INTRODUÇÃO
No dia 25 de julho de 1996, entrou em vigor a Lei nº 9.296, que veio a regulamentar
o art. 5º, XII parte final da Constituição da República. O referido diploma legal dispõe
sobre o procedimento a ser adotado quando da interceptação de comunicações telefônicas
para fins de investigação criminal e instrução em processo penal.
Segundo Greco Filho (2005, p. 2), esse texto era questionado em face da
Constituição então vigente, eis que esta garantia o sigilo das telecomunicações sem
qualquer ressalva, de modo que a possibilidade de requisição judicial não teria guarida
constitucional. Não era esse, contudo, o entendimento de algumas decisões judiciais e
posições doutrinárias, que sustentavam a compatibilidade do art. 57 do Código Brasileiro
de Telecomunicações com a garantia constitucional, considerando-se que nenhuma norma
constitucional instituiu direito absoluto, devendo ser compatibilizada com o sistema, de
modo que a inexistência de ressalva no texto da Constituição não significava a absoluta
proibição da interceptação, a qual poderia efetivar-se mediante requisição judicial à
concessionária de telecomunicações, em casos graves.
Em seguida, porém, outra polêmica instaurou-se, qual seja, a de ter sido, ou não,
recepcionado o art. 57 do Código Brasileiro de Telecomunicações, ou se haveria
necessidade de norma específica regulamentadora.
Faz-se importante, ainda, segundo Greco Filho (2005, p. 5), no capítulo das
observações preliminares “fazer uma distinção que nem sempre se apresenta, quer em
julgamento, quer em textos doutrinários, qual seja, a diferença entre a gravação feita por
um dos interlocutores da conversação telefônica, ou com autorização deste, e a
interceptação”.
Esta é que caracterizará o crime do art. 10 se realizada fora dos casos legais; a
gravação unilateral feita por um dos interlocutores com o desconhecimento do outro,
chamada por alguns de gravação clandestina ou ambiental (não no sentido de meio
ambiente, mas no ambiente), não é a interceptação nem está disciplinada pela lei comentada
e, também, inexiste tipo penal que a incrimine. Isso porque, do mesmo modo que no sigilo
de correspondência, os seus titulares – o remetente e o destinatário – são ambos, o sigilo
existe em face dos terceiros e não entre eles, os quais estão liberados se houver justa causa
para a divulgação. O seu aproveitamento como prova, porém, dependerá da verificação, em
cada caso, se foi obtida, ou não, com violação da intimidade do outro interlocutor e se há
justa causa para a gravação. Se considerar que a obtenção foi ilícita não poderá valer como
prova, considerando-se a regra constitucional de que são inadmissíveis no processo as
provas obtidas por meio ilícitos (no caso a violação da intimidade), mas não a interceptação
de telecomunicações.
A lei não disciplina a interceptação realizada por terceiro, mas com o consentimento
de um dos interlocutores, também chamada de escuta telefônica.
Segundo ainda Greco Filho (2005, p. 9), aplica-se a disciplina da norma legal
comentada (autorização judicial, somente se houver razoável suspeita de prática de crime
punido com reclusão, etc.) à quebra de sigilo das comunicações telefônicas, mesmo não se
tratando de “interceptação” propriamente dita, quanto aos registros sobre as comunicações
existentes nos concessionários de serviços públicos, tais como a lista de chamadas
interurbanas, os números chamados para telefones celulares, etc.
Tem sido admitida, por força da lei de organização judiciária estadual, em comarcas
complexas, a existência de juízos especializados para as providências anteriores ao
oferecimento da denúncia, como a concessão da fiança, o relaxamento do flagrante e o
habeas corpus contra a autoridade policial, as quais também tornariam prevento o juízo da
ação principal nos termos do Código de Processo Penal e da orientação jurisprudencial
dominante. A expressa menção na lei de vinculação de competência do juiz da autorização
como o juiz da ação principal vai suscitar a alegação de nulidade de atos praticados pelo
juiz especializado, mas acredita Greco Filho (2005, p. 47) que vai prevalecer, no caso, o
entendimento da autonomia da lei estadual de organização judiciária em estabelecer a
competência dos juízos no âmbito de sua justiça, orientação, aliás, prestigiada em diversas
oportunidades pelo Supremo Tribunal Federal.
A interceptação poderá ser determinada pelo juiz de ofício ou a requerimento da
autoridade policial, na investigação criminal; ou do representante do Ministério Público, na
investigação criminal e na instrução processual penal.
Quem conduz a diligência, dentro dos parâmetros fixados pelo juiz, é a autoridade
policial dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.
Finalmente, Greco Filho (2005, p.57) coloca uma questão importante: “em que
momento terá o acusado ciência da prova colhida mediante a interceptação?”
Esse mesmo autor responde que “não se pode sequer cogitar de prova que não seja
sujeita ao contraditório, de forma que tem o acusado o direito de contrapor-se a ela,
contradita-la e fazer contraprova”. Para isso, o acusado deverá ter ciência da prova na
primeira oportunidade que houver após a sua realização. Se a prova foi realizada durante o
inquérito, citado o réu, já poderá o acusado ou seu defensor ter acesso à prova para preparar
sua defesa; se realizada durante a instrução processual, após a instauração da ação penal,
portanto, o acesso será permitido assim que encerrada a diligência. Na fase de inquérito, se
o suspeito ou indiciado desejar utilizar-se de instrumento de tutela da liberdade, como, por
exemplo, o habeas corpus, também terá direito de acesso à prova. Como já é sabido, o
acesso ao apartado ou apenso pelo Ministério Público, o magistrado ou defensor deve
sempre ser cercado da garantia de preservação do sigilo, inclusive para o futuro.
Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial,
nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal;
Nossa atual Constituição, como não poderia deixar de ser em respeito a um dos
alicerces da liberdade humana e da ética, resguardou esse direito aos cidadãos brasileiros,
como pressuposto indispensável à democracia em que hoje vivemos. No entanto, no afã de
superar o obscurantismo da situação anterior, o constituinte de 1988 exagerou na dose de
protecionismo, além de ter escrito um texto impreciso e passível das mais variadas
interpretações, o que tem causado vários problemas, pois o princípio visa proteger o estado
de direito democrático, mas do jeito que foi posto atrapalha um dos seus requisitos, que é a
justiça.
Sob o argumento de que a permissão para violar o sigilo, mesmo sob autorização
judicial, para investigação de crimes, significa porta para abuso de autoridades, alguns
juristas têm emitido a opinião de que o texto sub studio veda o acesso a qualquer tipo de
informação, descrita no texto como "dados". Ora, o inciso analisado trata de matéria
recorrente no ordenamento jurídico nacional, que sempre assegurou livre manifestação de
pensamento quando estiver este em transmissão sobre as mais variadas modalidades. A
entender-se, como querem alguns, que o inciso determina a inviolabilidade não só das
comunicações telegráficas, telefônicas e de dados, mas também dos dados quando estáticos,
não haveria nenhuma possibilidade de quebra de sigilo, visto que dado significa
informação, e toda comunicação é uma troca de informações. Sob esse aspecto, toda
investigação que usasse como prova alguma informação material colhida do réu, mesmo
sob ordem judicial, seria considerada ilícita. Essa é a opinião de Celso Ribeiro Bastos, que
consoante com o escrito acima comenta:
Desta forma, parece claro que o legislador constituinte estabeleceu como a regra o
sigilo e como exceção a interceptação, porém somente no campo penal.
Nesse prisma, algumas relevâncias são indagadas: a expressão "último caso" refere-
se somente aos casos de comunicação telefônica ou engloba também os dados? E o que são
dados? São dados da comunicação telefônica ou outros dados além dos da comunicação
telefônica?
Pensa-se (conf. doutrina de Maximiliano, Gomes e Greco Filho) que o dispositivo
constitucional está dividido em dois grupos, a saber: 1º grupo: sigilo da correspondência e
das comunicações telegráficas; 2º grupo: de dados e das comunicações telefônicas.
Porém, não foi esta a opção do legislador constituinte. Permitiu a quebra do sigilo
de dados sejam das comunicações telefônicas sejam outros dados de comunicação.
Porém, não se utiliza somente este meio de interpretação para afirmar o acima
explanado. Atem-se ao fim primitivo e especial da norma que é condicionado pelo objetivo
geral do Direito, mutável com a vida, que ele deve regular: O direito à vida, à segurança
social, à paz e à tranqüilidade das pessoas respeitando a dignidade da pessoa humana, à
cidadania e, ainda, à liberdade latu sensu.
Desta forma, parece sensível que o direito fundamental assegurado no inciso XII do
art. 5º não tem o caráter absoluto a ponto de restringir o alcance da expressão "último caso"
somente as comunicações telefônicas. Não estamos mais vivendo o conceito primitivo de
telefonia adotado pelo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62).
O conceito era bem adequado à época em que a lei foi promulgada, porém hoje,
perde razão de ser diante do avanço tecnológico. Posto isto, há que se perceber que a
intenção do legislador constituinte foi de restringir à esfera criminal os casos de
interceptação telefônica. Assim, não há que se falar no cível de interceptação telefônica.
Pensa-se que se admitisse a prova emprestada estar-se-ia por via oblíqua burlando o
texto constitucional que é expresso e claro: “para fins de investigação criminal e instrução
processual penal”.
O mestre Greco Filho (2005, p. 39) justifica seu posicionamento alegando que: “Os
parâmetros constitucionais são limitativos. A finalidade da interceptação, investigação
criminal e instrução processual penal é, também, a finalidade da prova, e somente nessa
sede pode ser utilizada”.
Posto isto, entende-se que a razão está com a primeira corrente. Não se podem criar
situações de legitimidade de uma prova que, expressamente, é vedada pelo legislador
constituinte. Há que se perquirir a vontade do legislador: admitir, excepcionalmente, a
quebra do sigilo da comunicação visando à colheita de prova com o escopo de se atingir a
verdade real no processo, já que não há outro meio de fazê-lo (cf. art. 5º, XII da CRFB c/c
art. 1º c/c art. 2º, II c/c art. 4º, caput, ambos da lei 9.296/96).
Resumindo, portanto a questão, temos que: a toda informação em trânsito, seja por
via de correspondência ou comunicação telegráfica ou telefônica, é assegurada a
inviolabilidade do sigilo, salvo no caso de comunicação telefônica verbal, quando por
ordem judicial, pode ser quebrado o sigilo, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Seria essa uma forma bem
mais racional de reduzir a escrito a intenção do legislador.
ART. 5 - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação
criminal ou instrução processual penal;
Desta forma, parece claro que o legislador constituinte estabeleceu como a regra o
sigilo e como exceção a interceptação, porém somente no campo penal.
Define Costa Júnior (1970, p. 101-102): "o direito à intimidade é o direito de que
dispõe o indivíduo de não ser arrastado para a ribalta contra a vontade. De subtrair-se à
publicidade e de permanecer recolhido na sua intimidade, o direito de impedir a divulgação
de palavras, escritos e atos".
Atente-se para o fato de o direito à intimidade pertencer à categoria dos chamados
direitos da personalidade. Assim, "por direito à intimidade, genericamente, entendemos
quer o direito ao segredo, quer o direito à reserva e que se trata de direito integrante da
categoria dos direitos da personalidade". (GRINOVER, 1976, p. 101-102)
Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias
fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da
harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o
sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do
âmbito de alcance de cada qual.
Não obstante a clareza do texto legal, o que se tem verificado muitas vezes é que as
Polícias têm se utilizado da interceptação telefônica de forma ilegal, e depois da exitosa
prisão em flagrante, sem que a existência da escuta venha à tona, justifica-se que as
diligências se iniciaram em razão de "denúncia anônima".
Nesse passo, convém citar Marcos Alexandre Coelho Zilli (2003, p. 160), que assim
doutrina:
Como instrumento democrático de concretização do direito material, deve o
processo penal ser conduzido com observância rigorosa da forma legitimamente
prescrita em lei. Do contrário, e ainda que o direito material tivesse sido aplicado
por intermédio de uma condenação, é certo que o meio utilizado se aproximaria
das formas comuns a um Estado descompromissado com o direito, o que,
convenhamos, atuará como fator de inviabilização da implementação da cultura
do respeito ao ordenamento jurídico legitimamente estabelecido. Ao se assumir,
definitivamente, o posicionamento de que a responsabilidade pela
desconsideração da prova ilícita, em tese útil à condenação, será única e
exclusivamente do Estado, por-se-á fim ao vezo comodista de se buscar
malabarismos processuais destinados, apenas, a convalidar condutas ilegais.
Romper-se-á, dessa forma, com o comodismo vicioso que permeia o Estado,
prevenindo a consumação de violações ao direito material e estimulando-o a
aprimorar os seus mecanismos de investigação, de modo a adequá-los ao
ordenamento jurídico e não contrário.
O renomado Marcos Zilli (2003, p. 161), ainda conclui seu posicionamento dizendo
que "na verdade, caberá ao Estado investir sempre em meios e modos que permitam obter
provas por meios lícitos e não permanecer na expectativa de que a situação de uma prova
obtida ilicitamente venha a ser contornada pelo Estado-juiz".
Esta Lei, que acabou de completar 10 (dez) anos de sua publicação, ainda em vigor,
tende a ser modificada por uma nova Lei, cujo projeto está sendo viabilizado pelo atual
Governo, através do Ministério da Justiça, segundo notícia veiculada no jornal Folha de
São Paulo2, em 18 de janeiro de 2006. Conforme tal periódico, este projeto contém regras
para "conter abusos e desvios", devido aos termos já obsoletos e omissos da Lei 9.296/96 e
como seu uso está se procedendo nos dias atuais. Mesmo assim, entendia-se que, antes da
Lei 9.296/96, aplicava-se o Código de Telecomunicações, o que o Supremo passou a
entender inaplicável, atribuindo à conseqüência da teoria dos frutos da árvore envenenada
às escutas porventura realizadas, consideradas ilícitas. Agora, tal discussão está superada,
com o advento da Lei de 24 de julho de 1996. Tratando-se de uma norma de direito
processual, sua eficácia é imediata e geral, independente do tempus delicti (mesmo que o
crime tenha sido cometido antes dela); porém não tem o condão de validar as escutas
anteriormente realizadas, mesmo que em seus moldes, ainda que a escuta se dê sob sua
égide, quando “autorizada” antes (porque autorizada à míngua de regulamentação legal,
para aqueles que entendem que a Constituição não havia recepcionado o Código Brasileiro
de Telecomunicações neste particular).
Nos termos desta Lei, permite-se a autorização judicial para a escuta das
telecomunicações (inclusive telemática), havendo indícios suficientes de autoria e não
sendo possível a prova por outro meio, devendo a infração penal ser punida com reclusão.
A decisão que conceder deverá ser fundamentada, estabelecendo o prazo máximo da
interceptação, que só pode ser de 15 dias, prorrogáveis por igual período. Se gravada a
conversa, deverá ser transcrita, correndo o teor em autos apartados, em Segredo de Justiça.
Deferido o pedido, compete à Autoridade Policial executá-lo, podendo ela requisitar os
serviços técnicos necessários.
2
Jornal FOLHA DE SÃO PAULO – Governo estuda mudar regras para grampo. São Paulo: 2006.
No que pertine à interceptação do fluxo de dados em telemática, a doutrina tem
entendido ser inconstitucional, por violar a restrição imposta pela redação do art. 5°, XII, da
Constituição, cuja exceção só é aberta para o “último caso”, ou seja, a conversação
telefônica, através da transmissão de voz. Pela regra constitucional, seria inadmissível a
interceptação de correspondência, porque também seria absoluto o sigilo. Segundo Greco
Filho (2005, p. 25), só é possível, tal como posto pela Constituição, a interceptação de
conversações, de viva voz, sendo este o significado correto da expressão “comunicação
telefônica”.
Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que
não especificado neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em
que se funda a ação ou a defesa.
Art. 383. Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica cinematográfica,
fonográfica ou de outras espécies, faz provas dos fatos ou das coisas
representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade.
Assim, podemos aferir que, até mesmo antes da Constituição em vigor, observamos
que já existia matéria legal proibindo as provas ilícitas.
"A prova será ilegal toda vez que caracterizar violações de normas legais ou de
princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou material; quando a
proibição for de natureza material, a prova será ilícita."
Assim, devemos ter em mente nesta análise a natureza material da prova em reflexo
de sua ilicitude.
Ementa
Prova ilícita: Escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela
maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, “nas hipóteses e na forma” por
ela estabelecidas, possa o juiz, nos termos do art. 5º, XII, da Constituição, autorizar a
interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante,
indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou
recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica,
indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas
corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a
condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no
julgamento, de ministro impedido (MS 21.750, 24-11-93), Velloso); conseqüente
renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos
vencidos no anterior; no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta de lei
que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso,
as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na
escuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente
(votação: por maioria. Resultado: deferido).
Ementa
Direito ao recato ou à intimidade. Garantia constitucional. Interceptação de
comunicação telefônica. Captação ilegítima de meio de prova. Art. 153, § 9º, da
Constituição. Art. 332 do Código de Processo Civil. Infringente da garantia constitucional
do direito da personalidade e moralmente ilegítimo e o processo de captação de prova,
mediante a interceptação de telefonema, à revelia dos comunicantes, sendo, portanto,
inadmissível venha a ser divulgada em audiência de processo judicial, de que sequer é
parte. Lesivo à direito individual, cabe o mandado de segurança para determinar o
trancamento da prova e o desentranhamento, dos autos, da gravação respectiva. Recurso
Extraordinário conhecido e provido.
Ementa
Prova – Gravação de comunicação telefônica – Deferimento – Interpretação do art.
5º, inciso XII, da Constituição da República – Recurso provido nesse sentido. É admissível
aceitar como prova a gravação feita através de fita magnética da conversação mantida com
terceiro, quando não haja interceptação, cumprindo ao juiz apreciar o valor do documento,
se necessário através de perícia aferitória de sua autenticidade.
Prova – Comunicação telefônica – Interceptação – Secretária eletrônica –
Admissibilidade, eis que obtida licitamente, embora sem o conhecimento de sua formação
pela outra parte – Reputa-se inaceitável que, a pretexto da intransigente proteção ao direito
à inviolabilidade das comunicações, se viole o igualmente constitucional direito de defesa.
O que a Constituição veda é a interferência de terceiro no interior do diálogo, sem aceitação
do comunicador ou receptor, aquilo que se denomina interceptação, dando azo à gravação
clandestina. Todavia, a conversa regular entre duas pessoas que se aceitam como
comunicador e receptor, em livre expressão de pensamento, admite gravação por uma das
partes.
Novos meios de comunicação surgem a cada dia, não podendo o Direito eximir-se
da obrigação de tutelá-los, quanto às informações pessoais que porventura possam por eles
circular, estudo esse a ser feito no transcurso deste trabalho.
Afirma aquele Desembargador que "é relativo o sigilo, tão só das comunicações
telefônicas. Ao que se depreende, o sistema de informática e telemática, protegido, em
razão de seu conteúdo, pelo sigilo das comunicações, não se pode interceptar. Convém
renitir que a Lei Maior estabeleceu sigilo absoluto, para as três primeiras modalidades de
comunicação fora dos estados de defesa e de sítio (art.5º, n. XII)".
Será que a Lei nº 9.296/96 é realmente inconstitucional, ao admitir, em seu artigo lº,
a quebra também do sigilo no fluxo de comunicações em sistema de informática e
telemática? Não se deve esquecer que o STF já decidiu essa matéria (do art. 5º, XII da
CF/88), afirmando que ali são apenas 2 (duas) e não 4 (quatro) hipóteses, cada uma
dividida em duas situações.
Se o art. 5º, XII da CF/88 tivesse a se referir realmente a 4 (quatro) e não apenas a 2
(duas) hipóteses e, portanto, somente no último caso - comunicações telefônicas- o sigilo
fosse relativo, a depender de Lei, como se justificaria o STF vir admitido, reiteradamente,
pedidos de quebra de outros dados, mormente dos dados bancários e admitindo a recepção
do art. 38 da Lei 4.595 pela CF/88?
Em razão dessa polêmica, discute-se uma outra, vale dizer, se o juiz, agindo na
jurisdição cível pode, validamente, autorizar ou acatar a interceptação telefônica, de
informática ou telemática, ainda que por via indireta.
Por via direta, de logo se constata essa impossibilidade jurídica, na medida em que o
art.5º, XII da CF/88, não deixa dúvida ao afirmar "é inviolável o sigilo da correspondência
e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal", ou seja, a quebra só se dará em feitos
criminais.
Nelson Nery Júnior (1999, p. 159-160) assegura ser possível o Juízo Cível valer-se
da chamada prova emprestada da ação penal, desde que a parte contra quem se vai produzir
a prova obtida através de escuta, seja a mesma em ambas as esferas e se observe o princípio
do contraditório, em respeito à unidade da jurisdição.
Antônio Scarance Fernandes (1997,p. 54) entende ser cabível o uso da prova obtida
apenas em um outro processo criminal, em que também figure o mesmo réu.
Vicente Greco Filho (2005, p. 39), a respeito do tema, assevera que a prova
emprestada só será válida para a execução civil da sentença penal condenatória com o fim
de reparação do dano, na medida em que não mais se discute ou se examina a prova colhida
por meio de interceptação.
Se nos 2 (dois) processos (criminal e cível), as partes forem as mesmas, como v.g.
no caso de um réu, servidor público, processado criminalmente, em que o autor da ação
penal é o Ministério Público e na ação cível que promover contra a União pretendendo
anular o inquérito administrativo do qual resultou sua demissão, não há diferença
propriamente dita entre o Ministério Público (autor da ação penal) e a União (Ré na ação
cível), eis que só mudam de posição (pólos ativo e passivo) tal como de posição também
muda o servidor (na ação penal é réu e na ação cível é autor); se a prova da escuta
telefônica ou outra qualquer foi autorizada primeiramente no procedimento criminal; se a
prova foi sabatinada pelas mesmas partes e assim observados o contraditório e ampla
defesa; se a CF/88 só não aceita a prova que é obtida por meio ilícito (art.5º, LVI), é
razoável que no processo cível se possa utilizar, validamente, uma escuta telefônica ou
outra prova que licitamente foi obtida primeiramente no procedimento criminal.
Greco ainda nos diz que um elemento normativo e um subjetivo integram o tipo:
sem autorização judicial é o primeiro e com objetivos não autorizados em lei é os segundo.
“Com objetivos não autorizados em lei” significa, segundo este mesmo autor, a
interceptação sem que seja para investigação criminal ou instrução processual penal, em
crime de reclusão ou sem os demais requisitos e pressupostos da concessão da media como
previstos na lei e na Constituição.
O crime é doloso, admitido como qualquer delito dessa natureza o dolo eventual.
Admite, também, co-autoria ou participação. A pena é a de reclusão, de dois a quatro anos,
significativamente agravada, de forma comparativa aos crimes que lhe antecederam. Esse
agravamento gerou uma incongruência em face dos demais crimes do art. 151 do Código
Penal: a violação de correspondência, crime, em princípio, de mesma gravidade, continua
com a minguada pena de detenção, de um a seis meses.
Esta é outra questão que gera controvérsias, segundo a qual o processo com prova
ilícita ressente-se de nulidade totalmente ou somente sobre os atos subseqüentes à produção
da famigerada prova.
O problema das provas ilícitas por derivação, por uma imposição lógica, só se
coloca nos sistemas de inadmissibilidade processual das provas ilicitamente
obtidas. Concerne às hipóteses em que a prova foi obtida de forma ilícita, mas a
partir da informação extraída de uma prova obtida por meio ilícito. É o caso da
confissão extorquida mediante tortura, em que o acusado indica onde se encontra
o produto do crime, que vem a ser regularmente apreendido; ou da interceptação
telefônica clandestina, pela qual se venham a conhecer as circunstâncias que,
licitamente colhidas, levem à apuração dos fatos. (AVOLIO, 1995, p. 66-67)
Isso decorre do fato de que "a regra da exclusão é aplicável a toda prova maculada
por uma investigação inconstitucional" (GOMES FILHO, 1999, p. 264). É a conhecida
“teoria dos frutos da árvore envenenada”, doutrina de procedência norte-americana segundo
a qual se não for possível o acesso a outras provas sem o apoio da prova ilícita as demais
ficam contaminadas pela ilicitude desta, o vício de origem se transfere para as demais
provas.
Com efeito, de nada adiantaria vedações à admissibilidade de prova se, por via
derivada, informações colhidas através de condutas atentatórias ao ordenamento, pudessem
servir ao convencimento do juiz. Decorrendo as demais provas do que levantado via prova
ilícita, tem-se a contaminação daquelas, motivo pelo qual não subsistem. (HC-74.299/SP –
Segunda Turma – Rel. Min. Marco Aurélio).
A existência de uma prova ilícita no processo não anula todo o feito, como bem
ressaltou o min. Moreira Alves no HC 69.912-0/RS, DJU 25/03/1994. Neste caso, será
mister demarcar as conseqüências da inadmissibilidade de tal prova, determinando se todas
as provas que dela procederam serão contaminadas ou se apenas a prova obtida com
infringência ao direito material será excluída.
As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas
decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação
criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, art. 5º, LVI), ainda
que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das
contumélias do paciente. Inexistência, nos autos do processo-crime, de prova autônoma e
não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo. (21. HC-
72.588/PB – Tribunal Pleno – Rel. Min. Maurício Corrêa – j. 12/06/1996, DJU
04/08/2000).
Diante de todas estas considerações, fica uma indagação: a doutrina dos "frutos da
árvore envenenada" não seria um fator de ampliação das perspectivas para infratores atuais
e potenciais de escapar às sanções cominadas em lei gerando uma onda de impunidade
devida à expansão da criminalidade organizada?
Esta é, sem dúvida, uma questão, muito difícil de responder. Não se deve, todavia,
olvidar a colocação do mestre José Carlos Barbosa Moreira (1997, p. 134) que ressaltou:
A enorme dificuldade que sentimos em aderir a uma escala de valores que coloca
a preservação da intimidade de traficantes de drogas acima do interesse de toda a
comunidade nacional (ou melhor: universal) em dar combate eficiente à praga do
tráfico – combate que, diga-se de passagem, é também um valor constitucional,
conforme ressalta da inclusão do ‘tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins’
entre os ‘crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia’ (art. 5o, nº
XLIII)
Assim, ainda que a escuta telefônica para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal de crime considerado hediondo pudesse ser considerada ilegítima, o fato é
que outras provas existem e que não é decorrência da escuta. De modo que, no caso, não se
pode falar nos frutos da árvore envenenada, fruits of the poisonous tree (Ministro Paulo
Brossard).
Assim, comprovado estiver o liame entre a prova ilícita e a lícita obtida através
daquela, urge a exclusão delas do contexto probatório a fim de fazermos nossos direitos
fundamentais atuarem em sua função precípua: limitar a abusiva ingerência estatal em
nossas vidas, na sua intimidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Além disso, dispôs o constituinte com essa restrição a quebra do sigilo, proteger as
informações correntes em redes de computadores por vias telefônicas ou similares. Com o
avanço tecnológico, hoje é possível interligar computadores via rede telefônica, permitindo
assim obter informações institucionais ou empresariais permanentemente atualizadas. Essa
troca de dados entre os computadores foi um dos fatores que levaram ao legislador a
introduzir na redação deste inciso a inviolabilidade da comunicação de dados.
Sob o aspecto processual penal, quanto à ilicitude da prova, este tem como um de
seus princípios norteadores o da verdade real, porém, observou-se uma discrepância deste
princípio com o da inadmissibilidade da prova obtida por meios ilícitos. Uma vez que,
podem existir situações em que a verdade real só é concretizada através de provas obtidas
por meios ilícitos. Assim, deve haver uma flexibilidade da norma constitucional, pois os
fins devem prevalecer em detrimento dos meios, é o que se conclui face à realidade em que
vivemos.
Conclui-se então, que é preciso combater a criminalidade, seja qual for sua
denominação, todavia, para o exercício de tal atividade não pode o Estado, por seus agentes
incumbidos da persecução criminal em sentido amplo, fomentar a ilicitude com a prática de
outros crimes e ilegalidades as mais variadas. É preciso respeitar o Estado de Direito.
Existem implicações éticas e morais que não podem ser desprezadas, além de direitos que
são tidos fundamentais expostos na Constituição Federal, lei maior de um país.
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