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LIÇÃO Nº 01 – CARÁTER INOVADOR – RESGATE DA CIDADANIA INFANTO


JUVENIL – HISTÓRIA DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO
BRASIL

1. Da criança e do Adolescente uma Visão Multidisciplinar

Na visão de Moacir Motta da Silva e Josiane Rose Petry Veronese, há


determinados campos temáticos que permitem pesquisa e reflexão exclusivamente do ângulo
normativo. Outros há, no entanto, que, em face da sua natureza histórica, social e política,
estimulam o pesquisador a examiná-los, a partir de um prisma multidisciplinar. A
compreensão teórica das normas que disciplinam o direito da criança e do adolescente sugere a
aplicação do segundo método de abordagem. Semelhante critério metodológico adota Dallari,
ao afirmar que:

“Na realidade, o que se deve fazer, em primeiro lugar, é reforçar nos cursos de
Direito, para todos os alunos, a formação humanística, estimulando a aquisição
de conhecimentos sobre a história e a realidade das sociedades humanas”.

É com fundamento nessa proposta metodológica que iniciamos o presente estudo,


encaminhando a pesquisa em uma visão multidisciplinar sob os aspectos: histórico, econômico,
político e social acerca do Direito da criança e do adolescente, no contexto da realidade
brasileira.

Perspectiva histórica

A criança brasileira e a estrangeira nunca ocuparam uma posição privilegiada na


sociedade, sobretudo, com a destinação de uma atenção especial aos direitos de que seriam
credoras decorrente de uma ótica de tratá-las como simples objetos da vontade dos adultos, que
sobre elas detinham total poder.

Ao analisar a história da humanidade, observa-se que a criança sempre foi tratada


como “descartável”. Parece que a ideia de que a criança sempre foi protegida deve de ser
revista.

Vários autores que investigam a figura da criança e da família no contexto social,


utilizam-se dos registros históricos existentes para subsidiar o problema de suas investigações.

Apesar de tudo isso, atualmente, vivemos um momento sem igual no plano do


direito infanto-juvenil. Crianças e adolescentes são sujeitos de direito, beneficiários da doutrina
da proteção integral. Mas, não podemos esquecer que o presente é produto da soma dos erros e
acertos vividos no passado.
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Conhecer o passado é um importante instrumento para entendermos melhor o


presente e construirmos o futuro.

1.1. A Idade Antiga: (3600 a. C. ao ano 476, século V)

A civilização grega foi palco de uma das maiores manifestações social conhecidas
na história da Humanidade. Apesar de ser fundamentada em sistema enaltecedor dos valores
masculinos e sua superioridade sobre o sexo feminino, foi uma das primeiras civilizações a
delinear a função do jovem na polis (cidade).

Desde muito cedo o jovem era separado de sua família e colocado sob um sistema
rígido de educação física e intelectual para compor o corpo militar e alcançar o status de
cidadão grego, objetivando o fortalecimento da organização militar e a supremacia do império
grego sobre os outros povos.

Os jovens serviam como objeto de prazer dos mestres (relação sexual educativa).
Pode-se dizer que foi a Grécia a primeira a revelar o fenômeno da pederastia (relação sexual de
um adulto com um adolescente).

Em resumo, os “jovens” do sexo masculino eram utilizados ao mesmo tempo como


instrumento para expansão da força militar e objeto das experiências promíscuas dos mais
velhos. As crianças e as mulheres (jovens, adultas ou idosas) tinham suas atividades voltadas à
vida doméstica.

Os gregos mantinham vivas apenas crianças saudáveis. Em Esparta, cidade grega


famosa por seus guerreiros, o pai transferia para um tribunal do Estado o poder sobre a vida e a
criação dos filhos, com objetivo de preparar novos guerreiros. As crianças eram, portanto,
patrimônio do Estado.

No Oriente era comum o sacrifício religioso de crianças, em razão de sua pureza.


Também era corrente, entre os antigos, sacrificarem as crianças doentes, deficientes,
malformadas, jogando-as de despenhadeiros; desfazia-se de um peso morto para a sociedade. A
exceção ficava a cargo dos hebreus que proibiam o aborto ou o sacrifício dos filhos, apesar de
permitirem a venda como escravos.

Na antiga Roma, o vínculo de sangue contava menos que o vínculo de escolha. Por
isso, recém-nascidos eram expostos nas portas do palácio imperial, matando-se os que não
eram escolhidos.

No século IV, o infanticídio começou a ser juridicamente considerado um delito,


mas somente no séc. XV iniciam-se manifestações de certa repulsa social por parte das classes
populares quanto a esta prática.
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Repulsa que coincide, por outro lado, com a necessidade estrutural de se possuir
uma família numerosa. Entretanto, o infanticídio foi considerado normal até o séc. XIX.

Na verdade, desde os tempos antigos, apenas sobreviviam uma minoria dos bebês
que nasciam e queiramos ou não, no mais das vezes os que restavam eram os mais fortes e, sem
dúvida parece que os adultos não se incomodavam de forma alguma com as crianças.

1.2. A Idade Média: (ano 476 – séc. V a 1453, século XV)

O enfraquecimento do Império Romano culminou com o nascimento da Idade


Média. As principais causas foram: contínuas perdas em guerras, diminuição da produção, além
da fuga da sociedade urbana para o meio rural como forma de escapar dos impostos,
possibilitando assim a invasão dos povos bárbaros.

Foi na Idade Média que se estabeleceu o sistema feudalista de produção, instituído


sob uma economia agrária de subsistência. É perceptível a presença de uma sociedade
estamental europeia, de cultura teocêntrica e da família medieval, cujo chefe era o senhor
feudal, classe dominante da época.

À época, crianças e adolescentes que tinham pouca presença na idade Antiga


passaram à exclusão social. A infância tornou-se obscura e isenta de qualquer relevância na
sociedade.

Havia uma negação à ideia de como cada adulto possuía peculiaridades que o
distinguia dos demais, de igual modo a criança e o adolescente também. Era a ausência do
chamado “sentimento de infância”, por Phillipe Áries assim explicado:

“o sentimento de infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças:


corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que
distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem”.

Neste contexto, os filhos dos senhores feudais, após uma rígida educação católica,
eram levados ao sacramento do matrimônio, especialmente as meninas, vendidas por seus pais
em troca de dotes ou lotes de terra. Em contraposição, os descendentes de servos acabavam
dando continuidade aos serviços prestados por seus progenitores ao senhor.

Os jovens que desrespeitavam os costumes eram recriminados, socialmente e tidos


como cristãos infiéis. Na época, a juventude era tida como turbulenta, ruidosa e perigosa.

Dentre as múltiplas conclusões de Áries sobre a criança na idade Média, destacam-


se:

 O interesse pelas crianças, despertado na Idade Média, constituiu mais


uma tarefa para moralista que para humanistas. Excetuando-se o breve
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período de dependência física, as crianças eram percebidas como


pequenos adultos.
 A consolidação da descoberta da infância nos séculos XV e XVII ocorreu
conjuntamente com o desenvolvimento dos sentimentos sobre “crianças
corrompidas”, um conceito absolutamente impensável nos séculos
anteriores.

Para Emílio Garcia Mendes “criada a infância e abrindo-se plenamente a


possibilidade de sua corrupção, lançam-se as bases que permitem tratar a infância
„abandonada – delinqüente’, como uma categoria específica, de indivíduos “débeis para
quem a proteção, muito mais que constituir um direito, consiste numa imposição”.

1.3. A Idade Moderna: (ano 1453 – século XV – ao ano 1789 – século XVIII)

Com a decadência do feudalismo, houve a introdução do sistema mercantilista de


produção. Ampliou-se “o sentimento de infância”, ou seja, a consciência da particularidade
infantil, passando a criança a ser objeto tanto de interesses psicológicos como morais.

A criança assumiu lugar central dentro da família – a disciplina e a educação


ascenderam socialmente, mas a idade não era critério para divisão de turmas; o respeito rígido
aos ditames sociais ainda era apregoado pela igreja; havia combate às ideias absolutistas
impostas pelo regime monárquico, através da educação, com a construção de um novo cidadão
a partir do processo educacional infantil, para moldar o adulto em perspectiva. Foi na educação
que os modernistas fortaleceram sua participação social e derrubaram o poder ditador imposto,
sobretudo, construindo um novo cidadão a partir do processo educacional infantil.

1.4. A Idade Contemporânea: (1789 – séc. XVIII)

Com a implantação do sistema capitalista, o ensino educacional fora dos lares


obteve maior destaque. A livre concorrência e o desenvolvimento das indústrias exigiam um
nível qualitativo proveniente de uma nova formação intelectual. A organização e divisão dos
meios de produção geraram para crianças e adolescentes novas funções, entre elas, fontes de
exploração econômica e consumo. As mãos pequenas facilitavam o alcance de espaços estreitos
das máquinas, enquanto os salários eram irrisórios, bem menos que os dos adultos. Como
consumidores, representam até hoje grande parte da venda de bens de consumo.

Grandes empresas e a mídia geraram uma compulsiva onda de consumo, forçando


até aqueles que não têm renda suficiente para isso a usarem de meios transgressionais para sua
aquisição.

1.5. Brasil: desde o descobrimento até os dias de hoje

O texto abaixo faz parte da tese de mestrado da Psicóloga Maria Luiza Moura Oliveira,
intitulada “Aldeia Juvenil: duas décadas de contraposição à cultura da institucionalização de
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crianças e adolescentes pobres em Goiás”, que no primeiro e segundo capítulo faz um


levantamento histórico de como era tratado pelo governo e sociedade quando o assunto era
criança e adolescente no Brasil.

Segundo Maria Luíza, no período colonial, a assistência às crianças órfãs e pobres


no Brasil seguiu o modelo ditado pela corte de Portugal, onde a responsabilidade era das
Câmaras Municipais. Todavia, a execução do modelo acabava sendo assumida pela Santa Casa
de Misericórdia. As Santas Casas surgiram em Lisboa no ano de 1498, fundadas pelas
irmandades leigas, comuns em Portugal, que executavam diversas formas de assistência
movidas pela caridade cristã.

Ao final do século XVI, a Santa Casa de Misericórdia já tinha filial nas principais
povoações de língua portuguesa da Ásia e África, e, no Brasil, era a da Bahia a sua filial mais
importante. No Brasil, a necessidade de internação de pacientes destituídos de recursos ou de
recém-chegados sem família e sem moradia, acarretou, logo no século XVII, a criação dessas
Santas Casas da Misericórdia, mantendo o modelo das que funcionavam em Lisboa.

A importância das suas atividades de assistência social era tamanha que, por muito
tempo, a Santa Casa (como também passou a ser chamada no Brasil) assumiu responsabilidades
que caberiam à Coroa ou à Câmara Municipal. Assim, as Santas Casas de Misericórdias foram
as primeiras instituições a cuidar da infância abandonada.

Como já mencionado, na legislação portuguesa a tarefa de prover a assistência às


crianças abandonadas e enjeitadas cabia única e formalmente às Câmaras Municipais. No
entanto, por meio de convênios firmados e autorizados pelo rei, as Câmaras podiam delegar o
atendimento de proteção à criança exposta a outras instituições. Assim, passaram a ser
estabelecidas parcerias com as confrarias das Santas Casas de Misericórdia, que estabeleceram,
com a autorização da Coroa, Rodas e Casas de Expostos, além de Recolhimentos para meninas
pobres e para as expostas.

Sobre as obras de assistência das Santas Casas de Misericórdia, destinada à criança


e ao adolescente no Brasil, Marcílio (1998) acrescenta:

No entanto, nem toda Misericórdia brasileira incluiu entre suas obras


assistenciais aquela de proteção à criança abandonada. Na verdade, bem poucas
o fizeram. A primeira que criou instituições de assistência às crianças
abandonadas no Brasil foi a de Salvador, na Bahia, estabelecendo uma Roda de
Expostos e um Recolhimento para meninas pobres, órfãs e abandonadas, no
século XVIII (p. 147).

1.5.1. Origem da Roda dos Expostos

A criança não é, nem nunca foi o elemento considerado importante pela sociedade.
Muito pelo contrário, o abandono de bebês é um fenômeno constante na história da
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humanidade.

A “Roda dos Expostos” era um objeto cilíndrico dividido ao meio, instalado nos
muros ou janelas das Santas Casas de Misericórdia. O funcionamento da Roda era simples:
consistia em colocar o bebê na parte externa do cilindro, que ficava voltada para a rua; girava-
se a Roda e, puxando um cordão nela afixado, acionava-se uma sineta cujo som avisava que
mais uma criança acabava de ser abandonada naquele local.

O modelo desse instrumento baseava-se nos cilindros rotatórios usados nos


mosteiros e conventos medievais para assegurar a clausura dos religiosos e seu conseqüente
isolamento do mundo externo. No caso da “Roda dos Expostos”, o sistema visava garantir o
anonimato das pessoas praticantes de tal ato, mantendo sob sigilo todos os elos parentais da
criança abandonada.

A primeira Casa dos Expostos no Brasil foi fundada em 1726, em Salvador, pelo
arcebispo e o vice-rei que, angustiados com a situação das crianças sem famílias e a falta de
apoio financeiro da Câmara no pagamento das despesas com a criação das crianças, solicitou
aprovação para a abertura de uma Roda.

No século XVIII, cresceu o número de crianças enjeitadas no Brasil, fenômeno


apresentado desde os períodos Colonial e Imperial, como retratam os trechos da carta do
Senado de Vila Rica, em fevereiro de 1795:

As mães envergonhadas de seus filhos nascidos de relacionamentos ilícitos “logo


que dão à luz os mandam levar às portas de casas particulares, aonde ou os não
recebem, ou, se o fazem, é já quando os míseros recém-nascidos se acham a
expirar, tendo até sucedido serem devorados por animais, sucessos que fazem
gemer a humanidade”. (Melo e Souza, 1991, p. 31)

Tais animais seriam principalmente os cachorros e os porcos, por frequentemente


encontrarem-se perambulando livremente pelas vias públicas na capitania do ouro, situação que
contribuía para o agravamento das condições de saneamento, tornando a higiene pública cada
vez mais precária. Fatores como esses eram mencionados na mesma carta e serviam para o
senado explicar a necessidade da “Roda dos Expostos”.

QUEM ERAM OS ABANDONADOS?

Na maioria das vezes, quem deixava as crianças na Roda eram pessoas pobres, sem
condições de criar seus filhos, mulheres da elite impedidas de assumir filhos ilegítimos ou
adulterinos e os senhores que abandonavam crianças escravas com o propósito de alugar suas
mães como amas de leite. Tal prática tornou-se generalizada na época, fazendo crescer o
aluguel e a compra de escravas para amamentar os filhos de famílias brancas como suporte no
comércio de leite humano.
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Na realidade, a primeira Roda de Expostos existente nas cidades da cristandade


ocidental, destinada à criança abandonada, foi implantada pelo Papa Inocêncio III (1198-1216).

Conforme Marcílio (1998) afirma:

Um fato parece ter desencadeado sua ação nessa área: em 1203, os pescadores
retiraram do rio Tibre, em suas redes, uma grande quantidade de bebês afogados.
Inocêncio III ficou tão chocado que destinou o hospital de Santo Espírito in
Saxia (ao lado do Vaticano) para receber os expostos e abandonados. (p. 51)

E assim, foi instalada, ao longo do muro do Hospital de Santo Espírito, uma Roda
contendo um colchão para receber os bebês, ficando expressamente proibida qualquer
investigação sobre a identidade de quem havia deixado a criança.

1.5.2. Objetivo da Roda dos Expostos

No século XVII, o sistema da “Roda dos Expostos” tornou-se mais comum na


Europa católica, firmando-se como uma forma de dar assistência às crianças desamparadas. O
fato de manter o anonimato do expositor da criança satisfazia o aspecto moral da preservação
da imagem familiar. Com isso, a existência da Roda passou a ser freqüente nos países católicos
e nas cidades maiores. A Itália foi o país considerado o centro irradiador na utilização desse
sistema de Roda.

A citação a seguir retrata algumas das formas utilizadas na recepção de crianças


deixadas na Roda nas cidades de Milão e Florença, na Itália, conforme Marcilio (1998):

Toda criança que entrava pela Roda de Milão recebia a tatuagem de uma dupla
cruz, símbolo do Ospedale, que a estigmatizava para sempre. Por outro lado, a
Roda estava calibrada de modo a não receber senão bebês de, no máximo, poucos
meses.
Em Florença, as crianças eram deixadas em uma espécie de pia, semelhante à
batismal, colocada em uma pequena janela, na entrada do Ospedale Degli
Innocenti. Em 1660, essa pia foi substituída por uma Roda instalada na parede
lateral da entrada principal. Para impedir o depósito de crianças maiores, em
1699 foi acrescida uma grade de ferro, por onde apenas bebês de poucos meses
poderiam passar. Essa Roda operou durante dois séculos, tendo sido fechada
definitivamente em 1875. (p. 63)

1.5.3. Objetivo aparente

Das trilhas da “Roda dos Expostos”, sabe-se que, antes mesmo de chegar ao Brasil,
se instalara na França. Existiu também em Portugal, de onde migrou para o Brasil no século
XVIII. O motivo aparente de sua existência, segundo os governantes, era o de salvar recém-
nascidos abandonados para depois conduzi-los ao trabalho produtivo. Conforme Leite (1999)
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era uma das iniciativas sociais que já visava orientar a população pobre como classe
trabalhadora e afastá-la da “perigosa” camada envolvida na prostituição e na vadiagem.

1.5.4. Roda dos expostos no Brasil

Conforme afirma Arantes (1995), o Sistema de Rodas implantado no Brasil


primeiro localizou-se na Bahia, em 1726; no Rio de Janeiro, funcionou de 1738 até 1935; em
1789, instalou-se no Recife; em São Paulo, durou de 1825 a 1948; em Vila Rica (Minas
Gerais), foi criada em 1831.

Com a adoção do sistema, o Brasil Colônia herdava o modelo lusitano de


assistência a crianças abandonadas, órfãos e pobres, que vigorara durante todo o Império Luso.
Em Portugal, as leis facultavam às câmaras a tarefa de passar a responsabilidade da criação dos
“enjeitados” para as Santas Casas de Misericórdia. No Brasil colonial, também se encarregaram
dessa tarefa as Câmaras municipais e a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia.

Nesse aspecto, estudos mais críticos revelam que, a despeito da prática da


assistência, a “Roda dos Expostos” cumpria outra função dentro da política de escravidão: além
do apoio ao Império, garantia uma camuflada articulação com a oligarquia rural e a nascente
burguesia comercial, que validava e institucionalizava o enjeitamento da criança desvalorizada
(negra, mestiça, ilegítima) e a incorporava ao trabalho como cria ou trabalhadora não
assalariada (Faleiros, 1995).

As crianças e adolescentes escravos eram tidos como mercadorias caras, ressarcidas


futuramente pela exploração de sua mão de obra, resultando no encaminhamento dos poucos
sobreviventes ao mercado de trabalho precoce e na exploração como forma de devolução ao
Estado e aos seus criadores dos gastos feitos com sua criação.

ALTA TAXA DE MORTALIDADE DOS EXPOSTOS:

Nesse período de Brasil colônia, era alta a ocorrência de índices de mortalidade


infantil nos expostos recolhidos pela Roda. Assim, a Roda terminou funcionando como
mecanismo de ocultação de infanticídio. Nessa direção Faleiros (1995) assinala e:

Revela a contradição desse sistema e a qualidade da assistência por ele oferecida


enquanto política. Acrescenta tratar-se de uma política perversa, no sentido de
resultados opostos aos objetivos pretendidos, pois os expostos recolhidos para não
morrerem abandonados nas ruas acabavam nelas morrendo. (p. 231)

As causas das altas taxas de mortalidade entre as crianças expostas na Roda eram
muitas e variadas. Nela eram colocadas crianças para morrer ou já mortas, para serem
decentemente enterradas. Existem relatos sobre a fragilidade das Casas de Misericórdias nesse
desempenho assistencialista. E podem ter contribuído para esse quadro outros fatores, como a
negligência das amas de leite e a falta de tratamento médico.
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A alta mortalidade infantil compensava a alta natalidade e a inexistência de


planejamento familiar. A mulher era uma reprodutora e as crianças serviam como mão de obra
barata. Quando não sobreviviam não fazia falta, pois as sucessivas gravidezes encarregavam-se
de manter o crescimento populacional ou, pelo menos sua estabilidade.

As condições políticas e econômicas do Brasil Colônia da Corte Portuguesa instalaram


por aqui interesses, meramente econômicos e de espoliação. E, por meio da escravidão, estruturou-
se no país um modelo de desprezo pela vida, como bem afirma Faleiros (1995).

Diante desse modelo, fica evidente a posição do governo, omisso perante as


questões da infância abandonada e pobre. O governo nunca assumiu verdadeiramente o custeio
da assistência, gerando um campo de permanentes tensões frente aos responsáveis pela infância
pobre naquele período. Em síntese, foi um período de desvalorização da criança e
desconsideração de sua existência e condição de vida.

A pobreza enquanto questão social não era reconhecida nem assumida pelo Estado,
mesmo já se notando nesse período, um esboço de institucionalização ainda que precário.

1.5.4. A intervenção de uma política higienista

No Brasil, a atuação dos médicos higienistas sofreu influência da medicina


social, que se baseava no modelo da medicina urbana francesa, originando dela todo o
investimento da higiene sobre a família brasileira no século XIX.

Utilizando-se de um discurso voltado para o corpo, o sexo e as relações afetivas,


priorizaram-se os cuidados higiênicos através de normas reguladoras do comportamento de
homens, mulheres e crianças. Inicialmente, tais normas foram dirigidas não à classe pobre, que
se constituía, mas às famílias de elite e, posteriormente, à burguesia citadina, visando à ordem
do espaço social e urbano.

Dessa forma, semelhante ao que ocorreu na Europa, os higienistas brasileiros


investiram, sobretudo, nas famílias de elite e burguesa, objetivando modificar os velhos hábitos
anti-higiênicos coloniais e a conduta física, intelectual, moral, sexual e social dos seus
membros.

O discurso se dirigia à família de elite, letrada, que na realidade podia educar os


filhos e aliar-se ao Estado. Assim, a higiene defendia a constituição de um indivíduo puramente
burguês a serviço da estratégia mais ampla do Estado.

Conforme afirma Freire (1999):

Assim, pode-se observar que, no processo de definição da “família”, a higiene


dirige-se exclusivamente às famílias de extração elitista. Não interessa ao Estado
modificar o padrão familiar dos escravos que deveriam continuar obedecendo ao
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código punitivo de sempre. Estes últimos, justamente com os desclassificados de


todo tipo, serão trazidos, à cena médica como aliados na luta contra a rebeldia
familiar. Escravos, mendigos, loucos, vagabundos, ciganos, capoeiras, etc.,
servirão de antinorma, de casos-limite de infração higiênica. A eles serão
dedicadas outras políticas médicas. Foi sobre as elites que a medicina fez incidir
sua política familiar, criticando a família colonial nos seus crimes contra a
saúde. A camada dos “sem-família” vai continuar entregue a política, ao
recrutamento militar aos espaços de segregação higienizados como prisões e
asilos. (p. 33)

Segundo Freire (1998), os higienistas, como estrategistas lúcidos que eram,


estavam firmemente convencidos das vantagens que a elite familiar podia extrair desse novo
tipo de relação com o Estado.

Pode-se considerar que uma das formas de interferir na vida privada da família foi o
fato dessa ser considerada incapaz de cuidar e dar a devida educação (higienizada) a seus
filhos, precisando da intervenção de outro agente educador, que prescrevia receitas a serem
seguidas.

Para Freire (1999), o que a higiene precisava era desenvolver, como de fato o fez, a
ideia de que os pais erravam por ignorância. Apesar de irresponsáveis, no fundo eles desejavam
para os filhos aquilo que a higiene previa como correto e bom. O estigma da incompetência e
do desconhecimento constituiu forte elemento que permitiu o exercício de dominação e
controle sobre a família.

A reforma higienista no Brasil, com suas raízes na eugenia1, foi responsável pelo
aparecimento de personagens que se encontravam à margem da ordem burguesa. Entre essas
figuras marginais estava a família disfuncional (pobre). A família pobre foi compreendida não
apenas em termos da ausência de recursos financeiros, mas também, e principalmente, como
carente de recursos morais e intelectuais para educar os seus filhos, sendo, portanto, objeto de
investigação e intervenção das ações sociais. Aqui já estavam em curso as intenções
intervencionistas dos médicos-higienistas em direção à família pobre e, obviamente, seus
filhos.

Mais que isso, as ideias de higiene introduziram, no Brasil, a preocupação científica


com a infância, chegando a ditar as maneiras “corretas” de cuidados para com as crianças pobres.
Pois o discurso oficial sobre a higiene infantil direcionava-se para as crianças das classes
subalternas, cuja palavra de ordem era a prevenção. Ação que elegeu a infância pobre como lugar
privilegiado de profilaxia, cuidados que não se aplicavam as crianças das famílias da elite, pois
essas, não representavam ameaça aos rumos do país em direção as nações civilizadas.

1
O termo eugenia foi criado pelo naturalista inglês especialista em estatística, o Francis Galton, um estudioso da
hereditariedade impregnado das idéias de Darwin, aliás, seu primo. Concebeu a eugenia como "ciência do
melhoramento do patrimônio hereditário", que se preocupava com, linhagens mais adaptadas ou mais bem-
dotadas.
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No início dos oitocentos, dentre os planos de intervenção dos poderes públicos no


espaço da cidade e na vida da população mais pobre, a ideologia da higiene se responsabilizou
pela prevenção e erradicação de doenças, como a febre amarela, a varíola e outras moléstias,
infecto-contagiosas. Nela, os médicos já indicavam a necessidade de conservação da saúde das
crianças, com preocupações relacionadas à higiene e cuidados com o corpo e, embasados
cientificamente nos fundamentos da pediatria e puericultura2, justificavam a campanha médica
de intervenção na família.

A infância desvalida passou a ser interesse temático dos médicos em meados do


século XIX, conforme pode ser verificado nas teses defendidas nas Faculdades de Medicina do
Rio de Janeiro e Bahia e pela farta obra de Moncorvo Filho. Também nos estudos sobre a
criação dos expostos e a mortalidade infantil nas cidades brasileiras, Irma Rizzini, (1997).

A atuação dos médicos higienistas em nosso país significou um ato de intervenção


controladora sobre a família, à medida que instalou um processo de adaptação da família
colonial rica aos moldes da ordem burguesa. As formas de controle deram-se pelos novos
valores que passaram a regular as relações familiares no campo da educação dos filhos, da
sexualidade e no exercício das funções da paternidade e maternidade.

A FAMILIA POBRE ERA VISTA COMO FOCOS DE DESVIOS:

No que se refere à assistência e a proteção à infância, os higienistas concebiam a família


pobre como foco de possíveis desvios ou doenças, tornando-a objeto de controle e vigilância e de
educação e correção em seus hábitos e costumes. Com isso, acabaram não desenvolvendo junto a ela
um trabalho voltado às melhorias das suas condições de vida e de sociabilidade.

Nesse aspecto, a medicina higienista alterou a família brasileira de maneira geral,


pois visava atingir todas as classes sociais, não só pela invasão dos valores burgueses que
provocou, mas também pela difusão do conhecimento científico, as crianças sendo utilizadas
como alvos preferenciais de penetração na privacidade dos grupos familiares.

A Campanha Higienista no país, como acrescenta Patto (1996), tinha um claro


propósito:

Mas em se tratando do Brasil, tudo indica que a campanha higienista foi, em


grande medida, parte de um projeto político de "salvação da nacionalidade" e de
"regeneração da raça", verdadeira obsessão que tomou conta de nossos
intelectuais e especialistas em decorrência das perspectivas sombrias trazidas a
um país mestiço pelas teorias raciais geradas na Europa e assimiladas a partir do
Segundo Império. Segundo essas teorias, os negros e os índios eram raças

2
Conforme consulta em dicionário sf. Arte de assegurar o perfeito desenvolvimento físico, mental e moral da
criança, desde a gestação até a puberdade. Termo que designa a especialidade médica que cuida de crianças
saudáveis.
13

inferiores e os mestiços, produtos degenerados que herdavam o que havia de pior


nas raças matrizes. (www2.uerj.br/~cliopsyche/site/revistamnemosine)

Assim, recaiu sobre a infância um foco de atenções que não se esgotava, pois, o
ponto de chegada era outro. Para além da infância, visava-se a produção de uma sociedade
sadia, física e moralmente, que dessem conta de responder e dar seguimento ao processo de
modernização do país, acelerando idéias e medidas profiláticas em relação à infância.

Nesse contexto, intensificou-se a preocupação com a infância, impulsionada pelas


questões nacionalistas e como um tema relacionado ao processo de normalização da sociedade
brasileira. Na busca de formação de uma nova sociedade, a condição da criança foi sendo
redefinida, passando de papel secundário e indiferenciado à condição central de alcance do
progresso.

O meio médico assumiu, por meio de sua prática, um caráter moralizador e


higienista, servindo de instrumento de controle social junto às famílias, e expressando
tendências ligadas à necessidade de reformas nas cidades, pela importância cedida ao período
da infância e à medicalização familiar.
Além dos médicos, os filantropos e caridosos, organizados em agremiações ou
individualmente, fundaram asilos para meninos e meninas sem famílias. Preocupavam–se em
educá-los, mas buscavam igualmente formas de disciplinar as classes pobres, expressando
também o controle social. Com isso, torna-se evidente que, a exemplo da Europa, aqui, a
população pobre, tida como “classe perigosa”, só será objeto de normalização médica quando
começaram potencialmente, a se constituírem em problema.

Com o surgimento desse processo de classificação, fortaleceram-se preocupações


que apontavam para a existência de uma regulação com tendência para controle mais rigoroso
sobre a crescente população de crianças e adolescentes pobres. Portanto, entram em cena as
proposições na linha da formalização de uma legislação voltada para esse grupo etário.

1.5.5. Antecedentes ao Código de Menores

Note-se que o Código Penal de 1890 foi um dos inspiradores do Código de


Menores no Brasil, que fortaleceria as instituições criadas para disciplinar as crianças e
adolescentes infratores ou abandonados.

O primeiro projeto de lei a tratar diretamente da regulamentação da infância, de


1906, tratou-a como “moralmente abandonada e delinqüente”. Apresentado pelo deputado
Alcindo Guanabara, teve entre seus membros elaboradores Mello Mattos. Vale ressaltar que o
referido projeto também funcionou como uma espécie de embrião para a formulação do Código
de Menores.

Anterior ao Código de Menores de 1927 já existiu o Juízo de Menores, criado por


Decreto Lei em 1923. Esse juizado acrescentou em seus procedimentos um estudo do “menor”,
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enquadrando-o dentro de determinadas características morais, físicas, sociais, afetivas e


intelectuais.

Para tanto, iniciou a aplicação de exames pedagógicos, médico-pedagógico, médico-


psicológico, “de discernimento” e de “qualificação do menor”. O objetivo da avaliação era definir
se a sua personalidade era normal ou patológica, procedimento que pretendia dar ao diagnóstico
um caráter científico, conforme afirma Rizzini, (1993).

Baseado nas ciências médicas e jurídicas, o Juízo de Menores surgiu num período
em que a utilização de técnicas científicas na assistência à criança e ao adolescente era aceita e
encontrava-se em pleno desenvolvimento.

CRIAÇÃO DO LABORATÓRIO DE BIOLÓGIA INFANTIL

Observe-se que, nessa direção, a leitura científica da criança no Brasil ganhou força
em meados dos anos 30, com a criação do Laboratório de Biologia Infantil pelo Juízo de
Menores.

O referido Laboratório foi criado em 1936, pelo Juiz Burle de Figueiredo, com a
finalidade de oferecer “serviço social aos menores, por meio de uma equipe de médicos
especialistas e pesquisadores sociais” com formação na Bélgica. Na realidade, essa iniciativa
firmava-se na utilização das ciências médicas e do comportamento como formas de apreender o
“menor” como objeto da ação conforme assinala Rizzini (1993).

O laboratório do Juízo de Menores passou então a subsidiar o judiciário nas


decisões a respeito do destino dos “menores” que, por algum motivo, tinham passagem por esse
lugar.

A influência das ciências na prática jurídica de assistência ao “menor” destacava-se


na utilização pelo Juiz de duas formas: a técnica e a doutrinária. Em relação às questões
técnicas empregadas no Laboratório de Biologia Infantil, Rizzini (1993) assinala que, dentre os
técnicos, prevalecia a figura do médico. E complementa dizendo:

O recurso destas ciências tinha por finalidade auxiliar no enquadramento do menor dentro de um
diagnóstico que permitia indicar o tratamento a ser realizado pela instituição que o acolheria.
Diagnóstico este que acabava por enquadrá-lo dentro da normalidade e da anormalidade, sendo
que estes últimos podem ser extremamente discriminatórios e definitivos. (p. 85)

Na realização dos exames, os conceitos mais utilizados eram os psicológicos. Os


médicos e os pedagógicos acabavam subsidiando o Juiz, que depositava no indivíduo as causas
de seu comportamento desviante, apesar de isso não ser assumido nos discursos oficiais. Assim,
o diagnóstico realizado no Laboratório pelo médico e pelo psicólogo vinha respaldado pela
ciência médica, que legitimava cientificamente uma prática de exclusão e discriminação.

Havia uma “Ficha Médico-Psicológica” que, na realidade, era um minucioso


15

questionário aplicado pelo médico, visando investigar os “antecedentes hereditários”, o “meio


familiar”, o “meio escolar”, o “meio profissional”, os “antecedentes pessoais” e o
“caráter/perversões” do “menor”. Ao final, o médico emitia uma apreciação sobre o caso
atendido.

As Fichas apresentavam conceitos psicológicos englobando os aspectos emocional,


intelectual e comportamental. Normalmente, os campos não vinham preenchidos por completo,
justamente pelo fato de o aplicador (médico) não se sentir capaz de realizar as investigações de
cunho psicológico. No entanto, tal fator não era impedimento para que os médicos deixassem
seu parecer psicológico final, positivo ou negativo.

O mais grave, entretanto, é que essa apreciação tinha um enorme peso sobre a
decisão do Juiz: funcionava como uma pré-sentença, pois os mentalmente avaliados como mais
perturbados raramente escapavam a uma intervenção mais enérgica do juiz.

Realizavam-se também os “Exames do Laboratório de Biologia Infantil”, de quatro


tipos: clínico, dentário, pedagógico e psicológico. Buscava-se também investigar a existência
de distúrbios psíquicos, com itens baseados em “reação antissocial”, “impulsividade”,
“emotividade excessiva”, “sentimentalidade”. Esses aspectos resultavam em diagnósticos
comprometidos, conforme apresenta Irma Rizzini (1993) nos exemplos registrados em
processos elaborados e emitidos na época:

Processo nº 15/2º of./1937: “Debilidade mental. Degeneração mental; distúrbios dos sentimentos afetivos”.
Processo nº 24/2º of./1939: “Defeitos de emotividade e de educação ao lado de reações hostis ao meio. Os
complexos religiosos e de ansiedade parecem decorrer da situação atual do paciente”.
Processo nº 6/1º of./1940: “Retardo pedagógico. Aproveitável”. (p. 88)

Em relação aos resultados desse tipo de exame, havia indagações sobre como os
médicos chegavam a esses diagnósticos.

Rizzini (1993) assinala aspectos importantes da proliferação progressiva desses


diagnósticos:

Percebe-se claramente uma diferença entre os diagnósticos feitos na década de 20 e os do final da


década de 30, início da de 40. Observa-se um aumento na utilização de termos psiquiátricos e
uma maior preocupação com a saúde mental. Este fato é compreensível visto a influência
exercida na época pela psiquiatria, que passa a ser bastante divulgada com a criação da Liga
Brasileira de Higiene Mental em 1926. (p. 87)

Assim, no século XX, a partir da década de 20, observou-se uma corrida à


explicação científica como forma de justificar a necessidade de “reforma do menor”, como
ilustra o artigo de Nicanor Nascimento, escrito para o jornal A Pátria, em 1925, manifestando
elogios à criação do Juízo de Menores:

A reforma tem seu funcionamento científico num principio biológico; todo individuo tem suas
deformações do tipo normal, principalmente, pela influência do meio em que envolve. O caldo da
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cultura em que se mantém o indivíduo determina um coeficiente de variação do paciente. Para


destruir formas e conceitos adquiridos em determinado meio e obter novas aquisições – materiais
ou morais – é necessário mudar o paciente do meio deformador para o meio conformador, diverso
do primitivo. Para reforma de um curável, deve ele sair do meio prejudicial, que o deformou, e
entrar para um outro, que o conforme à vida social. Como o premonitório, deve o reformatório
fugir aos contatos nocivos. (Rizzini, 1993, p. 90-91)

Na direção de engrossar ações de intervenção destinada à criança e ao adolescente


pobre surgiu a Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM) que também foi anterior ao Código
de Menores de 1927. Foi fundada em janeiro de 1923, no Rio de Janeiro, por iniciativa do Dr.
Gustavo Riedel e fechada no início dos anos 50. Durante sua atuação, prevaleceu em seus
programas o tripé da eugenia, higiene e prevenção. Participaram dessa instituição a elite da
psiquiatria brasileira, alguns médicos de outras especialidades e intelectuais em geral.

Esses profissionais, guiados pelo ideal de aperfeiçoamento da raça, reivindicaram


para si a tarefa de regenerar a nação e evitar a degeneração mental da população, baseando-se
em medidas preventivas de fundo eugênico e higiênico.

Nessa perspectiva, a Liga foi incorporando ao seu arsenal teórico os temas


básicos da higiene mental e da eugenia e passando a efetivamente colaborar no processo de
“saneamento racial” brasileiro. Denotou, com isso, a verdadeira preocupação dos
psiquiatras e de grande parte da intelectualidade brasileira com a questão racial como
problema central da forte miscigenação ocorrida no Brasil ao longo dos séculos, apoiados
nos preceitos do darwinismo social em alta na Europa e aplaudido por muitos intelectuais
brasileiros.

Sob essa influência eugenista, os psiquiatras da Liga passaram a enxergar na


criança um “pré-cidadão”, tornando-a o ponto de partida principal de cuidados desde a mais
tenra idade, pela idéia de que, nessa fase, ela seria como uma cera mole e plástica, pronta a ser
moldada.

A área da infância, desde a fundação da Liga, sempre mereceu atenção. Para isso
existia nela uma Seção de Puericultura e Higiene Infantil. Dessa seção, fizeram parte nomes
como Moncorvo, fundador do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro,
em 1899.

Filho de um pediatra do Império, o pediatra Moncorvo foi autor de uma tese de


doutorado defendida no Rio de Janeiro, em 1896, sobre doenças da infância e sua terapêutica,
focalizando as más formações hereditárias e congênitas. Sua produção científica deu origem à
publicação intitulada Dos Monstros Humanos, editada em 1910.

Transformou o Instituto de Proteção e Assistência à Criança do Rio de Janeiro


em bandeira de luta, com inteira dedicação à causa da saúde das crianças. Dentre os muitos
objetivos traçados para o Instituto, segundo Patto (www2.uerj.br/~cliopsyche/site/
revistamnemosine), priorizou o combate à mortalidade infantil e pôs em funcionamento, no
17

mesmo ano, um Dispensário para Crianças Pobres, coerente com seus estudos estatísticos
pioneiros sobre a mortandade de crianças no Rio de Janeiro, que lhe valeram uma medalha
no 4º Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia ocorrido no Rio em 1900 e com o seu
desejo de realizar o que Moncorvo Pai não conseguira como médico no período imperial.

A Liga alargou o seu campo de ação em direção a inúmeras instâncias do contexto


social, como fizeram os médicos higienistas, e passou a mirar a família, o trabalho e a escola, a
partir daquele momento considerado locus privilegiados de emergência da loucura.

Conforme Reis (2000), o movimento expansionista da psiquiatria, de onde surgira a


Liga, aconteceu em meio a uma conjuntura turbulenta da década de 1920. Havia nesse período
uma inquietação social nas cidades, com lutas operárias, rebeliões tenentistas, movimentos
nacionalistas, setores médios atormentando o sentimento de ordem dos psiquiatras. Tal
situação, na visão dos psiquiatras, tornava os centros urbanos modernos espaços contrários ao
equilíbrio mental da população.

O autor considera o seguinte aspecto:

Assim, reconhecer a possibilidade de certas patologias mentais serem


decorrentes de influências do ambiente social, produtos de "meios
viciosos" propensos à eclosão de distúrbios mentais, "que podem
gerar paixões, crimes, idéias extremistas, reivindicadoras ou
revolucionárias", ou seja, tudo aquilo que o contexto político-social
da década de 1920 trazia à cena nacional, é coerente com os vôos
expansionistas da psiquiatria. (2000, p. 12).

Sob esse pretexto, as propostas de intervenção na problemática da infância tomaram


forma. Até então, apenas se promovia intervenção nas psicopatias declaradas. Após, cresceram
em direção ao mundo da criança e do adolescente, na necessidade de relativizar a matriz
orgânica das doenças, colocando o meio social como importante fator patógeno.
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LIÇÃO Nº 02 – Doutrinas do Direito Penal do Menor – Doutrina da Situação Irregular –


Doutrina da Proteção Integral

1. Desde o descobrimento

Quando da descoberta do Brasil o regime jurídico vigente trazido pelos portugueses


era o das Ordenações Afonsinas, promulgadas em 1446 por Don Afonso V. Conviviam com as
Ordenações do Reino normas do Direito Canônico e de direito costumeiro. O Livro V daquelas
Ordenações tratava do direito penal e processual penal. Na realidade, como as Ordenações
Afonsinas tiveram vigência até 1521, e o Brasil começou a ser efetivamente povoado pelos
portugueses anos mais tarde, elas não foram concretamente aplicadas.

Em 1521, por ordem de Don Manuel, o Venturoso, é criado as Ordenações


Manuelinas, que seguiram as normas anteriores, na concentração das normas penais e
processuais penais em seu livro V, vigorando por pouco mais de 80 anos.

As Ordenações Filipinas tiveram vida mais longa. Foram criadas por Don Felipe II, em
1603 e vigoraram até o advento do Código Criminal de 1830. As Ordenações Filipinas
acrescentaram ao elenco de infrações muitas condutas até então não punidas. Penas
extremamente graves eram cominadas aos responsáveis pelas diversas ofensas. Além da pena
de morte (executada de diferentes formas), existiam as penas vis (açoite, corte de membro,
galés e outras), as penas de degredo e as de multa.

A diferenciação de resposta punitiva para os autores de delitos menores de idade já


existia nas Ordenações Filipinas. No Título CXXXV, do Livro V, estabelecia-se “Quanto os
menores serão punidos por seus delictos, que fizerem”. Na dicção da referida lei, seriam
punidos com a pena total aqueles que tivessem mais de vinte e menos de vinte e cinco anos
(idade de maioridade plena). Se, no entanto, tivessem o autor do fato entre dezessete e vinte
anos, ficaria ao arbítrio do julgador dar-lhe a pena total ou diminuí-la. Para tanto, deveria o juiz
olhar o modo como foi praticado o delito, suas circunstâncias, bem como a pessoa do menor.

1.2. Etapa penal indiferenciada

Define-se a etapa indiferenciada como o período dado pelo Direito desde o


nascimento dos Códigos Penais liberais do Séc. XIX até as primeiras legislações do séc. XX.
Esta fase do pensamento caracteriza-se por considerar os menores de idade praticamente da
mesma forma que os adultos, fixando penas atenuadas e misturando nos cárceres adultos e
menores na mais absoluta promiscuidade. São desses períodos o Código Criminal de 1830, o
Código Espanhol de 1848 e o Código Português de 1852, entre outros.

No Brasil, proclamada a independência em 1822, a nova Nação toma fôlego para criar
sua primeira Constituição, o que acaba por ser feito em 1824. Com a esta Constituição foi
abolida os acoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as penas cruéis. Proibia ainda, o
confisco de bens e a declaração de infâmia sobre os parentes do réu, além de estabelecer que a
19

pena não passasse da pessoa do condenado, que deveria ser cumprida em cadeias limpas e
arejadas. É certo que estas novas disposições foram influenciadas pelas ideias liberais
iluministas, que consagraram alguns princípios como o da irretroatividade da lei penal, a
igualdade de todos perante a lei, a personalidade da pena, etc.

Seis anos depois da Constituição Imperial, é promulgada o Código Criminal do


Império (16 de dezembro de 1830). Embora o elenco de penas continuasse grande, houve um
claro esforço mitigatório. Os delitos punidos com morte foram reduzidos de 70 para três
(insurreição de escravos, homicídio com agravante e o latrocínio). Nesse momento histórico, a
prisão como pena substitui as penas corporais mostra indícios de sua futura supremacia sobre as
demais modalidades punitivas.

O Código Criminal do Império também inovou ao estabelecer a idade para a


responsabilidade penal, determinando no primeiro parágrafo de seu artigo 10 que não se
julgarão criminosos os menores de quatorze anos. Embora fossem considerados inimputáveis,
os seus bens eram utilizados para a reparação do mal causado (art. 11).

No entanto, caso demonstrasse que os menores agiram com discernimento, deveriam


ser recolhidos às casas de correção, pelo tempo que ao juiz parecesse razoável, sem, contudo,
que pudessem exceder a idade de dezessete anos (art. 13). Por esse critério – o discernimento –
podia justificar-se punição de uma criança de oito anos, o que foi objeto de inúmeras críticas.

Sendo o réu menor de dezessete anos, porém, maior de quatorze podia o juiz, lhe se
parecesse justo, impor ao autor do delito as penas de cumplicidade (2/3) do que caberia ao
adulto. Na prática, isso representava uma significativa atenuação da pena, permitindo a
substituição da pena de morte por pena de galés, consistentes em trabalhos forçados a ferros.

Muito embora, o Código Criminal de 1830 tenha atravessado fronteiras, servindo de


inspiração para o Código Espanhol de 1848, além de diversos outros latino-americanos, o
governo brasileiro não o implementou a contento. Já se desrespeitava o direito dos adolescentes
infratores, por não se cumprir o que o próprio Código Criminal previa que era o recolhimento
dos menores as casas de correção, porquanto não foram construídas. Com isso, os menores, na
falta de instituição de reconhecimento prevista em lei, eram lançados na mesma prisão que os
adultos, em deplorável promiscuidade.

O Código Penal republicano estabeleceu não ser criminoso o menor de nove anos
completos (art. 27, § 1º), reconhecendo, pois sua total inimputabilidade. Da mesma forma era
considerado aquele agente cuja idade variasse de nove a quatorze anos, e que agisse sem
qualquer discernimento na prática do delito (art. 27, § 2º). Já os menores que contassem entre
nove e quatorze anos e tivessem agido com discernimento deveriam ser recolhidos a
estabelecimento disciplinar industrial pelo tempo que parecesse adequado ao juiz, desde que
não excedesse a idade de dezessete anos (art. 30). A isenção da responsabilidade penal,
contudo, não eximia a responsabilidade civil. Quando o autor do delito tivesse entre quatorze e
dezessete anos, a responsabilidade era atenuada, por ser aplicada a pena de cumplicidade (art.
20

65), em prejuízo da pena de autoria, mecanismo semelhante ao concebido no Código Criminal


do Império.

O critério de discernimento sempre trouxe problemas para a aplicação da lei, já


tendo sido chamado por Evaristo de Morais de critério da adivinhação psicológica. Além disso,
a verificação da aptidão é sempre subjetiva. A distinção do bem e do mal, o reconhecimento de
possuir o menor relativa lucidez para orientar segundo as alternativas do certo e errado, do
lícito e ilícito, era tarefa das mais difíceis para o juiz, que quase invariavelmente acabava por
decidir em favor do menor, proclamando-lhe a ausência de discernimento.

Por outro lado, novamente a lei encontraria a barreira da falta de estrutura pública.
Assim, como as casas de correção previstas no Código Criminal do Império não saíram do
papel, da mesma forma o estabelecimento disciplinar industrial foi letra morta.

Em 1921, em que pese não ser uma legislação específica, mas sim uma lei
orçamentária, a Lei 4.242, e 4 de janeiro, revoga parcialmente o Código Penal Republicano.
Seu art. 3º, além de autorizar a criação do “serviço de assistência e proteção à infância
abandonada delinquente”, determina a construção de abrigos, fundando casas de preservação.
Ademais, no seu § 20 estatui que “o menor de 14 anos, indigitado autor ou cúmplice de crime
ou contravenção, não será submetido a processo de espécie alguma e que o menor de 14 a 18
anos, indigitado autor ou cúmplice de crime ou contravenção, será submetido a processo
especial”. Começa, assim, findar o período da tutela indiferenciada para nascer o período
tutelar.

1.3. Etapa tutelar

1.3.1. O Código Mello Mattos

Superada a etapa histórica em que os menores autores de fatos delituosos eram


tratados como adultos, com encarceramento nas mesmas instituições fechadas onde se
recolhiam os criminosos adultos comuns. O século XX vai se deparar com instituições de
menores infratores, assim como o tratamento da delinqüência juvenil será tratado por leis
especiais para “menores em situação irregular”.

A doutrina da situação irregular acaba por não distinguir entre menores


necessitados de proteção, em função de seu estado de carente, e menores necessitados de
reforma. Essa etapa surge nos Estados Unidos no final do século XIX, sendo liderada pelo
chamado Movimento dos Reformadores, e responde a uma reação de profunda indignação
moral ante as condições carcerárias então existentes e muito particularmente ante a
promiscuidade do alojamento de maiores e menores nas mesmas dependências prisionais.

A primeira Jurisdição especializada foi criada na Cidade de Chicago, Estado de


Illinois, nos Estados Unidos, e data de 1899. Trata-se da Juvenile Court Act de Illinois. Em
princípios do século XX, a ideia e levada para Europa. Pode-se destacar, entre outras, a Lei de
21

Proteção à Infância, de 27 de maio de 1911, em Portugal, a Lei de 22 de julho de 1912, na


França, que cria o Tribunal pour enfants, e o Tribunal para Crianças da Espanha, de 25 de
novembro de 1918, obra de Montero Rios. Na América Latina, vários países adotaram modelo
tutelar, a iniciar-se com a Legislação da Argentina de 1919.

A filosofia que inspirou o sistema tutelar tem relação com o positivismo. É que o
delinqüente, em geral, e o menor, em particular, são sujeitos a quem não se pode atribuir uma
responsabilidade penal decorrente do livre-arbítrio, são pessoas que infringem a norma não por
sua própria vontade, mas por circunstâncias que lhes escapam ao controle. Por isso, a resposta
adequada para o cometimento de um delito não será a imposição de sanções, mas sim a
aplicação de medidas de caráter diverso, conforme o sujeito (medidas médicas, educativas, de
ensino geral, de aprendizagem de habilidades específicas, como o ensino de um ofício etc).

Está-se diante de um efetivo avanço, em comparação com a fase anterior. Aqui se


adotam medidas especializadas, não se impondo as mesmas penas que eram aplicadas aos
adultos, e, ao menos em tese, as medidas aplicadas estão claramente imbuídas de uma
finalidade educativa (ainda que com forte substrato curativo). A rigor, muito mais do que
propriamente positivista, há um conteúdo marcantemente correcionalista, por se considerar de
uma postura assistencial, como se não fosse um ser com suas características próprias de
personalidade, ainda que tal personalidade esteja em formação.

Em 1923 surge o primeiro Juizado de Menores do Brasil, no Distrito Federal, tendo


como titular o Magistrado José Cândido Albuquerque Mello Mattos. Para funcionar junto ao
juizado, foi criado um abrigo para os infratores e abandonados, que tinham por objetivo
recolhê-los e educá-los.

O Juizado precisava de uma estrutura de apoio inexistente à época. No entanto, não


seria a existência de um ou dois abrigos que atenderia à demanda. Pondere-se que os infratores
deveriam ser retirados do cárcere e deveriam, em princípio, ser separados dos menores
carentes. Isso exigia uma infraestrutura que compreendia desde o espaço físico adequado até
22

profissionais especializados, sob pena, de se deparar com mais uma instituição em que crianças
de várias idades e de distintas qualificações se veriam amontoadas, sem qualquer tipo de
educação.

O Juizado caracterizava-se pela adoção de medidas absolutamente sem qualquer


garantia de devido processo legal, no sentido de um evidente controle social formal, misturando
assistencialismo com um ideal abstrato de justiça, para o saneamento moral dos envolvidos.

No fundo, bastava ao juiz ser um bom pai de família, julgando com o amor
necessário, fazendo dessa judicatura especializada um sacerdócio, pois desnecessárias eram as
formalidades do ritual processual. Igualmente, não deveria haver acusação, defesa, advogado
etc., o principal era existir o envolvimento do magistrado para compreender o que era mais
importante para o menor.

Fruto dessa primeira experiência iniciada com o Juizado de Menores em função de


todo debate acerca da delinqüência juvenil que tomava corpo nas primeiras décadas do século
XX, institui-se o Código de Menores, por meio do Decreto Federal 17.943, de 12 de outubro de
1927. De acordo com a nova lei, caberia ao Juiz de Menores decidir os destinos dos menores.
Em função da importante participação que teve o primeiro Juiz de Menores na elaboração da
lei, o Código ficou conhecido como Código Mello Mattos. Foi ele, ademais, o juiz de 1924 a
1934. Considerado na época como o “apóstolo da infância abandonada” deixou um respeitável
acervo bibliográfico, além de ter criado alguns estabelecimentos de assistência e proteção à
infância abandonada e delinqüente.

A base do pensamento do Código Mello Mattos já estava em textos anteriores, como


a Lei nº 4.242/21, bem como nos estudos e debates que o antecederam no início do século XX.
O Primeiro Congresso Internacional de Menores, de junho de 1911, realizado em Paris, já
tivera grande influência nas legislações francesa e espanhola, criando certa equivalência entre
crianças e adolescentes abandonados, pervertidos ou em perigo de o ser. Assim, o abandono
moral era o primeiro passo para a criminalidade.
23

Não havia distinção entre o menor abandonado e o delinqüente, para autorizar a


aplicação das medidas. É verdade que cabia ao Juiz de Menores fixar medidas mais graves ao
delinqüente do que ao carente, mas ambos estavam sujeitos, por exemplo, a ser internados em
asilo ou orfanato. Muitas vezes, a pretexto de proteger o menor, o Juiz determinava sua
institucionalização em hospitais, asilos, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, sem
qualquer compromisso com a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.

Na realidade, as piores atrocidades da infância se cometeram muito mais e nome do


amor e da compaixão do que da própria repressão. No amor não há limites, na justiça sim. Por
isso, nada contra o amor quando ele mesmo se apresenta como um complemento da justiça.
Porém, tudo contra o amor quando se apresenta como um substituto, cínico ou ingênuo, da
justiça.

No período de 1930 a 1945, em meio a problemas decorrentes do incremento da


urbanização e da industrialização, cresce o centralismo do Estado assistencialista,
especialmente com a organização dos serviços públicos de atendimento, fazendo frente à
evidente fragilidade das iniciativas privadas, até então dominantes.

O modelo tutelar não foi algo concebido somente entre nós. A literatura estrangeira
é farta em referências a seus países, mostrando que sistemas presididos por juízes de menores
se instalaram com as mesmas características: os tribunais eram absolutamente livres na hora de
decidir sobre a medida mais adequada ao menor, sem que tivesse qualquer peso o fato cometido
pelo infrator, mas considerando-se tão-somente suas circunstâncias pessoais, familiares e
sociais.

Além disso, o sistema era inquisitivo, sem intervenção do Ministério Público, nem
de advogado de defesa, com competência para julgamento de pessoas em situação irregular
(licenciosos, vagabundos, prostituídos), assim como daquelas que cometessem delito. Muitas
legislações não tinham juízes togados em suas jurisdições, mas tão-somente um bacharel em
direito que demonstrasse uma condição social de reconhecimento na comunidade e que
comprovasse uma vida familiar íntegra e uma moral inatacável.

Merece referência a criação do “SAM- Serviço de Assistência aos “desvalidos e


infratores” pelo Decreto 3.779/41, com o objetivo de proteção aos “desvalidos e infratores” em
todo o território nacional. O SAM que funcionou até na década de 60 ficou marcado por seus
métodos inadequados e pela repressão institucional à criança e ao jovem.

O SAM foi substituído pela FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-estar do


Menor” – criada em 1964 pela Lei nº 4.513, se propôs a fixar as diretrizes fundamentais da
política de Bem-Estar em substituição à repressão e segregação, através dos programas
educacionais. Criada como uma entidade normativa, previa ramificações nos estados e
municípios, através das “Febens” – Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor.”
24

Fugindo, porém, de suas propostas originais e diante de problemas sociais


vinculados à infância, a FUNABEM passou a atuar diretamente como agente; desvirtuada dos
objetivos inicialmente previstos, em nome de sua finalidade educacional de atendimento em
internatos e semi-internatos, conduziu a sua atuação através de programas indefinidos,
marcados por irregularidades e mesmo regime carcerário de internação.

1.3.2 O Código de Menores de 1979

O segundo momento da etapa tutelar, no Brasil, se dá com o advento do Código de


Menores de 1979 (Lei 6.697/79). A nova legislação foi alvo de muitas críticas. Como 1979 era
o ano internacional da criança, o legislador foi acusado de ter elaborado a nova lei de
afogadilho, apenas para atender à data comemorativa. O certo é que o Código de Menores de
1979 não mudava a essência do problema, mantendo a doutrina de situação irregular, nome
oriundo da Legislação Espanhola de 1918. Na realidade, desde o Regime Militar, algumas
modificações foram incorporadas no sistema tutelar.

A lei passou a disciplinar a relação dos menores com o Estado, encarando-os como
se houvesse uma patologia jurídico-social. No art. 1º se definia que o Código de Menores
disporia sobre a assistência, proteção e vigilância a menores: “I – até dezoito anos que se
encontrassem em situação irregular; II – entre dezoito e vinte e um ano, nos casos expressos em
lei”. O artigo subseqüente definia o que era situação irregular:

“Para os efeitos desse Código, considera-se, em situação irregular, o menor: I-


privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória,
ainda que eventualmente, em razão de; a) falta, ação ou omissão dos pais; b)
manifesta impossibilidade dos pais ou responsáveis, para provê-los; II – vítima de
maus-tratos ou castigos imoderados, impostos pelos pais ou responsável; III – em
perigo moral, devido a: a) encontrar-se de, modo habitual, em ambiente contrário
aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos nos costumes; IV –
privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou
responsável; V – com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar
ou comunitária; VI – autor de infração penal”.
25

Dessa forma, o art. 26 do Código Mello Mattos é parcialmente reproduzido pelo


Código de 79, equiparando pessoas carentes a infratores. As expressões “menor abandonado” e
“menor delinqüente” passam a integrar o cotidiano das pessoas para designar toda criança ou
adolescente que estivesse no alvo do sistema de controle formal, especialmente por meio da
Justiça. Crianças e adolescentes que vagassem pela rua, que usassem andrajos ou estivessem
com roupas muito singelas, pelo simples fato de estarem com vestimentas pobres, já eram
identificadas numa das duas categorias que permitiam enquadrá-las como em “situação
irregular”.

Todas as situações descritas como irregulares derivavam, conforme o caso, de


irregularidades existentes na própria família, e a letra da lei não estabelecia qualquer diferença
entre a vítima de um abandono familiar e o autor de ato ilícito. Estando em situação irregular,
estaria a criança ou adolescente sujeito à jurisdição do Juiz de Menores, podendo, dependendo
dos instrumentos existentes à disposição do magistrado, ser submetido a estabelecimento
inadequados ou mesmo à institucionalização. Não era raro o menor abandonado se colocado no
mesmo estabelecimento que agentes infratores, já que ambos as categorias derivavam da
condição de “situação irregular”.

A doutrina da situação irregular pode ser representada esquematicamente assim:

Perí
Período autoritá
autoritário – de 1964 a 1980

Enfoque do atendimento

correcional
repressivo
ideologia da
assistencialista
compaixão
compensatório
repressão

Trajetória

apreensão triagem rotulação deportação confinamento

1.3. A etapa garantista – Teoria da Proteção Integral

A última etapa da evolução histórica se inicia com a promulgação da Constituição


Federal de 1988, e tem sua posterior regulamentação com a Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA). O Título VIII da Constituição Federal, Da Ordem Social, criou um
capítulo específico que tem disposições sobre a Família, Criança, Adolescente nos arts. 227 a
229. Tais dispositivos constitucionais, articulados com sua lei regulamentadora, o ECA,
substituem o paradigma da “situação irregular” pelo da “proteção integral”, permitindo
26

estabelecer regras que indicam a absoluta prioridade dada aos interesses da criança e do
adolescente (art. 227, caput, da Constituição de 1988 c.c arts. 3 e 4 do ECA).

A Doutrina da Proteção integral visa:

 proteção diferenciada, especializada e integral.


 confere aos indivíduos em desenvolvimento, crianças e adolescentes,
seus direitos fundamentais sem discriminação.
 garante proteção especial àquele segmento considerado pessoal e
socialmente mais vulnerável.
 contrapõe-se ao “Direito Tutelar do Menor” do Código de Menores -
1979

O constituinte de 1988, após intensa mobilização social, fez constar da Carta


Magna no artigo 227, o compartilhamento de responsabilidade, constitucionalizando o
princípio da prioridade absoluta e os direitos inerentes a população infanto-juvenil.

De modo que soterrou por completo a teoria da situação irregular. Mas, existem
vozes saudosistas que querem ressuscitá-la, por isso, a vigilância deve ser constante, para que
aqueles tempos não voltem jamais.

Constituição Federal
O Art. 227 define:
Família
É dever da(o) Sociedade
Estado

Assegurar à Criança e ao Adolescente com


PRIORIDADE ABSOLUTA os direitos:
 à vida  à cultura
 à saúde  à dignidade
 à alimentação  ao respeito
 à educação  à liberdade
 ao lazer  à convivência
 à profissionalização familiar e comunitária

O superado Código de Menores de 1979, calcado na doutrina da situação irregular,


permitia, partindo quer de sua conduta pessoal (pratica de ato infracional), quer da postura da
família (maus-tratos), quer, por fim, da própria sociedade (abandono), sem distinguir com
clareza a sua motivação ou origem, declarar um jovem em situação irregular, sujeitando-o a
medidas judiciais tutelares e punitivas.

Na prática isso acarretava a mistura de adolescentes infratores e abandonados,


vítimas da família e da sociedade, com praticantes de condutas delituosas, porquanto a
premissa era algo que os igualava; a situação irregular.
27

O avanço legislativo é perceptível pela própria terminologia, pois se superam as


categorias jurídicas violentadas, diminuídas, sinônimo fácil de delinquência, muitas vezes
associadas à pobreza e carência.

O menor cede espaço à criança e adolescente, que passam a ser sujeitos de direitos.
O advento do Estatuto tornou bem diferente a situação. Adotaram-se princípios de natureza
penal e processual para garantias de um justo processo. Avançou-se no que concerne ao
princípio da legalidade e a intervenção punitiva ou educativa já não se faz com os “menores”
abandonados ou carentes, havendo um procedimento em que se respeitam varias garantias
processuais básicas (presunção de inocência, direito de defesa por intermédio de um advogado
constituído, direito ao duplo grau de jurisdição, direito de conhecer plenamente a acusação que
é ofertada pelo representante do Ministério Público).

DOCUMENTOS INTERNACIONAIS QUE INSPIRARAM O ESTATUTO

A ideia de se consagrar a proteção especial a necessidade de proporcionar à


criança uma proteção especial resulta de inúmeros documentos internacionais de proteção à
criança e ao adolescente, como:

A “Declaração de Genebra” de 1924 já determinava a necessidade de


proporcionar à criança uma proteção especial.

A “Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas” de 1948


(Paris) já previa o direito a cuidados e assistência especiais.

A “Declaração Universal dos Direitos da Criança” de 1959, assinada pelo


Brasil, representa princípios para os signatários e não obrigações para estes Estados.

Na década de 80, as “Regras de Beijing” (Resolução nº 40.33 da Assembléia


Geral da ONU de 29/11/85) estabeleceram normas mínimas para a administração da Justiça da
Infância e Juventude.

Merece referência, ainda, as “Diretrizes de Riad” para a prevenção da


delinqüência juvenil e as regras mínimas das Nações Unidas para a proteção de jovens privados
de liberdade, ambos os documentos aprovados na Assembleia Geral das Nações Unidas de
1990, os quais se somam aos demais “documentos internacionais”.

Destaque-se, especialmente a “Convenção Internacional sobre os Direitos da


Criança”. Aprovada por unanimidade pela Assembleia Geral das Nações Unidas em sua sessão
de 20 de novembro de 1989, é fruto de um esforço conjunto entre vários países que durante dez
anos, buscaram definir quais os direitos humanos comuns a todas as crianças, para formulação
de normas legais, internacionalmente aplicáveis, capazes de abranger as diferentes conjunturas
socioculturais existentes entre os povos.
28

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989 consagra a


“Doutrina da Proteção Integral”, ou seja, que os direitos inerentes a todas as crianças e
adolescentes possuem características específicas devido à peculiar condição de pessoas em vias
de desenvolvimento em que se encontram e que as políticas básicas voltadas para a juventude
devem agir de forma integrada entre a família, a sociedade e o Estado.

Recomenda que a infância deva ser considerada prioridade absoluta,


necessitando de consideração especial, devendo sua proteção sobrepor-se às medidas de ajustes
econômicos, sendo universalmente salvaguardados os seus direitos fundamentais.

Reafirma, também, conforme o princípio do interesse maior da criança, que é


dever dos pais e responsáveis garantir às crianças proteção e cuidados especiais e na falta
destes é obrigação do Estado assegurar que instituições e serviços de atendimento o façam.

Segundo o art. 47 da Convenção, a ratificação no plano internacional se dá com o


depósito dos instrumentos junto ao Secretariado Geral das Nações Unidas. No Brasil a
ratificação se deu com a publicação do Decreto nº 99.710, de 21/11/90, pelo qual o presidente
da República promulgou a Convenção, transformando-a em lei interna. Sua implementação se
tornou possível pela compatibilidade existente entre suas regras e as normas do Estatuto da
Criança e do Adolescente.

Tânia Pereira da Silva, no seu livro “Direito da Criança e do Adolescente – Uma


proposta interdisciplinar” colacionou algumas opiniões de autores consagrados, vejamos:

Antônio Fernando do Amaral e Silva pontua com exatidão que a Doutrina da


Proteção integral preconiza que “este direito especializado não deve se dirigir
apenas a um tipo de jovem, mas sim, a toda a juventude e a toda a infância, e
suas medidas de caráter geral devem ser aplicáveis a todos. Como medida de
proteção deve abranger os direitos essenciais que fundamentam a Declaração
Universal dos Direitos Humanos e outros documentos emanados das Nações
Unidas.”

“Reforça Felício Pontes Jr (1992) este conceito, esclarecendo que esta doutrina
baseia-se na concepção de que “criança e adolescente são sujeitos de direitos
universalmente reconhecidos, não apenas de direitos comuns aos adultos, mas,
além desses, de direitos especiais, provenientes de sua condição peculiar de
pessoas em desenvolvimento que devem ser assegurados pela família, Estado e
sociedade.”

A “Convenção Americana de Direitos Humanos”, também conhecida como


Pacto de San José, ratificada pelo Brasil em 1992, prevê no art. 19 que todas as crianças têm
direito às medidas de proteção que a condição de menor requer, por parte da família da
sociedade e do Estado.
29

Segundo Marcos Aurélio S. Viana (1993), “o Estatuto não distinguiu em termos


gerais entre o menor em situação regular e o menor em situação irregular. Sua aplicação
é ampla e abrangente. Substitui a expressão menor por criança e adolescente, evitando o
cunho pejorativo que o primeiro termo acabou por conter”.

O quadro a seguir demonstra a comparação entre a doutrina da situação irregular e


o novo paradigma que informa a doutrina da proteção integral, sendo este o caminho que o
legislador constitucional tinha em mente, exigindo uma nova postura não só dos operadores de
direito, mas do governo, das instituições, e tudo que se refere a criança e ao adolescente, titular
de direito subjetivo, e portador do princípio da prioridade absoluta.

O ECA prevê uma mudança de paradigmas:

Base doutrinária – Situação irregular Proteção


integral
Público - Menores Crianças e Adolescentes
Visão da criança – medidas judiciais Sujeitos de
direitos
Caráter da política – compensatória Políticas Públicas
Estrutura – centralização Descentralização
Participação – não existia Instâncias colegiadas
Caráter social – penaliza a pobreza Prevê estratégias
Execução – União/Estado Município
Papel do juiz - não exigia fundamentação Direito a
defesa

Assim, novos paradigmas passaram a orientar o Direito a Criança e do


Adolescente, esboçando a partir daí uma nova especialidade dentre as Ciências Jurídicas. A
Constituição de 1988 e o Estatuto revelam três elementos fundamentais que dão novo
direcionamento à proteção da infanto-adolescência, são eles: criança e adolescentes são sujeitos
de direitos, são pessoas em peculiar de desenvolvimento e gozam de prioridade absoluta.

Por fim, Antônio Fernando do Amaral e Silva, ressalta a importância do Direito da Infância e
Juventude, dizendo:

“Novo ramo, criado a partir da Constituição de 1988, inspirado na Doutrina da


Proteção integral e regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,
prende-se aos princípios gerais, às regras técnicas do Direito, aos conceitos da
Ciência Jurídica, buscando a realização do justo, do bem comum, da equidade.
30

LIÇAO Nº 03 – Estrutura do Estatuto da Criança e Adolescente – Sistemas de Proteção –


Princípios

Estrutura do Estatuto da Criança e Adolescente – Sistemas de Proteção – Princípios

O livro I – Parte Geral - Explicita os direitos, são os direitos fundamentais


(Art. 1º ao art. 85).

 Direito à vida e à saúde


 Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade.
 Direito à convivência familiar e comunitária (família natural, guarda, tutela
e adoção)
 Direito à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer
 Direito à profissionalização e à proteção no trabalho
 Da prevenção Geral e Especial

O Livro II – Parte Especial - Estabelece formas de atuação e procedimentos


(art. 86- 227)

 Da política de atendimento
 Das Medidas de Proteção
 Da Prática do Ato Infracional
 Das Medidas pertinentes aos pais
 Do Conselho Tutelar
 Do acesso a Justiça
 Dos recursos
 Dos crimes e das infrações administrativa

1. Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente

1.1. Considerações iniciais

O Estatuto da Criança e do Adolescente é um sistema aberto de regras e


princípios. As regras nos fornecem a segurança necessária para delimitarmos a conduta. Os
princípios expressam valores relevantes e fundamentam as regras, exercendo uma função de
integração sistêmica. Regras e princípios são espécies de normas.

No campo do direito infanto-juvenil brasileiro ambos concretizam a doutrina da


proteção integral, espelho do princípio da dignidade da pessoa humana para crianças e
adolescentes.

Três são os princípios orientadores do ECA: a) princípio da prioridade absoluta;


b) princípio do melhor interesse; c) princípio da municipalização.
31

2.2. Princípio da Prioridade absoluta

Trata-se de princípio constitucional estabelecido pelo art. 227, da Lei Maior, com
previsão no art. 4º da Lei nº 8.069/90.

Estabelece primazia em favor das crianças e adolescentes em todas as esferas de


interesses. Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o interesse
infanto-juvenil deve preponderar. Não comporta indagações ou ponderações sobre qual o
interesse a tutelar em primeiro lugar, já que a escolha foi realizada pela nação através do
legislador constituinte.

Ressalte-se que a prioridade tem um objetivo bem claro: realizar a proteção


integral, assegurando primazia que facilitará a concretização dos direitos fundamentais
enumerados no art. 227, caput, da Constituição da República e reenumerados no caput do artigo
4º, do ECA.

Leva em conta a condição de pessoa em desenvolvimento, pois a criança e o


adolescente possuem uma fragilidade peculiar de pessoa em formação, correndo mais riscos
que um adulto.

2.3. Princípio do Melhor Interesse

O princípio do melhor interesse foi adotado pela comunidade internacional na


Declaração dos Direitos da Criança em 1959. Por esse motivo já se encontrava presente no art.
5º do Código de Menores de 1979, ainda que sob a égide da doutrina da situação irregular, que
dizia:

“Art. 5º. Na aplicação desta lei, a proteção aos interesses do menor sobrelevarão
qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado.”

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, de 1989, adotou a


doutrina da proteção integral, reconhecendo direitos fundamentais para a infância e
adolescência, incorporada pelo artigo 227 da CF e pela legislação estatutária infanto-juvenil,
mudou o paradigma do princípio do melhor interesse da criança, como previsto no Código de
Menores de 1979.

Pois, na vigência do Código de Menores, a aplicação do melhor interesse limitava-


se a crianças e adolescentes em situação irregular. Agora, com a adoção da doutrina da
proteção integral, a aplicação do referido princípio ganhou amplitude, aplicando-se a todo
público infanto-juvenil, inclusive e principalmente nos litígios de natureza familiar.

Trata-se de princípio orientador tanto para o legislador como para o aplicador,


determinando a primazia das necessidades da criança e do adolescente como critério de
interpretação da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo para elaboração de futuras regras.
32

Assim, na análise do caso concreto, acima de todas as circunstâncias fáticas e


jurídicas, deve pairar o princípio do melhor interesse, como garantidor do respeito aos
direitos fundamentais titularizados por crianças e jovens.

Indispensável que todos os atores da área infanto-juvenil tenham claro para si que
o destinatário final de sua atuação é a criança e o adolescente. Para eles é que se tem que
trabalhar. É o direito deles que goza de proteção constitucional em primazia, ainda que
colidente com o direito da própria família.

Princípio do melhor interesse é, pois, o norte que orienta todos aqueles que se
defrontam com as exigências naturais da infância e juventude. Materializá-lo é dever de
todos.

2.4. Princípio da Municipalização

A Constituição da República descentralizou e ampliou a política de assistencial (art.


204, da CF/88). Disciplinou a atribuição concorrente dos entes da federação resguardando para
a União competência para dispor sobre as normas gerais e coordenação de programas
assistenciais.

Seguindo os sistemas de gestão contemporânea, fundados na descentralização


administrativa, o legislador constituinte reservou a execução dos programas de política
assistencial à esfera estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência
social.

A cogestão da política assistencial acaba por envolver todos os agentes que, por
serem partícipes, se responsabilizam com maior afinco em sua implementação e busca de
resultados.

Acrescente-se que é mais simples fiscalizar a implementação e cumprimento das


metas determinadas nos programas se o poder público estiver próximo, até porque reúne
melhores condições de cuidar das adaptações necessárias à realidade local. Aqui está o
importante papel dos municípios na realização das políticas públicas de abrangência social.
O Estatuto da Criança e do Adolescente incorporou a modernidade e lógica desse pensamento,
seguindo a determinação do § 7º, do artigo 227, da Carta Constitucional.

A relevância do poder público local na legislação estatutária é facilmente


verificável. O artigo 88 elenca as diretrizes da política de atendimento determinando a sua
municipalização, criação de conselhos municipais dos direitos da criança, criação e
manutenção de programas de atendimento com observância da descentralização político
administrativa.
33

3. Definição de criança e adolescente

Nos termos do art. 2º do Estatuto, será criança a pessoa com até 12 (doze) anos
incompletos, e adolescente aquele que tiver entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos. A idade é o
fator determinante para a fixação de quem é criança, adolescente ou adulto. Adota-se um
critério cronológico absoluto, sem qualquer menção à condição psíquica ou biológica.

3.1.Utilização da designação “menor”

Apesar de adotado pelo Código Civil e Código Penal, e ser largamente utilizado
pela doutrina, o termo “menor” é considerado pejorativo, pois remete ao antigo Código de
Menores, que tratava crianças e adolescentes como pessoas em situação irregular, e as fazia
carregar o estigma de marginalização, delinqüência e abandono, o que não coaduna com os
novos paradigmas invocados e trabalhados pelo Estatuto, que prima pela proteção constante e
integral das pessoas em desenvolvimento.

Desta feita, o melhor é optar pela utilização de outras expressões, tais como,
“criança”, “adolescente”, “pessoas em desenvolvimento”, “infante”, “sujeitos de direitos
especiais”, etc.

4. Sistemas de Garantia

A Constituição Federal de 1988, antecipando-se à Convenção das Nações Unidas


de Direito da Criança, incorporou ao ordenamento jurídico nacional, em sede de norma
constitucional, os princípios fundantes da Doutrina da Proteção Integral, expressos
especialmente em seus arts. 227 e 228.

O Brasil foi o primeiro país da América Latina a adequar sua legislação nacional
aos termos da Convenção. Em verdade fez mais, na medida em que incorporou seus primados
no próprio texto da Constituição Federal.

Como visto, o Principio da Prioridade Absoluta, erigido como preceito fundante


da ordem jurídica, estabelece a primazia deste direito no art. 227 da CF/88. Tal principio está
reafirmado no art. 4º, do ECA, neste dispositivo está alicerçado em três pilares, ou três sistemas
de garantia, que proporciona uma estabilidade para concretização de seus objetivos, são eles:

a) O SISTEMA PRIMÁRIO: Dá conta das Políticas Públicas de Atendimento a


crianças e adolescentes (especialmente os artigos. 4º e 86 e 87)

b) O SISTEMA SECUNDÁRIO: Trata das Medidas de Proteção dirigidas a


crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social, não autores de atos infracionais,
tem natureza preventiva, ou seja, crianças e adolescentes enquanto vítimas, enquanto violados
em seus direitos fundamentais (especialmente os artigos 98 e 101).
34

c) O SISTEMA TERCIÁRIO: Trata das medidas socioeducativas, aplicáveis a


adolescentes em conflito com a Lei, autores de atos infracionais, ou seja, quando passam da
condição de vítima à condição de vitimizadores (especialmente os artigos 103 e 112).

 podem responder a uma ação socioeducativa;


 podendo ser aplicado uma medida socioeducativa;
 garantias processuais, defesa técnica, ampla defesa, devido processo legal.

Os três sistemas apresentados, pela sua importância serão estudados


pormenorizadamente nas lições seguintes, podem ser esquematizados como o gráfico abaixo.

ANOTAÇÕES:
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LIÇÃO Nº 04 – Dos Direitos Fundamentais

1. Considerações gerais

Segundo João Batista Costa Saraiva a questão relativa ao estudo do Direito da


Criança deve ser focada em face do conjunto dos direitos fundamentais, dos direitos humanos,
cuja dimensão subjetiva determina o estatuto jurídico da cidadania, quer em suas relações com
o Estado, quer em suas relações entre si.

A elaboração destes princípios fundamentais, incorporados pelo constitucionalismo


moderno, remonta a uma caminhada de séculos.

O processo de construção de um sistema de direitos fundamentais e o trato


constitucional destes, do ponto de vista histórico, como destaca Antonio Perez Luño, remete a
um período inicial, onde foram concebidos inicialmente, como instrumentos de proteção da
cidadania frente à onipotência do Estado.

Segundo J. J. Gomes Canotilho direitos fundamentais são os direitos do homem,


jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente (...) direitos
fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.

São direitos inatos ao ser humano, mas variáveis ao longo da história. Estão
atualmente declarados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
1948, e presentes nos Estados Democráticos de Direito. São direitos que se opõem ao Estado,
limitando e condicionando sua atuação.

Norberto Bobbio, no seu livro a Era dos Direitos distinguiu três fases no
desenvolvimento dos direitos do homem: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de
liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para
o indivíduo, ou para grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num
segundo momento, foram propugnados direitos políticos, os quais – concebendo a liberdade
não apenas negativamente, como não-impedimento, mas positivamente, como autonomia –
tiveram como conseqüência a participação cada vez mais ampla, generalizada e freqüente dos
membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram
proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências –
podemos dizer, de novos valores – como o bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que
poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado.

O Brasil tem na proteção dos direitos humanos um dos fundamentos do Estado


Democrático de Direito. Ao longo do texto constitucional, principalmente em seu art. 5º, previu
e garantiu direitos fundamentais.

No que tange as crianças e adolescentes, o legislador constituinte particularizou


dentre os direitos fundamentais, aqueles que se mostram indispensáveis à formação do
37

indivíduo ainda em desenvolvimento, elencando-os no caput do art. 227. São eles: Direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar.

2. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE:

Ao definir os direitos fundamentais da criança e do adolescente, nos moldes da


norma constitucional, o ECA determina que sua garantia se dê com absoluta prioridade (artigo
4º), ou seja, quando da elaboração de políticas públicas, quando da destinação de recursos
financeiros, quando do atendimento médico, escolar, assistencial etc, em primeiro lugar
deverão ser atendidas as necessidades desta parcela da população brasileira. Prevê o ECA em
seu artigo 5º em que compreende a garantia de prioridade.

2.1 DO DIREITO À VIDA E À SAÚDE:

Dentre os direitos fundamentais protegidos e assegurados pela lei, o direito a vida e


à saúde destaca-se, por sua importância.

A criança e o adolescente, que estão em fase de desenvolvimento, devem merecer


a proteção especial da família, da sociedade e do Poder Público, devendo este criar condições e
programas específicos que permitam seu nascimento e desenvolvimento de forma sadia e
harmoniosa.

O ECA prevê que a criança e o adolescente têm direito à vida e à saúde, mediante a
efetivação de políticas sociais públicas que permitam o seu nascimento e o desenvolvimento
sadio e harmonioso, em condições dignas de existência (artigo 7º). O Sistema Único de Saúde
(SUS) deve garantir este atendimento, desde quando a criança encontra-se no útero materno.

À gestante é assegurado o atendimento pré e perinatal por meio do SUS, bem


como o atendimento preferencial pelo mesmo médico que a acompanhou na fase pré-natal. Ao
poder público incumbe, ainda, propiciar o apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele
necessitem (art.8º, do ECA).

O aleitamento materno deve ser garantido pelo poder público e por todas
instituições e empregadores, inclusive, quando da privação de liberdade da mãe (art. 9º, do
ECA).

Em relação à criança e ao adolescente prevê o ECA a garantia do aleitamento


materno, o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e
recuperação da saúde, o atendimento especializado aos portadores de deficiência, o
recebimento sem ônus de medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao
tratamento, habilitação ou reabilitação, etc.
38

Aos hospitais, públicos ou particulares, incumbe, obrigatoriamente, a


identificação do recém-nascido (registro da impressão plantar e digital do bebê e da impressão
digital da mãe); a realização dos exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades
do metabolismo do recém-nascido (exame do pezinho, exame da orelhinha), com orientação
aos pais; o fornecimento de declaração de nascimento e a manutenção de alojamento conjunto,
possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe (art. 10). O não atendimento a estas
normas caracteriza a prática dos crimes previstos no artigo 228 e 229 do ECA.

É garantida, ainda, a permanência em tempo integral de um dos pais ou


responsáveis pela criança ou adolescente nos estabelecimentos de atenção à saúde, quando de
internação (art. 12, do ECA).

IMPORTANTE:

Caberá aos estabelecimentos de saúde fazer, em caráter obrigatório, a


comunicação dos casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos
contra criança ou adolescente ao Conselho Tutelar. Observe-se que o
descumprimento desta norma caracteriza a prática da infração
administrativa prevista no artigo 245 do ECA.

2.2. DO DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE:

Com fundamento constitucional (artigo 5º, CF) previu o ECA que a criança e o
adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em
processo de desenvolvimento e como sujeitos dos direitos civis, humanos e sociais garantidos
na constituição e nas leis (artigo 15).

Definiu o ECA no artigo 16 quais são os aspectos que compreendem o direito à


liberdade em sete dimensões:

a) ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas


as restrições legais:

Os logradouros públicos são as ruas, avenidas, praças, parques etc, caminhos e


locais de uso do povo; os espaços comunitários são os equipamentos sociais de uso
institucional como escolas, igrejas, clubes etc. Quanto aos espaços privados não faz referência a
lei por depender da autorização de seus proprietários (Art. 14, do ECA).

A ressalva mencionada no inciso acima refere-se às limitações impostas pelos pais


ou responsáveis, no exercício do poder familiar ou no caso de guarda, tutela. Igualmente,
referem-se às regras impostas pelo ECA quanto às diversões públicas, casas de jogos, viagens e
quando da privação de liberdade do adolescente por determinação judicial, ante a prática de ato
infracional.
39

Proibição de portarias genéricas:

Diferentemente do que muito se propala a garantia do direito de ir e vir às crianças e


adolescentes não representa uma forma de liberalidade excessiva. Na verdade, busca o ECA a
garantia de uma norma constitucional não permitindo que à população infanto-juvenil seja
impostas regra mais severas do que aos adultos Quanto aos seus pais ou responsáveis compete
o exercício de uma paternidade responsável, com apoio do poder público.

Ao garantir o direito de ir e vir proibiu o ECA aquelas normas genéricas editadas


pelos Magistrados ao tempo do Código de Menores que proibia a saída dos jovens de suas
residências após determinado horário. A criança e o adolescente devem, inicialmente, obedecer
a seus pais. Permitida sua saída de casa pelos pais ou responsável, o ECA prevê que não será
possível seu acesso e permanência em determinados locais, nocivos à sua condição de pessoa
em desenvolvimento. Para tanto devem ser expedidas alvarás e portarias pela autoridade
judiciária, ouvido o representante do Ministério Público, disciplinando a entrada e permanência
de crianças e adolescentes em determinados locais, desacompanhadas dos pais ou responsável,
bem como sua participação em espetáculos, nos termos do artigo 149 do ECA.

DEVER DA FAMÍLIA

Caberá aos pais, família e comunidade fiscalizar o exercício desse direito concedido
pró-criança e adolescente e não em seu desfavor. Assim, não se pode permitir que criança ou
jovem fiquem nas ruas, afastado dos bancos escolares, dormindo em calçadas, cheirando cola
de sapateiro, usando drogas, sobrevivendo de caridade ou pequenos furtos, mesmo que afirmem
que estão na rua porque assim desejam. Em razão de sua conduta se colocam em risco,
passando a ser enquadrados na hipótese do art. 98, III, do ECA, justo motivo para pronta
intervenção da rede garantidora.

A dificuldade prática diante desse quadro é a abordagem e convencimento,


principalmente dos adolescentes. Necessária a capacitação das equipes de abordagem e
acolhimento, bem como a formação de uma estrutura para cuidar dos meninos (a) em situação
de rua e reintegração dos que apenas estão na rua. Casas de Passagem, equipes técnicas
capacitadas, apoio clínico para o caso de drogaditos que em razão do vício não conseguem
reagir às intervenções técnicas estão na ordem do dia dos centros urbanos.

Cabe ao CMDCA formular políticas públicas de acolhimento e ao poder público


executá-las de forma eficaz, não se limitando a recolher o público infanto-juvenil de rua, mas
também apóia-lo, curá-lo, identificar as causas que motivaram o enfrentamento dos perigos nas
ruas, não se esquecendo de cuidar da família, sem a qual todo o trabalho realizado se mostrará
inócuo.

Na mesma linha, crianças e adolescentes não tem o direito de abandonar a escola e


permanecer em casa, ou freqüentar lugares impróprios à sua condição de pessoa em
40

desenvolvimento, ou assistir programas impróprios, pois a liberdade não pode ser exercida em
seu desfavor.

b) opinião e expressão:

Com fundamento no artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal onde se lê: é livre a
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, prevê o ECA a liberdade de opinião
da criança e do adolescente. Trata-se de direito a ser respeitado por todos e que o próprio ECA
procura ver efetivado ao determinar a oitiva da criança e do adolescente em alguns casos,
especialmente quando a questão está diretamente ligada a eles, como por exemplo, quando de
sua colocação em família substituta (artigo 28, § 1º e artigo 45, § 2º); quando da privação de
liberdade do adolescente autor de ato infracional, devendo ele ser ouvido pessoalmente pela
autoridade competente (artigo 111, inciso V) etc.

A liberdade de expressão está prevista no artigo 5º, inciso IX da Constituição


Federal: é livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença. O ECA resguarda este direito à criança e ao
adolescente em caráter geral, dada a importância da manifestação do pensamento na formação
do homem.

c) crença e culto religioso:

Trata-se da liberdade religiosa, cabendo à criança e ao adolescente escolher sua


crença, ou seja, em qual religião acreditará, ou mesmo se em nenhuma delas, e ainda se
participará de manifestações religiosas (cultos), nas mais variadas formas.

Por outro lado, é natural que os pais orientem seus filhos sobre a opção religiosa a
ser seguida, tratando-se inclusive de um dos atributos do poder familiar. O que será vedado é a
imposição.

A Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB) prevê


em seu artigo 33 que o ensino religioso será de matrícula facultativa no ensino fundamental,
devendo ser oferecido de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus
responsáveis.

d) brincar, praticar esportes e divertir-se:

Se existe uma linguagem universal esta é a das crianças com suas brincadeiras e
fantasias. Em qualquer parte do mundo as crianças brincam, gritam, conversam sozinhas, dão
vida a seres inanimados. Trata-se de um momento precioso na formação de sua personalidade e
que não pode ser suprimido, sob pena, de deixar graves sequelas. O ECA busca garantir o
direito de brincar, praticar esportes e divertir-se diante da essencialidade de tais práticas na vida
do ser humano.
41

São muitos os casos em que estes direitos são violados. Crianças e adolescentes são
impedidos de brincar de bola nas ruas; não existem áreas destinadas ao lazer em inúmeros
prédios de apartamentos; as escolas não propiciam horários e locais para práticas de esporte e
lazer etc. Estes aspectos do direito à liberdade deverão ser exercidos e os seus limites será o
respeito aos direitos dos outros membros da comunidade ou da instituição que freqüentam.

e) participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação:

O direito de ser criado e educado no seio de uma família, natural ou substituta, é um


dos direitos fundamentais da criança e do adolescente (artigo 19 do ECA). Neste sentido, o
ECA reforça este direito como um dos aspectos do direito à liberdade, quando assegura a
convivência familiar e comunitária.

É esta convivência no seio da família e nos espaços comunitários de seu bairro


(escolas, clubes, igrejas, centros comunitários) que impede a saída das crianças e adolescentes
às ruas, perdendo os vínculos familiares e passando a viver na chamada “situação de rua”.
Quebrado este importante elo torna-se bastante difícil sua reconstrução, o que representa o
início de uma seqüência de violações de direitos das crianças e adolescentes: uso de drogas,
fome, frio, violência física, violência sexual, prática de atos infracionais etc.

f) liberdade de participar da vida política, na forma da lei:

Trata-se do direito que a criança e o adolescente têm em participar da vida política


nas entidades estudantis das escolas que freqüentam e ainda, quanto aos adolescentes entre 16 e
18 anos, da faculdade de se alistarem para poderem exercer o direito ao voto (artigo 14, inciso
II, letra c da Constituição Federal).

g) buscar refúgio, auxílio e orientação:

Prevê o ECA que a criança deve estar a salvo de toda forma de exploração e
violência, seja no seio da família ou fora dela. Para tanto espaços adequados. Esses espaços são
as entidades de atendimento que fazem o acolhimento familiar ou institucional que poderá
acolher a criança e o adolescente que necessitar de ser protegido (programas de proteção). Por
isso, devem ser criados para garantir esta proteção, mesmo em confronto com a própria família.

h) Direito ao Respeito

Definiu o ECA em seu artigo 17 quais são os aspectos que compreendem o direito
ao respeito:

O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e


moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da
autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais (artigo 17 do ECA).
42

Busca-se a proteção do direito ao próprio corpo, à alimentação, à vida saudável,


bem como à integridade emocional. Inúmeras vezes crianças e adolescentes são alvos de
violência física quando, sob o manto da correção, os pais ou responsáveis as espancam. Por
outro lado, sofrem violência psicológica de toda sorte: quando são torturadas por adultos que a
disputam, buscando alcançar sua guarda, por exemplo. São vários os dispositivos do ECA
buscando alcançar o cumprimento desta norma.

O direito a preservação da imagem está em não ser possível o uso da imagem do


adolescente autor de ato infracional. Entretanto, em qualquer hipótese, depende de autorização
dos pais ou responsável para que se possa dar divulgação (fotografias, filmes) à imagem de
crianças e adolescentes. E mesmo nesta hipótese deve ser dado cumprimento aos seus direitos
fundamentais e sua condição de pessoa em desenvolvimento.

A preservação da identidade é de extrema importância na individualização do ser


humano, na sua identificação e afirmação consigo mesmo e com os outros.

g) Direito a Dignidade

Definiu o ECA em seu artigo 18 quais são os aspectos que compreendem o direito à
dignidade.

Ao prever ser dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente,


pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor, reconhece o ECA que não apenas aos pais ou responsável cabe a
responsabilidade na proteção de seus filhos, mas a toda a comunidade e ao poder público,
considerando que sem um investimento seguro na formação desta parcela da população toda a
sociedade sofrerá com as conseqüências.

Portanto, por determinação legal, não mais será possível a omissão de quem quer
que seja diante de uma violação de direitos de crianças e adolescentes, cabendo aquele a
tomada de providência imediata, com a comunicação à autoridade competente. Em que pese o
dever coletivo, cabe primordialmente aos pais ou àqueles que detém a guarda do infante o
múnus de zelar pela integridade, pois são os responsáveis legais, nos exatos termos do artigo
1634, do Código Civil c/c artigo 21 do ECA. O Poder Público e a sociedade apenas serão
chamados a agir quando evidenciada alguma situação de risco, e necessidade de adoção de
medidas de proteção.

Não obstante, a previsão legal, O Congresso Nacional fez um acréscimo, incluindo


os artigos 18-A e 18-B, pela Lei nº 13.010/2014, que ficou conhecida por “Lei da Palmada” ou
“Lei Menino Bernardo”, que dispõe o seguinte:

“Art. 18. A criança e o adolescente têm direito de ser educados e


cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou
degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou
43

qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família


ampliada, pelos responsáveis pelos agentes públicos executores de
medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de
cuidar deles, tratá-los, educa-los ou protegê-los.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:
Castigo físico: ação de natureza punitiva aplicada com o uso da força
física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:
a) sofrimento físico; ou
b) lesão;
II – tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de
tratamento em relação à criança ou ao adolescente que:
a) humilhe; ou
b) ameace gravemente; ou
c) ridicularize:
Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada, os
responsáveis, os agentes públicos executores de medidas
socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de
crianças e de adolescentes, trata-los, educa-los ou protegê-los que
utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como
formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto
estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes
medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso.
I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à
família;
II – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
III – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
IV – obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;
V – advertência.
Parágrafo único. As medidas previstas neste artigo serão aplicadas
pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais.”

Assim, o artigo 18-A e 18-B, trazido como inovação tratou de conceituar o que são
castigo físico e tratamento cruel e degradante, bem como as medidas que podem ser adotadas
pelo Conselho Tutelar em caso de averiguação de alguma conduta violadora de direitos.

Os termos castigo físico e tratamento cruel e degradante trazidos no artigo 18-A têm
conceituação subjetiva, o que significa que os casos necessitam ser avaliados e tratados em suas
peculiaridades.

Na realidade com a nova lei, não muda praticamente nada. Os castigos e o


tratamento cruel ou degradante já eram punidos por outras normas existentes, como o Código
Civil, o Código Penal e o próprio ECA. A Lei nº 13.010/2014, que não cominou sanções
severas aos eventuais infratores, assumiu um caráter mais pedagógico e programático, lançando
44

as bases para a reflexão e o debate sobre o tema, que é uma realidade, pois é culturalmente
aceito o castigo físico, como meio de educação e correção.

Na realidade, a nova lei não desautoriza os pais do papel básico na família de educar
seus filhos. O que a nova lei faz é trazer, isto sim, uma nova cultura para a família. Não resta
dúvida que a violência doméstica é uma realidade, e a nova lei despertou a sociedade para o
debate deste tema.

2.3. DO DIREITO À EDUCAÇÃO, À CULTURA, AO ESPORTE E AO


LAZER.

O direito à educação é assegurado à criança e ao adolescente visando seu pleno


desenvolvimento, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.
Assegura-lhes a lei a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, o direito
de ser respeitado por seus educadores, o direito de contestar critérios avaliativos, o direito de
organização e participação em entidades estudantis e o acesso à escola pública e gratuita
próxima de sua residência (artigo 53 e incisos do ECA).

É direito fundamental que permite a instrumentalização dos demais, pois sem


conhecimento não há implementação universal dos direitos fundamentais. A ignorância leva a
uma passividade generalizada que impede questionamentos, assegura a manutenção de velhos
sistemas violadores das normas que valorizam o ser humano e impede o seu crescimento e o
conseqüente amadurecimento da nação.

A Constituição Federal de 1988, no artigo 206, determina que a política educacional


funda-se nos seguintes princípios constitucionais:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento e o
saber;
III – pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições púbicas e privadas de ensino;
IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V – valorização dos profissionais de ensino, garantidos, na forma da lei, plano
de carreira para o magistério público com piso salarial profissional e ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos.
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII – garantia de padrão de qualidade.

Questiona-se, atualmente, a possibilidade da chamada expulsão da criança da escola


em virtude de indisciplina. A posição mais avançada conclui que não será possível, mesmo que
previsto em Regimentos Internos, ante o direito de permanência na escola. Na verdade esta
seria a alternativa mais fácil para os educadores, quando na verdade a escola possui o papel de
45

reverter este quadro, pois é exatamente com o fim de garantir o seu pleno desenvolvimento que
ela existe. Por outro lado, deve o educador se valer das medidas previstas no próprio ECA para
alcançar a solução do problema: as medidas de proteção aplicáveis pelo Conselho Tutelar e as
medidas sócio-educativas, aplicáveis pela autoridade judiciária, quando a indisciplina
caracterizou um ato infracional.

O artigo 208 da Constituição Federal é reproduzido pelo artigo 54 do ECA.


Assegura a criança e ao adolescente o ensino fundamental obrigatório; o atendimento em
creche e pré-escola; a oferta de ensino noturno regular adequado às condições do adolescente
trabalhador etc.

Uma regra importante prevista no ECA é a obrigação dos dirigentes de


estabelecimentos de ensino fundamental de comunicar ao Conselho Tutelar os casos de:

- maus-tratos envolvendo seus alunos;

- reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos


escolares; e
- elevados níveis de repetência.

Esta medida visa garantir a aplicação das medidas protetivas previstas no artigo 101
ECA pelo Conselho Tutelar.

A não comunicação dos casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra


criança ou adolescente ao Conselho Tutelar por parte do professor ou responsável por
estabelecimento de ensino fundamental, pré-escola ou creche, caracteriza a infração
administrativa prevista no artigo 245 do ECA.

2.4.5. Direito à Cultura, Esportes e Lazer

A criança e o adolescente no seu desenvolver necessitam de variados estímulos:


emocionais, sociais, culturais, educacionais, motores, enfim, todo o arcabouço necessário para
sua formação.

O ECA, fundado na doutrina da proteção integral, assegurou a crianças e jovens


não apenas direitos considerados imprescindíveis ao ser humano como vida, saúde, educação,
mas ainda aqueles que de certa forma são vistos como secundários ou até supérfluos por nossa
sociedade, mas que exercem importante papel no desenvolvimento da criança e do adolescente.

A cultura estimula o pensamento de maneira diversa da educação formal. Os


espetáculos culturais – música, dança, cinema – permitem que crianças e jovens tenham contato
com padrões de comportamento, valores, crenças, socialmente difundidos.
46

O esporte desenvolve as habilidades motoras, socializa e pode ser o início da vida


profissional da criança e do adolescente. Além disso, a prática esportiva é atualmente aliada da
saúde.

Criança e adolescente tem direito de brincar e de se divertir, e até de não fazer nada.
O lazer envolve entretenimento, diversão, são importantes ingredientes para a felicidade, e
antídoto da depressão.

2.5. DO DIREITO À PROFISSIONALIZAÇÃO E À PROTEÇÃO NO


TRABALHO:

As convenções da Organização Internacional do Trabalho

A primeira Conferência Internacional do Trabalho, promovido aos reclamos de


sindicatos, promovido em 1919, as reivindicações da classe operária do final do século XIX e
início do século XX, eram: limitação da jornada de trabalho noturno de menores de 18 anos, e
definição da idade mínima de catorze anos para o trabalho na industria.

Da conferência mencionada, resultaram na aprovação de seis convenções, sendo que


as duas últimas podem ser consideradas os primeiros documentos internacionais que, de forma
específica, promoveram a defesa dos interesses da criança.

Dessa maneira, essas convenções são importantíssimas para o entendimento da


defesa dos direitos humanos de crianças, e também para o próprio surgimento da ideia de
interesses metaindividuais com a tutela de benefícios sociais.

De todas as convenções que trataram sobre a idade mínima do trabalho resultaram


na aprovação da Convenção 138, conhecida como Convenção sobre Idade Mínima de
Admissão a Emprego, de 1973, que se constitui em um instrumento geral sobre a matéria, e que
substituiu os demais documentos, com vista a total abolição do trabalho infantil.

A citada convenção determina a idade mínima para a admissão em emprego ou


trabalho, qualquer que seja a atividade, que na pode ser inferior àquela de conclusão da
escolaridade compulsória, ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos.

Aliás, para os efeitos da convenção, a criança é considerada como o ser humano


com até quinze anos, paradigma esse que destoa do adotado pela Convenção sobre os Direitos
da Criança, que elege a idade de dezoito anos.

Na legislação brasileira o trabalho dos menores de 16 anos é proibido, salvo na


condição de aprendiz. Registre-se que o ECA previa a idade mínima em 14 anos, redação que
foi alterada pela Emenda Constitucional nº 20 de 14.12.98. O aprendizado anteriormente era
para os adolescentes entre 12 e 14 anos e hoje para os adolescentes entre 14 e 16 anos.
47

Aprendizagem é a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e


bases da legislação de educação em vigor (LDB nacional – Lei nº 9.394, de 20.12.96 e LDB
estadual – Lei Complementar nº 26, de 28.12.98). Alguns princípios devem ser obedecidos: a
garantia do acesso e freqüência ao ensino regular; ser a atividade compatível com o
desenvolvimento do adolescente e ter horário especial para o exercício das atividades.

Tanto no caso da aprendizagem como no caso da relação de emprego para o maior


de 16 anos incide as normas da legislação trabalhista e previdenciária (artigo 65 do ECA).

Trata-se de questão bastante polêmica no direito brasileiro. Muitos afirmam que


o limite legal é muito rigoroso diante da realidade brasileira. A atual posição do legislador
adveio das regras internacionais, observando que o ideal é o adolescente iniciar o trabalho após
a conclusão do ensino médio, algumas vezes profissionalizante.

Sem adentrar no mérito da questão é importante observar que inúmeras crianças e


adolescentes brasileiros são explorados no trabalho e estão fora da escola. A evasão escolar está
diretamente relacionada com o trabalho infantil. Neste sentido, é inadmissível que estejam eles
em carvoarias, cerâmicas, lavouras etc. Esta realidade compromete o presente e o futuro da
Nação, pois cada vez mais haverá desigualdade social.

DIGA NÃO A QUALQUER FORMA DE


TRABALHO INFANTIL.
48

LIÇÃO Nº 05 – DO DIREITO A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

1. Introdução:

O Estatuto da Criança e do Adolescente é um marco na história da sociedade


brasileira, pois introduziu, dentre outros significativos avanços, delineado a partir do artigo 19,
o direito a convivência familiar e comunitária, proporcionando uma mudança do paradigma
legal que confiava ao Estado a tarefa de educar os filhos, devolvendo as famílias esta
responsabilidade, contrapondo ao pensamento equivocado da institucionalização da infância
pobre.
O consenso a respeito da família como locus privilegiado para o adequado
desenvolvimento humano está consagrado em documentos internacionais, e no caso do Brasil
em sua Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Observa-se desde já no preâmbulo da Convenção das Nações Unidas sobre os


Direitos da Criança (20/11/1989), cujos princípios estão presentes no Estatuto da Criança e do
Adolescente, os Estados Partes declararam-se

“convencidos de que a família como elemento básico da sociedade e meio


natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros, e em
particular das crianças, deve receber a proteção e assistência necessária para
poder assumir plenamente suas responsabilidades na comunidade” e
reconhecem que “a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de
sua personalidade deve crescer no seio da família, em um ambiente de
felicidade, amor e compreensão”.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, no artigo 227, elenca entre os direitos da


criança e do adolescente, o da convivência familiar e comunitária. Deve ser ressaltado que este
artigo foi escrito a muitas mãos, pois foi introduzido na Constituição Federal, fruto de intenso
movimento social que envolveu grande parte da sociedade civil organizada, quando da
Assembléia Constituinte de 1988.

Por sua vez, O Estatuto da Criança e do Adolescente dando efetividade ao que já


dispunha a Constituição Federal, no artigo 19, afirma com todas as letras que toda criança e
o adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e,
excepcionalmente, em família substituta.

É importante considerar que as normas legais mencionadas centralizam a questão no


direito que a criança e o adolescente têm de ser criados e educados pela sua família e, ao
mesmo tempo, referem-se à necessidade de proteger e assistir essa mesma família no adequado
exercício de suas funções.
49

Deve ser sublinhado que a norma internacional, a Constituição e a lei brasileira, no


entanto, não absolutizam a família natural como único modo de assegurar à criança o direito a
que se esta referindo. Afinal, a Constituição Brasileira, no artigo 226, afirma que “a família,
base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Essa proteção é estendida a formas não
tradicionais de família, na medida em que, no § 4º do mesmo artigo, “entende-se, também,
como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes”.

2. Disposições Gerais

No ano de 2004, pela primeira vez foi feita uma radiografia nos abrigos para
crianças e adolescentes, sobretudo, daqueles que eram financiados pelo Governo Federal,
chamados abrigos da rede SAC – Serviço de Ação Continuada. Nesta pesquisa realizada pelo
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica aplicada, solicitada pela Subsecretaria dos Direitos
Humanas da Presidência da Republica e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente, um dos aspectos desta pesquisa que quero realçar foi a desmistificação de que
toda criança que se encontrava nos abrigos não tinha família, vejamos o que a pesquisa
encontrou:

“Ao contrário do que supõe o senso comum, a maior parte das crianças e dos
adolescentes que vivem nos abrigos não são órfãos: 87% dos pesquisados têm
família, sendo que 58,2% mantém vínculo com seus familiares, isto é, embora
afastados da convivência as famílias os visitam periodicamente. Outros 22,7%
não mantém vínculo familiar constante, ou seja, embora conhecida e localizada,
a família raramente aparece para visitar o abrigado. Cerca de 5,8% dos
pesquisados embora tenha família, não podem contatá-la em função de
impedimento judicial. As crianças e os adolescentes “sem família” ou
com”família desaparecida” que vivem nos abrigos pesquisados representam
apenas 11% do total.”

Esta constatação é um flagrante desrespeito as disposições do ECA no que diz


respeito a “Convivência Familiar e Comunitária”, e o que é mais grave a pesquisa constatou
que dos abrigados o principal motivo, cerca de 52%, que levou ao abrigamento foi a pobreza
familiar. Este é um dos principais argumentos que leva mães a doar os filhos para adoção.

Diante desta constatação foi constituído um Grupo Nacional de Trabalho Nacional


que em dezembro de 2006 divulgou o Plano de Promoção, Proteção, defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.

O Plano Nacional tem como mérito mostrar que é possível superar práticas de
atendimento que continuam enraizadas, embora comprovadamente inadequadas. A persistência
de um modelo assistencialista que historicamente marcou o atendimento a população carente,
mantendo-a na pobreza e sujeita a políticas assistencialistas.
50

Ao buscar outras opções de atendimento às crianças e aos adolescentes, que por


algum motivo precisam de assistência e proteção, é preciso considerar alguns mitos e distorções
existentes, que parecem acabar num único caminho: o afastamento da família.

Por fim, em 03 de agosto de 2009 foi sancionada a lei 12.010/2009, que fez
diversas alterações no ECA, sobretudo para privilegiar o direito de toda criança à Convivência
Familiar e Comunitária.

Diante deste contexto, o legislador nos §§ 1º, 2º e 3º do artigo 19, estabeleceu que
a criança ou adolescente acolhidos institucionalmente deverão ter sua situação avaliada a cada
06 meses, não podendo, salvo comprovada necessidade, se estender por mais de dois anos, e
que a manutenção e reintegração familiar terá preferência em relação a qualquer outra
providência.

O ECA propõe três tipos de família:

a) A família Natural (art. 19) formada pelos pais, ou qualquer deles e seus
descendentes;
b) A família substituta (art. 28), podendo ser através da guarda, tutela ou adoção;
c) A família extensa ou ampliada (art. 25, parágrafo único), aquela que se
estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por
parentes próximos.

Destas três modalidades a que mais nos interessa é a família substituta, que
passaremos a estudar doravante.

3. Da família substituta

O art. 6º da Declaração Universal dos Direitos da Criança é incisivo ao afirmar


que.

“...para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a


criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos
cuidados e sob a responsabilidade dos pais, e em qualquer hipótese, num
ambiente de afeto e de segurança moral e material; salvo circunstâncias
excepcionais, a criança de tenra idade não será apartada da mãe. ”

De modo que, a colocação da criança e do adolescente em família substituta será


uma medida excepcional e será tomada quando houver motivos que a justifiquem, excluída a
dificuldade financeira, é a alternativa encontrada para garantir-lhes proteção, segurança e um
desenvolvimento sadio. A família substituta cumprirá o papel que não pode ser cumprido pela
família natural, e, na grande maioria das vezes, com o mesmo êxito.
51

Como já ressaltamos o ECA prevê três modalidades de colocação de crianças e


adolescentes em família substituta: a guarda, a tutela e a adoção. Sempre que possível a
criança e o adolescente deverá ser previamente ouvido e sua opinião considerada (no caso de
adoção de adolescente é obrigatório seu consentimento). Fora dos casos de adoção, não estará o
Magistrado preso àquela manifestação, mas deverá considerá-la, fundamentando sua decisão,
caso se posicione diferentemente da vontade demonstrada pela criança ou pelo adolescente.

Exige-se para o deferimento do pedido de família substituta que seja harmonioso o


ambiente familiar oferecido, devendo ser considerado o grau de parentesco e a relação de
afinidade ou de afetividade entre a criança e o adolescente e a pessoa que pretenda tê-los sob
sua guarda ou tutela, ou ainda mediante adoção, com o fim de evitar ou minorar as
conseqüências decorrentes da medida.

Preocupou-se o legislador em preservar os vínculos familiares, mesmo com o


grupo familiar mais amplo (avós, tios, primos etc). Não se deferirá colocação em família
substituta à pessoa que revele incompatibilidade com a medida (artigos 29 e 30 do ECA). Deve
ser interpretada esta última regra no sentido de que não poderá ser deferida a colocação à
pessoa, ou em famílias, que tenham praticado violência contra outras crianças, que pretendam
apenas resolver problemas familiares momentâneos como de falta de empregada doméstica, ou
ainda que busquem unicamente a solução de problemas pessoais (casamento, infertilidade etc).

A colocação em família substituta se dá mediante decisão judicial e neste sentido


não poderá haver transferência da criança e do adolescente a terceiros ou a entidades
governamentais ou não governamentais sem que a mesma autoridade se manifeste.

Se a colocação de criança e adolescente em família substituta é uma medida


excepcional, a colocação em família substituta estrangeira (residente e domiciliada fora do
País) é medida mais excepcional ainda, prevendo o ECA que só será admitida na modalidade
de adoção (artigo 31 do ECA). O fato de um número cada vez maior de crianças precisarem de
uma família substituta já demonstra a falência das políticas públicas do País, já que a família
natural deveria sempre ter condição social, moral e financeira de criar seus filhos.

Permitir que as crianças e adolescentes brasileiros fossem colocados em famílias


substitutas estrangeiras, portanto, representa, além do reconhecimento de um fracasso, a perda
do vínculo com sua pátria, na maioria das vezes. Portanto, prevê o ECA que isto se dê apenas
na modalidade de adoção, passando a criança a integrar definitivamente àquela família.

O ato solene em que se assume o compromisso de bem e fielmente desempenhar o


encargo assumido com a guarda ou a tutela de uma criança ou adolescente se dá no momento
da assinatura do termo que será juntado aos autos (artigo 32 do ECA).
52

3.1. Da Guarda

A guarda é uma das modalidades de colocação da criança e do adolescente em


família substituta. Obriga a assistência material, moral e educacional, e se destina a regularizar
a posse de fato.

Trata-se de instituto que vem ganhando cada vez mais autonomia na Justiça da
Infância e da Juventude. Nos termos do artigo 33, § 1º do ECA a guarda pode ser deferida
liminar ou incidentalmente nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por
estrangeiros. Poderá, entretanto, ser excepcionalmente deferida fora dos casos de tutela e
adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a eventual falta dos pais ou responsável (§
2º).

É comum a pessoa pretender ter em sua companhia uma criança ou adolescente,


sem, contudo, criar vínculos de filiação, como na adoção. Muitas vezes esta passa a ser a única
alternativa encontrada pela Justiça da Infância e da Juventude para a colocação de crianças
maiores, entre 3 e 11 anos por exemplo, em famílias substitutas brasileiras. Neste sentido,
aquela excepcionalidade da lei muitas vezes torna-se regra.

A guarda permite ao guardião opor-se a terceiros, inclusive aos pais. Pretendeu o


legislador dar garantias ao guardião de que teria autonomia na criação da criança e do
adolescente, postos sob sua responsabilidade. Entretanto a guarda não exclui o poder familiar,
apenas o limita, podendo os pais exercer o seu direito de visitas, desde que haja autorização
judicial neste sentido.

Por outro lado, pode ser deferido com a guarda o direito de representação para a
prática de determinados atos. Isto ocorre porque o direito de representação competia
exclusivamente aos pais nos termos do Código Civil, sendo que agora, para determinados atos
de interesse imediato da criança ou do adolescente e que devem ser especificados, pode o
guardião alcançar referido direito.

Outra importante questão é o fato da guarda conferir a criança e ao adolescente a


condição de dependente para todos os fins, inclusive, previdenciários. Trata-se de uma
conseqüência lógica do instituto. Ocorre, entretanto, que muitas vezes são aforados pedidos de
guarda com o fim exclusivamente previdenciário para garantir assistência médica à criança,
estando ela em sua família natural. São avós, na grande maioria dos casos, que pretendem
alcançar a guarda da criança ou adolescente para colocá-los como dependentes em algum
instituto previdenciário que integram, especialmente quando seus filhos, pais da criança, ainda
vivem em sua companhia.

Esta não é a finalidade da guarda. Lembre-se que a guarda é uma das formas de
colocação em família substituta visando a regularização da posse de fato. Apenas quando for
necessária a criança será colocada em família substituta, e no caso da guarda, para que lhe seja
53

prestada assistência material, moral e educacional. Como dito antes, o benefício previdenciário
é uma conseqüência da guarda e não o fim em si mesmo.

Prevê o ECA, ainda, que o poder público estimulará por meio de assistência
jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança e
adolescente órfão ou abandonado (artigo 34).

Havendo motivos que justifiquem a revisão da situação da criança e do adolescente


colocados em família substituta na modalidade de guarda, isto poderá se dar, mediante decisão
fundamentada, depois de ouvido o Ministério Público (artigo 35).

3.2. Da Tutela

O instituto da tutela é composto de um conjunto de poderes e encargos conferidos


pela lei a um terceiro, para que zele não só pela pessoa menor de 18 anos de idade e que se
encontra fora do poder familiar, como também lhe administre os bens.

Em um primeiro olhar, o instituto parecia destinado a órfãos abastados


financeiramente, haja vista o grande número de regramentos relacionados aos bens do tutelado.
Mas, indubitavelmente, a medida independe da situação econômica da criança ou do
adolescente, pois a sua finalidade não se restringe à administração do patrimônio de menores de
18 anos.

Assim, a tutela apenas será possível ausente o poder familiar, ou seja, no caso de
falecimento ou ausência dos pais, ou de destituição e suspensão do poder familiar. É uma das
formas de colocação em família substituta e implica necessariamente o dever de guarda.

À tutela aplica-se a norma do artigo 24 do ECA, ou seja, haverá sua perda, em


procedimento contraditório, no caso de descumprimento dos deveres de sustento, guarda e
educação do tutelado, além daqueles decorrentes do próprio instituto.

É bom frisar que a tutela também foi tratada no Código Civil, chamada tutela
testamentária.

3.3. Da Adoção
3.3.1. Introdução

De todas as modalidades de colocação em família substituta prevista em nosso


ordenamento jurídico, a adoção é a mais completa, no sentido de que à inserção da
criança/adolescente no seio de um novo núcleo familiar, enquanto que as demais (guarda e
tutela) limitam-se a conceder ao responsável alguns dos atributos do poder familiar. A adoção
transforma a criança/adolescente em membro da família, o que faz com que a proteção que será
dada ao adotando seja muito mais integral.
54

Através da adoção será exercida a paternidade em sua forma mais ampla, a


paternidade do afeto, do amor. A paternidade escolhida que nas palavras de Rodrigo da Cunha
Pereira é a verdadeira paternidade, pois a paternidade adotiva está ligada à função, escolha,
enfim, ao desejo. Só uma pessoa verdadeiramente amadurecida terá condições de adotar, de
fazer a escolha, de ter um filho do coração.

Na esteira da Constituição Brasileira de 1988, o Estatuto da Criança e do


Adolescente, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12.010/2009, trouxe modificações
profundas no instituto da adoção em nosso país.

Wilson Donizete Liberati, em sua obra, Adoção – Adoção Internacional, traz o


tema – A função Social e humanitária da adoção, e expõe:

“A colocação desse tema é imperativa, vez que a maioria dos estudiosos da adoção
consagram-na como instituto de caráter assistencial.
Não existe palavra mais hedionda, ou que produza efeitos mais danosos numa
criança que o termo assistencial. Para os conhecedores da prática da adoção esta
palavra tem significado pejorativo.
Quem pensa em adotar para fazer ato benemérito ou filantrópico, ou que procura
na adoção um meio de “preencher o vazio e a solidão do casal”, ou porque um ou
ambos os interessados são “estéreis”, ou “para fazer companhia a outro filho”,
ou para dar “continuidade à descendência ou aos negócios da família, ou por
outros motivos desse naipe, esta completamente alienado e alijado do verdadeiro
sentido da adoção.”

E por fim, complementa o citado autor.

“Talvez seja está a palavra mais adequada: o interessado tem que descobrir sua
vocação para adotar uma criança. Mesmo porque não é qualquer pessoa que pode
ou tem condições de adotar uma criança. Se o interessado perceber isso, não deve
adotar, porque, desconhecendo o verdadeiro sentido da adoção, a pessoa
complicara ainda mais a vida da criança” (pág. 26).

3.3.2. Histórico

O instituto da adoção é encontrado nos sistemas jurídicos dos povos mais antigos,
tendo expressiva evolução, desde os seus primórdios, no Direito Ancião até os dias de hoje.

Existindo desde as civilizações mais remotas, a adoção foi instituída com a


finalidade de dar filhos a quem não podia tê-los, a fim de que a religião da família fosse
perpetuada. Encontramos menção a ela no Código de Hamurabi, Manu, nos livros bíblicos de
êxodo e Deuteronômio.
55

No direito romano, a adoção teve seu auge, vindo a ser melhor disciplinada Os
romanos, além da função religiosa, davam à adoção papel de natureza familiar, política e
econômica. A religião exigia, de forma imperiosa, que a família não se extinguisse e, quando a
natureza não permita que o cidadão romano concebesse filhos, poderia fazer uso do instituto da
adoção. Os efeitos de natureza política faziam com que obtivesse a cidadania romana,
transformando-o de plebeu em patrício, sendo também uma forma de preparar para o poder
(Nero foi adotado por Augusto, transformando-se, posteriormente em imperador).
Vislumbrava-se a finalidade econômica quando era utilizada para deslocar de uma família para
outra, a mão de obra excedente.

Sua existência foi ameaçada durante o período da Idade Média, pois as regras da
adoção iam de encontro aos interesses reinantes naquele período, já que se a pessoa morresse
sem herdeiros, seus bens seriam herdados pelos senhores feudais ou pela Igreja.

Retornou às legislações no Direito Moderno, com a elaboração do Código de


Napoleão, em França, e 1804. Napoleão foi um dos defensores da inserção da adoção no Código
Civil então em elaboração, pois como não conseguia ter filhos com sua imperatriz, pensava em
adotar. Após o advento do Código de Napoleão o instituto da adoção voltou a inserir-se em
todos os diplomas legais ocidentais, haja vista a grande influência do Código Francês nas
legislações modernas dos demais países.

No século XX seu incremento veio a se dar com o final da 1ª Guerra Mundial. A


tragédia causada pelo conflito internacional acarretou um grande número de crianças órfãs e
abandonadas, o que veio a comover a população, fazendo com que a adoção retornasse à ordem
do dia.

No ordenamento jurídico brasileiro, a adoção sempre esteve presente, seja nas


Ordenações do Reino, no Código Civil de 1916, no Código de Menores de 1927, e atualmente
no Código Civil de 2002 e no ECA.

3.4. Conceitos

No direito romano Cícero conceituou a adoção como:

“Adotar é pedir a religião e à lei aquilo que da natureza não se pode obter”

“É o ato civil pelo qual alguém aceita estranho na qualidade de filho” (prof.
Antônio chaves).

Por fim, Arnold Wald, conceitua a adoção como:

“Adoção é uma ficção jurídica que cria o parentesco civil. É um ato jurídico
bilateral entre pessoas para as quais tal relação inexiste naturalmente.”
56

3.5. Requisitos Gerais para a adoção

3.5.1 – Requisitos Relativos ao Adotando

a) Idade do Adotando

O adotando deve contar, no máximo, dezoito anos, ao se requerer a sua ação. É o


que dispõe o art. 40 do ECA. Assim, se o pedido foi feito no dia imediato após completar o
adotando 18 anos, não mais poderá seguir as regras do ECA, mas sim, as do Código Civil.

Excepciona a segunda parte desse artigo, ao dispor que o pedido pode ser feito
depois dessa idade, se o adotando já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes.

b) Consentimento do adotando

Nos termos do art. 45, § 2º, do ECA, é necessário o consentimento do adotando


maior de doze anos, para que a adoção se concretize.

Até certo ponto, é razoável que se procure obter a adesão da vontade do


adolescente ao integrá-lo em uma nova família, já que seria muito difícil sua convivência, se não
estivesse ele satisfeito com a nova situação.

Tem chamado a atenção, no entanto, comentadores do ECA para o fato de o


consentimento não ser condição absolutamente necessária, pois a concordância do adotando
mais de doze anos, tem valor relativo na apreciação a ser feito pelo juiz na sentença, uma vez
que a concordância e ou discordância do adolescente deve ser confrontada com as vantagens ou
desvantagens para si, da adoção (art. 42, do ECA)

Por isso mesmo, melhor teria andado o legislador se, ao invés de “consentimento”,
tivesse se referido apenas à oitiva obrigatória do adotando.

c) Consentimento dos pais ou do representante legal

Como a adoção corta quaisquer laços do adotando com a família consangüínea,


salvo os impedimentos matrimoniais, os pais ou o representante legal da criança ou do
adolescente devem manifestar o consentimento para tão importante ato, nos termos do art. 45,
do ECA.

O artigo 166, § 1º, do ECA dispõe que o consentimento deve ser tomado pelo juiz,
na presença do membro do Ministério Público em audiência especialmente designada para o
ato. Da mesma forma, o § 2º, do mesmo artigo dispõe que a audiência será precedida de
orientações e esclarecimentos a respeito da seriedade do ato e da irrevogabilidade da adoção.
57

Por outro lado, o § 1º, do artigo 45, do ECA dispõe que o consentimento será
dispensado em relação a criança ou adolescente se os pais forem falecidos, desconhecidos, ou
tiverem sido destituídos do poder familiar.

OBSERVAÇÃO:

Havendo o consentimento de um dos pais e negativa do outro e não estando


presentes as condições para a destituição do poder familiar, a divergência há de ser previamente
decidida, judicialmente.

3.5 – Requisitos Relativos aos Adotantes

a) Idade do adotante

Podem adotar os maiores de 18 anos, independentemente do estado civil (art. 42,


caput, do ECA).

Com a possibilidade de, então, uma pessoa com apenas 18 anos de idade poder
adotar, críticas foram feitas ao legislador por ter dado esta permissão, contudo, entendeu o
legislador se o indivíduo já atingiu a maioridade civil adquiriu capacidade para todos os atos da
vida civil, poderá também adotar, desde que, num cuidadoso estudo psicossocial, seja
aprovado.

b) Diferença de idade entre adotante e adotando

Nos termos do § 3º, do art. 42, o adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos
mais velho que o adotando.

Antes da Lei 3.133/57, estabelecia o Código Civil, no art. 369, uma diferença de
dezoito anos, então reduzida para dezesseis.

O fundamento dessa determinação pode se encontrado no propósito de tornar a


adoção em tudo semelhante à paternidade natural.

Dessa forma, se a nossa lei autoriza a mulher a se casar com dezesseis anos de
idade e, conseqüentemente, ser mãe, a mesma diferença pode ser considerada adequada na
adoção.

No entanto, a nossa legislação não determinou a idade máxima para que uma
pessoa possa postular a adoção de uma criança ou adolescente.
58

3.6. Cadastramento – Art. 50, do ECA

Embora o ECA já indicasse a obrigatoriedade de um cadastro de interessados em


adotar e outro, de adotáveis em cada comarca ou foro regional, a nova lei de adoção veio tornar
indispensável a inscrição dos pretendentes à adoção, conforme o artigo 50 e seus parágrafos,
com a exceção do § 13º.

Assim, um dos requisitos exigidos para os adotantes, é o seu cadastramento.

Para dar cumprimento ao § 5º do art. 50, do ECA, que determina a criação de um


cadastro nacional de pessoas interessadas na adoção e de crianças e adolescentes aptos a serem
adotados o Conselho Nacional de Justiça baixou a Resolução 54/08, criando o CADASTRO
NACIONAL DE ADOÇÃO.

Dentro os considerandos que elucidaram a resolução, ficou bem claro que uma das
finalidades do cadastro nacional é permitir o cumprimento do art. 31, do ECA que determina
que, antes de se dar o adotando à internacional, é necessário saber-se se não há qualquer
interessado em sua adoção, domiciliado no Brasil.

A principal finalidade, porém, é possibilitar o encontro de pessoas interessadas em


adotar, com crianças e adolescentes que possam ser adotadas podendo assim haver a
concretização de adoções que não ocorreriam, não fosse a oportunidade aberta pelo cadastro
nacional de adoção.

O cadastro não é e nem pode ser público, a ele tendo acesso somente as
autoridades estaduais e federais em matéria de adoção, como diz o § 7º, do art. 50 do ECA.
Cabem as Varas da Infância e Juventude alimentarem o cadastro.

Para ser inscrito no cadastro, a Lei 12.010/2009 criou um procedimento próprio,


que será visto quando foi abordado os procedimentos no ECA (art. 197-A).

No § 13º, do artigo 50, do ECA, existe as exceções legais que permite não observar
a ordem cronológica do Cadastro de adoção, são eles:

I. Se tratar de adoção unilateral;


II. For formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha
vínculos de afinidade e afetividade;
III. Oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança
maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de
convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e
não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações
previstas nos arts. 237 ou 238 do ECA.
59

3.7. Proibição de adoção por parentes próximos

O § 1º, do art. 42, do ECA, trás a vedação da adoção por ascendentes ou irmãos,
que é genérica, não discriminando limite quando à capacidade do adotando, referindo-se, tão-
somente, a parentesco próximo. Cuidou o legislador de instituir impedimento total à
legitimidade para adotar, a fim de evitar, inversões e confusões nas relações de parentesco.

A proteção às crianças e adolescentes deverá ser exercida, em primeiro lugar, pela


família, conforme dispõe o art. 4º do ECA. Toda e qualquer pessoa está inserida dentro de uma
família, mesmo que não mantenha nenhum contado com os demais membros que a compõem.
Quando ocorre a perda dos pais biológicos, a criança e o adolescente deverão ser protegidos e
acolhidos pelos demais membros de sua família, qualquer que seja o grau de parentesco.
Normalmente este acolhimento é dado pelos avós ou irmãos mais velhos, que são os mais
próximos, sendo parentes em 2º grau.

Caso fosse permitida a adoção por estes parentes, haveria um verdadeiro tumulto
nas relações familiares, em decorrência da alteração dos graus de parentesco. Em sendo a
adoção realizada pelos avós, a criança passaria a ser filho desses, irmão de um de seus pais e de
seus tios de seus irmãos e primos. Sendo a adoção realizada por um irmão, passaria a ser filho
deste, neto de seus pais, bisnetos de seus avós, sobrinho de outros irmãos, irmão de seus
sobrinhos. Como se vê, haveria a alteração de todos os graus de parentesco, o que tumultuaria
demasiadamente as relações familiares. Foi, certamente, pensando neste tumulto, entre outras
coisas, que o legislador criou o impedimento.

A regra de impedimento é específica para os ascendentes e irmãos, não se


estendendo a outros membros da família. Apesar de não ser aconselhável a adoção por nenhum
membro da família, pelas razões já expostas com relação aos avós e irmão, não há impedimento
legal para aqueles. Assim, crianças e adolescentes podem ser adotados por tios e primos.

3.8. Adoção por Divorciados

O art. 42, § 4º, do ECA, disciplina a adoção por pessoas divorciadas. Afinal, o fim
do casamento ou da união estável e situação que ocorre com muita freqüência nos dias de hoje,
não podendo ser ignorado pelo legislador quando cuida da filiação, principalmente quando esta
filiação é algo novo na vida dos pais e dos filhos. Sempre que ocorre a separação, faz-se
necessário que o casal estabeleça o regime de guarda e visitação dos filhos.

Não seria razoável que o legislador impedisse que casais em fase de dissolução do
casamento viessem a concretizar a adoção, pois estaria sendo praticada séria discriminação,
sem respaldo, obviamente na Lei Magna, sendo o adotando o único prejudicado por deixar de
ganhar uma família.

O único pressuposto para a consumação da adoção é o de que a convivência dos


adotantes com o adotando tenha se iniciado antes da dissolução da vida em comum. Esta
60

exigência é totalmente pertinente, pois a paternidade emergente da adoção precisa ser


exercitada com a convivência diária, para que, com isto, o sentimento venha a se fortalecer e
ficar cada dia mais intenso, pois estamos diante de relação de filiação que não é biológica, mas
é socioafetiva, na qual o papel da afetividade é decisivo, decorrendo da vontade de amar e
servir a este filho que foi escolhido. A paternidade adotiva fundamenta-se nos mais fortes
alicerces do relacionamento humano: consentimento, afeição, amor e responsabilidade. Esta
paternidade só fincará suas âncoras nos corações dos envolvidos, se houver a convivência, que
deverá ser mantida após a separação dos pais.

3.9. Adoção póstuma

Dispõe o § 6º, do artigo 42 do ECA a possibilidade de concretizar uma adoção


mesmo após o falecimento de um dos postulantes. Este dispositivo legal demonstra respeito
pelo sentimento humano.

Uma pessoa decidiu adotar uma criança, encontrou-a, levou-a para seu lar,
iniciando o processo e o estágio de convivência e, por uma fatalidade, é colhida pela morte.
Com o processo de adoção já em curso, é justo que o desejo do falecido possa ser realizado,
legalmente, post mortem.

Os efeitos da adoção, neste caso, retroagem à data do óbito, coincidindo com a


abertura da sucessão, nos termos do art. 47, § 7º, do ECA.

3.10. Adoção por tutor ou curador

O ECA estabelece no art. 44 que o tutor, ou curador, deve prestar contas de sua
administração e, se necessário, saldar qualquer compromisso pendente, para que possa pleitear
a adoção do pupilo ou curatelado.

Na verdade, adotando seu pupilo, cercando-o de afeto, poderia a adoção encobrir


manobra para que o tutor deixasse de prestas contas de sua tutela, ocultando possíveis
apropriações indevidas.

Esse é o motivo pelo qual a lei exige que as contas sejam prestadas, prévia e
judicialmente, para depois se proceder à adoção.

3.11. Estágio de convivência

O art. 46 e seus parágrafos tiveram sua redação original alterada pela Lei n.
12.010/2009.

O estágio de convivência é um período experimental em que o adotando convive


com os adotantes, com a finalidade precípua de se avaliar a adaptação daquele a família
substituta, bem como a compatibilidade desta, com a adoção.
61

É de grande importância esse tempo de experiência, porque, constituindo um


período de adaptação do adotando e adotantes à nova forma de vida, afasta adoções
precipitadas que geram situações irreversíveis e de sofrimento para todos os envolvidos.

O estágio de convivência pode ser dispensado, conforme o artigo 46, § 1º, do


ECA, se o adotando já se encontrar na guarda ou tutela dos adotantes por tempo suficiente que
possa avaliar a convivência.

No caso de pessoa ou casal que reside fora do país o cumprimento do estágio de


convivência e de no mínimo 30 dias, cumpridos no território nacional, é o que dispõe o art. 46,
§ 3º do ECA.

O § 4º, do art. 46, do ECA, determina que o estágio de convivência deverá ser
acompanhado por Equipe Multiprofissional.

3.12 Efeitos da adoção estatutária

Podemos apontar efeitos de ordem patrimonial e de ordem pessoal, decorrentes da


adoção estatutária.

3.13. A constituição do vínculo de filiação

O principal efeito da sentença que confere a adoção é o desligamento do vínculo de


parentesco do adotado com a sua família biológica e, ao mesmo tempo, a constituição de novo
vínculo de filiação com os pais adotivos e de parentesco com a sua família, e o que dispõe o
artigo 31 do ECA.

Esse efeito ocorre a partir do trânsito em julgado da sentença de adoção, nos


termos do § 7º, do art. 47, exceto na hipótese da adoção póstuma, em que os efeitos retroagem á
data do óbito.

É de notar que nem mesmo a morte dos adotantes permite o restabelecimento do


poder familiar dos pais biológicos, nem retorna o vínculo do parentesco anterior, conforme o
artigo 49, do ECA.

Contudo, o dispositivo constitucional do § 6º, do art. 227, repetido no art. 20 do


ECA, que equiparou a filiação adotiva à natural, estabelecendo impedimentos somente em
relação ao matrimônio.
62

3.14. Parentesco com a família do adotante

Os laços de sangue do adotado com sua família de origem são definitivamente


rompidos, a partir da decisão judicial que constituiu a adoção, ressalvado o impedimento acima
apontado.

Há, porém, uma exceção, relativa a adoção unilateral: quando um dos cônjuges ou
convivente, no caso de união estável, adota o filho do outro, são mantidos os vínculos de
filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os laços de parentesco com os
parentes biológicos. (art. 41, § 1º do ECA). Ocorre então dupla relação de parentesco: a antiga,
através da mãe ou pai natural, e a nova, através do adotante.

O parentesco do adotado com a família do adotante tem a mesma abrangência,


como se fosse gerado biologicamente pelos pais adotivos. Por esse motivo também, os nomes
dos avós maternos e paternos são inscritos no assento de nascimento do adotivo.

3.15. Direito ao uso do patronímico do adotante

Por força do § 5º, do art. 47, do ECA, a transmissão do nome de família é efeito
decorrente da decretação da adoção. Quando o adotado adquire o estado de filho legítimo do
adotante, assume com isso o nome de família ou patronímico.
No caso de adoção, a troca do prenome é permitida sem qualquer justificativa,
bastando que se consigne essa intenção com o pedido inicial.

Se, porém, o adotando já tem idade suficiente para compreender a importância de


sua identificação, a sua opinião deve ser respeitada (art. 47, § 6º).

3.16. Direitos sucessórios

Com o mandamento constitucional do § 6º do art. 227 e mais o art. 20, do ECA


que o repete, dúvida alguma existe sobre a aquisição do direito do adotado em suceder ao
adotante.

A integração do filho adotivo na nova família é completa, com todos os direitos e


deveres, inclusive sucessórios, é o que se lê no art. 41, § 1º, do ECA.

Ocorrendo a hipótese prevista no § 1º do art. 41, do Estatuto, a chamada “adoção


unilateral”, onde um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, permanecendo os
vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e seus parentes, o
adotado será chamado à vocação hereditária de ambas as partes, quando um ou outro falecer.

É a hipótese, por exemplo, de uma mulher que teve um filho sendo solteira e se
casar ou viver em concubinato com um homem, que resolve adotar essa criança. O adotado
63

mantém os vínculos de filiação com a sua mãe biológica e o parentesco com a família de sua
genitora; ao mesmo tempo está vinculado ao adotante e seus parentes, pela adoção.

3.17. Obrigação alimentar

Como conseqüência da constituição do vínculo paterno filial, gerado pela sentença


de adoção, surge a obrigação de prestar alimentos.

Não havendo distinção entre filiação biológica e adotiva, por força da regra
constitucional, foram ampliados os efeitos do vínculo de parentesco do adotado, seus
descendentes, seus ascendentes e descendentes e colaterais até o 4º grau, observada a ordem de
vocação hereditária.

A obrigação de prestar alimentos é recíproca entre adotante e adotado, no mesmo


grau de obrigatoriedade, como se fossem pai e filho biológicos.

ANOTAÇÕES:
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LIÇÃO Nº 06 – DA PREVENÇÃO

1. Das Disposições Gerais

Uma das grandes conquistas do século XX constitui-se no fato de que a


humanidade começou a entender que a solução para os seus problemas centrava-se na mudança
de visão sobre a criança que, até então, não tinha qualquer valor e representava somente a
“sociedade do amanhã”. Esta visão mudou na medida em que a população infanto-juvenil passa
ser considerada a base sobre qual a sociedade irá se desenvolver e, por conta disso, deixou de
ser objeto de proteção do Estado para se tornar sujeito de direitos.

Como fruto dessa nova concepção, concluiu-se, também, que o tratamento a ser
dispensado a esta parcela da sociedade, constituída por crianças e adolescentes, deverá pautar-
se na Doutrina da Proteção Integral, de forma a lhes garantir o efetivo exercício de todos os
direitos fundamentais, tão necessários à sua formação, independentemente da cor, do sexo, da
situação financeira ou da condição física e mental.

Esta mudança de paradigma foi incorporada em nosso direito pátrio, através do art.
227, da CF/88 e, posteriormente foi regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
de 1990.

O Brasil consciente destas novas tendências ratificou os documentos internacionais


relativos à infância, notadamente, a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança de 1989.
A Convenção de Haia, etc.

Na esteira da Doutrina da Proteção Integral, o legislador estatutário, partindo do


pressuposto de que a criança e o adolescente possuem um espírito maleável suscetível a todo
tipo de influências ambientais, outorgou-lhes um cuidado especial, de prevenção e tratamento
por parte da família, da sociedade e do poder público, para que possam se desenvolver de forma
plena, sem correrem o risco de se transformarem em fardos difíceis de serem suportados pela
própria sociedade.

Isto levou o legislador do ECA a tratar da matéria atinente à prevenção sobre dois
enfoques: o da prevenção geral nos arts. 70 a 73 e o da prevenção especial nos arts. 74 ao 85.

1.1. Da prevenção Geral

Paulo Lúcio Nogueira ensina que a prevenção geral:

“consiste em adotar medidas de atendimento que evitem a desagregação da


família e, consequentemente, a marginalização dos filhos que, sem recursos e
meios de subsistência, enveredam pelos caminhos do abandono e da
delinquência juvenil”.
65

Por sua vez, Wilson Donizeti Liberati, pontua que

“a prevenção geral de que tratam os arts. 70 a 73 do ECA tem seu fundamento


no conjunto de medidas sociais e jurídicas colocadas à disposição da família e
da sociedade para a garantia e respeito dos direitos da criança e do
adolescente”.

No art. 70, do ECA é reafirmado o princípio da proteção integral, e desta forma


busca-se conscientizar a sociedade da necessidade de preservar os direitos das crianças e
adolescentes.

Como a prevenção especial, efetivamente, visa preservar a infância e a


adolescência dos ambientes perniciosos ou que sejam contraproducentes à sua formação, não
há como se discordar os ilustres mestres.

Assim, não se pode dizer que o legislador foi inábil a tratar a matéria, na medida
em que esta lei objetiva criar uma nova mentalidade em torno dos direitos destes seres em
formação, de forma a lhes proporcionar um desenvolvimento sadio e equilibrado.

Por conseguinte, as regras nelas contidas devem ser interpretadas sistematicamente


e, jamais literalmente, sob pena de chegarmos a conclusões absurdas, como exemplo: de que é
permitido às crianças aos adolescentes permanecerem nas ruas o tempo que quiserem ou que o
aluno não está mais obrigado a respeitar os seus educadores na escola.

Mudou o foco do Estado para a família. Assim, prevê o artigo 70 do ECA que é
dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do
adolescente. Este dispositivo trouxe inovação importante, qual seja, alterou a responsabilidade
desta tarefa que, antes era exclusiva do Estado, passando a ser compartilhada entre a família,
sociedade e Poder Público, de forma a impedir a incidência de danos ou riscos de dano à pessoa
dos menores em formação.

O ECA, por meio da referida norma, impõe a todos – família, autoridades públicas,
sociedade etc – o dever de proteger as crianças e adolescentes. Isto se dá considerando que é
também de interesse de todos que esta parcela da população tenha seus direitos garantidos,
como forma, inclusive, de não passarem a violar direitos alheios.

Neste sentido, prevê o ECA que a criança e o adolescente têm direito à informação,
cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que sejam adequados à sua
faixa etária (art. 75, do ECA).

São notórias as conseqüências danosas do acesso das crianças e dos adolescentes a


programas televisivos inadequados ou a produtos e serviços prejudiciais à sua formação. A
adequação de tais serviços à capacidade de discernimento da criança é fundamental ao seu
desenvolvimento sadio.
66

Os responsáveis por atividades voltadas para Criança e Adolescente devem ter a


consciência de que contribuem para sua formação e evolução.

As normas de prevenção são de cumprimento obrigatório, sujeitando aquele que


não as observa à reparação do dano causado, bem como à responsabilização criminal.

2. DA PREVENÇÃO ESPECIAL

2.1. DA INFORMAÇÃO, CULTURA, LAZER, ESPORTES, DIVERSÕES E


ESPETÁCULOS:

Diz o ECA que:


“O Poder Público, através do órgão competente, regulará as diversões e
espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a
que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se
mostre inadequada” (artigo 74).

Continua, em seu parágrafo único:


“Os responsáveis pelas diversões e espetáculos públicos deverão afixar, em
lugar visível e de fácil acesso, à entrada do local de exibição, informação
destacada sobre a natureza do espetáculo e a faixa etária especificada no
certificado de classificação”.

Sem ferir qualquer preceito constitucional sobre “à livre expressão da atividade


artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (artigo 5º,
inciso IX da CF) ou sobre a não restrição à manifestação de pensamento (artigo 220 da CF), o
ECA prevê sejam as diversões e espetáculos públicos regulados quanto à adequação às crianças
e aos adolescentes (art. 221, I, II, III e IV da CF/88).

A própria Constituição Federal em seu artigo 220, § 3º e 221 prevê que compete à
Lei Federal disciplinar esta regulamentação, atendendo aos princípios por ela definidos. Cabe
ao Ministério da Justiça este disciplinamento, por meio de portaria.

Não se trata de censura, uma vez que não há impedimento de exibição, mas mera
classificação indicativa que permite a família avaliar a pertinência ou não de que a criança ou
adolescente tenham acesso a espetáculo que possa ser prejudicial ao seu desenvolvimento.

O não cumprimento das regras impostas poderá caracterizar a infração


administrativa prevista nos artigos 252 e 253 do ECA.

2.2. ACESSO ÀS DIVERSÕES E ESPETÁCULOS

Crianças maiores de 10 anos de idade têm livre acesso às diversões públicas e


espetáculos públicos adequados à sua faixa etária, mesmo que desacompanhados dos pais ou
67

responsável. Se menores de 10 anos, apenas se acompanhados daqueles (artigo 75, parágrafo


único do ECA). O descumprimento a esta determinação legal caracteriza a infração
administrativa prevista no artigo 225 e/ou 258 do ECA.

2.3. PROGRAMAS DE RÁDIO E TV

Exige o ECA que os programas das emissoras de rádio e televisão somente sejam
exibidos no horário recomendado para o público infanto-juvenil, quando apresentem
finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Trata-se de norma que vem sendo
reiteradamente descumprida no Brasil, merecendo melhor fiscalização, ou talvez até mesmo
uma melhor regulamentação pelo órgão competente do Ministério da Justiça.

Em 2007, após diversas consultas públicas, foram publicadas a Portaria MJ nº 264,


de 09/02/2007, e a Portaria nº 1.220, de 11/07/2007, que vigora atualmente para a classificação
indicativa de obras audiovisuais destinadas a televisão e congêneres.

2.4. REVISTAS E PUBLICAÇÕES – art. 78, do ECA

O despertar precoce da sexualidade apresenta conseqüências extremamente


danosas às crianças e aos adolescentes. A visualização de cenas eróticas, pornográficas ou
obscenas no momento em que a criança não está devidamente amadurecida para isso provoca
conflitos quanto à sua própria identidade. O número crescente de adolescentes grávidas é uma
realidade. Adolescentes que mal saíram da puberdade, já com a responsabilidade de ser mãe,
tem trazido grandes preocupações, sobretudo, na área médica e social.

O ECA no artigo 78, portanto, prevê que as revistas e publicações contendo


material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em
embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo. E ainda que as editoras cuidarão para
que as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com
embalagem opaca (artigo 78, parágrafo único).

Não proíbe o ECA a publicação, define a forma como isso ocorrerá de modo a
proteger a criança e o adolescente.

Por outro lado, prevê no art. 79, do ECA que as revistas e publicações destinadas
ao público infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou
anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos
e sociais da pessoa e da família. O descumprimento das normas quanto às revistas e
publicações caracteriza a infração administrativa prevista no artigo 257 do ECA.

2.5 CASAS DE JOGOS

Proíbe no art. 80, do ECA a entrada e permanência de crianças e adolescentes em


estabelecimentos que explorem comercialmente bilhar, sinuca ou congênere e casas de jogos
68

(que realizem apostas, ainda que eventualmente). Aos responsáveis por estes estabelecimentos
cumpre o dever de afixar aviso para orientação do público.

O descumprimento a esta regra do ECA caracteriza a infração administrativa


prevista no artigo 258 do ECA, com pena de multa, além da possibilidade de ser determinado o
fechamento do estabelecimento por até 15 dias, em caso de reincidência.

2.6. OS PRODUTOS E SERVIÇOS

Prevê o artigo 81 do ECA que é proibida a venda à criança e ao adolescente de


vários produtos considerados prejudiciais a eles, e em relação a cada um deles há uma norma
legal punitiva ante ao descumprimento.

I – armas, munições e explosivos (crime – artigo 242 do ECA);

II – bebidas alcoólicas (Há uma grande discussão quanto à aplicação do crime


previsto no artigo 243 do ECA nestes casos. Alguns entendem neste sentido, outros de que
caracteriza o artigo 63, inciso I da Lei de Contravenções Penais. Entretanto, referida
contravenção refere-se apenas a servir bebida alcoólica.

III – produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica,


ainda que por utilização indevida (crime – artigo 243 do ECA);

IV – fogos de estampido e de artifício, exceto aqueles que pelo seu reduzido


potencial sejam incapazes de provocar qualquer dano físico em caso de utilização imediata
(crime – artigo 244 do ECA);

V – revistas e publicações a que alude o artigo 78 (contendo material impróprio e


inadequado a crianças e adolescentes) (infração administrativa – artigo 257 do ECA);

VI – bilhetes lotéricos e equivalentes (crime – artigo 174 do Código Penal).

2.7. HOSPEDAGEM DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

O ECA, no art. 82, proíbe a hospedagem de criança ou adolescente em hotel,


motel, pensão ou estabelecimento congênere, salvo se autorizado ou acompanhado pelos pais
ou responsável (artigo 82). A hospedagem em desacordo com esta regra caracteriza a infração
administrativa do artigo 250 do ECA.

Ressalve-se que referida infração administrativa não se aplica quando a criança ou


adolescente esteja com a autorização escrita dos pais ou responsável, ou seja, autorizado a fazê-
lo por eles. Trata-se de uma questão importante uma vez que, conforme se verá a seguir, o
adolescente (maior de 12 anos) pode viajar por todo o Brasil sem autorização dos pais ou da
69

justiça e, em tese, não fosse referida ressalva, não poderia se hospedar sem a presença dos
mesmos.

2.8. DA AUTORIZAÇÃO PARA VIAJAR

2.8.1. VIAGEM EM TERRITÓRIO BRASILEIRO:

A regra prevista no ECA para a viagem de crianças é de que ela não poderá viajar
para fora da comarca onde reside, desacompanhada dos pais ou responsável, sem expressa
autorização judicial.

As exceções a esta regra são:

I - quando tratar-se de comarca contígua à da criança, se na mesma unidade da


Federação, ou incluída na mesma região metropolitana;

II - quando a criança estiver acompanhada:


a) de ascendente ou colateral maior, até o 3º grau, comprovado documentalmente o
parentesco;
b) de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável.
A autorização judicial poderá ser deferida com validade de 02 anos, a pedido dos
pais ou responsável.

2.8.2. VIAGEM AO EXTERIOR

Não se exige autorização judicial para viagem de crianças e adolescentes ao


exterior, art. 84, do ECA, quando:

1. estiverem acompanhados de ambos os pais ou responsável;

2. viajarem na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo outro


através de documento com firma reconhecida.

Prevê, ainda, o ECA, no artigo 85, que nenhuma criança ou adolescente nascido
em território nacional poderá sair do País em companhia de estrangeiro residente ou
domiciliado no exterior, sem prévia e expressa autorização judicial. Esta autorização judicial
deve ser entendida como aquela resultante da adoção, considerando o previsto no artigo 51, § 4º
do ECA (antes de consumada a adoção não será permitida a saída do adotando do território
nacional).
70

LIÇÃO Nº 07 - DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO

1. Ação articulada do governo e da sociedade

Antes do advento do Estatuto, a ação governamental era proposta de forma isolada


e de maneira autoritária, de cima para baixo, através dos programas e diretrizes desenvolvidos
pela Fundação do Bem-Estar do Menor – FUNABEM, que tinha na Lei 4.153, de 1/2/1964, sua
criação e seu fundamento operacional.

A partir da Constituição de 1988, não só a União, os Estados e os Municípios


deverão propor ações de atendimento na área social. Também a comunidade será chamada a
opinar a respeito das necessidades de sua população, exigindo sua participação na formulação
de políticas e no controle das ações em todos os níveis (art. 204, II, da CF).

1.1. Uma visão Geral da Nova Política de Atendimento

O Estatuto da Criança e do Adolescente – após tratar, na parte Geral, dos direitos


fundamentais das crianças e dos adolescentes, esmiuçando o comando constante no artigo 227,
caput, da CF/88, indica os mecanismos legais destinados à promoção destes direitos,
inaugurando a Parte Especial, com a exposição de normas sobre as quais deverá se assentar a
nova política de atendimento.

Conceito de política de atendimento.

Compreende-se, modernamente, a política de atendimento, como o conjunto de


instituições, princípios, regras, objetivos e metas que dirigem a elaboração de planos destinados
à tutela dos direitos da população infanto-juvenil, permitindo, desta forma, a materialização do
que é determinado, idealmente, pela ordem jurídica.

Estruturado com base no paradigma da Proteção Integral, constitucionalmente


estabelecida pelo art. 227 e parágrafos da Constituição de 1988, apresenta como principais
aspectos dissonantes da política anterior: seu público alvo, consistente em todas as crianças e os
adolescentes, estando definitivamente extirpada do país a pecha da situação irregular; a difusão
das decisões e a operacionalização das ações entre todos os entes federativos, sendo a União
responsável, tão-somente, pelos seus delineamentos gerais, e por fim, a participação da
sociedade na sua gestão.

O estudo da atual política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente,


deve ser iniciado pelo art. 86 do ECA, segundo o qual:

“art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente


far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não
71

governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos


Municípios”.

Esta disposição legal ratifica o comando constante do § 7º do art. 227 da CF/88,


que combinado com o art. 204 da CF/88, indica a responsabilidade de todos os entes da
federação e da sociedade no tratamento das questões infanto-juvenis.

A nova organização político-administrativa instituída pela Constituição de 1988


fez com que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios passassem de coadjuvantes a
protagonista na fixação das ações que visam satisfazer as necessidades da população infanto-
juvenil, permitindo, desta forma, o atendimento das demandas de cada localidade.

A concepção geral de que o Estado não é capaz de, isoladamente, responder a


todos os pleitos da população, por sua vez, fez com a sociedade, em especial, os órgãos que
integram o terceiro setor, passassem a exercer papel extremamente relevante na determinação e
na execução das ações voltadas ao atendimento das crianças e dos adolescentes, em especial,
daqueles que se encontra em situação de vulnerabilidade social. A sua atuação, contudo, deverá
ocorrer de forma articulada com os órgãos governamentais e demais entidades não
governamentais, a fim de evitar sobreposição ou contradição entre as ações.

2. As linhas de Ação da Política de atendimento

Em primeiro lugar vamos definir o que é política pública:

Políticas Públicas são estratégias concebidas, formalizadas e implementadas


com o propósito de alcançar objetivos e resultados de interesse público, que garantam a todos
os cidadãos o acesso a bens e serviços necessários à sua sobrevivência e desenvolvimento, tais
como educação, saúde, saneamento básico e infra-estrutura.

Explicado isto, vamos nos ater a política de atendimento prevista no ECA.

A implementação da política de atendimento, como já visto, perpassa pela


concretização de ações destinadas à efetivação de todos os direitos constitucionalmente
assegurados às crianças e aos adolescentes, indiscriminadamente, sendo, por isto, muito mais
complexa do que em tempos pretéritos.

Daí porque o legislador entendeu por bem indicar, no art. 87 do ECA, o rol de
ações sem as quais não será possível atingir tal objetivo, sendo este o ponto de partida para os
operadores do Estatuto, na consolidação de sua matiz social.

Cumpre ressaltar, desde logo, que o elenco legal não constitui mera recomendação
aos órgãos governamentais e não-governamentais responsáveis pela realização da política de
atendimento; pelo contrário, consubstancia verdadeiro comando normativo, e, portanto, de
72

execução obrigatória, sob pena de ajuizamento das “ações de responsabilidade” referidas no art.
208, do ECA.

Consoante determina o art. 87, do ECA são linhas da política de atendimento:

I – políticas sociais básicas;


II – políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para
aqueles que deles necessitem;
III – serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às
vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;
IV – serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e
adolescentes desaparecidos;
V – proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do
adolescente.
VI – integração operacional de órgãos do judiciário, Ministério Público,
Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de
assistência social, para efeito de agilização do atendimento de crianças e de adolescentes
inseridos em programas de acolhimento familiar ou institucional com vista na sua rápida
reintegração à família de origem ou, se tal solução se mostrar comprovadamente inviável,
sua colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta
Lei.
VII – mobilização da opinião pública para a indispensável participação dos
diversos segmentos da sociedade.

Estes dispositivos podem sem assim esquematizados:

Concretizaç
Concretização da polí
política de atendimento

Destinam àqueles em Políticas Defesa jurídico-social


conflito de natureza de de direitos
jurídica Garantias

Situações de risco Medidas especiais


Programas de
pessoal e social de proteção
Proteção Especial

Estado temporário Atendimentos


ou permanente Políticas e Programas de de caráter
de necessidade Assistência Social supletivo

Políticas Sociais Básicas

São universais. Destinam-se a Serviços básicos


toda a população infanto-juvenil comuns a todos

As políticas sociais básicas de que trata o inciso I do dispositivo legal em análise


são aquelas que representam a satisfação do mínimo necessário à existência digna o ser
humano, por conseguinte, destinadas a todas as crianças e aos adolescentes.
73

Segundo Wilson Donizeti Liberati, as políticas sociais básicas são determinadas


por ações que representam a qualidade de vida de um povo e devem ser estendidas a todas a
população. São aquelas definidas pela primeira necessidade, ou seja, o trabalho, a educação, a
saúde, a habitação, o abastecimento, o transporte, o meio ambiente e o lazer.

A implementação das políticas sociais básicas reveste-se de urgência de prioridade


absoluta por parte, primeiro, dos órgãos governamentais que detêm o poder de distribuição de
verbas públicas e, supletivamente, da família e da sociedade, na elaboração de ações programas
mais adequados às necessidades da comunidade.

Programas de atenç
atenção à crianç
criança e ao
adolescente
POLÍTICAS SOCIAIS BÁSICAS
 pré-escola / creche

 ensino fundamental

 ensino médio
Todas crianças e
ensino profissionalizante
adolescentes 

UNIVERSO DA  ações básicas de saúde


POPULAÇÃO  geração de emprego e renda

 programas culturais (museus,

bibliotecas, cinemas e teatros)

 centros desportivos

 programa de habitação

Por outro lado, as políticas e programas assistenciais são constituídos pelo


conjunto de bens e serviços destinados às pessoas e grupos que, em razão de sua
vulnerabilidade temporária ou permanente, são credores de formas específicas de apoio.

A base que sustenta a formulação das políticas assistenciais ou compensatórias


está, indiscutivelmente, ligada à existência de desigualdades sociais, que são incapazes de
desaparecer, espontaneamente, pela atuação dos mecanismos postos pela política social básica.

Portanto, os destinatários dessa política assistencial são todas as pessoas, as


famílias e as comunidades que foram excluídas ou não foram atingidas ou beneficiadas pelos
mecanismos das políticas sociais básicas. E essa vulnerabilidade e fragilidade, ocasionadas pela
inexistência da ação social básica, caracterizam a situação de risco, surgindo a necessidade de
aplicar a ação compensatória.
74

Programas de atenç
atenção à crianç
criança e ao
adolescente
POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

 Programas de enfrentamento
à pobreza e de inclusão social.

 Programa de apoio familiar.


Crianças e
adolescentes em  Plantões sociais.
estado de
necessidade  Programas de geração de
renda.

 Programas de
complementação à escola.

Os incisos II a V do art. 87 asseguram a implantação de política de proteção


especial, tendo como destinatários as crianças e adolescentes considerados em situação de risco
pessoal e social. São os casos específicos que ultrapassam o âmbito das políticas sociais básicas
e assistenciais, exigindo esquema especial de abordagem e tratamento.

Assim, a necessidade do serviço especial de prevenção e atendimento médico e


psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão.

Na mesma linha de ação surge o atendimento social relacionado com a


identificação e localização dos pais ou responsável de crianças ou adolescentes desaparecidos,
bem como a proteção jurídico-social de seus direitos.

DESTINATÁ
DESTINATÁRIOS DA POLÍ
POLÍTICA DE
PROTEÇ
PROTEÇÃO ESPECIAL
Crianças e adolescentes em situação de risco
social e pessoal ou em estado de
vulnerabilidade:

 vítimas de abandono e tráfico


 vítimas de trabalho abusivo e explorador
 vítimas de abuso, negligência e maltrato
(família/instituições)
 que fazem das ruas seu espaço de luta pela
vida e de moradia
 prostituição
 autores de ato infracional

Ainda sobre as linhas de ação da política de atendimento é importante, por fim


ressaltar que implementar políticas públicas de atendimento não significa garantir, tão-somente,
a distribuição de bens ou serviços à população; significa permitir que tais bens e serviços
viabilizem, sempre que possível, a emancipação social dos indivíduos, promovendo a sua
75

cidadania e afirmando a sua dignidade. E também importante não perder de vista de que as
políticas públicas....

..... não são benesses, ou favores políticos. Há necessidade de superar os


papéis tradicionais desempenhados pelas crianças e adolescentes e seus
responsáveis de “meros cliente, consumidores ou pacientes” dessas políticas
públicas, concebendo-os como sujeitos de direitos”. (Ferreira, Luiz António
Miguel. O papel do Ministério Público na política de atendimento à criança e
ao adolescente).

A partir da concepção de que as crianças e os adolescentes e, conseqüentemente,


suas respectivas famílias constituem o foco central das políticas públicas, destinadas a atender
as suas necessidades – e não as de seus governantes – o legislador estatutário preocupou-se em
delinear as diretrizes a serem cumpridas no processo de estruturação da nova política de
atendimento.

3. As Diretrizes da Política de Atendimento

As diretrizes esboçadas no art. 88 do ECA podem ser definidas como as diretivas


ou conjunto de instruções que devem ser seguidos na elaboração e na implementação da
política de atendimento.

Da mesma forma que as linhas de ação delineadas no art. 87 do ECA, tais


diretrizes, mais do que simples instruções, são comandos normativos que devem ser cumpridos
pelos operadores do estatuto, objetivando a concretização do novo modelo de atendimento
preconizado pelo legislador.

Para garantir o cumprimento das linhas de ação previu o ECA as diretrizes da


política de atendimento, diretrizes estas que devem ser obrigatoriamente cumpridas pelas
autoridades responsáveis pelo atendimento a criança e ao adolescente. São elas (artigo 88):

I – municipalização do atendimento;
II – criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da
criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis,
assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas,
segundo as leis federal, estaduais e municipais;
III – criação e manutenção de programas específicos, observada a
descentralização político-administrativa;
IV – manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos
respectivos conselhos dos direitos da criança e adolescente;
V – integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público,
Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local,
para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua a autoria de
ato infracional;
76

VI – integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público,


Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de
assistência social, para efeito de agilização do atendimento de crianças e de adolescentes
inseridos em programas de acolhimento familiar ou institucional, com vista na sua rápida
reintegração à família de origem ou, se tal solução se mostrar comprovadamente inviável,
sua colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta
Lei; (incluído pela Lei nº 12.010/2009).
VII – mobilização da opinião pública para a indispensável participação dos
diversos segmentos da sociedade (Renumerado do inciso VI, com redação data pela Lei nº
12.010/2009).

O membro do Conselho de Direitos, nacional, estadual ou municipal, não receberá


remuneração. Sua função é considerada de interesse público relevante, nos termos do artigo 89
do ECA.

4. DAS ENTIDADES DE ATENDIMENTO

As entidades de atendimento dos direitos da criança e do adolescente são


responsáveis, nos termos do ECA, pela manutenção das próprias unidades, bem como pelo
planejamento e execução de programas de proteção e sócio-educativos destinados aqueles. Os
regimes a serem seguidos pelas entidades são:

1. orientação e apoio sócio-familiar;


2. apoio sócio-educativo em meio aberto;
3. colocação familiar;
4. acolhimento institucional; (redação dada pela Lei Nº 12.010/2009)
5. liberdade assistida;
6. semiliberdade;
7. internação.

A inscrição dos programas das entidades de atendimento seja governamentais ou


não governamentais, com a especificação dos regimes de atendimento deverá ser feita junto ao
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que deve manter o registro das
inscrições e de suas alterações, fazendo comunicação ao Conselho Tutelar e à autoridade
judiciária (artigo 90, parágrafo único).

O funcionamento das entidades não governamentais somente poderá ocorrer


depois do efetivo registro no Conselho Municipal dos Direitos (artigo 91 do ECA).

As entidades de atendimento terão negado o seu registro quando:


a) não oferecerem instalações físicas em condições adequadas
de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança;
77

b) não apresentarem plano de trabalho compatível com os


princípios do ECA;
c) estiverem irregularmente constituídas;
d) tenham em seus quadros pessoas inidôneas.
e) Não se adequar ou deixar de cumprir s resoluções
deliberações relativas à modalidade de atendimento prestado
expedidas pelos Conselhos de Direitos da Criança e do
Adolescente, em todos os níveis (incluído pela lei n
12.010/2009).

4.1. Acolhimento familiar ou institucional


O ECA estabeleceu regras específicas para as entidades de atendimento que
desenvolvam programas de acolhimento institucional, como forma de garantir os direitos
fundamentais das crianças e adolescentes que ali permanecerão por um determinado tempo.
São os seguintes os princípios adotados (artigo 92 do ECA):
I – preservação dos vínculos familiares;
II – integração em família substituta, quando esgotados os recursos de
manutenção na família natural ou extensa: (Redação dada pela Lei nº 12.010/2009);
III – atendimento personalizado e em pequenos grupos;
IV – desenvolvimento de atividades em regime de co-educação;
V – não-desmembramento de grupos de irmãos;
VI – evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de
crianças e adolescentes abrigados;
VII – participação na vida da comunidade local;
VIII – preparação gradativa para o desligamento;
IX – participação de pessoas da comunidade no processo educativo.
Uma regra de grande importância é a prevista no § 1º. do citado artigo 92 do ECA,
quando, para todos os efeitos de direito, equipara o dirigente de entidade de abrigo ao guardião
e o § 2º, criou a obrigação de emissão à autoridade judiciária a cada 06 meses relatório
circunstanciado acerca a criança ou adolescente acolhido.
E ainda, prevê o ECA que as entidades que mantenham programas de acolhimento
institucional poderão, em caráter excepcional e de urgência, abrigar crianças e adolescentes
sem prévia determinação da autoridade competente, fazendo comunicação no prazo de 24 horas
a autoridade judiciária (artigo 93).

4.2. INTERNAÇÃO
Buscando de fato ressocializar o adolescente autor de ato infracional grave e que
fora submetido à privação de sua liberdade, define o ECA regras que devem ser cumpridas
78

pelas entidades de atendimento que desenvolvam programas de internação. Tais regras buscam
manter a dignidade do adolescente, dando-lhe condições de se recuperar e não mais vir a
agredir a sociedade em que deve viver.

As obrigações das entidades de internação especificadas pelo ECA são (artigo 94):
I – observar os direitos e garantias de que são titulares os adolescentes;
II – não restringir nenhum direito que não tenha sido objeto de restrição na
decisão de internação;
III – oferecer atendimento personalizado, em pequenas unidades e grupos
reduzidos;
IV – preservar a identidade e oferecer ambiente de respeito e dignidade ao
adolescente;
V – diligenciar no sentido do restabelecimento e da preservação dos vínculos
familiares;
VI – comunicar à autoridade judiciária, periodicamente, os casos em que se
mostre inviável ou impossível o reatamento dos vínculos familiares;
VII – oferecer instalações físicas em condições adequadas de habitalidade,
higiene, salubridade e segurança e os objetos necessários à higiene pessoal;
VIII – oferecer vestuário e alimentação suficientes e adequados à faixa etária
dos adolescentes atendidos;
IX – oferecer cuidados médicos, psicológicos, odontológicos e farmacêuticos;
X – propiciar escolarização e profissionalização;
XI – propiciar atividades culturais, esportivas e de lazer;
XII – propiciar assistência religiosa àqueles que desejarem, de acordo com
suas crenças;
XIII – proceder a estudo social e pessoal de cada caso;
XIV – reavaliar periodicamente cada caso, com intervalo máximo de seis
meses, dando ciência dos resultados à autoridade competente;
XV – informar, periodicamente, o adolescente internado sobre sua situação
processual;
XVI – comunicar às autoridades competentes todos os casos de adolescente
portador de moléstia infecto-contagiosa;
XVII – fornecer comprovante de depósito dos pertences dos adolescentes;
XIX – providenciar os documentos necessários ao exercício da cidadania
àqueles que não os tiverem;
XX – manter arquivo de anotações onde constem data e circunstâncias do
atendimento, nome do adolescente, seus pais ou responsável, parentes, endereços, seco,
idade, acompanhamento da sua formação, relação de seus pertences e demais dados que
possibilitem sua identificação e a individualização do atendimento.

Observe-se que, no que couber, as regras acima elencadas aplicam-se às entidades


que mantenham programas de abrigo, e que para o seu cumprimento devem ser usados
preferencialmente os recursos da comunidade.
79

5. DA FISCALIZAÇÃO DAS ENTIDADES


A fiscalização das entidades de atendimento governamentais ou não
governamentais é de responsabilidade do Poder Judiciário, do Ministério Público e do
Conselho Tutelar (artigo 95 do ECA).
A prestação de contas quanto à aplicação de recursos financeiros deverá ser feita
junto ao Estado ou ao Município, conforme a origem da dotação orçamentária (artigo 96 do
ECA).
Havendo o descumprimento das obrigações previstas para as entidades de
atendimento, nos termos do artigo 94 do ECA, acima citadas, lhes serão aplicadas as medidas
abaixo especificadas, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal de seus dirigentes ou
prepostos:
entidades não-governamentais:
 advertência;
 afastamento provisório de seus dirigentes;
 afastamento definitivo de seus dirigentes;
 fechamento de unidade ou interdição do programa.

entidades governamentais:
 advertência;
 suspensão total ou parcial do repasse de verbas públicas;
 interdição de unidade ou suspensão de programa;
 cassação do registro.

A reiteração das infrações cometidas pela entidade de atendimento, colocando em


risco os direitos fundamentais da criança e do adolescente, deve ser comunicada ao Ministério
Público ou representada à autoridade judiciária competente, para que as providências cabíveis
sejam tomadas, até mesmo com a suspensão das atividades ou dissolução da entidade (artigo
97, § 1º do ECA).
80

Lição nº 08 – DAS MEDIDAS PROTETIVAS

1. Definição

As medidas de proteção podem ser definidas como providências que visam


salvaguardar qualquer criança ou adolescentes cujos direitos tenham sido violados ou estejam
ameaçados de violação.

De modo que as medidas de proteção devem ser entendidas como as ações ou


programas de caráter assistencial, aplicadas isolada ou cumulativamente, quando a criança ou
adolescente estiver em situação de risco, ou quando da prática de ato infracional.

São, portanto, instrumentos colocados à disposição dos agentes responsáveis pela


proteção das crianças e dos adolescentes, em especial, dos conselheiros tutelares e da
autoridade judiciária a fim de garantir, no caso concreto, a efetividade dos direitos da
população infanto-juvenil.

Edson Seda, lembrado por Wilson Donizeti Liberati define as medidas de proteção
como aquelas “providências adotadas por autoridades com poderes especiais sempre que
crianças e adolescentes, caso a caso, forem ameaçados ou violados em seus direitos”.

2. Hipóteses de Aplicação – art. 98 do ECA

Conforme referido anteriormente, o ponto de partida para a identificação das


situações que justificam a aplicação das medidas protetivas é o art. 98 do ECA, comumente
citado como parâmetro para indicação das situações nas quais determinada criança ou
adolescente estará em situação de risco social ou pessoal, a exigir a atuação dos órgãos
integrantes do Sistema de Garantias de Direitos.

O elenco constante do art. 98 não nos permite esquecer que, por vezes, aqueles que
em princípio seriam os responsáveis por acautelar crianças e adolescentes – o Estado, a
sociedade e a família -, podem ser quem primeiro os coloca em risco.

Nesse passo a primeira circunstância notada pelo legislador é a de ameaça ou


violação a direitos por conta de ação ou omissão da sociedade ou do Estado. Cumpre citar
como exemplos crianças ou adolescentes em situação de rua, exploradas sexualmente ou
simplesmente sem acesso às políticas sociais básicas, tais como oferta de vaga na rede de
ensino ou de leitos em hospital.

A segunda situação prevista na lei está atrelada ao núcleo familiar no qual está
inserida a criança ou o adolescente, que pode ser vítima na sua falta, omissão ou abuso dos pais
ou responsável.
81

Por fim, outro motivo que justifica a aplicação de medida protetiva em favor de
determinada criança ou adolescente é a sua própria conduta, quando esta se mostra
incompatível com as regras que conduzem a vida em sociedade. O adolescente ou a criança que
cometem ato infracional ou que praticam atos capazes de colocá-los em risco, embora não
ilícitos, tais como a ingestão de bebida alcoólica, são exemplos clássicos desta situação.

3. Aplicação das medidas de proteção

O artigo 99, do ECA, dispõe que as medidas de proteção poderão ser aplicadas
isolada, ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo. Isto vai depender do
caso concreto.

Por sua vez, o artigo 100, do ECA, com o acréscimo do parágrafo único, pela Lei
n. 12.010/2009, sofreu uma importante alteração ao introduzir princípios que devem nortear a
atuação dos órgãos de proteção e defesa das crianças e adolescentes, devendo sempre serem
aplicadas aquelas medidas que visem o fortalecimento dos vínculos familiares. Os princípios
arrolados no parágrafo único do artigo 100, do ECA são importantes, pois, segundo Murillo
José Digiácomo, Promotor de Justiça do Estado do Paraná,

“é preciso extirpar do sistema o “amadorismo”, a improvisação e o


“achismo” que em muitos casos ainda se fazem presentes e tantos prejuízos
têm causado, garantindo sempre a atuação de profissionais das áreas da
pedagogia, psicologia, assistência social, etc., única forma de assegurar
proteção integral de que a criança e o adolescente são destinatários”.

Portanto, os princípios que regem a aplicação das medidas de proteção são:

I – condição da criança e adolescente como sujeitos de direitos: crianças e


adolescentes são os titulares dos direitos previstos nesta e em outras Leis, bem como na
Constituição Federal;
II – proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer
norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que
crianças e adolescentes são titulares;
III – responsabilidade primária do poder público: a plena efetivação dos
direitos assegurados a crianças e a adolescentes por esta Lei e pela Constituição Federal, salvo
nos casos por esta expressamente ressalvados, é de responsabilidade primária e solidária das 3
(três) esferas de governo, sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade
da execução de programas por entidades não governamentais;
IV – interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender
prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da
consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos
interesses presentes no caso concreto;
V – privacidade; a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente
deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;
82

VI – intervenção precoce: a intervenção das autoridades competentes deve ser


efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;
VII – intervenção mínima: a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas
autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e a
proteção da criança e do adolescente;
VIII – proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e
adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em
que a decisão é tomada;
IX – responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os
pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente;
X – prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do
adolescente deve ser dar prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua
família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em
família substituta;
XI – obrigatoriedade da informação: a criança e o adolescente, respeitado seu
estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, seus pais ou responsável devem ser
informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como
esta se processa;
XII – oitiva obrigatória e participação: a criança e o adolescente, em separado ou
na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou
responsável, tem direito a serem ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de
promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela
autoridade judiciária competente, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 28 desta Lei.

Segundo a Dra. Laura Maria Ferreira Bueno, Procuradora de Justiça do Ministério


Público de Goiás:

“A definição dos citados princípios representa um avanço extremamente


significativo para a aplicação das medidas de proteção, bem como para
todas as medidas previstas no ECA em relação a criança e ao adolescente.
A conceituação de tais princípios, de forma clara, possibilita a sua real
compreensão, impedindo interpretações vagas e imprecisas.

4. Competência para aplicação das medidas protetivas

O Conselho Tutelar, de ofício, poderá aplicar as medidas protetivas constantes do


art. 101, I a VI, do ECA, às crianças e adolescentes que estiverem em situação de risco.
Também poderá fazê-lo quando houver a prática de ato infracional por crianças (art. 105, do
ECA). De qualquer forma, a decisão poderá ser revista pelo Juiz da Vara da Infância e
Juventude, atendendo a requerimento do interessado (art. 137, do ECA). Nas localidades em
que este órgão não existir, a atribuição ela inserção em medidas protetivas será exclusiva do
Juiz (art. 262, do ECA.
83

Registre-se que os conselhos tutelares não são competentes para aplicação de todas
as medidas protetivas. Excetuam-se as medidas de acolhimento institucional e familiar, além da
medida de colocação em família substituta, cuja competência e exclusiva do Juiz da Vara da
Infância e Juventude.

Tratando-se de situação de risco, definida no art. 98, do ECA, poderá o Juiz


aplicá-la mesmo de ofício, em procedimento simples, nos casos constantes nos incisos I a VI,
do ECA, ou através de procedimento judicial contencioso, com observância do devido processo
legal, nos casos mencionados nos incisos VII, VIII e IX.

Sendo o caso de prática de ato infracional por adolescentes, poderá o Juiz aplicar
as medidas protetivas em conjunto ou não com as medidas socioeducativas (rol do art. 112.

5. Medidas Específicas de Proteção

O Estatuto da Criança e do Adolescente, após indicação das situações nas quais é


imperiosa a aplicação das medidas protetivas, preocupou-se em delinear normas específicas,
indicando, inclusive, algumas medidas de proteção especificas, a fim de nortear a atuação da
autoridade competente quanto da constatação de alguma das hipóteses de ameaça ou violação
de direito.

Desta forma, estabelece o artigo 101, as medidas de proteção específicas, a saber:

I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de


responsabilidade;
II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III – matricula e freqüência obrigatórios em estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à
criança e ao adolescente;
V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
VI inclusão em programa oficial ou comunitário de auxilio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII – acolhimento institucional; (Redação dada pela Lei 12.010/200)
VIII – inclusão em programas de acolhimento familiar (incluído pela lei
12.010/2009);
IX – colocação em família substituta (Renumerado do inciso VIII, pela Lei n
12.010/2009).

As medidas elencadas pelo legislador, conforme menção que consta do caput do


dispositivo legal acima mencionado, não constituem rol taxativo, pelo que devem as
autoridades competentes estar sempre atentas para outras possibilidades de atuação distintas
daquelas mencionadas no artigo 101, do ECA.
84

Dado a importância do assunto acerca do acolhimento familiar, que vem em


contraposição ao longo processo de institucionalização de crianças e adolescentes, o legislador
acrescentou uma série de parágrafos, procurando explicitar como deve ser feito o acolhimento
familiar, e por isso vamos tratar com mais atenção o inciso VIII, do artigo 101.

5.1. Do acolhimento familiar

Segundo Irene Rizzini e Irma Rizzini, no livro A institucionalização de crianças no


Brasil – Percurso histórico e desafios do presente, a história da institucionalização de crianças e
adolescentes no Brasil tem repercussões importantes até os dias de hoje. A análise da
documentação histórica sobre a assistência à infância dos séculos XIX e XX revela que as
crianças nascidas em situação de pobreza e/ou em famílias com dificuldades de criarem seus
filhos tinham um destino quase certo quanto buscavam apoio do Estado: o de serem
encaminhados para instituições como se fossem órfãos ou abandonados.

O Brasil possui uma longa tradição de internação de crianças e jovens em


instituições asilares. Muitos filhos de famílias ricas e dos setores pauperizados da sociedade
passaram pela experiência de serem educados longe de suas famílias e comunidades. Desde o
período colonial, foram sendo criados no país colégios internos, seminários, asilos, escolas de
aprendizes artífices, educandários, reformatórios, dentre outras modalidades institucionais
surgidas ao sabor das tendências educacionais e assistenciais de cada época.

O recolhimento de crianças às instituições de reclusão foi o principal instrumento


de assistência a infância no país. Após a segunda metade do século XX, o modelo de internato
cai em desuso para os filhos dos ricos, a ponto de praticamente ser inexistente no Brasil há
vários anos. Essa modalidade de educação, na qual o individuo é gerido no tempo e no espaço
pelas normas institucionais, sob relações de poder totalmente desiguais, é mantida para os
pobre até atualidade. A reclusão, na sua modalidade mais perversa e autoritária, continua
vigente até hoje para categorias consideradas ameaçadoras à sociedade, como os autores de
infrações penais.

No Brasil, as origens do atendimento a crianças e adolescentes em serviços de


acolhimento remonta ao período colonial. Mas foi apenas com a promulgação do Estatuto da
Criança e do Adolescente que crianças e adolescentes passaram a ser concebidos como sujeitos
de direitos, em peculiar condição de desenvolvimento e que o encaminhamento para serviço de
acolhimento passou a ser concebido como medida protetiva, de caráter excepcional e provisório
(art. 101, § 1º). O ECA assegurou, ainda, o direito de crianças e adolescentes à convivência
familiar e comunitária, prioritariamente na família de origem, e excepcionalmente, em família
substituta (art. 19).

A despeito dos direitos assegurados no ECA, conforme já ressaltado o


Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes, realizado pelo Instituto de
85

Pesquisa Econômica aplicada (IPEA), em 2003, identificou o descompasso existente entre a


legislação e a realidade dos serviços de acolhimento para crianças e adolescentes no Brasil.

Como resultado da pesquisa mencionada acima o CONANDA (Conselho Nacional


dos Direitos da Criança e do Adolescente) e o CNAS (Conselho Nacional de Assistência
Social) aprovaram em conjunto um documento que ficou conhecido como Plano Nacional de
Promoção, Proteção e Defesa do Direito da Criança e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária, em 2006.

Paralelamente a esse processo, em 2004, foi aprovado, pelo CNAS, a Política


Nacional de Assistência Social (PNAS), com o objetivo de concretizar direitos assegurados na
Constituição Federal de 1988 e na Lei Orgânica de Assistência Social (1993). O PNAS
organiza a matriz de funcionamento do Sistema Único de Assistência Social (suas),
inaugurando no país um novo paradigma de defesa dos direitos socioassistenciais. Na
seqüência, a aprovação do NOB/SUAS estabeleceu parâmetros para a operacionalização do
Sistema Único em todo território nacional. Em 2006, foi aprovada a NOB/RH que, dentre
outros aspectos, estabeleceu parâmetros nacionais para a composição das equipes que devem
atuar nos serviços de acolhimento.

Finalmente, como resultado deste esforço no sentido de combater a


institucionalização de crianças e adolescentes, foi sancionada a Lei 12.010/2009, que fez
profundas alterações no ECA, principalmente, trazendo parâmetros mais objetivos para o
acolhimento familiar de crianças e adolescentes, e o que veremos a seguir.

5.3. Paramentos para o acolhimento institucional

O § 1º, do art.101, do ECA, dispõe que o acolhimento institucional ou familiar são


medidas caracterizadas pela provisoriedade e excepcionalidade, e não implica em privação de
liberdade, segundo o Dr. Carlos Alexandre Marques, Promotor de Justiça do Estado de Goiás
que
“ao enfatizar a não aceitação de um regime de acolhimento que resulte em
privação de liberdade, o novo preceito pretende vedar o acolhimento em
instituições tipo internato, de regime fechado, porque estas, primeiro,
restringem fortemente o direito à convivência comunitária e, segundo,
dificultam ou impedem o livre acesso e o contato da criança ou adolescente
com os pais e familiares. Tal sistema privativo de liberdade afasta cada vez
mais a possibilidade de reintegração familiar, que é primeira solução para
que se proceda o desacolhimento institucional”.

5,4. Acolhimento em caso de urgência.

É possível o acolhimento de criança ou adolescente, em casos excepcionais e


urgentes, sem guia de acolhimento, realizado pelo Conselho Tutelar ou entidade de
86

atendimento (art. 93, caput), devendo em ambos os casos ser comunicado o Juiz da Vara da
Infância e Juventude no prazo de 24 horas.

Uma vez feito o acolhimento, neste caso provisório, recebida a comunicação do


fato, o magistrado, ouvindo o Ministério Público, tomará as medidas necessárias ou para
promover a imediata reintegração familiar da criança ou adolescente, ou, se isso não for
possível, para o seu encaminhamento a programa de acolhimento ou para colocação em família
substituta.

Fora dos casos de urgência o afastamento de criança e adolescente é de


competência exclusiva da autoridade judiciária e importará, a pedido do Ministério Público ou
de quem tenha legítimo interesse de um procedimento judicial contencioso, garantindo aos pais
ou responsáveis o exercício de contraditório e de ampla defesa (art. 101, § 2º).

A alteração introduzida no ECA não só pretende acabar com as práticas arbitrárias


de afastamento de criança ou adolescente de seu grupo familiar com base em uma simples
decisão administrativa do Conselho Tutelar, como também com aqueles afastamentos
decorrentes de procedimento judicial inominado, instaurados nos termos do art. 153, do ECA.

O § 3º, do Art. 103, institui a guia de acolhimento, expedida pela autoridade


judiciária, que conterá informações importantes para a individualização da criança ou do
adolescente. Se há uma guia de acolhimento, existe, por conseguinte, uma guia de
desacolhimento expedida também pela autoridade judiciária, a que deverá expor os motivos da
liberação da criança ou do adolescente.

5,5. Plano individual de atendimento.

O Plano Individual de Atendimento - PIA, instituído nos §§ 4º, 5º, e 6º, do artigo
101, do ECA é o instrumento técnico que vai orientar todo o trabalho a ser desenvolvido com a
criança ou adolescente acolhido e com a sua família, objetivando, em um primeiro momento, a
reintegração familiar, mas sendo esta inviável, a colocação em família substituta.

O Plano de Atendimento de Atendimento tem como objetivo orientar o trabalho de


intervenção durante o período de acolhimento, visando à superação de situações que ensejaram
a aplicação da medida. Deve basear-se em um levantamento das particularidades,
potencialidades específicas de cada caso e delinear estratégias para o se atendimento.

É a partir deste levantamento inicial que serão definidas estratégias de atuação que
contribuam para a superação dos motivos que levaram ao acolhimento. Tais estratégias devem
primar pelo fortalecimento dos recursos e a das potencialidades da família (nuclear ou extensa),
criança, do adolescente, da comunidade e da rede local, a fim de possibilitar o desenvolvimento
de um trabalho que possa conduzir a soluções de caráter mais definitivo, como a reintegração
familiar, a colocação aos cuidados de pessoa significativa na comunidade ou, quando essa se
87

mostrar a alternativa que melhor atenda ao superior interesse da criança e do adolescente, o


encaminhamento para adoção.

5.6. Do desacolhimento ou outra medida judicial

Nos §§ 8º, 9º, e 10º, do artigo 101, do ECA, versam sobre o procedimento
decorrente do acolhimento familiar ou institucional e seus resultados. Trata-se de um
procedimento administrativo, devendo ser tomadas providências, após o término do período
fixado para que sejam feitas as reavaliações de cada caso.

Se for possível o desacolhimento e a reintegração familiar, o Ministério Público de


posse dos relatórios emitirá um parecer no prazo de cinco dias, e o juiz decidirá em igual prazo,
que poderá acolher a manifestação técnica e determinar o desacolhimento.

Entretanto, se o parecer técnico foi desfavorável e as circunstâncias do caso, bem


como as abordagens feitas para a reintegração familiar forem frustradas, poderá ser tomada
uma medida judicial mais drástica, pois a criança ou adolescente poderá ser colocada em
família substituta, com suspensão ou destituição do poder familiar, devendo o Ministério
Público ser comunicado, e a vista dos elementos disponíveis em um relatório, terá o prazo de
30 dias para o ingresso da ação pertinente, ou solicitar a realização de estudos complementares
ou outras providências que entender indispensáveis ao ajuizamento da demanda.

5.7. A Autoridade Competente

Incluem-se no conceito de autoridade competente indicada no art. 101 do ECA o


Conselho Tutelar e o Juiz da Infância e Juventude, por força das normas constantes no art. 136,
inciso I, e art. 148 do ECA. É importante, no entanto, salientar que tais órgãos somente poderão
atuar dentro dos limites legalmente impostos pelo próprio Estatuto, tanto no que diz respeito a
escolha da medida a ser aplicada, como também no que tange ao procedimento necessário para
tanto.

O Conselho Tutelar, por exemplo, em razão do que dispõe o art. 136, I do ECA,
somente poderá aplicar as medidas elencadas no artigo 101, incisos I a VII do ECA, uma vez
que é de competência exclusiva da autoridade judiciária a colocação de criança ou adolescente
em família substituta, mediante a concessão de guarda, tutela ou adoção. A autoridade
judiciária, por sua vez, somente poderá determinar a colocação de uma criança u de um
adolescente em família substituta, em procedimento judicial específico, por conta das normas
procedimentais elencadas nos arts. 165 a 170 do ECA.

6. MEDIDAS PERTINENTES AOS PAIS OU RESPONSÁVEL


O ECA prevê medidas de proteção e sócio-educativas aplicáveis à criança e ao
adolescente, conforme já exposto. Por outro lado, considerando que a necessidade de aplicação
de medidas a esta parcela da população decorre, na maioria das vezes, da falta, omissão ou
88

abuso dos pais ou responsável, prevê também medidas aplicáveis a eles (artigo 129), quais
sejam:

I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de promoção à família;


II – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e
aproveitamento escolar;
VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento
especializado;
VII – advertência;
VIII – perda da guarda;
IX – destituição da tutela;
X – suspensão ou destituição do poder familiar.

Prevê ainda o ECA que a autoridade judiciária poderá determinar, como medida
cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum quando verificada a hipótese de maus-
tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável (artigo 130 do ECA).

7. CONSELHO TUTELAR

O Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional,


encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente,
definidos no ECA (artigo 131 do ECA). Lei municipal cria o Conselho Tutelar, o Fundo
Municipal e define toda a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.

O Conselho Tutelar é composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade


local para um mandato de 4 anos, (conforme Lei nº 12.496/2012), permitida uma recondução.
A lei municipal definirá o número de Conselhos para o município, obviamente atendendo ao
número de habitantes. A mesma lei definirá se o processo de escolha será direto ou indireto.

Ocorreu uma mudança no ECA com relação ao processo de escolho dos


conselheiros tutelares. A Lei nº. 12.496/12 unificou o processo de escolha. Foi acrescendo no
art. 139, os parágrafos 1º, que menciona que as eleições para escolha dos conselheiros
ocorrerão a cada 04 anos, no primeiro domingo do mês de outubro subseqüente ao da eleição
presidencial e o § 2° determina que a posse ocorra no dia 10 de janeiro do ano subseqüente ao
processo de escolha.

São requisitos para a candidatura a membro do Conselho Tutelar:


1. reconhecida idoneidade moral;
2. idade superior a 21 anos;
3. residir no município.
89

O exercício efetivo da função de conselheiro tutelar, nos termos do artigo 135 do


ECA, constituirá serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade e assegurará
prisão especial, em caso e crime comum, até o julgamento definitivo.

7.1. ATRIBUIÇÕES
As atribuições do Conselho Tutelar são:
1. Atender às crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos artigos 98 e 105
do ECA, aplicando as medidas previstas no artigo 101, I a VII – compete aos Conselheiros
Tutelares atender às crianças e adolescentes com direitos ameaçados e violados, bem como a
criança autora de ato infracional. Sua função é de atendimento e encaminhamento, aplicando as
medidas de proteção do artigo 101, com exceção da colocação em família substituta. Apenas a
autoridade judiciária poderá aplicar esta medida.

2. Atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas


no artigo 129, I a VII – Como já dito, são inúmeros os casos de violação de direitos de
crianças e adolescentes no seio de sua família. Cabe ao Conselho Tutelar a aplicação de
medidas também aos pais ou responsável, desde a inclusão em programas de auxílio até a
advertência. Não podem aplicar as medidas de perda da guarda, destituição da tutela e
suspensão ou destituição do pátrio poder, medidas estas cuja aplicação é de competência da
autoridade judiciária.

3. Promover a execução de suas decisões podendo para tanto:


 Requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação,
serviço social, previdência, trabalho e segurança – estes serviços
visam a garantia dos direitos fundamentais da criança e do
adolescente, podendo, portanto, haver a requisição por parte dos
Conselheiros Tutelares.
 Representar junto à autoridade judiciária nos casos de
descumprimento injustificado de suas deliberações – o Conselho
Tutelar não possui mecanismos para a execução de suas decisões,
devendo recorrer à Justiça da Infância e da Juventude por meio de
representação quando for necessário. A autoridade Judiciária em
procedimento próprio, sempre ouvindo o Ministério Público,
poderá determinar o cumprimento da decisão do Conselho
Tutelar.

4. Encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração


administrativa ou penal contra os direitos da criança e do adolescente – referida providência
deve ocorrer considerando que compete ao Ministério Público oferecer representação para
apuração das infrações administrativas (artigo 194 do ECA), bem como iniciar a ação penal
90

oferecendo a denúncia. Também o Conselho Tutelar pode oferecer representação para apuração
das infrações administrativas, o que, porém, não impede que encaminhe ao Ministério Público a
notícia do fato.
5. Encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência – conforme
já visto algumas providências relativas a crianças e adolescentes como a colocação em família
substituta, a destituição do poder familiar, etc, são de competência exclusiva da autoridade
judiciária. Compete ao Conselho Tutelar encaminhar à referida autoridade os casos que não lhe
compete apreciar, para a tomada das providências cabíveis.
6. Providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária dentre as
previstas no artigo 101, I a VI, para o adolescente autor de ato infracional – Como já visto,
tanto as medidas de proteção como as medidas sócio-educativas podem ser aplicadas isolada ou
cumulativamente (artigo 99 c/c 113 do ECA). Deste modo, poderá o Juiz da Infância e da
Juventude aplicar medidas de proteção ao adolescente autor de ato infracional determinando
que seu cumprimento será providenciado pelo Conselho Tutelar.
7. Expedir notificações – as notificações objetivam dar ciência ao interessado das
determinações do Conselho Tutelar ou determinar o cumprimento de alguma providência
necessário ao exercício da função de Conselheiro Tutelar. Do mesmo modo poderá ser utilizada
para solicitar a presença de uma pessoa para ser ouvida ou para cumprir alguma deliberação do
Conselho.
8. Requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança e adolescente
quando necessário – para regularizar a situação da criança e do adolescente junto à família, à
escola etc, necessária a certidão de nascimento. Observe-se que não fala o ECA em requisição
de registro de nascimento, apesar que atualmente todo o registro é gratuito e o próprio
interessado pode comparecer no cartório de registro civil e solicitá-lo.
9. Assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária
para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente – Para a
execução da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente é necessário, é
certo, a existência de verbas orçamentárias. É o Conselho Tutelar o órgão que está mais
próximo das questões que representam violação dos direitos da criança e do adolescente em
cada município. Portanto compete a ele assessorar o Executivo quando da elaboração da
proposta orçamentária para os programas de atendimento que se fazem necessários para
prevenir ou minorar as conseqüências do descumprimento dos direitos fundamentais das
crianças que atendem.
10. Representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos
previstos no artigo 220, § 3º, inciso II da Constituição Federal – Prevê a Constituição Federal
no citado artigo que “compete a lei federal: ... II – estabelecer os meios legais que garantam à
pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e
televisão que contrariem o disposto no artigo 221, bem como da propaganda de produtos,
práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”. O artigo 221 da C.F.
define os princípios que devem ser atendidos para a produção e programação de rádio e
91

televisão. Ao Conselho Tutelar compete representar ao Ministério Público para o cumprimento


das referidas normas constitucionais.
11. Representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou
suspensão do pátrio poder – compete ao Ministério Público promover e acompanhar os
procedimentos de perda ou suspensão do pátrio poder. Como o Conselho Tutelar realiza o
atendimento das crianças e adolescentes com direitos ameaçados e violados, e como em muitos
casos os responsáveis pela violação são os próprios pais, cabe ao Conselho representar ao
Ministério Público para a perda ou suspensão do pátrio poder. Não estará o Ministério Público
obrigado a promover o referido procedimento, sendo que a representação significará a notícia
de um fato a ser apreciado.
As decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela autoridade
judiciária a pedido de quem tenham legítimo interesse (artigo 137 do ECA). Assim como o
descumprimento das determinações do Conselho Tutelar ensejam a representação junto à
autoridade judiciária, aquele que não concorda com o que lhe foi determinado poderá também
questionar a decisão do Conselho perante o Juízo da Infância e da Juventude.

7.2. Dos direitos


A lei nº 12.496/2012 estabeleceu aos conselheiros tutelares alguns direitos
trabalhistas que até então não eram reconhecidos. Segundo o art. 134, incisos I, II, III, IV, V,
do ECA, dispõe que o conselheiro tutelar terá direitos a cobertura previdenciária, gozo de
férias, acrescidas de 1/3 do valor da remuneração mensal, licença-maternidade, licença
paternidade gratificação natalina.
A nova previsão decorreu do vácuo legislativo, pois o Estatuto não previa
expressamente estes direitos. Portanto vem estabelecer concretamente o que é reconhecido a
todo trabalhador. De modo que, merece aplauso os legisladores, pois o ofício de conselheiro
tutelar é expressamente exaustivo, e nada mais justo do que reconhece ao conselheiro tutelar o
que lhes é de direito a todos os trabalhadores brasileiros.
Os recursos para estas despesas deverão estar previstos na lei orçamentária
municipal, conforme determina o artigo 134, parágrafo único do ECA, com nova redação dada
pela Lei nº 12.496/12. Os Conselheiros Tutelares não podem ser remunerados com verba
oriunda do Fundo Municipal.

7.2. COMPETÊNCIA
Tem o Conselho Tutelar competência para o exercício de suas atribuições nos
mesmos moldes do que é previsto para o Juiz da Infância e da Juventude (artigo 147 do ECA).
Será a competência determinada pelo domicílio dos pais ou responsável e pelo lugar onde se
encontre a criança e o adolescente, à falta dos pais ou responsável.
92

7.3. ESCOLHA DOS CONSELHEIROS TUTELARES


O processo para escolha dos membros do Conselho Tutelar será estabelecido em
lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente e a fiscalização do Ministério Público.
O Conselho de Direitos delibera por resolução, assim sendo, definirá como se
dará o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, atendendo às exigências da lei
municipal. Definirá, portanto, local de inscrição, documentos exigidos, data do pleito etc.

7.4. IMPEDIMENTOS
Prevê o artigo 140 do ECA que são impedidos de servir ao mesmo Conselho
marido e mulher, ascendentes e descendentes, sogro e genro ou nora, irmãos e cunhados,
durante o cunhadio, tio e sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado. Prevê ainda o parágrafo
único que o impedimento do conselheiro estende-se em relação à autoridade judiciária e ao
representante do Ministério Público com atuação na Justiça da Infância e da Juventude, em
exercício na Comarca, Foro Regional ou Distrital.

ANOTAÇÕES:
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Lição nº 09 - DA PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL

I - Introdução
O adolescente é o ato infracional.
O que é a adolescência?
A adolescência é basicamente um fenômeno psicológico e social. Sendo um
processo psicossocial, a adolescência gera diferentes situações conforme o ambiente social,
econômico e cultural em que o adolescente se desenvolve.
A adolescência é uma experiência extremamente desagradável (as vezes) para os
pais, professores e aqueles que necessitam conviver com eles. É um período de grandes
mudanças físicas e psicológicas.
Repentinamente o adolescente se transforma. Passa a alternar o seu humor, passa a
questionar as atitudes dos pais das autoridades em geral, parece estar sempre de mal humor.
Origem etimológica da palavra adolescência.
Conhecer a origem da palavra adolescência nos dá importantes informações a
respeito desta importante etapa do desenvolvimento do ser humano.
A primeira vem do latim ad significa a ou para e olescer que significa condição ou
processo para crescer, então o adolescer significa um indivíduo apto para crescer.
No segundo significado a palavra adolescência também deriva de adolescer,
origem da palavra adoecer.
Nessa dupla origem etimológica, tem-se um elemento para pensar esta etapa da
vida: aptidão para crescer (em termos físico, mas também psíquico); e para adoecer (em termos
de sofrimento emocional, com as transformações biológicas e mentais que operam nesta faixa
da vida).
Adolescência é uma etapa da vida do ser humano. Como a infância, assim é a
idade adulta e a velhice. Em nenhuma fase ocorre tantas mudanças quanto na adolescência.
Isto é motivo de preocupação para pais e educadores, pois simplesmente não sabem lidar com
estas mudanças.
Podemos então definir adolescência assim:
“Trata-se de um grupo de fenômenos que aparece num momento da
vida e que tem um processo e um desenvolvimento até desaparecer
(teoricamente pelo menos), para dar lugar a comportamentos, condutas
e fenômenos característicos da idade adulta.”
Crises na adolescência:
1) Crise de identidade: Consiste na necessidade de o adolescente ser ele mesmo,
procura algo que o diferencie da criança e do adulto, para desta forma romper a dependência
infantil e conseguir a auto sustentação própria do ser maduro e que dê continuidade à espécie.
95

2) Crise de autoridade: Consiste no enfrentamento com tudo que signifique


norma ou imposição que seja gerado pela vivência no adulto. È nesta fase que começa os
questionamentos à autoridade dos pais, dos professores e das autoridades em geral, e
certamente os conflitos são inevitáveis.
3) Crise sexual: Centrada no aparecimento de um novo modelo psicológico para o
manejo dos impulsos libidinais em eclosão e em aumento qualitativo, com vistas a instalar uma
procriação eficiente e defensor da prole.
Etapas da adolescência:
Além de passar por pelas crises enumeradas acima a adolescência também possui
três etapas muito bem definidas.
1) Etapa puberal (12-13 anos):
É a que dá início ao processo da adolescência. Caracteriza fundamentalmente por
um rompimento maciço com os fenômenos infantis e um isolamento do mundo externo em
geral. Há a presença do amigo íntimo.
2) Etapa nuclear (14-17 anos):
Caracteriza-se pela instalação efervescente das características que em geral damos
à adolescência, nos trejeitos, na maneira de se vestir, nas palavras que usam para se comunicar.
Há, nesta etapa, uma ênfase no grupal.
3) Etapa Juvenil (18-19 anos):
Consiste no período de transição do modelo de funcionamento essencialmente
adolescente para um comportamento similar ao do adulto.
Enfim, a adolescência é fundamental para o desenvolvimento do ser humano. A
adolescência não pode ser: Interrompida, abortada, nesta etapa do desenvolvimento humano
precisa ser vivida de forma exuberante.
2. Do ato infracional
O ECA considera ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção
penal. Por outro lado, reafirma a previsão do artigo 228 da Constituição Federal ao considerar
inimputáveis os menores de 18 anos de idade, devendo ser considerada esta idade à data do
fato.
A opção do legislador brasileiro em relação à imputabilidade penal advém de
nossa realidade carcerária. Trata-se de questão de política criminal a partir do momento que se
tem a certeza de que o sistema penitenciário brasileiro não cumpre sua função ressocializadora.
Ao contrário, são inúmeros casos de pessoas que tiveram sua formação ainda mais
comprometida do que antes de serem condenados ao cumprimento de uma pena em uma prisão
brasileira. Neste sentido, busca o ECA garantir um atendimento diferenciado ao adolescente
autor de ato infracional, onde ele seja responsabilizado pelos seus atos mas onde também ele se
capacite para uma vida em sociedade sem a possibilidade de continuar violando direitos
alheios.
96

Ao adolescente autor de ato infracional são aplicadas as medidas sócio-educativas.


À criança autora de ato infracional são aplicadas as medidas de proteção previstas no artigo 101
do ECA.

3. DOS DIREITOS INDIVIDUAIS


Todos os direitos e garantias constitucionais por certo são aplicáveis ao
adolescente autor de ato infracional. Deste modo, prevê o ECA que nenhum adolescente será
privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e
fundamentada da autoridade competente, tendo o direito à identificação dos responsáveis por
sua apreensão e de ser informado acerca de seus direitos (artigo 106 do ECA).
Obrigatória será a comunicação da apreensão do adolescente e o local onde se
encontra recolhido à autoridade judiciária competente e à sua família, ou ainda à pessoa por ele
indicada. No momento da apreensão deve ser examinada a possibilidade de liberação imediata
(artigo 107 do ECA).
O adolescente autor de ato infracional poderá ser internado antes da sentença
(internação provisória) pelo prazo máximo de 45 dias, por meio de decisão fundamentada,
baseada em indícios suficientes de autoria e de materialidade, demonstrando-se a necessidade
imperiosa da medida. Os requisitos para a decretação da internação provisória estão previstos
no artigo 174 do ECA.
É proibida a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e
judiciais, se o adolescente tiver sido civilmente identificado. A única exceção se dá quando há
dúvida fundada quanto a identificação para efeito de confrontação dos dados disponíveis (artigo
109 do ECA).
4. DAS GARANTIAS PROCESSUAIS
Com fundamento também na Constituição Federal (artigo 5º, LIV) previu o ECA
que nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal (artigo 110
do ECA).
Por outro lado lhe são asseguradas as seguintes garantias:
I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante
citação ou meio equivalente;
II – igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e
testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;
III – defesa técnica por advogado;
IV – assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;
V – direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;
VI – direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase
do procedimento.
97

5. DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS


As medidas sócio-educativas aplicáveis ao adolescente autor de ato infracional são:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das medidas de proteção previstas no artigo 101, incisos I a
VI (não inclui a medida de abrigo e de colocação em família substituta).
Na aplicação da medida socioeducativa deve-se levar em conta a capacidade do
adolescente em cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração, não se admitindo a
prestação de trabalho forçado.
Ressalva o ECA a condição dos adolescentes portadores de doença ou deficiência,
garantindo-lhes tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
Referidas medidas, assim como as medidas de proteção são aplicáveis isolada ou
cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo (artigo 99 c/c artigo 113 do ECA).
Na aplicação de ambas as medidas (protetivas e sócio-educativas) deve-se levar em conta as
necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários (artigo 100 c/c artigo 113 do ECA).
Para a aplicação das medidas sócio-educativas de obrigação de reparar o dano,
prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação, exige-se a
prova suficiente de autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese da remissão,
nos termos do artigo 127 do ECA (artigo 114 do ECA).
Para a aplicação da medida de advertência exige-se a prova da materialidade e
indícios suficientes da autoria.

5.1. ADVERTÊNCIA
A advertência consiste na admoestação verbal, que será reduzida a termo e
assinada (artigo 115 do ECA). Em por objetivo de alertar o adolescente quanto aos riscos do
envolvimento em conduta antissociais e, principalmente, evitar que se veja comprometido com
outros fatos de igual ou maior gravidade.
Para aplicação da referida medida, conforme já visto acima, exige a lei prova da
materialidade do ato infracional e apenas indícios suficientes de autoria (parágrafo único do
artigo 114).
98

Na prática tem ficado restrita aos atos infracionais de natureza leve, sem violência
ou grave ameaça à pessoa e às hipóteses de primeira passagem do adolescente pelo Juizado da
Infância e da Juventude, por ato infracional.

5.2. OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO


Constitui na restituição da coisa, no ressarcimento do dado ou em outra forma de
compensação ao prejuízo da vítima, aplicável quando se tratar de ato infracional com reflexos
patrimoniais. Poderá ser substituída por outra adequada quando da manifesta impossibilidade
de seu cumprimento (artigo 116 do ECA).

5.3. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE


De grande valia tem se apresentado a efetiva utilização desta medida que, se por um lado
preenche, com algo útil, o costumeiramente ocioso tempo dos adolescentes em conflito com a
lei, por outro traz nítida sensação a coletividade de resposta social pela conduta infracional
praticada.
Consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não
excedente a 06 meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros
estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.
A jornada máxima para o cumprimento da tarefa imposta não pode ultrapassar 8
horas semanais, devendo ser cumpridas aos sábados, domingos e feriados, ou ainda em dias
úteis, desde que não prejudique à freqüência à escola ou a jornada normal de trabalho. Deve
ainda ser observada a aptidão do adolescente quando da distribuição da tarefa (artigo 117,
parágrafo único do ECA).

5.4. LIBERDADE ASSISTIDA


Consiste na designação pela autoridade judiciária de uma pessoa capacitada
(orientador) para acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. Referido orientador poderá ser
recomendado por entidade ou programa de atendimento.
De relevante importância é o papel do orientador, já que a este cabe a condução da
medida, que engloba uma gama de compromissos envolvendo não só o adolescente, mas
também sua família, devendo diligenciar para que seja obtido êxito na execução da medida.
Cabe ao orientador, ainda, reunir elementos, por intermédio de relatório do caso, para subsidiar
a análise judicial acerca da necessidade de manutenção, revogação ou substituição da liberdade
assistida por outra medida que venha a se afigurar mais adequada.
O prazo mínimo a ser fixado para o cumprimento da medida de liberdade assistida
é de 6 meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra
medida, ouvindo-se o orientador, o Ministério Público e o Defensor (artigo 118, § 2º do ECA).
99

O orientador deve realizar encargos próprios da sua função, com o apoio e a


supervisão da autoridade competente. São eles:
I – promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes
orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e
assistência social;
II – supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente,
promovendo, inclusive, sua matrícula; .
III – diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua
inserção no mercado de trabalho;
IV – apresentar relatório do caso.

5.5. SEMILIBERDADE
A semiliberdade é medida socioeducativa que pode ser aplicada desde o início ou
como forma de transição para o meio aberto, podendo ser realizadas atividades externas,
independentemente de autorização judicial, sendo obrigatória a escolarização e a
profissionalização do jovem em conflito com a lei (art. 120, § 1º, do ECA).
O regime de semiliberdade destina-se aos adolescentes que trabalham ou estudam
durante o dia e se recolhem à noite na entidade. Pode ser determinado desde o início, ou como
forma de transição para o meio aberto.
Não comporta a medida prazo determinado, aplicando-se, no que couber as disposições
relativas à medida sócio-educativa de internação.

5.6. INTERNAÇÃO
A internação constitui em privação de liberdade do adolescente autor de ato
infracional. Se sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento (artigo 121 do ECA).
A critério da equipe técnica, permite-se a realização de atividades externas, salvo
quando há expressa determinação da autoridade judiciária em sentido contrário. Por outro lado,
não comporta a medida prazo determinado, mas obrigatória será reavaliada no máximo a cada 6
meses, mediante decisão fundamentada.
O prazo máximo de internação não excederá a 3 anos. Após 3 anos de
cumprimento pelo adolescente de internação, deve ser ele liberado ou colocado no regime de
semiliberdade ou de liberdade assistida. De qualquer modo, aos 21 anos a liberação do
adolescente será compulsória.
Neste sentido, deve-se entender que o adolescente que pratica um ato infracional
com 17 anos e 11 meses responderá a procedimento de apuração de ato infracional perante a
Justiça da Infância e da Juventude e poderá cumprir medida sócio-educativa até completar 21
anos de idade.
100

Sua desinternação, em qualquer hipótese, depende de autorização judicial, depois


de ouvido o Ministério Público.
A aplicação da medida de internação somente se dará quando:
1. tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à
pessoa;
2. por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
3. por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta

Nesta última hipótese o prazo de internação não poderá ultrapassar três meses.

Não se aplica a internação havendo outra medida mais adequada.


Visando a verdadeira ressocialização do adolescente exige o ECA que seja
destinado um local próprio para o seu cumprimento, separado do local onde se cumpra a
medida protetiva de abrigo, devendo ser observada a diferença de idade, compleição física e a
gravidade do ato infracional praticado.
Obrigatoriamente devem ser realizadas atividades pedagógicas durante o período
de internação.
Os direitos do adolescente privado de liberdade previstos no ECA são:
I – entrevistar-se pessoalmente com o representante do
Ministério Público;
II – peticionar diretamente a qualquer autoridade;
III – avistar-se reservadamente com seu defensor;
IV – ser informado de sua situação processual, sempre que o solicitar;
V – ser tratado com respeito e dignidade;
VI – permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais
próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;
VII – receber visitas, ao menos semanalmente;
VIII – corresponder-se com seus familiares e amigos;
IX – ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;
X – habitar alojamento em condições adequadas de higiene e
salubridade;
XI – receber escolarização e profissionalização;
XII – realizar atividades culturais, esportivas e de lazer;
XIII – ter acesso aos meios de comunicação social;
101

XIV – receber assistência religiosa, segundo a sua crença e desde que


assim o desejem;
XV – manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro
para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da
entidade;
XVI – receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais
indispensáveis à vida em sociedade.
Não se admite a incomunicabilidade do adolescente, podendo por outro lado ser
suspensa a visita, inclusive dos pais ou responsável, se existirem motivos fundados de sua
prejudicialidade aos interesses do próprio adolescente.
Compete ao Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe
adotar as medidas adequadas de contenção e segurança. Ao prever esta atribuição ao Estado e
não ao município, apesar da municipalização do atendimento prevista no artigo 88, inciso I do
ECA, procurou o legislador evitar que em cada município houvesse um centro de internação
(ou uma cadeia para adolescentes), sendo que o número de adolescentes que praticam ato
infracional grave que justificam a medida de internação é pequeno e não justificam tal fato. Por
outro lado, procurou evitar que o adolescente fosse internado pela prática de qualquer ato
infracional (pequenos furtos, lesões etc) o que inevitavelmente ocorreria ante a não
implementação das medidas sócio-educativas não privativas de liberdade.
Ao Estado cabe construir centros de internação adequados em todo o Estado, de
forma regionalizada. Admite-se, também, a realização de consórcio entre Municípios para o
mesmo fim.
5.7. Internação provisória
Sua disciplina se encontra nos artigos 174, 183 e 184, nos quais é fixado o prazo de
quarenta e cinco dias como o máximo para o respectivo cumprimento e são definidas as
hipóteses para a sua decretação, quais sejam: a) quando existem indícios suficientes de autoria
e materialidade ou b) quando a garantia da segurança pessoal do adolescente ou a manutenção
da ordem pública assim o exigirem, em função da gravidade doa to infracional e de sua
repercussão social.
Inicialmente, observe-se que não se faz necessária a comutatividade dos elementos
indicados nos itens a) e b) para a decretação da internação provisória.
Nos da letra (a) nota-se que o intérprete estará antes atrelado à verificação dos
indícios de autoria e materialidade e à imprescindibilidade da medida que à espécie doa to
infracional prático.
Já nos elencados na letra (b), tendo como base a análise da gravidade do ato
infracional cometido e a sua repercussão social, partirá o exegeta para a apuração da
necessidade de garantia da segurança pessoal do adolescente e da ordem pública.
102

5.8. Internação-sanção
Diferentemente da internação provisória e da definitiva é a costumeiramente
denominada internação-sanção. Esse tipo de internação é o meio extremo legalmente previsto
para a hipótese em que se faça necessário a regressão de uma medida anteriormente aplicada.
Só pode ser decretada por prazo de até três meses e tem como pressuposto o
descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta (art. 122, III c/c o §
1º do mesmo artigo).
O STJ editou a súmula 265, a qual enuncia que “é necessária a oitiva do menor
infrator antes de decretar-se a regressão da medida socioeducativa”.

6. REMISSÃO
A remissão é o perdão do ato infracional praticado pelo adolescente. Poderá ser
concedida pelo Ministério Público como forma de exclusão do processo, atendendo às
circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do
adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional (artigo 127 do ECA).
Depois de iniciado o procedimento poderá ser concedido como forma de suspensão
ou extinção do processo pela autoridade judiciária, atendendo às mesmas regras acima
indicadas.
Não implicará a remissão necessariamente ao reconhecimento ou comprovação da
responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes.
Com a remissão podem ser aplicadas medidas sócio-educativas, com exceção da
medida de semiliberdade e internação, ou seja, podem ser aplicadas apenas as medidas não
privativas de liberdade.
Questiona-se a possibilidade do Ministério Público conceder a remissão cumulada
com a aplicação de medida sócio-educativa. Existe, inclusive, uma Súmula do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), a de nº 108, que diz: a aplicação de medidas sócio-educativas ao
adolescente, pela prática de ato infracional, é de competência exclusiva do Juiz.
Segundo a Dra. Laura Maria Ferreira Bueno, Procuradora de Justiça do Estado de
Goiás

“Considero que o Ministério Público pode conceder remissão cumulada como


medida sócio-educativa, sendo que neste caso a determinação para que se dê a
execução da medida é da autoridade judiciária, após a homologação (artigo 181,
§ 1º do ECA). Entendo que referida medida não fere a citada Súmula do STJ
uma vez que a remissão é ato bilateral e deve ser concedida com a anuência do
adolescente e de seus pais ou responsável, podendo optar pelo oferecimento da
representação para apuração do ato infracional, buscando provar, por exemplo,
sua inocência. Neste sentido, quando o Ministério Público concede a remissão
na condição de dono da pretensão sócio-educativa ele depende de um
103

consentimento quanto ao perdão em si e quanto ao interesse em cumprir a


medida indicada. Tratando-se de ato bilateral, firmado em consenso entre ambas
as partes, não está o Promotor de Justiça aplicando medida sócio-educativa. A
aplicação, de fato, é de competência exclusiva do Juiz, pois ele não dependerá do
consentimento de ninguém, estando preso apenas a lei e a sua íntima
convicção.”
O STJ, em decisões recentes (ano 2000), tem se posicionado reiteradamente no
sentido de que o Ministério Público pode conceder a remissão cumulada com medida, ou seja,
o MP indica a medida sócio-educativa e o Magistrado após a homologação determina o seu
cumprimento.
Discordando o Magistrado da remissão, com ou sem a indicação de medida sócio-
educativa, deixará de homologá-la e fará a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça,
como será visto quando for tratado a respeito da apuração do ato infracional.
Há ainda uma grande discussão sobre a possibilidade do adolescente que
descumpre de forma reiterada e injustificável (artigo 122, inciso III do ECA) a medida sócio-
educativa não privativa de liberdade que lhe foi aplicada cumulada com a remissão, vir a ter
sua medida regredida até chegar à privação de sua liberdade (internação ou semiliberdade).
Considero, apesar de posicionamentos em contrário, que não é possível tal fato
ante a ausência do devido processo legal exigido pelo artigo 110 do ECA, atendendo-se a todas
as garantias que são asseguradas ao adolescente autor de ato infracional. Neste sentido,
considero que descumprida a medida anteriormente imposta, cabe ao Ministério Público o
oferecimento de representação, iniciando-se o procedimento de apuração de ato infracional que
poderá culminar na privação de liberdade. Esta posição encontra respaldo em inúmeros
julgados, especialmente do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Nos termos do artigo 128 do ECA a medida imposta por força da remissão poderá
ser revista judicialmente, a qualquer tempo, mediante pedido expresso do adolescente ou de seu
representante legal, ou do Ministério Público.

7. Da Prescrição das medidas socioeducativas – Súmula 338 do STJ


As medidas socioeducativas prescrevem?
Até a edição da Súmula 338 , pelo Tribunal de Justiça Superior, o tema gerava
muitos debates. Em poucas linhas, podem ser apresentados argumentos favoráveis e
desfavoráveis a adoção de tal entendimento.
Favoravelmente a ele, e na linha do acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça, é
possível o reconhecimento da prescrição de medidas socioeducativas, pois, se tal direito é
assegurado ao adulto, também o deve ser aos adolescentes, pois, em suma, estes possuem os
mesmos direitos que aqueles, além de outros que lhe são específicos.
Em argumento contrário, como poderia uma medida socioeducativa, que tem
finalidade pedagógica, prescrever? Em outras palavras, a necessidade de ressocialização
104

deixaria de existir por conta do simples decurso do tempo, sem qualquer análise concreta do
caso.
O certo, reitere-se, é que o STJ firmou entendimento no sentido de serem
aplicadas, de foram subsidiária, as regras pertinentes à punibilidade da Parte Geral do Código
Penal em relação aos atos infracionais praticados pelos adolescentes, como extensão, a essas
pessoas, dos direitos assegurados aos adultos, editando, em função disso, a Súmula 338.
Partindo-se desse princípio, surge outra questão: como calcular o prazo
prescricional? E da execução das medias socioeducativas.
Para a aferição abstrata da prescrição da ação, ainda não aplicada a medida
socioeducativa, deve o magistrado levar em conta o prazo máximo de cumprimento da media
de internação, qual seja de três anos, chegando-se ao prazo prescricional de oito anos. Depois
de tal operação, ainda se aplica a redução de metade por ser o agente menor de vinte e um anos
(art. 115, do Código Penal).
Assim, conclui-se que o prazo de prescrição da pretensão da ação socioeducativa é
de quatro anos.
No entanto, os julgados do Superior Tribunal de Justiça fazem uma ressalva.
Se o tipo penal previr pena interior a três anos, como não é possível aplicar
tratamento mais gravoso ao adolescente em comparação ao adulto, deverá ser levado em
consideração o prazo previsto no tipo penal.
Sobre a prescrição da pretensão executiva, o Superior Tribunal de Justiça oferece
os seguintes parâmetros:
a) Tratando-se de medida socioeducativa aplicada sem prazo de duração (liberdade
assistida, semiliberdade e internação sem prazo), deve ser considerado que o seu prazo máximo
de duração será de três anos, prazo esse que devera ser levado em consideração para efeitos de
prescrição, aplicando-se o disposto no art. 109, IV, do CP, com redução de metade (art. 115).
Desse modo, o prazo prescricional será de quatro anos (oito anos reduzidos à metade).
b) Porém, mesmo na hipótese de ato infracional sem prazo certo, se o tipo penal
prevê para o adulto, pena inferior a três anos, o cálculo do prazo prescricional deve ser reduzido
levando-se em consideração a pena máxima em abstrato prevista ao delito praticado. O
exemplo é elucidativo: se o adolescente vem a ser internado em razão da prática de ato
infracional equiparado ao delito de lesão corporal, pela regra geral, tomar-se-ia em
consideração o prazo máximo da meda para o cálculo da prescrição, chegando-se ao tempo de
quatro anos (conforme visto acima). Contudo, para se evitarem injustiça, o STJ decidiu, em
casos como este, que o prazo prescricional levará em consideração a pena cominada no tipo
penal. No exemplo indicado, o prazo seria de quatro anos (art. 109, V), reduzido à metade (art.
115), chegando-se a dois anos.
c) Se a medida socioeducativa tem duração certa (prestação de serviço à
comunidade), o prazo dessa medida será levado em consideração para efeitos do cálculo do
prazo prescricional, com a devida redução de metade. Desse modo, a prescrição da prestação de
serviço à comunidade ocorrerá no prazo de um ano e meio, como incidência da nova regra
105

derivada da Lei n. 12.234/2010, que alterou o art. 109 do CP (prazo de três anos, reduzidos à
metade.

8. SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIEDUCATIVO


A Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, instituiu o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE), dispondo, pois, de sua criação, organização,
estruturação e funcionamento (Título I), bem como da manutenção orçamentária nos diversos
níveis de governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
A nova legislação determina inúmeras alterações nas Leis n. 8.069/90 (arts. 90,
121, 198, 208 e 260, e criação dos arts. 260-A a 260-L); Lei nº 7.560/91 (arts. 5º e 5ºA); Lei nº
7.998/90 (art. 19-A); Lei 5.537/68 (§ 3º do art. 2º); Lei n 8.315/91 (parágrafo único do art. 1º);
Lei 8.706/93 (parágrafo único do art. 3º); Lei nº 12.213/2010 (parágrafo unido do art. 3º); nos
Decretos-Leis n] 4.048 (§ 1º do art. 2º); 8.641/46 (§ 1º do art. 3º); e na Consolidação das Leis
do Trabalho (§ 2º do art. 429).
E, portanto, a referida lei estabelece, por assim, dizer, as normas gerais para o
atendimento do adolescente a quem se determinou judicialmente o cumprimento de medidas
legais – protetivas e socioeducativas, precisamente, ao determinar a estruturação e os
procedimentos específicos no âmbito do seu acompanhamento sociopedagógico.
O SINASE regulamenta os procedimentos destinados ao acompanhamento do
cumprimento das medidas legais – protetivas e socioeducativas – que se destinam à
responsabilização diferenciada do adolescente a quem se atribui a prática de ação conflitante
com a lei.
6.1. Conceituação legal
A nova legislação que modificou recentemente o Estatuto da Criança e do
Adolescente conceitua o que se deve entender por Sistema Nacional Socioeducativo (SINASE),
identificando-o, assim, como o “conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que
envolvem a execução de medidas socioeducativas”.
Isto é, o SINASE categoricamente tem por fim ordenar cada uma das atribuições
legais que se destinem a efetivação das determinações judiciais relativas à responsabilização
diferenciada do adolescente a quem se atribua a prática de ação conflitante com a lei.
ANOTAÇÕES:
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LIÇÃO Nº 10 – Do Acesso a Justiça

1. JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE


1.1. Disposições Gerais
O caput do at. 5º da CF determina que “todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza....”. O inc. II do mesmo artigo proclama o princípio da
legalidade, pelo qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei”.
O princípio da isonomia ou da igualdade é defendido pelo liberalismo político,
que define seu significado na ruptura total com o velho regime de desigualdade social. Essa
teoria defende que os homens nascem e se conservam iguais em dignidade e direitos, pois a
desigualdade não tem lugar no Direito Natural. Os privilégios de classes ou castas são
incompatíveis com a dignidade da pessoa humana.
O princípio da legalidade ou da liberdade de ação foi a grande contribuição
dos que lutaram contra o arbítrio e o despotismo dos governantes. Uma vez prescrito em lei,
todos devem obedecer, limitando a ação dos governantes, pois onde há lei escrita, não pode
haver arbítrio.
Segundo esses princípios, nota-se que a garantia individual dos direitos das
crianças e do adolescente está mais na forma que no conteúdo do Direito, mas na legalidade
que na justiça. Tudo é regulado pela lei: o lugar, o tempo dos atos processuais, a competência
para praticá-lo, o cabimento da ação etc. o desrespeito à norma caracteriza ato ilegal; a prática
de qualquer ato fora dos casos admitidos em lei resulta em excesso de poder.
Assim, o acesso da criança ou do jovem à Justiça é livre e incondicional, e
qualquer obstáculo que se verifique à sua vontade será caracterizado como abusivo e ilegal,
podendo ser assegurado através de habeas corpus.
Se o Estado protege e garante os direitos dos cidadãos, com igualdade sem
discriminação, com mais razão deverá assegurar os direitos da criança e do adolescente, que
gozam de prioridade absoluta no atendimento de qualquer necessidade ou direito.
Através de defensor público ou advogado nomeado, a criança e o adolescente que
necessitarem terá assistência jurídica gratuita (art. 141, § 1°), assegurada pelo Estado, que
prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
(CF, art. 5º, LXXIV).
As ações judiciais de competência da Justiça da Infância e da Juventude são
isentas de custas e emolumentos, com exceção das hipóteses de litigância de má-fé (art. 141,
§2º).
A representação ou assistência de criança e de adolescente, em juízo, será feita da
seguinte forma: a) os menores de 16 anos serão representados por seus pais ou responsável; b)
os maiores de 16 e menores de 18 anos serão assistidos por seus pais, tutores ou curadores (art.
142).
107

Quando faltar, por qualquer motivo, a representação da criança ou adolescente ou


quando seus interesses colidirem com os de seus pais ou responsável, a autoridade judiciária
nomeará curador especial para proteção dos interesses que estiverem ameaçados ou violados
(art. 142, parágrafo único).
A proteção judicial integral inclui, também, a proibição de divulgação de atos
judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se
atribua autoria de ato infracional (art. 143). Qualquer notícia a respeito do fato não poderá
identificar a criança ou o adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido,
filiação, parentesco e residência (parágrafo único). O desrespeito a essa norma corresponde à
infração administrativa prevista no art. 247, do ECA.
O art. 144 estabelece o sigilo dos atos judiciais, policiais e administrativos,
impedindo o escrivão de fornecer cópias ou certidões de ato relativo à situação da criança ou
adolescente. Excepcionalmente a autoridade judiciária poderá atender ao pedido da pessoa
interessada, se entender nobre o motivo e justificada a finalidade.

2. JUIZ DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE


A autoridade judiciária a que faz referência o ECA em vários de seus dispositivos
é o Juiz da Infância e da Juventude, na forma como disciplina a Lei de Organização Judiciária
de cada Estado brasileiro (artigo 145 do ECA).
Para cumprir seu novo papel estatutário, o juiz da infância e da juventude deverá
ter não só conhecimentos jurídicos, mas técnicos, nas áreas de Psicologia, Pedagogia,
Sociologia e Assistência Social, para permitir que sua ação jurisdicional preencha a totalidade
do tratamento tutelar aplicado.
A competência territorial da Justiça da Infância e da Juventude é determinada:

1. pelo domicílio dos pais ou responsável;


2. pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à
falta dos pais ou responsável.

A falta indicada no inciso II do artigo 147 é aquela caracterizada pelo falecimento


ou ausência declarada dos pais ou responsável. Do mesmo modo estará caracterizada a falta
quando os pais forem desconhecidos.
Em se tratando da prática de ato infracional a competência é fixada pelo local da
ação ou omissão, observadas as regras de conexão, continência e prevenção, nos termos do
Código de Processo Penal.
Tanto as medidas protetivas como as medidas sócio-educativas podem ter sua
execução delegada à autoridade competente (Juiz da Infância ou Conselho Tutelar) da
residência dos pais ou responsável pela criança ou adolescente, ou ainda do local onde sediar-se
a entidade que abrigar a criança ou adolescente (artigo 147, § 2º do ECA).
108

Prevê, ainda, o ECA que em caso de infração cometida através de transmissão


simultânea de rádio ou televisão, que atinja mais de uma comarca, será competente, para
aplicação da penalidade, a autoridade judiciária do local da sede estadual da emissora ou rede,
tendo a sentença eficácia para todas as transmissoras ou retransmissoras do respectivo Estado
(artigo 147, § 3º).
A Justiça da Infância e da Juventude é competente em razão da matéria para:
I – conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para
apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis;
II – conceder a remissão, como forma de suspensão ou extinção do processo;
III - de pedidos de adoção e seus incidentes;
IV – conhecer as ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou
coletivos, afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no artigo 209 do ECA;
V – conhecer de ações decorrentes de irregularidades em entidades de
atendimento, aplicando as medidas cabíveis;
VI – aplicar penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de
proteção a criança ou adolescente;
VII – conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as
medidas cabíveis.
Por outro lado, é também competente a Justiça da Infância e da Juventude, quando
se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do artigo 98 do ECA, Nota-se que a
competência delineada no artigo 148 é competência exclusiva do juiz da infância e da
juventude, caracterizada pela distribuição da prestação jurisdicional no âmbito dos direitos da
criança e do adolescente, quando seus direitos forem ameaçados ou violados, para o fim de:

a) conhecer de pedidos de guarda e tutela;


b) conhecer de ações de destituição do pátrio poder, perda ou
modificação da tutela ou guarda;
c) suprir a capacidade ou consentimento para o casamento;
d) conhecer de pedidos baseados em discordância paterna ou
materna, em relação ao exercício do pátrio poder;
e) conceder a emancipação, nos termos da lei civil, quando
faltarem os pais;
f) especial em casos de apresentação de queixa ou
representação, ou de outros procedimentos judiciais ou
extrajudiciais em que haja interesses de criança ou
adolescente;
g) conhecer de ações de alimentos;
h) determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos
registros de nascimento e óbito.
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Prevê o ECA em seu artigo 149, a competência administrativa da autoridade


judiciária, dispondo que compete à autoridade judiciária disciplinar, por meio de portaria, ou
autorizar mediante alvará:

I – a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos


pais ou responsável, em:
a) estádio, ginásio e campo desportivo;
b) bailes ou promoções dançantes;
c) boate ou congêneres;
d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas;
e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão.
II – a participação de criança e adolescente em:
a) espetáculos públicos e seus ensaios;
b) certames de beleza.

Trata-se de uma das formas de garantir o cumprimento do direito de ir e vir da


criança e do adolescente. Este direito, entretanto, sofre limitações, pois em determinados
lugares não poderão estar desacompanhados de seus pais ou responsável, cabendo à autoridade
judiciária este disciplinamento.
O ECA veda determinações de caráter genérico como permitia o Código de
Menores (artigo 149, § 2º do ECA). O Juiz não é legislador, portanto, decidirá caso a caso
sobre os locais onde crianças e adolescente poderão estar desacompanhados de seus pais ou
responsável. Para tanto deverá levar em conta, dentre outros fatores:
a) os princípios do ECA;
b) as peculiaridades locais;
c) a existência de instalações adequadas;
d) o tipo de freqüência habitual ao local;
e) a adequação do ambiente a eventual participação ou
freqüência de crianças e adolescente;
f) a natureza do espetáculo.

3. SERVIÇOS AUXILIARES
É de extrema importância para o melhor funcionamento da Justiça da Infância e da
Juventude a existência de uma equipe interprofissional, destinada ao seu assessoramento.
Profissionais das áreas de Assistência Social, Psicologia, Pedagogia etc, são valiosos para o
alcance de decisões mais seguras na garantia de direitos de crianças e adolescentes. Neste
sentido, prevê o ECA que ao Poder Judiciário comete prever recursos orçamentários para a
manutenção desta equipe (artigo 150 do ECA).
A esta equipe caberá fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou
verbalmente, na audiência, bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação,
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encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária,


assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico.

4. MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público há muito deixou de ser um simples órgão de acusação; hoje
desempenha funções na defesa dos direitos individuais, difusos e coletivos, na proteção do
meio ambiente e do consumidor, na defesa do patrimônio histórico e cultural, pugna pela defesa
da ordem jurídica e dos interesses individuais de cada criança ou adolescente em conflito com a
sociedade.
O legislador infraconstitucional atribuiu ao Ministério Público as funções nas áreas
cíveis, criminais e administrativas.
Na área cível, o Ministério Público poderá exercer suas funções como parte,
agindo em nome próprio na defesa de alguma pessoa, seja como autor ou como réu, sujeito no
processo ao mesmo tratamento que as partes; como substituto processual, exercerá as funções
de curador especial, delimitadas no art. 9º, II, do CPC; como fiscal, de intervir para assegurar o
cumprimento das leis, no interesse público (CPC, art. 83).
Na área criminal a função do Ministério Púbico, como dominus litis, é iniciar a
ação penal pública incondicionada, para satisfazer o jus puniendi do Estado, de forma que
reprima o crime e restabeleça a ordem e a tranquilidade na comunidade. Como custus legis, o
Ministério Público atuará na fiscalização das ações exclusivamente privadas.
No campo administrativo, o Ministério Público exercerá sua função como um
verdadeiro ombusdsman ou defensor do povo, na fiscalização do funcionamento das entidades
de atendimento tutelar, na verificação da proteção dos diretos da criança e do adolescente
assegurados pelo Estado, na fiscalização das relações de trabalho dos menores de 16 anos.
As atribuições do Ministério Público são previstas no ECA no artigo 201, não se
esgotando neste dispositivo pois também lhe compete outras funções implícitas em outros
dispositivos da referida lei.
Nos termos do artigo 201, compete ao Ministério Público:

1) conceder a remissão como forma de exclusão do processo;


2) promover e acompanhar os procedimentos relativos às infrações
atribuídas a adolescentes;
3) promover e acompanhar as ações de alimentos e os
procedimentos de suspensão e destituição do pátrio poder, nomeação e remoção
de tutores, curadores e guardiões, bem com oficiar em todos os demais
procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude – Registre-
se que o Ministério Público não poderá promover ações de adoção;
4) Promover, de ofício ou por solicitação dos interessados, a
especialização e a inscrição da hipoteca legal e a prestação de contas dos tutores,
111

curadores e quaisquer administradores de bens de crianças e adolescentes com


direitos ameaçados ou violados;
5) promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção
dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à
adolescência, inclusive os definidos no artigo 220, § 3º, inciso II da Constituição
Federal;
6) instaurar procedimentos administrativos e, para instruí-los:

a) expedir notificações para colher depoimentos ou


esclarecimentos e, em caso de não-comparecimento
injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pelas
polícias Civil e Militar;
b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de
autoridades municipais, estaduais e federais, da
administração direta ou indireta, bem como promover
inspeções e diligências investigatórias;
c) requisitar informações e documentos a particulares e
instituições privadas;
7) instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e
determinar a instauração de inquérito policial, para apuração de ilícitos ou
infrações às normas de proteção à infância e à juventude;
8) zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais
assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e
extrajudiciais cabíveis;
9) impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus,
em qualquer juízo, instância ou tribunal, na defesa dos interesses sociais,
individuais indisponíveis afetos à criança e ao adolescente;
10) representar ao Juízo visando à aplicação de penalidade por
infrações cometidas contra as normas de proteção à infância e à juventude, sem
prejuízo da promoção da responsabilidade civil e penal do infrator, quando
cabível;
11) inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento
e os programas de que trata o ECA, adotando de pronto as medidas
administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades porventura
verificadas;
12) requisitar força policial, bem como a colaboração dos serviços
médicos, hospitalares, educacionais e de assistência social, públicos ou privados,
para o desempenho de suas atribuições.

A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas no artigo 201


do ECA não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo dispuserem a Constituição
Federal e o próprio ECA (artigo 201, § 1º).
112

O representante do Ministério Público, no exercício de suas funções, terá livre


acesso a todo local onde se encontre criança ou adolescente. Será ele responsável pelo uso
indevido das informações e documentos que requisitar, nas hipóteses legais de sigilo.
Para zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às
crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis, poderá o
representante do Ministério Público:
a) reduzir a termo as declarações do reclamante, instaurando o
competente procedimento, sob sua presidência;
b) entender-se diretamente coma pessoa ou autoridade
reclamada, em dia, local e horário previamente notificados ou
acertados;
c) efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços
públicos e de relevância pública afetos à criança e ao
adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita
adequação.
A atuação do Ministério Público é obrigatória na defesa dos direitos e interesses
de que cuida o ECA, mesmo naqueles em que não for parte, devendo neste caso ter vista dos
autos depois das partes, podendo juntar documentos e requerer diligências, usando os recursos
cabíveis.
A intimação do Ministério Público será feita pessoalmente. Sua não intervenção
no feito acarreta a nulidade do mesmo, devendo esta ser declarada de ofício pelo Juiz ou a
requerimento de qualquer interessado.
As manifestações processuais do representante do Ministério Público deverão ser
fundamentadas.
4. ADVOGADO
Diz o ECA em seu artigo 206 que a criança ou adolescente, seus pais ou
responsável, e qualquer pessoa que tenha legítimo interesse na solução da lide poderão intervir
nos procedimentos de que trata o ECA por meio de Advogado, o qual será intimado para todos
os atos, pessoalmente ou por publicação oficial, respeitado o segredo de justiça.
O procedimento de apuração de ato infracional em desfavor de qualquer
adolescente não terá prosseguimento sem o seu Defensor, ainda que esteja ausente ou foragido.
O Juiz lhe nomeará Defensor quando não tiver, tendo o adolescente o direito de, a todo o
tempo, constituir outro de sua preferência.
A ausência do Defensor não determinará o adiamento de nenhum ato do processo,
devendo o Juiz nomear substituto, ainda que provisoriamente, ou para o só efeito do ato (art.
207, § 2º).
A outorga de mandato será dispensada quando se tratar de Defensor nomeado ou,
sendo constituído, tiver sido indicado por ocasião de ato formal, com a presença da autoridade
judiciária.
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ANOTAÇÕES:
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Lição nº 11 - PROCEDIMENTOS

1. DISPOSIÇÕES GERAIS

Aos procedimentos regulados pelo ECA aplicam-se subsidiariamente as normas


gerais previstas na legislação processual civil e penal, bem como outras normas processuais
constantes em legislações especiais que tiverem aplicação pertinente (artigo 152 do ECA).

Prevê o ECA que se a medida judicial a ser adotada não corresponder a


procedimento nele previsto ou em outra Lei, a autoridade judicial poderá investigar os fatos e
ordenar de ofício as providências necessárias, ouvido o Ministério Público. Trata-se de norma
que visa ampliar a iniciativa do Juiz na garantia dos direitos da criança e do adolescente,
atenuando o formalismo processual (artigo 153).

Os valores das multas relativas a todos os procedimentos previstos no ECA


reverterão ao fundo municipal, gerido pelo Conselho Municipal de Direitos, aplicando-se às
mesmas o previsto no artigo 214 do ECA.

2. PROCEDIMENTO DE PERDA E SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR


(artigos 155/163 do ECA)

A suspensão do poder familiar está prevista no art. 1637 do Código Civil. Pela
presente norma, fica afastada a intangibilidade dos direitos dos pais, quanto ao exercício do
poder familiar, em relação aos direitos dos filhos, por mais criminosa e prejudicial que fosse
sua atitude. Nesse aspecto, a lei é um fim de justiça social que pune, cerceia e restringe o pai ou
a mãe, no exercício do poder familiar, sempre que o direito do filho for ameaçado ou violado.

Sofrerão inibição do poder familiar os pais ou responsável que, injustificadamente,


não cumprirem os seus deveres de sustento, guarda, educação ou descumprirem determinações
judiciais que visem à proteção e segurança de seus filhos ou pupilos.

Iniciativa: Ministério Público ou quem tenha legítimo interesse.

Conteúdo da petição inicial: autoridade judiciária a que for dirigida; nome, o estado
civil, a profissão e a residência do requerente e do requerido; a exposição sumária do fato e o
pedido; as provas que serão produzidas, oferecendo, desde logo, o rol de testemunhas e
documentos.

Suspensão liminar ou incidental da suspensão do pátrio poder: havendo motivo grave,


após ouvido o Ministério Público, o Juiz poderá decretar a suspensão até o julgamento
definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado a pessoa idônea mediante termo
de responsabilidade.
115

Citação e resposta: no prazo de 10 dias o requerido será citado para oferecer resposta
escrita, indicando as provas a serem produzidas e oferecendo desde logo o rol de testemunhas e
documentos;

Falta de contestação: vista ao Ministério Público por 5 dias, salvo quando este for o
requerente;

Estudo social, perícia e oitiva de testemunhas: a critério da autoridade judiciária;

Oitiva obrigatória da criança ou adolescente (desde que possível e razoável): se o


pedido importar em mudança de guarda;

Apresentação de resposta pelo requerido: vista dos autos ao Ministério Público por 5
dias, com posterior designação de audiência de instrução e julgamento;

Estudo social e perícia: poderá ser determinado de ofício, a requerimento de qualquer


das partes ou do Ministério Público;

Audiência: na presença das partes e do Ministério Público, serão ouvidas as


testemunhas, colhendo-se oralmente o parecer técnico, salvo quando apresentado por escrito,
manifestando-se sucessivamente o requerente, o requerido e o Ministério Público, pelo tempo
de 20 minutos cada um, prorrogável por mais 10;

Sentença: proferida na audiência ou em data designada pelo Juiz para sua leitura, no
prazo de 5 dias.

Segundo o artigo 163, do ECA, o prazo para conclui o procedimento será de 120 dias,
embora o descumprimento não acarrete quaisquer consequências.

Averbação da sentença: a sentença que decretar a perda ou a suspensão do pátrio poder


será averbada à margem do registro de nascimento da criança e do adolescente.

3. PROCEDIMENTO DE DESTITUIÇÃO DA TUTELA (artigo 164 do


ECA)

Neste procedimento observa-se o procedimento para a remoção de tutor


previsto na lei processual civil e, no que couber, o previsto para o procedimento de perda ou
suspensão do pátrio poder.

4. PROCEDIMENTO DE COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA


(artigo 165/170 do ECA)

Requisitos:
116

I – qualificação completa do requerente e de seu eventual cônjuge, ou


companheiro, com expressa anuência deste;
II – indicação de eventual parentesco do requerente e de seu cônjuge, ou
companheiro, com a criança ou adolescente, especificando se tem ou não
parente vivo;
III – qualificação completa da criança ou adolescente e de seus pais, se
conhecidos;
IV – indicação do cartório onde foi inscrito o nascimento, anexando, se
possível, uma cópia da respectiva certidão;
V – declaração sobre a existência de bens, direitos ou rendimentos
relativos à criança ou ao adolescente.

Adoção: observar-se-á também os requisitos específicos.

Pais falecidos, destituídos ou suspensos do pátrio poder ou houverem aderido ao


pedido expressamente: o pedido poderá ser feito diretamente no cartório, em petição assinada
pelos próprios requerentes;

Concordância dos pais: mesmo se os pais naturais concordarem expressamente com o


pedido serão ouvidos pelo Juiz e pelo Promotor de Justiça, tomando-se por termo suas
declarações;

Estudo social e perícia: poderá ser determinado de ofício ou a requerimento do


Ministério Público ou das partes, decidindo o Juiz sobre a guarda provisória e o estágio de
convivência no caso de adoção;

Oitiva da criança ou adolescente: sempre que possível;

Decisão: no prazo de cinco dias após a manifestação do Ministério Público, também com
prazo de 5 dias, o Juiz proferirá decisão.

5. PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL (artigos


171/190 do ECA)

O Estatuto estabeleceu um rito processual próprio de apuração de ato infracional


praticado por adolescente que é composto por três fases distintas, sendo a primeira referente à
autuação policial, a segunda na esfera de atividade do Ministério Público e a terceira na seara
judicial.

Fase Policial

A fase de atuação policial se inicia com a apreensão em flagrante do autor do ato


117

infracional (art. 172, ECA), que e encaminhado a delegacia de policia, especializada quando
houver, para lavratura do auto. Em não sendo hipótese de flagrante, tal fase se iniciara após o
registro de ocorrência, que pode ser realizado por qualquer cidadão que tenha conhecimento da
conduta ilícita.

Em caso de flagrante por ato infracional praticado mediante violência ou grave


ameaça, devera a autoridade policial adotar as providencias elencadas no artigo 173 do ECA.

Em se tratando de ato de natureza diversa, o auto de apreensão poderá ser


substituído por boletim de ocorrência circunstanciado, sendo certo que, em ambos os casos,
deve a autoridade policial fazer constar completa identificação do adolescente e seus pais ou
responsáveis, com dados suficientes para sua posterior localização, bem como descrição
detalhada dos fatos, oitiva do adolescente e de testemunhas, para a configuração da autoria.

Apreensão do adolescente por força de ordem judicial: encaminhamento à


autoridade judiciária;

Apreensão do adolescente em flagrante de ato infracional: encaminhamento à


autoridade policial competente;

Delegacia especializada: o adolescente apreendido por ter praticado ato


infracional em co-autoria com maior de 18 anos deve ser encaminhado à delegacia
especializada juntamente com os adultos, sendo estes posteriormente encaminhados à
repartição policial própria;

Flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça a


pessoa: compete à autoridade policial:

I – informar ao adolescente a identificação dos responsáveis por sua apreensão,


bem como sobre seus direitos (artigo 106, parágrafo único);
II – comunicar a apreensão do adolescente e informar o local onde ele se
encontra à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele
indicada (artigo 107);
III – lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente;
IV – apreender o produto e os instrumentos da infração;
V – requisitar os exames ou perícias necessárias à comprovação da materialidade
e autoria da infração.

Liberação imediata: comparecendo qualquer dos pais ou responsável o adolescente será


prontamente liberado, sob termo de compromisso de sua apresentação ao Ministério Público,
encaminhado a autoridade policial a este o auto de apreensão ou o boletim de ocorrência;

Não liberação (internação provisória): não haverá liberação imediata quando pela
gravidade do ato infracional e sua repercussão social deva o adolescente permanecer sob
118

internação para garantia de sua segurança pessoal e a manutenção da ordem pública, devendo o
adolescente ser, desde logo, encaminhado ao Ministério Público, juntamente com cópia do auto
de apreensão ou boletim de ocorrência;

Impossibilidade de apresentação do adolescente de imediato ao Ministério Público: a


autoridade judiciária encaminhará o adolescente a entidade de atendimento, que fará sua
apresentação ao representante do Ministério Público no prazo de 24 horas. Não havendo entidade
de atendimento para encaminhamento do adolescente, a apresentação será feita pela autoridade
policial, sendo que na falta de repartição especializada o adolescente aguardará em dependência
separada dos maiores de 18 anos, no prazo máximo de 24 horas;

Indícios de participação do adolescente na prática de ato infracional, afastada a


hipótese de flagrante: a autoridade policial encaminhará ao Ministério Público relatório das
investigações e demais documentos;

Transporte do adolescente: não pode o adolescente ser conduzido ou transportado em


compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua dignidade, ou que
impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade;

Fase de atuação do Ministério Público

Ultimadas as diligências policiais e apos a autuação do boletim de ocorrência, relatório


policial ou ato de infração, junto ao cartório do Juízo da Infância e Juventude, que deverá
informar os antecedentes do adolescente apreendido, será este apresentado ao Ministério
Publico, iniciando-se a segunda fase do procedimento de apuração do ato infracional.

Apresentação do adolescente ao Ministério Público: apresentado o adolescente ao


Ministério Público, no mesmo dia e à vista do auto de apreensão, boletim de ocorrência ou
relatório policial, devidamente autuados pelo cartório judicial e com informação sobre os
antecedentes do adolescente, ele será ouvido informalmente, e se possível também seus pais e
responsável, vítima e testemunhas;

Não apresentação: em caso de não apresentação, o representante do Ministério


Público notificará os pais ou responsável para apresentação do adolescente, podendo requisitar o
concurso da polícia civil ou militar;

Medidas a serem tomadas pelo Ministério Público: após a oitiva informal do


adolescente o Ministério Público: a) promoverá o arquivamento dos autos (caso não esteja
caracterizado o ato infracional); b) concederá a remissão (no caso de entender merecer o
adolescente ser perdoado, recebendo ou não medida sócio-educativa não privativa de liberdade);
c) oferecerá representação à autoridade judiciária para aplicação de medida sócio-educativa.

Arquivamento e remissão: promovido o arquivamento ou concedida a remissão,


mediante termo fundamentado que conterá o resumo dos fatos, os autos serão conclusos ao Juiz
119

para homologação;

Homologação: o Juiz homologa a manifestação do Ministério Público determinando o


cumprimento da medida, se for o caso;

Não homologação: discordando o Juiz da manifestação do Ministério Público fará


remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado;

Procurador-Geral de Justiça: oferecerá representação; designará outro membro do


Ministério Público para oferecê-la ou ratificará o arquivamento ou a remissão, estando o Juiz a
partir deste momento obrigado a homologá-los;

Representação: o Ministério Público propõe a instauração de procedimento para


aplicação de medida sócio-educativa que se afigurar a mais adequada por meio da
representação. Ela será oferecida por petição, que conterá o breve resumo dos fatos e a
classificação do ato infracional e, quando necessário, o rol de testemunhas. Poderá ser deduzida
oralmente, em sessão diária instalada pela autoridade judiciária. A representação independe
de prova pré constituída de autoria e materialidade;

Adolescente internado: o prazo máximo para a conclusão do procedimento será de 45


dias.

Fase Judicial

Apos o encaminhamento pelo Ministério Publico da peca referente a uma das medidas
do art. 180 do ECA, inaugura-se a fase de atuação da Autoridade Judiciária. Nos casos de
remissão e arquivamento cabe ao juiz da Infância e Juventude apreciar a possibilidade de
homologação e, em não concordando com o pleito ministerial, encaminhara os autos ao
Procurador-Geral de Justiça, na forma do art. 181 e seus parágrafos.

Decretação ou manutenção da internação: oferecida a representação, o Juiz designará


audiência de apresentação, decidindo, desde logo, sobre a decretação ou manutenção da
internação. A internação será mantida se o adolescente tiver sido apreendido em flagrante e a
autoridade policial não o tiver liberado a seus pais ou responsável, nos termos do artigo 174, 2ª
parte do ECA. Será decretada a internação se o adolescente estiver em liberdade e se estiverem
comprovados os mesmos requisitos citados acima;

Cientificação e notificação: o adolescente e seus pais ou responsável serão


cientificados do teor da representação e notificados a comparecer à audiência, acompanhados
de advogado;

Adolescente não localizado: não sendo localizado o adolescente o Juiz expedirá


mandado de busca e apreensão, determinando o sobrestamento do feito até a efetiva
120

apresentação, nos termos do artigo 184, § 3º, do ECA;

Adolescente internado: será requisitada a sua apresentação, sem prejuízo da


notificação dos pais ou responsável;

Cumprimento da medida de internação: não poderá ocorrer em estabelecimento


prisional. Não havendo na localidade centro de internação será o adolescente imediatamente
transferido para outra localidade mais próxima. Sendo impossível a transferência o
adolescente aguardará em repartição policial, em seção separada dos adultos, pelo prazo
máximo de 5 dias;

Audiência de apresentação: comparecendo o adolescente, seus pais ou responsável,


o Juiz procederá a oitiva dos mesmos, podendo solicitar opinião de profissional qualificado;

Remissão: a remissão poderá ser concedida pelo Juiz no curso do procedimento,


após ouvir o Ministério Público, em qualquer de suas fases, antes da sentença;

Ato infracional grave: sendo o ato infracional grave, passível de aplicação de


medida sócio-educativa de internação ou semiliberdade, o Juiz, verificando que o adolescente
não tem Advogado constituído, lhe nomeará Defensor, designando, desde logo audiência em
continuação, podendo determinar a realização de diligências e estudo do caso;

Defesa prévia e rol de testemunhas: após a audiência de apresentação o Advogado


constituído ou o Defensor nomeado oferecerá defesa prévia e rol de testemunhas no prazo de
3 dias;

Audiência de continuação: nesta audiência serão ouvidas as testemunhas arroladas


na representação e na defesa prévia, cumpridas a s diligências e juntado o relatório da equipe
interprofissional. Após será dada a palavra ao representante do Ministério Público e ao
Defensor, sucessivamente, pelo tempo de 20 minutos cada um, prorrogável por mais 10
minutos, sendo em seguida proferida sentença;

Hipóteses em que não se aplica qualquer medida (art. 189, do ECA): o Juiz não
aplicará qualquer medida desde que reconheça na sentença: a) estar provada a inexistência do
fato; b) não haver prova da existência do fato; c) não constituir o fato ato infracional; d) não
existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional;

Intimação da sentença (medida não privativa de liberdade): no caso da aplicação


de outra medida não privativa de liberdade (advertência, prestação de serviços à comunidade,
reparação do dano e liberdade assistida) a intimação far-se-á unicamente da pessoa do
Defensor;

Interesse do adolescente em recorrer: recaindo a intimação na pessoa do


121

adolescente, deverá ele manifestar se deseja ou não recorrer da sentença, fato que deve ser
registrado nos autos.

6. PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DE IRREGULARIDADE EM


ENTIDADE DE ATENDIMENTO

Início: o procedimento de apuração de irregularidade em entidade governamental ou


não governamental terá início mediante portaria do Juiz ou representação do Ministério
Público ou do Conselho Tutelar, onde constará o resumo dos fatos;

Afastamento do dirigente da entidade: havendo motivo grave o Juiz poderá decretar


liminarmente, ouvido o Ministério Público, o afastamento provisório do dirigente da entidade,
mediante decisão fundamentada;

Citação: o dirigente da entidade será citado para oferecer resposta escrita no prazo de
10 dias, podendo juntar documentos e indicar as provas a produzir;

Audiência de instrução e julgamento: apresentada ou não a resposta, e sendo


necessário, o Juiz designará audiência de instrução e julgamento, intimando as partes;

Alegações finais: salvo manifestação em audiência, as partes e o Ministério Público


terão 5 dias para oferecer alegações finais, decidindo o Juiz em igual prazo;

Afastamento provisório ou definitivo do dirigente da entidade governamental: neste


caso o Juiz oficiará à autoridade administrativa imediatamente superior ao afastado, marcando
prazo para a substituição;

Prazo para a remoção das irregularidades: antes de aplicar qualquer medida o Juiz
poderá fixar prazo para a remoção das irregularidades verificadas, sendo que satisfeitas as
exigências o processo será extinto sem julgamento de mérito;

Medida de advertência: a advertência será imposta ao dirigente da entidade ou


programa de atendimento.

7. PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DE INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA

Início: o procedimento para imposição de penalidade administrativa por infração às


normas de proteção à criança e ao adolescente (procedimento de apuração de infração
administrativa) terá início por representação do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, ou
auto de infração elaborado por servidor efetivo ou voluntário credenciado (agentes de proteção,
antigos comissários), e assinado por duas testemunhas, se possível;
122

Auto de infração: podem ser usadas fórmulas impressas para a elaboração do auto de
infração, especificando-se a natureza e as circunstâncias da infração;

Apresentação de defesa: o requerido terá 5 dias para a apresentação de defesa, contados


da intimação;

Intimação: a intimação será feita:

I – pelo autuante, no próprio auto, quando este for lavrado na presença do


requerido;
II – por oficial de justiça ou funcionário legalmente habilitado, que
entregará cópia do auto da representação ao requerido, ou a seu
representante legal, lavrando certidão;
III – por via postal, com aviso de recebimento, se não for encontrado o
requerido ou seu representante legal;
IV – por edital, com prazo de trinta dias, se incerto ou não sabido o
paradeiro do requerido ou de seu representante legal;

Não apresentação de defesa: não sendo apresentada defesa no prazo legal o Juiz
dará vista dos autos ao Ministério Público, por 5 dias, decidindo também em 5 dias;

Apresentação de defesa: o Juiz abrirá vista ao Ministério Público por 5 dias, ou,
sendo necessário, designará audiência de instrução e julgamento;

Audiência de instrução e julgamento: na audiência, após a produção da prova


oral, manifestar-se-ão sucessivamente o Ministério Público e o procurador do requerido pelo
tempo de 20 minutos cada um, prorrogável por mais 10 minutos, proferindo o Juiz, a seguir,
sentença.

8. Procedimento para habilitação para adoção

A Lei 12.010 de 2009, que fez alterações no ECA, introduziu um procedimento


próprio para interessados em habilitar-se em uma adoção, introduzindo o artigo 197-A, incisos
e parágrafos.

Até então, não havia um procedimento específico para os postulantes em uma


adoção, estabelecendo os documentos que deverão ser juntados pelos requerentes, residentes no
Brasil, evitando, assim, que cada juizado estabeleça regras próprias;

Assim, os interessados em adotar poderão, mediante petição, dispensada a


assistência de advogado, comparecer pessoalmente no Cartório da Vara da Infância e Juventude
como os documentos mencionados no artigo 197-B e requerer a inscrição que os habilite a uma
adoção.
123

Uma vez recebida a petição, será dado vista ao Ministério Público, que no prazo
de 05 dias poderá, apresentar quesitos a serem respondidos pela equipe técnica
interprofissional, que ficará encarregado de fazer um estudo técnico. Poderá ainda, requerer a
oitiva dos postulantes em juízo e testemunhas, poderá ainda, requerer a juntada de documentos.

Evidente que as providências mencionadas no artigo 197-B não são obrigatórias


para o Ministério Púbico. Claro que dependendo do caso concreto, para melhor análise do
procedimento, aquelas providências deverão ser requeridas, para enriquecer o procedimento.

O art. 197-C, do ECA, estabeleceu a criação de uma equipe interprofissional a


serviço da Justiça da Infância e Juventude, pois o objetivo do estudo psicossocial é apurar a
capacidade e preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade
responsável.

Os postulantes deverão participar de um programa ou curso, em que os


postulantes receberam orientação, preparação psicológica e estimulo a adoção, sendo que esta
participação é obrigatória, que ao final do programa receberá um certificado, sendo que a cópia
será juntada no procedimento de habilitação.

Juntada a certificação da participação no programa, que alude o artigo 197-C, §


1º, será a autoridade judiciária, no prazo de 48 horas, decidirá acerca das diligências
eventualmente requerida pelo Ministério Público, ou indeferir as diligências requeridas, e
conforme o caso designar audiência de instrução e julgamento, e o que dispõe o artigo 197-D.

Não havendo diligências ou forem indeferidas, a autoridade judiciária


determinara a juntada do estudo psicossocial, será dado vista ao Ministério Público, para no
prazo de 05 dias, para oferecer um parecer conclusivo e o será concluso ao juiz para decidir em
igual prazo.

Por fim, deferida a adoção, o postulante será inscrito nos cadastros referidos no
artigo 50, do ECA, sendo que sua convocação será por ordem cronológica.

ANOTAÇÕES:
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Lição nº 12 RECURSOS

1. Introdução

É da natureza humana a ausência de conformação com situações e eventos


desfavoráveis, sendo comum a busca de meios para conseguir que sejam modificados. A ideia
de recurso não é, portanto, desconhecida do Homem no dia-a-dia da vida em sociedade.

Esta ideia foi acolhida pelo Estado no momento da elaboração das regras de
Direito Processual, pois seria inadmissível que aqueles que se encontrasse em litígio tivessem
que se conformar com a decisão que fosse proferida, sem qualquer possibilidade de expressar
seu inconformismo para com seu conteúdo.

Da mesma forma, não se pode esquecer que as decisões são proferidas por
homens, seres passíveis de falhas, de erros. Com a possibilidade de virem os julgadores a errar,
faz-se de suma importância a chance de ocorrer a revisão das decisões por eles proferidas.

Recurso, na acepção técnica, segundo Barbosa Moreira, pode ser entendido como
o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o
esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, como microssistema que é, não poderia


deixar de disciplinar as regras mínimas para os recursos a serem utilizados nos processos que
tratassem da matéria por ele regulada.

Assim, é de se aplicar ao sistema recursal da Infância e Juventude todos os


ensinamentos doutrinários sobre os princípios informativos e fundamentais do Direito
Processual referentes aos recursos.

Por não ser objeto de estudo, não faremos uma abordagem específica para cada
um dos princípios fundamentais dos recursos (duplo de jurisdição, taxatividade, singularidade,
fungibilidade, dialeticidade, voluntariedade, irrecorribilidade em separado das interlocutórias,
vedação da reformatio in pejus, consumação), deixando para cuidar dos mesmos quando da
discussão de assuntos específicos que com eles possuam relação mais aproximada.

Toda a disciplina recursal do Direito da Infância e Juventude encontra-se inserida


em um único Capítulo (IV) do Título VI do Estatuto, composto por apenas dois artigos (198 a
199), sendo que toda a matéria restou colocada no art. 198.

2. Unicidade do Sistema

Devemos iniciar a exposição do tema pela simplificação pelo legislador quando


resolveu unificar o sistema recursal em um único, fazendo opção expressa, no caput do art. 198,
pelos recursos cíveis constantes do Código de Processo Civil.
125

Quando se fala em unicidade do sistema recursal, estamos nos referindo à mais


importante divisão de temas existentes no Direito Processual, a civil e a penal, também
existente no corpo do ECA, a parte civil (que engloba o Direito Civil, o Direito Constitucional
e o Direito Administrativo) e a parte infracional (penal).

Não há que se perquirirem os motivos que levaram o Legislador à escolha pelo


sistema recursal civil, pois trata-se de critério de política legislativa.

Como regra em estudo, qualquer que seja a matéria referente ao Direito da


Infância e Juventude que esteja em discussão em determinado processo, o recurso que acaso
venha a ser interposto seguirá as regras estabelecidas no Título X do Livro I do Código de
Processo Civil, naquilo em que não confrontarem com as regras especiais do ECA. Não
podemos nos esquecer, aqui, da aplicação do princípio da especialidade: havendo qualquer
divergência entre as regras contidas no Estatuto e alguma regra constante no Código de
Processo Civil, aquele prevalecerá sobre este.

Desta formam, afastada por completo a aplicação das regras dos recursos
constantes do Código de Processo Penal.

Pelo fato de o ECA adotar o sistema recursal do CPC, poder-se-á utilizar todos os
recursos nominados por este último diploma legal em seu art. 496.

O critério adotado pelo Legislador em enumerar quais os recursos existentes em


nosso sistema jurídico nada mais é do que a adoção do princípio da taxatividade. Por este
princípio ficam vedadas às partes a criação e utilização de nova modalidade de recurso além
daquelas previstas na lei federal. Somente são considerados como recuso aqueles constantes da
enumeração exaustiva do art. 496 do CPC.

2.1. Juízo de Admissibilidade

Ao ser proposta uma ação e ser iniciada a relação processual, faz-se necessário
que o juiz realize, em primeiro plano, o exame sobre a presença de requisitos necessários ao
correto e legítimo exercício do direito de ação (condições da ação) e sobre a existência dos
requisitos necessários à instalação válida e regular do processo (pressupostos processuais). Só
com a presença destes requisitos o juiz poderá realizar o reexame do mérito da ação.

Situação análoga ocorre quando da interposição de um recurso. Têm-se dois


momentos de avaliação jurisdicional, um de cabimento – onde serão verificados se estão
satisfeitas as condições impostas pela legislação para que possa ser apreciada a pretensão do
recorrente – e o outro de procedência, subseqüente – no qual será apreciado o fundamento do
recurso, a fim de ser o mesmo acolhido ou rejeitado.
126

Ao primeiro momento denomina-se juízo de admissibilidade, enquanto que ao


segundo denomina-se juízo de mérito. Na linguagem forense, teremos o primeiro quando
tivermos o uso das expressões “conhecimento” ou “não conhecimento” ou “negar provimento”
ao recurso.

No juízo de admissibilidade, que é antecedente lógico do juízo de mérito, são


examinadas as questões prévias que, caso acolhido, impedirá o exame do recurso. Nele são
examinadas matérias que podem ser classificados como preliminares do mérito do recurso, eis
que se o juiz os entender inexistentes não poderá ser apreciado o mérito do recurso pelo
Tribunal. Estas questões, que são os pressupostos comuns para todos os recursos, dividem-se
em subjetivas e objetivas, a saber: a) pressupostos subjetivos: capacidade e legitimação para
recorrer; b) pressupostos objetivos: existência e adequação do recurso, tempestividade, preparo,
motivação, regularidade procedimental.

O órgão jurisdicional competente para realizar o juízo de admissibilidade é o ad


quem, já que é ele o destinatário do recurso. Porém, como em nosso sistema processual a
interposição dos recursos é realizada perante o órgão jurisdicional a quo, salvo na hipótese do
agravo da modalidade instrumento (art. 1.016, do CPC/2015, antigo art. 524, CPC/193), com a
finalidade de facilitar o trâmite processual e com base no princípio da economia processual, é
deferido a este o exame prévio sobre o juízo de admissibilidade.

Assim, quando da interposição de qualquer recurso, o órgão que proferiu a


decisão verificará se estão presentes os requisitos de admissibilidade. Sendo positiva a decisão,
dará seguimento ao recurso, determinando a abertura de vista à parte contrária para
apresentação de contrarrazões. Sendo negativa a decisão será obstado seguimento ao recurso
para a instância superior.

O órgão jurisdicional ad quem é o destinatário do recurso, como já afirmamos, só


havendo um deferimento de possibilidade do exame do juízo de admissibilidade ao juízo a quo.
Desta forma, não fica ele impedido de realizar novo exame sobre a admissibilidade do recurso.
O juízo de admissibilidade realizado pelo órgão ad quem será o definitivo, não podendo ser-lhe
retirada esta competência.

Superada a questão do exame dos requisitos de admissibilidade, o tribunal pode


passar ao exame do mérito do recurso, confirmando, reformando ou anulando a decisão
recorrida.

2.2. Legitimidade e Interesse para Recorrer

No que se refere à legitimidade para interposição de um recurso, a possui quem é


sujeito da relação processual. São as pessoas que possuem legitimação ordinária. A par desta
legitimidade, a lei concede legitimação recursal extraordinária para quem não foi parte do
processo, como o Ministério Público e o terceiro prejudicado. É o que se extraí da regra do art.
499 e seus parágrafos do CPC.
127

Junto à questão da legitimidade, temos a questão do interesse. Não basta que


alguém seja sujeito da relação processual para que possa interpor um recurso. É necessário que
demonstre interesse em sua interposição, consubstanciada no prejuízo, causado em sua esfera
jurídica e fática pela decisão que deseja impugnar. Assim, apenas quem foi vencido, no todo ou
em parte, possuirá interesse em recorrer, conforme se depreende da regra do artigo 499, do
CPC.

A legitimidade do Ministério Público para recorrer se dará tanto nos processos em


que for parte quanto naqueles em que atuar como custos legis, conforme se extrai das regras do
art. 996, caput, do CPC/2015, antigo art. 499, § 2º, do CPC/1973 e art. 202 do ECA. Deve ser
ressalvado que ao recorrer contra decisão em que atua como fiscal da lei assume o Ministério
Público no procedimento recursal, a condição de parte, com iguais “poderes e ônus”, a
semelhança do que ocorre quando exerça o direito de ação.

Qualquer discussão que pudesse existir sobre a legitimidade de o Ministério


Público recorrer nos processos em que atua como fiscal da lei onde não houve recurso da parte
vencida, apesar do entendimento unânime da doutrina neste sentido, foi espancado com a
edição da súmula nº 99 do STJ, que possui o seguinte enunciado: “O Ministério Público tem
legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja
recurso da parte”.

3. Preparo

Requisito de admissibilidade para a interposição dos recursos, o preparo nada


mais é do que o recolhimento do valor necessário a prestação da atividade jurisdicional para
reexame da decisão que se deseja impugnar.

Inverte-se esta verdade processual quando se trata do Direito da Criança e do


Adolescente. Aqui, por expressa determinação legal (art. 141, § 2º), impera a gratuidade da
prestação jurisdicional para todos os atos do processo.

Logo, a dispensa do preparo dos recursos, constante do inciso I do art. 198, é


corolário da regra do já mencionado § 2º do art. 141, ambos do ECA.

O requisito do preparo, quando se trata de recursos interpostos contra decisões


proferidas em processos que tratem de matéria de infância e juventude e que disserem respeito
à proteção aos direitos de crianças e adolescentes, não será contabilizado para o juízo de
admissibilidade.

A regra da gratuidade dos atos processuais na Justiça da Infância e Juventude diz


respeito à proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Da forma, quando o processo
não disser a respeito à proteção destes direitos, será necessário que haja o recolhimento das
128

custas processuais, já que o ato não estará amparado pelo benefício da gratuidade, este é o
entendimento do Promotor do Rio de Janeiro, Galdino Augusto Coelho Bordallo.

Assim os recursos interpostos contra decisões em processos cujos pedidos não


venham a beneficiar crianças e/ou adolescentes, mas terceiros, deverão recolher previamente as
custas referentes ao recurso interposto, sob pena de se ele considerado deserto. Assim, por
exemplo, os pedidos de realização de eventos com a participação de crianças e adolescentes
não serão acobertados pelo benefício da gratuidade dos atos processuais.

4. Tempestividade

O processo é composto de uma seqüência de atos, que formam o procedimento. A


fim de que o processo tenha andamento e haja a entrega da prestação jurisdicional da forma
mais célere possível, são estabelecidos prazos para a prática de cada ato. Mesmo que a parte
não pratique o ato a que tem direito, o processo manterá sua marcha até final decisão.

Como a possibilidade de interposição de recursos não pode restar em aberto, por


ser imperativo que as decisões se tornem imutáveis, como conseqüência do princípio da
estabilidade das relações jurídicas, a regra da existência de prazos aplica-se a estes meios de
impugnação.

Considerando a igualdade, o prazo para a interposição do recurso e apresentação


da contrariedade é o mesmo para ambas as partes. Por exceção disposta no art. 180, do
CPC/2015, antigo art. 188 do CPC/11973, o prazo conta-se em dobro para o Ministério
Publico para a Fazenda Pública, bem como para a Defensoria Pública.

Para os recursos oriundos de processos que tenham como objeto matérias


referentes a Direito da Infância e Juventude, o legislador entendeu em reduzir o prazo geral
para a interposição e resposta dos recursos para dez dias, salvo para aqueles que, pelo CPC,
sejam inferiores a dez dias, conforme dispõe expressamente o art. 198, II, do ECA.

Com alteração trazida ao art. 522, do CPC pela Lei nº 9.139/95, ficou derrogado
em parte o inciso II, do art. 198, do CPC , pois o prazo para interposição do recurso de agravo
foi aumentado para dez dias. Da mesma forma os incisos IV, V, e VI, foram revogados pela Lei
Nº 12.010/2009.

Pela doutrina majoritária o prazo de dez dias é contado para “todos os recursos”,
como diz o inciso II, do artigo 198, do ECA, seja, ordinário, especial, ou extraordinário.

5. Efeitos
Podemos identificar dois efeitos para os recursos em nosso sistema jurídico:
devolutivo e suspensivo.
129

O efeito devolutivo traz como conseqüência a reapreciação da questão já decidida


por outro ou pelo mesmo órgão que proferiu a decisão. O reexame ocorrerá em toda a
amplitude e profundidade da matéria, delimitado, porém, aos temas impugnados pelo
recorrente.

Assim, apesar de o juízo ad quem tem a possibilidade de realizar exame completo


da matéria submetida à revisão, só poderá fazê-lo dentro dos limites estipulados nas razões
recursais. Trata-se, aqui, da aplicação do princípio dispositivo, previsto nos arts. 2º do CPC,
através do qual a função jurisdicional só será prestada por provocação da parte. Os recursos são
voluntários e o órgão que tem competência para examiná-lo só o fará mediante requerimento
daquele que se sentiu prejudicado pela decisão.

Temos, também, a aplicação do princípio da correlação entre o pedido e a


sentença, que impede julgamento diverso ou maior daquele que foi pedido e que, em sede
recursal, limita o exame da matéria dentro dos limites da impugnação.

O efeito devolutivo é o efeito natural de todo e qualquer recurso, já que o objeto


deste meio de impugnação é o de submeter a decisão com a qual não existe conformidade a um
novo exame pelo órgão judicial com competência para tanto.

O efeito suspensivo tem como consequência impedir que decisão produza seus
naturais efeitos enquanto não decidida o recurso interposto. A execução da decisão não pode
ser efetivada até que seja julgado o recurso.

Este feito não existe para todos os recursos, mas apenas para aqueles aos quais a
lei o atribui.

A suspensividade da decisão diz respeito à recorribilidade, pois o efeito


suspensivo tem início quando da publicação da decisão até o momento em que finda o prazo
para interposição dos recursos ou são eles julgados.

Verificados os efeitos dos recursos, passemos à disciplina trazida pelo Estatuto da


Criança e do Adolescente.

Com a revogação do inciso VI, do ECA, pela Lei 12.010/2009, que dispunha que
o recurso seria recebido no efeito devolutivo, e poderia ser concedido efeito suspensivo quando
sentença que concedia adoção internacional ou que houvesse perigo de dano irreparável ou de
difícil reparação, passou então a se adotar a regra geral do artigo 1.012, do CPC, que diz que a
apelação será sempre recebida com duplo efeito (devolutivo e suspenso), sendo excepcionais as
hipóteses em que será recebida apenas com efeito devolutivo.
130

6. Juízo de retratação

A figura do juízo de retração não é nova para nosso direito positivo, pois já
existia, e ainda existe, na disciplina do recurso de agravo (art. 1.018, § 1º, do CPC/2015, antigo
529, CPC/1973), sendo nova, porém, a ampliação que o ECA lhe concedeu ao estender sua
aplicação ao recurso de apelação, conforme dispõe o art, 198, VII.

O ECA instituiu, assim, a inovadora possibilidade da retratação da sentença por


parte do juiz, alterando a disciplina tradicional do recurso de apelação, bem como a da
sentença. Esta nova situação foi estendida para a hipótese tratada pelo art. 518, do CPC (com
redação dada pela lei nº 8.950/94), a permissão do reexame dos requisitos de admissibilidade
dos recursos.

O momento para o exercício do juízo de retratação ocorrerá após a apresentação


das contrarrazões. A escolha deste momento pelo legislador é perfeita, pois o juiz poderá, com
o teor das argumentações trazidas por ambas as partes, apresentar melhores condições para
manter ou reformar sua decisão em total respeito ao princípio constitucional do contraditório.
Não será possível que o juízo de retratação seja realizado antes da apresentação das
contrarrazões da apelação, sob pena de violação do contraditório.

A lei dá prazo de cinco dias para que o juiz profira seu juízo de retratação. Este
prazo é aqueles classificados como prazo impróprio, pois não confere sanção pelo seu não
cumprimento.

O juiz não poderá se furtar a exarar uma decisão neste momento processual pois a
regrada lei é impositiva, não havendo de ser aceito silêncio. Quando juízo de retração for
positivo será necessária uma decisão específica para tanto, sendo ilógico pensar-se de forma
diversa. Quando for negativo o juízo de retratação, pode-se ter uma decisão expressa neste
sentido como também uma decisão implícita; nesta última hipótese, ter-se-á uma decisão
implícita quando, após a apresentação das contrarrazões o juiz se limita a subida dos autos ao
tribunal.

ANOTAÇÕES:
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Lição nº 13 – Da Proteção Judicial aos interesses Individuais, Difusos e Coletivos.

1. Interesse público privado, difuso e coletivo


A clássica divisão entre interasse público – assim entendido aquele que tem
como titular unicamente o Estado – interesse privado – cujo titular é o cidadão -, diante da
grande complexidade da vida moderna, perdeu suas feições.
A própria definição de interesse público é noção que varia de acordo com a
perspectiva histórica de cada época. Vários conceitos foram tentados: “interesse geral”,
“interesse que não pode ter solução satisfatória através da iniciativa privada”, etc.
A partir dos trabalhos de Mauro Cappelletti e Renato Alessi, passou-se a dividir o
interesse público em duas categorias: o primário, que se confunde com o bem geral, a
aspiração da sociedade como um todo, o secundário, relacionado com a vontade da
administração pública.
No campo privado, passou-se a identificar duas categorias de interesses, os
individuais, assim entendidos os de pessoas perfeitamente determinadas, e os
metaindividuais, que superam o âmbito estritamente individual para atingir grupos de pessoas
que têm algo em comum, mas não chega a atingir toda a coletividade, todo o Estado.
Dentro do conjunto de interesses metaindividuais foi possível identificar,
inicialmente os coletivos ou transindividuais, como pertencentes a uma categoria
determinável de pessoas, e os difusos, assim entendidos aqueles relacionados com um
número não determinável de indivíduos.
O Código de Defesa do Consumidor Lei nº 8.078/90, inovando, identificou uma
categoria de interesses coletivos indivisíveis, que denominou coletivos em sentido amplo, e
outra de interesses coletivos divisíveis, que classificou como individuais homogêneos.
Além da questão da divisibilidade, estabeleceu uma diferença ainda maior entre
os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, passando a distingui-los também
pela origem da aspiração, ou seja, para os interesses difusos haveria um liame de fato, para os
coletivos uma ligação jurídica e para os individuais homogêneos uma origem comum (art. 81
do CDC).
Hugo Nigro Mazzilli (1995, p. 9) prefere uma conceituação mais ampla, segundo
a qual “os interesses coletivos compreendem tanto grupos de pessoas unidas pelas mesma
relação jurídica básica como grupos unidos por uma relação fática”. Em ambas as hipóteses
temos grupos de pessoas determinadas ou determináveis, unidas por interesses compartilhados
por todos os integrantes determinados ou determináveis do grupo.
Dessa forma, poder-se-ia dizer que os interesses metaindividuais dividem-se em:

 Interesses difusos: são os de natureza indivisível, de que são titulares um


número indeterminado de pessoas, unidas por circunstâncias de fato ou de
direito. Por exemplo, a pretensão a ter uma boa qualidade de água ou ar.
133

 Interesses coletivos ou transindividuais: são os de natureza indivisível,


de que são titulares grupos ou categorias de pessoas (número determinado
ou determinável) ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação
de fato ou de direito. Por exemplo, o reconhecimento de um aumento
ilegal aplicado as prestações de um consórcio. A ilegalidade será a mesma
para todos os integrantes do grupo, independentemente da quantidade de
cotas de cada um deles (exemplo de Hugo Nigro Mazzilli);
 Interesses individuais homogêneos ou transindividuais divisíveis: são
os de natureza divisível, de que são titulares grupos ou categorias de
pessoas (número determinado ou determinável) ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação de fato ou de direito comum. Por exemplo,
a pretensão à restituição de prestações pagas indevidamente, que varia de
acordo com as cotas de cada um dos integrantes do grupo (exemplo de
Hugo Nigro Mazzilli).
2. A dupla função do direito da criança e do adolescente
Diante da tutela coletiva, o Estatuto da Criança e do Adolescente pode assumir
duas funções deferentes:
a) Servir como lei integrante do conjunto normativo base das ações coletivas;
b) ao mesmo tempo, proporcionar características próprias da tutela jurisdicional
diferenciada de crianças e adolescentes.
A primeira função, aqui denominada de função genérica, baseia-se na
constatação feita por Paulo Afonso Garrido de Paula: “No que concerne à tutela coletiva, diz-se
que o tripé legislativo no qual se assenta é composto da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº
7.247/85), do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do consumidor (Lei
nº 8.078/90)”.
Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco afirma: São a base jurídico-positiva
da decidida adoção da tutela jurisdicional coletiva no direito brasileiro – apoiada nos preceitos
constitucionais estimuladores dessa abertura. Em conjunto, são responsáveis pela autêntica
liderança que nosso processo civil vai exercendo no mundo jurídico-germânico
tradicionalmente ligado aos padrões de tutela exclusivamente individual. A Lei da Ação Civil
Pública, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor
constituem também, a um tempo, a resposta do legislador aos reclamos da doutrina pioneira e
fator de estímulo à farta bibliografia que lhes sobreveio”.
O Estatuto inovou em alguns pontos da tutela coletiva.
Primeiro, porque nele está contido dispositivo que permite expressamente o
litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União e dos Estados na defesa dos
interesses de que cuida a lei (art. 210, § 1º).
O Estatuto também “permitiu a valoração judicial dos aspectos quantitativo e
qualitativo dos serviços derivados das políticas públicas, como os de educação, saúde,
assistência social”.
134

Além disso, o Estatuto regulamentou o inquérito civil, prevendo-o ainda para


apuração de violações ou lesões a direitos individuais, exaltando o caráter socioindividual dos
direitos da criança e do adolescente (arts. 223 e 201, V).
Como último aspecto, o Estatuto permite que a ação civil pública tutele interesses
individuais, desde que indispensáveis, em razão de seu valor social.
Explica-se, a segunda função do Estatuto na tutela coletiva, ora denominada de
função específica.
O Estatuto, como base normativa do próprio Direito da Criança e do Adolescente,
específica regras próprias para as ações coletivas, particularizando-as.
Nesse sentido, inovou ao prever o Juízo da Vara da Infância e da Juventude como
componente para o julgamento das ações civis públicas – e, implicitamente, para todas as ações
coletivas subjetivas, cedendo espaço unicamente em razão de regras específicas previstas na
Constituição Federal, que tratam da competência da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal.
Permitiu o manejo da ação civil pública não só para a defesa de interesses
metaindividuais, mas também para interesses individuais de crianças e adolescentes.
Concebeu a ação civil pública como espécie de ação civil, prevendo a
possibilidade de ajuizamento de qualquer ação para a defesa dos interesses de crianças e
adolescentes.
Determinou que os valores recolhidos a título de multas, aplicadas nas ações civis
públicas, serão destinadas aos Conselhos Municipais de Direitos da Criança, e não aos Fundos
de Direitos Difusos.
Além disso, o Estatuto, ao incorporar os valores protegidos pelo Direito da
Criança e do Adolescente, impõe ao Juiz que, na tomada de suas decisões, prestigie a
prioridade absoluta, o superior interesse da criança, a proteção integral, e outros princípios
destes derivados.

2. Direitos da criança e do adolescente


As ações de responsabilidade por ofensa aos direitos da criança e do adolescente
são regidas pelo ECA. O dispositivo fornece, ainda, um rol de direitos cuja oferta deve ser
exigida aos Poderes Públicos.
A enumeração disposta no artigo 208 do ECA é meramente exemplificativa, tanto
é que o § 1º ressalva que as hipóteses previstas “não excluem da proteção judicial outros
interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos
pela Constituição e pela Lei”
A respeito das ações de responsabilidade, ver também o art. 54 do ECA e arts. 7º,
XXV, 196, 203, I e II, 208, e 227, § 1º, todos da Constituição Federal.
135

A Lei nº 12.010/09 inclui o inciso IX no caput do dispositivo de maneira a prever


a possibilidade de ações destinadas a promover “serviços e programas de orientação, apoio e
promoção social de famílias e destinadas ao pleno exercício do direito à convivência familiar”.

3. Competência

A competência para propositura de ação visando assegurar direitos individuais,


difusos ou coletivos da criança e do adolescente é determinada ratione loci. A Justiça Federal
será competente para julgar as causas que imputem responsabilidade a União, autarquia ou
empresa pública federal (ratione personae). A competência originária dos Tribunais Superiores
vem indicada nos arts. 102, I, e 105, I da Constituição Federal.

4. Legitimidade ativa
O artigo 210 enumera os legitimados para propor ação de responsabilidade. Trata
da legitimidade concorrente em sede de interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos. O Estatuto seguiu a mesma orientação da Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985,
optando por dividir a responsabilidade da defesa dos direitos da criança e do adolescente entre
o Ministério Público, as entidades estatais e as associações de defesa de interesses da infância e
da juventude.
Dessa forma, o Ministério Público também está legitimado a propor ação civil
pública no interesse da proteção dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos
do art. 201, V, do ECA, e do art. 127 da Constituição Federal, podendo instaurar inquérito civil
(art. 223 do ECA) para apurar individualmente ou formar litisconsórcio com os congêneres da
União ou outros Estados (§ 1º).
Nos casos de desistência de ação não proposta originariamente pelo Ministério
Público, mas sim por entidade colegitimada, o parquet pode assumir a titularidade ativa da ação
(§ 2º).
5. Termo de ajustamento
Os órgãos públicos legitimados, conforme disposto no artigo 211, do ECA, no
caso são o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e os
Territórios (art. 210, I e II).
Existe a possibilidade de termo de compromisso de ajustamento, assim entendido
o acordo pré-judicial que visa a uma solução mais rápida para o caso.
No caso de termo efetuado pelo Ministério Público, há necessidade de
homologação pelo Conselho Superior da Instituição.

6. Ações cabíveis – art. 212


Cabe, na defesa dos interesses protegidos pelo ECA, qualquer espécie de ação
pertinente. Com algumas variações, a classificação das ações é a seguinte: de conhecimento ou
de cognição, que se subdividem em condenatórias, constitutivas e declaratórias; ações
136

executivas; ações cautelares e ações mandamentais (que visam obter um mandado contra órgão
do Estado por médio de sentença, esta última questionada por diversos autores).
6.1 Ação mandamental
O ECA, em seu art. 212, § 2º, faz expressa menção à ação mandamental,
acrescentando que deve ser regida pelas normas do mandado de segurança (Lei nº 12.016. de
07 de agosto de 2009) e suas aliterações posteriores.
Não obstante ter utilizado a denominação de “ação mandamental”, na verdade o
Estatuto não inovou, trocando apenas o nome da ação, que, na prática, continua sendo o
conhecido mandado de segurança, daí a menção expressa do rito processual próprio.

O writ, individual ou coletivo, tem por objetivo “a defesa de direito líquido e


certo, não amparado por „habeas corpus‟ ou „habeas data‟, quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no
exercício de atribuições o Poder Público (art. 5º, LXIX, da CF).
A diferença repousa no fato de que, enquanto o individual buscar resguardar
direito de pessoa determinada, o coletivo tem por escopo a mesma proteção, porém
direcionando à defesa dos interesses coletivos em sentido amplo, englobando os direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos.

6.2. Obrigação de fazer ou não fazer


O caput do artigo 213, do ECA. Repete o enunciado do art. 84 da lei 8.078/90
(CDC), segundo a tendência de se conceder uma tutela processual específica para a obrigação
de fazer ou não fazer.
A execução dessas obrigações é regulada pelos arts. 632 a 638 (de fazer), 642 e
643 (de não fazer) e 644 e 645 (disposições comuns), todos do Código de Processo Civil, que
soluciona a questão do inadimplemento determinado ou a execução à custa do devedor ou sua
conversão em perdas e danos.
Além desses dispositivos, foram colocados à disposição do magistrado mais dois
eficientes instrumentos de defesa dos interesses da criança e do adolescente, a possibilidade de
concessão de liminar inaudita alteram pars, e a aplicação de multa diária em caso de
descumprimento.
6.2.1. Possibilidade de concessão de liminar e de fixação de multa
Havendo fundamento relevante para a demanda e restando demonstrado que a
demora no provimento jurisdicional pode acarretar dano irreparável ou de difícil reparação o
magistrado pode conceder a tutela requerida liminarmente, inaudita alteram pars ou após a
audiência de justificação (art. 213, § 1º).
Além disso, pode cumular com a concessão da liminar multa diária, visando
compelir o réu ao cumprimento célere da determinação judicial (art. 213, § 2º, primeira parte).
137

A multa fixada em sede de liminar, entretanto, só poderá ser executada após o


trânsito em julgado da sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se
houver configurado o descumprimento (art. 213, § 3º).
No caso de suspensão da liminar pelo Tribunal, o recurso cabível é o agravo
regimental.
A multa pode ainda ser fixada com a sentença que determina a obrigação de fazer
ou não fazer, como alternativa às soluções do Código de Processo Civil.

6.3. Fundo gerido pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do


Adolescente
Os valores recolhidos em Ação Civil Pública, assim como as multas decorrentes
de infrações administrativas, devem ser destinados a um fundo gerido pelo Conselho dos
Direitos da Criança e do Adolescente no respectivo município (art. 88, IV c/c artigo 214, todos
do ECA)
Tanto o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, como o respectivo
fundo deve ser criado por lei municipal (art. 259, parágrafo único, do ECA).

6.4. Efeito suspensivo


A lei nº 12.010/2009 revogou o inciso VI do art. 198 do ECA, que determinava o
recebimento da apelação, apenas em seu efeito suspensivo, reservando o efeito suspensivo para
os recursos interpostos contra sentença que deferia adoção por estrangeiro ou, a juízo da
autoridade judiciária, sempre que existisse perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.
Com a revogação surgiu corrente doutrinária que passou a defender a aplicação
subsidiária da regra geral do art.1.012, do CPC/2015, antigo artigo 520 do CPC e, portanto, da
concessão dos efeitos devolutivo e suspensivo às apelações em geral.
A permanência do art, 215, não revogado pela Lei nº 12.010/09, é bom argumento
em sentido contrário, ou seja, que a revogação do inciso VI do art. 198 do ECA atingiu somente
as ações de adoção e não o sistema recursal como um todo.
No que toca às ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à
criança e ao adolescente (art. 208, do ECA) os recursos devem ser recebidos apenas no efeito
devolutivo. O efeito suspensivo deve ser concedido apenas em determinadas hipóteses, quando
o dano à parte, decorrente da execução antecipada da decisão guerreada, foi irreparável.
O recurso destinado a obter o efeito suspensivo em apelação, quando indeferido o
pedido pelo juízo, e o agravo (art. 558, do CPC).

7. Inquérito civil – art. 223, do ECA


A figura do inquérito civil, prevista pela primeira vez no art. 8º, § 1º, da Lei
7.347/85, e posteriormente consagrada na Constituição Federal (art. 129, III, nasceu de um
138

trabalho elaborado pelos promotores de justiça do Estado de São Paulo, Antônio Augusto
Mello de Camargo Ferraz, Edis Milaré e Nelson Nery Júnior, apresentado no XI Seminário
Jurídico de Grupos de Estudos do Ministério Público paulista em dezembro de 1983.
Trata-se de procedimento administrativo investigatório, de natureza inquisitiva,
atribuído com exclusividade ao Ministério Público, destinado à coleta de elementos para
eventual propositura de ação civil pública ou coletiva.
As diretrizes traçadas pelos §§1º a 5º do art. 223 do ECA são mera reprodução do
art. 9º da lei 7.347/85.
Inspirado no congênere policial, o inquérito civil não apresenta rito próprio.
De modo geral, é instaurado por portaria do promotor de justiça admitindo a
representação a ele dirigida pelo interessado. Pode ser instaurado, também, por determinação
do Procurador-Geral de Justiça ou do Conselho Superior do Ministério Público.
Uma vez registrado e autuado, o inquérito civil segue seu curso presidido pelo
promotor de justiça e secretariado por funcionários (oficial de promotoria) por ele designado,
que faz as vezes do escrivão.
As diligências e juntadas são determinadas em despachos do presidente e
cumpridas pelo oficial, entre os carimbos de conclusão e data, utilizando de forma subsidiária
as regras do Código de Processo Penal referentes ao inquérito policial.
Embora nem o ECA nem a Lei da Ação Civil Pública tenham estabelecido prazo
para seu término, os Ministérios Públicos têm prazo estabelecidos em atos normativos próprios.
7.1. Promoção de arquivamento
Se, esgotados as diligências, o órgão do Ministério Público se convencer de que
não há fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do
inquérito civil de forma fundamentada (art. 223, §1º). Note-se que a hipótese é de promoção de
arquivamento e não de requerimento como ocorre no inquérito policial.
Uma vez arquivado, o inquérito civil deve ser remetido no prazo de três dias, ao
Conselho Superior do Ministério Público, para reexame, sob pena de falta grave (art. 223, § 2º,
do ECA e art. 9º, § 1º, da Lei nº 7.347/85. O tríduo deve ser contado na forma do art. 224, do
CPC/2015, antigo art. 184 do CPC, ou seja, excluindo-se o ida do começo e incluindo-se o dia
do fim.
Até que a promoção de arquivamento seja homologada ou rejeitada pelo
Conselho Superior do Ministério Público, as associações legitimadas (art. 210, III, do ECA)
podem apresentar razões escritas ou documentos para serem juntados aos autos.

O Conselho Superior, à vista dos autos e conforme determinar seus regimentos


interno, pode tomar as seguintes decisões:
a) acolher o arquivamento;
139

b) rejeitar a promoção de arquivamento e determinar a propositura da ação civil


pública pertinente; e
c) determinar a realização de diligências complementares.
Uma vez homologado o arquivamento, ou autos retornam à Promotoria de Justiça
de origem onde ficarão guardados.
Se for determinado o ajuizamento de ação, outro membro do Ministério Público
será designado, à semelhança do que ocorrem com o art. 28 do Código de Processo Penal, com
a diferença de que a decisão cabe ao órgão colegiado e não ao Procurador-Geral de Justiça 9art.
223, § 5º).

7. 2. Termo de compromisso de ajustamento


Na dependência da matéria tratada no inquérito civil, pode surgir a possibilidade
de transação entre as partes, objetivando uma recomposição mais rápida do interesse difuso
coletivo ou individual homogêneo considerado.
Uma vez homologado o arquivamento o termo de compromisso ganha força de
título executivo extrajudicial (art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85), podendo o juiz fixar multa por
dia de atraso no cumprimento da obrigação.
7.3 Peças de informação
Peças de informação são documentos, elementos de convicção em que o membro
do Ministério Público possa se basear para a propositura de ação civil pública ou coletiva.
O art. 223 do Estatuto e os arts. 8º e 9º da Lei da Ação Civil Pública dão às peças
de informação o mesmo tratamento conferido ao inquérito civil.

ANOTAÇÕES:
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Lição nº 14 – Infrações administrativas e dos Crimes

1. O sistema de responsabilização previsto no Estatuto

Como visto anteriormente, a família, a sociedade, a comunidade e o Estado


têm o dever fundamental de promover a observância dos direitos fundamentais de crianças e
adolescentes, bem como de colocá-los a salvo de qualquer forma de abuso e negligência.

De nada adiantaria prever esse direito fundamento sem que existissem


instrumentos capazes de responsabilizar aqueles que não o observassem. Dessa maneira, o
Estatuto fez previsão de um complexo sistema de responsabilização, pelo qual é possível a
aplicação de medidas jurídicas e de penas, com finalidades educativa e punitiva.

Nesse passo, da inobservância do dever fundamental indicado pode decorrer:

a) Tipificação de crimes;
b) A tipificação de infrações administrativas;
c) A aplicação de medidas pertinentes aos pais ou responsáveis;
d) A aplicação de penalidade às entidades de atendimento responsáveis pela
execução de programas socioeducativos e de proteção.
Conceito de Infração Administrativa

2. Conceito de infração administrativa

O que é infração administrativa?

A resposta a esta pergunta não é simples, dada a complexidade do tema e a


escassez de obras jurídicas que tratam especificamente desta matéria.

Há quem defenda que as infrações administrativas decorrem do poder de


polícia do Poder Público, por configurarem uma interferência do Estado na órbita do interesse
particular para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais.

Daniel Ferreira, ao conceituar as infrações administrativas, nos traz a seguinte


definição: “comportamento voluntário, violador da norma de conduta que o contempla, que
enseja a aplicação, no exercício da função administrativa, de uma direta e imediata
consequência jurídica, restritiva de direitos, de caráter repressivo”.

Pode-se afirmar, assim, que infrações administrativas são condutas contrárias


a preceitos normativos que estabelecem uma ingerência do Estado na vida do particular, seja
pessoa física ou jurídica, com vistas à proteção de interesses tutelados pela sociedade, com
sanções de cunho administrativo, ou seja, restritivas de direitos, mas não restritivas da
liberdade, geralmente importando num pagamento de uma multa pecuniária, suspensão do
141

programa ou da atividade, fechamento de estabelecimento, apreensão do material inadequado


ou simples advertência.

As infrações administrativas previstas no Estatuto da Criança e do


Adolescente, dessa forma, são expressão do poder de polícia do Estado.

As infrações administrativas previstas nos artigos 245 e 258-B do ECA têm


natureza administrativa, mas, devido ao procedimento de apuração é formalmente judicial (art.
194 a 197, do ECA), de natureza contenciosa, aplicando-se subsidiariamente as normas gerais
previstas na legislação processual (art. 152), sendo obrigatoriamente submetido ao julgamento
do Juiz da Infância e Juventude, que, ao acolher a pretensão estatal, aplicará as sanções
cabíveis, no exercício de uma função híbrida: jurisdicional e administrativo.

As infrações administrativas previstas no ECA deverão ser apuradas perante


procedimento judicial, com trâmite perante a Vara da Infância e Juventude. Esse procedimento
poderá ser iniciado por autuações do Serviço de Voluntários da Vara da Infância e Juventude,
de conselheiros tutelares e do Ministério Público.

3. A Multa

A multa estabelecida como penalidade nas infrações administrativas previstas


no ECA faz menção ao salário de referência, que corresponde ao atual salário mínimo nacional.

As multas pagas em decorrência do pagamento das infrações administrativas


devem ser revertidas ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, conforme
determinação dos artigos 154 e 214, do ECA, sendo vedada a destinação do numerário para
outro órgão ou instituição.

4. Da prescrição

Há quem defenda ser aplicável às infrações administrativas o prazo de


prescrição do direito penal, enquanto outros entendem que o prazo prescricional seria aquele
previsto no Código Civil, e até mesmo o da Lei de Imprensa.

Ocorre que as multas previstas no Estatuto da Criança têm natureza


administrativa e são revertidas ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, motivo pelo
qual entendemos deve ser aplicada a prescrição qüinqüenal, forma do art. 4º da Lei de
Introdução, art. 126, 2ª parte, do CPC, art. 174 do CTN, art. 1º, do Dec. 20.910-32 e Súmula
150 do STF, como já reconheceu remansosa jurisprudência.
142

5. Dos Crimes

1. Disposições gerais

O ECA dispõe especificamente sobre os delitos cometidos vitimizando


criança ou adolescente, conforme dispõe o artigo 225.

A regra geral prevista no artigo 226, é decorrência do art. 12, do CP. A parte
geral do Código Penal aplica-se no que concerne à prescrição, ao local do crime, etc., ao passo
que o Código de Processo Penal regulamenta os ritos dos crimes apenados com reclusão e com
detenção.

O artigo 227, do ECA, segue a regra penal geral que é a de ação penal pública
incondicionada no caso inexiste norma expressa dizendo que o delito exige representação ou se
processo por meio de queixa-crime.

Com relação a competência dos delitos da infância e juventude, embora


possua como sujeito passivo a criança ou o adolescente, os delitos são de competência da Vara
criminal da Comarca relacionada, alias, sobre a competência da Vara Criminal, já discorreu
José Luiz Mônaco da Silva:

“os delitos dos artigos 228 usque 244 são, com a devida vênia, a da
competência da Justiça Criminal, por duas razões irretorquíveis: 1) nos dias
hodiernos, a autoridade da Justiça Criminal, à medida que se especializa
em determinada área da ciência jurídica, fica menos propensa a ter suas
decisões reformadas em segunda instância; 2) o art. 148 do ECA não
contempla, ainda que implicitamente, a competência da Justiça da Infância
e Juventude para o processo de julgamento dos mencionados crimes”.

2. Dos crimes em espécie

A sistematização dos tipos penas inclinou-se da seguinte maneira: 1) arts. 228


e 229: tratam de delitos ligados a hospitais, centros de saúde etc; 2) arts. 230 a 235: tratam de
delitos vinculados aos procedimentos relacionados a atos infracionais e pessoas envolvidas nos
mesmos: policiais civis e militares, delegados de polícia, juízes, promotores de justiça etc.; 3)
art. 236: trata de criminalização visando facilitar as funções da autoridade judiciária, do
membro do Conselho Tutelar e ainda do membro do Ministério Público; 4) arts. 238 e 239:
tratam de infrações vinculadas a colocação irregular em família substituta; 5) arts. 240 a 244-A:
tratam de outros assuntos.

ANOTAÇÕES:
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