Tema: “Valorização da moldura” ou “Enquadramentos criativos”
Analise de uma critica social pictórica
Por Pedro Leobons
A imagem escolhida foi retirada de um dos livros pertencentes a série
Antologia Fotográfica, da editora-livraria Dazibao. O livro selecionado reúne um conjunto de imagens produzidas pelo fotógrafo foto-jornalista Juca Martins que traduzem claramente uma crítica social em relação a fatos ocorridos tanto no Brasil como na América Latina.
A maior parte das imagens reunidas na edição retratam claramente
assuntos como a injustiça social, resultados da corrupção e revoltas populares causadas por esses problemas. A foto escolhida não foge do que contempla a maioria. Foi tirada no ano de 1982, em São Paulo e mostra como funcionaria uma moradia debaixo de um viaduto.
A única figura humana e uma senhora negra vestida de forma simples,
com um lenço amarrado no cabelo. Se localiza aproximadamente na metade inferior de uma linha imaginaria que parece dividir a foto em duas partes: a metade esquerda é formada por concreto e o viaduto em si, além de um poste de luz; a metade direita, por sua vez, é formada pelo que parece ser terra, pelos papelões, supostas partes da estrutura do barraco e pela massa urbana de prédios ao fundo, a cidade de São Paulo.
Essas duas metades se relacionam de forma curiosa com a figura da
mulher ao centro. São como massas de um mesmo tom predominante: o perto. A lente deve ter sido escolhida de modo a permitir a distorção da cena, pois a senhora fotografada e praticamente encurralada pelas duas massas pretas que se curvam sobre ela.
É possível observar essa distorção pela posição em que o poste e a
massa de prédios se encontram, intensamente rotacionados em relação ao chão. Dessa forma, é feita uma pesada moldura em torno da mulher que ajuda a descriminar o assunto tratado na imagem: a terrível condição de quem mora em lugares como esse.
Tanto a moldura como o enquadramento contribuem para o mesmo
objetivo de estimular uma visão negativa em relação a situação fotografada, já que ajudam a potencializar sentimentos como angustia e desconforto pelos olhos do leitor/obsevador. O peso do enquadramento é reforçado pela predominância do preto na foto.
As únicas áreas que parecem se salvar disso servem de contexto para o
poste de luz e os prédios localizados na parte superior da imagem como também de “cenário” para a parte inferior da foto, na qual se encontra a figura feminina emoldurada pelas massas pretas. A presença de espaços mais ou menos pretos determina a existência de um “X” na imagem: as áreas mais claras formam as suas duas extremidades.
Ao ler parte do texto introdutório do livro, escrito pelo próprio Juca, é
fácil perceber que se dedicou durante sua carreira a se contrapor aos ideais impostos pela ditadura militar no país, mas nem sempre foi permitido a expressar sua revolta por meio da produção de imagens. Muitas vezes teve de se contentar a fazer o que no jargão jornalístico chama-se de “boneco”: fotos 3X4 de políticos e celebridades; além de ter de conviver diretamente com a censura. Dessa forma, e possível encaixar a imagem escolhida em um contexto de denúncia social, em pleno ano de 1982, no final da ditadura militar. A foto foi provavelmente tirada para estar em algum tipo de publicação, como revista ou jornal, mas deve ter sofrido a censura de Brasília. O próprio Juca menciona como era insuportável ter de esperar para saber o que deveria ou não ser publicado.
A censura pode ser explicada pelo medo de se ter a ditadura
desmacarada, já que uma das promessas do regime era o bem estar do povo, o que é claramente questionado pela foto selecionada. Mesmo já bastante enfraquecido, o regime no Brasil ainda lutava com suas ultimas forcas contra as pressões populares. Talvez o resultado final da imagem escolhida tenha sido diretamente influenciado pelo contexto histórico. A predominância do preto pode ter sido inclusive uma tentativa de simbolizar a ditadura brasileira que sufocava o povo na época, mesmo que a sua ação já tivesse sido suavizada.
Dessa forma, conclui-se que, nesse caso, a moldura exerce um forte
papel de complementação da narrativa da imagem. O seu uso criativo pode permitir que também se enquadre no papel de cenário da figura feminina principal e por isso é um exemplo perfeito da união do que, na maioria das vezes, deveria ser apenas uma complementação do conteúdo da obra com a obra em si. Em exemplos como esse, o conceito de moldura apresentado se contrapõe a sua antiga função de separar a realidade de sua representação pictórica e se torna parte integrante da imagem.