seus Colaboradores
Bernd Fichtner
e-mail: fichtner@paedagogik.uni-siegen.de
2010
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Sumário:
1. Introdução 3
2. O paradigma da abordagem histórico-cultural 4
3. A vida de Vygotsky 9
6. Vygotsky e a Pedagogia 60
6.1. Aprendizagem e desenvolvimento 60
6.2. A zona de desenvolvimento proximal 62
6.3. Vygotsky e a educação 66
6.4. Vygotsky e a educação especial 70
10. Referências 96
1. INTRODUÇÃO
De onde se deriva esta interdisciplinaridade? Quais foram os seus objetivos? Por que
esta abordagem apresenta uma qualidade tão aberta, que permitiu perspectivas diferentes que
foram desenvolvidas por seus alunos? Porém, o mais importante: Come se explica este
interesse atual? Porque se ocupa de novo, desde poucos anos, com a perspectiva de Vygotsky,
mas em maneiras e formas muito diferentes no Brasil, nos Estados Unidos, na Alemanha e em
muitos outros países?
Gostaria de apresentar algumas respostas a estas perguntas, mas, sobretudo, espero que
consiga apresentar pelo menos um pouco da reflexão, da lucidez e do vigor juvenil do seu
pensamento, que sempre tinha e tem uma orientação explícita para o futuro.
Talvez possa explicar isso através de exemplos e de explicações que eles contem:
• O movimento na época de Aristóteles pode ser compreendido como “Um carro, que
foi tirado por um cavalo”
• Em outra época, para Galiléu o mesmo evento pode ter a seguinte compreensão: “um
objeto, que recebe um impulso de fora e depois se move continuamente sem firmar-se,
sem parar”
Tal como anteriormente Descartes, Kant ou Darwin, os autores desta abordagem foram
confrontados com uma mudança total da sociedade, que precisava, a partir dos grandes
problemas sociais, uma nova ressignificação do sujeito.
O MÉTODO GENÉTICO
Com toda a firmeza Vygotsky expõe que o sujeito e o seu processo de vida não podem
ser reconstruídos cientificamente só com os elementos e as formas que nos oferece a biologia
ou a sociologia, isto é: o sujeito não pode ser reduzido só a sua natureza biológica e a sua
sociedade. Ele insiste que é necessária uma proposta específica e que se deve desenvolver
uma metodologia própria e adequada para a realidade do psíquico.
- o processo da filogênese
- o processo histórico-cultural e
- o processo da ontogênese
“O nosso interesse tem nada a ver com o resultado já feito o com o produto
de um desenvolvimento, mas com o desenvolvimento onde nasce a forma
superior. [...] Numa pesquisa compreender o processo inteiro de
desenvolvimento e um fenômeno respeito ao todos os estágios e todas as
mudanças significa exatamente descobrir a sua essência , a sua natureza -
desde o inicio até a final - porque somente no movimento um fenômeno
mostra o que ele substancialmente é.”
Para Vygotsky, o desenvolvimento nunca apresenta um processo linear, uma
acumulação lenta de mudanças unitárias, mas sim, segundo suas palavras, de um processo
complexo dialético, caracterizado pela periodicidade, irregularidade no desenvolvimento das
funções diferentes, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra,
entrelaçamento de fatores externos e internos e processos adaptativos.
Era dada, sobretudo por Vygotsky, uma enorme importância ao substrato material do
desenvolvimento da espécie e do indivíduo, especificamente ao cérebro, tendo
realizado estudos sobre lesões cerebrais, perturbações da linguagem e organização de
funções psicológicas em condições normais e patológicas. As propostas
contemplavam, assim, a dupla natureza do ser humano, membro de uma espécie
biológica que se desenvolve historicamente no interior de um grupo cultural de uma
sociedade.
apresenta uma unidade de análise, com a qual se pode analisar a complexidade de uma
sociedade capitalista. Esta unidade é uma célula, com a qual se pode analisar todas as
relações desta sociedade.
3. A VIDA DE VYGOTSKY1
profissões e tendo que se sujeitar a um número limitado de vagas nas Universidades, uma vez
que na Universidade de Moscou apenas 3 % das vagas poderiam ser ocupadas por estudantes
judeus.
Entre 1915-1917 Vygotsky escreveu o seu artigo sobre Hamlet, núcleo do seu
doutorado com o tema “A psicologia de arte”.
As atividades de Vygotsky durante seus anos em Gomel eram parte de um dos mais
importantes movimentos intelectuais de nosso século. Os intelectuais inovadores não apenas
se devotavam pessoalmente a um trabalho criativo específico, mas participavam do trabalho
de instituições. Kandinsky, por exemplo, era vice-presidente das Academias de Arte e
Ciências de Moscou. Malevich presidia a de Petrogrado, onde o arquiteto Tatlin, autor do
famoso monumento à Terceira Internacional, chefiava um Departamento. Chagall era
Ministro de Belas-Artes em Vitebsk. O versátil Rochenko organizava programas de Educação
Artística. Em Petrograd celebrava-se a “Semana de Sergej Prokoviev”. Shostakovich
representava seu país em certames internacionais. Meyerhold e Stanislavsky organizavam
teatros. Eisenstein trabalhava como dirigente do Instituto Estatal de Cinematográfica.
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No ano de 1919 Vygotsky sofreu pela primeira vez de tuberculose, uma doença que o
levou a morte no ano de 1934.
O ano de 1924 significou um grande marco na sua vida, pois casou-se com Roza
Smelkova, com quem teve duas filhas e ao mesmo tempo se transferiu para Moscou.
Junto com Lurija, escreveu o prefácio para a tradução de uma obra principal de Freud:
“ Além de princípio do prazer” de Freud. Vygotsky terminou “A psicologia de arte” como
tese de seu doutorado no Instituto de Psicologia. Novamente doente, escreveu durante a sua
enfermidade o famoso livro “O sentido histórico da crise da psicologia”. Em 1926 publicou
“A psicologia pedagógica” e “A Gráfica de A. Bychowskij.” E também publicou neste ano
“Psicologia da idade escolar” e muitos outros artigos para a “Grande Enciclopédia Médica
soviética”. Nessa fase se dedicou mais ao estudo da aprendizagem e do desenvolvimento
infantil numa área mais abrangente do que a psicologia, a assim chamada “Pedologia” -
ciência da criança que tenta integrar os aspectos biológicos, psicológicos e antropológicos.
Vygotsky considerava essa disciplina nova como sendo a ciência básica do desenvolvimento
humano, uma síntese das diferentes disciplinas que estudam a criança. Ao mesmo tempo
criticava ferozmente esta abordagem na sua forma atual, devido a falta total de uma
perspectiva integral, uma síntese das disciplinas diferentes.
sobre “desenvolvimento” cultural da criança - um artigo que ficou famoso com a “teoria
histórico-cultural”.
De 1924 até o ano de sua morte, apesar da doença e das freqüentes hospitalizações,
Vygotsky demonstrou um ritmo de produção intelectual excepcional. Ao longo desses anos,
além de amadurecer seu programa de pesquisa, continuou lecionando, lendo, escrevendo e
desenvolvendo importantes investigações. Liderou um grupo de jovens cientistas,
pesquisadores da psicologia e das anormalidades físicas e mentais.
Nos anos posteriores, Vygotsky realizou a tradução das obras de Karlo Bühler, W.
Köhler, de A. Gesell e de Jean Piaget. Juntamente com Lurija e o diretor de cinema Sergej
Eizenstein (Ejzenstejn) e o Linguista J. Marr, Vygotsky organizou um seminário: “A
psicologia e a semiótica do cinema”.
Foi construída uma imagem bastante linear e unilateral de Vygotsky. Na edição russa
de 1956 o texto de Vygotsky foi censurado com uma tarefa precisa: Foram eliminadas todas
as referências a Freud, Sapir, aos pedólogos, a Blonskij; depois foi mudada a palavra
pedologia para pedagogia, substituindo a palavra “teste” usada nas pesquisas da pedologia
pela palavra “tarefa”. Foram introduzidas modificações onde Vygotsky não as tinha previsto,
da mesma forma eliminando-as, onde eram previstas etc.
As obras de Vygotsky mais lidas até hoje foram aquelas publicadas durante a sua vida,
sendo aquelas que documentaram a sua atividade concreta nestes anos ficando ausentes de
publicação.
Para mim, as tarefas para os estudiosos são publicar as suas obras em edições sérias e
fundadas e...
- reconquistar Vygotsky como autor e escritor excelente da crítica de letras modernas e de arte
moderna,
- reconquistar o Vygotsky, que é o combatente para uma reabilitação das crianças deficientes -
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Gostaria muito de discutir nesse texto a seguinte questão, ou seja: qual seria o sentido central
de Vygotsky para o nosso presente?
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As relações dos homens com o mundo não são relações diretas, mas
profundamente relações mediadas. A transformação do mundo material, mediante o
emprego de ferramentas, estabelece as condições da própria atividade humana e sua
transformação qualitativa em consciência. A atividade do homem é pressuposto desta
transformação e ao mesmo tempo o resultado dela.
A base dessa tese apresenta as concepções de Frd. Engels sobre o trabalho humano e o
uso de instrumentos. O instrumento simboliza especificamente a atividade humana, a
transformação da natureza pelo homem e que, ao fazê-lo, transforma a si mesmo.
Na sua forma mais elementar, o signo é uma marca externa, que auxilia o homem nas
tarefas que exigem memória ou atenção. Pode-se, por exemplo, usar pedras para registro e
controle da contagem de cabeças de gado. As pedras aqui representam a quantidade de
cabeças de gado, a que pode ser recuperada em momentos posteriores. Neste sentido, as
pedras são signos, quer dizer: são interpretáveis como representações da realidade e podem
referir-se a elementos, objetos, processos e outros fenômenos ausentes do espaço e do tempo.
A memória, neste caso, é mediada por signos e assim, mais poderosa do que uma memória
imediata. São inúmeras as formas de utilizar signos como instrumentos psicológicos: Fazer
um nó num lenço para não esquecer um compromisso, fazer uma lista do compras etc. Os
signos e o uso deles dependem sempre de um contexto social e histórico. Os incas, por
exemplo, usaram Quipus para registrar informações sobre quantidades e outros fatos da vida
quotidiana.
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Essas afirmativas nos leva a perguntar: quais são os efeitos fundamentais quando os
seres humanos usam signos como instrumentos psicológicos?
- o que é um sujeito
Os instrumentos têm uma função mediadora: eles são mediadores entre a atividade do
sujeito com o objeto. Um meio faz parte do sujeito, as suas origens foram construídas pela
atividade do sujeito, mas ao mesmo tempo se diferenciam do sujeito porque, numa certa
perspectiva, o meio é também parte do objeto, espelha certas qualidades destes objetos com os
quais tem uma relação.
O machado, por exemplo, corta mais e melhor que a mão humana. O instrumento é
feito especialmente para um certo objetivo. Ele carrega consigo, portanto, a função para a qual
foi criada e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. É, pois,
um objeto social e mediador da relação entre os indivíduos e o mundo deles.
O caçador desta caçada pode ver-se a si mesmo como um sujeito desta atividade, isto
é, a subjetivação de si mesmo através do gesto que comunica aos outros o que ele viu.
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Esta operação do gesto tem um caráter de: repetível e disponível, no sentido de dizer
que é um signo, portanto, um meio de comunicação, de colaboração e cooperação, tendo por
sustento ou base um sistema social comum. Todas as três realizações e funções ficam
possíveis somente com a base das relações sociais.
signos que as mediam. Estes meios são sempre meios culturais e históricos. Eles têm um
caráter material e exterior, que marcam as relações interpessoais dos homens nas quais são
usadas.
Na segunda fase, o outro, neste caso identificado como a mãe, interpreta esse
movimento atribuindo-lhe uma significação (indicador do desejo da criança). Assim ocorre
uma transformação na situação. Observando a tentativa da criança de pegar o chocalho, a mãe
provavelmente reage, dando o brinquedo para a criança. Na verdade estará interpretando
aquele movimento malsucedido de pegar um objeto como tendo o significado "eu quero
aquele chocalho". Isto converte o movimento em gesto ou em signo para o outro, embora
não o seja ainda para a criança. Como resultado, esta atinge o objeto que deseja, não de forma
direta, mas pela mediação do outro.
Por fim, na terceira fase, a criança capta, numa experiência pessoal, o significado que
o seu movimento tem para o outro, convertendo-o assim em signo para ela. Dessa maneira,
quando desejar de novo o objeto, em vez de indicá-lo ao outro, a criança se dirige a ele, a
pessoa, em forma de pergunta, como mediador entre ela e o objeto. Ao longo de várias
experiências semelhantes, a própria criança começa a incorporar o significado atribuído pelo
adulto à situação e a compreender seu próprio gesto como sendo um gesto de apontar um
objeto desejado.
Uma criança nunca nasce imediatamente integrada na sua cultura. Esta integração, nas
condições culturais, não é tão simples quanto vestir roupas novas: ela é acompanhada por
transformações profundas no comportamento, pela formação de seus mecanismos novos,
fundamentais e específicos.
1. Mediação cultural pelos instrumentos e signos não é apenas uma idéia psicológica,
mas sim uma idéia que quebra todos os muros, que separa o indivíduo da sociedade, a
consciência individual da cultura e sociedade.
2. Os homens não são controlados “de fora”, quer dizer pela sociedade. Os homens
também não são controlados de dentro, quer dizer, pela sua herança biológica. Nos homens
podemos controlar o nosso próprio comportamento, no “entre” usando e criando meios,
instrumentos e signos.
• Nas posições clássicas: a relação entre pensamento e linguagem é uma relação estável
e invariável ao longo do desenvolvimento
• Uma descrição ajuda nessa compreensão: A criança Lúcia que tem dois anos e cinco
meses prepara um banho para uma outra criança Jaqueline, sua irmã: “Um talo de erva
faz às vezes de termômetro de água, a banheira é uma caixa e a água conserva-se em
estado de afirmação verbal. Em seguida Jaqueline mergulha o termômetro no banho,
acha que a água quente demais aguarda uns instantes e volta a meter o talo de erva na
caixa“. Agora está bem, mas que sorte”. Aproxima-se então de Lúcia (na realidade) e
faz de conta que lhe tira o avental, o vestido, a camisa, fazendo os gestos, mas sem
tocar na roupa da irmã”(Piaget: A formação do símbolo na criança. Imitação, jogo e
sonho, imagem e representação(1964) Rio de Janeiro 1990, 166f).
Vygotskij dá uma importância enorme à linguagem na constituição das formas mais abstrata do
pensamento e da consciência. A atividade do sujeito é considerada, pois, não no isolamento das relações do
sujeito com os objetos do mundo físico, mas na interação primordialmente medida pelos signos lingüísticos
culturalmente construídos nas interações sociais. Esta é a primeira e mais radical diferença entre estes Vygotskij
e Piaget.
A função primordial da fala tanto das crianças tanto dos adultos é a comunicação, o
contato social. Numa certa idade a fala social da criança se divide muito nitidamente em fala
egocêntrica e fala significativa. Tanto uma como a outra são social, embora suas funções
sejam diferentes.
De 02 à 07 anos estas duas funções coexistem, sem que a criança seja capaz de
diferencia-las com nitidez. A fala comunicativa tem uma função externa de coordenar e dirigir
seus pensamentos. A criança não sendo capaz de diferenciar essas duas funções da linguagem,
fala alto sobre seus planos interiores e ações e, portanto, as atitudes egocêntricas observadas
neste período reviam a dificuldade da criança em separar com nitidez a fala parar si mesma e
a fala dirigida para o outro.
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A fala egocêntrica constitui um estágio transitório na evolução da fala oral para a fala
interior. O destino da linguagem egocêntrica é, pois, tornar-se linguagem interior. Na
linguagem as experiências socio-culturais têm sua expressão fundamental. O papel central
destas experiências na constituição nas formas subjetivistas de representação e com
compreensão da realidade da criança. A criança adquire conhecimentos sociais, ao mesmo
tempo em que constrói sua própria subjetividade. Através do conceito de pensamento verbal
Vygotskij rompe com as limitações impostas pela dualidade de linguagem e pensamento.
Em outras palavras: o significado passa para o primeiro plano. A fala interior opera
principalmente com a semântica, numa relação de predomínio do sentido de uma palavra
sobre o significado.
Para Vygotsky, o sentido de uma palavra é um todo complexo, fluido e dinâmico para
onde converge a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta, enquanto o
significado é apenas uma das zonas do sentido, a mais estável e precisa, a dicionarizável. É o
contexto é que dá sentido a palavra: assim em contextos diferentes o sentido se altera e o
significado permanece estável ao longo de todas as alterações de sentido.
Vygotsky mostra que há um potencial de sentido em cada pessoa, que necessita ser
desvendado. Assim, a criança precisa iniciar-se num contexto verbal e semântico possível
para revelar-se como sujeito (a importância dessa universalidade: essa base emocional-
volitiva faz todos os seres humanos iguais, ao mesmo tempo que os diferencia)
Vygotsky não concebe o sujeito a partir do discurso lógico que ele é capaz de realizar -
como Piaget. Mas enfatiza o papel que este sujeito assume na sociedade, na medida em que
cria, constrói, transforma sentidos, as interações dialógicas que estabelece (Para Piaget o
sujeito é fundamentalmente epistêmico, portanto da cognição – Para Vygotsky o sujeito é
social e, portanto, se constitui na história e na cultura - a base das emoções e afetos, é o
espaço do sentido como principal tarefa do homem)
• O conteúdo não se altera, mas sim o modo pelo qual a realidade é generalizada e pensada
numa palavra.
• A relação palavra e pensamento tem que ser considerada como um processo vivo: O
pensamento nasce através das palavras.
• O pensamento não é simplesmente expressão em palavras: é por meio delas que ele passa a
existir.
• A fala interior não é propriamente uma fala, mas uma atividade intelectual e afetiva-
volitiva. Ela tem uma forma específica, leis próprias e mantém relações com outras formas
de atividade da fala. Ela é uma fala para si mesmo, não é antecedente da fala exterior, nem
reprodução desta. Ela interioriza-se em pensamento.
• A fala egocêntrica (termo cunhado inicialmente por Piaget e reconsiderado por Vygostky)
tem um papel fundamental na atividade da criança: a função diretiva estratégica de
transformar sua atividade em um pensamento intensional. Representa o estágio transitório
na evolução da fala oral para a fala interior. Essa evolução se processa de uma fala exterior
para uma fala egocêntrica e desta para uma fala interior, isto é, do social ao individual.
3. O modo pelo qual os sentidos se combinam e se unificam. Uma única palavra pode ter
vários sentidos.
Em seguida, ocorre a formação dos complexos de coisas distintas que são unidas por
força de suas conexões objetivas, que realmente existem entre os objetos envolvidos. Estas
conexões ocorrem entre elementos individuais - e não relações lógico-abstratas. As conexões
entre os objetos de um grupo são estabelecidas de um modo empírico, acidental e concreto.
Os conceitos científicos:
Estes se formam como base no ensino formal, que ocorre na escola. Todavia,
atualmente esses conceitos não ocorrem exclusivamente na escola. Um tipo particular dos
verdadeiros conceitos são os conceitos científicos.
Substância: porção da matéria que apresenta um, e somente um, tipo de constituinte.
Substância simples: tipo de substância, cujo constituinte tem um, e somente um, tipo de
componente, denominado átomo.
Porém, esse não é o caso dos demais conceitos. O material direciona a outros, um de
nível de generalidade maior (matéria) e um de nível de generalidade menor (substância). Esse
último remete ao conceito de constituinte, a ele subordinado, o qual, por sua vez, liga-se ao de
átomo, cujo nível de generalidade é equivalente ao de matéria, por tratar-se do nível básico de
organização da matéria. Única possibilidade de compreender cada um desses conceitos: deve-
se ligá-los a outros. O significado de cada um só se realiza na medida em que se associa ao
significado de outros conceitos.
Os conceitos cotidianos têm uma relação direta das palavras com os objetos a que se
referem. Os conceitos científicos: as relações das palavras com outras palavras. Os primeiros
implicam focalizar a atenção no objeto e os segundos no próprio ato de pensar, na medida em
que as conexões entre os conceitos são relações de generalidade.
criança possa construir um conceito cientifico correlato. Por exemplo, os conceitos históricos
só podem começar a se desenvolver quando o conceito cotidiano que a criança tem do
passado estiver suficientemente diferenciado, ou seja, quando a sua própria vida e vitalidade
dos que a cercam puder adaptar-se à generalização elementar “no passado e agora”; os seus
conceitos geográficos e sociológicos devem se desenvolver a partir do esquema simples aqui
e em outro lugar. Ao forçar a sua lenta trajetória para cima, um conceito cotidiano abre o
caminho para um conceito científico e seu desenvolvimento descendente. Criar uma série de
estruturas necessárias para a evolução dos aspectos mais primitivos e elementares de um
conceito, que lhe dá corpo e vitalidade. Os conceitos científicos, por sua vez, fornecem
estruturas para o desenvolvimento ascendente dos conceitos espontâneos da criança em
relação à consciência e ao uso deliberado. Os conceitos científicos se desenvolvem para
baixo, por meio dos conceitos espontâneos; os conceitos espontâneos se desenvolvem para
cima, por meio dos conceitos científicos (Vygotsky, 1989, p. 93 – 94).
Numa perspectiva da evolução do homem, se pode dizer que os seres humanos criaram
a si mesmos e simultaneamente a sociedade pelo trabalho. O termo “trabalho” descreve a
forma qualitativamente nova do modo de viver e de sobreviver em comparação com os
animais. A base desta nova forma representa a colaboração, quer dizer, só através dos outros
os seres humanos conseguem efetuar relações com o meio ambiente e consigo mesmo. Esta
qualidade de colaboração precisa da construção de meios especiais.
Meios são, em sua função, mediadores: eles mediam a atividade de um sujeito com o
seu objeto e com os outros num contexto de colaboração. Eles são ao mesmo tempo
subjetivos e objetivos, se comportando tanto como parte do sujeito como parte do objeto. O
emprego humano destes meios tem vários precursores na história natural dos animais e
apresenta ao mesmo tempo uma posição privilegiada e única, que se torna clara na evolução
do ser humano: No seu início encontra-se a produção de instrumentos, o desenvolvimento de
sinais de linguagem e de representações mimético-dramáticas como uma conexão de relações
mútuas.
mesma. Em que ambos os aspectos se relacionam? Ambos têm algo em comum: são
resultados de uma generalização. “Machados de pedra” são resultados de uma generalização
prática, quer dizer, de uma generalização que foi construída e provada numa praxis social.
Nesse sentido, podem ser compreendidos como generalizações em pedra, como conceitos
“empedrados”.
só relações com os objetos do seu meio ambiente ou com os outros animais, mas nunca
simultaneamente com os dois).
A história destes meios pode ser concebida como uma história dos meios de atividade,
que se desenvolvem para um mundo de objetos-meios e finalmente num mundo de
objetivações da própria cultura. Neste desdobramento articulam-se diversas acentuações de
ambos os lados da forma, também uma tendência de separação e autonomização desses lados.
Por exemplo: o processo de autonomização de “representar” está vinculado ao surgimento
histórico da arte, que, na cultura européia, obviamente aconteceu a primeira vez na Grécia
com a transformação do culto religioso na forma artística do teatro, quer dizer, no drama e
também nas artes plásticas deste período.
4. Pela própria corporalidade tornam-se possíveis experiências sociais. Ações miméticas são
a base destas experiências aparentadas a realidades externas. Ações miméticas se
expressam em formas do rito e de magia. A separação rígida entre o meio ambiente e os
indivíduos começa a ficar permeável. O meio ambiente, antes só fator e causa de horror e
terror não compreendido, transforma-se num rosto, num “semblante pegado ao lado
oposto”, numa fisionomia. Com isso, o meio ambiente obtém simultaneamente um caráter
dramático: tudo que acontece tem uma expressão como um rosto, como uma cara que pode
mudar a cada momento. Isso significa também, que tudo o que acontece é efeito de um agir
geral. Mais tarde esse agir geral de forças naturais se transforma da magia em mitologia,
quer dizer, as forças anônimas se transformam em forças pessoais que têm um nome como
na mitologia grega.
6. Meios secundários também têm uma história, uma transformação e uma mudança até
hoje. A comunidade está sempre destruindo antigas formas e construindo novas, como
necessidade de produção da sua conexão e coesão social. Neste sentido símbolos nacionais,
a assembléia nacional e também uma escola pública são meios secundários.
7. Existe um terceiro nível com meios terciários que se referem aos meios secundários e
primários. Este nível é a arte e os meios neste nível são as obras de arte. Historicamente
falando, meios terciários aparecem bastante tarde: na cultura européia, por exemplo, com a
arte grega. Por esses meios uma sociedade pode olhar a si mesma e se refletir. Obras de
arte são consideradas, assim, como um modo de auto-reflexão própria coletiva e
simultaneamente individual. Uma obra de arte é considerada como uma síntese de
conhecimento da realidade e ao mesmo tempo um espelho com o qual o indivíduo
experimenta algo sobre a sua própria subjetividade.
8. Finamente, surgem as seguintes perguntas: de que maneira obras de arte como meios
terciários opõem-se à realidade e possibilitam nisto uma síntese de conhecimento da
36
realidade e de nós mesmos? A arte é irrenunciável. Pode uma sociedade existir sem arte?
Pode um indivíduo viver como sujeito da sua vida, sem arte?
Mario levou a mão ao coração e quis controlar um adejar desaforado que lhe
havia subido até a língua e que lutava por estalar entre seus dentes. Deteve a
caminhada e, com um dedo impertinente manipulado a centímetros do nariz
de seu emérito cliente, disse:
- O senhor acha que todo o mundo inteiro, quero dizer todo o mundo, com o
vento, os mares, as arvores, as montanhas, o fogo, os animais, as casa, os
desertos, as chuvas...
- ...agora podes dizer etcétera”.
-... os etcéteras! O senhor acha que o mundo inteiro é a metáfora de alguma
coisa?
Neruda abriu a sua boca e seu enérgico queixo pareceu cair do seu rosto.
Eis aqui esta pequena cena. Aqui a metáfora não é nenhum meio retórico, também não
é nenhuma expressão ou frase gramatical irregular. Quanto mais se vê o mundo inteiro como
uma metáfora de algo, mais claro fica que o núcleo da competência metafórica está na
capacidade de ver alguma coisa como alguma outra coisa.
Para desenvolver uma idéia sobre esta capacidade, esboçarei, a seguir, o perfil de uma
concepção geral filosófica da metáfora, não desde a visão da linguística ou das ciências de
letras. Depois perguntarei até que ponto nesta base a metáfora pode ser entendida como
“imaginação modelante” na atividade de aprendizagem.
Isto é:
Segundo Aristóteles, uma metáfora diz que “isto é isso” (RHETORIK III, 2, 1o). Em
cada metáfora um elemento é relacionado predicativamente com um outro. H. Weinrich
(1963, p. 325) chama estes de: “doador de imagem e receptor de imagem”. O doador de
imagem - no meu exemplo “o manto de seda azul” - tem como elemento metafórico a função
de um esquema predicativo para o receptor de imagem, ou seja, para “a noite”.
perspectiva que contém um sistema de aspectos. Esta perspectiva não é reduzível a um dado
que está significado e estandardizado no dicionário. M. Black (1962, p. 41) chama isso de um
“sistema de lugares comuns associados” de uma comunidade num determinado idioma.
A própria metáfora tem a força de reunir duas áreas separadas numa relação
cognitiva e emocional usando uma palavra como se fosse óculos, com os
quais se vê uma coisa através a outra; as implicações as sugestões e a
imaginação junto com o uso literal da metáfora nos capacita para ver e
olhar, de uma nova maneira, qualquer objeto como um objeto novo. Este
novo significado, como resultado de relações entre áreas originariamente
separadas, não pode ser anteriormente predecido ou posteriormente
parafraseado à nível de prosa. Podemos comentar uma metáfora, mas a
metáfora mesma não precisa e não nos convida para uma explanação. O
pensamento metafórico é uma maneira diferente que parte da construção de
um “insight”. Nunca uma metáfora é construída como um substituição
ornamental de um pensamento linear.
Esta diferença semântica não é dissolvida ou anulada, mas fica presente como tensão e
contradição. A metáfora pode ser compreendida como um resultado de uma interação cheia de
tensão de elementos heterogêneos e opostos. Sua relação nesta interação não é um acaso,
também ela não se completa por acaso. A metáfora é estritamente complementar, ou seja,
os elementos ou lados se sustentam mutuamente pela tensão e contradição simultânea.
O momento icônico nos possibilita a, não somente manter a contradição dos lados
heterogêneos, mas também a fazê-lo de modo produtivo. Os significados heterogêneos “noite”
e “manto de seda” ficam relacionados na sua tensão, um com o outro, porque é desenvolvida
uma estrutura visual, ou seja, um momento icônico, que traz consigo a contradição semântica
conceitual. A riqueza de uma metáfora está na qualidade do momento icônico. O doador de
imagem - “o manto de seda azul” - desenvolve correspondências e conotações sensuais,
estéticas, mas também emocionais. Eles garantem a semelhança e ao mesmo tempo apoiam a
sua heterogeneidade na esfera dos significados.
A metáfora recebe uma dupla direção quando, por exemplo, em vez de gesso
para formar o peito de uma cabra, coloque um cesto de vime no lugar das
costelas. Então é isto um cesto de vime que se deve ver como o peito (to be
seen as), e ao contrário também se pode ver, quando se olha toda a forma da
cabra, suas costelas como um cesto de vime - ou seja uma metáfora
composta com dupla direção de visão. Se as costelas fossem feitas de gesso,
40
iria o olhar somente para uma direção. Poderia ver-se somente gesso
modelado como o peito de uma cabra.
Aqui, o comentário de Picasso: “Eu volto o caminho da cesta para o peito: da metáfora
para a realidade. Eu faço a realidade visível, porque eu uso a metáfora” (GILOT/LAKE 1965,
p. 306). O momento icônico da metáfora é alicerce para a analogia, para a semelhança, que a
metáfora usa para provocar a diferença. A tensão entre imagem e conceito torna-se produtiva
no desenvolvimento do novo, de uma nova dimensão do sentido.
Desse jeito, uma metáfora não pode ser substituída pelo que realmente é pensado. Na
metáfora “a noite é um manto de seda azul” podemos tentar explicar a proposição sobre a
noite através de descrições, exemplos e comparações. Estes são no melhor caso aproximações
de uma interpretação. Porém, nunca serão a base semântica de uma metáfora. Exatamente na
sua intensionalidade a metáfora nos faz pensar em muitas coisas, porém sem ser estas
superficiais ou opcionais. A intensionalidade mostra-se claramente naquelas metáforas que
nós usamos para fenômenos acústicos e visuais, para expressar experiências de sinestesia,
como por exemplo: “cores quentes”, “sons escuros”, “vinho seco” etc.
A intensionalidade da metáfora serve como base para uma referência indireta com os
objetos e/ou realidade. Ela organiza uma perspectiva abrangente e efetiva numa determinada
área, mas nunca se dissolve numa referência direta. Somente através da ativação de uma
2
“intensional” é um conceito da matematia – não dever ser confundido com “intencional” ”Intencionalidade”
como conceito da pscicologia.
41
estrutura de tensões e contradições, renasce seu conteúdo numa nova dimensão do seu
significado. A metáfora representa, com isso, uma ligação muito importante com os assim
chamados conceitos teóricos, nos quais é fundamental também fazer uma referência indireta à
realidade. O núcleo de um conceito teórico atua como meio de seu próprio desenvolvimento e
diferenciação, mas somente através das suas relações com outros conceitos, consegue
relacionar-se com um objeto e/ou a realidade (DAWYDOW, 1977).
Uma metáfora não pode ser confundida com uma imagem acabada e estática. Ela
organiza o ver como uma atividade que cria uma referência peculiar do mundo. Diferente dos
outros sentidos, a vista nos permite um perceber à distância. Sua capacidade de tomar
distância fez com que Kant qualificasse-o como o mais nobre de todos os sentidos, porque
“ele é o que mais se distancia do toque como a mais limitada condição da percepção”. No
processo de ver objetos, se estabelece não somente uma relação com os objetos, mas ao
mesmo tempo uma “reflexão” sobre esta relação, num meta-nível pré-verbal.
A competência metafórica de alguma coisa vista como alguma outra coisa permite o
desenvolvimento de uma perspectiva para uma esfera da realidade e presume, com isso, a
consciência deste ponto de vista. Na complementaridade entre sujeito e objeto, a metáfora
pode valer como figura clássica da “generalidade subjetiva” (universalidade subjetiva) que
Kant (1993) descreve na sua “Crítica da faculdade do juízo”. Na sua complementaridade
42
Bases teóricas
Imaginações modelantes
Procedimentos
Os três níveis estão em ação recíproca um com o outro, com uma hierarquia que
permite que os níveis/funções altos controlem os níveis/funções baixos, mas, estes
níveis/funções altos podem ser criados e corrigidos por outros. Nesta hierarquia estão
representadas as imaginações modelantes, numa posição muito importante. Elas asseguram a
totalidade do contexto contido nos procedimentos, operações e processos de ação,
referenciando-os, assim, ao nível geral das bases teóricas. Uma imaginação modelante é
sempre a idéia de um indivíduo concreto, que diz algo sobre como as teorias e seus conteúdos
43
surgem para este indivíduo e o que elas significam para a atividade dele. Uma imaginação
modelante apresenta, então, uma relação muito rica e complexa com a prática e a teoria.
Parece-me muito duvidoso que uma criança na idade de 2-3 consiga dominar a
complexidade de uma metáfora com suas contradições internas. Isto exige uma reorganização
total do “vocabulário” das crianças. Somente nesta reorganização forma-se um meta-nível
e/ou uma determinada perspectiva, na qual a igualdade simultânea e invalidade de dois
significados vêm a ficar disponíveis. Cada metáfora representa um potencial teórico
particular. Isto não se completa e desenvolve automática e naturalmente no desenvolvimento e
no aprendizado humano.
basicamente numa relação entre o particular e o geral e esta relação é ao mesmo tempo a sua
mediação.
O pensamento cotidiano parte de uma relação rígida e já dada entre objeto e descrição,
entre significado e significante. A apropriação de um conceito teórico na atividade de
aprendizagem exige do aluno a dissolução desta fixação, o desenvolvimento de uma posição
pessoal frente ao conhecimento, ou seja, a escolha de um ponto de vista próprio e com isso
uma atividade autônoma (“Selbsttaetigkeit”). Usando a metáfora como perspectiva no
processo de aprendizagem, torna-se essencial a manifestação de uma subjetividade original do
indivíduo. Na apropriação dos conceitos teóricos, as metáforas representam um potencial
importante para o desenvolvimento de perspectivas com respeito a uma determinada área
conceitual. A metáfora funciona aqui como uma “imaginação modelante”, que é capaz de
romper crenças do pensamento cotidiano, onde os conceitos são tratados como objetos e não
como relações.
Nunca uma metáfora é reduzível a um simples modo de ver. Seu significado não se
esgota também com seu uso. A metáfora é uma perspectiva que se distancia do seu campo de
objetos. Sua qualidade indireta representa uma ponte com a apropriação dos conceitos
teóricos. Estes nunca se relacionam diretamente num campo de objetos. Eles representam
relações formais e estruturais, modelos específicos com os quais interagem com a realidade.
Os instrumentos e métodos, como tais, “se dissolvem”, desaparecem, no processo da sua
aplicação. Pelo contrário, conceitos teóricos no processo de serem usados nunca desaparecem
inteiramente ou “se dissolvem”. Cada conceito teórico tem o seu lado instrumental, mas ao
mesmo tempo o seu lado de conteúdo, isto é, representa alguma coisa e não é só uma
operação ou um algoritmo.
3-Metáfora e a totalidade
45
Quando não se entende bem que isso é uma existência, quer dizer, o que é uma vida de
um indivíduo na sociedade, se coloca em primeiro lugar a formação universitária dos futuros
professores, os métodos do ensino como tecnologia, a didática como tecnologia, tudo isso que
tem a ver com as técnicas do ensino/aprendizagem. Ao meu ver uma outra consequência dessa
perspectiva consiste na acentuação unilateral e linear da socialização da educação.
O trabalho do professor, na sua essência, não existe no que ele faz, mas no que ele
pessoalmente é. Não são os métodos peculiares, as ações, as palavras de um professor que são
decisivos, mas sim, o seu espírito, sua autenticidade, sua credibilidade, que ele ou ela emite.
Por que, hoje, esse modelo vivo de uma professora se torna cada vez mais importante?
Hoje, as crianças e os jovens quase não encontram mais na sociedade moderna essa união
viva entre o conhecimento e a atitude pessoal com o conhecimento. As crianças e jovens
encontram o que é conhecimento na nossa sociedade só nas formas técnicas, nos aparelhos,
nos sistemas de aparelhos que se podem imediatamente usar e usufruir. Eles fazem uma
experiência com o conhecimento muito linear: conhecimento como técnica e tecnologia - o
mundo dos aparelhos com uma materialização e cristalização imediata do conhecimento.
Essa qualidade caracteriza também o papel do “expert” na nossa sociedade. A sua função é
apresentar conhecimento que se pode imediatamente aplicar, reduzido a estratégias
alternativas.
para o computador. O velho princípio que dá importância para o sujeito e a sua personalidade
em cada aquisição do conhecimento será esquecido passo a passo. Uma consequência disso
será o abandono ou a perda do significado do sujeito concreto.
Eu gostaria de propor uma outra perspectiva, ou seja, política. Cada sociedade produz
com os seus instrumentos e meios suas próprias formas de vida. Os instrumentos e meios
determinam, moldam, alterando assim, indiretamente, os seus indivíduos e finalmente
transformando profundamente a sociedade como um todo. Poderíamos compreender e ver
melhor estes complexos processos de transformações ao questionar o potencial dos meios e
instrumentos para um futuro da sociedade. E por isso deveríamos entrar num discurso político
sobre a escolha da sociedade que queremos.
Essa concepção é a seguinte: A ciência apresenta uma aproximação passo a passo para
a realidade, uma aproximação sempre mais precisa. Isso significa que todos os problemas
aparecem principalmente solúveis, por exemplo, na medicina o problema de AIDS, ou o
problema de câncer.
Nessa perspectiva, esquecemos que cada problema que temos resolvido ou que cada
problema solúvel tem uma relação com um problema que nunca conseguimos resolver.
O escritor e poeta alemão Frederico Schiller tematiza no seu drama Don Carlos as
conseqüências dessa concepção na corte espanhola do Rei Felipe II: O universo da corte foi
representado por Schiller como um mundo totalmente fugaz. Todas as relações humanas e
aquelas envolvendo a realidade própria se transformaram em funções. O Rei busca
49
desesperadamente um amigo que ele não encontra e ao final ele se torna um louco, perdendo a
concepção de verdade, porque a verdade tem no fundo uma qualidade social.
• Sujeito humano não é uma máquina processando informações ou dados. O sujeito humano
é um sujeito reflexivo. Conhecer significa conhecer que conhecemos. Conhecimento e
consciência não podem se separar.
• O sujeito humano é indivíduo e ao mesmo temo um sujeito social. Sua atividade realiza
continuamente essa complementaridade.
O professor atua e realiza o seu papel social não só aplicando conhecimento e com
determinadas técnicas, mas, sobretudo, realizando o seu papel social pelos efeitos que produz
como personagem. Ele representa um modelo vivo e dinâmico entre conhecimento e a sua
relação pessoal com o que é conhecimento, com a sua atitude pessoal com ele.
O gesto de apontar no primeiro ano da criança pode ser considerado com modelo de
desenvolvimento3. À primeira vista, o gesto de apontar não tem nada ou bem pouco a ver com
uma concepção de desenvolvimento. Mas, gostaria de usar este gesto como uma metáfora,
que traz, ao meu ver, um potencial enorme de esclarecer aspectos básicos do desenvolvimento
como processo social e cultural.
Na segunda fase, o outro, neste caso a mãe, interpreta esse movimento atribuindo-lhe
um significado (indicador do desejo da criança). Assim, ocorre uma transformação na
situação.
Observando a tentativa da criança de pegar o chocalho para si, na verdade a mãe estará
interpretando aquele movimento mal sucedido de pegar um objeto como tendo o significado:
"Eu quero aquele chocalho". Isto converte o movimento em gesto ou sinal para o outro,
embora não seja ainda para a criança. Como resultado, esta atinge o objetivo que deseja, não
de forma direta, mas pela mediação do outro.
Por fim, na terceira fase, a criança capta, numa experiência pessoal, o significado que
o seu movimento tem para o outro, convertendo-o, assim, em signo para ela. Dessa maneira,
quando desejar de novo o objeto, em vez de indicá-lo ao outro, a criança se dirige à pessoa,
em forma de pergunta, como mediador entre ela e o objeto. Ao longo de várias experiências
semelhantes, a própria criança começa a incorporar o significado atribuído pelo adulto à
situação e a compreender seu gesto como o ato de apontar este objeto desejado. Aquele
movimento de pegar transforma-se no ato de apontar, com uma interação orientada não mais
3
Vygotsky desenvolveu este exemplo pela primeira vez na “A pedologia do período da adolescência”
(1930/1931). Na “história do desenvolvimento das funções psíquicas superiores” (1931) este exemplo é mais
concretizado. Aqui ele em primeiro lugar a mudança qualitativa da interação social entre mãe e bebê mediada
pelo signo e mostra o enorme significado filogenético e ontogenético dessa mediação (Vygotsky, 1987, p. 159).
Este exemplo faz parte do último período do trabalho de Vygotsky. Neste período ele muda e modifica a sua
abordagem, apresentando também uma autocrítica implícita.
51
para o objeto, mas para a outra pessoa. O significado do gesto é inicialmente estabelecido por
uma situação objetiva e social, depois interpretado pelas pessoas que cercam a criança e, a
seguir, incorporado pela própria criança, a partir das interpretações dos outros.
Agora, o que este modelo tem a ver com a educação em geral e particularmente com a
relação ensino-aprendizagem?
Todas as novas pesquisas sobre a interação entre a mãe e bebê no primeiro ano
(STERN, 1990; TREVARTHEN, 1979a, b) concretizam, no fundo, o modelo vygotskiano.
Mãe e bebê estão intensivamente ocupados com a tarefa de desenvolver uma
"intersubjetividade”, quer dizer, uma subjetividade que tem a ver com as duas pessoas. No
centro dessa tarefa está a construção da capacidade de compartilhar as intenções do outro.
Essas pesquisas provam que o bebê ensina à mãe como ela poderia inserir o seu
comportamento no próprio comportamento do bebê.
Do outro lado, a mãe ensina literalmente o seu bebê a conhecer e entender o que são os
próprios sentimentos dele. Como e em qual forma? A mãe com o seu rosto, com todas as
expressões de alegria e de tristeza da mímica apresenta para o bebê o primeiro espelho onde
ele pode olhar a si mesmo. Todas essas expressões miméticas, no rosto da mãe, correspondem
exatamente às emoções e aos afetos expressos pelo rosto do bebê.
Entre 4-5 meses começa um período novo, onde os objetos começam a ter um papel
principal nessas interações. Também se nota uma mudança qualitativa.
No final deste período, quando o bebê tem mais ou menos um ano, acontece este
grande evento do primeiro gesto de apontar. A operação do gesto é a primeira ação da criança,
possuindo a clara estrutura de um signo com o qual a criança agora consegue relacionar-se, ao
mesmo tempo, com um objeto e com pessoas numa ação de colaboração. Com isso, a criança
conscientiza os aspectos comunicativos do próprio comportamento. Ela consegue ver a
relação entre as suas ações e as ações da mãe, porque ambas têm um objeto, ou mais preciso,
um objetivo em comum, uma intenção comum.
Ao meu ver, é muito importante uma certa qualidade no comportamento da mãe. Esta
supõe continuamente que o bebê já seja um sujeito tal qual um "companheiro", equivalente
nessa interação ao que o bebê objetivamente não é. E obviamente, através dessa suposição, o
52
Agora, a criança é considerada desde o princípio como parte do social como um todo,
mas sempre como sujeito dessas relações sociais. Ela participa desde o seu nascimento na
vida social da qual ela faz parte. O social não é considerado como algo exterior, como uma
força alienada que exerce uma pressão na criança e que força as formas sociais, ou seja,
objetivas, de pensar.
Nessa fase existe uma contradição que sobressai entre uma relação máxima do social
do lactante, de um lado, e, de outro, as suas possibilidades mínimas de comunicação, uma
contradição que determina o desenvolvimento nessa idade e conduz para o primeiro gesto de
apontar, ou seja, para o primeiro signo. Para a atividade da criança existe só um caminho
rumo ao mundo exterior, e este se realiza apenas através de uma outra pessoa.
das funções psíquicas superiores. O ambiente social não é uma condição exterior do
desenvolvimento psíquico da criança, e sim a essencial condição interior.
Dessa forma Vygotsky superou a tese primeira de que a função psíquica superior
tivesse origem só no domínio da criança sobre as suas funções psíquicas elementares
mediadas por instrumentos. Importante agora é: a sociabilidade do homem não é uma
característica invariante. Pelo contrário, cada estágio do desenvolvimento pode ser
caracterizado através de uma forma própria da sociabilidade que pertence a ele.
Se observarmos as atividades recíprocas num nível mais geral, poderemos afirmar que
a vida social representa uma rede de tais comportamentos recíprocos: eu estou falando, e
vocês estão me ouvindo; depois vocês falam e eu os ouço; eu abro a porta para vocês; vocês
me abrem a próxima porta; eu dou a mão para vocês e vocês me dão as suas mãos; eu ofendo
vocês e vocês me ofendem.
Se nós retratamos bebês a respeito de como eles estão participando nos processos
sociais, então nós estamos brincando com eles de reciprocidade, transitividade, simetria etc.
Assim, construímos com eles um modelo que eles podem desenvolver e diferenciar. Se depois
eles participarem de processos semelhantes na sala de aula, então eles se inclinarão a
interiorizar aspectos lógicos destes processos sociais em forma de relações lógicas.
Naturalmente, não se podem delinear, diretamente, receitas práticas para o ensino na sala de
aula, mas ao menos uma perspectiva teórica sobre as origens das funções mentais superiores,
pelas interações sociais.
Para o bebê (o estágio do primeiro ano), o adulto é o centro de cada situação concreta.
Todas as relações do bebê com o seu ambiente são sempre mediadas pela sua relação com o
adulto, neste caso, a mãe. Isso cria uma contradição fundamental, determinada pelo processo
de desenvolvimento do bebê: por um lado é uma situação com uma intensidade social máxima
e por outro lado o bebê não possui as condições mínimas para comunicar-se.
55
O núcleo desta faixa etária é descrita por Vygotsky como o conceito de “Ur-Wir-
Situation” (relação básica de indisociabilidade entre mãe e filho). Este conceito, para mim
intraduzível no português, representa o “nós” (uno) como uma consciência básica original da
relação mãe e filho, num estágio de continuidade da relação intra-uterina, que só será possível
dissolver em estágios mais avançados.
A vida psíquica do bebê está caracterizada por dois aspectos fundamentais: por um
lado as vivências das emoções, afetos e percepções que ainda não estão diferenciados do seu
ambiente externo, mas, por outro lado, a relação com o adulto é o caminho que o bebê
encontra para se relacionar com o mundo externo e dessa forma poder diferenciar-se.
Para concretizar a sua posição, Vygotsky critica as três posições atuais sobre
desenvolvimento: na primeira posição o critério do desenvolvimento está fora, por exemplo
Educação ou Ensino são considerados como fatores principais; a perspectiva baseada na
chamada lei biogenética que considera o que é desenvolvimento como processo que repete só
no indivíduo, o processo filogenético da evolução. Em geral se encontra aqui a incapacidade
de compreender a estrutura interna do desenvolvimento e a sua essência. Na segunda posição
56
No centro estão sempre as formações novas que correspondem a cada faixa etária; as
novas formações psíquicas apresentam sempre um novo tipo de atividade que caracteriza a
essência de cada estágio. As mudanças e transformações psíquicas e sociais, que se
desenvolvem em cada estágio como algo novo, determinam a consciência da criança, isto é, a
relação com o seu ambiente, a sua vida interna e externa.
Os “estágios críticos”, que duram de alguns meses até o máximo de um ou dois anos,
transformam em pouco tempo os aspectos principais de uma personalidade nova.
1. Num estágio crítico o início e o fim não estão muito claros nem diferenciados. A crise se
desenvolve sem muito estardalhaço. O núcleo dela aparece no meio do estágio. Onde num
ponto culminante acontece uma agudização e uma aceleração da crise.
57
2. Óbvio é observar também que as crianças tentam fugir do sistema de ações pedagógicas.
Muito frequentemente encontramos conflitos agudos com os adultos do seu ambiente, isto não
acontecendo automaticamente a cada crise.
A proposta de Vygotsky:
A crise do recém-nascido
Como já foi dito acima, em cada estágio encontramos uma nova formação principal,
onde se agrupam outras formações novas que não são a principal. Pode ser que uma formação
principal do estágio anterior perde o seu lugar privilegiado e torna-se uma linha secundária ou
vice-versa. Importante é que cada estágio mostra a sua própria estrutura única e irrepetível.
Por exemplo: Nós compreendemos a consciência da criança como a relação dela com o seu
ambiente, como resultado das transformações físicas e sociais, como expressão integral da sua
peculiaridade essencial na estrutura da sua personalidade. Na passagem para um outro estágio
não se mudam só determinados aspectos específicos, nem só funções específicas ou atividades
específicas, mas se transforma a estrutura total da consciência. Ao mesmo tempo com a
transformação do sistema da consciência as linhas principais e as linhas não principais traçam
os seus lugares. Por exemplo, a linguagem autônoma se torna a linguagem geral. No estágio
escolar a linguagem apresenta uma linha específica e não a principal, como no estágio do
bebê.
Como já foi dito acima, ao início de cada estágio se formam as relações irredutíveis,
irrepetíveis e únicas entre a criança e o seu meio ambiente, sobretudo o seu meio ambiente
social
Elas não são resultado, mas produto do desenvolvimento específico de cada faixa
etária. Encontramos a sua forma desenvolvida no final de determinado estágio.
Mediante as formações novas, a personalidade da criança se transforma em si mesma.
Isso significa que agora devemos partir da estrutura transformada da consciência da
criança para descrever as transformações de todo seu ser.
Elas representam uma nova maneira de perceber a realidade externa e de agir dentro
dela, mas também uma nova forma de perceber a própria vida interna, uma nova forma
de atividade interna e das próprias funções psíquicas.
O fator principal e essencial: o meio ambiente social; o contexto social não representa
só uma condição externa do desenvolvimento psíquico da criança, mas sim a condição
essencial interna dela.
6. Vygotsky e a Educação
2. Aprendizagem é desenvolvimento
4
O termo russo obuchenie significa algo como “o processo ensino-aprendizagem”, quer dizer, o termo inclui sempre aquele
que aprende e aquele que ensina e a relação entre essas pessoas. Vygotsky usou o termo basicamente no contexto escolar e
tinha claramente em mente o ensino e aprendizagem de capacidades cognitivas e metacognitivas.
5
Veja Vygotsky, 1994. 103 p.
61
Vygotsky não estava plenamente satisfeito com nenhum dos pontos de vista acima.
Aprendizagem e desenvolvimento são processos distintos e não devem ser confundidos.
Porém, o desenvolvimento da criança não pode ser visto de forma isolada em relação ao
processo de aprendizagem, uma vez que a relação entre esses dois processos é altamente
complexa e com certeza não deve ser comparada com a relação entre um objeto e a sua
sombra. Vygotsky desenvolveu a sua posição peculiar discutindo os processos de
alfabetização na escola.
Lembrando Hegel, Vygotsky concluiu que a criança tem que aprender a transformar
uma capacidade “em si” numa capacidade “para os outros”. Obviamente o instrumento da
escrita alfabética tem uma qualidade peculiar. O processo de escrever exige funções novas,
que nas crianças da pré-escola não estão desenvolvidas. O professor cria só as condições para
62
Para uma solução correta dos problemas, Vygotsky introduz aqui uma nova
concepção, com o famoso conceito de “zona de desenvolvimento proximal” que muda
radicalmente a teoria sobre ensino/aprendizagem e desenvolvimento6. Vygotsky denomina a
capacidade de realizar tarefas de forma independente como o nível de desenvolvimento real.
O nível de desenvolvimento potencial representa a sua capacidade de desempenhar tarefas
com a ajuda de adultos ou de companheiros mais capazes. A distância entre o nível de
desenvolvimento real e o nível potencial Vygotsky o define como “a zona de
desenvolvimento proximal” (VYGOTSKY, 1984, p. 92).
6
Essa concepção significa também uma transição ou transformação importante na própria teoria. O foco de interesse se
desloca da atividade mediada pelo signo para a atividade socialmente mediada. O conceito de “z ona de desenvolvimento
proximal” integrou a atividade social na teoria, enquanto retinha o significado da mediação do signo e do instrumento na
compreensão da aprendizagem e do desenvolvimento humano (MOLL, 1996,p. 6; KEILER, 1996, p.75).
63
o professor deve considerar como um limite não superável pela criança. Isto significa que o
ensino deve orientar-se no “ontem”, no “dia já passado”, baseando-se no desenvolvimento já
produzido, na etapa já superada.
Na educação especial fica muito claro o aspecto negativo deste ponto de vista.
Crianças consideradas mentalmente atrasadas têm pouca capacidade de pensamento abstrato.
Os professores decidiram limitar todo o seu ensino aos meios visuais. Mas, esta orientação
resultou profundamente insatisfatória, porque este sistema de ensino baseado exclusivamente
em meios visuais excluía tudo quanto dizia respeito ao pensamento abstrato. Este sistema de
ensino não só não ajudava a criança a superar uma incapacidade natural, mas na realidade
consolidava extremamente tal incapacidade, eliminando todos os germes, “flores” ou “botões”
do pensamento abstrato:
Com essa concepção, Vygotsky descreve áreas e períodos onde uma transformação
dos processos interpsíquicos em processos intrapsíquicos é realizada. Ou seja: Em “zonas de
desenvolvimento proximal” se cria o novo, sempre mediado pelas específicas formas das
interações sociais.
Em todas as versões desta concepção7 Vygotsky mostra uma orientação para algo que
até agora não existia, com uma direção para o futuro, que ostenta a sua dinâmica já na
interação social, na colaboração com adultos ou companheiros mais capazes.
Mas, para encontrar “zonas de desenvolvimento proximal”, deve-se fazer mais do que
analisar a criança através de testes. Deve-se interagir, cooperar com elas, mostrar-lhes o ponto
de referência certo, estabelecendo relações múltiplas, denominadas por Vygotsky como
“ensino-aprendizagem”. Isto é exatamente oposto dos famosos métodos clínicos que Piaget
brilhantemente domina. Piaget questiona a criança à base dos erros dela, Vygotsky questiona
a criança a partir das respostas que ele deu a ela.
Uma imagem poderia ilustrar isso: Nossas crianças aprendem a caminhar porque nós,
os adultos, caminhamos. Elas têm uma resposta literalmente a sua frente, que está acima de
suas necessidades internas e externas: nós adultos estamos interpretando estas necessidades
internas ou/e externas da criança de aprender a caminhar como pergunta: “o que devo fazer
para caminhar?” ou “me ajuda a caminhar?” Cada criança transforma esta resposta, esta nossa
ajuda na sua própria maneira de caminhar. Nós conhecemos também as conseqüências se esta
resposta não existe ou não está disponível. Isso mostra dramaticamente o caso de um Kaspar
Hauser ou da criança de Avyron.
7
Veja Vygotsky, 1977, 240 p. e 258 p. e tal qual 1987, v. 2, 298 p.
65
Dar uma resposta, ser uma resposta, apresentar ou viver uma resposta para fazer
possível o novo, algo que não existia, isto sempre é de fato uma coisa prática. As respostas
que nós pedagogos estamos dando às crianças e adolescentes são para elas meios, com os
quais elas constroem as próprias perguntas. Esta perspectiva é exatamente oposta a uma
interpretação dogmática da “zona de desenvolvimento proximal”, onde pedagogos e
psicólogos pensam que podem determinar precisamente os conteúdos destas zonas. Aqui a
perspectiva metodológica de Vygotsky é reduzida a uma receita que é simplesmente o ensino
em grupos e/ou o trabalho em grupos na sala de aula. Nesta tentativa de definir ou determinar
o futuro desenvolvimento individual das crianças e jovens, através deste modelo, parece que
os psicólogos e pedagogos se tornaram o Rei Midas da mitologia. Tudo que é vivo se torna
ouro, uma coisa muito valiosa, mas mortal.
Assim, o desenvolvimento pode ser visto como uma longa fileira de transformações,
de transgressões de uma atividade dominante à uma outra atividade. O conhecimento do
mundo dos adultos não traz dentro de si uma “teleologia” para o desenvolvimento das
crianças. A “zona do desenvolvimento proximal” é um diálogo entre a criança e o seu
futuro, nunca é um diálogo entre a criança e o passado de um adulto, de um professor
ou de uma sociedade.
Eu gostaria de apresentar uma interpretação que compreende esta área das ações das
crianças e dos jovens como um contexto para um diálogo entre o indivíduo e as diversas
tarefas, exigências e problemas e onde se incluem também os recursos e possibilidades de
uma existente cultura.
Entrar numa “zona de desenvolvimento proximal” significa sempre entrar numa área
não totalmente esclarecida nem conhecida. Conflitos, distúrbios, problemas, comportamentos
problemáticos, falta de coordenações nas atividades atuais de um indivíduo etc., podem ser
66
compreendidos como sintomas importantes desta entrada. Eles podem ser interpretados como
contradições internas entre as exigências de uma certa situação e os limites dos instrumentos e
meios disponíveis. A “zona de desenvolvimento proximal” inclui modelos de um passado,
modelos de um futuro e um sistema de atividades dos indivíduos, que resolvem estas
contradições entre passado e futuro através e nas suas atividades atuais.
6. 3. Vygotsky e a Educação
Num modo radical e revolucionário ele propõe o seguinte problema: “como se pode
pensar o processo do desenvolvimento do indivíduo e ao mesmo processo do
desenvolvimento da sociedade como um conjunto, como um contexto dialético sem reduzir
um processo ao outro?” Este problema se diferencia em diferentes perguntas:
Talvez agora fique mais claro o porquê de Vygotsky ter se dedicado ao ensino durante
toda a sua vida profissional; foi professor de literatura, estética, história da arte e psicologia.
A educação das crianças deficientes sensoriais e mentais ocupou um espaço enorme e
importante em seus estudos. Foi pedagogo, professor, antes de ser psicólogo, e manteve
sempre uma preocupação em relacionar educação e psicologia. Ele criticou uma psicologia
ocupada em problemas de aprendizagem que não levavam em conta os aspectos socio-
68
A atualidade do pensamento de Vygotsky pode consistir no que ele nos mostra de forma
impressionante: um problema que é ao mesmo tempo um postulado, uma teoria sobre o
desenvolvimento é sempre uma teoria sobre o futuro.
(ou Proposta para uma releitura do que é educação através da educação especial em
Vygotsky)
Ele foi um resultado da sua época, um cientista apaixonado e revolucionário, que tinha
uma visão do desenvolvimento humano avançada para sua época e para o estágio em que se
encontravam as ciências da educação e da psicologia.
Por que na entrada do século 21 seus trabalhos nos parecem tão modernos,
provocativos e controvertidos? Controvertida é acima de tudo a sua concepção do ser
humano e seu desenvolvimento para o qual ele tem como escala absoluta a eficiência, a
eficácia e os resultados de uma produtividade de trabalho.
O provocante nisto é que os indivíduos não são vistos como resultados do seu meio
social. Vygotsky considera o indivíduo como singular e irrepetível. Os indivíduos constroem
estas qualidades não se colocando contra o que é cultura ou sociedade, mas mediante a
apropriação da sua cultura.
Mas, isso vale também para as crianças portadoras de deficiência, como para cegas,
mudas ou deficientes mentais?
Vygotsky trabalhou grande parte da sua vida profissional na área de crianças com
problemas. Aqui encontramos a base de uma abordagem que permite ver a educação especial
numa nova perspectiva, mas também a relação entre pedagogia geral e educação especial,
duas áreas que tradicionalmente são bem separadas uma da outra. Por que e em que formas?
Para isso pretendo brevemente, esboçar as formas desta separação, a história desta separação
e, finalmente, a crise da pedagogia atual; as contribuições de Vygostky para os problemas
atuais da pedagogia e psicologia - as necessidades materiais, quer dizer, sociais e históricas de
construir um novo paradigma evidenciando o indivíduo como sujeito da sua própria vida
social e cultural e concretizar sua abordagem na educação especial como provocação e como
crítica a uma pedagogia geral.
1. Para Vygotsky não existe nenhuma criança deficiente - elas não são deficientes,
elas têm uma deficiência.
O que poucas vezes é compreendido é que essa deficiência está relacionada com
parâmetros estabelecidos por índices produzidos por uma determinada sociedade, por uma
dada cultura e por uma estabelecida lógica de qualidades, e até por conceitos estéticos.
concretas de um tal processo como repor, exagerar, igualar, conseguem criar caminhos
diferentes, ligações diversas e desta forma se cria alguma coisa de novo. Ele afirma que uma
criança com uma deficiência supera seus problemas com um universo de novas e ilimitadas
formas de desenvolvimento.
Este é para Vygotsky o aspecto positivo de uma deficiência. Ele concretizou isso sobre
tudo nos exemplos de crianças com uma deficiência de aprendizagem ou uma deficiência
mental.
3. Segundo Vygotsky, as crianças com deficiências mentais deveriam ser vistas como
simplesmente crianças normais com processos mentais funcionando em um nível
diferenciado. Vygotsky lutava também contra um conceito homogêneo de inteligência ou de
desenvolvimento da inteligência. Ele refletia o desenvolvimento de crianças de várias formas.
E estas formas tinham para Vygotsky muita relação com a metamorfose. Isto se tornou
explícito quando ele fez uma comparação de crianças pequenas com crianças mais velhas. Por
exemplo: o desenvolvimento da fala de crianças até dois anos é totalmente diferente de
crianças com seis ou sete anos. A mesma diferença existe na fala de uma criança mais velha
com a fala de um adulto. Do mesmo jeito a fala de uma criança com deficiência se desenvolve
qualitativamente diferente da fala de uma criança sem deficiência. Além disso, Vygotsky
ressaltava a importância das diferenças individuais entre as crianças da mesma idade e da
mesma condição.
Concluindo:
O conceito de deficiência pode nos transformar numa concepção realista ou monista, que
nos ajuda a compreender as formas únicas e criativas nas quais cada criança portadora de
deficiência se desenvolve.
Exatamente isso significa para Vygotsky sempre entrar na área da prática. Para
compreender a lógica peculiar das crianças, J. Piaget analisou nos seus brilhantes
74
experimentos os erros delas, já Vygotsky, frente a uma criança incapaz de brincar, começa a
jogar com ela, isto é, ele apresenta à criança um adulto como modelo possível ou uma “Zona
de desenvolvimento proximal”, traça assim uma visão audaz:
Na história social com estes objetos será construído o sistema concreto dos meios,
instrumentos, significados, e as relações entre eles e a sociedade que os elaborou, que os
conserva, que os transmite e que os muda e transcende. A cultura do mundo dos objetos e dos
meios representa assim o mundo das experiências gerais, feitas pelos homens no processo de
sua história. Para cada criança este mundo é dramaticamente fechado. Dentro da criança não
existe uma chave para abri-lo. Em comparação, o ambiente da natureza representa para cada
animal um ambiente onde ele pode entrar e adaptar-se imediatamente. O mundo da cultura ou
o mundo destes objetos ou a objetivação deste mundo, representam, de uma maneira
fundamental, uma tarefa que se pode descrever como uma tarefa de apropriação:
Um objeto, que a criança pega com a mão, será introduzido, sem problemas
no sistema de seus movimentos naturais. A criança leva por exemplo a
colher para a boca, como se for qualquer outro objeto do cotidiano, que não
têm caráter de instrumento, e o faz sem prestar atenção se deve o não colocar
a colher de forma horizontal. Estes movimentos da mão da criança serão
transformados lentamente numa qualidade fundamental através da
intervenção concreta e direta dos adultos que ensinarão à criança o correto
uso da colher, e assim os movimentos da criança serão subordinados à lógica
objetiva do uso deste instrumento. A estrutura geral destes movimentos foi
transformada; receberam um nível maior respeito ao objeto. A criança se
apropria do sistema dos movimentos funcionais, o sistema das ações de
caráter instrumental, que é subordinado às relações topológicas (LEONT
´EV, 1971, p. 240 - traduz. do alemão).
Aqui, a criança realiza uma atividade especial com este objeto que é adequada àquela
capacidade humana incorporada neste objeto. Esta atividade tem um caráter mediado desde o
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início. Na sua forma elementar é uma atividade conjunta, representando uma colaboração
direta entre o mundo dos adultos e o mundo da criança. Já nas primeiras etapas do
desenvolvimento desta criança o mundo dos objetos se abre somente através das suas relações
com outras pessoas. Isso implica também que o mundo dos objetos nunca é somente o mundo
das qualidades objetivas, mas desde o início é o mundo dos significados sociais e pessoais. A
atividade não se desenvolve natural e organicamente, nascendo sempre com a colaboração dos
adultos. A lógica deste objeto social faz com que seja determinada, na mesma forma, a
atividade da criança assim como a ajuda do adulto. Nas seguintes etapas a atividade conjunta
se transforma, passo a passo, e a assimetria de ajudar vai se convertendo numa cooperação
simétrica mediada através da linguagem. No processo da apropriação, uma "necessidade
subjetiva para desenvolver-se" e uma "riqueza objetiva das possibilidades - o mundo da
cultura - para desenvolver-se" serão relacionados. Assim, podemos dizer que a aprendizagem
humana tem a função de apropriação.
Assim,
A atividade de cada indivíduo ocorre sempre num sistema de relações sociais e de vida
social, onde o trabalho ocupa o posto central. Com o conceito de atividade Leont'ev clarifica:
A resposta dada por Leont'ev é a seguinte: A atividade humana tem uma qualidade
social, quer dizer, com ela os indivíduos realizam sempre relações sociais com a realidade,
com os outros indivíduos e consigo mesmos. Também esta qualidade social explica a
estrutura da atividade humana, distinguindo três níveis de funcionamento: a atividade
propriamente dita, as ações e as operações.
78
O que é uma atividade? Isto pode ser somente respondido se nos perguntarmos qual é
o motivo ou o objeto deste fenômeno: para saber se um processo ou um fenômeno pode ser
caracterizado como atividade devemos fundamentalmente encontrar qual é o seu objeto e o
seu motivo.
Uma das suas peculiaridades, segundo Leont´ev, é que a sociedade produz e constrói
as atividades como uma forma complexa da relação homem-mundo.
Cada atividade é na sua essência social uma síntese de motivos, seus respectivos
objetos, e o correspondente processo do seu desenvolvimento.
No exemplo acima citado as ações individuais do batedor são caracterizadas por uma
independência aparente, como por exemplo: correr, ver, cheirar, gritar etc., que são vistas
isoladamente do contexto geral podendo parecer absurdas, já que se o objetivo é a caça, e o
seu oposto seria afugentá-la.
Poderíamos dizer, então, que as ações são caracterizadas por seus objetivos explícitos.
Uma ação não tem motivos, é uma relação entre o objetivo da ação e o motivo social da
atividade.
Uma ação pode realizar o objetivo final, como neste exemplo matar um animal, e não
por isso ser considerada atividade, porque basicamente falta nesta ação o motivo social, neste
caso, a comida e vestimenta para o grupo social.
3o. Nível: Uma ação, por sua vez, é realizada mediante diversas operações.
Poderíamos dizer que operações são os elementos que ajudam à concretização de uma
ação. Um exemplo na caçada são os movimentos das pernas no processo de correr. Estes
movimentos não têm um objetivo, não são feitos conscientemente, muito menos têm um
motivo. Eles são realizados automaticamente, mecanicamente, sem ocupar a consciência do
indivíduo e são dependentes de condições concretas e reais.
[...] além de seu aspecto intencional (o que deve ser realizado) a ação
também inclui seu aspecto operacional (como, de que modo pode ser
realizado), o que é determinado não pela meta em
si, mas pelas condições objetivas (ambientais) para sua realização [...] A
esses modos de desempenhar uma ação chamo de operações. (LEONT´EV,
1971, p. 27 traduzido do alemão).
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Conclusões:
Por outro lado, o processo de escrever tem também a possibilidade de emergir do nível
de ação para o nível de atividade, quando, por exemplo: se aprende a escrever numa outra
língua, ou se escreve poesia, literatura, jornalismo etc.
Assim, ele também pode transformar-se de uma operação em uma ação no momento
em que persegue um objetivo: quando fica consciente o fato de escrever, por exemplo: um
exercício de caligrafia, uma designação para escrever um título. Nestes casos, o escrever é
orientado para a forma de escrever e não para o conteúdo do escrito.
Fica esclarecido assim, que a consciência só pode existir dentro do indivíduo, mas as
suas origens são o produto de uma atividade, que atua como um sistema e uma formação
social e coletiva.
Devemos considerar especialmente a importância que tem nesta teoria a relação entre
atividade externa e interna:
Segundo esta abordagem, a atividade psicológica interna tem sua origem na atividade
externa dos homens:
O processo de internalização não significa para Leont'ev que uma atividade externa
possa ser transferida simplesmente a um nível já preexistente da consciência. Este nível de
consciência foi construído e formado como a própria consciência. Ela existe só como forma
de atividade interna: "O problema central existe nisso, compreender a consciência como um
resultado, como uma forma transformada dessas relações sociais, que existem realmente
através das atividades dos homens no mundo concreto e exterior"(LEONT'EV, 1982,p. 56
traduzido da alemão).
conceito este a que Leont´ev se opõe radicalmente, definindo a consciência como atividade
interna propriamente dita.
A sua preocupação principal não era a imagem concreta, mas sim como ela se
construía no interior do indivíduo. Esta imagem, Leont´ev supunha, era uma imagem
construída mediante um processo riquíssimo através de interações da percepção, das
condições biológicas, do contexto social, dos motivos etc.
Leont´ev parte para esta definição, de uma concepção monística do homem e da sua
hipótese de que a estrutura da atividade externa e interna são semelhantes, mas não idênticas.
Para os animais o mundo dos objetos existe e tem significado somente se aqueles
objetos representam uma significação para a sua sobrevivência. Para um animal os objetos
nunca têm significados independentes da sua vida.
Para o homem social, o mundo dos objetos está sempre carregado de significados
implícitos. O instrumento é a forma primeira, original, de um significado na perspectiva
histórica do homem. E mediante a linguagem os significados podem existir
independentemente dos instrumentos e objetos correspondentes.
Meios, instrumentos e objetos são baseados no trabalho social. Eles têm sempre a
qualidade de uma generalização que permite a sua comunicabilidade e a sua sobrevivência
83
Assim:
Numa perspectiva sincrônica, uma sociedade apresenta a rede das atividades dos homens ou a
totalidade das atividades diferentes, num contexto espacial. A teoria da atividade coloca a
sociedade como algo que não existe independente do indivíduo, mas sim através da soma e ao
mesmo tempo como processo das relações das diferentes atividades, que têm por objeto final
a satisfação das necessidades sociais e ao mesmo tempo individuais. Numa perspectiva
diacrônica, pode-se entender e compreender as relações das atividades dos homens num
contexto temporal como a história, quer dizer, as atividades numa relação entre passado, no
presente e futuro.
3.- A "abordagem genética" que Vygotsky, Leont´ev e Lurija fizeram dos processos psíquicos
completam a compreensão do "ser humano", como um sujeito que traz uma carga cultural,
histórica, social e também biológica, diferenciando-se assim, dos outros sujeitos do mundo.
Individuação significa a distância que o sujeito toma da sociedade para poder reconhecer as
suas características únicas e originais. Mas, por outro lado, esta distância pode originar o
processo de alienação, onde o indivíduo não somente se distancia como nega ou ignora a
sociedade da qual emerge. A alienação traz como consequência um abismo insuperável entre
as ações individuais e os motivos sociais que representam a formação coletiva. A maioria dos
homens realiza o seu trabalho em nível de ações individuais, perdendo de vista a origem e os
motivos sociais destas ações, empobrecendo, assim, o leque de possibilidades de
questionamento, críticas e produção de novas atividades, tanto em nível individual como
social. Por exemplo, no sistema econômico da sociedade capitalista o indivíduo é reduzido a
viver a sua vida em nível de ações individuais, porque os mecanismos de poder desta
sociedade não permitem explicitar a riqueza dos motivos sociais das atividades. Por outro
lado, no sistema econômico socialista somente se dá importância aos motivos sociais como
um sistema coletivo, onde os processos de individuação são negados e assim a relação entre o
indivíduo-sociedade se parcializa, dando destaque só a sociedade em detrimento do indivíduo.
O chamado problema dos nove pontos pode ser descrito assim: sem levantar o lápis
devem ser traçadas quatro linhas que unam esses nove pontos:
Vemos concretamente no exemplo dos nove pontos que para resolvê-lo é necessário
uma ampliação do espaço do problema. O que mais se poderia esperar desde o ponto de vista
da solução de problemas, que propor uma nova estruturação dos modelos mentais ou dos
esquemas cognitivos do indivíduo?
Com este tipo de perguntas, não estamos só no nível de um problema já dado, mas
86
Isso faz com que, neste momento, seja urgente e necessária a busca de caminhos que
possam incluir nas teorias da aprendizagem e de ensino essas problemáticas. Caminhos que
possam levar a uma maior compreensão de quem é hoje o sujeito que aprende e quem ensina,
de que contexto eles surgem, qual é a realidade na qual se inserem e atuam, qual é o
conhecimento que precisam e como transferir esse conhecimento numa relação viva, não
estereotipada. Em outras palavras: por que hoje a sociedade, bem como os sujeitos, precisam
urgentemente de uma nova qualidade de aprendizagem e ensino?
Ele coloca como um modelo dessa relação o modelo ou o conceito de dupla mensagem
na análise de uma paciente de quinze anos. Sua biografia mostra a rejeição inconsciente por
parte de sua mãe, que se sentia obrigada socialmente a representar o papel da mãe amorosa e
preocupada, mas que não conseguiu realizar este comportamento.
Nesta análise, uma situação que se repetia ao longo da biografia da filha eram
situações do tipo: a mãe dizia para ela: “Minha filha, vai dormir, pois estais muito cansada e
eu estou preocupa da com a tua saúde.” A filha não conseguia reconhecer o seu cansaço. Por
outro lado, acreditava no que a mãe dizia, mas sabia ao mesmo tempo que era, no fundo, uma
extrema negação da percepção de si mesma que a jovem fazia. A mãe, incapaz de reconhecer
o motivo do próprio cansaço que ela sentia com relação à presença da sua filha, o projetava na
mesma, negando também a sua percepção da relação com a presença da filha.
Este tipo de atitude coloca tanto a mãe quanto a filha numa relação do chamado duplo
vínculo ou dupla mensagem: a filha, pela sua situação de dependência afetiva, obedece e vai
dormir com o cansaço da mãe, negando os seus direitos e seus próprios sentimentos. A
situação de dupla mensagem está aqui na contradição entre a mensagem da mãe que estava
dizendo ao mesmo tempo: te amo e não te suporto mais. E por sua vez, a mãe coloca na filha
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a sua rejeição e, assim, nega o direito aos seus próprios e verdadeiros sentimentos, com a
conseqüente perda de identidade, sentimento de culpa etc. Essa estrutura se repetiu ao longo
de seus quinze anos, com a consequência da esquizofrenia da filha.
Concluindo, pode-se dizer: numa situação de duplo vínculo, o sujeito está em frente de
mensagens ou de desafios absolutamente contraditórios que exclui um ao outro. A lógica
dessa situação é a seguinte: o professor, mostrando o bastão ao aluno, diz: Se você diz que
este bastão não é real, eu lhe bato com ele. Se você diz que este bastão é real, lhe bato com
ele. E se você diz nada, lhe bato também com o bastão. O aluno só perde, neste caso.
A qualidade colocada neste contexto seria de um aprendiz que não só reage dentro deste
contexto, que no fundo aqui é impossível, mas que quebra a lógica do mesmo. Isso nós
chamamos de aprendizagem expansiva.
Um campo no qual a qualidade do expansivo está muito próxima e tem uma inesgotável
riqueza: o campo da arte e das obras de arte.
No livro de Vygotsky sobre "Psicologia da Arte", encontramos uma idéia que nos ajuda a
concretizar a tese sobre o potencial peculiar da arte. Nesta perspectiva, a obra de arte significa
um único meio para abstração da realidade como um espaço da construção da subjetividade
do indivíduo. O afeto e as emoções, neste processo, são a bases elementares.
Para Vygotsky, a verdade de uma obra de arte nunca está no seu conteúdo, mas sim na
suas formas de representar. Uma obra de arte representa um tema, quer dizer, um "material" e
ao mesmo tempo a maneira dessa representação. A forma ou o sistema das formas não são
uma visualização ou ilustração de um material preestabelecido; as formas nunca se delineiam
do material: ao contrário, as formas têm um próprio valor em si mesmas. Através das formas,
aparece alguma coisa que não está no material - mas só aparece quando nós relacionamos as
formas com a realidade; quer dizer, quando nós as usamos e as aplicamos, construindo o
conteúdo. As formas ou o sistema das formas orientam nossas emoções e afetos para uma
realidade que corresponde a elas. Construindo essa relação, construímos o que é o conteúdo
de uma obra de arte. Nós não reagimos, mas estamos expressando-nos como indivíduos
afetivos e emocionais a arte como uma maneira de um pensamento emocional.
Neste caso, lembramos a parábola da multiplicação dos pães - aquela na qual mil homens
foram alimentados com 5 ou 6 pãezinhos e 12 peixes. Todos comeram e ficaram satisfeitos,
sobrando ainda 12 cestas cheias. Nesta parábola, o milagre está somente na quantidade: mil
comensais satisfeitos, embora todos tivessem comido apenas pão e peixe, ou seja, tiveram o
mesmo alimento de todos os dias, sem nenhum milagre nas suas mesas.
relação com a vida, tal como a relação entre o vinho e a uva. Pois o material da arte é a vida,
mas além deste material, nos dá algo a mais que não está contido na qualidade do material. As
emoções e o afeto são de origem individual - através da obra de arte tomam-se sociais e
universais.
Para Vygotsky, uma obra de arte representa um meio com o qual conseguimos pensar
nós mesmos e a nossa realidade numa qualidade nova. Com as minhas palavras eu digo: o
núcleo dessa qualidade está numa competência básica de cada homem; a sua competência
metafórica, que quer dizer a capacidade de olhar algo como um outro e novo. A arte
representa, assim, a cristalização e a materialização dessa competência.
Neste pequeno evento se pode diferenciar quatro passos que apresentam talvez um
ciclo dinâmico da representação simbólica de onde se delineia, ao meu ver, o núcleo de um
pensamento metafórico:
4. O objeto pode agora estar em pé e se vê quase como o cachorro da boca ao rabo. Tudo isso
oferece uma nova possibilidade para um pensamento metafórico, que neste caso não
acontecia.
Neste exemplo os passos 2 e 4 tem como base a analogia e precisam um nível bastante
alto de consciência. Aqui podem ver uma “Gestalt”. Aqui se abre a porta para o passo
operacional, quer dizer o passo literal. Os passos 1 e 3 têm uma outra qualidade, quase oposta.
Estes têm a ver com a assim chamada “Aha-Erlebnis” que chega do mar de inconsciência,
mas oferece a possibilidade de agir e de fazer. Obviamente as operações concretas estão numa
relação intensa com o pensamento selvático ou metafórico.
Na primeira obra, a artista apresenta aqui uma montagem de dois pedaços de uma
bicicleta encontrados por acaso no lixo, um guiador e uma sela ou selim da bicicleta.
Presenteando essa montagem como cabeça de um touro. Aqui se vê bem claro a estrutura de
uma metáfora. A metáfora diz: isso é isto e ao mesmo tempo isto não é isso. “Por exemplo: A
noite é uma coberta de seda azul.” Aqui “a coberta de seda azul” organiza uma nova
perspectiva de olhar de ver a noite, uma perspectiva que é ao mesmo tempo subjetiva e
objetiva. De um lado o conceito “seda azul” apresenta um lugar comum numa certa cultura,
que tem a ver com riqueza, mistério, erotismo e muitas outras coisas; de outro lado provoca
este conceito as minhas experiências, fantasias e imagens individuais.
A obra de arte utiliza a forma, melhor, o sistema de suas formas, de modo bem diverso
de outras maneiras de representação. Uma obra de arte apresenta o seu objeto, o seu “sujeito”
e ao mesmo uma obra de arte acentua a maneira desta representação em que ela o apresenta.
A espécie de representação mesma. Esta é, no meu entendimento, uma das mais incríveis
façanhas da forma da obra de arte - não alternar-se com uma superficial equiparação e
correspondência de forma e conteúdo, mas antes articular, nesta façanha, uma sutil relação
consigo mesma: obras de arte são de algo e simultaneamente de si mesmas.
cesto de vime - ou seja- uma metáfora composta com dupla direção de visão. Se as costelas
fossem feitas de gesso, iria o olhar somente para uma direção. Poderia enxergar somente
gesso modelado como o peito de uma cabra (1983, 144 p.s. ). Aqui o comentário de Picasso:
“Eu volto o caminho da cesta para o peito: da metáfora para a realidade. Eu faço a realidade
visível, porque eu uso a metáfora” (GILOT/LAKE 1965, 306).
Uma metáfora não pode ser confundida com uma imagem acabada e estática. Ela
organiza o olhar como uma atividade que cria uma referência peculiar com o mundo.
A metáfora não é, portanto, algo pronto, uma figura estática, acabada em si mesma.
A metáfora não se explica imediatamente pela sensação, vivência ou empatia. Ela exige uma
atividade bem específica: compreender uma obra de arte implica em compreender a sua
metáfora. O lugar da metáfora não se encontra no “sujeito” representado, mas na própria
representação, constituindo o essencial para o processo de compreensão. Primeiramente cada
obra de arte é forma e precisa ser compreendida como sistema de formas de representação.
Cada obra de arte está situada no contexto da história das formas e, em vista deste contexto,
apresenta uma resposta a questões e problemas já postos anteriormente por outras obras de
arte.
Segundo o meu entender, aqui, a forma, ou mais preciso o sistema das formas,
aponta em duas direções: As formas da representação efetuam uma diferença básica e ao
mesmo tempo um nexo entre obra de arte e a realidade.
Uma obra de arte é uma síntese única e peculiar dada a realidade. Quando não se vê
esta referência, se compreende a obra de arte como cópia imediata de expressão, vivência ou
empatia do artista. Com esta atitude enquadra-se a obra de arte ao nível dos objetos de que
versa. Assim a obra de arte torna-se facilmente um objeto psicológico, ao qual apenas se dá
uma determinada forma. Outras variantes consistem em ver a obra de arte, primariamente,
como mensagem, como conteúdo semântico. Aqui ela se desloca para o terreno da
propaganda política ou comercial (a propaganda como representação sem distância).
Contra isto há decididamente que sustentar que na obra de arte a sua referência com
a realidade é fundamentalmente indireta, altamente mediata. Primariamente mediata pelo seu
sistema das formas, uma obra de arte tem referência com a realidade. O sentido, o conteúdo
não existe como uma ideia ou um programa ou uma mensagem na cabeça do artista, que deve
inventar uma forma de sua representação. Ao contrário, o conteúdo se dá como aplicação
intensional pela forma. Aqui o sistema da formas se abre, expande o seu potencial universal e
ilimitado em posição à contenção e demarcação de que tratou-se acima. Abertura e potencial
ilimitado são resultados da multiplicidade de suas possíveis aplicações.
O conteúdo como aplicação intensional do sistema das formas - isto põe algo como
uma fórmula para processos de compreensão de arte em geral, para a compreensão da obra de
arte como metáfora. Entender o núcleo metafórico de uma obra de arte torna-se acessível
somente por meio da experiência de sua contemplação, quer dizer de um ver qualitativo. Essa
contemplação não pode ser substituída por descrição com palavras, por comentários, por
explicações. Não há como substituir a experiência direta da obra da arte. O observador
necessita estar equipado o melhor possível para poder responder à força da metáfora. Se o
lugar da metáfora está no próprio modo da representação, quer dizer no sistema da suas
formas de representação, se precisa um adestramento deste olhar qualitativo, uma capacidade
de mover/se em contextos formais, exercícios para captar estruturas etc. Tudo isso são
aplicações intencionais de formas.
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Na obra do Picasso nós não vemos um objeto, uma cabeça de um touro vemos um
objeto, neste caso uma pessoa - assim o quadro torna-se um objeto, uma coisa. Não vemos
aqui uma representação de um objeto, mas vemos como um touro é visto. Vemos um
modo, uma maneira de ver, literalmente uma perspectiva.
Modos de ver não são espontâneas e arbitrárias fotografias, mas assim são sempre
resultados gerais de experiências. Um modo de ver sempre é resultado de soluções práticas da
vida, sempre tendo a ver com uma transformação de experiências, numa síntese da realidade.
Um modo de ver e um resultado de uma generalização. O que é geral num modo de ver
obviamente é o pressuposto para o fato que uma obra de arte tem importância e relevância
para nós como indivíduos.
O que é geral num modo de ver apresenta uma possibilidade para o observador de
ver a si mesmo e as suas experiências nessa perspectiva. O observador quase aplica o sistema
de formas de representações a si mesmo, construindo o seu conteúdo, o seu sentido da obra de
arte. Nesta modalidade de uma “aplicação de formas de representação,” elas estão
tematizando mesmo a sua subjetividade. Assim, ocupando/se com uma obra de arte, ele
sempre vivencia algo de si mesmo. A tentativa de entender a obra de arte é praticamente a
transformação metafórica de si mesmo: o próprio sujeito de uma obra de arte sou sempre eu.
Resumindo: Uma obra de arte como uma síntese do conhecimento sobre a nossa realidade e
ao mesmo tempo um espelho, com o qual vemos nós mesmos.
G.. Bateson analisa com a sua concepção de "duplo vínculo" as contradições dessa
sociedade a respeito dos efeitos para os indivíduos dessa sociedade. A possibilidade de pensar
as contradições da nossa vida quotidiana através das obras de arte poderia ser uma chave para
conscientizar as nossas relações com o mundo e com nós mesmos, vendo-as numa nova
perspectiva.
A arte moderna não é didática, não é pedagógica, também não é técnica. Maria Benites
explica: "Arte moderna é um pensamento do que até hoje não foi dito. Ela representa algo que
está por trás do que foi dito até hoje. Ela não apresenta respostas, nem receitas - ela é
ambígua. Ela não diz que ela sabe e ao mesmo tempo ela é uma forma de conhecimento
indispensável. Nenhuma sociedade poderia existir, viver e sobreviver sem arte.
A arte moderna mostra algo que não é compreensível a primeira vista. Ela fica
totalmente incompreensível quando nós, para entendê-la, usamos os outros e não nós mesmos.
Compreender o que é novo significa compreender o futuro, uma projeção do presente e do
passado para um período qual ainda não foi vivido. (BENITES,1996).
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Figura 1
Figura 2