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AÇÃO RENOVATÓRIA DE ALUGUEL E DIREITO

INTERTEMPORAL - DIFERENÇA ENTRE NORMAS DE


DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL ACERCA DE SUA
APLICAÇÃO NO TEMPO

AÇÃO RENOVATÓRIA DE ALUGUEL E DIREITO INTERTEMPORAL -


DIFERENÇA ENTRE NORMAS DE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL
ACERCA DE SUA APLICAÇÃO NO TEMPO
Soluções Práticas de Direito - Nelson Nery Junior | vol. 8/2014 | p. 171 - 191 | Set /
2014
DTR\2014\17433

Nelson Nery Jr.


Professor Titular das Faculdades de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP) e Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP).
Advogado e Consultor Jurídico Sócio Fundador do Nery Advogados.

Área do Direito: Fundamentos do Direito


Resumo: Ação renovatória de contrato de locação. Direito intertemporal. A LI 74
consagra norma de direito material na medida em que assegura verdadeiro direito
subjetivo ao locatário. LI 74. Direito subjetivo adquirido do locatário. Direito de
desocupação voluntária do imóvel pelo locatário dentro do prazo de seis meses a partir
do trânsito em julgado. Nova redação da LI 74 promovida pela L 12112/2009 não pode
ser aplicada retroativamente.

Palavras-chave: Inquilinato - Lei de locação - Ação renovatória - Contrato de aluguel -


Desocupação voluntária do imóvel - Normas de direito de material - Normas de direito
processual - Direito intertemporal - Retroatividade - Direito subjetivo - Direito adquirido.
Sumário:

1.Consulta - 2.Os fatos - 3.Distinção entre normas de direito processual e de direito


material. As normas de direito processual são destinadas ao Estado e sua função
consiste em regulamentar a estrutura, atos e efeitos da jurisdição e principalmente o
procedimento civil. As normas de direito material têm como destinatários os particulares
e seu escopo consiste em conferir e assegurar-lhes direitos subjetivos. As normas de
direito material não podem ser aplicadas retroativamente. Já as normas de direito
processual podem ser aplicadas imediatamente. LI 74. Natureza de norma de direito
material. Regra legal que assegura direito subjetivo ao locatário. Prazo razoável de seis
meses para desocupação de imóvel - 4.Conclusão: resposta ao quesito

1. Consulta

Comercial de Alimentos Carrefour S.A. – (doravante denominada simplesmente


“Carrefour” ou “consulente”), por intermédio de seu ilustre advogado, o Dr. Eduardo
Arruda Alvim, honra-nos com a presente consulta, na qual nos indaga sobre o prazo para
o exercício do direito de desocupação voluntária do locatário no bojo de ação renovatória
de contrato de locação que a consulente move em face de Verparinvest S.A., Processo
583.00.2006.165798-4, em trâmite perante a 22.ª Vara Cível do Foro Central da
Comarca da Capital de São Paulo.

A presente consulta versa, assim, essencialmente, sobre o prazo para o exercício do


direito de desocupação voluntária do locatário na ação renovatória de contrato de
locação em tela, tendo em vista a nova redação conferida ao art. 74 da Lei de Locação,
pela L 12112/2009.

Nesse contexto, a consulta nos é apresentada com o seguinte quesito, que será
respondido ao final deste Parecer:

1. Considerando-se que a ação renovatória de locação promovida pela consulente, assim


como a sentença de primeiro grau e o acórdão proferido pelo TJSP são anteriores ao
início de vigência da L 12112/2009, que alterou a redação do art. 74 da L 8245/1991,
indaga-se se foi suprimido o direito de a consulente promover a desocupação voluntária
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do imóvel, em caso de não renovação da locação, conforme estabelecia a redação


anterior da LI 74.

Assim sendo, passamos à análise do caso, conforme o escopo da consulta.


2. Os fatos

Comercial de Alimentos Carrefour S.A. moveu, em 20.06.2006, ação renovatória de


contrato de locação em face de Verparinvest S.A. Na petição inicial alega a consulente
que vinha explorando por mais de três anos ininterruptos o mesmo negócio, razão pela
qual sustentou lhe assistiria o direito de buscar a renovação do contrato de locação
firmado entre as partes, em cumprimento ao art. 51, I, II e III, da Lei de Inquilinato. Ao
final requereu a procedência da ação renovatória para o fim de se renovar, por mais dez
anos o contrato de locação em apreço.

Informa-nos a consulente que a ré, em contestação, alega pretender a retomada do


imóvel para transformá-lo numa instituição de ensino, aduzindo que a nova destinação
valorizará expressivamente o imóvel e a região a ele adjacente, bem como incrementará
e potencializará substancialmente a renda obtida com a propriedade.

Também conforme relata a consulente, há informação nos autos da ação renovatória de


que o projeto de transformação do imóvel já foi aprovado na Prefeitura de São Paulo,
sustentando o proprietário que tal medida proporcionará melhor uso da propriedade para
o locador e para a sociedade.

Diz a consulente que a ré, com base em tais fatos, alega não estaria obrigada a renovar
o contrato de locação com a autora, nos termos da LI 52 I, 72 IV e § 3.º.

Por conta disso, a consulente nos dá conta de que a ré requereu a improcedência total
da ação e a retomada do imóvel no menor prazo possível, nos termos da LI 74.

Analisando a demanda e por entender tratar-se de matéria unicamente de direito, o MM.


Juízo da 22.ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital de São Paulo julgou
antecipadamente a lide, em 23.10.2006. Nesse passo, informa-nos a consulente que a
sentença proferida julgou improcedente a ação renovatória e, consequentemente,
deferiu o pedido de retomada formulado pela ré.

Sobreveio aos autos a apelação da consulente e as contrarrazões de apelação da


Verparinvest S.A.

Mais adiante, em 15.12.2008, a apelação da consulente foi julgada pela 30.ª Câm. de
Direito Privado do TJSP, a qual houve por bem negar provimento ao recurso e manter
incólume a sentença de primeiro grau.

Ato contínuo, à vista do acórdão proferido no julgamento da apelação, a consulente


interpôs recurso especial e extraordinário. Segundo nos informa a consulente, referidos
recursos ainda pendem de julgamento pelas Cortes Superiores.

Nesse ínterim, em 09.12.2009, veio a lume a Lei 12.112/2009, que alterou, entre outros
dispositivos, o art. 74 da Lei de Locações. Com efeito, a redação do art. 74 da Lei de
Locações dada pela L 12112/2009 é: “Não sendo renovada a locação, o juiz determinará
a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a
desocupação voluntária, se houver pedido na contestação”, enquanto que a antiga
redação do mesmo artigo era: “Não sendo renovada a locação, o juiz fixará o prazo de
até 6 (seis) meses após o trânsito em julgado da sentença para a desocupação, se
houver pedido na contestação”.

À vista da publicação da L 12112/2009, informa-nos a consulente que a proprietária do


imóvel formulação requerimento ao MM. Juízo 22.ª Vara Cível do Foro Central da
Comarca da Capital de São Paulo expondo ter solicitado em contestação a retomada do
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imóvel no menor prazo possível e reiterando a retomada do bem.

Conforme relata a consulente, naquela oportunidade, a proprietária do imóvel locado,


fazendo referência ao fato de que os recursos especial e extraordinário não são dotados
de efeito suspensivo e ao decreto de improcedência da ação renovatória, sustentou que
a alteração dada pela L 12112/2009 ao art. 74 da Lei de Locação aplicar-se-ia
imediatamente ao caso em apreço, ao argumento de que tal dispositivo, a seus olhos,
encerraria norma de direito processual.

Com tais alegações, a proprietário do imóvel locado requereu a expedição de mandado


de despejo contra a consulente para a desocupação do imóvel em 30 (trinta) dias.

Informa-nos a consulente que o MM. Juízo da 22.ª Vara Cível do Foro Central da
Comarca da Capital de São Paulo deferiu o referido pedido da locadora, determinando a
expedição do mandado para a desocupação voluntária em trinta dias.

Contra essa decisão, a consulente opôs embargos de declaração, pedindo fosse sanada
omissão consistente na ausência de pronunciamento judicial, na decisão embargada,
sobre ser a norma inserta no art. 74 da Lei de Locação seria norma de direito processual
ou de direito material. Conforme nos relata a consulente, os declaratórios visavam à
elucidação de ponto omisso de alta relevância, porquanto a consequência lógica de
entender o magistrado que a LI 74 conteria norma que regula direito material, seria o
reconhecimento de direito adquirido da consulente de promover a desocupação
voluntária do imóvel dentro do prazo de seis meses a contar do trânsito em julgado da
sentença da ação renovatória.

Sobreveio, então, decisão em que o MM. Juízo da 22.ª Vara Cível do Foro Central da
Comarca da Capital de São Paulo pronunciou-se sobre a questão omissa, fazendo no
sentido de entender que a LI 74 encerraria norma de natureza processual. Por tal
motivo, o magistrado manteve sua decisão anterior que havia deferido o pedido da
locadora e determinado a expedição do mandado para a desocupação voluntária em
trinta dias.

À vista dessa decisão, a consulente interpôs agravo de instrumento, recurso que,


conforme nos informa, aguarda julgamento pela 30.ª Câm. de Direito Privado do TJSP.

Informa-nos, por fim, a consulente, que foi conferido efeito suspensivo ao seu agravo de
instrumento, acima referido, obstando a expedição do mandado de despejo, estando o
referido recurso na iminência de ser julgado pelo E. TJSP.

Postos, assim, os fatos, passamos à análise dos aspectos jurídicos que conformam o
caso, atentando, de acordo com o escopo da consulta formulada, à análise do prazo para
o exercício do direito de desocupação voluntária do locatário na ação renovatória de
contrato de locação em tela, tendo em vista a mudança do art. 74 da Lei de Locação,
pela L 12112/2009.

Para tanto, o ponto de partida é elucidar a natureza jurídica da norma prevista na LI 74.
Posta essa premissa, pode-se concluir sobre a aplicação imediata da alteração legislativa
promovida pela L 12112/09 e em especial sobre o contrato de locação firmado pela ora
consulente.

É o que passamos a expor no tópico seguinte.


3. Distinção entre normas de direito processual e de direito material. As normas de
direito processual são destinadas ao Estado e sua função consiste em regulamentar a
estrutura, atos e efeitos da jurisdição e principalmente o procedimento civil. As normas
de direito material têm como destinatários os particulares e seu escopo consiste em
conferir e assegurar-lhes direitos subjetivos. As normas de direito material não podem
ser aplicadas retroativamente. Já as normas de direito processual podem ser aplicadas
imediatamente. LI 74. Natureza de norma de direito material. Regra legal que assegura
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direito subjetivo ao locatário. Prazo razoável de seis meses para desocupação de imóvel

A questão jurídica central a ser examinada no presente parecer diz respeito à natureza
jurídica e à eficácia no tempo da norma contida no art. 74 da Lei de Locações,
especialmente à vista da edição da L 12112/2009 que, entre outros dispositivos, alterou
sua redação.

A redação do art. 74 da Lei de Locações dada pela L 12112/2009 é a seguinte:

“Não sendo renovada a locação, o juiz determinará a expedição de mandado de despejo,


que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária, se houver pedido
na contestação”.

De outro lado, a antiga redação do mesmo artigo, bastante diversa, dispunha o


seguinte:

“Não sendo renovada a locação, o juiz fixará o prazo de até 6 (seis) meses após o
trânsito em julgado da sentença para a desocupação, se houver pedido na contestação”.

Houve, portanto, drástica alteração da forma de proceder à desocupação do imóvel pelo


inquilino em caso de não ser acolhida a ação renovatória. Na redação anterior da LI 74,
possuía o inquilino prazo de 6 (seis) meses para a desocupação voluntária, contados a
partir do trânsito em julgado da decisão final da ação renovatória. A novel redação,
introduzida pela L 12112/2009, encurtou o prazo, reduzindo-o para 30 (trinta) dias,
silenciando-se sobre o termo a quo.

Nesse cenário, interessando-nos perquirir a aplicação da nova redação introduzida pela L


12112/2009, mister se faz elucidar a natureza da norma prevista na LI 74, se de direito
material ou processual. É a natureza jurídica da aludida norma que determinará a
eficácia da nova redação da LI 74 no tempo, o que, por sua vez, permitirá o deslinde da
questão jurídica sub examine. Vejamos.

O exame da distinção entre as regras que constituem normas processuais e normas


materiais nos recomenda resgatar a distinção realizada por Leo Rosenberg, Karl Heinz
Schwab e Peter Gottwald acerca do direito civil e do direito processual civil.

Por definição, o direito processual civil é o procedimento juridicamente regulado para a


proteção do ordenamento jurídico mediante declaração, concretização e principalmente a
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proteção de direitos e relações jurídicas de direito civil.

De sua vez, é no direito civil que o direito disciplina o nascimento, o cumprimento e a


extinção das relações jurídicas privadas, dispondo sobre como se adquire e se exerce
direitos subjetivos privados, assim como se impõem deveres e obrigações. Nesse
sentido, o direito civil é, em regra, destinado aos particulares, disciplinando as relações
privadas que estabelecem entre si. Verbis:

“Graciais al derecho civil nacen relaciones jurídicas y se adquieren derechos subjetivos,


pero dicho derecho no hace nada por la declaración de aquéllas ni por la realización y
aseguramiento de éstos. Se dirige a las partes, les da reglas de comportamiento,
derechos y deberes; se convierte em instrucción dirigida a los jueces, en norma de
resolución determinante de la sentencia, en razón del § 1, GVG (GG, art. 97, I), que
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somete los jueces a la ley; a saber, les obliga a aplicar el derecho objetivo”.

Por sua vez, o direito processual civil tem por objeto as instituições e os pressupostos da
jurisdição civil, suas espécies, forma e efeitos dos provimentos jurídicos e a
regulamentação de todo o procedimento civil necessário para a realização do próprio
processo. Nas palavras de Leo Rosenberg:

“Por el contrario, el derecho procesal civil tiene por objeto las instituciones y
presupuestos de la jurisdicción civil, la espécie, formas y efecto de la tutela jurídica y el
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procedimiento para su consecución; regula sobre todo la procedência; pero a veces


también el fundamento de la tutela jurídica pretendida – así, por ej., en los recursos, en
tanto debe examinarse el procedimiento de las instancias anteriores, y en las demandas
procesales de los §§ 731, 767,768,771, ZPO, etc. –; mientras el derecho civil sólo regula
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el fundamento”.

No mesmo sentido, Elio Fazzalari, retomando trabalho anterior, em que já fixava as


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premissas das diferenças entre direito e processo, diferencia as normas de primeiro
grau (substanciais) das normas de segundo grau (processuais). As primeiras
destinam-se a regulamentar as relações privadas intersubjetivas impondo deveres e
conferindo direitos subjetivos aos cidadãos. De outro lado, observa que as normas
processuais têm por escopo estruturar e regulamentar a jurisdição, que é justamente a
atividade estatal responsável por proteger e impedir a violação das normas primárias.
Verbis:

“Vi suno più settori di norme giuridiche di primo grado, ‘primarie’ (la varietà e
complessità di queste norme è un’altra delle caractteristiche delle società più evolute, e
così di quelle sraruali, in ragione dei consociati): come accennato, vi sono, in ordine
logico, le norme che disciplinano l’attività legislativa dello Stato; le norme che
impongono allo Stato (come persona giuridica)di perseguire alcuni fini (…); le norme che
impongono ai cittadini di omettere determinte azioni, considerate particolarmente
dannose alla società o di compierne altre necessarie (…) le norme che disciplinano il
commercio (…) È in vista di ciò che l’ordinamento statuale contiene anche norme
regolatrici di condotte da tenersi quando le norme sopra contemplate siano violate. Una
serie di tali norme di riparazione prevede l’immediata reazione di colui o di coloro che
hanno subito nocumento diretto dalla violazione della norma primaria: si hanno così
fenomeni di ‘autotutela’ cioè di quella forma di reazione che è stata la più antica che,
ovviamente, è oggi, almeno per quanto attiene ai privati, la meno idonea. Invece, e
soprattutto, c’è una serie di norme che confidano, de regola allo Stato, il compito di
reagire alla inosservanza di una norma primaria, e che regolano tutte le attività
attraverso le quali tale reazione viene decisa ed attuata. Queste norme sono quelle
regolatrici della ‘giurusdizione’, ch’è appunto l’attività mediante la quale lo Stato,
attraverso i giudici (suoi organi), si pone al di sopra deu soggetti implicati nella
violazione di una norma primaria, e, sentite le loro ragiono, provvede a far cessare lo
stato di fatto contrario al diritto e a ripristinare, nella nistura del possibilie, uno stato di
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cose conforme al diritto”.

Em sentido próximo e de maneira mais simples, José Frederico Marques realiza a mesma
diferenciação entre normas de direito processual e normas de direito material:

“A norma jurídica instrumental difere da norma jurídica substancial. Esta última


disciplina diretamente relações de vida procurando compor conflitos de interesses entre
os membros da comunhão social, bem como regular e organizar funções socialmente
úteis, ao mesmo tempo que assegura o seu cumprimento através de sanções, às vezes
específicas, e em outras ocasiões imanentes à ordem jurídica em seu conjunto. Norma
instrumental, ao revés, é a que disciplina a aplicação das normas substanciais, seja
regulando a competência para fazê-las atuar, seja regulando os meios de tornar estas
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efetivas e ainda as vias adequadas para provocar o seu cumprimento e efetivação”.

Portanto, pode-se concluir que as normas de direito processual são o conjunto de


normas destinadas a regulamentar o procedimento de aplicação das normas substanciais
[v.g., o processo] e que objetivam organizar a estrutura da jurisdição civil, atos
jurisdicionais e seus respectivos efeitos. Já as normas de direito material tem por
destinatário os indivíduos e as pessoas jurídicas, os membros da comunhão social,
regulamentando as relações intersubjetivas da vida, conferindo-lhe direitos subjetivos e
deveres.

Posto isso, como já o dissemos, a identificação da correta natureza jurídica da LI 74, se


norma de direito material ou processual, apresenta-se de alta relevância para o presente
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estudo, porquanto é a natureza jurídica da norma que determina a eficácia da lei nova (L
12112/2009 74) no tempo.

Como é cediço, em nosso sistema, a regra geral é a aplicação do princípio da


irretroatividade da lei, previsto na CF 5.º XXXVI e na LINBD 6.º caput, razão pela qual
se asseguram a sobrevivência e a ultratividade da lei antiga.

Por esse princípio a lei nova, in casu L 12112/2009 74, não pode retroagir para atingir o
ato jurídico perfeito, o direito adquirido ou a coisa julgada.

Sendo assim, a lei nova tem efeito imediato e geral (LINBD 6.º caput), atingindo
somente os fatos pendentes (facta pendentia) e os futuros (facta futura) que se
realizarem já sob sua vigência, não abrangendo os fatos pretéritos (facta praeterita),
estes últimos protegidos pela cláusula constitucional.

Nesse sentido, nosso ordenamento jurídico adotou, a um só tempo, as teorias objetiva e


subjetiva sobre a irretroatividade das leis: a lei não pode atingir o direito adquirido
(teoria subjetiva) nem o ato jurídico perfeito (teoria objetiva).

Saliente-se, a propósito, que a garantia constitucional (CF 5.º XXXVI), tal como a legal
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(LINDB 6.º) aplicam-se indistintamente às leis infraconstitucionais, quer sejam leis de
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direito público ou de direito privado, leis de ordem pública ou dispositivas.

Destarte, a lei nova deve, obrigatoriamente, respeitar todos os efeitos jurídicos


produzidos sob a égide da lei anterior, mas se aplica imediatamente às situações por ela
(lei nova) reguladas, a partir de sua entrada em vigor.

Para designar a expressão efeito imediato, fala-se também em exclusividade (


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Ausschliesslichkeit). Sobre essa questão, Paul Roubier destaca que:

“L’effet immédiat de la loi doit être considéré comme la règle ordinaire: la loi nouvelle
s’applique, dès sa promulgation, à tous les effets qui résulteront dans l’avenir de
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rapports juridiques nés ou à naître”.

Trata-se de distinção entre efeito retroativo e efeito imediato da lei nova para o passado,
isto é, sua aplicação para os fatos ocorridos no passado. De outro lado, estão os fatos
pendentes (facta pendentia), os quais são, na verdade, os fatos presentes, regulados
pela eficácia imediata da lei nova, vale dizer, que se aplica ao presente. Paul Roubier
conceitua o efeito imediato da seguinte forma: “l’effet rétroactif c’est l’application dans le
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passé ; l’effet immédiat, l’application dans le présent”.

Nosso sistema proíbe a aplicação da lei nova para o passado, isto é, para fatos ocorridos
no passado. Os fatos pendentes (facta pendentia) são, na verdade, os fatos presentes,
regulados pela eficácia imediata da lei nova, vale dizer, que se aplica dentro do
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presente.

Em relação à aplicação do direito intertemporal no processo, é corrente a opinião de que


a lei processual tem vigência imediata e se aplica aos processos pendentes. Essa regra
está estabelecida no CPC 1221:

“Este Código regerá o processo civil em todo o território brasileiro. Ao entrar em vigor,
suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes”.

Em consonância com o que ensinam Rosenberg-Schwab-Gottwald, o direito processual


pode ter aplicação imediata, enquanto que no direito material vige a regra inversa,
somente podendo ser aplicadas as normas de direito material para os fatos constituídos
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sob sua égide, vale dizer não admite eficácia retroativa. A razão dessa distinção
decorre do fato de a lei material não poder ser aplicada imediatamente de modo a
prejudicar direitos subjetivos e direitos adquiridos no passado, ainda que não
exercitados. Tal situação, de regra, não ocorre nos atos processuais supervenientes ao
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início de vigência da lei processual nova.

No caso sub examine, a incidência e a eficácia da L 12112/2009 74 não pode ser feita à
luz do CPC 1221, posto que referida norma consiste em regra de direito material, na
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medida em que consagra verdadeiro direito subjetivo ao locatário, consubstanciado no
prazo razoável de poder realizar a desocupação do imóvel em seis meses a partir do
trânsito em julgado da decisão final da ação renovatória em que se concede ao
proprietário a retomada do imóvel.

Nesse passo, informa-nos a consulente que a Verparinvest, em suas contrarrazões de


agravo apresentadas no agravo de instrumento interposto pelo consulente em face da
decisão que mandou expedir o mandado de despejo, colacionou julgados do TJSP para
subsidiar sua pretensão de retomada imediata do imóvel locado. Trata-se dos acórdãos
proferidos no Ag 051235-96.2010.8.26.0000, no Ag 0536355-06.2010.8.26.0000 e no
Ag 990.10.202441-5, todos de Câmaras da Seção de Direito Privado do TJSP.

Maxima venia concessa, os referidos julgados não representam o melhor entendimento


acerca do tema, vez que partem da premissa, equivocada, de que a norma contida na LI
74 teria a natureza de norma de direito material. A partir dessa errônea premissa,
expõem os aludidos julgados que o novo prazo para o exercício do direito de
desocupação voluntária do imóvel, introduzido pela L 12112/2009, seria de aplicação
imediata aos processos em curso. No entanto, como exposto no presente estudo,
referido entendimento não se revela acertada na exata medida em que a LI 74, de modo
diverso, encerra norma de natureza material. Destituída a premissa dos mencionados
arestos – de que a LI 74 teria caráter meramente processual –, também resta
desconstruída a conclusão de sua aplicação imediata aos processos em curso.

Informa-nos a consulente, ainda, que outro julgado, desta feita do STJ, v.g. o acórdão
proferido no REsp 1207161-AL, também foi invocado pela proprietária em seu recurso.
Todavia, a leitura do referido precedente revela que a hipótese nele versada não se
aplica ao caso sub examine, porquanto não dispõe sobre o direito de desocupação
voluntária do inquilino, tratando, diversamente, de outro dispositivo da LI.

Nesse particular, importa destacar que a conclusão de que a LI 74 encerra norma de


direito material é alcançável por meio de inúmeros raciocínios. A própria natureza do
direito à renovação já demonstra como a relação jurídica existente entre locador e
locatário no âmbito da ação renovatória é composta pela tensão de vários tipos de
direitos subjetivos. Sobre a natureza do direito à renovação, conclusiva é a opinião de
Alfredo Buzaid:

“No sistema jurídico nacional o direito à renovação constitui um direito misto, porque
contém a um tempo uma obrigação e um elemento real. (…) Do ponto de vista
subjetivo, ao direito do locatário à renovação do arrendamento corresponde, por parte
do locador uma obrigação de contratar. Não se trata, porém, de uma obrigação
decorrente de declaração de vontade livre e espontaneamente assumida no contrato,
mas sim de obrigação imposta pela lei, a que o contratante não pode esquivar-se senão
em certos casos e sob certas condições. O inadimplemento da obrigação de contratar
não se resolve, como no comum dos casos, em composição de perdas e danos; ao
contrário, se o locador se recusa a cumprir a obrigação, o juiz poderá renovar o contrato
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de locação, com, sem ou contra a vontade do locador. É um contrato imposto”.

Justamente porque a natureza jurídica do direito à renovação é tão sui generis, a


sentença de procedência ou improcedência da ação renovatória também tem suas
peculiaridades: “A sentença que acolhe o pedido e decreta a renovação é constitutiva.
Tem por fim constituir um efeito jurídico, qual seja a renovação do contrato, por tempo
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igual ao do renovando, ou pelo menos por cinco anos”. e Significa que a ação
renovatória serve-se para criar nova relação jurídica [ou, melhor dizendo, renovando
uma relação jurídica inicial], estabelecendo direitos e obrigações entre locador e
locatário. Inequívoco, pois, que é fonte geradora de direitos substanciais, atuando no
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plano do direito material.

De outra forma, a sentença que julga improcedente o pedido de renovação do contrato


de aluguel sofre influência da contestação elaborada pelo locador. Se em sua resposta, o
réu proprietário deduzir pedido reconvencional, a sentença de improcedência terá dois
efeitos principais: i) não constituir uma relação locatícia nova e ii) condenatório,
determinando a entrega do imóvel:

“A cumulação desses pedidos, já aceita pela doutrina, explica a natureza jurídica da


sentença, que julga improcedente o pedido de renovação. O primeiro pedido, de função
constitutiva, é condição necessária, mas não suficiente, pois a sentença, extinguindo a
relação jurídica locativa, é desprovida de execução forçada. Ora, o locador, quando
exerce direito de recusa, por ter melhor proposta de terceiro ou estar obrigado por
determinação da autoridade pública a reconstrução compulsória; ou, quando exerce o
direito de retomada para reconstrução voluntária, uso próprio ou de pessoa de sua
família – o locador, em todos esses casos, só pode conseguir a realização prática do fim
visado, sendo-lhe restituído o imóvel. Serve exatamente para essa finalidade o segundo
pedido, consistente em alcançar uma condenação do locatário para a entrega do prédio.
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A defesa do locador, conforme a sua estrutura lógica, deve conter os dois pedidos”.

Tem-se, então, que a ação renovatória é ação dúplice, uma vez que o juiz pode prover a
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ação em favor do réu/locador, determinando a entrega do imóvel locado. De um lado
há a pretensão do autor de exercer seu direito de renovação do contrato de locação,
enquanto de outro há a pretensão do réu de exercer seu direito de retomada do imóvel.
Sobre essas duas pretensões, importante a lição de Darcy Bessone:

“ O pedido do autor fixa o objeto da ação; o do réu manifesta o exercício do direito de


recusa ou de retomada. Casa uma das partes tem o ônus de afirmar e de provar os fatos
de uma ou de outra. Aí está a óptica típica de processualista. Como sempre, voltamos a
pretender que esta, como outras questões, devem ser encaradas no terreno do direito
material. Não nos parece adequado raciocinar-se como se, antes da ação, não houvesse
20
um direito, cuja lesão anterior a provocasse” [grifamos].

Destarte, ao direito que tem o locador de exercitar a retomada do imóvel, contrapõe-se


o direito do locatário de exercitar a desocupação voluntária sob determinada forma. Por
evidente, não há lugar para o locador executar o despejo forçado para a retomada do
imóvel enquanto for exercitável a desocupação voluntária do inquilino. Ambas as
hipóteses estão previstas na Lei de Locações, em seu art. 74.

Não se há negar que se trata, na hipótese, de poderes juridicamente protegidos,


passíveis de serem classificados como direitos subjetivos (cf. nota 12). Sobre os direitos
subjetivos como conceitos de direito material:

“Observe-se que estamos a tratar, ainda, de categorias próprias do direito material.


Tanto o direito subjetivo quanto a pretensão de que acima tratamos são conceitos de
direito material. Existe o direito subjetivo e existe a pretensão que é a faculdade de se
poder exigir a satisfação do direito. Segundo tal entendimento, não pode haver, como
muitos supõe, uma pretensão procedente, como não poderia haver um direito
procedente, pela simples razão de que não seria imaginável um direito improcedente.
Procedência e improcedência são categorias processuais que correspondem à
averiguação sobre a existência ou não existência da pretensão suscitada pelo litigante”.
21

Portanto, dúvida não há de que a desocupação voluntária do imóvel é direito subjetivo


que tem o locatário, encerrando a LI 74 norma de direito material. Trata-se, pois, de
norma que estabelece o direito subjetivo do locatário consubstanciado na concessão de
prazo razoável de seis meses contados a partir do trânsito em julgado da sentença de
improcedência da ação renovatória. Nesse sentido, os dizeres de J. Nascimento Franco:

“Mesmo quando vencido na ação renovatória, inclusive pela inoponibilidade do contrato


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DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL ACERCA DE SUA
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ao adquirente do imóvel, tem o inquilino direito a prazo razoável para restituí-lo ”
[grifamos].

Voltando-se nossa atenção ao caso sub examine, e tendo em vista que a propositura da
presente ação renovatória, assim como a sentença de primeiro grau e o acórdão
proferido pelo TJSP são anteriores ao início de vigência da L 12112/2009, que alterou a
redação do art. 74 da L 8245/1991, não há razão para se considerar tenha sido
suprimido o direito subjetivo de a consulente promover a desocupação voluntária do
imóvel, em caso de não renovação da locação, conforme estabelecia a redação anterior
da LI 74, haja vista a não incidência do CPC 1221 para o caso concreto.

A propósito, de todo relevante ponderar que o direito subjetivo de desocupação


voluntária do imóvel que tem o consulente se extrai do contrato de locação celebrado
entre as partes, ato jurídico perfeito e acabado, o qual, aliás, possui força de título
executivo extrajudicial. De outra parte, a pretensão do locador de retomada imediata do
imóvel origina-se de decisão judicial não definitiva, posto que impugnada por recursos
ainda pendentes de julgamento.

Assim, diante desse conflito, faz-se necessário um juízo de ponderação, cujo resultado
se dá em benefício do direito subjetivo da consulente. Esse juízo favorável justifica-se na
medida em que o direito da consulente se alicerça em título, perfeito e acabado, ao qual
se contrapõe a pretensão da proprietária calcada em decisão judicial meramente
provisória. Entender de modo contrário implicaria desconstituir definitivamente o título
da consulente por mera decisão provisória, o que não se afigura, maxima venia
concessa, a melhor solução para o caso. Não se pode olvidar que a satisfação da
pretensão da proprietária implica, neste caso, o perecimento do direito subjetivo da
consulente, daí porque o conflito dos interesses deve deslindar-se no sentido de
privilegiar a higidez do título que suporta o direito do inquilino.

Não se deve incorrer no equívoco de se considerar que o fato de o mandado judicial de


despejo ter sido expedido ou que deva ser cumprido após o início da vigência da LI 74,
com a nova redação dada pela L 12112/2009, transformaria a desocupação voluntária do
imóvel pelo inquilino, em razão de não ter sido renovada a locação e acolhido o pedido
de retomada do imóvel pela proprietária, em mero ato de natureza processual.

Com efeito, como supraexposto, o direito da consulente à desocupação voluntária do


imóvel nessa situação [isto é, em razão de não ter sido renovada a locação e acolhido o
pedido de retomada do imóvel pela proprietária] constitui genuíno direito subjetivo do
inquilino, cujo exercício é feito por meio de ato de natureza material.

Ressalte-se que o direito da consulente à desocupação do imóvel, forma prevista na LI


74 de anterior redação, surgiu no momento em que a proprietária do imóvel contestou a
presente ação renovatória, formulando pedido de retomada do imóvel e se tornou
exercitável a partir da decisão que julgou improcedente a renovatória e procedente o
pedido de retomada do imóvel, ambos os fatos ocorridos no passado e sob a égide da L
8245/1991 na sua redação anterior.

Destarte, o direito de desocupação voluntária que tem a consulente, a despeito de poder


ser exercitado após a publicação da L 12112/2009, não pode ser considerado um “fato
pendente” [ou “fato presente”], para fins de aplicação temporal do direito. Trata-se,
diversamente, de direito decorrente de fato ocorrido no passado. Nesse passo,
considerando que o ordenamento jurídico brasileiro proíbe a aplicação da lei nova para
fatos passados, incorreta seria a conclusão de que a desocupação voluntária do imóvel
objeto da presente lide deveria se dar nos termos da LI 74, com redação dada pela L
12112/2009.

Em suma, sendo a LI 74 norma de direito material, a novel legislação, que alterou sua
redação e reduziu o prazo para a desocupação voluntária do imóvel, não pode ser
aplicada retroativamente para suprimir o direito subjetivo adquirido pela consulente na
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vigência da lei anterior [desocupar voluntariamente o imóvel dentro do prazo de seis


meses a contar do trânsito em julgado da decisão final de mérito da ação renovatória],
cujo exercício deve ser respeitado, mesmo que exercitado no presente.

Ademais, a despeito da natureza material da própria norma inserta no LI 74, é


importante ressaltar ser inquestionável, para efeitos de cumprimento do prazo, que o
início da fluência do prazo estipulado na aludida LI 74 passa, inexoravelmente, pela
intimação pessoal do inquilino, haja vista tratar-se, in casu, de genuíno e inequívoco
prazo material.

A natureza material do prazo para desocupação do imóvel exsurge inquestionável na


medida em que o ato em apreço somente pode ser realizado pela própria parte: o
inquilino. Com efeito, o ato de desocupar o imóvel não consiste em ato processual que
pode ser realizado pelo advogado. Diversamente, trata-se de providência que somente
pode ser adotada pela própria parte, sendo-lhe impossível delegar essa função. Desta
feita, é ineficaz a intimação feita somente na pessoa do advogado para a realização da
desocupação do imóvel.

Desse modo, o prazo de seis meses para a desocupação voluntária do imóvel que assiste
à consulente somente passará a fluir a partir de sua regular e necessária intimação
pessoal para tanto, o que ainda não ocorreu neste caso. Neste particular, vale consignar
que nossa jurisprudência tem sido firme em pronunciar a nulidade de intimação feita
apenas ao advogado, se a realização do ato demandar efetiva atuação da própria parte.
In verbis:

“Possessória – Reintegração de posse – Liminar concedida – intimação pessoal do réu –


omissão processo anulado (…).

Se a decisão liminar houve por bem determinar a intimação da parte requerida, para
cumprimento de formalidade, qual seja a de reconstruir a estrada, e deu prazo para isso,
não se pode considerar como válida a intimação feita ao advogado do requerido, ora
apelante, pois o profissional intimado não teria condições, e nem estaria na obrigação de
proceder conforme o determinado no despacho” [RT 494/157].

Destarte, a par da discussão a respeito da natureza jurídica da LI 74, no que diz respeito
ao prazo de seis meses para a desocupação voluntária do imóvel, é incontestável que se
trata de prazo de natureza material, cuja fluência somente se iniciará a partir da
intimação pessoal da própria locatária, o que, frise-se, ainda não ocorreu neste caso.
4. Conclusão: resposta ao quesito

Em vista de todo o exposto, passamos a responder ao quesito formulado pela


consulente:

1. Considerando-se que a ação renovatória de locação promovida pela consulente, assim


como a sentença de primeiro grau e o acórdão proferido pelo TJSP são anteriores ao
início de vigência da L 12112/2009, que alterou a redação do art. 74 da L 8245/1991,
indaga-se se foi suprimido o direito de a consulente promover a desocupação voluntária
do imóvel, em caso de não renovação da locação, conforme estabelecia a redação
anterior da LI 74.

RESPOSTA: Não. A LI 74, com redação dada pela L 12112/2009, não tem incidência no
caso concreto, vez que o referido dispositivo legal é norma de direito material, não
podendo retroagir (CF 5.º XXXVI e LINDB 6.º).

Com efeito, as normas de direito processual são o conjunto de normas destinadas a


regulamentar o procedimento e que objetivam organizar a estrutura da jurisdição civil,
atos jurisdicionais e seus respectivos efeitos. Já as normas de direito material tem por
destinatário o cidadão conferindo-lhe direitos subjetivos e deveres.

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Ao direito que tem o locador de exercitar a retomada do imóvel, contrapõe-se o direito


do locatário de exercitar a desocupação voluntária sob determinada forma. Por evidente,
não há lugar para o locador executar o despejo forçado para a retomada do imóvel
enquanto for exercitável a desocupação voluntária do inquilino. Ambas as hipóteses
estão previstas na Lei de Locações, em seu art. 74. Não se há negar que se trata de
poderes juridicamente protegidos, passíveis de serem classificados como direitos
subjetivos.

Deve-se realçar o cuidado de não se incorrer no equívoco de se considerar que o fato de


o mandado judicial de despejo ter sido expedido ou que deva ser cumprido após o início
da vigência da LI 74, com a nova redação dada pela L 12112/2009, transformaria a
desocupação voluntária do imóvel pelo inquilino, em razão de não ter sido renovada a
locação e acolhido o pedido de retomada do imóvel pela proprietária, em mero ato de
natureza processual.

Como exposto ao longo deste estudo, o direito da consulente à desocupação voluntária


do imóvel nessa situação [isto é, em razão de não ter sido renovada a locação e acolhido
o pedido de retomada do imóvel pela proprietária] constitui genuíno direito subjetivo do
inquilino, cujo exercício é feito por meio de ato de natureza material.

Frise-se que o direito da consulente à desocupação do imóvel, forma prevista na LI 74


de anterior redação, surgiu no momento em que a proprietária do imóvel contestou a
presente ação renovatória, formulando pedido de retomada do imóvel. Tal direito,
adquirido pela consulente, tornou-se exercitável a partir da decisão que julgou
improcedente a renovatória e procedente o pedido de retomada do imóvel. Todos esses
fatos ocorreram no passado e sob a égide da L 8245/1991 na sua redação anterior.

Assim, o direito de desocupação voluntária que tem a consulente, a despeito de poder


ser exercitado após a publicação da L 12112/2009, não pode ser considerado um “fato
pendente” [ou “fato presente”], para fins de aplicação temporal do direito. Como o
dissemos, trata-se de direito decorrente de fato ocorrido no passado. Por conseguinte,
considerando que o ordenamento jurídico brasileiro proíbe a aplicação da lei nova para
fatos passados, se afigura incorreta uma conclusão de que a desocupação voluntária do
imóvel objeto da presente lide deveria dar-se nos termos da LI 74, com redação dada
pela L 12112/2009, pois implica indevida e inconstitucional aplicação retroativa de lei
material.

Sendo a LI 74 norma de direito material, a novel legislação, que alterou sua redação e
reduziu o prazo para a desocupação voluntária do imóvel, não pode ser aplicada
retroativamente para suprimir o direito subjetivo adquirido pela consulente na vigência
da lei anterior [desocupar voluntariamente o imóvel dentro do prazo de seis meses a
contar do trânsito em julgado da decisão final de mérito da ação renovatória], cujo
exercício deve ser respeitado, mesmo que exercitado no presente.

Acresce que diante do conflito de interesses entre proprietário e inquilino neste caso, o
juízo de ponderação leva ao deslinde em benefício do direito subjetivo da consulente.
Esse juízo favorável justifica-se na medida em que o direito da locatária se alicerça em
título, perfeito e acabado, ao qual se contrapõe a pretensão da proprietária calcada em
decisão judicial meramente provisória. Entender de modo contrário implicaria
desconstituir definitivamente o título da consulente por mera decisão provisória, o que
não se afigura, maxima venia concessa, a melhor solução para o caso. Não se pode
olvidar que a satisfação da pretensão da proprietária implica, neste caso, o perecimento
do direito subjetivo da consulente, daí porque o conflito dos interesses deve deslindar-se
no sentido de privilegiar a higidez do título que suporta o direito do inquilino.

Por fim, cumpre realçar que, a par da discussão a respeito da natureza jurídica da LI 74,
no que diz respeito ao prazo de seis meses para a desocupação voluntária do imóvel, é
incontestável que se trata de prazo de natureza material, cuja fluência somente se
iniciará a partir da intimação pessoal da própria locatária, o que, frise-se, ainda não
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ocorreu neste caso.

É a nossa opinião, s.m.j.

São Paulo, 29 de junho 2011.

NELSON NERY JUNIOR

1 Leo ROSENBERG; Karl Heinz SCHWAB; Peter GOTTWALD, Zivilprozessrecht, 17. ed.,
München: C.H.Beck, 2010, § 1.º, II, 4, p. 1. Na tradução argentina da 5.ª ed.: Leo
ROSENBERG, Tratado de Derecho Procesal Civil, Buenos Aires: Ediciones Juridicas
Europa-America, (trad.) Angela Romera VERA, 1955, t. I, § 1.º n. IV, p. 5.

2 Leo ROSENBERG, Tratado de Derecho Procesal Civil, Buenos Aires: Ediciones Juridicas
Europa-America, 1955, t. I, § 1.º n. IV, p. 5. V., no original, Leo ROSENBERG; Karl
Heinz SCHWAB; Peter GOTTWALD, Zivilprozessrecht, 17. ed., München: C.H.Beck, 2010,
§ 1.º, VI, 21, p. 6.

3 Leo ROSENBERG, Tratado de Derecho Procesal Civil, Buenos Aires: Ediciones Juridicas
Europa-America, 1955, t. I, § 1.º n. IV, p. 5. V., no original, Leo ROSENBERG, Karl Heinz
SCHWAB, Peter GOTTWALD, Zivilprozessrecht, 17. ed., München: C.H.Beck, 2010, § 1.º,
VI, 22, p. 6.

4 Elio FAZZALARI, Note in tema di diritto e processo, Milano: Giuffrè, 1957, Capitolo
primo, ns. 13/14, p. 46-53.

5 Elio FAZZALARI, Istituzioni di Diritto Processuale, 4. ed., Padova: Cedam, 1986, 2.ª
parte, Cap. I, § 1.º, p. 90-92. Na tradução de Eliane Nassif: “Há mais normas jurídicas
de primeiro grau (a variedade e complexidade dessas normas é uma das características
das sociedades mais evoluídas e também das instituídas, em razão das múltiplas
obrigações a assinalar para realizar a cooperação dos cidadãos): como dizíamos, há, em
ordem lógica, as normas que disciplinam a atividade legislativa do Estado; as normas
que compõem o Estado (como pessoa jurídica) no sentido de perseguir alguns fins (…)
as normas que impõem aos cidadãos o dever de omitir determinadas ações,
consideradas particularmente danosas à sociedade, ou de cumprir outras necessárias (…)
as normas que disciplinam o comércio (…)
É em vista disso que o ordenamento estatal contém também normas reguladoras de
condutas a serem tomadas quando as normas acima contempladas são violadas. Uma
séria de tais normas de reparação prevê a imediata reação daquilo ou daquele que
sofreu dano direto da violação da norma primária: tem-se assim o fenômeno da
‘autotutela,’ isto é, daquela forma de reação que foi a mais antiga e que, obviamente, é
hoje, pelo menos no que diz respeito aos indivíduos, a menos idônea, e por isso vedada,
salvo exceções. Ao contrário, acima de todas, há uma série de normas, que confia, em
geral ao Estado, o dever de reagir à inobservância de uma norma primária e que regula
todas as atividades por meios das quais tais reações são decididas e realizadas. Essas
normas são reguladoras da jurisdição, que é exatamente a atividade mediante a qual o
Estado, por meio dos juízes (seus órgãos), se coloca por cima dos sujeitos implicados na
violação de uma norma primária e, ouvidas as suas razões, providencia para fazer cessar
o estado de fato contrário ao direito e a repristinar, na medida do possível, um estado de
coisas conforme o direito”. Instituições de direito processual, Campinas: Bookseller,
2006, 2.ª parte, Cap. I, § 1.º, p. 132-134.

6 José Frederico MARQUES, Instituições de direito processual civil, Campinas:


Millennium, 2000, vol. I, n. 20, p. 38.

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7 Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (denominação atual da Lei de


Introdução ao Código Civil, dada pela L 12376/2010 2.º.

8 STF, ADIn 493-0-DF, Pleno, j. 25.06.1992, m.v., rel. Min. Moreira Alves, RTJ 143/724
(746).
Examinando esses aspectos, ver:

Nelson NERY JUNIOR, Modificação da competência pela Reforma do Judiciário (Emenda


Constitucional 45/2004): Direito intertemporal e perpetuatio iurisdictionis, In: Luiz Fux;
Nelson NERY JUNIOR; Teresa Arruda ALVIM WAMBIER (orgs.), Processo e Constituição:
estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira, São Paulo: Ed. RT,
2006, n. 3, p. 248 et seq.

9 Friedrich Xaver AFFOLTER, Das intertemporale Recht: Das Recht der zeitlich
verschiedenen Rechtsordnungen, Erster Band: Das Intertemporale Privatrecht, Zweiter
Teil: System des deutschen bürgerlichen Uebergangsrechts, Leipzig, Verlag von Veit &
Co., 1903, § 9.º, p. 34. V., também, Paul ROUBIER, Le droit transitoire, 2. ed., Paris:
Dalloz et Sirey, 1960, n. 3, nota 1, p. 11.

10 Paul ROUBIER, Le droit transitoire (les conflits des lois dans les temps), 2. ed., Paris:
Dalloz et Sirey, 1960, n. 3 B, p. 11. Tradução livre: “O efeito imediato da lei deve ser
considerado como a regra ordinária: a lei nova se aplica desde a sua promulgação [
rectius: entrada em vigor], a todos os efeitos que resultarão no futuro, de relações
nascidas ou por nascer”.

11 Paul ROUBIER, Le droit transitoire, 2. ed., Paris: Dalloz et Sirey, 1960, n. 3 B, p. 177.
Tradução livre: “O efeito retroativo é a aplicação [da lei nova] dentro do passado; o
efeito imediato é a aplicação dentro do presente”.

12 Nelson NERY JUNIOR, Modificação da competência pela Reforma do Judiciário


(Emenda Constitucional 45/2004): Direito intertemporal e perpetuatio iurisdictionis, In:
Luiz Fux; Nelson NERY JUNIOR; Teresa Arruda ALVIM WAMBIER (orgs.), Processo e
Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira, São
Paulo: Ed. RT, 2006, n. 3, p. 249.

13 Leo ROSENBERG; Karl Heinz SCHWAB; Peter GOTTWALD, Zivilprozessrecht, 17. ed.,
München: C.H.Beck, 2010, § 6, I, 1, p. 30. Na tradução argentina da 5.ª edição alemã:
Leo ROSENBERG, Tratado de Derecho Procesal Civil, Buenos Aires: Ediciones Juridicas
Europa-America, 1955, t. I, (trad.) Angela Romera Vera, § 6.º n. V.I, p. 33.

14 Nesse ponto, merece destaque o conceito de Arthur KAUFMANN de direito subjetivo:


“ Subjektives Recht (Berechtigung) ist die durch das objektive Recht verliehene
Willensmacht zur selbständigen Durchsetzung eines rechtlich geschützten Interesses
(Rechtsguts). Subjektives Recht ist also weder nur rechtlich geschütztes Interesse (so
jedoch Rudolf v. Jhering) noch nur vom objektiven Recht gewährte Willensmacht (wie
Bernhard Windscheid meinte), sondern erst beides zusammen” (Arthur KAUFMANN,
Rechtsphilosophie, 2. ed., München: C.H.Beck’sche Verlagsbuchhandlung, 1997, 7.
Kapitel, III, 4, p. 103). Em vernáculo, na tradução portuguesa:

“O direito subjectivo (situação jurídica activa) é o poder da vontade concedido pelo


direito objetivo para a realização autônoma dum interesse juridicamente protegido (bem
jurídico). O direito subjectivo não é portanto nem apenas um interesse juridicamente
protegido (neste sentido, todavia, Rudolf v. Jhering) nem apenas o poder da vontade
garantido pelo direito objectivo (como pensava Bernhard Windscheid), mas ambos em
conjunto”. Filosofia do Direito, 3. ed., Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009, § 7.º n. 4, p.
153-154.

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15 Alfredo BUZAID, Da ação renovatória, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1981, vol. I, n.
104-105, p. 204-206.

16 Alfredo BUZAID, Da ação renovatória, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1981, vol. II, n.
359, p. 585-586.

17 Quanto à natureza constitutiva da ação renovatória, também se manifestou José


Manoel de ARRUDA ALVIM: “Isto significa que deverá, conforme o caso, a sentença que
julgue procedente a ação constitutiva, com a criação de novo regime jurídico (rectius,
inserção dos litigantes em novo regime jurídico), ter mais este elemento, além da mera
e pura declaração; ou, então, modificará, um elemento de relação jurídica preexistente (
ação renovatória em que, mantendo-se a locação preexistente, altera-se, v.g., um
elemento, qual seja o valor do aluguel); e finalmente, a ação constitutiva poderá ter por
escopo a extinção de uma relação jurídica, como, exemplificativamente, a ação de
separação judicial que, julgada procedente, extingue a sociedade conjugal; ou ainda, a
de divórcio, em que se põe termo ao casamento”, Manual de direito processual civil, 12.
ed., São Paulo: Ed. RT, 2008, vol. 2, n. 301, p. 649/650 [grifamos].

18 Alfredo BUZAID, Da ação renovatória, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1981, vol. II, n.
365, p. 594-595.

19 “A duplicidade da ação renovatória era absoluta no regime do ancião Decreto 24.150.


É que naquele diploma o juiz podia prover em favor do réu-locador, conferindo-lhe o
despejo pelo só fato de não renovar locação, independentemente de pedido. Atualmente,
a lei condiciona o despejo do locatário não renovado ao pedido do locador. Logo, à
míngua deste, a locação passa a subsumir-se ao regime comum mas não se rescinde ex
decisum” Luiz Fux, Locações – Processos e procedimentos, 2. ed., Rio de Janeiro:
Destaque, 1995, Cap. VI, n. XIV, p. 362

20 Darcy BESSONE, Renovação de locação, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1990, n. 91, p.
172-173.

21 Ovídio Baptista da SILVA, Direito subjetivo, pretensão de direito material e ação,


Ajuris, n. 29, Porto Alegre, n. I, p. 102 [grifamos].

22 J. Nascimento FRANCO, Ação renovatória, 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, n. 280,
p. 266.

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