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Sequência  4.

Rimas de Camões Outros materiais · Textos informativos complementares 1

  Manual · p. 234

Os retratos femininos na poesia de Camões


Os retratos femininos, na poesia de Camões, são dotados de uma forte incidência visiva1 […].
Em Camões […] a visualidade desempenha um papel primário no seu universo poético, desde
logo enquanto modalidade de mediação privilegiada da sua constituição.
É digno de nota o número de motes e glosas que focaliza o tema dos olhos e do olhar ou que,
5 apesar de não o tratar diretamente, é desenvolvido por essa via.
O deleite posto na contemplação da figura feminina pode corresponder, em algumas circuns-
tâncias, ao presente da escrita. Contudo, o seu retrato resulta, frequentemente, da evocação de
um tempo ou de um espaço distanciados que tem por cambiantes temáticas o desejo de contem-
plar a amada, o protelamento2 desse desejo, o receio de não a ver, a interdição, a punição, a insu-
10 ficiência da palavra para contar o que vê, e assim sucessivamente. Corresponde-lhes o uso re-
corrente de verbos como ver, contemplar ou espreitar. […]
No que diz respeito à seleção, combinação e organização dos atributos que compõem os re-
tratos, são dois os modelos normativos a considerar, o cânone longo, fixado na Idade Média, e o
cânone breve, padronizado por Petrarca e depois modelizado, segundo vias diversificadas, pelos
15 poetas petrarquistas. De acordo com a effictio3, a enumeração das partes do corpo deve ser feita
por ordem descendente, a partir dos elementos superiores, que são os mais nobres, visto esta-
rem mais perto do plano divino. No primeiro caso, o retrato estende-se para lá do busto. As par-
tes anatómicas superiores são referidas através de um repertório de metáforas e imagens que
têm por motivações a cor e a luminosidade, ao passo que os elementos inferiores são designados
20 diretamente. No segundo caso, Petrarca reduz os componentes do retrato, estruturando-os atra-
vés de um sistema de correspondências fixas. A seleção incide sobre algumas partes da cabeça
(geralmente cabelos, olhos, faces, boca), ao que se poderá acrescentar uma outra parte do corpo,
entre pescoço, seio ou mão, mas excluindo nariz, orelhas, queixo e a anatomia abaixo do busto.
Para cada uma dessas partes, são instituídas metáforas naturais bem definidas, com redução
25 das motivações cromáticas a branco, amarelo e vermelho, salvo raras exceções. […]
Nos retratos femininos, Camões atém-se ao padrão figurativo petrarquista, mas não exclusi-
vamente, seguindo a ordem da effictio em termos muito aproximativos, e sem adotar, geralmente,
um sistema de correspondências fixas. Nas ocasiões em que mais de perto observa o cânone
breve, no que diz respeito à seleção, combinação e organização dos elementos do retrato, daí
30 resultam quadros de grande harmonia […].
Desenvolve-se noutra direção a tendência que leva Camões a incluir nos seus retratos ele-
mentos não contemplados ou mesmo banidos pelo cânone. É esse o caso do nariz, que tanto
Petrarca como os petrarquistas excluíram do elenco das belezas femininas, mas é diretamente
nomeado na canção Se este meu pensamento. […]
35 A nitidez de algumas das mais pitorescas figuras da sua poesia em redondilha resulta da
enumeração de detalhes bastante pormenorizados. A atitude corporal, as notações cromáticas e
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a especificidade dos objetos associados à Leanor que “descalça vai para a fonte” são desenhos de
pormenor extremamente trabalhados. À tradição literária e antropológica peninsular para a qual
remetem vestuário e adereços desta figura, associam-se as imagens petrarquistas de dois excel-
40 sos4 metais preciosos, o ouro e a prata. A combinação de elementos do cânone breve e do cânone
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longo, de fontes peninsulares, petrarquistas e ovidianas5, de interioridade e exterioridade, de

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representação em planimetria6 e a três dimensões tem por elemento resolutivo a aproximação de

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um primeiro plano que ganha destaque. Na verdade, o impacto visual da composição em muito
contribuiu para a sua eleição como modelo depois imitado por outros poetas.
45 Quanto ao leque cromático, além das três cores de escolha petrarquiana, Camões usa outras,
com relevo para o verde, na série de redondilhas dedicadas aos olhos verdes e também em algu-
mas composições escritas em medida nova. Petrarca não se deteve sobre a cor dos olhos de
Laura, que caracterizou, primordialmente, pela luminosidade, mas quando a referiu disse-os
pretos. Por isso, a atitude de um número restrito de poetas petrarquistas que coloriu os olhos da
50 amada de azul foi sentida como ousada. Mas Camões vai mais além, ao pintá-los com o verde da
sua paleta. O tema dos olhos verdes encontra precedentes na poesia medieval peninsular de
matéria amorosa e de maldizer. Nas redondilhas aos olhos verdes, a tradição séria mistura-se
com a tradição jocosa, num jogo de dualidades entre méritos e deméritos desse e de outros atri-
butos femininos, centrado sobre jogos conceptuais entre o cromatismo de verdes e a própria vi-
55 sualidade inerente à forma verbal verdes. Mas, além disso, responde a uma necessidade de pon-
deração estética em torno das fronteiras que separam o belo do feio.
Essa atitude perante uma visualidade não canónica tanto pode levar, pois, ao tratamento do
tema da fealdade7, como à remissão de um protótipo8 de beleza não canónica, o da mulher mo-
rena ou preta […]. Quando associa o mau semblante à maldade de “ũa dama/das feias do mundo”,
60 Camões acompanha um campo de saber em franco desenvolvimento no século XVI, a arte da fi-
sionomia. Por sua vez, ao superlativizar a pretidão da Bárbora escrava, relativamente a um pa-
drão literário e antropológico de incidência secular, o petrarquista é pioneiro na valorização de
um tipo de retrato feminino que só mais tarde viria a ganhar foros noutras literaturas. Aliás, a
derrogação9 desse cânone coincide com um dos mais acabados momentos de felicidade amorosa
65 que se oferecem ao lirismo camoniano, num equilíbrio de matriz neoplatónica entre prazeres do
corpo e do espírito.
MARNOTO, Rita, 2011. “Retratos femininos na poesia de Camões”.
In SILVA, Vítor Aguiar (Coord.), 2011. Dicionário de Luís de Camões. Alfragide: Caminho (pp. 851-854)

1. visual;
2. adiamento;
3. descrição;
4. sublimes;
5. relativas a Ovídio, poeta romano do século I a. C.;
6. disposição num só plano;
7. feiura (antónimo de beleza);
8. modelo, padrão;
9. abolição.
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