da Gestão Integrada de
Recursos Hídricos
Índice
1. Introdução 1
2. Conceitos e definições 3
2.1 O ciclo da água 3
2.2 Três características que fazem da água especial 4
2.3 Os usos e o valor da água 5
2.4 Gestão integrada de recursos hídricos 8
2.5 Princípios políticos 11
2.6 Sustentabilidade dos recursos hídricos 13
2.7 Desenvolvimentos históricos: até a GIRH 15
2.8 Importantes temas de debate 22
2.9 Exercícios 24
2.10 Referências 25
3. Recursos Hídricos 27
3.1 O ciclo hidrológico 27
3.2 Balanço hídrico 31
3.3 Recurso de águas subterrâneas 36
3.4 Exercícios 39
3.5 Referências 39
4. Demanda de água 41
4.1 Estimativa de demanda de água urbana 42
4.2 Gestão de demanda de água 49
4.3 Cobrança de água urbana 53
4.4 Requerimentos ambientais de água 65
4.5 Demanda de água para agricultura 69
4.6 Demanda de água para hidrelétricas 74
4.7 Exercícios 76
4.8 Referências 77
5. Alocação de água 79
5.1 Equilíbrio entre demanda e fornecimento 80
5.2 Questões na alocação de água 86
5.3 Conclusão 91
5.4 Exercícios 92
5.5 Referências 93
Introdução
Pieter van der Zaag
Após seguir esta série de aulas, o participante estará apto a apresentar os principais
argumentos para um enfoque integrado no campo da gestão de recursos hídricos e a
reproduzir os principais objetivos do debate; ele também estará apto a listar os mais
importantes aspectos da gestão de recursos hídricos, de qualidade de água e de serviços
de água; e também a demonstrar a essência da participação do governo e do setor
privado, gestão de demandas, água para desenvolvimento sustentável e os mais comuns
arranjos institucionais.
Essas aulas introduzem os mais importantes conceitos sobre GIRH e suas definições,
descrevendo também os principais debates em andamento (capítulo 2). Depois de
descrever o ciclo da água, o balanço hídrico e a disponibilidade de água (cap. 3), a
demanda de água será discutida com detalhes (cap. 4). Algumas considerações gerais
serão feitas a respeito de alocação de água entre setores e países (cap. 5). Governança de
águas é apresentada, desde que governança é vista por muitos como um ponto crucial na
resolução de problemas de água existentes ou iminentes (cap.6). A aula termina com a
discussão de temas pertinentes que já são amplamente discutidos (cap. 7).
1
Campos de arroz nativos em Niomoun, Basse Casamance, Senegal (Google Earth, April 2007)
2
Capítulo 2
Conceitos e definições
Pieter van der Zaag e Hubert H.G. Savenije
3
O sistema hidrológico também recebe fluxos de retorno de água do uso humano. Esta
não é uma forma usualmente reconhecida, conhecida como vapor de água da
transpiração das plantações e evaporação de lagos naturais e artificiais (então chamados
retorno da umidade). Os fluxos de retorno "cinza" são geralmente mais conspícuos
(distintos), do que a água de esgoto de cidades e indústrias que retornam aos rios. Estes
fluxos podem também percolar para aquíferos, geralmente carregando poluentes (ex. da
irrigação). Em áreas de captação seriamente comprometidas, usuários à jusante do rio
possivelmente dependem dos fluxos de retorno como fonte de água.
O uso da água, portanto, influencia o regime de fluxo e tem impactos à jusante, tanto
em termos da qualidade de água quanto de sua quantidade. O uso da água sempre
implica "olhar à montante" para acessar a disponibilidade de água e "olhar à jusante"
para acessar possíveis efeitos a terceiros da minha atividade. Muitas pessoas, no
entanto, se esquecem da última parte e tendem a olhar somente na direção do rio acima,
preocupados em garantir o suprimento de água... (fig. 2.2)
Água doce é vital para a manutenção da vida, para a qual não existe substitutivo.
Isso significa que a água tem um (alto) valor para seus usuários.
Apesar de a água ser um recurso renovável, é prático dizer que ela é um recurso
finito. Muitos usos de água são, portanto, subtraíveis, o que significa que o uso por
alguém pode impedir o uso por mais alguém.
A natureza vital da água determina suas características de bem público. Sua natureza
finita lhe confere propriedades de um bem privado, podendo ser apropriada e usufruída
privativamente. A natureza instável da água, e os altos custos para sua manutenção de
forma despoluída e satisfatória para o consumo da população mundial, lhe conferem
propriedades potenciais, formando um pool comum de recursos.
A gestão de recursos hídricos visa à conciliação desses vários atributos da água. Esta
4
não é obviamente uma tarefa fácil. O regime de propriedade e os arranjos de gestão de
um sistema de recursos hídricos são, por essa razão, frequentemente complexos.
Deve-se observar que não existe outro recurso natural com a mesma combinação dessas
três características (tabela 2.1)!
Tabela 2.1: Aspectos da água e como se eles se aplicam a outros bens (after Savenije, 2002)
Vital, nenhum substituto Finito, escasso Instável
Ar + +
Terra + +
Água + + +
Combustível + +
Comida + +
...
Uso da água
5
Demanda e uso da água
Demanda por água é a quantidade de água requerida num certo ponto. O uso da água se
refere à quantidade real chegando naquele ponto.
Existe uma confusão similar quando se fala sobre perdas de água. Depende da escala na
qual se considera perda de água ou não. Em escala global, nenhuma água jamais é
perdida. Na escala de um esquema de irrigação, uma eficiência de distribuição de água
de 60% realmente significa que um pouco menos da metade da água é perdida, o que
não atende sua destinação pretendida (isto é, a raiz das plantas). Parte dessa água, no
entanto, pode retornar para o rio e se tornar disponível para um usuário rio abaixo.
Entretanto, na escala da bacia, é o uso líquido consumido, que é a transpiração do
cultivo (60% nesse exemplo) mais a parte da evaporação das "perdas de água" que
podem ser realmente consideradas perdidas (fig. 2.4).
Figura 2.4: Uma cascata de irrigantes ineficientes; qual é a eficiência total da bacia?
6
Enquanto o total disponível de água doce é limitado (finito), a demanda cresce.
Portanto, a pressão sobre nossos recursos hídricos aumenta. Se também considerarmos
as possíveis implicações das mudanças de clima, isto é, um aumento na variação de um
evento de seca ou enchente em particular, a parte utilizável da água pode realmente
diminuir, aumentando posteriormente a pressão sobre a água e a competição pela
mesma. Consequentemente, a importância da área da gestão para os recursos hídricos.
O valor da água
Os vários usos da água agregam valores nos diferentes setores da economia. Alguns
setores podem usar pouca água, mas podem contribuir significantemente com o produto
nacional bruto de uma economia (ver tabela 2.2). Outros setores podem usar muita água
e contribuir relativamente pouco para a economia. O valor agregado de alguns usos de
água é difícil, se não impossível de se medir. Considere por exemplo o uso doméstico
de água: como quantificar o valor para um fornecimento de água adequado para esse
setor? E qual é o valor da água remanescente nos rios para se satisfazer os
requerimentos ambientais de água?
Os danos para uma economia devido à escassez de água podem ser imensos. É notório
que, por exemplo, existe uma correlação positiva entre o índice da bolsa de valores do
Zimbabwe e as chuvas. A seca de 1991/92 provocou um impacto negativo na economia
do Zimbabwe (quadro 2.1).
Durante a seca de 1991/92, a produção da agricultura do Zimbabwe caiu 40% e 50% e sua
população teve que receber assistência alimentar e abastecimento de água emergencial,
através de um maciço programa de perfuração profunda, visto que muitos poços e cisternas
rurais secaram. O abastecimento de água urbana foi severamente restringido com
racionamentos sem precedentes. A geração de energia em Kariba caiu 15% causando
severas restrições de energia. Como resultado, o produto interno bruto caiu 11%.
O valor e preço da água são temas de um caloroso debate. Normalmente, o foco está no
valor e preço de um serviço específico de água, como abastecimento urbano de águas.
Apesar de fazer parte de um mesmo ciclo hidrológico, o valor da água difere,
dependendo de quando e como ele ocorre. Se a chuva é geralmente considerada como
7
uma mercadoria gratuita, entre todos os tipos de água, ela é a que tem maior valor. Isso
se deve ao fato de que a chuva representa o ponto de partida de um longo caminho
através do ciclo hidrológico (infiltração, recarga de águas subterrâneas, reciclagem da
umidade, transpiração, escoamento superficial, re-infiltração, percolação) (Hoekstra et
al., 2001). Portanto, a chuva oferece muitas oportunidades para uso e reuso: em
agricultura de sequeiro, irrigação, em uso industrial e urbano, serviços ambientais etc.
As águas dos rios têm um valor menor que o da chuva. Mas essa água "azul" também
tem valores diferentes, dependendo de onde ela ocorre. O fluxo de água durante a
estação seca (fluxo de base resultante da infiltração de água subterrânea) tem um valor
relativamente alto, porque ela é um recurso razoavelmente seguro justamente quando a
demanda por ela é maior. Em contraste, fluxos de pico durante a estação chuvosa têm
um valor menor, apesar dos mesmos fornecerem importantes serviços, como recarga de
aquíferos, pulsos de águas essenciais para ecossistemas e enchimento de reservatórios
para uso futuro. O maior fluxo de pico ocorre como uma inundação destrutiva e tem um
valor negativo.
8
1. Os recursos hídricos, levando em conta o ciclo hidrológico completo, incluindo
reservas e fluxos, assim como a quantidade e a qualidade da água; diferenciar, por
exemplo, chuva, umidade do solo, água de rios, lagos e aquíferos, em wetlands e
estuários, considerando também fluxo de retorno etc.
Figura 2.5: Três das 4 dimensões da Gestão Integrada de Recursos Hídricos (Savenije,
2000)
9
Quadro 2.2: As quatro dimensões da GIRH (Savenije, 2000)
10
A Gestão Integrada de Recursos Hídricos busca administrar os recursos
hídricos de uma maneira abrangente e holística, levando em consideração o
ciclo completo da água e os interesses de todos os usuários de água,
enquanto reconhecendo a variabilidade e a disponibilidade temporais e as
interações com a qualidade da água e a ecologia.
Três princípios políticos chave, conhecidos como os três 'E's são definidos por Postel
(1992):
a) Equidade: A água é uma necessidade básica. Nenhum ser humano pode viver sem
um volume básico de água doce de qualidade adequada. Os homens têm o direito
básico de acesso aos recursos hídricos (ver Gleick, 1999). Esse princípio político é
relacionado ao fato de que a água é frequentemente considerada um bem de
domínio público. A água é um requerimento tão básico para a vida e
sobrevivência humanas que a sociedade deve defender o uso dos recursos hídricos
diante do interesse público. A partir daí pode-se desenvolver e relacionar outros
assuntos, como a segurança (proteção contra inundações, secas, fome e outros
riscos).
b) Integridade Ecológica: Os recursos hídricos podem perdurar somente em um
ambiente natural capaz de regenerar água (doce) de boa qualidade. Somente o uso
da água de forma sustentável é permitido para que as futuras gerações possam
usá-la da mesma forma que as gerações presentes.
11
c) Eficiência: A água é um recurso escasso. Ela deve ser usada de maneira eficiente.
Portanto, os arranjos institucionais devem ser feitos para se recuperar os custos
dos serviços de água. Isto garante a sustentabilidade da infraestrutura e das
instituições, mas não podem comprometer o princípio de equidade. Aqui entra a
cobrança de água e se ela deve ou não ser cobrada de acordo com seu valor
econômico.
Um exemplo é a “Visão” da África Austral para a água. Ela foi formulada como um
desejo futuro que se caracteriza por:
Utilização equitativa e sustentável da água, para a sociedade, com justiça
ambiental, integração regional, e benefícios econômicos para as presentes e
futuras gerações.
Os dois exemplos da África Austral demonstram claramente que existem dois temas
predominantes que interceptam a GIRH, no entanto, são entendidos como:
sustentabilidade e interesse público.
12
2.6 Sustentabilidade de recursos hídricos (Savenije, 2000)
Desde o aparecimento do relatório Brundtland "Nosso Futuro Comum" (WCED, 1987),
O desenvolvimento sustentável tem sido adotado como a principal filosofia que por um
lado, permitiria ao mundo desenvolver seus recursos e por outro, preservar os recursos
não-renováveis e finitos, e garantir condições adequadas de vida para as futuras
gerações. Brundtland definiu desenvolvimento sustentável como "O desenvolvimento
que atende às necessidades da geração presente sem comprometer a habilidade das
futuras gerações em atender suas próprias necessidades.” Um ex-presidente de
Botswana, Sir K. Masire, disse:
"Nossos ideais de desenvolvimento sustentável não procuram restringir o
desenvolvimento. Experiências em outros lugares têm demonstrado que o
caminho para o desenvolvimento pode significar simplesmente fazer mais
com menos (ser mais eficiente). Como nossa população cresce, certamente
teremos menos e menos recursos do que temos agora. Para conduzir essa
situação, precisamos de uma nova ética, uma que enfatize a necessidade de
proteger nossos recursos naturais em tudo que fazemos." (citado em
Savenije, 2000)
Sustentabilidade física
13
sedimentação em outra parte. Fechar e encurtar esses ciclos significa restaurar o
equilíbrio dinâmico nas escalas temporal e espacial apropriadas. A última é relevante
desde que, em escala global, todos os ciclos se fecham. A questão sobre sustentabilidade
tem a ver com fechar os ciclos dentro de uma dimensão humana.
Sustentabilidade econômica
Sustentabilidade institucional
Para se garantir a sustentabilidade, decisões certas devem ser tomadas. Isso requer que
as instituições relevantes estejam no lugar, o que pode facilitar os processos decisórios
apropriados. Mais ainda, instituições devem responder adequadamente a mudança de
requerimentos e a mudança de ambiente na qual operam. Elas devem ter a capacidade
de se adaptar a circunstâncias emergentes. Sua capacidade de adaptação indica se elas
são instituições sustentáveis. De acordo com Constanza (1994),
Um sistema sustentável é ativo e capaz de manter sua estrutura
14
(organização), função (vigor) e autonomia com o tempo e é resiliente à
pressão.
Tony Allan descreveu a evolução da gestão de recursos hídricos de acordo com cinco
paradigmas da gestão de águas, do (1) pré-moderno ao (2) paradigama industrial com
sua "missão hidráulica" , seguido do (3) paradigma "verde" que reconhecia a
necessidade de respeitar o meio ambiente, e (4) o paradigma "econômico" que
enfatizava o valor escasso da água e o papel dos instrumentos econômicos na resolução
de alguns dos desafios, para finalmente o (5) paradigma da GIRH que tenta utilizar uma
perspectiva holística (ver fig. 2.6).
Figura 2.6: A evolução da gestão de recursos hídricos de acordo com Allan (2003), com os
três paradigmas de gestão de águas.
15
Quadro 2.3: Do desenvolvimento dos recursos hídricos até a GIRH
1. Desenvolvimento dos recursos hídricos (1960s-1970s)
- Paradigma dominante: a água é um recurso para ser explorado
- O enfoque da engenharia de “prever e prover”
- Ênfase na infraestrutura
- Projetos individuais
2. Gestão de recursos hídricos (1980s-1990s)
- Reconhecimento de que a água pode ser superexplorada
- Reconhecimento das restrições ecológicas e sociais
- Planejamento regional e nacional ao invés da abordagem de um projeto
- Medidas com foco nas demandas
3. Gestão integrada de recursos hídricos (1990s-presente)
- Gestão de águas inserida numa política global de desenvolvimento sócio-
econômico, planejamento físico e proteção ambiental
- Participação pública
- Foco na sustentabilidade
16
Durante as duas últimas décadas, a água tem recebido gradualmente mais e mais
atenção nos encontros internacionais. O quadro 2.4 fornece uma cronologia de
importantes encontros e progressos internacionais.
Na conferência das Nações Unidas em Mar Del Plata (1977), a ênfase ainda era sobre
abastecimento de água e saneamento. O Relatório Brundtland da Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1987) só mencionou a "água" mundial em
relação à poluição e ao abastecimento de água. Foi durante as conferências preparatórias
para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(UNCED) que os conceitos de base da Gestão Integrada de Recursos Hídricos foram
amplamente debatidos.
Depois de Dublin, com o apelo para a gestão integrada, o alto grau de fragmentação do
setor de águas na comunidade internacional, e particularmente na família das Nações
Unidas, passou a ser fortemente sentido. O interesse de água está fragmentado em várias
organizações diferentes como WMO, WHO, FAO, UNESCO, UNDP, UNEP e
17
UNICEF.
18
A formação da Parceria Mundial pela Água (GWP) e do Conselho Mundial de Águas
(WWC), foi um importante passo no processo em direção a conquista do objetivo de
coordenar a implementação dos princípios da GIRH às práticas universais. Apesar de,
indubitavelmente haver sobreposição entre as duas organizações, o WWC concentra-se
na emergente conscientização dos níveis políticos, enquanto o GWP é voltado para a
implementação dos conceitos de GIRH em nível operacional. Juntos eles têm sido a
força motriz por trás do segundo, terceiro e quarto fóruns mundiais de água.
Ao menos cinco das oito metas do milênio precisam de boa gestão de águas. Elas não
podem ser alcançadas sem estes tópicos:
- Fazer melhor uso da água de chuva e de irrigação irá melhorar a colheita e ajudar
e erradicar a fome (Meta 1 Alvo 2); e maior acesso a água produtiva também irá
reduzir a pobreza (Meta 1 Alvo1);
- Melhor operação e manutenção de sistemas existentes de abastecimento de água e
de saneamento e infraestrutura de esgoto, e a construção de novas instalações irá
aumentar significativamente o acesso à água de qualidade, (Meta 7 Alvos 10 e 11)
e desse modo reduzir a mortalidade infantil, (Meta 4 Alvo 5) a incidência de
malária e de outras doenças de veiculação hídrica (Meta 6 Alvo8), e irá surtir um
efeito positivo na saúde das mães;
19
água e do uso de novas tecnologias de informação. Isso pode preencher a lacuna
institucional entre as escalas entre bacias de captação locais e bacias hidrográficas.
Fonte: http://www.unmillenniumproject.org/html/dev_goals1.shtm
20
Durante o 2º Fórum Mundial das Águas, realizado em Haia em março de 2000,
delegações de 113 países se encontraram na conferência paralela ministerial, onde
adotaram unanimemente o conceito de GIRH. Um número significante de especialistas
que compareceram ao fórum requeriam que a água fosse declarada um direito humano.
Isso não se materializou. Entretanto, dois anos depois o Comitê de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas definiu o direito à água no
Comentário Nº. 15 da Assembléia Geral (2002) como o direito de todos a "suficiente,
segura, satisfatória, fisicamente acessível e água disponível para usos pessoal e
doméstico". Ele especifica ainda que estados signatários devam garantir acesso à " uma
quantidade essencial mínima de água [e] saneamento adequado,” desenvolver e
implementar uma estratégia nacional de água e monitorar o progresso conquistado na
realização do direito à água. A principal responsabilidade para a implementação do
direito à água é dos países e de seus governos nacionais (quadro 2.8)
Quadro 2.8: Comentário Geral sobre o Direito à Água pelo Comitê de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais , novembro 2002
O Comentário Geral diz que a água é um recurso natural limitado e um bem de domínio
público fundamental à vida e saúde. O comitê tem sido confrontado continuamente com a
rejeição generalizada do direito à água tanto em países desenvolvidos quanto os em
desenvolvimentos. Mais de 1 bilhão de pessoas carecem do acesso ao abastecimento
básico de água, enquanto vários bilhões sofrem da carência de saneamento adequado, que
é a principal causa de contaminação da água e de doenças relacionadas à água, afirma o
comentário. A contínua contaminação, depleção e distribuição desigual dos recursos hídricos
está intensificando a pobreza existente. Os governantes têm o dever de concretizar
progressivamente, sem discriminação, políticas públicas direcionadas a divulgação e
fiscalização do efetivo direito à água.
O direito à água proporciona a todos água suficiente, disponível, fisicamente acessível,
segura e satisfatória para usos pessoais e domésticos, afirma o texto. Enquanto aqueles
usos variam entre as culturas, uma quantidade adequada de água segura é necessária para
a prevenção de morte por desidratação, para reduzir o risco de doenças de veiculação
hídrica e (para o abastecimento, consumo, cozinha, e requerimentos de higiene pessoal e
doméstica).
Mais, o Comentário Geral diz que os partidos de governo têm um dever constante e
contínuo, de acordo com a obrigação da realização do progresso, para se mover
rapidamente e efetivamente em direção à realização plena do direito à água. Realização do
direito deve ser possível e praticável, desde que todas as esferas de governos exerçam
controle sobre uma ampla gama de recursos, incluindo água, tecnologia, recursos
financeiros e assistência internacional, como em todos os outros direitos da Convenção.
Fonte: Gabinete do Alto Comissariado pelos Direitos Humanos, Genebra;
http://www.unhchr.ch/
Em julho de 2010, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou uma resolução não
vinculativa, patrocinada pela Bolívia, na qual declara que o acesso à água limpa e
saneamento é um direito humano fundamental. A resolução, também invocou os países
21
membros e organizações internacionais a oferecer assistência financeira e técnica, em
particular a países em desenvolvimento, para fornecer água limpa potável, acessível e
disponível e saneamento para todos. A resolução convidou o Perito Independente das
Nações Unidas no tema das obrigações dos direitos humanos relacionado a água limpa
potável e saneamento, para fazer um relatório anual para a Assembléia Geral. A
resolução recebeu o apoio de 122 países membros, enquanto 41 se abstiveram.
22
produção?
Quais arranjos institucionais são necessários para a implementação da GIRH? O
que significa quando dizemos que necessitamos de uma boa governanaça de
águas?
As instituições de bacias devem ter funções executivas, ou devem ser apenas
plataformas de coordenação, com instituições de linha implementando decisões?
A crescente pressão sobre os recursos hídricos leva inevitavelmente à crescentes
conflitos sobre a água, em nível local e entre países ribeirinhos?
Como podemos formalizar a ligação montante-jusante, e lidar positivamente com a
assimetria básica na gestão de recursos hídricos?
De quanta água necessita o meio ambiente? Qual prioridade a água ambiental deve
ter?
Precisamos de mais barragens?
Quais seriam as implicações da mudança climática para a gestão de recursos
hídricos?
Existe também uma crítica emergente sobre o conceito da GIRH (ver ex. Biswas, 2004;
Shah and Van Koppen, 2006; Mollinga, 2008; Molle, 2008). Existem muitos pontos de
crítica, mas três se sobressaem:
1. GIRH como conceito não é claramente definido, o que pode significar diferentes
interpretações para diferentes pessoas. Para piorar as coisas, o conceito é
frequentemente usado com conotação "normativa": GIRH é vista como "boa".
As pessoas, portanto, se sentem tentadas a (ab)usar dela, e reestruturar coisas
que estão acostumadas a fazer, de novas maneiras, mas sem mudar
fundamentalmente sua estratégia (ex. setores de barragens, de irrigação, de água
potável, etc)
A maioria dos temas identificados nessa seção será abordada nos próximos capítulos
dessa aula e/ou serão futuramente elaborados em outros módulos.
Antes de ir adiante, porém, no próximo capítulo primeiro é descrito o ciclo da água, e
depois lida com o balanço das águas e a disponibilidade da mesma. A demanda de água
será o tópico do próximo capítulo.
23
2.9 Exercícios
2.1a Em sua opinião, quais são os principais temas da política do setor de águas do seu
país?
2.1b Que objetivos podem ser originados para a gestão de recursos hídricos?
2.1c Qual seria o critério de desempenho adequado para esses objetivos?
2.1d Quais instituições seriam responsáveis pela implementação desses objetivos?
2.1e Quais seriam as tarefas e responsabilidades dessas instituições?
2.3 Qual das oito Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDGs) requer gestão
apropriada de recursos hídricos?
2.4 Leia dois artigos sobre cobrança de água: o texto de Rogers et al. (2002) e de
Savenije and Van der Zaag (2002). Descreva o debate a respeito da cobrança de
água. O que significa 'a água é um bem econômico'?
2.5 Leia alguns dos seguintes artigos sobre GIRH: Biswas (2004), Van der Zaag
(2005), Shah and Van Koppen (2006), Grey and Sadoff (2007), Mollinga (2008)
and Molle (2008). Descreva as diferentes interpretações dos progressos atuais em
respeito à GIRH. Quais são os desafios padrões atuais? Quais são, em sua opinião,
os mais importantes e por quê?
24
2.10 Referências
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26
Capítulo 3
Recursos hídricos
Hubert H.G. Savenije and Pieter van der Zaag
Somente uma pequena parte da água de chuva escoa para os rios como água superficial
e recarrega águas subterrâneas (Figure 3.1). Essa água é usada para abastecimento
doméstico, produção industrial, agricultura de irrigação, etc. Essa é a água que visamos
armazenar através da construção de infraestruturas (ex. barragens, poços) e que
tendemos a poluir.
27
É útil distinguir três tipos de água dependendo de sua ocorrência no ciclo da água
(Falkenmark, 1995):
Água 'branca': è a água da chuva, é aquela parte da chuva que é interceptada e
imediatamente evapora de volta para a atmosfera.
Água 'verde': umidade do solo da camada insaturada, originada diretamente da
chuva, que é transpirada pela vegetação.
Água 'azul': água envolvida no (sub) ciclo de escoamento, consistindo de água
superficial é água subterrânea (abaixo da zona insaturada).
Figura 3.2 mostra uma representação esquemática do ciclo hidrológico, com a distinção
desses três fluxos. Os processos que ocorrem dentro das três 'cores' de água, assim como
suas interconexões, determina as características de cada sistema hidrológico natural.
air moisture
“blue water”
surface
runoff
“green w ater”
transpiration infiltration
soil moisture
(unsaturated zone) runoff
percolation
capillary
rise
groundwater seepage
28
Os dois pontos pretos na fig. 3.2 representam os dois processos que determinam como a
água da chuva é particionada na interseção (evaporação direta do solo, folhas e outras
superfícies), infiltração, transpiração, percolação e escoamento superficial. Esses dois
pontos de particionamento, portanto influenciam na quantidade de chuva que termina
em nossos rios, e quando. Eles também são importantes pontos de intervenção humana
no processo hidrológico.
O primeiro ponto de particionamento ocorre na superfície onde a gota de chuva irá (a)
retornar para a atmosfera como vapor de água através da interceptação; ou (b) infiltrar
na camada superior do solo (a "zona insaturada") onde ela aparece como umidade do
solo; ou (c) escorre direto para um curso d'água ou rio.
A maneira na qual a água da chuva se distribuirá nessas três rotas depende das
características da superfície, como permeabilidade, inclinação, dossel das culturas etc.
Em superfícies impermeáveis, certa quantidade de água de chuva irá evaporar
diretamente da superfície (intercepção), nenhuma água irá infiltrar e sem dúvida a maior
parte irá escoar como água superficial. Em contraste, uma floresta tropical intocada irá
capturar a maioria da chuva na sua cobertura antes que suas gotas atinjam o solo. Uma
grande parte da água da chuva restante poderá infiltrar e relativamente pouca água irá
escoar diretamente sobre a superfície.
Se o solo for arenoso, com uma estrutura grossa, a maioria da água infiltrada irá
percolar além da zona das raízes. Com um sistema bem desenvolvido de raízes, as
chances da umidade do solo ser capturada pelos cultivos e ser transpirada são maiores.
29
3.1.1 Gestão de bacias
Má gestão do solo e práticas pobres de cultivo irá ter um efeito prejudicial no ciclo
hidrológico: mais água irá escoar diretamente, levando fluxos de tempestade e menos
água irá infiltrar. Menos água, portanto, estará disponível para as plantações e o fluxo
base dos rios à jusante provavelmente irá diminuir. Algumas espécies exóticas
necessitam de uma grande quantidade de água (como algumas árvores) e por causa de
sua alta transpiração, a percolação reduzirá. Como resultado, os fluxos de base são
afetados e os rios podem secar.
Gestão de bacias, que compreende gestão e conservação de solo e água, tem como
principal objetivo influenciar favoravelmente os dois pontos de particionamento, para
(a) aumentar a infiltração e diminuir o escoamento superficial e consequentemente a
erosão; e (b) aumentar a produção de grãos através da acentuada disponibilidade da
umidade do solo. O regime de fluxo resultante de água azul é frequentemente, fluxos de
tempestade com menor pico e carregam menos partículas de solo resultantes de erosão,
e onde o fluxo de base é dificilmente afetado, ou melhor, até aumenta.
Água subterrânea renovável desempenha um papel ativo no ciclo hidrológico e por isso
é 'água azul'. (Em contraste, água subterrânea fóssil não é renovável e pode ser usada
somente uma vez - extraída). Água subterrânea alimenta água de superfície e vice-versa.
Pode-se dizer que toda a água subterrânea renovável vem das águas de superfície e que
um pouco das mesmas eram águas subterrâneas. Especialmente em climas quentes a
existência de armazenamento de águas subterrâneas é muito importante.
A água armazenada no subsolo se torna disponível em dois dias. Uma maneira disto
acontecer, é através de captação artificial (bombeamento), a outra através de
escoamento natural para águas superficiais. A última é um importante elo no ciclo
hidrológico. Enquanto que na estação chuvosa o fluxo do rio é dominado pelo
30
escoamento superficial, na estação seca os rios são quase que totalmente alimentados
pela infiltração de águas subterrâneas (fluxo de base). Portanto, o componente água
subterrânea age como um reservatório que retarda o escoamento da estação chuvosa e
ameniza a forma do hidrograma (fig. 3.4). Isso também significa que abstrações de
águas subterrâneas irão diminuir o fluxo base nos rios à jusante.
A equação é válida para um período de tempo e deve ser aplicada para qualquer sistema
desde que os limites sejam bem definidos. Outros nomes para a equação de balanço
hídrico são Equação de Armazenamento, Equação de Continuidade e Lei da
Conservação de Massa.
Dividindo o estoque pelo fluxo, resulta numa medida útil, chamada de tempo médio de
residência de uma partícula de água no estoque:
Tempo de residência = S / I(t) (3.2)
Distinguem-se vários tipos de balanços hídricos. A seguir, quatro balanços hídricos são
elaborados resumidamente: o balanço hídrico da terra, da bacia de drenagem, aquele
devido à interferência humana e o de agricultura de sequeiro.
31
3.2.1 O balanço hídrico da terra (Savenije, 2000)
O balanço hídrico da terra é dado nas tabelas 3.1 e 3.2. Sahagian et al. (1994) tiraram
interessantes conclusões das informações apresentadas nas tabelas.
Tabela 3.1: Quantidade de água na terra (UN World Water Development Report, 2003)
Ocorrência de água Volume Quantidade de água
12 3
10 m % de toda a água % de água doce
Oceanos do mundo 1,338,000 96.5
Águas subterrâneas 12,870 0.93
(salobra)
Lagos de água salgada 85.4 0.006
Gelo e neve 24,364 1.76 69.6
Águas subterrâneas 10,530 0.76 30.1
(água doce)
Água atmosférica 12.9 0.001 0.037
Lagos de água doce 91 0.007 0.260
Brejos e pântanos 11.5 0.001 0.033
Água de rios 2.12 0.000 0.006
Umidade do solo 16.5 0.001 0.047
Água em organismos 1.12 0.000 0.003
Total de água doce 35,029 2.53 100
Total de água 1,385,985 100
Tabela 3.3: Fluxos de água selecionados e tempo de residência (UN World Water
Development Report, 2003)
Ocorrência de água Volume Fluxo anual Tempo de
1012 m3 renovação
1012 m3/a
Oceanos do mundo 1,338,000 505 2,500 yr
Gelo na Groelândia 2,340 0.24 9,700 yr
Gelo nas montanhas 40.6 0.025 1,600 yr
Terra de gelo (permafrost) 300 0.03 10,000 yr
Água de lagos 176.4 10.38 17 yr
Brejos e pântanos 11.5 2.29 5 yr
Umidade do solo 16.5 16.5 1 yr
Água de rios 2.12 43 18 days
Água na atmosfera 12.9 600 8 days
32
3.2.2 O balanço hídrico da bacia de drenagem (Savenije, 2000).
Tabela 3.4: Balanço hídrico anual médio indicador para algumas bacias hidrográficas
B Chuva Evaporação Escoamento Coefic.
Area A P E Q escoamento
Rio 109 m2 mm/a 109 m3/a mm/a 109 m3/a mm/a 109 m3/a %
33
500
Oct 1952 - Sep 1979 (average 2,297 Mm3/a)
450
Oct 1979 - Sep 1999 (average 982 Mm3/a)
400
discharge (Mm3/month)
350
300
250
200
150
100
50
0
Oct Nov Dec Jan Feb Mar Apr May Jun Jul Aug Sep Oct
Water vapour
above land
P E
Water users
Xo Xi
H Us Ug R
Land Q
Diversion
Cycle
P = precipitação
E = EO + ET + ES + EI = evaporação total de mar aberto e superfície terrestre
Q = escoamento da terra para o oceano
Xi , Xo = transferência interbacias dentro ou fora da bacia
H = uso direto da água de chuva
Us+Ug = extração da superfície e de água subterrânea
R = fluxos de retorno para a superfície e água subterrânea
Figura 3.7: O ciclo hidrológico de uma bacia hidrográfica com o ciclo de desvio
(Rodda and Matalas, 1987)
34
3.2.4 O balanço hídrico da agricultura
Um balanço similar pode ser feito para uma plantação irrigada, se adicionando a água
de irrigação I como um termo de entrada e a evaporação de mar aberto EO como a um
termo de perdas (ex. água evaporada de canais de irrigação, poços etc.):
P + I = EI + ES + ET + EO + R + QS + S/t (3.5)
Um balanço hídrico como o mostrado na equação 3.4 é útil porque ela mostra quanto da
água disponível para a plantação foi efetivamente usada por ela. Se desprezarmos a
mudança de umidade do (S/t) durante uma estação completa de cultivo, então a
medida da eficiência hídrica poderia ser dada como:
ET
(3.6)
P
Poderíamos incluir também os outros fluxos de evaporação na eq. 3.6?
Precipitation P Transpiration ET
Soil evaporation ES
and Interception EI
Surface runoff QS
soil surface
rooting depth
Deep percolation
= Recharge R
water table
35
3.3 Recursos de águas subterrâneas
Água subterrânea pode ser dividida em água subterrânea fóssil e água subterrânea
renovável. Água subterrânea fóssil pode ser considerada como um recurso mineral
finito, que pode ser usado somente uma vez, depois da qual é esgotado. Água
subterrânea renovável é a água subterrânea que desempenha um papel ativo no ciclo
hidrológico. A última significa que o tempo de residência da água na subsuperfície tem
uma ordem de magnitude relevante no planejamento humano e nas considerações de
sustentabilidade. O limite entre as águas subterrâneas fósseis e renováveis é claramente
tema para amplos debates. Geólogos, que estão acostumados a trabalhar com escala de
tempos de milhões de anos considerariam uma água subterrânea como fóssil se tivesse
um tempo de residência de milhões de anos. Um hidrólogo poderia usar uma escala de
tempo próxima daquela. No entanto, um gestor de recursos hídricos usaria uma escala
de tempo muito mais próxima da dimensão humana e do tempo de residência dos
poluentes.
Água azul
Figura 3.9: Água azul é escoamento superficial mais infiltração de água subterrânea
renovável
36
Os tipos de aberturas (vazios ou poros) onde a água subterrânea ocorre é uma
importante propriedade da formação da subsuperfície. Três tipos são geralmente
distinguidos:
1. Poros: aberturas entre partículas individuais como areia e cascalho. Poros são
geralmente interconectados e possibilitam o fluxo capilar no qual a lei de Darcy
(ver abaixo) pode ser aplicada.
2. Fraturas, fissuras ou juntas em rochas sólidas que se desenvolveram de fraturas de
rochas. Os poros podem variar de tamanhos super capilares a tamanhos capilares.
Somente para a última situação a aplicação da lei de Darcy é possível. A água
nessas fraturas é conhecida como água de fissura ou de falha.
3. Canais e cavernas em soluções de calcário (água cárstica), e aberturas resultantes
de bolhas de gás em lava. Essas grandes aberturas resultam em um fluxo
turbulento de água subterrânea que não podem ser descritos pela lei de Darcy.
Quando a água de material saturado é drenada por gravidade, somente uma parte do
volume total é liberada. Essa porção é conhecida como produção específica. A água não
drenada é chamada de retenção específica e a soma da produção específica mais a
retenção específica é igual à porosidade. Em materiais de grãos finos as forças que
retêm água contra a força da gravidade são grandes por causa do pequeno tamanho dos
grãos. Assim, a retenção específica de materiais de grãos finos (silte ou argila) é maior
do que em materiais grossos (areia ou cascalho).
37
Água subterrânea é sensível à poluição
Recuperação de água subterrânea pode acarretar em sério impacto com subsidência da
superfície ou salinização
Água subterrânea é geralmente difícil de administrar
Equação 3.10 é uma equação útil da disponibilidade de água superficial na estação seca
(Figura 3.10).
100
Seepage flow Q
80
Seepage flow Q
60
40
20
0
0 20 40 60 80 100
Tim e t
Figura 3.10: Fluxo da infiltração de um aquífero esgotado (Q(t0)=100, K=0.05, and t0=0 in
eq. 3.10).
38
3.4 Exercícios
3.1 Elabore um balanço hídrico para uma agricultura de sequeiro de milho. A
precipitação é de 700 mm, da qual 100 mm é interceptada e evaporada, 100 mm
escoa para o rio. Dos 500 mm restantes que infiltram no solo, 100 mm percolam
para o subsolo e recarregam os aquíferos.
3.4 Se toda a água fóssil subterrânea fosse usada, quanto o nível do mar subiria?
3.5 Referências
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38(4): 12-14.
Falkenmark, M., 1995, Coping with water scarcity under rapid population growth. Paper
presented at the Conference of SADC Water Ministers. Pretoria, 23-24 November 1995.
Holy, M., 1982, Irrigation systems and their role in the food crises. ICID Bulletin 31(2).
Mare, A., 1998. Green water and Blue water in Zimbabwe: the Mupfure river basin case. MSc
thesis. IHE, Delft.
Nyagwambo, N.L., 1998, "Virtual Water" as a water demand management tool: The Mupfure
river basin case. MSc thesis. IHE, Delft.
Pallett, J., 1997, Sharing water in Southern Africa. Desert Research Foundation of Namibia,
Windhoek.
Pazvakawambwa, G., and P. van der Zaag, 2000, The value of irrigation water in Nyanyadzi
smallholder irrigation scheme, Zimbabwe. Proceedings 1st WARFSA/WaterNet
Symposium 'Sustainable Use of Water Resources'. Maputo, 1-2 November.
Rockström, J., J. Barron and P. Fox, 2003, Water productivity in rain-fed agriculture:
challenges and opportunities for smallholder farmers in drought-prone tropical agro-
ecosystems. In: J.W. Kijne, R. Barker and D. Molden (eds.), Water productivity in
agriculture: limits and opportunities for improvements. CABI Publishing, Wallingford;
pp. 145-162
Rodda, J.C. and N.C. Matalas, 1987. Water for the future; Hydrology in perspective.
Proceedings of the Rome Symposium. IAHS publication no. 164.
Sahagian, D.L., F.W. Schwartz and D.K. Jacobs, 1994, Direct anthropogenic contributions to sea
level rise in the twentieth century. Nature 367, 6 January; pp. 54-57.
Savenije, H.H.G., 2000, Water resources management: concepts and tools. Lecture note. IHE,
Delft.
Savenije, H.H.G., and P. van der Zaag, 2000, Conceptual framework for the management of
shared river basins with special reference to the SADC and EU. Water Policy 2 (1-2): 9-45.
Van der Zaag, P., and Á. Carmo Vaz, 2003, Sharing the Incomati waters: cooperation and
competition in the balance. Water Policy 5: 349-368.
39
Um agente costal num esquema Mexicano de irrigação muda o curso do fluxo de água
40
Capítulo 4
Demanda de água
Pieter van der Zaag and Hubert H.G. Savenije
No capítulo 2, algumas observações gerais foram feitas sobre os vários usos da água.
Existe uma demanda geral crescente por água em todo o globo. À medida que a
população e seus padrões de vida crescem as demandas por recursos hídricos continuam
a crescer (fig. 4.1)
3,000
consumptive water use (10 m /a)
2,500 Reservoirs
3
9
Industrial
2,000 Municipal
Irrigation
1,500
1,000
500
forecast
0
1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020
Mas se a demanda cresce então o que acontece com o abastecimento; ele pode continuar
crescendo também? É claro que o recurso básico não se altera; a quantidade total de
água entrando no ciclo hidrológico é limitada, por isso a quantidade que podemos
extrair dela também. Em muitas regiões em desenvolvimento, a maioria da demanda já
é insuficiente por causa do abastecimento de água inadequado. A tecnologia pode
reduzir ou limitar a demanda?
Demandas futuras por água por diferentes usuários podem ser afetadas por progressos
tecnológicos. Progressos tecnológicos que fazem a demanda de água crescer são, por
exemplo, água de resfriamento de geração de energia nuclear e produção de gás a
carvão.
Progressos tecnológicos que podem diminuir futuras demandas por água doce são, por
exemplo:
Geração de energia eólica e solar (através de células fotovoltaicas)
Saneamento seco / ecológico
Recirculação de água de resfriamento (“resfriamento-seco”) de usinas térmicas
Tecnologia de lavagem sem enxague
Irrigação de gotejamento
Dessalinização da água do mar
41
Apesar de a tecnologia ajudar a reduzir a demanda, isso não é o suficiente. Para prevenir
a extração de recursos limitados, é necessário reduzir as demandas de usuários
individuais.
Existem diferenças substanciais nas demandas per capita entre países e regiões.
Diferenças na demanda são atribuídas tanto a fatores naturais quanto econômicos. Mais
água é usada em regiões quentes e secas do que em áreas temperadas e úmidas, devido à
irrigação, banhos e ar condicionado. Das várias influências climáticas, precipitação
parece ter o maior efeito na demanda per capita, principalmente como resultado das
demandas de água de irrigação. O padrão de vida da população também afeta a
demanda. O consumo de água cresce com o aumento do padrão de vida.
Além disso, a demanda de água também sofre influência do clima (chuva, temperatura),
padrão de vida dos (diferentes categorias) usuários, medidas de racionamento, taxas etc.
42
Tabela 4.2: Padrões para demanda de água por categoria de consumidor, Harare
Categoria de consumo Unidade Demanda diária média anual
Residencial
Alta densidade l/casa/d 900
Densidade média l/casa/d 1,800
Baixa densidade l/casa/d 2,500
Apartamentos l/unidade/d 1,000
Comercial
Hotels l/cama/d 800
Escritórios, lojas l/empregado/d 30
Industrial
Indústrias secas l/ha/d 20,000
Indústrias líquidas Calcular individualmente
Institucional
Hospitais l/cama/d 500
Clinicas l/100 m2/d 1,000
Escolas dias l/aluno/d 30
Internatos l/aluno/d 90
O consumo mínimo de água pode ser definido como o consumo de água per capita
essencial para a vida. Esse consumo de água essencial atualmente é estipulada e limpa,
per capita por dia: observe que este número exclui a água necessária para a produção de
alimentos e para outras atividades econômicas.
Taxas de conexão se referem ao percentual da população que tem acesso a certo tipo de
abastecimento, ex. conexões domésticas (abastecimento canalizado) ou tubos verticais.
Porcentagens aproximadas são inadequadas. A variação do consumo usual em países
em desenvolvimento é:
20-45 litros per capita por dia no fornecimento com tubo vertical
70-120 litros per capita por dia no fornecimento canalizado privado.
Em países desenvolvidos as taxas de consumo total podem ser altas como 1.000 litros
por dia em regiões secas onde a rega de gramados não é limitada. No entanto, números
normais para países desenvolvidos variam entre 200 e 500 litros por dia. Em países em
desenvolvimento, o consumo de água segura está normalmente abaixo de 50 litros por
dia, que pode ser considerado como o mínimo para propósitos de saúde pública. Em tais
situações as taxas de conexão e o consumo per capita tornam-se valores, alvo políticos e
sociais. As considerações custo-benefício não são relevantes nessas condições e
geralmente são substituídas por estratégias de custo efetividade: como atingir níveis de
metas a custos mínimos.
43
Tabela 4.3: Consumo médio doméstico de água (l/c/d) (Davies and Day, 1998: 325)
California, USA UK África do Sul
Lavadora de roupa 32 12 23
Banheiros 95 37 48
Banho/chuveiro 73 22 65
Cozinha 27 36 24
Total 227 107 160
44
Modelo de crescimento populacional baseado no balanço populacional (Savenije,
2000)
Pode-se notar que uma vez que a equação 4.1 tem uma grande semelhança com o
balanço hídrico, onde a população representa o estoque, os nascimentos a precipitação,
as mortes a evaporação, a imigração a entrada e a emigração a saída.
45
e = função exponencial(e=2.718)
Se (b-d) > 0, significando que per capita mais crianças nascem que morrem, então a
população cresce exponencialmente. Se b = d, a população é constante. Na China, onde
b = 0.5, esse ponto ainda não foi atingido. O ajuste para uma redução na taxa de
nascimento leva tempo, porque a taxa de mortalidade não é igualmente distribuída nos
grupos etários. Se b=1, a taxa de nascimento é igual à taxa de reposição, a qual no final
irá levar a uma população constante, mas a escala de tempo para se atingir uma taxa de
mortalidade d igual à b=1 é a expectativa de vida L.
Para ilustrar esse fenômeno, o exemplo a seguir, mostra o que acontece se uma situação
estável inicial, onde b = d = 1, a taxa de nascimento é instantaneamente duplicada para
b = 2 em t = 0, e onde em t = 60 anos, como resultado de uma política governamental, a
taxa de nascimento é restaurada ao nível sustentável de b = d = 1. A Fig. 4.2 mostra a
variação da população total P no tempo. A distribuição da população inicial ao longo
das classes etárias (também chamado de pirâmide populacional) em t = 0 será estável
desde que o mesmo número de pessoas morra e nasça anualmente. A explosão
demográfica então dura 60 anos. Subsequentemente, levará mais 100 anos, o tempo de
vida de uma pessoa, para a explosão demográfica desaparecer completamente e a
população se estabilizar.
500
450
400
350
300
250
200
150
100
tim e (y ea rs )
to ta l p o p u la ti o n
46
É dado um exemplo da cidade de Masvingo, Zimbabwe, no qual uma análise da
regressão linear múltipla (MLR) foi conduzida utilizando-se a influência da população,
chuva, desenvolvimento econômico, racionamento na demanda de água (Dube and Van
der Zaag, 2003). A influência na cobrança na demanda de água será discutida mais
adiante.
A análise de regressão linear múltipla fornece um bom quadro (Figura 4.3). O uso
futuro de água pode ser projetado através do uso passado de água e vários cenários
podem ser considerados onde se levam em consideração variações dos fatores que
influenciam o uso de água.
47
7,000
6,500
MLR model
6,000
actual treated
treated water (1000 m3/a)
5,500
5,000
4,500
4,000
3,500
3,000
2,500
2,000
1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001
Um exemplo de alguns dos problemas que podem ocorrer com a extrapolação de dados
históricos é mostrado na fig. 4.4. A figura mostra o total de água produzido para
abastecer a cidade de Masvingo no Zimbabwe. Entre 1991 e 1992 ocorreu uma grave
seca no Zimbabwe que teve um impacto significante na demanda de água na maioria
das áreas urbanas. Se uma previsão de demanda futura de água tivesse sido feita em
1991, ajustando-se uma curva exponencial aos dados disponíveis entre 1977 e 1991 a
previsão da demanda de água para o ano de 2001 seria de aproximadamente 10 milhões
m3/ano. No entanto, em 1992, uma série de medidas de gestão de demanda, econômicas
e de racionamento de água levaram a uma taxa significativamente decrescente de
crescimento de demanda de água. Em 2001, a quantidade real de produção de água para
a cidade de Masvingo era de uns 6.8 milhões m3/ano. O número das previsões para 2001
usando uma técnica de ajuste de curva exponencial para os dados gravados entre 1977 e
2001 foi de 47% maior que o número atualmente registrado. Isso ilustra claramente os
riscos de se usar técnicas de ajuste de curva simples para previsões de demanda de água
futura.
12 -48 0.055932x
y = 2.475x10 e
r = 0.939
10
Total water produced (million m /year)
3
0
1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001
Year
Recorded water produced pre-1991
Exponential forecast based on fitting to pre-1991 data
Recorded water produced post-1991
48
4.2 Gestão da demanda de água
A gestão da demanda de água é definida de várias maneiras:
Gestão da demanda visa metas de demandas e usos desejáveis. Ela
influencia a demanda para o uso de recursos escassos eficientemente e
sustentavelmente (Savenije and Van der Zaag, 2002).
Note que:
- Gestão da demanda de água não é necessariamente o mesmo que diminuir a
demanda de água; em certas situações, administrar a demanda pode significar o
estímulo à demanda que foi suprimida (ex. em muitas regiões rurais da África, o uso
da água é excessivamente baixo; nesse caso é necessário a melhoria dos serviços de
água e aumentar o consumo de água).
- Gestão da demanda de água não é necessariamente o mesmo que cobrança de água!
49
Tabela 4.4: Redução do fluxo noturno da rede na Inglaterra (Borrows and Bloomfield,
1984; Setford, 1985)
Autoridade de Água Reduções do fluxo noturno da rede
(l/propriedade/h)
Antes Depois
Autoridade de Água do Tâmisa (Hounslow) 18.2 7.5
Cia deÁgua Mid-Kent (Ashford, Canterbury) 11.8 6.0
Retromontagem
50
Quadro 4.2: Retromontagem de acessórios de canalizações em sistemas de águas urbanas
A retromontagem de acessórios de canalizações, como a instalação de chuveiros e vasos
sanitários com baixo volume de água, pode reduzir a quantidade total de água em 25% do
consumo doméstico de água (Martindale and Gleick, 2001). Uma medida imediata e barata
que pode ser implementada é reduzir a capacidade da caixa de descarga dos vasos
sanitários. Gumbo (1998) estimou que a água usada para descarga constitui em torno de
30% do total do uso doméstico de água. Ao se instalar bóias em instalações existentes, ou
simplesmente se colocar um ou dois tijolos padrões na caixa de descarga, o consumo seria
reduzido em 10% ou mais. Isso significa que cada residência iria reduzir seu consumo em
aproximadamente 3%, sem a necessidade de qualquer investimento significante, portanto
economizando dinheiro através da redução na conta de água, sem comprometer a qualidade
do serviço a ser usado.
Em Nova York, 1.33 milhões de vasos sanitários ineficientes foram trocados por outros mais
eficientes entre os anos de 1994-1997, reduzindo o consumo da cidade em 0.3 Mm3/dia.
Outras medidas de gestão da demanda também foram implementadas. Como resultado, o
uso de água per capita caiu de 738 l/dia em 1991 para 640 l/dia em 1999 (Martindale and
Gleick, 2001).
Em Windhoek, a demanda de água eram 242 litros por dia por pessoa em 1995, com
água não contabilizada de apenas 11%. Windhoek adotou uma gestão de demanda de
água em 1994, a qual é financiada a uma taxa de 0.5%. As primeiras tentativas nos anos
50 se focaram no reuso de água. Hoje em dia, Windhoek pode reusar toda sua água
servida para a rega de parques, campos de esporte e cemitérios através um sistema de
dupla canalização e da recuperação de água servida para um padrão de potabilidade. De
toda a água doméstica usada, 13% são tratadas para reuso. Cerca de 60% de toda a água
usada em residências de luxo é para os jardins. A sua infiltração para os gramados e
jardins a torna indisponível para reuso. Água para jardinagem ainda representa um
grande setor na economia de água.
51
Reuso de efluentes purificados para irrigação e recuperação para padrões de
potabilidade
Diretrizes de conservação de água para indústrias que utilizam água em seu processo
produtivo
O efeito combinado de todas essas medidas é que o consumo de água per capita
diminua: em 1996 o uso de água per capita diminuiu de 242 litros por dia por pessoa
para 196 litros por dia. Enquanto a população residencial aumentou 5%, o consumo
residencial total diminuiu de 10 para 7.8 106 m3 ano-1.
normal demand
increased supply
water supply/demand (volume)
original supply
conservation demand
4-year delay in
construction due to
conservation
-8 -4 0 4 8 12 16 20 24
year
52
4.3 Cobrança de água urbana
Nas conferências de Dublin e do Rio, como relatado na Agenda 21, reconheceu-se que a
água deveria ser administrada como um bem econômico, desde que a água potável e
para outras necessidades básicas fossem disponibilizadas a preços amplamente
acessíveis para a população local. O fornecimento de água gratuita, ou fortemente
subsidiada, no passado levou a sérios desperdícios de recursos hídricos, usos
ineficientes e superexploração.
Não recuperação de
Dilema da água
custos
Pobres não têm
gratuita serviço
Sem manutenção
Falha do sistema
Uma boa ilustração desse problema é o "dilema da água gratuita" (Figura 4.6). Se a
água fosse gratuita, a indústria de água não receberia pagamento suficiente pelos seus
serviços. Consequentemente, eles não poderiam manter seus sistemas adequadamente e,
portanto, falhariam em manter a qualidade de seus serviços. Consequentemente, o
sistema entraria em colapso, a população iria beber água não-potável ou teria que pagar
muito dinheiro para os comerciantes de água, enquanto que as pessoas ricas receberiam
água encanada direto em suas casas. Assim, a política de água gratuita resultaria em
ricos recebendo água de graça e pobres comprando água com tarifas altas o bebendo
água insegura.
53
Custos de oportunidade (renda com a escassez)
custo econômico
A cobrança de água é geralmente promovida para pelos menos dois propósitos: (a)
recuperar custos, e (b) aumentar a eficiência do uso da água. Na recuperação de custos,
a distribuição deve ser feita entre custos financeiros internos e externos (ou custos
sociais). Do ponto de vista financeiro, a água deveria ser cobrada para cobrir os custos
operacionais feitos para fornecer os bens e serviços relacionados à água e da
depreciação da infraestrutura (custos de capital). Assim, os custos financeiros são a
soma dos custos de capital e do operacional (fig. 4.7).
Os custos econômicos incluem, além dos custos financeiros, também custos externos
(externalidades econômicas), como dano ambiental, poluição, efeitos em usuário a
jusante e custos sociais (riscos à saúde, reassentamentos etc). Levando esses custos em
consideração os custos financeiros é o que chamamos externalidades. O dinheiro
recebido na internalização desse custo deve ser pago aos atores que sofreram o dano.
Até esse ponto o preço reflete os custos totais incorridos pela sociedade na produção da
mercadoria. Se o preço da água representasse o custo econômico total, ele deveria
refletir também a escassez do recurso, o que é geralmente expresso no custo de
oportunidade (o custo de não poder usar o recurso para uma atividade alternativa social
ou econômica com um alto valor econômico).
54
O valor econômico e a disposição de pagar não são facilmente determinados. Alguns
usuários têm mais disposição de pagar do que outros. Desde que essas considerações
são mais financeiras que econômicas (sociais), disposição de pagar não é sempre o
argumento certo para se estabelecer o preço econômico (para evitar que a água sempre
fique no maior valor). Além disso, disposição de pagar é dinâmica, dependendo de
muitos parâmetros que incluem acessibilidade, escassez do recurso e apreciação pelo
recurso. Como todos esses parâmetros são dependentes do tempo e podem ser
influenciados por fatores internos e externos, a disposição de pagar é um parâmetro
volátil.
Apesar da fig. 4.7 ser útil em como o preço da água poderia ser estabelecido para refletir
os custos sociais, economistas de água do Banco Mundial chegaram à conclusão que o
preço da água deve ser baseado nos custos de oportunidade ou custos marginais de
longo termo. Mas ele deve ter um custo razoável entre zero e o custo de dessalinização
(aprox. 1 US$/m3) que refletiria ao menos o custo financeiro e enviaria uma mensagem
aos usuários que estamos lidando com um recurso finito e precioso.
No caso de bens econômicos ordinários, existe uma relação entre preço e demanda
seguindo uma curva de demanda. A inclinação sem dimensões dessa curva de demanda
é chamada de elasticidade de preços da demanda. Ela é definida como a porcentagem do
aumento na demanda resultando de uma porcentagem de aumento de preços. Essa
elasticidade é um número negativo quando se espera que a demanda diminua à medida
que o preço aumenta e normalmente varia entre -1 e 0. A equação geral para a relação
preço-demanda (a curva de demanda) é:
Q cP E (4.8)
Onde Q é a demanda pelo bem
P é o preço do bem
c é uma constante
E é a elasticidade da demanda.
A figura 4.8 mostra a forma típica da curva de demanda. Ela é construída presumindo-se
que os preços dos outros bens sejam constantes, assim como as rendas e as preferências.
Se qualquer um desses parâmetros variar, a demanda para as saídas do sistema deve
mudar.
55
Q
E=-1
rigid
E=-1
elastic
Figura 4.8: Relação entre o preço P e o consumo de água Q para água doméstica
Selebi-Phikwe detém o maior consumo per capita de água das áreas urbanas de Botsuana.
Em 1995/96, seu consumo per capita de água potável foi de 273 l/c/d. Os números de
Gaborone e Francistown foram muito menores, 236 e 146 l/c/d, respectivamente. O alto
consumo de água em Selebi-Phikwe foi atribuído, entre outros motivos, ao subsídio de água
pela mina local BCL para seus empregados. As casas da BCL sem hidrômetros eram
totalmente subsidiadas. "Staff padrão" não pagava pelos primeiros 150 m3 de água
consumida por mês, enquanto o "staff sênior e executivo"não pagava pelos primeiros 200 m3
de água por mês.
56
No entanto, a equação 4.8 é difícil de aplicar ao setor de águas como um todo, mas para
certos subsetores (uso de água urbana, uso industrial, irrigação) ela deve servir ao
propósito de análise de efeitos das mudanças de tarifa. O problema com essa equação é
que E não é constante. Ela depende do preço, do uso de água e varia com o tempo.
Então ela é uma equação com aplicabilidade limitada.
sanitation
laundry
other uses
Figura 4.9: Figura esquemática dos diferentes usos de água doméstica e suas
elasticidades de demanda
Pode-se dizer que, com respeito à água potável, a relação demanda-preço está em
condições normais, não será mais elástica que -1. Se alguém tem $100 para gastar em
condições normais (QP=100), então para QP continuar constante, um aumento de preço
de 10% deveria ser compensado por uma redução no consumo de 10% (E=-1). Assume-
se que não existe outra alternativa mais barata para água (ex. comprá-la de vendedores).
No entanto, não existe a necessidade de economizar mais água que 10% desde que isso
implicaria em gastar menos que $100 em água. Daí as relações preço-demanda para
água potável serem sempre inelásticas (-1<E<0).
57
Quadro 4.5: Padrões de consumo doméstico de água (Dube e Van der Zaag, 2003)
A figura 4.10 ilustra os diferentes padrões de uso de água durante o ano, para consumidores
pobres (alta densidade) e ricos (baixa densidade) na cidade de Masvingo no Zimbabwe. As
áreas residenciais de Rhodene e Clipsham foram consideradas afluentes, compreendendo
1.050 residências. As áreas residenciais de Rujeko e Mucheke foram consideradas não-
afluentes, representadas por uma amostra de tamanho de 3.350 residências. A amostra
representava 34% de todas as conexões domésticas da cidade. Os números mostram que
existe uma grande diferença no consumo de água entre casas afluentes (consumo de 60
m3/mês em média) e não-afluentes (20 m3/mês). Mais ainda, o consumo de água flutua
muito mais em casas afluentes (coeficiente de variação CV de 31%) do que em casas não-
afluentes (CV=12%). Essa flutuação está relacionada à chuva, desde que o uso de água
tende a ser maior nos meses quentes e secos, especialmente para propósitos não
essenciais como o uso de água tratada para regar jardins. No mês quente e seco de outubro,
por exemplo, residências afluentes podem consumir o equivalente a 80 m3/mês ou mais,
enquanto suas contrapartes não-afluentes consumem no máximo 25 m3/mês, que é menos
que um terço. Nas áreas mais pobres da cidade (500 casas na área residencial de Mucheke)
o consumo médio por casa foi somente de 12 m3/mês. Esse número pode ser considerado o
mínimo básico ou quantidade de “sobrevivência” e é, com um tamanho médio de 8 pessoas
por casa, equivalente a 50 lcd (cf. Gleick 1996, 1999).
100
Rhodene+Clipsham
water consumption (m3 per month per connection)
70
60
50
40
30
20
0
Jan-99 Apr-99 Jul-99 Oct-99 Jan-00 Apr-00 Jul-00 Oct-00 Dec-00 Apr-01 Jul-01 Oct-01
Figura 4.10: Consumo de água cobrada mensalmente por residências afluentes e não-
afluentes 1999-2001 (Dube e Van der Zaag, 2003)
A explicação para a tendência observada é clara: residências pobres não podem arcar com o
uso de muita água por causa de suas incapacidades (insolvência) em pagar. Além disso,
seus terrenos são relativamente pequenos (200-300 m2) o que estabelece um limite para o
uso máximo de água para jardinagem se eles tiverem capacidade para pagar. Como
resultado, a variação sazonal em seu uso de água é relativamente pequena, desde que a
água é usada principalmente para os propósitos mais essenciais. Nas residências afluentes
acontece o contrário: sua capacidade e disposição para pagar é grande, e o uso de água
parece estar de acordo com o tamanho de seus jardins (4.000 m2 em média), com a
existência de piscinas e também com o número de carros que lavam. Uma grande parte da
água é, portanto, empregada em usos não-essenciais.
58
A demanda de água é relativamente inelástica
Somente em situações extremas, quando o preço da água aumenta tanto que as pessoas
não podem arcar por muito tempo com isso, a demanda irá responder elasticamente e as
pessoas ou irão olhar por recursos alternativos de água (para alguns usos), como
escavando poços, usando água não-tratada, ou se mudando do local. Somente assim a
relação demanda-preço se torna elástica (E<-1). As relações demanda-preço que são
baseadas numa quantidade fixa de dinheiro que as pessoas podem gastar são todas do
tipo:
c
Q= Ou: QP=c (4.9)
P
Aonde c = quantidade de dinheiro que as pessoas irão, ou podem, gastar com água
[e.x. $/ano]
Essas funções possuem uma elasticidade constante E = -1. Mais usualmente, a
elasticidade de preço E de demanda pode ser definida como:
dQ Q PdQ
E= = (4.10)
dP P QdP
Com E = elasticidade [-]
Q = uso de água [em volume por unidade de tempo, ex. m3/d]
dQ = mudança no uso de água [volume por unidade de tempo, ex. m3/d]
P = preço da água [e.g. $/m3]
dP = mudança de preço [ex. $/m3]
A rigidez é normalmente maior para necessidades onde não existe substituto (como
água para o uso doméstico) do que para bens luxuosos, ou bens com uma alternativa
mais barata (ex. manteiga e margarina). Como a água não é luxo, a sua demanda reduz
relativamente pouco com um aumento de preço.
59
Tabela 4.5: Variação da elasticidade de preços para abastecimento público de água
urbana (OECD, 1987)
País Elasticidade de preço (variação)
Australia -0.04 - -0.75
Canada -0.25 - -1.07
Inglaterra e Wales -0.3
Finlând ia -0.11
Suécia -0.15
EUA -0.06 - -0.61
Figura 4.11: Variação das elasticidades de preço da demanda de água nos EUA (Briscoe,
1996)
Como (1+E)>0, uma elevação nos preços resulta num aumento de arrecadação.
Se E= -1, a arrecadação não aumenta, o que está de acordo com a equação 4.11.
60
Na indústria e na agricultura a elasticidade, apesar de ainda ser baixa, é alta de alguma
forma. Em áreas áridas não existe substituto para a água de irrigação ou industrial
levando a uma baixa elasticidade, mas fazendeiros e industriais podem investir em
tecnologias de economia de água e fazendeiros podem mudar os padrões de culturas
(levando a uma maior elasticidade).
Concluindo
- a elasticidade do consumo de água é geralmente baixa.
- a elasticidade de preço é maior quando o preço é maior.
- no setor doméstico, a elasticidade de preços varia entre -0.15 e -0.70.
- com respeito à água potável a relação demanda-preço nunca será elástica (E < -1)
- no setor industrial, a maioria das estimativas está na faixa de -0.45 a -1.37.
61
block tariffs
2.00
1.80
1.60
1.40
tariff (US$/m3)
1.20
1.00
0.80
0.60 Hermanus (South Africa)
0.00
0 10 20 30 40 50 60 70 80
monthly consumption per connection (m3/month)
1.40
1.20
1.00
0.80
0.60
0.40
0.20
0.00
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
monthly consumption per connection (m3/month)
Figura 4.13: Tarifas em bloco de Hermanus (África do Sul) e preço médio da água (after
Macy 1999)
0.60
0.40
0.20
0.00
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
monthly consumption per connection (m3/month)
62
Sistema crescente de tarifas em bloco
Deve-se notar ainda que a política de preços que visa influenciar a demanda deveria
considerar os direitos básicos das pessoas ao acesso à água potável segura. Portanto a
gestão da demanda através de meios econômicos deveria considerar critérios financeiros
(recuperação total de custos) e de equidade. A elevação da estrutura de preços das
tarifas em bloco implica num subsídio cruzado dos usuários ricos para os pobres. Esse é
um bom exemplo de um compromisso satisfatório entre os dois critérios e está sendo
cada vez mais adotado, especialmente em regiões onde a água é escassa.
A tabela 4.6 mostra as tarifas em bloco usadas em várias cidades da África do Sul. Os
sistemas de tarifas em bloco de Windhoek (Namibia), Gaborone (Botswana), e
Hermanus (África do Sul) são também representados nas figuras 4.12 e 4.13. A
estrutura de tarifas em bloco de Harare (Zimbabwe) incorpora uma taxa mensal fixa
(Figura 4.14).
(2) o nível 'ideal' de consumo de água per capita é definido, o qual garantirá "o bem-
estar"; essa quantidade para o "bem-estar" é, por ex., duas vezes a quantidade de
sobrevivência; toda a água consumida acima da quantidade de sobrevivência, mas
menor que a quantidade para o bem-estar, é taxada com o Custo Cheio de
Abastecimento de Água (FCWS expresso por ex. em US$/m3); o que significa que o
preço médio de água ainda é menor que o FCWS. Então, essas casas ainda recebem
subsídio;
(3) aquelas residências que usam água acima da quantidade para o bem-estar, mas
menos que um certo limite superior (ex. 4 vezes a quantidade de sobrevivência) pagarão
o custo cheio da água sobre o seu consumo total; isso significa que a tarifa do terceiro
bloco deve compensar o subsídio implícito que esses usuários recebem no primeiro
bloco;
(4) para o uso de água acima da quantidade especificada no terceiro bloco será cobrada
a uma taxa que compensará o subsídio recebido pelas residências que se incluem nos
blocos 1 e 2, ou ao custo marginal em longo prazo.
63
As funções de tarifas em bloco acima, devem garantir a recuperação total de custos e a
equidade.
Quadro 4.8: Impacto de represamentos e extração de água à jusante num estuário; caso
em Incomati (Sengo et al., 2005; LeMarie et al., 2006; Van der Zaag e Carmo Vaz, 2003)
O consumo de água da bacia hidrográfica do Incomati (compartilhado pela África do Sul) é
muito alto: mais da metade dos recursos de água subterrânea e superficial é consuntivamente
usada para irrigação, propósitos domésticos e industriais (veja fig. 3.6 na seção 3.2.3 acima).
Muitos reservatórios foram construídos para garantir que a água seria água seria
confiavelmente disponível para esses propósitos. Como resultado, o regime de fluxo do rio
Incomati foi alterado significantemente (fig. 4.15). Pequenas inundações que ocorreriam
naturalmente a cada dois anos, agora ocorrem somente a cada quatro ou cinco anos. Isso é
significantes desde que esses pulsos de água são necessários para o rio transcender as
margens e inundar a planície de inundação, que é a condição natural para manter e sustentar
os serviços ecológicos essenciais. Inundações de magnitudes similares também lavam
simultaneamente a boca do estuário e depositam novos sedimentos nos manguezais, onde
camarões irão crescer, encontrando abrigo e nutrientes. Os pulsos decrescentes de água
doce podem ser a causa do declínio dos manguezais (fig. 4.16)
500
450
Discharge (Mm^3/month)
400
350
300
250
200
150
100
50
0
Oct Nov Dec Jan Feb Mar Apr May Jun Jul Aug Sep
Month
2 yrs return period (1957-1980) 2 yrs return period (1980-2001)
1984 2003
Mangroves non degraded
Mangroves degraded
Dune vegetation
64
4.4 Requerimentos ambientais de água
O meio ambiente necessita de água. Em princípio, a meio ambiente precisa do regime
de fluxo natural, sem sofrer com a interferência humana. A super extração de água e a
construção de grandes reservatórios em algumas bacias hidrográficas afetaram a
ecologia significantemente. Em algumas bacias, isso deteriorou os ecossistemas
irreversivelmente, alterando significantemente os processos de geração de água. Essa
não é uma situação desejável.
Agora, tem-se aceito que o meio ambiente é um "legítimo usuário de água". Não se trata
necessariamente de um luxo e um belo gesto para a fauna e flora. É uma estratégia de
sobrevivência para nós, humanos, e para as gerações que virão desde que à água é a
base da vida. Nós vivemos, e fazemos parte de ecossistemas e dependemos deles.
Alterando o sistema natural podemos inclusive reduzir sua capacidade de continuar
gerando água doce.
A meta principal deve ser a de manter uma certa fração do fluxo base natural (zero nos
rios efêmeros!) e recriar pequenos eventos de inundações. De qualquer maneira, grandes
inundações irão ocorrer, porque mesmo em sistemas fluviais seriamente comprometidos
65
todas as barragens ficarão cheias e subsequentemente, derramarão. Alocação de água
para o meio ambiente significa que menos água estará disponível para outros usos (fig.
4.17).
1.0
0.9
0.8
0.7
0.6
fraction
0.5
0.4
0.3
0.2
0.1
0.0
0.0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 1.0
commitment level of non-environmental uses
Figura 4.17: Efeito dos requerimentos de água ambiental em usos não-ambientais (dados
de um rio com o coeficiente de variação com o fluxo anual de 68%)
(Van der Zaag e Makurira, 2003)
66
Existem vários procedimentos de avaliação para se determinar os fluxos ambientais. A decisão
sobre qual procedimento usar, depende da sensibilidade do ambiente aquático, da complexidade
da decisão a ser tomada e do aumento de preços e dificuldade de se coletar grandes quantidades
de informações. Procedimentos para se determinar os requerimentos de fluxos ambientais
recaem em uma das quatro categorias básicas:
1. Método da descarga histórica: método Tennant ;
2. Método Hidráulico : método do perímetro molhado;
3. Método Holístico: método de blocos de construção
4. Método de classificação de Habitat: Metodologia do fluxo gradual de vazão
500
Oct 1952 - Sep 1979 (average 2,297 Mm3/a)
450
Oct 1979 - Sep 1999 (average 950 Mm3/a)
400
discharge (Mm3/month)
350
300
250
200
150
100
50
0
Oct Nov Dec Jan Feb Mar Apr May Jun Jul Aug Sep Oct
Figura 4.18: O regime de vazão modificado do Incomati nos limites entre a África do Sul e
Moçambique, devido ao uso consuntivo à montante (principalmente devido a
transferências para fora da bacia, irrigação e plantações de florestas comerciais). Fonte:
Carmo Vaz e Van der Zaag (2003).
67
Figura 4.19: O regime de vazão modificado do rio Baixo Zambezi devido ao grande
crescimento de hidroelétricas à jusante (principalmente Barragens de Kariba (1958) e de
Cahora Bassa (1974)). Fonte: Beilfuss (2001).
Figura 4.20: Exemplo de liberação de vazão para propósitos ecológicos durante a estação
chuvosa - aqui as vazões no delta Zambezi são simuladas para um evento de alta vazão
para 4 semanas em dezembro. Fonte: Beilfuss and Brown (2006).
68
Portanto, operar um reservatório para incluir problemas ambientais, requer que essas
três condições sejam definidas e seguidas (fig. 4.21, na foram incluídas essas três
condições). Quais são os valores precisos desses fluxos mínimos e máximos, se esses
serão fixos e idênticos por todos os anos ou estabelecidos dinamicamente, ex. em
função das flutuações climáticas (ex. os anos relativamente secos ou chuvosos serão
tratados diferentemente), por quanto tempo eles deverão ser mantidos, são todas as
questões relevantes. Responder a essas questões requer um bom conhecimento do
ecossistema de recursos hídricos e aquáticos e do nível no qual a sociedade pode e irá
arcar para levar as considerações ecológicas em conta.
69
4.5.1 Resposta da produção à água
Numa situação onde os nutrientes não são escassos, a produção (Yc) é a função da
entrada das ondas curtas (Rs) e a máxima evapotranspiração (ETm), e é inversamente
proporcional à umidade do ar (expresso como a diferença entre a pressão de saturação
do vapor ea pressão de evaporação atual ed: ea-ed):
Y = f ( Rs, ETm, 1 / (ea-ed) )
Nessa relação, a evapotranspiração é de grande interesse desde que ela é o termo que
pode ser influenciado pela irrigação: mais água disponível para a plantação reflete em
maior evapotranspiração e em maior produção, desde que os nutrientes não sejam
escassos.
70
Figura 4.22: Relação entre produção de matéria seca e transpiração
(Fonte: Loomis and Connor, 1992)
Tabela 4.7: Boas colheitas (Ym) e eficiência da utilização da água (Ey) de plantações
selecionadas (trópicos e subtrópicos) (fonte: FAO, 1977: 6-7, tabela 2 88, tabela 39)
Plantação Produção (Ym) Eficiência de utilização de água
por colheita (Ey)
ton/ha kg/m3 (% umidade)
71
4.5.2 Agricultura de sequeiro (Falkenmark e Rockström, 2004).
Figura 4.23: Uso de água atual e futuro pela agricultura de sequeiro e de irrigação
(Fonte: SIWI, 2005)
72
A variação da precipitação está fortemente relacionada com a produção agrícola em
agricultura tropical de sequeiro, particularmente em regiões semiáridas e subúmidas
secas (precipitação anual entre 400 - 900 mm) onde a água é a maior restrição na
produção de alimentos. O período de crescimento varia de 75 - 120 dias na zona semi-
árida. Os níveis potenciais de evapotranspiração diária são altos, variando de 5 -8 mm
por dia.
A chuva é muito irregular e a maior parte dela cai como tempestades intensas e
convectivas, com uma intensidade muito alta e uma extrema variação espacial e
temporal. O resultado é a alta probabilidade de ocorrerem secas anuais e períodos secos
intrasazonais. Estaticamente, numa região semi-árida, reduções severas na produção,
causadas por um período seco, ocorrem de 1 a 2 vezes em 5 anos e a perda total da safra
causada por secas anuais, uma vez a cada dez anos.
Uma seca agrícola ocorre quando a água cumulativa do solo, disponível para as plantas,
é significantemente menor que as necessidades cumulativas para a plantação, i.e., existe
uma escassez absoluta de água. Um período seco ocorre como períodos curtos de
escassez de água, geralmente por somente umas duas semanas, durante o crescimento
das culturas. Tais períodos podem resultar em sérios efeitos na produção agrícola se
ocorrer durante os estágios mais sensíveis do desenvolvimento das plantas como por ex.
durante a floração. Por exemplo, nas regiões semiáridas do Quênia e da Tanzânia, existe
uma probabilidade mínima de 0.2 - 0.3 de um período seco durar mais de 10 dias em
qualquer época da temporada de crescimento de uma cultura e a probabilidade de 0.7
deste período seco ocorrer durante o estágio sensível de floração (milho).
Tais produções tão baixas experimentadas nas fazendas, indicam as restrições que se
apresentam para os pequenos agricultores, tanto em termos de escassez de água, quanto
de outros insumos, como gestão da fertilidade do solo, cultura, velocidade das
operações etc. No entanto, pelo fato da produção ser tão baixa, existe uma série de ações
para se melhorar a produtividade da agricultura de sequeiro e a eficiência de utilização,
por exemplo, através de:
Técnicas alternativas de cultura mais apropriadas para as condições climáticas e do
solo, que conservam o solo e a água; como a água não é a única restrição na
produção de culturas, a melhoria da fertilização resultará numa maior produção por
mm de água de chuva;
A melhor escolha de culturas e variedades de grãos dadas as condições locais; isso
inclui a possibilidade por ex. de culturas intercalares.
73
A agricultura de sequeiro é o tipo de uso da terra mais empregado e vai continuar a
constituir a maior fonte de comida para uma população mundial crescente. Em lugar
algum isso é mais real do que na África subsariana. A produtividade da agricultura de
sequeiro nas savanas (geralmente conhecidas como terras secas) é baixa, normalmente
na ordem de 0.5 - 2 t/ha, como resultado de frequentes períodos secos, ocorrência de
secas e baixas capacidades das plantas de captar água relacionada com déficits de
fertilidade do solo, culturas pobres, duração, semeadura, variedades de grão etc.
Portanto, a água não é o único fator determinante para níveis baixos de produtividade
em agriculturas de sequeiro, mesmo em regiões secas. Mas a água não é o único fator
aleatório, que devido à parca distribuição da chuva afeta a vontade dos agricultores de
investir em melhoria de outros componentes, como a gestão de nutrientes do solo (para
que comprar fertilizantes se o investimento tem grandes possibilidades de ser perdido
por causa dos períodos secos?). Investir em gestão de águas, como irrigação
suplementar em sistemas de agricultura de sequeiro, não só é uma maneira de aumentar
a produção graças à melhor disponibilidade de água para a cultura, como também uma
maneira de incentivar a gestão para melhores nutrientes do solo, por exemplo.
Para os engenheiros, gestão de águas em pequena escala pode parecer muito simples,
com poucos desafios construtivos e de projeto. Na realidade não é esse o caso. A
complexidade da dinâmica de escoamento em escala de pequenas bacias, projetos de
instalações de armazenagens, vertedouros, técnicas para selar e evitar evaporação,
programação de irrigação suplementar (como uma que tem que suprir a ocorrência de
chuva) são desafios, mas em pequena escala.
Hidroenergia é, em princípio, uma força benigna de energia que, ao contrário das fontes
de energia térmica que dependem da combustão de combustíveis fósseis, usa recursos
renováveis, i.e. o fluxo de um rio dada uma diferença de altura da coluna d'água.
P = eteg g Q H (4.12)
Onde et, eg são as eficiências das turbinas e dos geradores respectivamente.
74
kg m m 3 m2 m m
Unidades: 3
* 2
* * m kg * 3
(kg * 2 ) * N m s 1
m s s s s s
Normalmente, a energia gerada é expressa em kWh, dividindo a equação 4.13 por 3.6 *
106. Reorganizando a equação 4.12, fica:
P
Q (4.14)
et e g g H
Usando essa equação, a exigência de água para a geração de energia pode ser calculada
(ver quadro 4.9 e 4.10).
Quadro 4.9: Cálculo do fluxo mínimo necessário à montante para uma instalação
hidrelétrica (HR Wallingford, 2001)
A hidroelétrica de Kafue no Zambia tem 5 turbinas de 150 MW cada, com uma eficiência de
90%. Para produzir energia suficiente para atender as necessidades de carga básicas, um
mínimo de 3 dessas turbinas deve estar em operação. A diferença de nível efetiva para a
usina é de 400 m.
O fluxo mínimo de entrada pode ser calculado como se segue:
6 6
Energia mínima necessária: P = 3 x 150 x 10 = 450 x 10 W
P 450 x 10 6
Fluxo mínimo de entrada: Q 127 m 3 / s
et g H 0.90 x1,000 x 9.81x 400
A descarga necessária através das turbinas para a geração de seu potencial total será:
P 1,320 x 10 6
Q 1,430 m 3 / s
et g H 0.90 x 0.95 x 1,000 x 9.81 x 110
3
A descarga através das turbinas normalmente não excede 1.000 m /s, a qual pode gerar uns
929 MW.
6 3
Usando-se a reserva vital total, daria 64.8 * 10 s = 18*10 hrs = 750 dias, e geraria 20.300
9 3
GWh de eletricidade. Levando a evaporação do lago em consideração (8.7 *10 m /annum;
9 3
portanto 17.4 * 10 m durante dois anos) ainda geraria 14.850 GWh.
75
4.7 Exercícios
4.1 Presumindo-se que a taxa de crescimento para uma certa cidade (como uma
proporção de sua população atual) seja de 5 % ao ano.
4.1a Quantos anos levará para a cidade crescer 30% do seu estágio atual?
4.2 Nos últimos 5 anos, a população de uma certa área cresceu de 120.000 para
150.000, e parece que seu crescimento segue um padrão exponencial.
4.2a Se o mesmo padrão de crescimento continuar, qual será a população depois de 5
anos?
4.2b Quanto tempo levará, nas mesmas condições, para se atingir um nível
populacional de 200.000 habitantes?
4.3 Presumindo-se que a população da cidade tenha dobrado nos últimos 20 anos.
4.3a Qual é a taxa média anual de crescimento daquela cidade?
Assuma ainda que nos próximos 5 anos a população da cidade irá crescer à
mesma taxa, enquanto o consumo de água per capita aumenta 2% por ano.
4.3b Qual será o consumo bruto de água em 5 anos?
4.5 Desenvolva um sistema de tarifas em bloco que seja justo e eficiente consistindo
de somente 3 blocos. Defina a função de cada bloco e indique como o volume e
o preço pode ser estabelecido.
76
4.6a Qual foi a taxa média de crescimento anual da população dessa cidade durante o
período considerado?
4.6d Dada a resposta em c), cite quatro estratégias para recursos hídricos que a cidade
deveria considerar.
4.8 Referências
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78
Capítulo 5
79
referência especial é feita para a chuva e seu uso com "água verde" na agricultura.
Água verde não pode ser alocada do mesmo jeito que a água "azul" que ocorre em
rios e aquíferos. Mais, agricultura em terras secas e outros tipos de uso da terra
influenciam a repartição da chuva para a recarga de água subterrânea, escoamento
superficial e umidade do solo (isto é evaporação e transpiração) e por isso sua
disponibilidade.
Demanda
- A demanda por água flutua, mas normalmente muito menos que sua geração. Para
muitos tipos de usos, a demanda de água aumenta quando a disponibilidade de água
diminui, como durante a estação seca.
- Muitos usos são (parcialmente) consuntivos, o que significa que a água abstraída
não irá retornar para o sistema de águas na forma de "água azul"; o uso consuntivo
de água normalmente converte água azul ou verde em vapor de água, a qual, nessa
forma, não pode ser alocada para outros usuários.
- Os usos de água que são não-consuntivos permitem aos outros usarem a água
posteriormente. Usos recreacionais de água é um típico exemplo. No entanto, alguns
usos não-consuntivos alteram o tempo quando essa água se torna disponível para
outros usuários. Um exemplo típico é a água usada para a geração de energia: a
eletricidade é necessária também durante a estação chuvosa, e, portanto a água tem
que ser liberada para esse propósito, quando a demanda por ela em outros setores é
baixa. Como resultado, essa água usada para geração de eletricidade fica
indisponível para esses usos potenciais quando eles precisam dela. O meio ambiente
é outro usuário (parcialmente) de água; seus requerimentos frequentemente estão
fora de sincronia com as necessidades dos outros usuários. É precisamente por isso
que agora esses requerimentos por água ambiental têm sido cada vez mais
identificados.
- Muitos usos de água geram fluxos de retorno, o que, em princípio, estão disponíveis
para outros usos. No entanto, fluxos de retorno normalmente têm uma qualidade
menor que a água originalmente extraída, o que pode limitar em muito o seu reuso.
Algumas vezes a qualidade dos fluxos de retorno é um risco para a saúde pública e
para o meio ambiente.
- Diferentes tipos de água requerem diferentes níveis de garantia. Para terras agrícolas
irrigadas (não perenes), níveis de segurança de 80% (a chance de falha é uma em 5
anos) podem ser aceitáveis. Para a segurança de abastecimento de água urbana,
níveis de 96% ou mais são a norma (falhando uma vez a cada 25 anos).
A estrutura legal
Em muitos países a água é considerada um bem de domínio público, onde ela é
considerada propriedade dos cidadãos do país e o governo administra esse bem pelo
interesse deles. Leis e regulações irão, portanto fornecer as regras pertinentes ao uso
desse recurso público.
80
Abastecimento e demanda equilibrados devem ser feitos dentro de estruturas legais
estabelecidas. Uma lei de águas de um país e as regulações subsidiárias governamentais
determinam muitos aspectos de alocação de água. São eles:
- A lei irá determinar os tipos de uso de água que são regulamentados e, portanto
requer algum tipo de permissão, concessão, direitos, etc; e os tipos de uso de água
que não são regulamentados e não requerem permissão. O uso de água para
propósitos primários normalmente não requerem permissão ou direito de uso,
exatamente como o uso direto da água de chuva.
- Uma permissão de água ou direitos de uso de água define tipicamente qual água
(água subterrânea ou de superfície) pode ser desviada, onde (ponto de extração) e
para qual propósito (ex. irrigação de x por ha de terra). Uma permissão ou direito
especificam certas condições nas quais o uso da água é permitido. Uma condição
típica é aquela em que a permissão ou direito é limitado, onde não se permite o uso
de água que irá afetar direitos similares de outros. Outra condição frequentemente
especificada é aquela na qual a água deve ser usada de forma benéfica e não
desperdiçada e o fluxo de retorno deve atender a certos padrões de qualidade.
- A lei frequentemente estipula a hierarquia de diferentes tipos de uso de água;
distinguindo, por exemplo, entre usos primário, ambiental, industrial, agrícola,
hidroelétrica etc. Em muitos países, o uso de água para propósitos primários tem
prioridade sobre qualquer outro tipo de uso de água. Alguns países também
especificam uma hierarquia para os usos remanescentes, com o qual o uso
econômico mais importante naquele país normalmente recebe uma alta prioridade de
uso. Em outros países, todos os usos de água que não sejam para propósitos
primários (e algumas vezes ambientais) estão na mesma posição. Em época de
escassez de água, a quantidade de água alocada para todos os usos não primários é
diminuída proporcionalmente, para que todos os usuários compartilhem a escassez
igualmente.
A lei pode estabelecer muitas condições detalhadas com uma relação direta com a
alocação de água. Ela pode estipular, por exemplo, que a alocação de água deveria ser
equilibrada. Em alguns países, em contraste, a lei diz que direitos inferiores não devem
afetar direitos superiores.
Em alguns casos, no entanto, a estrutura legal não fornece uma "receita" detalhada de
como a água deve ser alocada. O administrador de água deve, portanto, interpretar os
princípios mais gerais como expressos na lei e traduzir os mesmos para regras
operacionais nas decisões do dia-a-dia de alocações. Em muitos países o gestor de águas
não pode nem fazer isso sem consultar os stakeholders mais importantes.
81
Quadro 5.2: Princípios de alocação de água no Zimbabwe
Como em muitos outros países da África, O Zimbabwe teve seu setor de águas
recentemente reestruturado e promulgou um novo Ato das Águas. Esse quadro traça
brevemente os princípios de alocação fundamentados no agora extinto Ato das Águas de
1976 antes de considerar aqueles delineados no Ato de 1998.
Sob o ato de 1976, o uso de água para requerimentos primários não necessitava de direitos.
Todos os outros usos, exceto a extração de água subterrânea, requeriam um direito de água.
A alocação desses direitos era baseada na doutrina anterior de apropriação, também
conhecida como o sistema de data anterior. A garantia dos direitos da água era uma função
exclusiva da Corte Administrativa sentando como Corte das Águas. O direito somente seria
garantido se houvesse água disponível e se fosse acertado que a água seria utilizada como
uso benéfico. O direito garantido era dependente da data na qual foi feita à aplicação para o
mesmo. Isso significava que os detentores de direitos superiores poderiam satisfazer seus
direitos sem tem que considerar os direitos inferiores ("primeiro em tempo, primeiro em
direito"). A data prioritária, portanto, definia direito de lugar do detentor na "fila da água". Os
direitos de águas eram direitos 'reais' registrados com o título de propriedade para os quais
eles eram relacionados e eram garantidos em perpetuidade.
Em dezembro de 1998, foi adotado um novo Ato das Águas. Ele introduz um importante
número de inovações. A água deve ser administrada numa bacia hidrográfica. O mandato
A missão global de administração é colocada sob os Conselhos de Bacia recém
estabelecidos constituídos por todos os stakeholders. Todos os direitos de água existentes
tiveram que ser convertidos em permissões de água que são válidos por um período limitado
de tempo (vinte anos). O sistema de datas anterior nas quais esses direitos eram baseados
(primeiro em tempo, primeiro em direito) foi abolido.
Daí em diante, os Conselhos de Bacia ser tornaram os responsáveis pelas permissões de
água. Eles o fazem por causa da necessidade de se atingir uma distribuição equitativa dos
recursos hídricos disponíveis; das necessidades de cada requerente; e dos benefícios
sociais e econômicos dos usos propostos. Os Conselhos têm o poder de revisar, redistribuir
ou repartir as permissões para assegurar a distribuição equitativa e o uso da água
disponível.
O Ato de 1998 não determina precisamente o novo sistema de distribuição que deveria
substituir o sistema de data anterior. No entanto, um sistema de distribuição proporcional foi
adotado para substituir o sistema anterior. O sistema de distribuição proporcional é definido
como 'o aporte, tanto da água subterrânea quanto da superficial de acordo com as
proporções dos volumes de extração permitidos para uso direto ou armazenagem de uma
simples permissão sobre o volume total de todas as permissões dentro de uma esfera
realística de influência'. (DWD, 2000).
O valor da água
Os vários usos de água nos diferentes setores de uma economia agregam valores para os
mesmos. Alguns podem usar pouca água, mas contribuir significantemente para o
grosso do produto nacional bruto (PNB) de uma economia. Outros setores podem usar
muita água, mas contribuir relativamente pouco para aquela economia. A tabela 2.1
(cap. 2) mostra a contribuição de vários setores da enonomia da Namíbia para seu PNB
e a quantidade de água que cada setor usa. A indústria e o comércio usam menos que
3% de toda a água usada na Namíbia, mas contribuem com 42% para a economia do
país. Em contraste, a agricultura irrigada usa 43% de toda a água usada, mas contribui
somente com 3% da economia.
82
Deve-se tomar cuidado na interpretação dos dados acima. Por exemplo, é notório que o
setor agrícola tem tipicamente um alto efeito multiplicador na economia, já que muitas
atividades de outros setores da economia dependem da produção da agricultura, ou
fornecem importantes serviços (Rogers, 1998). O valor "real" acrescido pela água pode,
portanto ser subestimado pelo tipo de dados fornecidos na tabela.
O quadro 5.3 fornece alguns dados do valor agregado da água (irrigação) na produção
de milho no Zimbabwe.
Quadro 5.3: O valor da água para o milho no Zimbabwe (ver fig. 5.1)
Para locais selecionados no esquema de irrigação em Nyanyadzi, Pazvakawambwa e van
3
der Zaag (2000) viram que um m a mais de água (irrigação+chuva) supriam a plantação de
milho (sequeiro com irrigação suplementar) resultando numa produção de 1.5 kg de milho
-3 2 -1
por m (r = 0.81). Assumindo-se o preço do milho a 0.10 US$ kg , segue-se que o valor
-3
marginal de água (chuval + irrigação) é de 0.15 US$ m .
A produção também está relacionada com á água de irrigação total líquida (Inet in mm). A
relação matemática a seguir foi encontrada:
2
Y = 1,450 + 19 * Inet (coeficiente de correlação r = 0.71)
-1
A constante 1,450 kg ha indica a produção obtida para uma agricultura de sequeiro sem
irrigação. A produtividade marginal líquida da água de irrigação suplementar no verão foi de
-1 -1 -3
19 kg ha mm , or 1.9 kg m . Isso significa que a água irá produzir 1.9 kg adicionais de
milho, avaliado em US$ 0.19. O valor marginal da irrigação suplementar de milho em
-3
Nyanyadzi é então, de 0.19 US$ m .
6,000 6,000
5,000 5,000
yield Y (kg/ha)
yield Y (kg/ha)
4,000 4,000
3,000 3,000
Y= 1,444+18.67*Inet (r2=0.71)
2,000 Y=-4,500+15.39*TNWU (r2=0.81) 2,000
1,000 1,000
0 0
400 450 500 550 600 650 700 0 50 100 150 200 250
total water use TNWU (mm) net irrigation Inet (mm)
(a) uso de água total líquido e a produção (b) irrigação líquida e produção
Figura 5.1: Relação entre o uso de água e a produção para o milho, Nyanyadzi,
Zimbabwe
83
O valor agregado de alguns usos de água é muito difícil, se não impossível, de se medir.
Considere por exemplo, o uso doméstico da água: como quantificar o valor de um
abastecimento adequado para esse setor?
O dano para a economia por causa do desabastecimento de água pode ser imenso. É
notório que, por exemplo, existe uma correlação positiva entre os índices da bolsa de
valores e as chuvas no Zimbabwe. A seca de 1991/92 tiveram um enorme impacto
negativo na economia do país (ver quadro 2.1, cap. 2). Po outro lado, inundações, apesar
de benéficas, podem ser, algumas vezes, devastadoras (quadro 5.4)
A destruição causada pelas cheias foi estimada em US$ 600 milhões. O crescimento da
economia de Moçambique caiu de 10% em 1999 para 2% em 2000.
Qualquer decisão de alocação tem um efeito potencial em terceiros: ela pode afetar
aqueles que não estão diretamente envolvidos no processo de alocação, que pode ser
benéfico ou prejudicial. Um caso especial, e muito importante, é onde os usuários de
jusante afetados estão localizados fora da jurisdição de uma dada instituição de alocação
de água.
Um processo de alocação que não engloba toda a bacia hidrográfica corre o risco de ser
afetado por usos à montante e por sua vez, impactar nos usos à jusante. Como a maioria
das bacias hidrográficas é muito grandes em extensão e geralmente compartilhadas com
mais de um país, os processos de alocação de água são normalmente fragmentados em
áreas de captação que fazem parte de uma bacia maior. Nesses casos o processo de
alocação deve incluir as condições fronteiriças; isto é, uma especificação dos
requerimentos de água na entrada e na saída da área de captação em consideração.
Mesmo uma área de captação mais à jusante, com seus limites à jusante sendo num
estuário, tais condições fronteiriças deve ser acertada para minimizar a intrusão de sal,
e/ou garantir a saúde do mesmo para propósitos ambientais, sociais e/ou econômicos
(ex. para manguezais e pesca de camarão).
84
Condições fronteiriças são especialmente importantes em bacias hidrográficas que são
compartilhadas por mais de um país. Se uma instituição de alocação de água não
considerar os requerimentos de uma país à jusante, isso pode afetar inclusive as relações
bilaterais dos dois países vizinhos.
Deve-se notar que a obrigação de ceder uma certa quantidade de água para uma área à
jusante ou para outro país não necessariamente significa que toda essa água está
"perdida" pela bacia à montante. Se essa bacia também tiver que suprir a afluência dos
requerimentos ambientais de água dentro de sua área de jurisdição, a água tem que ser
cedida para a área à jusante para atender primeiro aos requerimentos ambientais (ou
pelo menos a sua parte não-consuntiva)
A questão permanece: quanto de água à montante uma área de captação deixa no rio
para os usuários de jusante? Não existe uma resposta geral para essa pergunta e deve ser
sujeita à acordos com os stakeholders envolvidos (entre áreas de sub-bacias ao longo de
um tributário ou entre estados ribeirinhos). A Convenção das Nações Unidas sobre as
Leis de Usos Não-Navegacionais dos Cursos de Água Internacionais fornece
orientações sobre os parâmetros a serem considerados, mas seu peso relativo deve ser
acordado sobre cada caso específico (ver seção 5.3 abaixo).
85
Figura 5.2: Usos e planos de desenvolvimento de água em vários níveis de uma bacia
river basin
catchments
within the basin
sub catchments
within the catchment
Os conceitos chave usados num sistema de alocação de água de um país devem ser
precisamente e claramente definidos para serem conhecidos e entendidos pelos usuários
de água. Tais conceitos chave podem incluir: a posse da água, o uso da água, uso
primário, equidade, eficiência e os direitos precisos e obrigações conferidos com a
outorga de água.
Uma importante questão particular é a definição de uso da água, já que isso basicamente
define o ponto onde a água passa de um bem público para um bem privado. A falta de
clareza sobre exatamente onde ocorre essa conversão irá criar confusão, que irá
impactar diretamente na efetividade do processo de alocação de água. Por exemplo, se o
portador de uma outorga estocou água legalmente em seu reservatório, essa água já foi
usada e, portanto pertence ao outorgado, ou ainda não?
86
(b) Incertezas
Falando em termos gerais, se um usuário não souber quanto de água a que ele tem
direito e a quantidade que provavelmente estará disponível no futuro, ele tende a usar
em excesso ou acumular água com perdas consideráveis.
A alocação de água sobre diferentes usos deve, portanto saber lidar efetivamente com a
incerteza e aumentar a previsibilidade de água disponível para os vários usos. O
aumento da previsibilidade é uma importante condição que irá permitir aos usuários
usar mais água eficientemente. Mesmo uma melhor compreensão de quão imprevisível a
disponibilidade de água possa ser irá melhorar a habilidade do usuário de lidar com isso.
Incerteza física
Incerteza física não se refere tanto à natureza estocástica dos processos hidrológicos (o
que é normalmente bem entendido), mas ao impacto das atividades humanas no ciclo
hidrológico. Em nível global, a mudança climática induzida pelo homem é uma
possibilidade e pode ter efeitos de largo impacto, mas os efeitos específicos ainda não
são bem entendidos. Numa pequena escala espacial, os efeitos das mudanças de uso da
terra na disponibilidade de água azul são difíceis de prever. Será que o uso mais
eficiente da umidade do solo na produção agrícola de sequeiro realmente se traduz num
decréscimo de fluxo de água azul? Um pouco mais direto, é a ligação entre a extração
de água de superfície e subterrânea; mas ainda é difícil de se prever o efeito preciso da
extração de água subterrânea numa dada locação na disponibilidade de água de
superfície em qualquer lugar à jusante.
As incertezas físicas mencionadas aqui devem ser reconhecidas. Se faltar uma boa
compreensão de tais processos, no primeiro instante podem ser feitas estimativas
conservadoras sobre os possíveis impactos de certas intervenções. A agência de gestão
de águas pode então introduzir um programa de coleta de dados destinado a aumentar
gradualmente o entendimento desses processos dinâmicos.
Incerteza Institucional
Um tipo diferente de incerteza é criado pelas instituições que estão envolvidas na
alocação de água. Se a maneira da qual, tais instituições distribui água for desconhecida
pelos usuários ou mal entendida por eles, ou vista como aleatória, então os usuários
podem desconfiar do processo de alocação. Eles irão receber estímulos errados
(impróprios) para, por exemplo, subestimar seus requerimentos de água, acumular água
ou mesmo usá-la excessivamente.
O sistema institucional de alocação de água deve ser, portanto, previsível para usuários.
Todos os usuários devem conhecer os princípios e procedimentos de alocação de água.
Mais ainda, o processo de alocação deve tratar todos os usuários da mesma maneira. Ele
também deve ser transparente e informações sobre outorgas autorizadas ou recusadas
devem ser acessíveis a todos, não somente a todos os usuários de água, mas também
para o público em geral. Um processo justo e transparente de alocação irá aumentar a
confiança individual dos usuários no processo e sua segurança na validade de seus
direitos/ outorgas para o uso de água. Confiança no processo de alocação aumentará a
87
disposição de investir em infraestruturas relacionadas à água e renunciar a
"comportamentos borlistas" em tempos de escassez de água.
Alguns acreditam que existe uma troca entre os princípios de equidade e eficiência; isto
é, um sistema eficiente de alocação pode ignorar certos pontos da equidade e vice versa,
um sistema de alocação mais equitativo pode ser menos eficiente. Isso não é
necessariamente verdade para todas as situações. A seguir, algumas definições
experimentais e algumas implicações da alocação de água são brevemente resumidas.
Equidade
Equidade pode ser definida como proporcionar a todos uma oportunidade justa e
equitativa na utilização do recurso de acordo com a necessidade de cada um. O acesso
equitativo não significa necessariamente acesso à quantidades iguais mas oportunidades
iguais de acesso a água (WRMS, 1999). Equidade lida com a distribuição da riqueza ou
recursos entre setores ou indivíduos da sociedade.
Eficência
Diferentes definições de eficiência podem ser usadas, dependendo do objetivo de cada
um. A razão pela qual a eficiência é importante é que a água é um recurso finito e
normalmente escasso. Geralmente, a eficiência mede quanto alguém pode fazer com
uma unidade de água. Eficiência econômica mediria então, os benefícios obtidos com
uma unidade de volume de água usada. A eficiência do uso da água mede a quantidade
de água realmente consumida para um uso específico.
Em um nível mais abstrato, eficiência também pode indicar até que ponto o conjunto de
medidas técnicas, legais, institucionais, econômicas e outras, causam o uso eficiente da
água escassa. Por exemplo, certos arranjos legais e institucionais podem aumentar a
disposição das pessoas de investir privativamente em infraestrutura de águas, ou induzí-
los a gastar menos água, ou poluir menos. No final, isso levará a um aumento da
eficiência do uso da água, assim como aumento na eficiência econômica.
Essa definição mais ampla de eficiência requer arranjos de cobrança que garantam a
recuperação de custos dos serviços de água. Isso não só dará o sinal correto para os
usuários de água, a saber, que a água é valiosa e não deve ser desperdiçada, mas
também leva à sustentabilidade de infraestruturas e instituições. A definição mais ampla
de eficiência também requer arranjos legais apropriados que proporcionam aos usuários
segurança suficiente do direito de posse da água, tanto que eles possuam disposição para
investir em infraestruturas relacionadas à água.
88
[Nota: Nós preferimos essa definição mais abrangente a uma interpretação econômica
restrita. Tal interpretação normalmente afirma que o benefício marginal do uso do
recurso deve ser igual entre os setores de usuários; se não, a sociedade se beneficiaria
mais alocando mais água para o setor onde os benefícios fossem maiores (o conhecido
ótimo Pareto). A nosso ver, tal ótimo Pareto parece não existir, já que diferentes usos de
água requerem diferentes níveis de garantia. Veja abaixo]
Trocas
O princípio de eficiência econômica é geralmente traduzido em cobrança apropriada de
serviços de água. Isso pode obviamente prejudicar o princípio de equidade, no qual as
famílias mais pobres podem não ser capazes de comprar tal serviço. O fato de que
àquelas famílias mais pobres é negado o acesso a uma quantidade básica de água pode,
no entanto, ser extremamente caro para a sociedade, em termos de moléstias, má saúde,
etc. Portanto, Sob uma perspectiva social, pode ser extremamente eficiente suprir todas
as residências com uma quantidade de água a um custo muito baixo (subsidiado) e
compensar o déficit financeiro através de subsídios cruzados. Dessa maneira,
combinações ganho-ganho de eficiência e equidade nos sistemas de alocação de água
podem ser alcançadas.
(e) Alocação de água entre setores (Savenije e Van der Zaag, 2002)
Como foi dito anteriormente, alguns tipos de uso de água agregam mais valores que
outros. O caso clássico é o de diferentes valores obtidos nos setores agrícolas e urbanos;
o valor obtido nos setores urbanos é tipicamente uma ordem de magnitude maior que na
89
agricultura (Briscoe, 1996).2 Se a água é geralmente usada no setor agrícola, o custo de
oportunidade, isto é, o valor do melhor uso alternativo, pode ser 10 vezes maior, sujeito
é claro, à "locação e conexões hidráulicas possíveis entre os usuários" (Briscoe, 1996).
Portanto, uma troca para o uso de maior valor é normalmente efetuada.
0.6
0.4
0.2
0.0
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0
reservoir constant (year)
Enquanto o custo de oportunidade de água para uso doméstico pode ser maior, a
disponibilidade do momento é maior do que a demanda, o custo de oportunidade da
água irá cair para o próximo melhor tipo de uso. Só não é possível consumir toda a água
com o uso de maior custo. O custo da oportunidade apropriada para água de irrigação
pode, portanto ser somente metade, ou menos, que a melhor alternativa de uso (Rogers
et al., 1997).
Ainda assim, nós devemos perceber que água de irrigação requer um baixo nível de
garantia de abastecimento que, por exemplo, água para uso urbano e industrial: as
mesmas barragens de armazenamento fornecendo água de irrigação com 80% de
confiabilidade (1 falha a cada 5 anos), produzem muito menos água para abastecimento
urbano fornecendo água com uma confiabilidade de 96% (1 falha a cada 25 anos). A
fig. 5.3 demonstra isso para um sistema fluvial no Zimbabwe com um regime
hidrológico típico de muitos outros rios de ambientes semiáridos. Aqui, a barragem
produzindo um certo fluxo com 80% de confiabilidade só pode prover entre 50 e 65%
daquele fluxo de 96% de confiabilidade, dependendo do nível de regulação do fluxo,
como definido pela constante do reservatório (a razão do volume do reservatório pela
média do escoamento anual)
O custo efetivo de oportunidade da água usada para irrigação deve então, mais uma vez
decrescer. O custo resultante de oportunidade é, portanto, somente uma fração do que
alguns economistas dizem ser.
Figura 5.4 ilustra a variação de abastecimento e demanda num caso imaginário. Ele
mostra que, em demandas gerais, primárias (domésticas) e industriais, com a maior
capacidade e disposição para pagar, requer uma alta confiabilidade de abastecimento, o
que normalmente é alcançado através de relativamente grandes provisões de
2. Entretanto, em economias com muitas indústrias dependentes do setor agrícola, o efeito multiplicador
da produção agrícola é alto, e, portanto o valor agregado pela água pode ser subestimado ao se usar
somente preços à saída da produção agrícola (Rogers, 1998).
90
armazenamento. As demandas ambientais também não são as mais exigentes para o
recurso. Requerimentos de água para a agricultura tendem a ser muito altas, flutuam
demais mas também aceitam uma menor confiabilidade de abastecimento.
agricultural demand
water availability and
reliability of supply
urban & industrial
demand
demand
environmental demand
primary demand
water availability
1
time
O quadro emergente então, é muito claro e elementar: os setores com valores maiores de
usos de água devem ter acesso a ela. Em muitos países esses setores requerem somente
de 20-50% da disponibilidade média de água e essas demandas podem ser facilmente
satisfeitas em qualquer época com exceção dos anos mais secos. Na maioria dos anos
muito mais água estará disponível, e essa água deveria ser usada beneficamente, por
exemplo, para a irrigação. Portanto, não há a necessidade de transferências permanentes
da agricultura para outros setores, exceto nas áreas de bacias mais fortemente
comprometidas do globo. O que é necessário é um contexto legal e institucional que
permita transferências temporárias de água entre áreas agrícolas e urbanas em anos
extremamente secos. Não é necessário nenhum mercado para cuidar dessas situações
excepcionais. Uma simples provisão legal seria suficiente, através da qual irrigantes
seriam forçados a abrir mão da água armazenada em benefício dos centros urbanos em
troca de uma boa compensação pela renúncia dos (todos) benefícios.
(f) Os usos de água de maior valor precisam ter prioridade sobre usos de menor
valor?
Os usos de água de maior valor precisam ter prioridade sobre usos de menor valor? Não
necessariamente. Usos de maior valor (como uso urbano) normalmente têm o potencial
de mobilizar recursos financeiros suficientes para assegurar um abastecimento
confiável. Usos de maior valor, geralmente requerem níveis mais altos de
confiabilidade, o que significa maiores barragens e assim investimentos muito maiores,
comparados com os usos de menor valor (ex. irrigação). Muitas vezes, os usos de maior
valor podem mobilizar mesmo esses investimentos mais altos. Nesses casos, não é
91
necessário dar prioridade aos usos de maior valor sobre os usos inferiores. A óbvia
vantagem econômica para a sociedade de não priorizar vários usos não primários é que,
aqueles setores têm que prover-se por si só, e não irão, a não ser nas secas mais
extremas, se prejudicar mutuamente. Como dito anteriormente, em casos extremos de
secas, transferências entre setores devem ser feitas mediante uma boa compensação.
5.3 Conclusões
Não existe só uma maneira de equilibrar a demanda, com a disponibilidade de água.
Esse equilíbrio é específico por região, país e bacia hidrográfica. É claro também que
esse ato irá envolver um processo de tomada de decisão onde devem ser feitos difíceis
acordos. Outro módulo do curso (análise e planejamento de recursos hídricos) fornece
ferramentas para ajudar nesses processos de decisão. Em todos os casos, o processo de
alocação de água requer um grande entendimento tanto da disponibilidade quanto da
demanda de água.
5.4 Exercícios
5.1 De uma maneira similar, porém mais detalhada que Pallett (ver cap. 2), Lange
(1997) calcule a contribuição e água por setor para a economia da Namibia:
Contribuição econômica de água por setor na Namibia, 1993.
Setor Valor Agregado Uso de água
6 6 3
10 N$/ano 10 m /ano
Agricultura
Agricultura comercial 405 111.4
Agricultura popular 176 34.8
Mineração
Diamantes 609 13.6
Outros 253 8.1
Indústria
Processos de peixes 316 0.7
Outros 340 4.3
Serviços
Hotels/Restaurantes (Turismo) 129 1.1
Transportes 245 0.8
Outros serviços 2,433 3.3
Residências
Rural n.a. 10.0
Urbana n.a. 34.7
Governo n.a. 2.3
5.1a Com base nos dados fornecidos, defina um indicador apropriado para o "valor
agregado" da água.
5.1b Calcule esse indicador para cada setor.
5.1c Compare esses setores. O que se pode observar?
5.1d A Namíbia deve diminuir o uso de água em alguns setores e alocá-la para outros
setores?
5.1e O que seria necessário para efetuar tal relocação?
92
5.5 Referências
Briscoe, J., 1996, Water as an economic good: the idea and what it means in practice. Paper
presented at the World Congress of the International Commission on Irrigation and
Drainage. September, Cairo
Brito, R., 2002, Brochure on Integrated Water Resources Management. Global Water
Partnership - Southern Africa, Harare
DWD, 2000, Water allocation guidelines, draft guidelines. Unpublished paper. Department of
Water Development, Harare
Falkenmark, M., and C. Folke, 2002, The ethics of socio-ecohydrological catchment
management: towards hydrosolidarity. Hydrology and Earth System Sciences 6(1): 1-9
Lange, G., 1997, An approach to sustainable water management using natural resource
accounts: the use of water, the economic value of water, and implications for policy.
Research discussion paper no. 18. Directorate of Environmental Affairs, Ministry of
Environment and Tourism. Windhoek
Pazvakawambwa, G., and P. van der Zaag, 2000, The value of irrigation water in Nyanyadzi
smallholder irrigation scheme, Zimbabwe. Proceedings 1st WARFSA/WaterNet
Symposium 'Sustainable Use of Water Resources'. Maputo, 1-2 November
Rogers, P., 1998, Integrating water resources management with economic and social
development. Paper presented at the Expert Group Meeting on Strategic Approaches to
Freshwater Management on behalf of Department of Economic and Social Affairs,
United Nations. 27-30 January. Harare
Rogers, P. R. Bhatia and A. Huber, 1997. Water as a social and economic good: how to put the
principle into practice. TAC Background Papers No.2. Global Water Partnership,
Stockholm
Rosegrant, M.W., and Gazmuri Schleyer, R., 1996, Establishing tradable water rights:
implementation of the Mexican water law. Irrigation and Drainage Systems 10(3): 263-
279
Savenije, H.H.G., and P. van der Zaag, 2000. Conceptual framework for the management of
shared river basins with special reference to the SADC and EU. Water Policy 2 (1-2): 9-45.
Savenije, H.H.G., and P. van der Zaag, 2002, Water as an economic good and demand
management, paradigms with pitfalls. Water International 27 (1): 98-104
Subedi, S.P., 2003. Resolution of international water disputes: challenges for the 21st century. In:
Permanent Court of Arbitration (ed.), Resolution of international water disputes. Kluwer
Law International, The Hague; pp.33-47.
UN, 1997. Convention on the Law of the Non-Navigational Uses of International Watercourses.
Adopted by the United Nationals General Assembly in resolution 51/229 of 21 May
1997. New York, United Nations.
UNCED, 1992. Rio Declaration on Environment and Development. The final text of agreements
negotiated by Governments at the UN Conference of Environment and Development, 3-
14 June 1992, Rio de Janeiro.
Van der Zaag, P., I.M. Seyam and H.H.G. Savenije, 2002, Towards measurable criteria for the
equitable sharing of international water resources. Water Policy 4: 19-32
Wolf, A.T., 1999. Criteria for equitable allocations: the heart of international water conflict.
Natural Resources Forum 23(1999): 3-30.
Wouters, P., 1997. Present Status of International Water Law. In: International Water Law;
Selected Writings of Professor Charles B. Bourne. Kluwer Law International, London.
WRMS, 1999, Water Resources Management Strategy. Ministry of Rural Resources and Water
Development, Harare
93
Poster para um curso de pós-graduação em prevenção de conflitos e cooperação em recursos
hídricos internacionais, África do Sul.
94
Capítulo 6
As partes à montante, podem enfatizar que eles exercem "soberania absoluta" sobre seu
território enquanto desenvolvem projetos; entidades à jusante podem, ao contrário,
enfatizar a integridade da bacia ao desafiar o crescimento à jusante. A água pode ser,
portanto, a causa de conflitos e muitos autores acentuam esse ponto (muitos artigos de
pesquisa mencionam conflitos de água em seus títulos mais do que a cooperação de
água, ver Gupta e Van der Zaag, 2009).
Mas a água também pode ser causa de cooperação. Bacias hidrográficas são
caracterizadas pela assimetria, que mais adiante complica a questão. A assimetria, ou o
desequilíbrio, entre partes ripárias aparecem simplesmente por que a água tende
naturalmente a fluir numa só direção. Isso implica que os usos de jusante dificilmente
impactam os usuários de montante, se existir, mas os usos de montante realmente
causam impacto à jusante (Figura 6.1).3
3 Usuários à jusante podem afetar usuários à montante também, como interferindo na navegação, ou com
a construção de reservatórios que podem impactar à montante como na migração de peixes e efeitos de
retorno de água que podem se estender para o território de um usuário de montante. No entanto, na
maioria dos casos esses impactos são pequenos se comparados com os impactos que os usuários de
montante provocam nos usuários de jusante (Van der Zaag, 2007). A água também pode fluir em duas
direções, o que ocorre em baixadas na maré, mas também em sistemas fluviais como o lago de Tonlesa
no rio Mekong no Camboja.
95
África Austral (SADC Protocol on Shared Watercourses, vigente desde 2003; ver Van
der Zaag, 2009). A lei das Nações Unidas que pretende lidar com esta questão (a
Convenção sobre as Leis de Usos Não-Navegáveis de Rios Internacionais, adotada pela
Assembléia Geral das Nações Unidas em 1997) não está (ainda) em vigor (ver abaixo).
96
Para se alcançar isso, é necessário combinar aspectos técnicos, institucionais e políticos
(Figura 6.2).
Essa aula primeiro descreve o processo concernente a Convenção das Nações Unidas
sobre Cursos d'Água, enfocando a formulação dos princípios e numa seção seguinte, em
sua aplicação. Numa seção subsequente, introduz-se o conceito de compartilhamento de
benefícios. A seção seguinte forma o centro dessa aula e tenta definir o dilema do
compartilhamento de águas transfronteiriças, que pode ser superado estentendo-se no
âmbito das negociações, tanto em termos de problemas (i.e. associação de temas),
quanto em concepção conjunta de infraestruturas. Este é assunto da próxima seção.
Deve-se dar atenção à importância do envolvimento do público com a gestão de águas
transfronteiriças. A última seção traça algumas conclusões gerais.
97
As Regras de Helsinki desempenharam um importante papel na codificação e no
desenvolvimento progressivo desse ramo de leis internacionais. Os países se referem a
essas diretrizes até hoje. No entanto, não existia apoio suficiente dentro da ONU para
adotar como lei da ONU as Regras de Helsink. Isso porque muitos países com sistemas
de água bem desenvolvidos queriam seus usos de água em vigor, expressamente
garantidos.
No final de 1960s, depois da derrota da Assembléia Geral das Nações Unidas em ter as
Regras de Helsink adotadas como diretrizes das leis internacionais das águas, a ONU
decidiu designar o tópico da ILC (Comissão de Leis Internacionais) para estudos
detalhados. Depois de quase 25 anos de trabalho no tópico, a ILC produziu um
documento que continha 33 artigos delineados (1991, revisto em 1994) e os submeteu
na Assembléia Geral da ONU com a recomendação de ser adotada como uma
convenção básica. Para contrabalancear o princípio da equidade, foi formulada uma
obrigação de não causar danos significantes (Article 7 of the UN Convention).
Estados de montante apoiaram regras que lhes davam controle sobre as águas originadas
em seu território, apelando para o (não existente) princípio de soberania territorial
absoluta. Eles não apoiaram a inclusão de um novo princípio (o dever de não causar
danos significantes) na lei internacional das águas. Note que as Regras de Helsinki
consagraram somente o princípio da equidade.
O fato de que os votos nas regras substanciais contidas nos artigos 5 e 7 foram
praticamente divididos foi significante por si só. Desse resultado deduziu-se que tanto
os países de montante quanto de jusante encontraram pontos fracos e fortes na
formulação final dos Artigos. Isso atestou a relativa paridade do compromisso
finalmente alcançado em respeito às regras substantivas: elas não favoreceram nem os
países de montante nem os de jusante.
98
Quadro 6.2: Artigos 5, 6 e 7 da convenção da ONU.
Artigo 5
Utilização equitativa e razoável e participação
1. Países com cursos d'água deveriam utilizá-los em seus respectivos territórios de uma
maneira equitativa e razoável. Particularmente, um curso de água internacional deveria ser
usado e desenvolvido por países com uma visão para conseguir uma utilização ótima e
sustentável dele e se beneficiar disto, levando em conta os interesses dos países envolvidos,
consistente com proteção adequada do curso d'água.
Artigo 6
Fatores relevantes na utilização equitativa e razoável
2. Na aplicação do artigo 5, parágrafo 1 desse artigo, países com cursos d'água envolvidos
deveriam, quando surgir a necessidade, entrar em conselho com espírito de cooperação.
3. O peso a ser dado para cada fator é determinado por sua importância em comparação
com outros fatores relevantes. Ao se determinar o que é um uso razoável e equitativo, todos
os fatores relevantes devem ser considerados conjuntamente e uma conclusão alcançada
baseada em sua totalidade.
Artigo 7
Obrigação de não causar dano significativo
1. Países banhados por rios devem, ao inutilizar um rio internacional em seu território, tomar
todas as providências cabíveis para prevenir a destruição de outros países banhados pelo rio.
2. Todavia, onde for causado dano significativo em outro país banhado pelo rio, o país
causador do dano deverá, na ausência de acordo sobre tal uso, tomar todas as medidas
apropriadas, tendo devidamente em conta as provisões dos artigos 5 e 6, em conselho com o
país afetado, para eliminar ou mitigar tal dano e, onde for apropriado, discutir a questão de
compensação.
A aplicação prática das regras principais da Convenção é alcançada com o artigo 6 que
lista os fatores que devem ser levados em consideração na decisão de qual é na
realidade o uso equitativo e razoável de um rio internacional.
99
Em maio de 1997 a Assembléia Geral das Nações Unidas finalmente adotou a
Convenção da Lei de Usos Não-Navegáveis de Cursos de Água Internacionais por 103
votos a favor e 3 contra (Turquia, China, Burundi) com 27 abstenções e 33 países
aparentemente ausentes. (Para o texto final ver
http://untreaty.un.org/ilc/texts/instruments/english/conventions/8_3_1997.pdf.) A
Convenção da ONU não está (ainda) em vigor, já que somente 24 países ratificaram ou
concordaram com ela (até abril de 2012), desde que, para entrar em vigor, 35 países
devem ratificar ou concordar com ela (Quadro 6.3).
Burkina Faso, Finlândia, Françe, Alemanha, Grécia, Guinea-Bissau, Hungria, Iraque, Jordânia,
Líbano, Libia, Morrocos, Namibia, Holanda, Nigéria, Noruega, Portugal, Qatar, Africa do Sul,
Espanha, Suécia, Síria, Tunisia e Uzbekistão.
Fonte: http://treaties.un.org/ procurar: Status dos Tratados (MTDSG), Capítulo XXVII Meio
Ambiente.
Enquanto a filosofia por trás do 'uso equitativo e razoável' e as regras de 'não causar
dano' são louváveis e largamente compartilhadas, os problemas aparecem quando os
princípios gerais precisam ser especificados para uma situação em particular. Em geral,
os problemas aparecem quando os países da bacia falham em levar os interesses de
outros países ribeirinhos em consideração. Países à montante da bacia podem enfatizar o
fato de que eles exercem a 'soberania absoluta' sobre seu território ao desenvolverem
projetos, enquanto os países à jusante podem enfatizar integridade territorial ao desafiar
o crescimento à montante. A utilização de recursos hídricos compartilhados, portanto,
requer dos países ribeirinhos o conhecimento do princípio da 'soberania limitada', ou,
redigido positivamente, aceitar o princípio do 'interesse da comunidade'.
Nesse contexto, é importante notar que, enquanto nas regras de Helsinki o conceito
central é 'bacia internacional de drenagem' , a lei delineada pela ILC e pela convenção
da ONU usa o termo 'curso d'água internacional (Quadro 6.4).
A ILC não usa o conceito de 'bacia hidrográfica' como seu objeto porque uma bacia de
drenagem se refere a "área geográfica", implicando que uma lei da ONU sobre água deve se
estender à questões territoriais, o que poderia ser potencialmente muito delicado. Desse modo, a
ILC criou um novo conceito idêntico ao de bacia hidrográfica menos a terra, i.e. se refere
somente à água que ocorre naquela bacia de drenagem. Escolheram então, a palavra curso
dágua.
100
Quadro 6.4: ‘Bacia internacional de drenagem' ou 'curso d'água internacional’?
Helsinki Rules: uma bacia internacional de drenagem é uma ' área geográfica que se
estende sobre dois ou mais países, determinada pelos limites do divisor de águas do
sistema de águas, incluindo águas subterrâneas e superficiais, fluindo para um ponto
comum' (Article II).
Projeto de Lei da ILC e Convenção da ONU: um curso d'água é um „um sistema de águas
subterrâneas e superficiais constituindo, em virtude de suas relações físicas, um
conjunto unitário e normalmente fluindo para um ponto comum'. Um 'curso d'água
internacional' é então, um curso d'água, partes do qual estão situadas em diferentes
países' (Artigo 2).
A definição da Convenção da ONU sobre cursos d'água (sendo "um sistema de águas
superficiais e subterrâneas constituindo em virtude de sua relação física um conjunto único") é
definitiva e se refere ao máximo denominador comum possível para um sistema de águas doces.
Rios tributários de um curso d'água fronteiriço ou internacional são portanto, parte integral
daquele curso d água e recaem sob a lei da ONU.
É importante se notar que recursos subterrâneos renováveis são, parte integral dessa definição.
Somente rios subterrâneos que não estão conectados às águas superficiais não se incluem no
escopo da Convenção da ONU. Isso logicamente implica que águas subterrâneas fósseis,
aquíferos que são recarregados por águas superficiais além da escala humana de tempo, ou seja,
milhares de anos antes do presente, NÃO se incluem nessa Convenção.
Então o conceito de "curso d'água" não só se refere à água fluindo em cursos de água (rios) mas
também inclui água subterrânea conectada à águas superficiais. Isso levanta questões sobre o
status e limites dos "Anteprojetos sobre a Lei de Aquíferos Transfronteiriços", que foram
formulados pela ILC em 2008 e adotados pela Assembléia Geral da ONU em janeiro de 2009
(Quadro 6.5; ver
http://untreaty.un.org/ilc/texts/instruments/english/draft%20articles/8_5_2008.pdf).
101
Quadro 6.5: Anteprojetos de lei de aquíferos transfronteiriços - inconsistências com a
Convenção da ONU sobre Cursos (inspirado pelo Professor Stephen C. McCaffrey’s
apresentação em UNESCO ISARM Conferência, Paris, 8 dezembro 2010; ver também
McCaffrey, 2011; Dellapenne, 2011; ver ponto de vista contrário: Yamada, 2011)
(3) Os anteprojetos deveriam se focar em águas subterrâneas que não são incluídas na
Convenção da ONU, isto é, aquelas águas que não interagem com as águas superficiais,
águas fósseis. Águas fósseis subterrâneas, no entanto, são governadas por leis
existentes que também governam outros recursos naturais fósseis e finitos, como
petróleo e gás.
“Os países têm, de acordo com a Carta das Nações Unidas e os princípios das
leis internacionais, o direito soberano de explorar seus próprios recursos de
acordo com suas próprias políticas ambientais e de desenvolvimento e a
responsabilidade de garantir que as atividades dentro de sua jurisdição ou
controle não causem dano ao meio ambiente de outros países ou de áreas
além dos seus limites de jurisdição nacional." (UNCED, 1992: 9) [italics
added]
Uso equitativo
102
Conveção da ONU sobre Cursos d'água), no entanto, é definido em termos gerais. Para
estabelecer o que é um 'compartilhamento equitativo', a Convenção, no Artigo 6 conduz
os países ribeirinhos a considerar uma grande variedade de aspectos. Entretanto, esses
aspectos são sujeitos às interpretações subjetivas pelos países ripários. 'São necessários
critérios mais claros para se julgar, por exemplo, o que constitui um nível razoável de
uso de água per capita dada à quantidade total de água disponível no sistema fluvial e o
que constitui um aporte justo de água entre nações que compartilham recursos comuns'
(Postel, 1992: 189).
Van der Zaag et al. (2002) tenta definir critérios baseados em quais recursos hídricos
podem ser alocados para os países ripários de uma maneira equilibrada (ver quadro 13
abaixo). Tal critério mensurável pode facilitar as negociações entre os países que
estiverem em conflito sobre o problema. A definição conjunto de tal critério poderia ser
uma atividade central durante as negociações. Um parâmetro chave para estabelecer o
compartilhamento equitativo é o número de pessoas vivendo nas várias regiões da bacia.
Também, não só a disponibilidade da água "azul" (água de escoamento que alimenta
aquíferos e rios) deveria ser considerada, mas também a disponibilidade de água
"verde" (água de chuva que infiltra pela camada superior insaturada do solo e usada
diretamente para a produção de biomassa). Duas importantes variáveis são identificadas
sobre as quais os paises ripários deveriam entrar em consenso:
1. O valor da água verde relativo ao valor da água azul;
2. A fração de água reservada, que é definida como direito básico de cada país
ripário e o que permanece fora das negociações.
Algumas vezes, quando uma das duas nações é mais poderosa, ela pode ganhar o
controle sobre o rio acima da outra margem através de um Tratado. Assim, o Iraque
ganhou o controle sobre o rio Shatt-al-Arab e tem soberania sobre o rio acima da
margem do Irã. Isso foi modificado por um acordo posterior em 1975.
Uma prática comum é definir os limites como a linha média. A linha média é a linha
equidistante de ambas as margens do rio, também correspondente com o centro
geométrico do rio. Isso cria complicações para os propósitos de navegação, já que a
profundidade é uma característica mais relevante que a largura para a navegação. A
outra prática é a linha de talvegue, que é a parte mais profunda do rio ou a linha média
do canal mais profundo. Quando o rio se move por causas naturais, então a regra geral
é, se ele se move repentinamente, os limites permanecem como estão, mas se ele se
move gradualmente, os limites devem seguir a linha de mudança do curso do rio.
103
Usos navegacionais
Com respeito aos usos navegacionais, três princípios foram se cristalizando com o
tempo:
a) O princípio da liberdade de navegação e comércio dos países ribeirinhos
b) A liberdade de comércio, mas não de navegação de países não ribeirinhos.
c) O dever de consultar e acertar todas as questões concernentes à navegação através
de acordos comuns entre os países ripários (Congresso de Vienna, 1815)
Contestação e arbitragem
Somente países podem ser partes em casos diante da Corte Internacional de Justiça e,
um caso somente pode ser submetido se o outro país concordar. A jurisdição da Corte
não é compulsória. Com respeito aos países que chegam diante da Corte, o julgamento é
obrigatório, final e sem apelação. No entanto, não existe nenhum corpo institucional que
possa obrigar as decisões da Corte.
O Artigo 38 do Estatuto da corte diz que a função da Corte é "decidir, de acordo com
leis internacionais, tais disputas como são submetidas a ela". Esse artigo reconhece as
seguintes fontes de leis internacionais:
Convenção internacional, seja geral ou particular, estabelecendo regras
expressamente reconhecidas pelas partes contestantes
Costumes internacionais, como evidência de uma prática geral aceita como lei.
Os princípios gerais das leis reconhecidas por nações civilizadas
104
Decisões judiciais e as lições dos autores mais altamente qualificados de várias
nações, como meios auxiliares para a determinação de regras das leis.
O impasse que havia nas negociações entre Suazilândia, África do Sul e Moçambique
nos acordos de compartilhamento das águas da bacia do Incomati só se resolveram
quando a bacia adjacente do rio Maputo foi incluída nas negociações. Isso se deu
porque o interesse que os três países ribeirinhos tinham nas duas bacias diferia e, até
certo ponto, podiam ser negociados (Van der Zaag e Carmo Vaz, 2003). O segundo
exemplo se refere às negociações entre a Bélgica e a Holanda, onde a questão chave da
Bélgica, dizia respeito à bacia hidrográfica do rio Scheldt (isto é, assegurar acesso ao
porto de Antuérpia por grandes navios através do estuário do Scheldt localizado em
território Holandês) enquanto a maior preocupação dos Holandeses estava relacionada à
bacia do rio Mosa (redução da poluição nas regiões superiores do rio). Somente quando
essas questões foram vinculadas, tornou-se possível uma solução criativa possível:
enquanto a Holanda era "jusante" em relação aos assuntos do Mosa, ela era "montante"
com respeito às questões do Scheldt.
Sadoff and Grey (2002) sugerem que quando os países ripários forem negociar a
utilização razoável e equitativa da bacia hidrográfica transfronteiriça, eles devem se
concentrar não somente na alocação da água, mas também focar no compartilhamento
equitativo dos benefícios derivados pela água. Essa idéia de compartilhamento de
benefícios ao invés de compartilhamento de água se tornou muito usada.
105
Compartilhamento de benefícios é um conceito atrativo. O conceito de
"compartilhamento de benefícios" parece óbvio, racional e uma estratégia preferida
além de censura. Mas também existem algumas limitações, entre elas as seguintes:
1. Compartilhamento de benefícios pressupõe um consenso sobre os direitos básicos,
o que se espera que seja um obstáculo maior no primeiro momento. Uma vez que
os direitos básicos (de água) sejam acordados, todos os tipos de arranjos
compensatórios devem ser negociados. Isso pode resumir-se a transações que são
muito similares ao aluguel (temporário) de água (cf. o teorema de Coase).
2. Uso equitativo de recursos hídricos transfronteiriços não deve se focar somente
nos benefícios, mas também nos custos, já que quase todos os usos de águas ou
desenvolvimento de água são passíveis de causar impactos negativos em algum
lugar.
3. Devido à interconectividade das bacias hidrográficas, o conceito de
compartilhamento deveria englobar todo o curso d'água, incluindo todos os custos
e benefícios e como esses são (diferentemente) distribuídos.
4. Mais ainda, esse conceito parece sugerir que todos os benefícios (e custos) são
quantificáveis (e comensuráveis), o que é uma suposição que não pode ser
mantida. Serão esses usos de água cujos benefícios são difíceis de se quantificar
ou que são indiretamente ou menos tangíveis tratados em pé de igualdade? As
comunidades que vivem fora dos recursos ambientais serão realmente incluídas
em tais arranjos de benefícios compartilhados? Aqueles que pagam os custos
serão compensados? No geral, o compartilhamento de benefícios realmente leva à
equidade social?
No entanto, deve-se realizar que nesses quatro exemplos os arranjos dos custos e
compartilhamento dos benefícios são problemáticos. Isso é porque eles envolvem
somente uma parte desses cursos d'água e alguns países ribeirinhos que não fazem parte
deles. Isso levanta a questão se nesses e em outros casos realmente todos os custos e
benefícios são compartilhados corretamente. Na realidade, na maioria desses exemplos
algumas externalidades negativas têm sido trazidas por partes que não faziam parte dos
arranjos de compartilhamento de benefícios.
106
Quadro 6.6: Um potencial triplo ganho no Nilo Azul através da cooperação
transfronteiriça no desenvolvimento de infrasetruturas (Goor et al., 2010)
A Bacia do Nilo Azul Superior na Etiópia tem um grande potencial de geração de hidroenergia e
agricultura irrigável. Existem controvérsias se os numerosos projetos de construção de
infraestruturas que estão na prancheta irão gerar externalidades positivas ou negativas à
jusante no Sudão e no Egito. Para se examinar os benefícios econômicos e os custos dos
reservatórios em construção no Nilo Azul para a Etiópia, Sudão e Egito, Goor et al. (2010)
desenvolveram um modelo integrado hidro-econômico de uma bacia. O modelo integra
componentes essenciais hidrológicos, econômicos e essenciais da bacia hidrográfica para se
explorar as consequências hidrológicas e econômicas de várias opções políticas e projetos de
infraestrutura. Ao contrário da maioria dos modelos econômicos-hidrológicos reportados na
literatura, foi adotada uma formulação programática estocástica para:
i) Entender o efeito das incertezas hidrológicas nas decisões administrativas,
ii) Determinar as políticas de alocação para resguardar naturalmente contra o risco
hidrológico, e.
iii) Acessar os indicadores relevantes de riscos.
iv)
O estudo revela que a construção de quatro mega barragens no Nilo Azul Superiro mudaria o
ciclo de recarga de rebaixamento da Barragem do Alto Aswan. As operações dos reservatórios
deveriam ser coordenadas, eles deveriam disponibilizar uma reserva média para o Egito de
9 3 -1
pelo menos 2.5 x 10 m a através da redução de perdas por evaporação do Lago Nasser.
Mais ainda, os novos reservatórios (Karadobi, Beko-Abo, Mandaya and Border) na Etiópia
teriam impactos positivos significantes na geração de hidroenergia e na irrigação na Etiópia e
-1
Sudão: na escala básica, a geração anual de energia aumentaria em 38.5 TWh a dos quais
-1
14.2 TWh a previstos para armazenagem. Mais ainda, a capacidade de regulação dos
reservatórios mencionados acima possibilitaria um aumento da área irrigada no Sudão de
5.5%.
Fluxos de sedimentos apresentam outra importante dimensão nesses planos de
desenvolvimento, que não foram considerados nesse estudo.
Essa questão, que parece se referir aos (mal definidos) conceitos de "hidrosolidariedade"
(Falkenmark and Lundqvist, 1999; Falkenmark and Folke, 2002), somente pode ser respondida
afirmativamente se existirem dependências por parte dos países de montante em relação aos
países de jusante.
Se em tais situações, os usuários de água reconhecessem que eles dependem uns dos outros, não
só em termos de água como também de outras maneiras, e não somente agora, mas também no
futuro, pode ser racional para que eles cooperem e renunciem a alguns benefícios imediatos.
Essa pode ser considerada uma forma de racionalidade de água, como sugerido por Alam
107
(1998).
Em tal contexto, seria insensato e uma atitude de pouca visão para um país ripário se concentrar
em ganhos de curto prazo que possam deteriorar as relações bilaterais e, portanto, a longo prazo
resultaria em alto custo. É somente em situações na quais países não podem se permitir a adotar
perspectivas de longo prazo, que a opção por benefícios imediatos é compreensível. Em tais
casos, a estratégia poderia ser "seduzir" os países pobres para cooperar. Mas essa estratégia só
funcionaria se num período razoável de tempo eles estariam aptos a adotar uma estratégia de
cooperação por conta própria.
Dentro das bacias hidrográficas, podem existir grandes diferenças (de poder) entre atores.
Frequentemente se sugere que homogeneidade facilita ações coletivas (ver ex Turton and
Henwood, 2002). Curiosamente, Baland and Platteau (1999), mostraram que a cooperação pode
prevalecer mesmo em casos de grandes diferenças de poder, ou talvez mesmo por causa dessas
diferenças. Aqueles que possuem um grande risco também têm um grande interesse no bem
comum e no seu uso correto. Mais ainda, mesmo atores poderosos dependem de seus vizinhos
menos poderosos.
O reconhecimento por parte daqueles que está em posição mais vantajosa de sua dependência na
cooperação com aqueles em posição menos vantajosa encontra manifestação na disposição do
anteriror de renunciar a benefícios imediatos e de curto prazo; e isso por sua vez, pode causar a
disposição do último em se comprometer. Essa dinâmica delicada pode levar as instituições de
água de longa duração. Essa dinâmica talvez possa explicar os efetivos arranjos locais de
compartilhamento de água desenvolvidos nas Áfricas Oriental e Austral (Fleuret, 1985; Grove,
1993; Adams et al. 1994; Potkanski and Adams, 1998; Van der Zaag, 1999; Mohamed-Katerere
and Van der Zaag, 2003) e em outros lugares (e.g. Martin and Yoder, 1988; Boelens and Davila,
1998).
Podemos agora lançar a hipótese de que a promoção consciente de vínculos entre países
ribeirinhos pode facilitar e sustentar o compartilhamento de água. Isso pode ser alcançado de
várias maneiras, incluindo:
- Relação com a água (ex.gestão e construção de infraestruturas conjuntas);
- Além da água (ex. através do comércio, transporte, vínculos culturais, colaboração
científica).
108
Quadro 6.7: Coexistência de conflitos e de cooperação
Muitos trabalhos em águas transfronteiriças situam conflitos de água e cooperação em
lados opostos de uma série contínua. Examinando-se uma situação de água
transfronteiriça por essa perspectiva é inútil, já que ela nega uma frequente
coexistência entre cooperação e conflito e que as relações transfronteiriças evoluem
com o tempo, com o qual os níveis de conflito e cooperação mudam ao longo do
tempo. Nas palavras de Mirumachi e Allan (2007), “relações dinâmicas
transfronteiriças são caracterizadas por intensidades variáveis de coexistência de
conflitos e cooperação. Uma vez que essa coexistência seja reconhecida, é possível
escapar da suposição errônea de que as relações de águas transfronteiriças existem num
simples eixo de conflitos indesejáveis à cooperações desejáveis". A última suposição
leva inevitavelmente à conjectura de que qualquer conflito é "ruim" e que todas as
formas de cooperação são "boas (Zeitoun and Mirumachi, 2008).
Non-
Conflict politicised
intensity
Politicised
Securitised/
Opportunitised
High
Violised
Compartilhamento de água pode ser bem sucedido e mantido ao longo do tempo no caso da
existência de múltiplas dependências entre países ribeirinhos. Em tais situações ganhos de curto
prazo, aumentados pelo comportamento egoísta, podem provar serem autodestrutivos no final.
Isso pode explicar porque, a despeito da frequente retórica das guerras sobre água, acordos de
cooperação ocorrem muito mais frequentemente que o esperado.
Interdependências entre ribeirinhos podem, portanto, serem vistas não como uma fraqueza, mas
como um ponto positivo. Oportunidades potenciais são oferecidas através da criação de acordos
criativos,. Interdependências podem ser (a) ativamente reconhecidas ao se trazê-las para a mesa
de negociações, através, por exemplo, da ligação de temas (ver abaixo) e (b) ativamente
promovidas por meios de construção compartilhada de infraestruturas (veja próxima seção), ou
através da institucionalização de vínculos montante-jusante, por exemplo, na forma de
pagamentos por acordos de serviços ambientais. A questão é se os engenheiros e gestores de
água estão suficientemente equipados para identificar tais oportunidades.
Associação de temas
109
negociações, o que está ocorrendo de fato é a procura por outras interdependências que existam
entre os ribeirinhos e que contrabalanceiam e compensem a relação essencialmente unilateral
montante-jusante (Van der Zaag, 2007. Uma associação de temas pode ser entendida como uma
troca de concessões em campos de poderes relativos (Dombrowsky2010). Dois exemplos são
mencionados resumidamente para ilustrar esse ponto.
O impasse que havia nas negociações entre Suazilândia, África do Sul e Moçambique nos
acordos de compartilhamento das águas da bacia do Incomati só se resolveram quando a bacia
adjacente do rio Maputo foi incluída nas negociações. Isso se deu porque o interesse que os três
países ribeirinhos tinham nas duas bacias diferia e, até certo ponto, podiam ser negociados (Van
der Zaag e Carmo Vaz, 2003).
O segundo exemplo se refere às negociações entre a Bélgica e a Holanda, onde a questão chave
da Bélgica diz respeito à bacia hidrográfica do rio Scheldt (isto é, assegurar acesso ao porto de
Antuérpia por grandes navios através do estuário do Scheldt localizado em território Holandês).
Enquanto a maior preocupação dos Holandeses estava relacionada à bacia do rio Mosa (redução
da poluição nas regiões superiores do rio). Somente quando essas questões foram vinculadas,
tornou-se possível uma solução criativa possível: enquanto a Holanda era "jusante" em relação
aos assuntos do Mosa, ela era "montante" com respeito às questões do Scheldt (Meijerink,
2008). Apesar disso, a cooperação entre os Belgas e os Holandeses no Scheldt continuou
extremamente problemática e ainda é controversa. Isso significa que, mesmo a estratégia de
associação de temas tem suas limitações e deve ser examinada com um olhar crítico.
110
ambientais) envolvidos e como esses serão distribuídos entre as várias partes
participantes. Isso requer não somente um bom entendimento do sistema hidrológico e
quais serão os impactos biofísicos da intervenção proposta, mas também das
consequências sócio-econômicas.
Note também que algumas regras podem ser sobrepor. O desafio é desenvolver um
conjunto coerente de regras que reflitam as preferências de uma sociedade para as
diferentes funções do reservatório e a importância dos vários setores envolvidos. Isso
implica inevitavelmente numa avaliação criteriosa dessas funções e suas preferências.
111
Essas preferências podem, às vezes, serem expressas em termos de valores econômicos.
Algumas vezes isso não é possível, ou não é conveniente: certas funções podem ter uma
prioridade tão alta que elas prevalecem sobre as outras. Em tais casos as regras
relevantes servem de restrição.
Pode-se tirar as seguintes lições à partir das seções anteriores com respeito à gestão de
rios transfronteiriços:
112
1. A gestão integrada de recursos hídricos compartilhados requer causas e
oportunidades. Causas podem vir em forma de inundações, riscos de poluição, ou
escassez aguda de água. Em bacias hidrográficas onde essas causas estiverem
ausentes é difícil de se estabelecer alguma forma de gestão conjunta. Mais ainda,
mudanças políticas, ou a dissipação de tensões internacionais (ex. a extinção do
Apartheid e a 'Queda do Muro de Berlim') oferecem excelentes oportunidades para
se abrir uma brecha num impasse e estabelecer acordos conjuntos de gestão.
3. O campo de atuação deve ser nivelado, significando que todos os países devem
possuir capacidades adequadas para analisar e desenvolver sua posição nas
negociações. Pessoal dos países ribeirinhos deve ter o mesmo nível de conhecimento
e falar a mesma "linguagem técnica". Esforços conjuntos de capacitação técnica
podem ser instrumentos para se facilitar a comunicação e cooperação.
“Desde que as guerras começaram na cabeça dos homens, é na cabeça dos homens que a
defesa pela paz deve ser construída”
( Constituição da UNESCO, Novembro 1945)
113
conflitos reais. Ela enfoca o desenvolvimento de ferramentas para a previsão, prevenção e
resolução dos conflitos de água.
PCCP foi concebido com a idéia de que, apesar do compartilhamento de recursos hídricos ser
uma fonte de conflitos, sua gestão conjunta pode fortalecer e facilitar como um meio de
cooperação entre os vários usuários de água. Portanto, PCCP visa demonstrar que a situação
de indiscutível potencial para conflitos pode ser transformada em uma situação onde a
cooperação potencial pode existir. A temática do PCCP enfoca na transição - de PC para CP.
Estudos temáticos
História e Futuro dos Recursos Hídricos compartilhados
Instituições para Gestão de Água Doce Internacional
Transformando Potenciais Conflitos em Cooperação Potencial: o Papel das Leis
Internacionais das Águas
Relatório sobre os melhores Métodos de Análise de Sistemas para a Resolução de
Conflitos na Gestão de Recursos Hídricos
Abordagens Alternativas para a Resolução de Disputas e sua Aplicação
Negociação no Contexto de Acordos Internacionais relacionados à Água
Etc.
Estudos de casos
Mar Aral; Columbia; Incomati; Jordan; Mekong; Nile; Rhine; the Trifinio Plan; Jordan;
Okavango; La Plata; Volga
114
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