pudesse auxiliar na compreensão de como a medicina a enxergava e o que era esta doença
(BENCHIMOL, 1999).
O impacto causado pela febre amarela na cidade do Rio de Janeiro nos leva a
refletir sobre as mudanças que ocorreram no espaço urbano, social, e na própria medicina,
não como uma resposta à falta de salubridade, à falta de médicos ou à falta de esgoto entre
outras “deficiências” que a historiografia em geral aponta que havia naquela cidade.
As primeiras epidemias de febre amarela foram vistas por muitos, sobretudo pelos
eclesiásticos, como um castigo para a Cidade, devido o estilo de vida profano aos olhos da
Igreja e da sociedade da época, e para amenizar esse mau, procissões eram realizadas e
preces eram enviadas aos céus a fim de apaziguar o sofrimento da população
(CHALHOUB, 1996: 63). Por outro lado, os médicos tentavam explicar que a doença se
tratava de um fenômeno natural, ocasionado, sobretudo, devido ao clima e à geografia da
Cidade.
Pereira Reis, e tendo como secretário o Dr. Herculano Augusto Lassance Cunha. Tal
órgão, a partir de um novo decreto de 29 de setembro de 1851, foi regulamentado e
denominado como Junta Central de Hygiene Pública (MARCILIO 1993), cuja
responsabilidade, em suma, era propor medidas que mantivesse estável e equilibrada a
saúde pública e que melhorasse o estado sanitário da Cidade. De acordo com a historiadora
Tânia Salgado Pimenta, a Junta funcionava da seguinte maneira: .
[...] “Para cumprir essas tarefas, a Junta contaria com os seus delegados,
as autoridades judiciárias e policiais e os fiscais da Câmara Municipal.
Contudo, a forma como deveria funcionar só foi detalhada pelo
regulamento de setembro de 1851, a partir do qual passou a ser
denominada Junta Central de Higiene Pública.
A criação deste órgão pelo Império demonstra uma discussão levantada por George
Rosen e que está implícita no pensamento do homem do século XIX. Ou seja, à
compreensão de que era imputado ao Estado a responsabilidade de zelar pela saúde e o
bem estar social, combatendo os perigos à vida humana, e em contrapartida era dever da
sociedade zelar pela mesma (ROSEN, 1980:81-82).
1
A idéia de Cidade ideal e Cidade real é inspirada no trabalho de Moretti: CF MORETTI, Franco. Atlas do
Romance Europeu: 1800-1900. São Paulo: Bomtempo Editorial, 2003.
5
Tanto a questão da febre amarela quanto o terror que ela causava aos cidadãos se
encaixavam perfeitamente no discurso dos médicos, os quais aconselhavam que tanto as
autoridades responsáveis pela saúde pública da cidade quanto a sociedade buscassem,
através de mudanças estruturais e culturais, uma maneira de resolver o problema da
doença. Em um destes relatórios da JCHP, denominado: Exposição da Junta de Hygiene
Pública sobre o estado sanitário da Capital do Império, e meios de conseguir o seu
melhoramento, assinado pelo Dr. Francisco de Paula Candido em 27 de Março de 1851,
percebemos a tentativa da JCHP de alarmar e conscientizar as autoridades quanto aos
problemas estruturais e de insalubridade enfrentados pela Cidade, mesmo que no começo
deste relatório o autor tente apresentar certo declínio dos afetados pela febre amarela com
relação ao ano anterior, tornando seu estado na Capital como satisfatório e apontando que a
doença não avançou além das embarcações, tendo casos esporádicos no interior da Cidade
(RELATÓRIO DA JCHP, 1851). O número de óbitos confirma esta afirmação: em 1850
foram 4.160 pessoas ; no ano seguinte 445 óbitos; e em 1852, sucumbiram 1943 pessoas.
(FRANCO,1969:43).
Esse relatório elenca algumas dificuldades que precisavam ser sanadas e/ou
minimizadas na Cidade, a qual apresentava um clima propício a pestes e miasmas, e tinha a
insalubridade como marca. A passagem abaixo, descrita por Lourival Ribeiro, apesar de
seu anacronismo e do discurso da “falta”, que refutamos, demonstra alguns dos problemas
enfrentados pela Cidade no início da segunda metade do século XIX.
Challoub acerca da forma pela qual a doença era compreendida no período em questão e
mesmo posteriormente. Para Chalhoub havia uma “interdependência entre o pensamento
médico e ideologias políticas e raciais” (CHALHOUB, 1996:62).
Além dos problemas com o porto o Rio de Janeiro, haviam inúmeras questões
estruturais a serem resolvidas, como, por exemplo, seu sistema de esgoto defasado e de
abastecimento de água e irrigação. Também coexistiam costumes que precisavam ser
transformados, tais como o despejo de dejetos em lugares impróprios, assim como
cadáveres de animais que eram depositados em qualquer lugar. Na concepção dos médicos
da Junta, as questões de insalubridade eram fundamentais na disseminação de doenças e
especialmente da febre amarela, que no período em questão estava associada às questões
de clima e costumes. Logo, com intuito de sanar tais problemas, os médicos da JCHP
idealizaram algumas soluções.
Outro “incômodo” a ser corrigido era o despejo de dejetos, que era feito por
escravos e em lugares inapropriados. Os médicos da JCHP tinham consciência que tal
prática, além de inadequada, também poluía o ar, tornando-o propenso à inúmeras doenças.
Na tentativa de solucionar essa questão e melhorar o hábito, os médicos da Junta sugeriram
a construção do que eles chamaram de “pontilhões flutuantes”, ou seja pontes que seriam
construídas sobre bóias; o intuito era fazer com que os dejetos fossem despejados com
maior agilidade, não se acumulassem na cidade ou nem sujasse as praias ou rios, sendo
assim despejados em maré vazante. E para evitar o mau cheiro dos dejetos na Cidade, a
sugestão era de que os barris que carregavam fossem construídos de ferro ou madeira e
tapados.
Percebemos por meio dessas sugestões feitas pela JCHP que a qualidade do ar era
de extrema importância nessa sociedade. Um ar com qualidade afastava os miasmas.
Associada a tal questão, também afirmavam que, devido ao clima quente, a Cidade já
estava fadada à doenças (KURY, 1990). Para os médicos, era importante viver numa
cidade em que o ar tivesse qualidade, e o hábito de lançar cadáveres de animais domésticos
em lugares inapropriados, como quintais das casas e ao ar livre, precisava ser modificado.
A decomposição desses animais deixava o ar “pútrido”. Logo, seus corpos deveriam ser
sepultados fora da Cidade, em lugares remotos e não mais deixados ao ar livre ou jogados
nas praias.
Em sua concepção, a febre amarela não se transmitia de um país para o outro e nem
diretamente de um enfermo para uma pessoa sã, mas sim era disseminada através de
exalações emanadas ou pelo doente ou pelo ambiente infecto. Ou seja, era o contato com
10
Entretanto, este Relatório ainda sugeria novas medidas para a melhoria do estado
sanitário da Cidade, como a criação de asilos para os mendigos, tendo em vista que sua
presença nas ruas da Cidade não era bem vista. Também propunha traçar o alinhamento da
cidade, a fim de possibilitar novas construções e reedificações de prédios. Outra medida
seria deslocar para fora da cidade as fábricas, cujo funcionamento comprometia a
salubridade da Cidade. Importante salientar que nesta questão, a JCHP apresentava uma
ressalva, afirmando que a medida deveria ser adotada desde que não se chocasse com
interesses particulares, se não fundados em lei ao menos mantidos pelo direito
consuetudinário, o que nos demonstra que os médicos não tinham interesse em provocar
conflitos com os proprietários de fábricas.
Como foi constatado nos relatórios da Junta Central de Higiene Pública, as soluções
propostas atingiriam diretamente o espaço urbano. Nesta perspectiva, reforça-se a visão
dos médicos, na época, sobre as doenças, inclusive sobre a febre amarela, especialmente
em relação à influência do clima e da fisiologia humana. Portanto, concluímos que as
novas medidas propostas para o combate à febre amarela na cidade do Rio de Janeiro,
como destacaram os Relatórios apresentados, no que dizia respeito à higiene e à
urbanização da cidade, eram reflexos das concepções e práticas defendidas por médicos em
relação às condições sanitárias da cidade.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS
FONTES PRIMÁRIAS:
FONTES SECUNDÁRIAS:
- ACADEMIA NACIONAL de MEDICINA. Em comemoração do centenário do ensino
médico. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1908.
- BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical. A renovação
urbana do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca,
1990.
- _______________________. Febre amarela: a doença e a vacina, uma história
inacabada. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001.
- _______________________. Dos micróbios aos mosquitos. Febre amarela e a revolução
pasteuriana no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/UFRJ, 1999.
- _______________________. Domingos José Freire e os primórdios da bacteriologia no
Brasil. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v.2, n. 1, p.67-98, jun 1995. ISSN 0104-
5970
- CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: o cortiço e epidemias na corte imperial. São Paulo:
Cia das Letras, 1996.
- EDLER, Flavio Coelho. As reformas do ensino médico e a profissionalização da
medicina na Corte do Rio de Janeiro, 1854-1884. Dissertação de mestrado, USP, São
Paulo. 1992.
- FRANCO, Odair. História da febre amarela no Brasil. Rio de Janeiro : Ministério da
Saúde / Departamento Nacional de Endemias Rurais, 1969.
- José Pereira Rego (verbete). Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no
Brasil (1832-1930). Capturado em 30 jun. 2011. Online. Disponível na Internet
http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br
- KURY, Lorelai. O Império dos miasmas. A Academia Imperial de Medicina (1830-1850).
Niterói, 1990. Dissertação (Mestrado em História), Niterói, UFF, 1990.
- ROSEN, George 1980 Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro, Graal,1980.