28/12/2017 - 05:00
"Estamos adaptando soluções que já desenvolvemos no setor automobilístico para outras áreas de negócio. É um processo
mundial de transformação frente ao que está acontecendo", afirma o executivo, um engenheiro pernambucano à frente da
presidência latino-americana desde 2011. "Aqui, o campo ainda é de baixa tecnologia e com alta exposição ao exterior. O
desafio de alimentar mais pessoas até 2050 é, por si só, uma atratividade", diz.
Se internamente a orientação de reposicionamento da Bosch parece assimilada, os sinais de mudança são também visíveis
para quem visita a sede da companhia no Brasil, em Campinas (SP). Já na entrada do prédio da presidência, uma maquete
representando o sistema de criação de bovinos sinaliza algo de novo para quem há mais de um século se orgulha de ser
uma "empresa de engenheiros". Os bois são o marco de estreia da Bosch no agronegócio.
O pé foi fincado na terra com o lançamento, em julho, da primeira plataforma de pecuária de precisão, um sistema de
pesagem e transmissão de dados que permite conhecer a performance do animal confinado ou no pasto sem a necessidade
de levá-lo ao curral. Quatro fazendas já adotaram a tecnologia, o que implica o monitoramento de 160 mil a 200 mil bois.
Além da plataforma, já considerada uma unidade de negócios, a Bosch mantém em seu Centro de Desenvolvimento em
Inovação seis startups dedicadas ao agronegócio. Sem revelar detalhes por questões concorrenciais, Botelho enumera as
linhas gerais de atuação: tecnologias de precisão de plantio de sementes, combate a pragas, conexão de dados e
compartilhamento de máquinas.
A expectativa é que as tecnologias criadas para as novas áreas gerem à subsidiária latino-americana R$ 100 milhões até
2021. Pouco, diante do faturamento de R$ 7,8 bilhões na região em 2016 (R$ 5,7 bilhões só no Brasil), mas ainda assim
uma meta dura, diz Botelho, diante dos riscos inerentes a startups.
À primeira vista, o que ele fala não parece novo. Todas as grandes indústrias agroquímicas globais trabalham - e há mais
tempo - nas mesmas linhas de pesquisa.
O que a Bosch vê, no entanto, são "combinações de padrões". Tecnologias exclusivas, criadas para veículos, são estudadas
agora para outras funções. Em outras palavras, não é inventar a roda, mas aplicá-la em novo contexto. "Muitas vezes a
inovação nada mais é que a combinação de padrões existentes, que cria soluções sistêmicas inovadoras", explica o
executivo.
E de que forma a Bosch poderia contribuir para ajudar o agronegócio? "Há sensores da Bosch específicos para filtrar o CO2
do escapamento do carro", diz Naldo Dantas, especialista em Novos Negócios, dando pistas. Esses sensores poderiam, por
exemplo, ser adaptados para captar a emissão de gases da soja armazenada em silos.
Na Austrália, o projeto de sensoriamento e comunicação remota no cultivo de ostras poderia ser aplicado eventualmente
em grãos. Tecnologias para horticultura, já testadas no Japão, poderiam também beneficiar o setor no Brasil.
Combinar padrões é o caminho natural diante do arcabouço tecnológico desenvolvido ao longo de sua história. A cada dia,
22 novas patentes são registradas globalmente pela empresa. A Bosch é a maior desenvolvedora de sensores MEMS
(sistemas microeletromecânicos), utilizados em celulares e tablets para o reconhecimento de localização no espaço.
Também são responsáveis pela rotação da tela desses aparelhos - quando você vira o dispositivo, a imagem vira junto.
Hoje, três em quatro celulares no mundo têm esse sensor.
A diversificação foi a forma que a empresa encontrou para garantir espaço no mercado global. Novos hábitos de transporte,
a ascensão do uso do carro elétrico e regras de emissões de poluentes cada vez mais rígidas - como na Alemanha, berço da
Bosch, que planeja tirar os carros a combustão das ruas - forçam gigantes do setor de autopeças a encontrar novas opções.
Se antes a pesquisa era centrada em mobilidade, bens de consumo, tecnologia industrial, energia e tecnologia predial,
agora os interesses são bem mais amplos. Mundialmente, 45 startups estão abrigadas na Bosch para pensar além do "core
business" - 12 já receberam o aval do board mundial e estão no programa de aceleração em parceria com a Universidade de
Berkeley. Dessas 12, quatro estão focadas em soluções para o agronegócio, todas no Brasil.
A prospecção teve início há cinco anos, por determinação da matriz. O alvo foram seus três maiores mercados em
desenvolvimento: Brasil, China e Índia. As subsidiárias deveriam fazer "qualquer coisa que a Bosch ainda não fizesse".
Cada país se voltou para dentro e buscou sua vocação. A China perseguiu tecnologias disruptivas para combater a poluição
do ar. Na Índia, os esforços foram para a área da saúde, sobretudo na prevenção de doenças oculares. Com orçamento
inicial extra de € 5 milhões ao ano, o Brasil criou seu "NBT", sigla para New Business Team. O novo time mergulhou em
estudos brasileiros, mapeando deficiências, especificidades, oportunidades. O agronegócio foi eleito como vocação óbvia -
mas há outras áreas de interesse, diz Botelho, como segurança, saúde e educação.
"No Chile, estamos atuando em busca de tecnologias para mineração. Na Argentina, vemos potencial para o agro também",
diz ele.
O projeto bovino veio quase que de imediato: um funcionário, de família pecuarista, trouxe a "dor" da pesagem do animal.
"Fiquei perplexo com a quantidade de bois no Brasil - 210 milhões de cabeças. Pensei: como tiro US$ 1 de cada boi?", diz
Botelho, referindo-se ao potencial de negócio à mesa.
A Bosch tem pressa por resultados e espera que três dessas startups instaladas no Brasil se tornem comercialmente viáveis
até 2020. As outras três são de "alta densidade de inteligência" - o retorno irá demorar mais.
A pressa está ainda em um outro detalhe na Bosch: todas as startups estão ligadas à presidência. "Não posso colocar
startups na estrutura da empresa - imagina uma autorização de compra, quanto tempo levaria no processo tradicional?
Não dá. A rapidez é a única forma de grandes corporações terem sucesso nisso".