dois aspectos que estão
influindo na interpretação bíblica: primeiro, que não haveria compreensão
objetiva de textos escritos, incluindo escritos bíblicos. Em outras palavras, com
a relativização, textos podem adquirir caráter meramente subjetivo, inclusive as
Sagradas Escrituras. Segundo, que não haveria explicação compreensiva sobre
qualquer coisa em consideração, mais uma vez incluindo também textos escritos.
Isso significa dizer que qualquer elucidação de um texto poderia ser apenas parcial
e dependeria da perspectiva de cada um.
19
Seminário de Jesus é a designação de um grupo de estudiosos que, na década de 1970, começou a
se reunir para verificar e determinar aquelas palavras que são autenticamente de Jesus e outras que
não são. Nesse sentido, cores eram atribuídas aos dizeres de Jesus. Vermelho, Jesus realmente fez tal
afirmação; rosa, palavras próximas ao que Jesus disse; cinza, significa palavras que Jesus não disse,
mas são de alguma forma próximas ao ensino de Jesus; e a cor preta significa que Jesus não poderia
ter dito tais palavras de forma alguma.
40
o povo de Deus.
c. Textos problemáticos ou corretivos – aqueles que lidam com problemas
específicos entre os judeus ou na igreja primitiva.
A visão pós-moderna é de que tanto a posição pré-modernista como a modernista
estão incorretas, porque, na verdade, todos os textos estão ligados ao contexto,
fazendo com que nenhum deles seja uma descrição da realidade como tal e,
portanto, imediatamente aplicáveis a um cenário contemporâneo.
Isso pode ser visto, por um lado, nos escritos de muitos autores, que fazem
declarações abrangentes e de natureza genérica, como, por exemplo, liberdade,
unidade e igualitarismo, mas, por outro lado, em outras situações, colocam
restrições no que eles dizem. O apóstolo Paulo faz isso. “Desse modo, não existe
diferença entre judeus e não judeus, entre escravos e pessoas livres, entre homens e mulheres:
todos vocês são um só por estarem unidos com Cristo Jesus” (Gl 3.28); em 1 Timóteo
2.12 ele afirma: “Não permito que as mulheres ensinem ou tenham autoridade sobre os
homens; elas devem ficar em silêncio”. Assim, quando o apóstolo Paulo fala de nossa
unidade em Cristo, sem diferenças entre judeu e grego, escravo e livre, homem
e mulher, não poderia ele estar se dirigindo ao contexto dos Gálatas, no qual as
barreiras para as pessoas eram comuns e no qual o acesso e a dignidade ante Deus
eram limitados severamente por leis de todo tipo?
Martinho Lutero também faz isso. Todos sabem que Lutero exalta todos os ofícios
dos cristãos, afirmando que nenhum ofício é inferior a qualquer outro, e que
nenhuma pessoa é inferior a qualquer outra.
Considere suas palavras no escrito À Nobreza Cristã:
Daí se segue que leigos, sacerdotes, bispos e, como dizem, espirituais e seculares no fundo
verdadeiramente não têm qualquer diferença senão em função do cargo ou da ocupação, e
não pelo seu estamento; pois todos eles são do estamento espiritual, autênticos sacerdotes,
bispos e papas.20
Muito acima e antes de todos esses [ser pai, mãe, empregado, bom governante], porém, exaltou
e distinguiu de forma especial este serviço, tanto dos que ouvem sua palavra quanto dos que
a pregam. A este serviço escolheu dentre todos os demais na terra como serviço especial a ele,
distinto dos demais serviços que o povo presta.21
20
LUTERO, Martinho. À nobreza cristã da Nação Alemã, acerca da melhoria do estamento cristão. Tradução
de Walter O. Schlupp. In: Obras Selecionadas. V.2. São Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal e Concórdia,
1989, p.283.
21
LUTERO, Martinho. Resumo da vida cristã – 1 Timóteo 1. Tradução de Walter O. Schlupp. Obras Selecio-
nadas. V.5. São Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal e Concórdia, 1995, p.88.
41
Em outras palavras, com base nesses exemplos, poderia ser dito de autores como
competências para interpretação reclamadas por seus documentos, pois eles irão
22
Regra de fé. A dimensão exata desta expressão tem sido debatida, mas, em geral, significa o ensino
de toda a Escritura Sagrada, ou, em alguns casos, os Credos formulados nos primeiros séculos da
Igreja Cristã.
44
23
Uma analogia em Platão pode ajudar nessa reflexão. É como se cada cristão fosse um bom cocheiro
e na sua charrete tivesse dois cavalos. Um bom e o outro mau. Ambos rivalizam entre si e querem
“puxar” o cocheiro para seu lado. Exortações na Escritura funcionariam no sentido de que o cocheiro
(o cristão) tenha a responsabilidade de decidir em que direção ele irá, a boa ou a má (RAABE, Paul
e VOELZ, James. Why Exhort a Good Tree? Anthropology and Paraenesis in Romans. In: Concordia
Journal, April 1996, p.160).
46
trabalho duro está diante de nós na medida em que nos engajamos na interpretação
ULBRA – Educação a Distância
da Palavra de Deus.
Atividades de autoestudo
1. Este capítulo procurou fazer uma avaliação do contexto contemporâneo
da interpretação bíblica e apresenta considerações sobre dois aspectos da
hermenêutica pós-moderna. a) que não há compreensão objetiva (depende do
contexto) de qualquer coisa, incluindo textos escritos; b) não há explicação
abrangente (depende da perspectiva de cada um) sobre qualquer coisa em
consideração, mais uma vez, incluindo também textos escritos. Faça uma
avaliação desses dois aspectos embasando suas considerações.
3. O autor do texto usado para elaboração deste capítulo usou o contraste geral
da física contemporânea de Einstein com a física clássica de Newton como
auxílio na interpretação da Escritura. Analise as afirmações abaixo e depois
marque a opção correta:
I. A teologia “newtoniana” é aquela em que fatos e verdades são vistos
do ponto de vista humano.
Respostas
2.b; 3.d
Referência
VOELZ, James W. Reading Scripture as Lutherans in the Post-Modern Era. In:
Lutheran Quarterly, v.XIV, 2000.
4
A DOUTRINA DA TRINDADE
NA ESCRITURA SAGRADA
Introdução
Doutrinas da Igreja não podem ser provadas por argumentos racionais ou através
de experiências pessoais. Nesse sentido, elas são muitas vezes denominadas de
“mistérios”. Dentre esses “mistérios” quem sabe esteja a doutrina da Trindade24,
talvez o mais profundo mistério. Porém, isso não quer dizer que ela seja um enigma
totalmente inefável ou indefinível.
O tema deste capítulo é o exame da doutrina da Trindade à luz da Escritura Sagrada,
sem descartar, todavia, a observação de que ser bíblico não implica necessariamente
e tão somente a citação de textos bíblicos, mas escrutinar passagens bíblicas e o
próprio contexto bíblico com princípios hermenêuticos coerentes e olhar teológico
mais amplo.
Onde está o embasamento bíblico para a doutrina da Trindade? Podem as
Escrituras Sagradas fornecer subsídios para esse ensino da igreja cristã? O objetivo
deste capítulo é promover reflexões bíblico-teológicas que fundamentem esse
ensinamento e assim o aluno obtenha elementos que possibilitem a clareza em sua
reflexão e proclamação desta verdade.
24
Ensino de que Deus é uma essência divina em três pessoas de igual poder e eternas: Pai, Filho e Espírito
Santo. Essa doutrina foi formulada e decretada a partir do Concílio Ecumênico de Niceia, realizado
no ano de 325.
52
25
JENSON, Robert. The Trinity in the Bible. In: Concordia Theological Quarterly. V.68: 3/4, July/October
2004, p.195.
26
O Credo Niceno surgiu da necessidade de salvaguardar o ensino apostólico concernente à divindade
de Cristo contra a heresia ariana, mas também possui em seu teor uma clara confissão da doutrina
da Trindade.
27
Dentre esses textos estão Efésios 4.4-6, João 14.23-26, Lucas 24.49, Mateus 10.1, 20. Ainda poderia ser
mencionado o evento do Batismo de Jesus, em que Filho, Pai e Espírito Santo estão presentes (Marcos
1.9-11).
28
Ocasiões em que Jesus se refere a Deus como sendo “Pai”: Mateus 5.45; 6.4, 6, 9, 15; 7.11; 10.32; 18.10;
24.36.
53
“Intérpretes devem exercitar extrema cautela com esse tipo de abordagem, para evitar uma
excessiva cristianização do Antigo Testamento. Passagens paralelas do Novo Testamento
não deveriam ser usadas para fazer as passagens do Antigo Testamento ensinarem verdades
do Novo Testamento. A igreja primitiva tinha essa tendência – que continuou com os
protestantes depois da Reforma – de ler conceitos teológicos do Novo Testamento dentro do
Antigo Testamento. Devemos evitar esse erro; nossa tarefa principal é sempre entender cada
texto dentro de suas próprias fronteiras, assim como os escritores e leitores o entenderam
originalmente”33.
29
Dentre os textos do Antigo Testamento em que Deus é intitulado de ou como “pai” estão: 1 Crônicas
17.13; Salmo 103.13; Isaías 64.8.
30
GIESCHEN, Charles A. The Real Presence of the Son Before Christ: Revisiting an Old Approach to
Old Testament Christology. In: Concordia Theological Quarterly, v.68:2, April 2004, p.105-126.
31
Profecias como de Isaías 7.14; 9.6; 11.1-2; 53; ou de Jeremias 23.5; de Miqueias 5.2, ou Zacarias 9.9.
32
Um dos princípios utilizados para fundamentar a unidade dos dois testamentos é conhecido como
“tipológico”. Tipo e antítipo. “Anti”, não no sentido de “contra”, mas de correspondência, uma figura
que representa a outra. Uma das situações em que podemos observar esse caráter tipológico e que
fundamenta a unidade dos dois testamentos em relação a Cristo, está no cumprimento da missão de
servos de Deus no Antigo Testamento, em Cristo no Novo Testamento. Adão, Moisés, Josué, Juízes
– Jesus Cristo (Rm 5.14, cf. também Hebreus).
33
GIESCHEN, op. cit., p.107.
54
dos textos do Antigo Testamento dentro do seu contexto histórico e não ir logo
ULBRA – Educação a Distância
aos textos paralelos no Novo Testamento. Mas também é preciso notar que essa
questão é mais teológica do que simplesmente de uma mensagem cristocêntrica.
Sem diminuir a importância e o valor da profecia, além do princípio tipológico das
Escrituras, ênfase maior poderia ser concedida à presença real do Filho na exegese
do Antigo Testamento, o Deus que é ouvido e visto no Filho, no Antigo Testamento
depois da queda no jardim do Éden.
O ponto de partida é o texto de João 1.18: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus
unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou”34. Como alguém pode ter escrito
isto, depois de ter lido o Antigo Testamento? Deus é visto repetidamente, mas o
“unigênito de Deus” foi quem o revelou. Essa abordagem exegética da presença
do Filho no Antigo Testamento não é nova.
“Por esta razão, nem Abraão, Isaque ou Jacó, nem homem algum viu o Pai e inefável Senhor
de absolutamente todas as coisas e do próprio Cristo, mas [viu] somente a ele, de acordo
com sua [do Pai] vontade, é tanto Deus, seu Filho e Anjo, porque ele ministra para o seu
propósito. A quem ele também quis fazer nascer da Virgem e quem uma vez se tornou fogo
para conversar com Moisés na sarça”35.
34
Conferir também 1 Timóteo 1.17; 6.15-16 e 1 João 4.12.
35
JUSTINO apud GIESCHEN, op. cit., p.111.
55
Assim, com toda força e irrefutavelmente, pode-se afirmar que o Deus que tirou o povo de
Israel do Egito e o conduziu através do mar Vermelho, que o guiou pelo deserto através das
colunas de fogo e da nuvem, que os nutriu com o pão celestial e que realizou todos os milagres
descritos nos livros de Moisés, que também os levou para dentro da terra de Canaã e então lhes
deu reis, sacerdotes e todas as coisas, é por esta razão Deus e ninguém outro senão o próprio
Jesus de Nazaré, o filho da Virgem Maria, o qual nós chamamos Cristo, nosso Deus e Senhor
[...] e, mais, foi ele que deu a Moisés os Dez Mandamentos no Monte Sinai dizendo, “Eu
sou o Senhor que te tirei da terra do Egito, não terás outros deuses”. Sim, Jesus de Nazaré,
que morreu por nós na cruz, é o Deus que diz no Primeiro Mandamento, “Eu sou o Senhor,
eu sou teu Deus”39.
36
GIESCHEN, p.113.
37
Idem, p.114.
38
Jacó viu a Deus e por isso deu àquele lugar o nome de Peniel (Gn 33.20). Outro exemplo pode ser o
de Gideão em Juízes 6.22.
39
LUTERO apud GIESCHEN, op. cit., p.113.
56
A primeira categoria das teofanias em que deve ser considerada a presença do Filho
e a mais popular entre os exegetas conservadores é a do Anjo do Senhor. O Anjo
do Senhor é mais proeminente nas teofanias em Gênesis. A distinção, e ao mesmo
tempo a inseparabilidade entre Yahweh e este “anjo”, é apresentada de maneira
bem clara em Êxodo 23.20-22. “Eis que eu envio um Anjo adiante de ti, para que te
guarde pelo caminho e te leve ao lugar que tenho preparado. Guarda-te diante dele, e ouve
a sua voz, e não te rebeles contra ele, porque não perdoará a vossa transgressão; pois nele
está o meu nome. Mas, se diligentemente lhe ouvires a voz e fizeres tudo o que eu disser,
então, serei inimigo dos teus inimigos e adversário dos teus adversários”. O Anjo possui
o nome de Yahweh e seu nome não pode ser separado da realidade de Yahweh.
O Anjo tem o poder para absolver e reter pecados, além da habilidade para falar
como Yahweh.
O testemunho mais significativo no Novo Testamento em relação às teofanias e
sua conexão com o anjo como sendo Cristo está em 1 Coríntios 10.1-10. É possível
que Paulo esteja advertindo os Coríntios quanto ao julgamento de Cristo por causa
da sua desobediência, olhando para trás e a punição sofrida por Israel por esse
mesmo motivo. Assim, foi o Filho que enviou as serpentes e ordenou a Moisés o
levantamento da serpente de bronze, a fim de que fossem curados os que estavam
morrendo. Outro escritor que pode seguir essa linha da presença do Filho no Antigo
Testamento é Judas. “Quero, pois, lembrar-vos, embora já estejais cientes de tudo uma
vez por todas, que o Senhor, tendo libertado um povo, tirando-o da terra do Egito, destruiu,
depois, os que não creram” (v.5). O detalhe está numa variante textual, com sólido
apoio de manuscritos, que traz “nosso Senhor Jesus Cristo”40.
Outras alusões ao anjo são significativas. Quando o anjo do Senhor se identifica e
aparece a Moisés como “anjo do Senhor” (Êx 3.2), na continuidade do diálogo é
possível perceber que é o próprio Deus que está falando com ele. “Vendo o SENHOR
que ele se voltava para ver, Deus, do meio da sarça, o chamou e disse: Moisés!
Moisés! Ele respondeu: Eis-me aqui! Deus continuou: Não te chegues para cá; tira
as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa” (Êx 3.4-5)41.
Todavia, o mais marcante evento das histórias do anjo do Senhor está no capítulo
22 de Gênesis, no episódio de Abraão levando seu filho Isaque para o sacrifício.
Abraão estava por oferecer seu filho em sacrifício, quando ouviu a voz do Anjo
40
OMANSON, Roger L. Variantes Textuais do Novo Testamento – Análise e Avaliação do Aparato Crítico
de “O Novo Testamento Grego”. Tradução e adaptação ao português por Vilson Scholz. Sociedade
Bíblica do Brasil, 2010, p.541.
41
É interessante também o exemplo de Hagar, quando fugira para o deserto. Aqui o anjo do Senhor
promete multiplicar a descendência dela (Gn 16.1-14). Também é bastante significativo o episódio do
sacrifício de Isaque (Gn 22.1-19), especialmente o versículo 12: “Então, lhe disse: Não estendas a mão
sobre o rapaz e nada lhe faças; pois agora sei que temes a Deus, porquanto não me negaste o filho, o
teu único filho”.
57
42
JENSON, op. cit., p.201.
58
O Anjo do Senhor possui o Nome Divino (Êx 23.21). Essa “Palavra” única
que ele possui, o tetragrama, é provavelmente a base para o fato de que em
algumas das teofanias a imagem divina é identificada como a “Palavra de
Yahweh” (Jr 1.1-9).
Muitas vezes isso é tratado mais como uma abstração do que um título para a
imagem visível de Yahweh. Mas esta designação é usada no Novo Testamento
por Cristo no início do evangelho de João (Jo 1.1) e pelos escritores de Hebreus e
Apocalipse (Hb 4.12-13; Ap 19.12-13). Aqui cabe dizer que, apesar da popularidade
de “logos” no mundo greco-romano do primeiro século, o princípio da teofania
do Antigo Testamento é que fundamenta o seu uso na cristologia do Novo
Testamento.
“Mas onde a Pessoa não se identifica claramente ao falar e aparentemente só uma Pessoa
está envolvida, você pode seguir a regra dada acima e estar certo que você não vai escolher o
caminho errado em interpretar o nome YAHWEH como se referindo ao nosso Senhor Jesus
Cristo, o Filho de Deus”.
43
WUNDERLICH, Lorenz. The Half-Known God. St. Louis: Concordia Publishing House, 1963. A tradução
do título poderia ser “O Deus conhecido pela metade”, ou, como geralmente é, “O Deus pouco
conhecido”.
44
Wunderlich ainda faz menção ao profeta Ezequiel, que frequentemente menciona a ação do Espírito
em transportá-lo, seja corporalmente, seja em uma visão, aos locais de sua missão (Ez 8.3; 11.5). É o
Espírito da sabedoria que é especialmente mencionado em Êxodo (Êx 28.3, 31.3). A ênfase nos livros
de Samuel e de Crônicas está sobre o Espírito como o Doador da inspiração profética (1 Sm 11.6;
16.13; 19.20; 2 Sm 23.2; 1 Cr 12.18; 2 Cr 24.20). A ênfase em Isaías está em seu vínculo com o ministério
público do Messias (Is 11.2; 61.1).
60
45
THOMAS, apud WUNDERLICH, op. cit., p.79-80.
46
Ibid., p.82.
47
Idem, p.80.
61
as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14.26). “E lhes concedeste
Consideração final
Olhar para o Antigo Testamento em busca da fórmula trinitária “em nome do Pai e
do Filho e do Espírito Santo” pode ser frustrante. Ela não aparece. Em princípio, não
existe dificuldade em perceber a presença de Deus como Pai. Isso parece claro. Mas
isso não significa que o Filho e o Espírito não estejam lá. Em tons mais implícitos,
mas nem por isso imprecisos, é possível perceber a ação e a missão executadas pelo
Filho e o Espírito Santo já no Antigo Testamento. Na Antiga e na Nova Aliança Deus
executa sua obra salvífica, criadora e sustentadora através da trindade. A implicação
teológica disso é que o caráter da proclamação da Igreja e o principal objeto de
estudo da Teologia, em todos os tempos, deve ser cristocêntrica, pois é em Cristo que
a revelação de Deus encontra seu ápice e Ele é a última Palavra de Deus (Hb 1.1-2).
Atividades de autoestudo
1. Na discussão sobre o ensino da Trindade, é significativo perceber como o Antigo
Testamento apresenta as três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Ainda
que não mencionada assim, os três estão lá. Defenda bíblico-teologicamente a
verdade de que a Trindade é ensino desde o Antigo Testamento.
nas teofanias do Antigo Testamento e aparições do Anjo era o Filho que estava
se manifestando?
a. Pela forma sobrenatural dessas manifestações.
b. Pelo testemunho das Escrituras de que ninguém viu a Deus, mas nessas
passagens Deus foi visto.
Respostas
2.b; 3.e
Referências
GIESCHEN, Charles A. The Real Presence of the Son Before Christ: Revisiting an Old Approach
to Old Testament Christology. In: Concordia Theological Quarterly, v.68:2, april 2004.
JENSON, Robert. The Trinity in the Bible. In: Concordia Theological Quarterly, v.68: 3/4, July/
October 2004.
WUNDERLICH, Lorenz. The Half-Known God. St. Louis: Concordia Publishing House,
1963.
5
O PECADO ORIGINAL
NAS ESCRITURAS SAGRADAS
Introdução
Pecado original é uma expressão que não está na Bíblia. Porém, ela é usada na
Teologia como um termo que carrega o sentido de que não são necessariamente
os atos que tornam o ser humano condenado diante de Deus, mas a sua essência
pecaminosa, herdada de Adão e Eva. Esse pecado é assim designado porque
sua origem está em Adão e Eva e é a origem dos pecados cometidos pelos seres
humanos.
O pecado original é definido como sendo a corrupção natural e completa de todo
o ser humano, desde a sua concepção. Martinho Lutero extrai da mitologia grega
uma imagem para descrever a seriedade do pecado original: “um monstro de
muitas cabeças e com o qual temos que lutar até o dia da nossa morte”48.
A extensão do pecado original é ampla. O ser humano está afetado como um todo:
corpo, desejos, ações e pensamentos. Isso, por sua vez, compromete sua presença
diante de Deus. Por isso, desde a sua concepção, todos são pecadores, e a propensão
natural para o mal persegue a humanidade. A implicação teológica disso é que
desde bebê o ser humano necessita da graça perdoadora e salvadora de Cristo.
Onde está a base bíblica para esta verdade? Este capítulo está designado a responder
de forma especial a essa pergunta, a fim de que o aluno possa avaliar as evidências
bíblico-teológicas do pecado original, solução, sua seriedade e consequências na
vida do ser humano e consequentemente na proclamação da Igreja de Cristo.
48
LUTERO apud Gieschen, Charles A. Original Sin in the New Testament. In: Concordia Journal, v.31,
october 2005, n.4, p.359.
64
49
1 Enoque (En), Siraque (Sr), 4 Esdras (Ed) e 2 Baruque (Br) estão na lista dos livros considerados como
apócrifos, termos aplicado pela patrística à literatura cuja origem é obscura. No período da Reforma
esse termo foi aplicado para os livros não canônicos.
50
GIESCHEN, idem, p.360
51
CRANFIELD, C. E. B. Carta aos Romanos. Tradução de Anacleto Alvarez. São Paulo: Edições Paulinas,
1992, p.116.
65
humano. Este é um dos pontos controversos e que pretende ser abordado neste
humana por causa do seu estado pecaminoso. Em vez de retratar as múltiplas ações
individuais, João normalmente usa a forma singular para o pecado, enfatizando,
com isso, uma condição universal (Jo 1.29, 15.22. 16.8). Nessas passagens, ainda
que por inferência, mas sem contradizer o ensino da Escritura Sagrada, João está
dizendo que o pecado é uma condição que escraviza toda a criação, incluindo as
pessoas. Por isso há uma necessidade universal por um renascimento de Deus e do
qual Jesus falou a Nicodemos (Jo 3.3). Nesse contexto Jesus também está falando,
ainda que implicitamente, que essa condição pecaminosa é herdada de Adão e
Eva (Jo 3.6; 6.63). Não obstante Adão e Eva não serem citados, “carne” aqui, como
“condição pecaminosa”, pode ser entendida como a realidade que passou a toda
a humanidade desde a queda no Jardim do Éden. Isso, por sinal, não fecha com
o pensamento judaico em sua negação pela necessidade de serem libertados (Jo
8.33) e o julgamento condenatório que veementemente fizeram do cego que foi
curado por Jesus (Jo 9.34).
52
Com o princípio de que Salmos tem como objetivo principal evocar sentimentos e emoções e por
isso é preciso cuidado ao ler e interpretar um salmo, eles não podem ser lidos primariamente com
a intenção de extrair doutrinas. Porém, eles podem, como o próprio apóstolo Paulo fez na Carta aos
Romanos, ilustrar e confirmar verdades escritas em outros textos da Escritura Sagrada. No caso, aqui,
eles acabam revelando pelas confissões dos salmistas o seu estado pecaminoso.
67
O versículo inicia com um “portanto”, o que significa que há uma ligação íntima
53
CRANFIELD, op. cit., p.113.
54
Segundo Cranfield, mundo aqui “muito provavelmente no sentido de humanidade ou vida humana” (p.114).
55
CRANFIELD, p.114.
56
Idem, p.115.
57
Outros textos importantes do apóstolo Paulo que podem servir como subsídios no debate a respeito
do aspecto coletivo ou universal da transgressão de Adão: 2 Co 5.14; Gl 4.8-9; Ef 2.1-3.
68
condenação por causa do pecado é universal, mas não eterna e nem irreversível.
Pelo contrário, Jesus Cristo levou até o fim o processo de reversão dessa situação
e sua obra que dá vida e perdão é em proveito de todos os homens. Cristo tomou
sobre si o fardo do pecado e todos os que nEle creem recebem dEle o dom gratuito
do perdão e da vida.
Atividades de autoestudo
1. Dentre controvérsias teológicas sobre o pecado, duas delas foram abordadas
neste capítulo: o nível de interferência no ser humano (ele deixa o ser humano
completamente corrupto ou apenas parcialmente corrompido) e o quanto o
pecado exerce influência sobre os cristãos regenerados. Considere esses dois
tópicos e faça uma análise com fundamentação bíblico-teológica para defender
sua posição.
2. As diferentes posições judaicas sobre o pecado abordadas neste capítulo, de
certa forma, resumem o pensamento teológico atual sobre a origem e o nível
de interferência do pecado na vida do ser humano. Alguns defendem a total
corrupção humana a partir do pecado, outros entendem que há ainda algo de
71
bom no ser humano. Qual das posições teológicas abaixo não é unanimidade
3. Parece claro, pelo testemunho do Novo Testamento, que o pecado existe como
uma condição natural do ser humano, e sua interferência é percebida mesmo
em cristãos regenerados. Que aspectos importantes precisam ser observados
no contexto da existência do pecado?
a. Que o pecado pode ser dominado e erradicado completamente com
profunda devoção na Palavra.
c. Que o pecado como condição gera todos os tipos males e atos maldosos,
além de conduzir todos, sem exceção, à morte.
Respostas
2.e; 3.c
72
Referências
ULBRA – Educação a Distância
CRANFIELD, C. E. B. Carta aos Romanos. Tradução de Anacleto Alvarez. São Paulo: Edições
Paulinas, 1992.
Gieschen, Charles A. Original Sin in the New Testament. In: Concordia Journal, v.31, n.4,
october, 2005, p.359-375.
RAABE, Paul R.; VOELZ, James W. Why Exhort a Good Tree?: Anthropology and Paraenesis
in Romans. In: Concordia Journal, v.22, n.2, April 1996, p.154-163.
6
PAULO – UM TEÓLOGO BÍBLICO:
O ENSINO SOBRE A JUSTIFICAÇÃO,
A PARTIR DE UMA LEITURA DE ROMANOS
3.21 A 4.8
Introdução
A Epístola de Paulo aos Romanos é considerada um dos principais de seus escritos.
Nela o apóstolo expõe de maneira clara e um tanto sistemática seu ensinamento,
especialmente a respeito de como o ser humano é aceito na comunhão com Deus.
Logo no início, no primeiro capítulo, versículo 17, Paulo introduz o tema da
justificação: “a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito:
O justo viverá pela fé”. Esta declaração de Paulo deve ser interpretada pelo que
segue na carta, de maneira especial nos capítulos 3 e 4. Conforme N. T. Wright59,
o capítulo 3 de Romanos “é onde o tema [da justificação] se torna visível, central
e vital”. Ainda conforme Wright (p.106), nos versículos 21 a 26, Paulo esboça o
coração de sua mensagem.
Neste estudo, examinaremos primeiramente o texto de Paulo em Romanos 3.21 a
4.8, ressaltando alguns de seus aspectos centrais, levando em conta seu contexto.
Depois, discutiremos algumas ênfases de Paulo relacionadas à salvação. Quatro
aspectos serão ressaltados, com observações sobre o que o Antigo Testamento
e Jesus dizem sobre o assunto. Dessa forma, poderemos observar como Paulo,
o grande apóstolo do cristianismo, se utiliza do Antigo Testamento para suas
afirmações. Por isso, Paulo pode muito bem ser considerado um “teólogo
bíblico”.
59
WRIGHT, N. T. What Saint Paul Really Said. Was Paul of Tarsus the Real Founder of Christianity? Grand
Rapids: Eerdmans, 1997, p.105.
74
(21) Mas [e] agora, sem lei, a justiça de Deus se tornou manifesta [foi revelada] sendo testificada
pela lei e pelos profetas; (22) e justiça de Deus por meio da fé em Jesus Cristo [fidelidade de
Jesus Cristo] para todos os que creem, pois não há distinção, (23) pois todos pecaram e carecem
da glória de Deus, (24) sendo justificados por dádiva em sua graça, através da redenção, a (que
está) em Cristo Jesus (25) a quem Deus manifestou publicamente [propôs/planejou] [como]
lugar/meio de propiciação [expiação] por meio da fé no seu sangue, para demonstração da
justiça por causa do deixar impunes as transgressões que ocorreram antes, (26) na paciência
de Deus, para a demonstração de sua justiça no tempo [era] presente, para ser ele justo e o
justificador daquele (que é) da fé em Jesus [fidelidade de Jesus]. (27) Onde, então o orgulho?
Foi excluído. Por qual lei? Das obras? Não, mas pela lei da fé. (28) Pois somos da opinião que
um homem é justificado por fé, sem obras da lei. (29) Ou (seria) Deus dos judeus apenas? Não
é também dos gentios? Sim, dos gentios também. (30) visto que Deus (é) um, o qual justificará
circuncisão [o que é circuncidado] da fé e incircuncisão [o incircunciso] por meio da fé. (31)
Estamos nós, então, anulando [a] lei? De maneira nenhuma; pelo contrário estabelecemos
[confirmamos] [a] lei. (4.1) O que, pois, diremos ter alcançado Abraão, nosso pai segundo a
carne? (2) Pois se Abraão foi justificado de obras, ele tem algo do que se orgulhar, mas não
perante Deus. (3) Pois o que diz a Escritura? Mas [e] Abraão creu em Deus e foi imputado a
ele [foi colocado na sua conta] para justiça. (4) Mas ao que trabalha, a recompensa [salário]
não é considerada [colocada na sua conta] como um favor [por bondade], mas como uma dívida
[como aquilo que lhe é devido]. (5) Mas ao que não trabalha, mas crê naquele que justifica o
ímpio, sua fé é considerada [colocada na sua conta] para justiça. (6) Como também Davi [a
respeito] da bênção do homem a quem Deus considera [coloca em sua conta] justo, à parte
de obras. (7) Abençoados são aqueles cujas iniquidades foram perdoadas e cujos pecados
foram cobertos. (8) Abençoado o homem de quem de maneira nenhuma o Senhor considerará
[colocará em sua conta] pecado.
Paulo inicia o texto em estudo (3.21) com uma referência ao testemunho dado pela
lei e os profetas, numa clara referência às páginas do Antigo Testamento. Para os
apóstolos, o Antigo Testamento não apenas aponta e testemunha a obra futura de
Cristo, mas serve de base para sua própria proclamação. Este tema também pode
ser observado, por exemplo, no discurso de Pedro ante Cornélio e sua família e
amigos, em Cesareia: “Dele todos os profetas dão testemunho de que, por meio
do seu nome, todo aquele que nele crê recebe remissão de pecados” (Atos 10.43).
Para os apóstolos o Antigo Testamento não é livro para judeus simplesmente, mas
é um testemunho antecipado a respeito de Jesus Cristo, como salvador de todos
os povos.
Vale observar que em 3.21 Paulo emprega o termo “lei” duas vezes. Na segunda
ocasião, na expressão “lei e profetas”, trata-se de uma referência mais específica à
Torah, o conjunto dos livros escritos por Moisés (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números,
Deuteronômio). Na primeira menção à “lei”, seu significado deriva da referência a
ela nos versículos anteriores (3.19,20). Neste caso, lei é aquela Palavra de Deus que
75
60
NYGREN, Anders. Commentary on Romans. Philadelphia: Fortress Press, 1988, p.152.
76
de uma fraseologia que lembra o Salmo 130.7, onde a redenção é considerada como
ULBRA – Educação a Distância
61
Idem, p.155.
62
Idem, p.157-158.
77
Sobre a última parte do versículo 25, Franzmann mostra que a justiça de Deus é
A história do mundo, por assim dizer, pusera em dúvida a justiça de Deus, o Juiz, pois a história
da humanidade fora em grande parte a história da longanimidade de Deus. Mesmo em Israel
podia-se dizer, com alguma aparência de direito: “Qualquer que faz o mal passa por bom aos
olhos do Senhor ... Onde está o Deus do juízo?” (Ml 2.17); e Epicuro podia sonhar de deuses
despreocupados que nem puniam e nem recompensavam. Mas agora, na hora suprema da
história, no grande “agora” da libertação, na cruz, demonstrou fora de qualquer dúvida sua
justiça como Juiz; demonstrou que todo seu “fazer vistas grossas” aos pecados anteriores dos
homens foi apenas isso, suspensão do juízo que tinha esta hora em vista. Agora ficou claro:
poupou a humanidade, não poupou seu Filho, mas o entregou por todos (8.31)63.
63
FRANZMANN, Martin H. Carta aos Romanos. Traduzido por Mário Rehfeldt e Gládis K. Rehfeldt.
Porto Alegre: Concórdia, 1972, p.59.
64
GATHERCOLE, Simon J. Where is Boasting? Early Jewish Soteriology and Paul’s Response in Romans 1-5.
Grand Rapids: Eerdmans, 2002, p.226.
65
Idem, p.230.
78
A razão pela qual (“pois”) Abraão não tem razão de se orgulhar perante Deus é
6.2.1 Justiça
Considerando as diversas ocorrências da família de vocábulos relacionados a dikaios
(= justo) no Novo Testamento, e comparando com as ocorrências de outras palavras
80
66
MORRIS, Leon. The Apostolic Preaching of the Cross. 3rd edition. Grand Rapids: Eerdmans, 1988,
p.251.
67
Idem, p.259.
68
GUTHRIE, Donald. New Testament Theology. Downers Grove: Inter-Varsity Press, 1981, p.493-4.
81
Paulo segue muito proximamente seu uso no Antigo Testamento, como pode ser
69
Idem, p.501.
70
Idem, p.496-8.
82
pecador. Um deles é o campo das obras da lei; o outro é o domínio da fé. O critério
da lei, rejeitado por Paulo, coloca no próprio ser humano a capacidade de alcançar
a justiça de Deus. O critério da fé inclui a obra objetiva de Cristo, que é referida no
texto com linguagem do comércio e de sacrifício (ver adiante). Trata-se da fé como
a confiança do homem na obra salvífica de Deus em Cristo.
Outra questão que merece reflexão é o uso por Paulo do termo “fé” para mais de
um referente. Na maioria dos usos do termo, Paulo se refere à fé como confiança
em Cristo, ou seja, a fé que tem Cristo como objeto. Na linguagem teológica, tem
sido usada a expressão latina fides qua, que resume a expressão “fé que crê”. Outro
uso para pistis é a fé como o conteúdo do crer – a verdade sobre Cristo e sua obra.
Paulo usa o termo neste sentido, por exemplo, em Gálatas 1.23 (“agora anuncia
a fé que antes procurava destruir”. Neste caso, Paulo está usando o termo “fé”
como um sinônimo de “mensagem” ou, mais propriamente, de “evangelho”. A
expressão fides quae (fé que é crida) é usada para referir-se a este uso de pistis. O
fato é que Paulo sempre considera “fé” como vinculada a Cristo e sua obra. A fé tem
um objeto certo e específico. O uso moderno de fé como um sentimento positivo
dentro da pessoa está muito longe daquilo que Paulo entende pelo conceito. Fé
verdadeira, fé pela qual alguém é justificado (declarado justo) perante Deus, não é
uma fé qualquer, mas a fé no objeto certo, isto é, Jesus e sua obra salvadora.
6.2.3 Redenção
Como já foi observado acima, Paulo conecta o conceito de justificação ao de
redenção. Ele diz em Romanos 3.24: “sendo justificados como dádiva pela sua
graça, através da redenção, a [que está] em Cristo Jesus”.
“Redenção” traduz o termo grego Apolytroosis. Este termo se origina na linguagem
comercial – “comprar de volta um escravo ou cativo; libertá-lo pelo pagamento
de um resgate … libertação do pecado e da finitude que vem através de Cristo.
Redenção, absolvição”.71
Este termo e lytroosis são relativamente raros já desde o grego clássico72. Apolytroosis
é empregado na LXX apenas em Daniel 4.34, referindo-se a Nabucodonosor
sendo libertado de sua loucura. Lytroosis é mais frequente no Antigo Testamento,
traduzindo geulah = redenção (Lv 25.29,48 ; Is 63.4 ) ou, mais frequentemente,
71
BAUER, Walter. A Greek-English Lexicon of the New Testamentant. Other Early Christian Literature. 2.ed.
Traduzido e adaptado por William F. Arndt e F. Wilbur Gingrich. Chicago: University of Chicago
Press, 1979, p.96.
72
BROWN, Colin. Apolytroosis. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, Colin
Brown, ed. IV, p.93.
83
pakhah = resgate, e outras palavras da mesma família (Sl 111.9 ; 130.7).73 Pode-se
6.2.4 Expiação/Propiciação
Em Romanos 3.25, Paulo diz que Deus mostrou publicamente (proetheto) Cristo
como propiciação (hilasteerion). Há apenas mais um lugar no Novo Testamento em
73
Idem, p.97.
74
GUTHRIE, op. cit., p.440-442, 476.
75
BÜCHSEL, F. Apolytroosis. Theological Dictionary of the New Testament. Gerhard Kittel, ed. Traduzido
por Geoffrey W. Bromiley. IV: 351-356. Grand Rapids: Eerdmans, 1967, p.354.
76
Idem, p.355.
77
GUTHRIE, op. cit., p.476.
78
LADD, George Eldon. A Theology of the New Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1988, p.433.
84
Mas é importante notar que o remover desta ira não se deve ao oferecimento que o homem
faz a Deus … mas a Deus mesmo … não estamos lidando com a ideia pagã quando falamos
de propiciação. Uma passagem como Levítico 17.11 claramente indica a posição. Pode-se
considerar o culto como o meio de tirar a ira de Deus de sobre o pecador, pelo oferecimento
de um kopher; mas é assim não porque o Deus de Israel possa ser comprado, mas porque Ele
deu para o povo este meio de evitar a ira.
mesmo sob premissas da LXX, hilasteerion sem o artigo não denota necessariamente o
propiciatório. A própria palavra significa ‘propiciatório’… pode denotar o kapporeth, mas isso
porque se referia a sua função, e não porque formava uma tradução exata do termo hebraico. … é
melhor considerar hilasteerion como denotando “meio de expiação” do que como um lugar.
Ladd82 sugere que, não importa qual seja o melhor referente, o fato é que, “pelo uso
da palavra, Paulo faz uma alusão direta à oferta pelo pecado que era apresentada
pelo sumo-sacerdote no grande Dia da Expiação”.
79
MORRIS, op. cit., p.159.
80
Idem, p.177.
81
Idem, 189, 191.
82
LADD, op. cit., p.425.
85
83
MORRIS, op. cit., p.201.
84
GUTHRIE, op. cit., p.468.
85
MORRIS, idem, p.200.
86
FRANZMANN, op. cit., p.57.
87
GUTHRIE, op. cit., p.447-8.
86
Conclusão
ULBRA – Educação a Distância
Atividades de autoestudo
1. Considere as seguintes alternativas, que tentam explicar como acontece a
justificação do pecador perante Deus, comentando aquela que melhor expressa
a forma de Paulo entender o tema: a) a pessoa se torna justa na medida em que
é fiel aos preceitos de Deus na sua santa lei; b) Deus transforma o pecador em
justo, de modo que a pessoa não peca mais; c) Deus declara justo aquele que
ainda é pecador e isso por causa da obra de Cristo, recebida pela fé.
III. Este termo traduz hilasteerion, que está ligado ao termo hebraico para
a tampa da Arca da Aliança.
b. I e IV.
c. II e III.
Respostas
2.d; 3.c
Referências
BAUER, Walter. A Greek-English Lexicon of the New Testamentand Other Early Christian Literature.
2. ed. Traduzido e adaptado por William F. Arndt e F. Wilbur Gingrich. Chicago: University
of Chicago Press, 1979.
BROWN, Colin. Apolytroosis. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento,
Colin Brown, ed., v.II, tradução de Gordon Chown. Sãso Pauo: Vida Nova, 2000.
BÜCHSEL, F. Apolytroosis. Theological Dictionary of the New Testament. Gerhard Kittel, ed.
Traduzido por Geoffrey W. Bromiley, IV: 351-356. Grand Rapids: Eerdmans, 1967.
FRANZMANN, Martin H. Carta aos Romanos. Traduzido por Mário Rehfeldt e Gládis K.
Rehfeldt. Porto Alegre: Concórdia, 1972.
GATHERCOLE, Simon J. Where is Boasting? Early Jewish Soteriology and Paul’s Response in
Romans 1-5. Grand Rapids: Eerdmans, 2002.
GUTHRIE, Donald. New Testament Theology. Downers Grove: Inter-Varsity Press, 1981.
88
LADD, George Eldon. A Theology of the New Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1988.
ULBRA – Educação a Distância
MCGRAWTH, A. E. “Justification.” In: Dictionary of Paul and His Letters. Ed. por Gerald F.
Hawthorne e Ralph P. Martin. Leicester: Inter-Varsity Press, 1993.
MORRIS, Leon. The Apostolic Preaching of the Cross. 3rd edition. Grand Rapids: Eerdmans,
1988.
NYGREN, Anders. Commentary on Romans. Philadelphia: Fortress Press, 1988.
POLLARD, Paul. “The ‘Faith of Christ’ in Current Discussion.” In: Concordia Journal, 23/3
[Julho de 1997]: 213-228.
WRIGHT, N. T. What Saint Paul Really Said. Was Paul of Tarsus the Real Founder of Christianity?
Grand Rapids: Eerdmans, 1997.
7
A NOVA PERSPECTIVA SOBRE
O APÓSTOLO PAULO
Vilson Scholz
Introdução
A nova perspectiva sobre Paulo é, como o próprio título diz, um estudo nas cartas de
Paulo. Isso já indica, de saída, que não será fácil ou não é ponto pacífico. Afinal, na
segunda carta de Pedro já existe um parecer que se confirma sempre de novo: “Nas
cartas dele [de Paulo] há algumas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e
os fracos na fé explicam de maneira errada” (2 Pe 3.16, NTLH). Como será visto ao
longo deste estudo, não há unanimidade quanto ao que se quer dizer, exatamente,
ao se usar a expressão “a nova perspectiva sobre Paulo”.
Em seu livro intitulado Teologia de Paulo, James Dunn, um dos expoentes dessa nova
perspectiva, toca no assunto dentro do capítulo da “justificação pela fé”. Isso por
si só já sugere que a nova perspectiva mexe com textos fundamentais das cartas de
Paulo. Um exemplo é Gálatas 2.15-16: “Nós, judeus por natureza e não pecadores
dentre os gentios, sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da
lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para
que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras
da lei, ninguém será justificado”. Segundo Dunn, em um de seus muitos artigos e
ensaios, neste texto Paulo começou a formular a questão da justificação. Ele o teria
feito “ao correr da pena”, ou seja, na medida em que ia escrevendo, buscando a
melhor formulação. Seja como for, nesse texto de Gálatas aparecem os termos que
entram em discussão nessa nova perspectiva: judeus e gentios, justificação, fé e
obras da lei. São, com certeza, temas centrais da teologia paulina e, por que não
dizer, de toda a fé cristã. Por isso vale a pena procurar entender do que se trata e
como se pode avaliar essa “nova perspectiva sobre Paulo”.
90
7.1 E. P. Sanders
ULBRA – Educação a Distância
A rigor, o termo “nova perspectiva” foi cunhado por James Dunn, num escrito de
1982. Mas essa nova perspectiva, como o próprio Dunn reconhece, só foi possível a
partir de um livro de Ed Parish Sanders, ou, como ele costuma assinar, E. P. Sanders.
O livro, de 627 páginas, se intitula “Paul and Palestinian Judaism: A Comparison
of Patterns of Religion” e foi publicado em 1977.
Esse livro de Sanders nunca foi traduzido para o português. (Outra obra de
Sanders, mais breve, intitulada “Paulo, a Lei e o Povo Judeu”, existe em tradução
portuguesa.) É feito de duas partes, começando de trás para frente (em termos do
título anunciado): judaísmo palestino e Paulo. O leitor poderia esperar três partes:
judaísmo palestino, Paulo, e Paulo e o judaísmo palestino. No entanto, essa terceira
parte, a comparação, aparece apenas brevemente, na conclusão.
No Prefácio, Sanders apresenta seus objetivos, relacionados com o judaísmo
palestino e Paulo. O que chama a atenção é o que ele pretende em relação ao
judaísmo palestino ou rabínico: “Destruir a visão de judaísmo rabínico, que
ainda é comum em grande parte, ou talvez na maior parte, das obras acadêmicas
relacionadas com o Novo Testamento, e criar uma visão diferente do judaísmo
rabínico”.
Convém esclarecer que, no tempo do Novo Testamento, havia, por assim dizer,
dois tipos de judaísmo: o palestino e o helenista (da diáspora). Paulo era um judeu
helenista. No entanto, a nova perspectiva não trabalha com esse suposto contraste
entre diferentes tipos de judaísmo; o que interessa, como Sanders indicou, é a visão
do judaísmo daquele tempo que se tem (ou tinha) em círculos cristãos. Ao falar
sobre “judaísmo palestino” ou “judaísmo rabínico”, Sanders e outros têm em vista o
judaísmo que acabou sobrevivendo à destruição do Templo em 70 d.C. Em seu livro,
Sanders se ocupa de modo especial com os escritos rabínicos dos dois primeiros
séculos da era cristã, especialmente os rabinos que viveram entre a revolta de Bar
Kochba (135 d.C.) e o surgimento da Mixná, por volta de 200 d.C.
Isso começou a mudar, segundo Sanders, em 1880, com um livro escrito por
88
SANDERS, E. P. Paulo – A Lei e o povo judeu. São Paulo: Paulus, 1990, p.42.
92
89
Idem, p.42-43.
90
Idem, p.57.
91
Idem, p.60.
92
Idem, p.62.
93
Idem, p.71.
93
com Deus, resultante do fato de que Deus havia escolhido Israel. Deus havia agido
ULBRA – Educação a Distância
94
SANDERS, E. P. Paul and Palestinian Judaism: A Comparison of Patterns of Religion. Minneapolis: Fortres
Press, 1977, p.422.
95
textos que dizem claramente que Deus julgará os atos humanos com todo o rigor.
por Deus com a vinda de Cristo (Rm 10.2-4). A conclusão de Sanders é esta: o que
ULBRA – Educação a Distância
95
Idem, p.552.
97
O que decorre dessa visão de Dunn e Wright é que “justificação” deixa de ter
para o relacionamento entre Deus e os homens. Para tanto, Paulo se baseia no que
ULBRA – Educação a Distância
as Escrituras dizem. Ele apela para a promessa feita a Abraão, uma promessa com
alcance universal que agora se cumpriu em Jesus.
No fundo, trata-se da velha questão de termos uma Palavra de Deus que se opõe à
outra, ou seja, do evangelho que se contrapõe à lei. Por um lado, Deus se compromete
de forma incondicional a salvar todos em seu amor. Por outro lado, a lei propõe
algo diferente: a salvação está condicionada ao cumprimento dos mandamentos.
Quem os observa é que viverá (Lv 18.5 e todo o livro de Deuteronômio). Como
reconciliar Gênesis 12 e Deuteronômio? Segundo Paulo, a própria lei declara que
o projeto que ela apresenta é um beco sem saída. Ela ensina que quem pratica os
mandamentos viverá por meio deles, mas ao mesmo tempo ensina que essa busca
acabará em fracasso, levando à aplicação da maldição que a lei proclama contra
os transgressores (Gl 3.10-11 e Rm 3.9-20, 7.7-12). A lei deixa tudo entregue ao
ser humano, oferecendo a opção de vida ou morte, bênção ou maldição. Mas ela
também reconhece que, por causa do pecado, o resultado fatalmente será maldição
e morte, e não bênção e vida. Assim sendo, a lei confirma o anúncio do evangelho
de que, em Cristo, Deus assumiu total responsabilidade pelo destino e salvação
do ser humano. Portanto, permanece de pé a polaridade lei-evangelho, que Lutero
de forma tão clara percebeu nos textos paulinos.
Outro ponto ressaltado por Francis Watson é que Sanders não se deu conta de
que, na literatura judaica daquele tempo, a lei e a aliança são inseparáveis. Não
existe um ato divino de eleição divina anterior à entrega da lei no monte Sinai. As
duas coisas ocorrem juntas, eleição de Israel e outorga da lei, no Sinai. A lei é ao
mesmo tempo dom e tarefa, a promessa “eu serei o teu Deus” e a exigência “vós
sereis o meu povo”. A base do relacionamento entre Deus e Israel é a Tora, e tudo
que veio antes do acontecimento no Sinai é incorporado de forma retrospectiva
naquele acontecimento de outorga da lei.
Quem faz a distinção entre aliança ou promessa e lei é Paulo (veja Gl 3.17). Paulo
contrapõe a aliança com Abraão com a entrega da lei, que ocorreu 430 anos depois.
Nada disso ocorre nos textos judaicos. Segundo eles, os patriarcas Abraão, Isaque
e Jacó, muito mais que habitar numa zona “sem lei”, ou seja, muito mais que
viver unicamente da promessa, têm o seu relacionamento com Deus determinado
antecipadamente pela Tora. Eles cumpriram a lei de forma antecipada (antes de
ela ser dada) e de forma exemplar. Na mentalidade judaica daquele tempo, era
inconcebível que Deus pudesse ter eleito Israel em outro momento que não fosse
no Sinai. Obedecer à lei se torna, assim, um aspecto fundamental da aliança.
Outro aspecto lembrado por Francis Watson é que Sanders não conseguiu eliminar
por completo a ideia de que a ação salvadora de Deus depende da fiel (embora
imperfeita) observância da lei. Esse ponto de vista pode não aparecer em todos os
textos, mas é bastante comum. Se ao menos para alguns judeus a observância da lei
99
era uma espécie de pré-requisito para a ação salvadora de Deus, não há como dizer
96
HAGNER, Donald. The New Testament – A Historical and Theological Introduction, p.113.
100
Atividades de autoestudo
ULBRA – Educação a Distância
Respostas
Referências
HAGNER, Donald. The New Testament – A Historical and Theological Introduction. Grand
Rapids, Baker Academic, 2012.
SANDERS, E. P. Paul and Palestinian Judaism: A Comparison of Patterns of Religion. Minneapolis:
Fortres Press, 1977.
SANDERS, E. P. Paulo – A Lei e o povo judeu. São Paulo: Paulus, 1990.
8
A RELAÇÃO OU CONEXÃO
ENTRE ANTIGO TESTAMENTO
E NOVO TESTAMENTO
Vilson Scholz
Introdução
É fácil (e perigoso) generalizar, mas não custa começar com uma afirmação
genérica: “O Antigo Testamento é pouco conhecido na igreja cristã”. Existe pouca
familiaridade com o texto em si e, considerando-se a extensão desse testamento,
não é grande o número de versículos que as pessoas têm memorizado (ou que
saibam identificar, em termos de “essas palavras estão em Isaías 43.1”, por
exemplo). Quem estudou as duas línguas bíblicas (grego e hebraico), que são, na
verdade, três (incluindo-se o aramaico), aos poucos tende a deixar que caiam no
esquecimento, pela falta de utilização. Nesse caso, a primeira que desaparece da
memória e do horizonte é o hebraico, a língua em que foi escrita a maior parte do
Antigo Testamento. Até por ser uma língua semítica que não tem parentesco com
o português e não o influenciou em nada que vá além de “aleluia” e “amém”.
Lá nos seus inícios, a igreja cristã teve, por assim dizer, a opção de reter o Antigo
Testamento ou, então, de descartá-lo. Num primeiro momento, antes de se ter o
Novo Testamento, a Igreja teria ficado sem Bíblia, o que seria impensável. É claro
que poucos foram os que, de forma consciente, pensaram na possibilidade de ficar
sem o que hoje chamamos de Antigo Testamento. A teologia cristã não poderia ficar
sem a rocha da qual ela foi esculpida. É claro que isso colocou, desde cedo, a questão
de como ler o Antigo Testamento. Como ele se relaciona com a teologia cristã, com
o Novo Testamento? Essa foi, e ainda é, uma das mais importantes questões da
teologia cristã: o que fazer com o Antigo Testamento? Como vamos fazer a leitura
desses textos? Da resposta a estas perguntas depende, em grande parte, a teologia
que se professa e a igreja que se é. O exegeta alemão Leonhard Goppelt escreveu:
“O tema de Cristo e do Antigo Testamento ... é uma questão-chave para a teologia
104
como um todo”. É por isso que se torna importante refletir sobre a relação ou a
ULBRA – Educação a Distância
Tal tensão, convém frisar, longe de ser um problema, é algo positivo. Mostra que
ULBRA – Educação a Distância
a Bíblia está como que atenta à complexidade da vida humana, até mesmo no que
se refere ao relacionamento com Deus.
Existem muitas variações “teológicas” desse tipo também dentro do Novo
Testamento. Bastaria citar os Evangelhos sinóticos e as diferenças de ênfase entre
Gálatas e Romanos. Mas o que se quer destacar, de momento, são as diferenças entre
os testamentos, ou seja, aquelas que se aplicam ao Antigo Testamento como um
todo, em contraste com o Novo Testamento. Não custa repetir que tais diferenças
são antes de tudo questão de vocabulário, não de assunto. Assim, o título “Cristo”
(ou até mesmo “Messias” no seu sentido técnico) e o nome “Jesus” não aparecem
no Antigo Testamento. Mas há uma grande diferença entre constatar isso e não
querer enxergar Cristo de jeito nenhum no Antigo Testamento. E enxergar Cristo
no Antigo Testamento deveria ser algo normal, tão logo o “véu” tenha sido tirado
de nossos olhos (2 Co 3.14).
Muito da diferença entre os testamentos pode ser resumido em termos de “implícito-
explícito”. “Jesus Cristo” não aparece explicitamente no Antigo Testamento, mas
a fé cristã insiste que Cristo não deixa de ser o assunto implícito. Outra forma de
expressar essa “unidade na diversidade” entre os dois testamentos é dizer que
“o Antigo Testamento nos diz o que o Cristo é; o Novo Testamento, quem ele é”.
Mas a formulação clássica e incomparável é a de Agostinho: Novum Testamentum
in Vetere latet; Vetus in Novo patet (O Novo Testamento está latente no Antigo; o
Antigo Testamento se torna patente no Novo).
sua suposta inédita ênfase na graça. No entanto, uma visão mais equilibrada afirma
ULBRA – Educação a Distância
que a Bíblia como um todo, Antigo e Novo Testamentos, é feita de lei e evangelho.
Ou seja, existe evangelho – e muito! – no Antigo Testamento, assim como existe
lei – e em grande quantidade e com boa ênfase! – no Novo Testamento.
Que nome se poderia dar, então, à religião do Antigo Testamento, que nós
confessamos ser uma forma incipiente de cristianismo, ou seja, uma prefiguração do
cristianismo? Talvez o termo mais apropriado seja “javismo”, a partir do nome de
Deus, o famoso tetragrama (YHWH ou Javé). Quanto aos seguidores dessa religião,
é melhor seguir o exemplo do Antigo Testamento e chamá-los de “israelitas”. Em
todo caso, em se tratando do Antigo Testamento, o termo “judeu” deveria ser
tirado de circulação.
alto o êxodo (num contexto bíblico mais amplo, da criação à segunda vinda de
de nosso Deus, naquilo que se costuma chamar de “terceiro uso da lei”. Do lado
ULBRA – Educação a Distância
de lá, isto é, indo além desses limites, há outros “deuses” e “senhores”. Mas
dentro dos limites existe “liberdade cristã”.
Leonhard Goppelt, em seu livro Typos (e também no verbete com o mesmo título,
no dicionário teológico de Kittel), a postura fundamental do Novo Testamento
em relação ao Antigo é o da tipologia. Em outras palavras, os escritores do Novo
Testamento olham para o Antigo Testamento em termos de tipologia. À luz do
antítipo, que é o cumprimento, sempre em escala maior, no Novo Testamento,
o que eles enxergam no Antigo Testamento são tipos, prefigurações, sempre em
escala menor. Um exemplo clássico é 1 Coríntios 10, onde Paulo, partindo da
realidade da igreja de seu tempo, fala sobre prefigurações ou tipos do batismo e
da santa ceia no tempo de Moisés. Aliás, se pensarmos em termos de palavra e
sacramentos (batismo e ceia), a tipologia seria a parte dos sacramentos, enquanto
a profecia seria a palavra.
Como é sabido, existem, na Bíblia, acontecimentos, pessoas e instituições ou lugares
tipológicos. Sobre acontecimentos, a criação do mundo é um tipo da nova criação.
O dilúvio é tipo do batismo (1 Pe 3.21). Mais notório é o acontecimento salvífico
do êxodo. O Egito, neste sentido, é um tipo dos poderes das trevas. Os oráculos
contra as nações (com destaque para Edom e Babilônia) lembram que praticamente
cada nação pode aparecer como um tipo dos reinos deste mundo que se levantam
contra o Reino de Deus. O faraó do período do êxodo se torna praticamente um
tipo de Satanás ou do anticristo.
Pessoas tipológicas incluem Adão, Abraão, Moisés, Josué, entre outros. Moisés
é o arquétipo de profeta, sacerdote e rei do Antigo Testamento, antecipando os
três ofícios de Cristo. A relação tipológica entre o Novo Testamento e Moisés fica
estabelecida em 2 Coríntios 3 e em Hebreus 3.1-6. Os juízes são tipos do Salvador.
Davi tipifica aquele que é maior do que Davi. Com Salomão, aparece o tema da
sabedoria. Israel é tipo da igreja, como mostra Gálatas 6.16.
Sobre lugares e instituições, pode-se dizer que esta é a única espécie de tipologia
que é mencionada nas Confissões Luteranas. No artigo XXIV da Apologia (seções
36 e 37), que trata da missa, discute-se o tipo levítico do sacrifício diário. Além
disso, são tipológicos a terra (prometida), Sião ou Jerusalém, o templo (como selo
da presença de Deus), a páscoa, o sábado. Este já aparece com tipo e antítipo no
próprio Antigo Testamento, onde é visto como memorial ou atualização (no sentido
de tornar presente) da criação (Êx 20.11) e do êxodo (Dt 5.15). O sábado era também
tipo do ano sabático. Jesus fez referência indireta a isso no seu sermão inaugural,
conforme Lucas 4.16-30. Por fim, a circuncisão é um tipo do batismo (Cl 2.11-12).
Ao se tratar da tipologia, é preciso levar em conta a centralidade de Cristo e o
detalhe de que o antítipo supera ou excede o tipo. Outro aspecto importante é não
confundir tipologia e alegoria. A alegoria ignora a história e se põe a fazer aplicações
subjetivas e arbitrárias. Ela é puramente vertical, buscando apenas verdades mais
“elevadas” ou “espirituais”. A tipologia é horizontal, levando a história a sério.
113
No caso de Agar e Sara, por exemplo (Gl 4.21-31), em momento algum Paulo nega
Atividades de autoestudo
1. Devido à sua orientação histórica e não sistemática, a Bíblia não se apresenta
de maneira uniforme, mas com consideráveis variações de ênfase, vocabulário
e formulação de livro para livro e, às vezes, até dentro do mesmo livro bíblico.
Explique a unidade da Bíblia diante dos contrastes e tensões que a mesma
apresenta.
Respostas
2.b; 3.e
Referências
HASEL, Gerhard F. Teologia do Novo Testamento: questões fundamentais no debate atual. Trad.
Jussara Marindir Pinto Simões Arias. Rio de Janeiro: Juerp, 1988.
HUMMEL, Horace D. “How to preach the Old Testament.” In: Concordia Pulpit, 1986, p.1-14.
9
LINGUAGEM INCLUSIVA
NO CONTEXTO TEOLÓGICO
Vilson Scholz
Introdução
O assunto da linguagem inclusiva é de origem relativamente recente, ao menos
no contexto brasileiro. É tema polêmico, porque mexe com a linguagem usada na
igreja, em especial no culto. E, se “a linguagem é a casa do ser”, segundo o poeta
Mario Quintana, a linguagem que usamos diz muito da nossa essência, revela um
bocado a respeito de quem somos.
No contexto de fala inglesa, essa já é uma discussão mais antiga. Envolve, de
modo especial, traduções bíblicas, mas tem a ver também com material que
é usado em cultos. Aflorou de modo especial com o lançamento, em 2001, da
TNIV (Today’s New International Version), que é uma atualização da NVI (“New
International Version”), lançada originalmente em 1973. Essa TNIV adotou a
assim chamada linguagem inclusiva. Foi (e ainda é) fortemente criticada por
setores mais conservadores, incluindo autores mais conhecidos como Wayne
Grudem e Vern Poythress. Do outro lado do fosso, defendendo o uso de linguagem
inclusiva, encontra-se gente como Donald Carson, Craig Blomberg, Mark Strauss,
entre outros. É um assunto que cria tensões e até divisão dentro de algumas
denominações. Sente-se que há a necessidade de explicar isso, tanto assim que
denominações ou igrejas preparam documentos de esclarecimento sobre o assunto.
A Comissão de Teologia e Relações Eclesiais do Sínodo de Missouri, nos Estados
Unidos, que é uma das grandes denominações luteranas, publicou um estudo
em 1998. Este estudo foi traduzido e publicado no Brasil, em 2003, com o título
Revelação Bíblica e Linguagem Inclusiva (Editora Concórdia).
No contexto de língua portuguesa, esse problema ainda não se tornou agudo, por
não existir nenhuma tradução que faça uso de linguagem inclusiva. É bem verdade
que a comissão de tradutores que preparou a Nova Tradução na Linguagem de
116
(dizer “irmãos e irmãs”, por exemplo, quando o termo “irmãos” se refere a toda
a igreja). Entretanto, tal projeto foi abandonado, por ser prematuro e criar uma
polêmica desnecessária num momento pouco oportuno.
O que é essa “linguagem inclusiva”? Seria possível fazer uso dela numa tradução
bíblica? Ao final desta aula, você saberá mais a respeito desse assunto e terá
elementos para se posicionar pessoalmente diante desse tema que, em alguns
lugares e contextos, já se mostra bastante polêmico.
Deus tem conexão com a apresentação de Israel como “filho” e com a teologia
da casa de Davi. Também o título “Filho do Homem” tem uma longa história no
Antigo Testamento e na literatura do período do intertestamento. No entanto, o
uso de “o Humano” faz com que se perca essa conexão.
Nesse lecionário, Deus se caracteriza pela “bissexualidade”. A comissão se expressa
assim: “Deus é o pai maternal da criança que surge”. Ele tanto gera como dá à luz.
(Nos dias atuais, muitas feministas falam sobre um “Deus que dá à luz”.) Assim,
no Getsêmani, Jesus ora assim: “Deus, meu Pai e Mãe, se for possível, passa de
mim esse cálice”. A gente pode perguntar, diz Elizabeth Achtemeier, que fim levou
a virgem Maria. Deus e Jesus também não são chamados de “Senhor” ou “Rei”, e
eles não têm um “reino” ou “reinado”, mas apenas um “âmbito” ou “campo” (em
inglês, realm). Todos os reis passam a ser “monarcas” ou “governantes”.
Também os fatos históricos são reescritos à luz da agenda feminista. Em Mateus
3.9, Jesus é levado a dizer: “Não comecem a dizer a vocês mesmos: Temos por pai
Abraão e por mães temos Sara e Agar”. Mas, pergunta Achtemeier, será que alguém
do povo da aliança em algum momento se viu como descendente de Agar? Falando
em termos teológicos, Paulo diz com todas as letras, em Gálatas 4.31: “não somos
filhos da escrava, mas da mulher livre”. Os formuladores do referido lecionário
tentam impor sua moralidade pessoal aos leitores e ouvintes do lecionário. Isso
ocorre em Mateus 5.32, onde pedem desculpas pelas palavras ditas por Jesus, que
“para pessoas de nosso tempo, soam severas e restritivas”. E, embora supostamente
tenham se proposto a eliminar termos “racistas” como “escuridão”, trataram de
fazê-lo em Isaías 9 e 60, mas deixaram de fazê-lo em João 1 e Gênesis 1.
Segundo a avaliação de Elizabeth Achtemeier, esse lecionário com linguagem
inclusiva é um monstrengo, sob vários aspectos. Em termos literários, os textos
acabam ficando de mau gosto. Do ponto de vista da integridade acadêmica,
falsamente atribui aos autores bíblicos palavras que eles nunca escreveram nem
disseram. Exemplo disso é Isaías 55.6, que diz: “Buscai o SENHOR enquanto
pode ser achado, invocai-o enquanto está próximo”. Isso é transformado em:
“Buscai Deus, que pode ser achado; invocai Deus, que está próximo”. Trata-se de
uma mudança fundamental, que elimina a referência temporal (o “enquanto”)
do texto hebraico. Em termos teológicos, o lecionário nega a realidade concreta
da encarnação de Cristo e atribui a Deus, que é santo, ou seja, diferente de tudo
que foi criado, a sexualidade, que é uma estrutura da criação (isto é, algo que foi
criado, conforme Gênesis 1). Em termos éticos, o lecionário revela total ojeriza,
para não dizer ódio, a tudo que é masculino. Em termos históricos, impõe à Bíblia
um conjunto de relacionamentos, costumes e moral que é totalmente estranho a
ela. E tudo isso foi feito para satisfazer uma ideologia feminista, que foi imposta
ao texto bíblico e levou a esse tipo de alterações que agradam às feministas, diz a
teóloga Achtemeier.
119
Dito de outra forma, eles defendem uma tradução extremamente literal da Bíblia.
ULBRA – Educação a Distância
Se está escrito “adelphói” (“irmãos”), só poderá ser traduzido por “irmãos”, e não
por “irmãos e irmãs”. Entendem que aceitar essa agenda do politicamente correto
(dizendo “irmãos e irmãs”) acabará fatalmente resultando em algo horrível como
o lecionário que foi descrito e avaliado acima.
Nem todos, porém, concordam com a tese de que uma coisa necessariamente levará
à outra. Entre eles está o renomado teólogo conservador Donald Carson. Entende
que é possível e até necessário ser sensível ao modo de falar e escrever de hoje.
Argumenta que, por vezes, o termo grego “adelphói” pode se referir a um grupo de
homens e mulheres, fazendo com que, em certos contextos, seja permissível traduzir
por “irmãos e irmãs”, especialmente se o texto será lido e ouvido por pessoas que
pensam (ou estão acostumadas a pensar) que o termo “irmãos” automaticamente
exclui as mulheres.
todas masculinas e precisam ser mantidas como tais. No caso de “Pai” e “Filho”,
que termos como “todos” e “irmãos” não são masculinos, mas neutros e, por
conseguinte, inclusivos. Sempre foram. Como o português não tem o gênero
neutro, o gênero masculino faz a vez de. “Todos”, portanto, se refere a todos
mesmo, homens e mulheres. Quando, porém, se diz “todos e todas”, esse “todos”
é claramente masculino. À medida que esse linguajar dito inclusivo se tornar mais
difundido, a igreja e, por extensão, as suas traduções bíblicas terão que ser sensíveis
a esse fenômeno. Se “todos e todas” é irritante para muitos, a mesma irritação
pode ser sentida por alguém que, já hoje ou em dias futuros, entende que “todos”
não inclui as pessoas do sexo feminino. Importa, portanto, ser sensível à forma
contemporânea de se comunicar. Isso não significa necessariamente abrir mão de
princípios teológicos fundamentais ou aderir de forma irrefletida à agenda de um
feminismo radical que pode ser tão odioso quanto sempre foi e ainda é o machismo.
No caso das traduções bíblicas, vigora e sempre deveria vigorar o princípio expresso
por Gordon Fee e Mark Strauss: “Traduções bíblicas que fazem uso de linguagem
inclusiva fazem isso apenas quando se tratam de pessoas e quando o original dá
a entender que se tem em vista pessoas dos dois sexos.”97
97
FEE, Gordon; STRAUSS, Mark. How to choose a translation for all its worth. Zondervan, 2007, p.102.
123
exclusivo, como referência apenas a pessoas adultas do sexo masculino. É claro que,
Referência comentada
REVELAÇÃO bíblica e linguagem inclusiva. Documento elaborado pela Comissão
de Teologia e Relações Eclesiais da Igreja Luterana – Sínodo de Missouri (EUA).
Tradução de Rony Ricardo Marquardt. Porto Alegre: Editora Concórdia, 2003. (Este
124
assunto desta aula. Será necessário levar em conta que se trata de uma tradução.
O texto leva em conta a realidade da língua inglesa e a tradução nem sempre fez
a devida adaptação à realidade do português).
Atividades de autoestudo
1. Retome a questão levantada anteriormente, relacionada com Provérbios 5.15:
seria este um versículo que poderia ser colocado em linguagem inclusiva,
para que a mulher ou esposa também se sentisse endereçada? E como ficaria
a tradução desse versículo, se insistíssemos nesse ponto? Leve em conta o
princípio enunciado por Fee e Strauss: “Traduções bíblicas que fazem uso de
linguagem inclusiva fazem isso apenas quando se tratam de pessoas e quando
o original dá a entender que se tem em vista pessoas dos dois sexos”.
c. Ainda não existe uma tradução em língua portuguesa que faça uso de
linguagem inclusiva.
c. Afirma que a Bíblia ensina claramente que Deus está acima de todas
as categorias de gênero.
Respostas
2.d; 3.e
Referências
ACHTEMEIER, Elizabeth. “An inclusive language lectionary: readings for Year A.”
Interpretation, 38 (1984), p.64-66.
FEE, Gordon D.; STRAUSS, Mark L. How to choose a translation for all its worth. Grand Rapids,
Michigan: Zondervan, 2007.
REVELAÇÃO bíblica e linguagem inclusiva. Documento elaborado pela Comissão de
Teologia e Relações Eclesiais da Igreja Luterana – Sínodo de Missouri (EUA). Tradução de
Rony Ricardo Marquardt. Porto Alegre: Editora Concórdia, 2003.
10
O CONCEITO DE IGREJA
NO NOVO TESTAMENTO: ALGUMAS
OBSERVAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Vilson Scholz
Introdução
Dizem os historiadores da igreja que, durante mais ou menos mil e quinhentos
anos, viveu-se, na igreja, sem uma definição de “igreja”. Acontece que a igreja
estava tão presente na vida das pessoas ao longo de tanto tempo, na forma de
uma organização monolítica, que não havia necessidade de definir esse conceito.
A igreja era “confessada”, nos Credos (especialmente o Niceno), como “una, santa,
católica (cristã) e apostólica”. Mas não havia necessidade de ir muito além disso.
Com o início do movimento da Reforma, no século XVI, o conceito de igreja se
tornou problemático.
Em sua confissão basilar, a Confissão de Augsburgo (Artigo VII), os evangélicos
(depois chamados de luteranos) afirmaram que “sempre haverá e permanecerá
uma única santa igreja cristã, que é a congregação (ou “reunião”) de todos os
crentes, entre os quais o evangelho é pregado puramente e os santos sacramentos
são administrados de acordo com o evangelho”. E quando muitos quebravam
a cabeça em busca de uma definição filosófica da igreja, Lutero, nos Artigos de
Esmalcalde (Artigo XII, Da igreja), se gaba de que “... graças a Deus, uma criança
de sete anos sabe o que é a igreja, a saber, os santos crentes e ‘os cordeirinhos que
ouvem a voz de seu pastor’”.
Martinho Lutero preferiu o termo “congregação” ou “comunidade” (em alemão,
“Gemeinde”). O consagrado termo “Kirche” (igreja) ele reservou para umas poucas
passagens do Antigo Testamento, em geral relacionadas com idolatria. Um caso
específico é 2 Reis 10.23, em que Lutero usou o termo “Kirche” para traduzir a
locução “casa de Baal”.
128
criança de sete anos recitar uma definição tirada diretamente do texto bíblico,
mais especificamente João 10. Isso parece indicar que, para se ter uma definição
adequada do que seja “igreja”, é preciso investigar o texto bíblico.
Assim, em seu uso (que é o que realmente importa), a palavra pode designar, num
Um assunto que se discute desde longa data é a conexão entre Jesus e igreja. A
princípio, nada poderia ser mais óbvio: a igreja está conectada com Jesus, pois é
o corpo de Cristo. No entanto, trata-se, neste caso, da discussão se Jesus tinha a
intenção de “fundar” uma igreja, vista aqui mais no sentido de organização. A
pergunta é pertinente, porque, no caso de João Batista, pode-se afirmar com relativa
segurança que ele não tinha a intenção de formar uma “comunidade dos seguidores
de João Batista”, por mais que ele tivesse discípulos. Em outras palavras, as pessoas
não deixavam sua casa, sua profissão, etc. para seguir João Batista. Com Jesus foi
diferente, o que já ajuda a encaminhar uma resposta.
Antes da resposta, no entanto, convém formular bem a pergunta. Era intenção de
Jesus que a igreja viesse a existir? A pergunta se impõe, em função da seguinte
observação, feita sempre de novo: “Jesus anunciou a vinda do Reino de Deus, mas
em seu lugar surgiu a igreja”.
De fato, Jesus falou muito sobre o reino e aparentemente pouco sobre igreja. Não
há registro de que num determinado momento ele tenha “fundado” a igreja, o que
não significa que ele não previa o surgimento da igreja. Também é verdade que o
termo “igreja” aparece apenas três vezes nos Evangelhos, o que não significa que,
pela falta do termo, a “coisa em si” lá não esteja. Ao falar sobre um “pequenino
rebanho” (Lc 12.32), Jesus estava se dirigindo à sua igreja. Mas talvez o maior indício
de que Jesus tinha a igreja em mente é a escolha dos apóstolos. Essa escolha deu
conta de duas coisas: constituiu a igreja e instituiu o ministério. Em outras palavras,
os apóstolos eram ao mesmo tempo igreja e ministério (pastoral) dessa igreja. Jesus
escolheu os apóstolos para que esses pudessem ser o que o termo apóstolo indica:
seus representantes na continuação da obra de proclamação do Reino de Deus.
Levando isso em conta, é problemático afirmar que a igreja cristã foi fundada no
dia do Pentecostes. O próprio Novo Testamento não faz essa identificação. O dia
do Pentecostes foi muito antes o início da missão cristã no mundo.
Se o Reino de Deus é semelhante a isso ou aquilo, seria possível dizer que aquilo
completa. Não é apenas uma parte da igreja, um núcleo da igreja, mas é a igreja.
ULBRA – Educação a Distância
Cada uma das ekklesiai (“igrejas”) é ekklesia (“igreja”) no sentido pleno da palavra.
Claro, a igreja não se limita àquele grupo reunido em torno da Palavra de Deus
em determinado lugar.
O Novo Testamento não afirma isso com todas as letras, mas essa é uma conclusão
que se pode, legitimamente, tirar das várias formulações usadas para falar sobre
a igreja. Em especial, no livro de Atos dos Apóstolos. L. Coenen, no verbete sobre
“Igreja”, no Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento (v.2, p.404-405)
afirma: “Em Atos dos Apóstolos ... a igreja é uma só, em última análise, embora
somente apareça conforme se reúne em lugares específicos (cf. 14.27). Isto, porém,
sempre subentende a totalidade”. Ainda à página 405, Coenen constata que a
igreja “é uma só, em todo o mundo, e, ao mesmo tempo, é plenamente presente
em todas as assembleias individuais. Há identidade qualitativa (destaque nosso)
entre o singular e o plural. Lucas [em Atos] ... pode falar no singular igualmente
da igreja em geral (At 8.3 – “Saulo, porém, assolava a igreja, entrando pelas casas
...”) e da ekklesia “por toda a Judeia, Galileia e Samaria” (At 9.31)”. À luz disso,
pode-se concluir que são problemáticas, para não dizer equivocadas, as noções
de que a igreja como um todo feito de partes que se encontram espalhadas por
todo o mundo (que alguém poderia chamar de visão mais católica) e também
de que a igreja é basicamente um grande grupo de comunidades que, reunidas
ou vistas no seu todo, formam a igreja (no que se poderia chamar de visão mais
congregacionalista). Em termos teológicos, é preciso dizer que a una sancta (para
utilizar um termo da Teologia Sistemática) é ao mesmo tempo o conjunto de
todos os crentes em Cristo e os crentes em Cristo que se reúnem concretamente
em determinado lugar. Portanto, ninguém está autorizado a chamar um grupo
de cristãos reunidos em determinado lugar (especialmente quando procedem de
diferentes igrejas locais) de “representantes da igreja” ou de “núcleo da igreja”,
porque aquele povo reunido em torno da Palavra de Deus é a igreja.
amor a vocês, ... se tornou pobre a fim de que vocês se tornassem ricos por meio
ULBRA – Educação a Distância
Atividades de autoestudo
1. Nos Evangelhos, o termo “igreja” aparece unicamente três vezes, em dois textos:
Mateus 16.18 e Mateus 18.17. Examine esses textos dentro de seu contexto e
diga se em cada um desses o que se tem em vista é uma igreja local ou a igreja
mais no sentido universal (o conjunto de todos os crentes).
2. A igreja estava tão presente na vida das pessoas ao longo de tanto tempo, na
forma de uma organização monolítica, que não havia necessidade de definir
esse conceito. A igreja era “confessada”, nos Credos (especialmente o Niceno),
como “una, santa, católica (cristã) e apostólica”, ganhando novas conceituações
com o advento da Reforma, no século XVI. De acordo com Lutero e as confissões
luteranas, a igreja é:
a. Os santos crentes e os cordeirinhos que ouvem a voz de seu pastor.
3. O termo “igreja” (em grego, ekklesía) aparece, ao todo, 114 vezes no Novo
Respostas
2.e; 3.e
Referências
COENEN, L. “Igreja.” In: Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 1982, v.2, p.392-408.
KLOHA, Jeffrey. “The Trans-Congregational Church in the New Testament.” In: Concordia
Journal, July 2008, p.172-190.