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PERFIL

Calixto Salomão Filho


Professor Titular do Departamento
de Direito Comercial da Faculdade
de Direito da USP apresenta a
sua visão sobre o direito

v. 4, n. 12, 2014
2 Sumário REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

5. Editorial

6. Perfil
Entrevista com o Prof. Calixto
Salomão Filho
v. 4, n. 12, 2014
12. Doutrina
Artigos acadêmicos sobre o que
há de mais atual e relevante
Concorrência e Arbitragem no Direito
Brasileiro. Por Bruno Bastos Becker

Instrumentos Jurídicos e Diálogo Institucional


nos Grandes Projetos de Mobilidade Urbana: o
caso do PMI da linha 6 do metrô de São Paulo.
Por Pedro do Carmo Baumgratz de Paula

Constituição de Reservas em Prejuízo de


Acionistas Minoritários. Por Eduardo Benetti

Psico-história e Antitruste: avaliação de


impacto e os conceitos legais indeterminados.
Por Caio Cesar Moreira Pinto

As Teorias Econômicas da Regulação e a


Dicotomia entre Regulação Econômica e Social.
Por Thomaz Teodorovicz

71. Estante Comercialista

Revista Comercialista
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EDITOR EXECUTIVO
PEDRO ALVES LAVACCHINI RAMUNNO

CONSELHO EDITORIAL

CONSELHO DISCENTE
GUSTAVO LACERDA FRANCO
PACO MANOLO CAMARGO ALCALDE
PEDRO ALVES LAVACCHINI RAMUNNO
RODRIGO FIALHO BORGES

CONSELHO DOCENTE
FABIO ULHOA COELHO
JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO
MARIANA PARGENDLER
SÉRGIO CAMPINHO

ARTICULISTAS DESTA EDIÇÃO


BRUNO BASTOS BECKER
CAIO CESAR MOREIRA PINTO
EDUARDO BENETTI
PEDRO DO CARMO BAUMGRATZ DE PAULA
THOMAZ TEODOROVICZ

REPÓRTER DESTA EDIÇÃO


RODRIGO FIALHO BORGES

DIAGRAMAÇÃO
RODRIGO AUADA

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Revista Comercialista
REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Editorial 5

A Faculdade de Direito e a
Formação Interdisciplinar
Dentre os diversos produtos gerados pelo inten- senta uma profunda análise sobre a aplicação do di-
so trabalho de construção desta 12ª edição da Revista reito concorrencial em procedimentos arbitrais, que é
Comercialista, o destaque é, sem dúvidas, a reflexão. E pouco debatida no Brasil, embora a matéria seja abor-
é fácil identificar a origem desse processo reflexivo: a dada com frequência no exterior.
entrevista com o Professor Titular de Direito Comer- Em seguida, Pedro do Carmo Baumgratz de Paula,
cial da Faculdade de Direito da Universidade de São advogado, pesquisador do Instituto de Pesquisa Eco-
Paulo Calixto Salomão Filho. nômica Aplicada – IPEA e também acadêmico, contri-
O Professor Calixto abordou temas relevantíssimos bui para esta edição com um excelente estudo sobre
na entrevista, como a relação entre o direito e as desi- como a utilização de Procedimentos de Manifestação
gualdades e também a questão do poder, em suas mais de Interesse na celebração de Parcerias Público-Pri-
diversas manifestações, além de outros tantos assun- vadas pode auxiliar ou prejudicar a realização de gran-
tos importantes para o desenvolvimento do direito e, des projetos urbanos, abordando questões jurídicas,
de uma maneira geral, do país. No entanto, uma das sociais, urbanísticas e o diálogo institucional.
abordagens mais tocantes foi tratada justamente ao Já o potencial prejuízo aos acionistas minoritários
final da entrevista, sobre a faculdade de direito e a for- gerado pela constituição de reservas em sociedades
mação dos profissionais da área jurídica. anônimas de capital fechado é tratado por Eduardo
De acordo com o Professor, “a faculdade de direi- Bennetti, advogado especializado em direito societá-
to ideal é aquela que faz o aluno pensar e faz o aluno rio e sócio de BGR Advogados, em um breve e, ao mes-
ser crítico” e o direito deve se tornar “mais complexo, mo tempo, profundo artigo.
ou seja, uma ciência interdisciplinar, em que os alunos Caio Cesar Moreira Pinto, graduando pela UFPA e
sejam capacitados a entender esses efeitos, estudan- pesquisador de direito concorrencial, em um moder-
do outras ciências, como antropologia, economia, so- no e desafiador artigo, retira da ficção científica de
ciologia [...]”. Isaac Asimov possíveis ensinamentos que podem ser
Diante da notável propagação de um grande núme- relacionados à avaliação de impacto das decisões do
ro de faculdades de direito pelo país nas últimas déca- Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CA-
das, essa reflexão é pertinente e, mais que isso, essen- DE.
cial. Aliás, o ensino interdisciplinar deveria ser natural Por fim, Thomaz Teodorovicz, economista e acadê-
ao direito, pois para compreender bem o regramento mico, realiza uma ampla abordagem sobre as teorias
dos acontecimentos da vida, o estudante deveria, pre- econômicas da regulação e a dicotomia entre a regu-
viamente, entender esses acontecimentos. lação econômica e a social. A contribuição de um eco-
Reflexão semelhante, inclusive, ocasionou a renova- nomista para esta edição está em plena sintonia com a
ção e ampliação daquele que sempre foi o objetivo da mencionada valorização da interdisciplinaridade.
Revista Comercialista: contribuir para a promoção e o Assim, de maneira interdisciplinar e bastante crí-
desenvolvimento do direito comercial e econômico. tica, espera-se, como usual, que esta edição seja mais
Nesse sentido, foram selecionados artigos de au- uma contribuição para o desenvolvimento do direi-
tores que apresentam, com efeito, uma formação in- to comercial e econômico, mas não só. A expectati-
terdisciplinar, o que se percebe por seus trabalhos va, originada nas reflexões decorrentes da entrevista
publicados nesta edição, os quais conectam, com ex- com o Professor Calixto, é ainda mais ampla: promo-
pressiva qualidade, o direito a diversos campos do co- ver uma reflexão crítica do direito comercial e econô-
nhecimento, como a economia, a contabilidade, o ur- mico como instrumento de correção de deficiências
banismo e até mesmo a fictícia psico-história de Isaac presentes na sociedade.
Asimov.
O artigo de Bruno Bastos Becker, advogado espe-
cializado em direito concorrencial e acadêmico, apre-
Conselho Editorial
Revista Comercialista
6 Perfil REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

Entrevista com o Professor


Calixto Salomão Filho
O Professor apresenta o seu entendimento
sobre diversos temas, destacando-se a sua
visão sobre a manifestação do poder, o papel
do direito na redução das desigualdades e a
faculdade de direito.
Por Rodrigo Fialho Borges
VISÃO DO DIREITO
Comercialista - Tendo em vista as enormes desigualdades presentes no Brasil, assim como em ou-
tros países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, na opinião do senhor, qual o papel do direito para
permitir o desenvolvimento de forma a reduzir tais desigualdades? Como o direito pode nos ajudar a
questionar as estruturas?
Calixto Salomão Filho - O papel do direito é central, não é? Na verdade, o direito é que define os
fluxos de distribuição e redistribuição de renda. É do funcionamento dos institutos e das estru-
turas jurídicas que dependem os fluxos de distribuição de renda. Veja, por exemplo, institutos
como propriedade, contrato... Da maneira que nós definimos a disciplina da propriedade, de-
pendem os fluxos. Por quê? E aí vem para a segunda parte da questão. Porque, na verdade, são as
estruturas econômicas e jurídicas os elementos determinantes dessa distribuição. Se eu tenho
um regulamento de propriedade absoluto, é claro que eu estou reduzindo o acesso de pessoas a
bens. Se eu tenho um regulamento da empresa que só atende a determinados interesses, inte-
resses daqueles acionistas da empresa, e não tem em conta os interesses das pessoas afetadas,
é claro que estou optando por uma determinada forma de distribuição de riquezas. Então o di-
reito é fundamental nesse tipo de raciocínio. Como ele pode ajudar a questionar as estruturas?
A partir da reflexão crítica sobre essas estruturas. Ora, num mundo de recursos escassos, o que
eu preciso fazer para que mais pessoas tenham acesso a esses recursos? É o direito que tem que
dar a resposta.

REGULAÇÃO DA EMPRESA
Comercialista - Como se insere a regulação da empresa nessa visão do direito? É possível encontrar algu-
ma relação entre a regulação das empresas e a evolução da pobreza?

Revista Comercialista
REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Perfil 7

Calixto Salomão Filho - Dada a ralidade. Nesse sentido, o senhor Comercialista - Nota-se que o
importância da empresa hoje, considera que há, no Brasil, muitas poder é tema recorrente nos seus
a questão da regulação da em- deficiências regulatórias? Existem trabalhos. Como o senhor desen-
presa está no centro dessa visão mercados que não deveriam existir, volveu a afinidade pelo assunto e
estrutural, vamos dizer assim, na sua opinião? por que considera relevante o seu
porque é através da regulação Calixto Salomão Filho - Acho estudo?
da empresa, e dos vários insti- que sim. Existem mercados Calixto Salomão Filho - Talvez
tutos que estão ao redor, que eu que são, de um lado, absolu- meio por acaso. Eu sempre tive
posso mudar essas estruturas. tamente desnecessários, e de a sensação de que o poder era
Exemplo: patente. Não se aplica outro, eles são marcados por um entrave ao funcionamento
só à empresa, aplica-se a indiví- imensas assimetrias de infor- do direito. Uma sensação não
duos também, mas eu mudando mação. Dou alguns exemplos. só intuitiva, mas a gente vê nas
as regras e limitando o reconhe- Aliás, exemplos clássicos que nossas relações sociais do dia-
cimento de patentes em certos nem exigem muita criativida- -a-dia: onde está o poder o di-
casos em prol de uma utilidade de. Mercado de plano de saú- reito não entra. Basta olhar a re-
pública, em prol de um usuário de para pessoas idosas: ou o lação social do empregado com
que precisa ter acesso de baixo preço é inacessível ou então o empregador. Quando ele tem
custo ao bem, eu estou atuando as pessoas idosas são sim- muito medo do poder, as regras
sobre a empresa, estou atuan- plesmente recusadas, porque pouco valem, ele se submete in-
do sobre uma estrutura jurí- a assimetria de informação é dependentemente delas. Isso é
dica, de forma a permitir mais tão grande que a empresa tem verdade para a maioria dos ca-
acesso público a determinadas sempre medo de aceitar ou sos. Onde o poder é muito sóli-
invenções. Relação entre regu- põe um preço tão alto, que é do, imagine nas sociedades mais
lação da empresa e evolução da inviável para o usuário. Então arcaicas, como no Brasil pas-
pobreza? Total. Nós fizemos um a solução tem que ser a dada sado, onde havia coronelismo,
estudo interdisciplinar alguns por Akerlof naquele famoso não entrava o direito... Podia se
anos atrás que mostrou que, na artigo dos anos 70: financia- declarar o maior direito possí-
verdade, desde a época colo- mento público, um plano pú- vel, mas ele não era aplicado. E
nial, os níveis de pobreza acom- blico ou um subsídio públi- eu tenho impressão de que isso
panham as estruturas econô- co para as pessoas de idade ocorre no Brasil ainda hoje em
micas. Então na medida em que terem o seu plano de saúde. uma série de ramos (por exem-
essas estruturas se concentram Então esse é um exemplo de plo, a pouca efetividade dos di-
– e quanto mais concentradas um mercado que não pode reitos humanos), porque as pes-
elas estão e nos lugares onde existir. Outros mercados... No soas estão sujeitas a estruturas
elas estão mais concentradas –, setor financeiro, eu acho que de poder. Então o meu interesse
mais pobreza há. Portanto, há tem muitos minimercados que surgiu desse potencial desloca-
uma relação direta. também não deveriam existir, mento, que eu sempre senti, do
como é a regra em relação aos poder em relação ao direito. Na
Comercialista - No artigo “Mo- derivativos. Muitos já são proi- verdade, quando a gente está
rals and Markets”, publicado na bidos, mas eu acho que preci- numa estrutura de poder muito
Revista Science, é desenvolvido samos manter a atenção para forte, a maioria dos nossos di-
um estudo que, em suma, demons- não permitir que eles surjam reitos são inefetivos. Bom, essa
tra como as interações de mercado por vias indiretas. é a razão da afinidade e da im-
influem na forma como os agentes portância também, porque se a
avaliam eventuais danos causados O PODER COMO UM TEMA gente não resolve o problema
a terceiros, relativizando a mo- RECORRENTE do poder, os direitos vão conti-
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8 Perfil REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

nuar pouco efetivos. O interesse Como fazer os órgãos do Es- -se a sociedade anônima, qual a opi-
surgiu na graduação ainda. Pa- tado atuarem de uma forma nião do senhor em relação à ênfase
rece que nos vários temas que real no interesse público? Eu da legislação brasileira no termo e
eu acabei escolhendo, estava acho que a participação popu- na figura do “controle”, mesmo não
sempre o poder ali: a preocupa- lar é um excelente instrumen- existindo uma conceituação clara
ção com o poder concentrado to para evitar essas duas pres- do termo na lei? Foi uma boa opção
na sociedade unipessoal, depois sões ou, pelo menos, garantir legislativa? O valor dado ao poder
a preocupação com o poder no que elas não sejam exercidas de controle está ligado ao contex-
direito da concorrência, no di- de forma a capturar o Estado. to político de desenvolvimento
reito regulatório... Eu acho que Como? Porque a participação da legislação?
o estudo do poder é uma das li- popular tem vários efeitos. Pri- Calixto Salomão Filho - Está
nhas de análise do direito, exa- meiro, o efeito de publicizar sim. Eu acho que foi uma op-
tamente porque ele tem essa mais tudo que está sendo feito. ção típica da época, ligada a
capacidade de tornar direitos Tem representantes da socie- toda a filosofia do PND, que
inefetivos. Um dos objetivos do dade civil lá, eles vão ver o que era reforçar o poder dos gran-
direito, nessa visão estruturalis- está acontecendo. Segundo, des grupos nacionais – o que,
ta, é romper essas estruturas de porque eles vão trazer o inte- aliás, está explícito no PND. E
poder para que o direito possa resse legítimo do usuário para era também uma opção do re-
adentrar nas relações sociais. dentro da discussão. Então, se gime militar de trabalhar com
há o interesse político de um esses grandes grupos privados.
Comercialista - Em sua visão, a lado e o interesse privado de Se isso foi bom? Acho que de-
política nacional de participação outro (de uma empresa atuan- finitivamente não. Entravou o
social (instituída pelo Decreto nº do para direcionar ou mal di- desenvolvimento do mercado
8.243/2014) pode ser considerada recionar aquela regulação), na de capitais brasileiro durante
uma ferramenta para equilibrar hora em que há participação trinta anos, porque a empresa
as relações de poder? Quais outros popular, o usuário está pre- foi tratada como algo do con-
instrumentos poderiam ser aplica- sente dizendo ‘não, mas isso trolador. Portanto, todos os
dos, com esse objetivo, à realidade aqui não é meu objetivo’. Então outros, inclusive minoritários,
brasileira? para além do óbvio (e o óbvio inclusive aqueles que pode-
Calixto Salomão Filho - Eu é que participação social é de- riam investir no mercado de
acho que sim. O funcionamen- mocrática, é fazer com que as capitais, sentiam que estavam
to do Estado e dos órgãos es- partes interessadas interajam, sempre fora do jogo. Aliás, foi
tatais da administração direta sejam copartícipes na elabo- isso o que revelou a pesquisa da
e indireta está sempre sujeito a ração das regras), há outro Bovespa que foi feita nos anos
um dilema, um dilema clássico, efeito positivo, que é proteger 2000, dada a crise do nosso
que é a pressão entre a captura o Estado desses dois interes- mercado de capitais. Então eu
pelo interesse político (não o ses, que dificultam que órgãos, acho que essa ênfase foi exces-
elevado, mas o partidário, que agências, governo, adminis- siva e não foi positiva, não.
pode desvirtuar a atuação do tração direta possam agir no
Estado) e a captura pelo inte- interesse público. Comercialista - Considerando o
resse privado, que é da histó- histórico brasileiro do monopólio
ria brasileira. Então, entre es- AS ESTRUTURAS (SOCIE- colonial, em que medida a política
sas duas forças, o Estado fica DADE ANÔNIMA, DIREITO concorrencial deveria se distanciar
extremamente pressionado. CONCORRENCIAL, PATEN- das práticas adotadas em reconhe-
Entre o interesse político par- TES E PROPRIEDADE) cidas jurisdições como Europa e
tidário e o interesse privado. Comercialista - Considerando- Estados Unidos e impor uma polí-
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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Perfil 9

tica adequada à realidade históri- estrutura jurídica que afeta a


Calixto Salomão Filho - Sim,
ca e econômica brasileira? De uma o licenciamento compulsó- distribuição de renda tem um
forma concreta, quais seriam as efeito sobre a desigualdade ou
rio contribui diretamente. Por
diferenças de políticas necessárias quê? Porque em vez de nós sobre a questão da pobreza.
a essa adequação? sempre carregarmos o Esta- Mas, para além disso, nós pre-
Calixto Salomão Filho - Essa é do, ou seja, fazermos com quecisamos de um modelo de pro-
uma questão, sobretudo a se- todos os pedidos de medica- priedade que tenha em conta
gunda parte, difícil de especi- mento sejam atendidos pelo a realidade atual do mundo
ficar em poucas palavras, mas Estado individualmente, que de escassez de recursos. En-
sim, devem ser mais incisivos, já tem poucos recursos para tão não dá mais para imaginar
particularmente em relação às o SUS, nós fazemos com que aquela propriedade absoluta
estruturas. Nós temos estru- as empresas privadas sejam de um e a sujeição dos outros.
turas de poder historicamen- Isso não nos leva a um mode-
obrigadas a reduzir o valor do
te mais concentradas. O nosso medicamento. Ou seja, a em- lo de propriedade comunal,
controle das estruturas tem presa privada, que está redu-existem modelos muito mais
que ser mais incisivo. Mais inci- zindo acesso através de um sofisticados hoje, como a es-
sivo em que sentido? Mais inci- preço abusivo, ela se torna atrutura dos bens comuns, que
sivo no sentido de proibir con- responsável pelo bem público,é muito útil para bens de re-
centrações, de restringir, de pelo provimento do interesse levância ambiental, mas tam-
impor limitações sérias às con- bém para bens regulados. Eu
social, e não o Estado, que já
centrações, seja proibindo, seja está tão sobrecarregado no tenho que reconhecer que, em
restringindo de uma maneira SUS. Então eu acho que o li- determinados bens, eu tenho
efetiva, impondo alienações cenciamento compulsório é que seccionar os vários direi-
parciais... Então eu acho que, um elemento importante na tos relativos àquele bem e (i)
particularmente no controle redução das desigualdades e, fazer com que, eventualmente,
das estruturas, isso é necessá- comprovadamente, nenhum eles sejam atribuídos a grupos
rio. Também é necessário em caso de licenciamento com- diversos; e (ii) fazer com que
condutas bem disseminadas. pulsório impede ou impediu pessoas afetadas pelo bem e
Eu acho que, nessa parte, isso o desenvolvimento de inven- grupos afetados tenham di-
tem sido feito nos últimos anos ções. Ao contrário, a empre- reito a participar na definição
com o combate aos cartéis, que sa continuou fornecendo em dos destinos desse bem. Por
realmente são uma prática dis- mercados grandes como o exemplo, uma grande empresa
seminada no Brasil nas esferas Brasil, mesmo na presença de que detém uma mina numa re-
privada e pública. Tem que ter genéricos, como ocorreu du- gião em que passa um rio mui-
um combate incisivo. Isso tem to importante para a comuni-
rante toda a nossa história de
sido feito, mas não basta. É pre- vigência dos genéricos. dade da região pode continuar
ciso um controle das estruturas explorando a mina, mas ainda
realmente efetivo e que real- Comercialista - O senhor con- que ela seja proprietária da-
mente imponha limitações nas sidera que a reformulação do con- quelas terras, os interesses das
concentrações. ceito de propriedade é uma medida comunidades que precisam do
necessária para a redução das de- rio precisam ser considerados.
Comercialista - Na opinião do sigualdades? Qual seria um modelo Considerados ao ponto de elas
senhor, como o licenciamento com- ideal para o Brasil? terem influência na gestão
pulsório de patentes de medica- Calixto Salomão Filho - Essa da parte da propriedade que
mentos contribuiria para a redu- é uma resposta longuíssima... afeta o rio. Então essa expe-
ção das desigualdades? Como eu estava dizendo, toda riência dos bens comuns, que
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10 Perfil REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

tem farto fundamento acadê- Comercialista - Recentemen- também no mesmo sentido


mico (valeu um prêmio Nobel te, tivemos duas decisões do STF (ou seja, nos distanciando da
a quem formulou, a Professo- muito polêmicas para o direito especialização), é talvez tão ou
ra Ostrom) e tem experiências concorrencial. No RE 664.189, ne- mais grave, porque ao anali-
práticas muito bem sucedidas, gou-se seguimento ao recurso do sar uma determinada questão
deve ser considerada numa re- CADE que questionava a compe- jurídica, nós precisamos sem-
alidade de bens escassos como tência exclusiva do Banco Cen- pre ter em conta os interes-
nós vivemos. tral para fiscalizar atos de con- ses envolvidos. Então no caso
centração no setor financeiro. Já da competência para analisar
AS INSTITUIÇÕES (CADE, no RE 627.709, o STF entendeu (e aliás, não é só uma questão
STF E UNIVERSIDADE) que decisões do CADE podem ser do CADE, porque essa deci-
Comercialista - O senhor publi- questionadas na Justiça Federal, são se aplica, em princípio, a
cou, neste ano, um artigo na Folha em qualquer localidade do país, e todas as autarquias, pois tem
intitulado “Concorrência e Inter- não somente em Brasília, onde a repercussão geral), nós preci-
venção na Economia”. Tendo em autarquia se localiza. Na opinião samos entender que o desti-
vista o artigo, o senhor considera do senhor, como essas decisões in- natário primeiro das decisões
que o CADE tem tomado uma pos- fluenciam o atual panorama con- do CADE e da regulação das
tura mais interventiva nos últi- correncial brasileiro? autarquias (isso inclui CVM e
mos anos? A nova Lei de Defesa da Calixto Salomão Filho - Eu tantos outros órgãos regula-
Concorrência teria alguma relação tenho uma opinião crítica em dores) são as empresas. Então
com essa postura, na sua visão? relação a ambas as decisões, e o interesse envolvido é o de
Calixto Salomão Filho - O a razão é mais ou menos se- grandes empresas. Portanto,
CADE tem, sim, tomado uma melhante. A nossa marcha tem o principio do acesso à justiça
postura mais interventiva. sido no sentido da especializa- (que é um princípio importan-
Particularmente, em relação a ção, tanto dos órgãos adminis- te) precisa ser parametrado e
cartéis. A nova lei pode ter um trativos quanto dos tribunais. analisado sempre em função
efeito para o futuro. Ela ain- Nos tribunais, a experiência do interesse envolvido e da
da é recente, portanto, nesse das varas especializadas, em- capacidade daquele interesse
sentido é difícil avaliar. Mas presariais e outras, tem sido de ter ou não acesso à justiça.
ela exige que o CADE, como muito bem sucedida. Ora, as É evidente que o consumidor
eu falei na resposta a uma decisões do Supremo repre- tem uma capacidade, mas a
pergunta anterior, seja mais sentam um passo atrás em empresa tem outra. O fato de
incisivo também em relação ambos os casos. No primeiro uma empresa ter de ir a uma
ao controle das estruturas, ou caso, porque retira do órgão vara especializada (eventu-
seja, proibindo quando neces- especializado em concorrên- almente distante de onde é
sário ou restringindo quando cia a capacidade de avaliar e domiciliada) não restringe o
necessário. Então, resumindo, de limitar o poder econômi- acesso à justiça dela, enquan-
a postura tem sido mais inci- co em um setor tão concen- to que para o consumidor isso
siva em relação a certas con- trado, como é o dos bancos. poderia ocorrer, devido à dis-
dutas (e isso é muito impor- E não adianta, porque o foco tância, dificuldade econômica,
tante, muito meritório), como na concorrência e na limita- etc,. Então essa decisão, que
é o caso dos cartéis, mas ela ção do poder econômico (nós se aplica primordialmente a
precisa ainda ser mais incisiva, sabemos) é do CADE. O Ban- grandes empresas, não é ne-
particularmente, em relação co Central nunca exerceu essa cessária para garantir o acesso
às estruturas. competência. Já no segundo à justiça. Caminha no sentido
caso, eu acho que o problema, contrário ao da especialização
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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Perfil 11

e dificulta sobremaneira a de- prédio mal construído cai, um a sociedade. Em relação à ex-
fesa dessas agências em juízo. paciente mal tratado continua periência no exterior, eu acho
doente ou piora...), no direito que é importante, mas com
Comercialista - Em sua visão, nós não medimos os efeitos. duas observações. Sempre que
como seria a faculdade de direito Então o raciocínio crítico que nós nos afastamos da nossa re-
ideal? A formação deveria abran- chegue ao ponto de identificar alidade, nós somos capazes de
ger quais áreas do conhecimento? qual o efeito de uma deter- refletir melhor sobre ela e tam-
Qual a importância da experiência minada regra, de uma deter- bém nós temos, às vezes, mais
no exterior? minada interpretação sobre a tranquilidade para a pesquisa.
Calixto Salomão Filho - Olha, sociedade, é fundamental para Então ir para fora, às vezes, nos
eu acho que a faculdade de que nós não apliquemos, sem tira de uma realidade que nos
direito ideal é a que faz o alu- saber, o direito errado, as so- assoberba muito e nos propicia
no pensar, sabe... Faz o aluno luções erradas. Como é que se mais possibilidades de pesqui-
pensar e faz o aluno ser crí- faz isso? É preciso que o direi- sa. Agora, eu queria fazer uma
tico. Eu te dou um exemplo: to se torne mais complexo, ou ressalva: não necessariamente
eu tenho tido, recentemente, seja, uma ciência interdisci- só nos centros tradicionais. É
muita alegria com um curso plinar, em que os alunos sejam importante, sim, ir para lá tro-
que eu tenho dado, sempre capacitados a entender esses car ideias. Lá tem muita infra-
com um colega de departa- efeitos, estudando outras ci- estrutura, grandes universida-
mento dando o curso regu- ências, como antropologia, des no hemisfério norte que
lar da matéria (sobre temas economia, sociologia, fazendo têm ótima infraestrutura. Mas
de direito empresarial, di- verdadeiros estudos interdis- muitas vezes lá nós não temos
reito societário, direito das ciplinares que não só avaliem acesso a problemas sociais se-
patentes...) e eu dando um melhor os interesses envolvi- melhantes aos nossos, então é
curso do avesso (meu curso dos pela norma, mas o efeito importante que nós descubra-
se chama ‘o avesso do direito da aplicação da norma sobre mos centros novos. Por exem-
societário’, ‘o avesso do direi- esses interesses. Para mim, plo, recentemente um aluno
to empresarial’...), mostrando essa é a faculdade ideal. Difícil nosso, ex-integrante do Gru-
como, na verdade, é possível de obter, mas é a faculdade que po Direito e Pobreza, foi para
interpretar as regras de for- nós temos que mirar, que te- a Índia trabalhar em uma ONG,
ma oposta a que são interpre- nha mais cursos que, portanto, e lá, para quem quer trabalhar
tadas pela visão tradicional. estimulem o raciocínio crítico, com medicamento, talvez seja
Meu objetivo é fazer com que que tenha mais matérias que o lugar certo para ir, porque é
os alunos pensem, critiquem estimulem a compreensão dos o lugar mais efervescente em
e cheguem às suas conclu- efeitos das normas. Matérias discussões sociais, em discus-
sões. Então eu acho que o que teóricas e não práticas, não no sões de novos medicamentos
nós precisamos é de raciocí- sentido corriqueiro, mas práti- a preço acessível. Então é pre-
nio crítico e de raciocínio que cas no sentido de fazer os alu- ciso que nós ampliemos esse
faça os alunos identificarem nos irem atrás de captar esses conceito do ‘ir para fora’, que
os efeitos das decisões e das efeitos, fazendo pesquisas em- não se restrinja só aos centros
interpretações deles sobre píricas, por exemplo, captando tradicionais, que são impor-
os interesses envolvidos. Por os efeitos das normas sobre a tantes e nos dão tranquilida-
que eu digo isso? Porque en- sociedade, para que eles este- de e infraestrutura, mas que
quanto em ciências exatas nós jam capacitados a entender es- também nós possamos ir a
sabemos bem mais precisa- ses efeitos e aplicar, portanto, laboratórios sociais semelhan-
mente os efeitos das coisas (um um direito que contribua para tes aos nossos.
Revista Comercialista
12 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

Concorrência e Arbitragem
no direito brasileiro
Hipóteses de incidência de questões
concorrenciais em arbitragens
Por Bruno Bastos Becker*

INTRODUÇÃO
O Direito da Concorrência e a Arbitragem são institutos bastante distin-
tos1, mas que, invariavelmente, acabam por ter uma importante conexão:
de modo geral, os agentes econômicos que mais se utilizam da arbitragem
como forma de resolução de conflitos, acabam sendo os que igualmente
são dotados de poder econômico. O resultado dessa fórmula parece ser a
consequente incidência de questões de ordem concorrencial em procedi-
mentos arbitrais2-3, podendo surgir como disputas contratuais em contratos
de longo prazo, como fornecimento, parcerias, joint ventures e até entre
acionistas e membros de associações, caso tais contratos possuam cláusula
compromissória4. Nessas hipóteses, o direito da concorrência poderia ser
utilizado pelas partes envolvidas em uma arbitragem tanto como um escudo
(i.e., como argumento de defesa), como uma espada (i.e., argumento de de-
manda)5.

1 Isabel Vaz apresenta interessante paralelo entre lo Salles; NEY, Rafael de Moura Rangel. Possibili- tados problemas de direito da concorrência, im-
os modus operandi dos dois institutos. (VAZ, Is- dade de Aplicação de Normas do Direito Antitruste peça um conhecimento mais alargado ou preciso
abel. Arbitrabilidade do Direito da Concorrência. pelo Juízo Arbitral. In: ALMEIDA, Ricardo Ramalho. desta realidade”. Ainda conforme o autor, haveria
Revista do IBRAC – Direito da Concorrência, Con- Arbitragem Internacional: Questões de doutrina e em Portugal um esforço para o levantamento de
sumo e Comércio Internacional, vol. 16, São Paulo, de prática. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003. informações sobre processos arbitrais em que
p. 353, janeiro 2009.) p. 335.) sejam suscitadas e apreciadas questões de direito
2 “Quando esses dois domínios do direito se cru- 3 Segundo Luis Silva Morais, haveria “[...] uma da concorrência realizado pela Associação Portu-
zam, o que não é raro, dadas a identidade de seus percepção empírica da relevância concreta das guesa de Arbitragem (APA). (MORAIS, Luis Silva.
principais atores e a potencialidade de reflexos no questões de direito da concorrência em Portu- Palavras Iniciais na Sessão de Abertura da Con-
mercado dos atos e acordos submetidos ao juízo gal nos últimos anos”, a despeito da [...] reserva ferência “Arbitragem e Direito da Concorrência”.
arbitral, surge a questão da arbitrabilidade dos que existe sobre várias decisões arbitrais, ou até Lisboa, 2012. Disponível em: http://www.insti-
litígios envolvendo a aplicação das normas do Di- sobre processos arbitrais que terminaram com tutoeuropeu.eu/images/stories/LM-Abertura-
reito da Concorrência” (CRISTOFARO, Pedro Pau- transações ou por acordo nos quais foram susci- -Conf-Arb-Conc-Arb-ADR.pdf)

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 13

É exatamente nesse contex- potencial para manobras táticas sob uma perspectiva mais foca-
to que o presente ensaio se in- objetivando interferir nos efeitos da no direito da concorrência,
sere, no exame da interação e apropriados de uma convenção tratando dos possíveis conflitos
da compatibilidade entre a ar- de arbitragem”10. com o instituto da arbitragem à
bitragem e o direito da concor- Ocorre que, a despeito da luz das normas nacionais – es-
rência. Em uma análise superfi- evolução da matéria no exte- pecialmente os diplomas norma-
cial, tais institutos poderiam ser rior, a especificidade das nor- tivos da Lei nº 12.529/2011 (Lei
considerados incompatíveis, de mas nacionais de ordem pública de Defesa da Concorrência, ou
modo que as questões concor- contidas nas normas relativas “LDC”), e Lei nº 9.307/96 (Lei de
renciais não seriam arbitráveis, ao direito da concorrência tor- Arbitragem).
pois poderiam ofender a ordem na a questão da arbitrabilidade Para tanto, o presente en-
pública6. Em outras palavras, muito complexa para ser tratada saio divide-se em três partes.
haveria uma oposição intrans- abstratamente (i.e., sem levar em Inicialmente, serão apresenta-
ponível entre, de um lado, o consideração as normas locais)11. das breves considerações sobre
princípio da autonomia das par- Faz-se necessária, portanto, uma o desenvolvimento da matéria
tes que rege a arbitragem, e, de investigação do tema à luz do di- no exterior, em especial nos Es-
outro, a máxima proteção visa- reito brasileiro. tados Unidos da América e na
da à ordem pública pelo direito No Brasil, a matéria é tratada União Europeia. Posteriormente,
da concorrência7. ainda de forma incipiente, abor- serão feitos breves apontamen-
Esse posicionamento parece dando-se basicamente a questão tos sobre as normas brasileiras
já ter sido superado em grande da arbitrabilidade12; discorrendo- de direito da concorrência. Por
medida pela doutrina8 e juris- -se sobre a aplicação, pelos árbi- fim, serão apresentadas hipóte-
prudência9 internacionais. Ten- tros, do direito da concorrência ses de incidência de questões de
do em vista a relevância que dis- em suas decisões. Usualmente, ordem concorrencial em proce-
cussões envolvendo o direito da considera-se o direito da con- dimentos arbitrais desenvolvidos
concorrência podem apresen- corrência de forma indistinta, no âmbito do direito brasileiro13.
tar em procedimentos arbitrais, sem analisar as diversas formas
caso tal matéria simplesmen- de sua incidência e aplicação. 1. DESENVOLVIMENTO DA
te fosse considerada como não Vislumbra-se, pois, a necessi- MATÉRIA NO EXTERIOR
arbitrável, “haveria um enorme dade da investigação da questão A interação entre o direito da

4 “Competition issues may arise before the arbitra- não pode ser objeto de juízo arbitral” (MATTOS China Time Ltd. e Benetton International NV (C-
tors in a number of ways. Generally, all contractual NETO, Antonio José de. Direitos Patrimoniais Dis- 126/97).
disputes between parties to a long-term contract, poníveis e Indisponíveis à Luz da Lei da Arbitra- 10 BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Di-
such as partnership disputes, disputes between gem. Revista de Processo, vol. 106, São Paulo, p. reito da Concorrência. Revista de Arbitragem e Me-
members of associations, or between shareholders, 221, abril 2002) diação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010.
or between the shareholders and the company, 7 IDOT, Laurence. Aribtration and Competition. 11 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e
disputes between parties of long-term vertical or In: ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERA- Internacional. São Paulo: Lex Magister, 2011, p. 109.
horizontal contracts such as joint-ventures, and, TION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Com- 12 “O termo ‘arbitrabilidade’ é habitualmente usado
finally, disputes over the terms of a license are petition 2010: Hearings. Disponível em <http:// para designar a susceptibilidade de uma controvér-
likely to be solved by arbitration if the underlying www.oecd.org/daf/competition/abuseofdomi- sia (ou litígio) ser submetida a arbitragem (CARA-
contract contains an arbitration clause” (BLAN- nanceandmonopolisation/49294392.pdf>. Acesso MELO, António Sampaio. Critérios de Arbitrabili-
KE, Gordon. Arbitrating Competition Law Issues. em: 20 set. 2012. p.53 dade dos Litígios. Revisitando o Tema. Revista de
Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 8 MOURRE, Alexis. Arbitrability of Antitrust Law Arbitragem e Mediação, vol. 27, São Paulo, p. 129,
2008. p. 91) from the European and US Perspective. In: BLAN- outubro 2010.)”.
5 BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Di- KE, Gordon; LANDOLT, Phillip. EU and US Anti- 13 Por questões de delimitação do tema, o foco do
reito da Concorrência. Revista de Arbitragem e Me- trust Arbitration. A Handbook for Practitioners. presente ensaio recairá na análise dos institutos à
diação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, luz do direito brasileiro, não sendo objeto, portan-
6 “Toda matéria que diz respeito à lei antitruste, 2011. p. 36 e ss. to, questões relacionadas à eventual aplicação de
Lei 8.884, de 11.06.1994, em que pese tratar de 9 Vide, em especial, Mitsubishi Motors Co. vs. Soler normas de direito concorrencial em arbitragens
relação jurídica de direito patrimonial disponível, Chrysler-Plymouth, 473 US 614 (1985) e Eco Swiss internacionais.

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14 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

concorrência e a arbitragem já “Second Look”, por meio da qual não tenha sido respondida pelo
foi alvo de debates em diversas os tribunais realizam, em âmbi- TJUE, entende-se que haveria,
jurisdições14, sendo as mais re- to de anulação ou homologação de fato, a necessidade de apli-
levantes decisões aquelas ado- de sentenças arbitrais, uma revi- cação da matéria pelos árbitros,
tadas nos Estados Unidos da são – em maior ou menor grau, pois, enquanto normas de ordem
América e na União Europeia, a isto é, maximalista ou minima- pública na União Europeia, não
seguir apresentadas. lista21– da decisão do tribunal poderiam deixar de ser conside-
Nos Estados Unidos da Amé- arbitral quando da incidência de radas e aplicadas em um proce-
rica, no caso American Safety, a questões concorrenciais em ra- dimento arbitral24.
decisão do US Second Circuit de zão da justificativa do interesse Note-se que, no caso Eco
196815 afirmou que o direito an- público envolvido22. Swiss, a decisão do TJUE dá um
titruste16 não seria compatível Na União Europeia, a questão passo além, acenando haver não
com a resolução de conflitos por da arbitrabilidade de questões só a possibilidade de tribunais
arbitragem17 e, assim, rejeitou a concorrenciais também foi alvo arbitrais decidirem questões
aplicação de questões concor- de decisões do Tribunal de Jus- concorrenciais – como ocor-
renciais em procedimentos arbi- tiça da União Europeia (“TJUE”). reu no caso Mitsubishi – mas
trais. Foi somente em 1985 com o No caso Eco Swiss23, a questão também o dever de os árbitros
paradigmático caso Mitsubishi18 envolvida dizia respeito à sus- suscitarem tais questões, sendo
que a Suprema Corte norte-a- pensão de execução de decisão necessário frisar a existência de
mericana reviu sua posição, pas- arbitral que condenou a empre- posicionamentos doutrinários
sando a aceitar a arbitrabilidade sa Benetton ao pagamento de contrários a tal dever25.
de questões de direito concor- indenização por perdas e danos Para além da discussão da ar-
rencial19. Atualmente, percebe- decorrentes de rescisão de con- bitrabilidade de questões con-
-se naquele país um conside- trato de licença. Neste sentido, correnciais, as recentes refor-
rável desenvolvimento teórico discutiu-se a necessidade de mas do Direito Comunitário da
e prático acerca da matéria20. os árbitros aplicarem ex oficio Concorrência26 ensejaram uma
A esse respeito, cabe mencionar o Direito Comunitário da Con- maior autonomia das partes em
o desenvolvimento da doutrina corrência, e embora tal questão relação à resolução privada de

14 Como afirma Alexis Mourre, em países como Ale- do not believe Congress intended such claims to vel em: <http://www.kluwerarbitration.com/>.
manha, Inglaterra, Holanda, Suécia, Nova Zelân- be resolved elsewhere than in Courts. […] The per- Acesso em: 20 set. 2012.; ROGERS, Catherine A.;
dia, o debate da arbitrabilidade de questões con- vasive public interest in enforcement of the anti- LANDI, Niccolò. Arbitration of Antitrust Claims
correnciais parece já estar superado (MOURRE, trust laws, and the nature of the claims that arise in in the United States and Europe. Disponível em
Alexis. Arbitrability of Antitrust Law from the such cases, combine to make […] antitrust claims < http://papers.ssrn.com >. Acesso em: 20 set.
European and US perspective. In: BLANKE, Gor- […] inappropriate for arbitration”. (MOURRE, 2012; e ZEKOS, Georgios I. Antitrust/Competition
don; LANDOLT, Phillip. EU and US Antitrust Alexis. Arbitrability of Antitrust Law from the Eu- Arbitration in EU versus U.S. Law. Journal of Inter-
Arbitration. A Handbook for Practitioners. Alphen ropean and US perspective. In: BLANKE, Gordon; national Arbitration, Alphen Ann Den Rijn, v. 25, n.
Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2011, p. LANDOLT, Phillip. EU and US Antitrust Arbitration. 1, p.1-29 , 2008.
5-67 p. 41 e ss.). A Handbook for Practitioners. Alphen Ann Den 21 Sobre o debate entre a aplicação da teoria mi-
15 American Safety Equipment Corp v. J.P. Maguire Rijn: Kluwer Law International, 2011, p. 5-67 p. 22 nimalista e maximalista, isto é, entre a maior ou
& Co. (BLANKE, Gordon. Arbitrating Competition e ss.) menor revisão do conteúdo das sentenças ar-
Law Issues. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law 18 Mitsubishi Motors Co. vs. Soler Chrysler- bitrais pelo judiciário, vide: BROZOLO, Luca G.
International, 2008. p. 45) Plymouth, 473 US 614 (1985). Radicati. Arbitragem e Direito da Concorrência.
16 Para fins do presente ensaio, os termos Direito 19 Deve-se, no entanto, fazer uma ressalva acerca Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 27, São Pau-
da Concorrência, Direito Concorrencial e Direito da diferença entre os sistemas jurídicos estran- lo, p. 162, outubro 2010.
Antitruste serão entendidos como sinônimos e geiros, especialmente do norte-americano no que 22 BLANKE, Gordon. Arbitrating Competition
adotados indistintamente. se refere ao enforcement da legislação antitruste Law Issues. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law
17 “[A] claim under the antitrust laws is not me- de forma privada. International, 2008. p. 98 Eco Swiss China Time
rely a private matter. Antitrust violation can affect 20 Por exemplo, vide LANDOLT, Phillip. EU and Ltd. e Benetton International NV (C-126/97)
hundreds of thousands, perhaps millions, of peo- US Antitrust Arbitration. Alphen Ann Den Rijn: 23 Eco Swiss China Time Ltd. e Benetton
ple and inflict staggering economic damage. We Kluwer Law International, 2011. 2210 p. Disponí- International NV (C-126/97)

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 15

disputas de ordem concorren- dagem por tribunais arbitrais. poder econômico que vise à do-
cial. Assim, debate-se, entre ou- Assim, a Arbitragem deveria ser minação dos mercados, à elimi-
tros temas, acerca da possibi- vista como uma ferramenta adi- nação da concorrência e ao au-
lidade de a Comissão Europeia cional para a correta aplicação mento arbitrário dos lucros”. De
ingressar em procedimentos ar- do Direito Concorrencial28. forma a sistematizar a aplicação
bitrais como amicus curiae, bem Outras questões levantadas da matéria, o Legislador criou no
como a utilização de procedi- pelo relatório da OCDE relacio- Brasil um complexo sistema pre-
mentos arbitrais pela Comissão nam-se à eventual obrigação de ventivo e repressivo de proteção
para o monitoramento de cum- os árbitros levarem as questões à concorrência.
primento de remédios compor- concorrenciais ao conhecimen- Assim sendo, a fim de facilitar
tamentais no âmbito do controle to das autoridades, aos proble- a compreensão e a apreciação
de concentrações (behavioural mas relacionados à execução de conceitos concorrenciais em
remedies)27. e revisão de sentenças arbi- procedimentos arbitrais, pro-
Nessa linha, cabe salientar trais, e à utilização da arbitra- põe-se uma dupla divisão me-
que até mesmo a Organização gem na aplicação de remédios todológica: a análise da matéria
para a Cooperação e Desenvol- em casos de controle de atos tanto a partir das formas de inci-
vimento Econômico (OCDE) já de concentração29. dência quanto a partir das esfe-
demonstrou preocupações so- ras de aplicação.
bre a interação entre Arbitragem 2. BREVES APONTAMEN-
e Concorrência. Em outubro de TOS SOBRE O DIREITO DA 2.1. Formas de Incidência
2010, foi realizada uma audiência CONCORRÊNCIA Nos termos do art. 1º da LDC30,
com alguns dos maiores espe- Para uma análise específica o Sistema Brasileiro de Defesa
cialistas na área para debater a da relação entre arbitragem e da Concorrência (“SBDC”) possui
questão. De acordo com as prin- direito da concorrência à luz do duas principais esferas de atua-
cipais conclusões da OCDE, a ar- direito brasileiro, faz-se neces- ção: preventiva e repressiva.
bitragem é uma ferramenta nor- sária breve incursão em alguns De um lado, a preventiva, re-
mal para a resolução de conflitos conceitos do direito concorren- gulada pelos arts. 88 e seguintes
e o seu emprego em questões cial pátrio. da LDC, verifica-se por meio do
concorrenciais tende a aumen- Nos termos do art. 170 da controle de concentrações, em
tar. Ainda, entendeu a OCDE que Constituição Federal, a Livre que o Conselho Administrativo
a utilização da arbitragem não Concorrência é princípio da or- de Defesa Econômica (“CADE”)
ameaçaria a aplicação do Direi- dem econômica nacional, sendo analisa previamente opera-
to da Concorrência, sendo des- que, nos termos do art. 173, § ções consideradas atos de con-
necessárias mudanças de abor- 4º, “[a] lei reprimirá o abuso do centração (e.g., fusões, aquisi-

24 Segundo Phillip Landolt, “If the Community 25 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO- tional, 2008. p. 78
courts had really wished EC competition Law to be OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration 28 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-
treated as unarbitrable, they would doubtless have and Competition 2010: Hearings. Disponível em OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration
found occasion to say so. Since at least 1982 with the <http://www.oecd.org/daf/competition/abuse- and Competition 2010: Hearings. Disponível em
Nordsee preliminary reference, the ECJ has been ofdominanceandmonopolisation/49294392.pdf>. <http://www.oecd.org/daf/competition/abuse-
content to let pass unmentioned any objection it Acesso em: 20 set. 2012. p. 12 ofdominanceandmonopolisation/49294392.pdf>.
might have had to the arbitration of competition 26 Trazidas especialmente pelo Regulamento Acesso em: 11 set. 2014. p. 12
law questions” (LANDOLT, Phillip apud MOUR- 1/2003. Para informações sobre o regulamento, 29 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-
RE, Alexis. Arbitrability of Antitrust Law from the vide: http://europa.eu/legislation_summaries/ OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration
European and US Perspective. In: BLANKE, Gor- competition/firms/l26092_pt.htm . Acesso em and Competition 2010: Hearings. Disponível em
don; LANDOLT, Phillip. EU and US Antitrust Arbi- 12 set. 2014. <http://www.oecd.org/daf/competition/abuse-
tration. A Handbook for Practitioners. Alphen Ann 27 BLANKE, Gordon. Arbitrating Competition Law ofdominanceandmonopolisation/49294392.pdf>.
Den Rijn: Kluwer Law International, 2011. p. 46) Issues. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law Interna- Acesso em: 11 set. 2014. p. 12 e ss.

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16 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

ções de participação societária, posição de preços monopolistas Essa classificação metodoló-


joint ventures). ao mercado, gerando a perda de gica entre condutas colusivas e
De outro, a atuação repres- bem-estar dos consumidores. unilaterais justifica-se por duas
siva ocorre por meio da investi- Nas condutas colusivas, por- razões.
gação e da sanção a infrações à tanto, há um caráter de combi- Primeiro, porque as condu-
ordem econômica (as chamadas nação, de acordo entre agentes tas colusivas, além de infrações
condutas anticoncorrenciais), econômicos. administrativas, são tipificadas
que podem ser divididas em dois As condutas unilaterais, tam- como crime nos termos da Lei
grupos: condutas unilaterais e bém conhecidas como abusos de nº 8.137/90 (“Lei de Crimes Eco-
condutas colusivas, sendo estas posição dominante, estão pre- nômicos”), ao passo que as uni-
executadas conjuntamente por vistas nos demais incisos do § 3º laterais são, atualmente, ilícitos
agentes econômicos, e aquelas do art. 36 da LDC e são as prá- administrativos. Nesse particu-
praticadas individualmente pe- ticas comerciais impostas – in- lar, a reforma aos crimes con-
los agentes econômicos, também dividualmente – por um agente tra a ordem econômica imposta
conhecidas como abuso de posi- econômico com poder de mer- pela LDC foi relevante, à medi-
ção dominante31. cado que tenham como objeti- da que alterou a redação do art.
As condutas colusivas, tam- vo ou resultado a eliminação da 4º da Lei de Crimes Econômicos
bém conhecidas como cartéis, concorrência. Aqui, importa des- (dada anteriormente pela Lei nº
estão previstas no art. 36, § 3, I tacar que as práticas unilaterais 8.884/94)35. Com isso, o legis-
da LDC. Segundo Paula Forgio- costumam ser impostas por meio lador restringiu a tipificação de
ni, as condutas colusivas seriam de contratos entre partes verti- crimes contra a ordem econômi-
definidas como “acordos entre calmente (e.g., contrato de for- ca como aquelas condutas pra-
concorrentes, atuais ou poten- necimento, distribuição, agência) ticadas de forma colusiva, i.e.,
ciais, destinados a arrefecer ou ou horizontalmente relacionadas “mediante qualquer forma de
neutralizar a competição entre (e.g., contratos entre concorren- ajuste36 ou acordo37 de empre-
eles”32. Seu objetivo principal tes)33. A título exemplificativo, as sas”.
é eliminar ou diminuir a con- condutas unilaterais englobam Com efeito, a partir da en-
corrência, mediante fixação de o aumento abusivo de preços; a trada em vigor da LDC – e em
preços, diminuição da oferta de discriminação de rivais; os pre- linha com as recomendações da
produtos no mercado ou a divi- ços predatórios; as políticas pro- OCDE38 – deixaram de ser con-
são geográfica dos concorren- mocionais (descontos); a venda siderados crimes os abusos de
tes em determinado território. casada; os acordos de exclusivi- poder econômico praticados
Por meio de tais acordos entre dade; a recusa de contratar; e a unilateralmente (i.e., condutas
concorrentes, viabiliza-se a im- fixação de preço de revenda34. unilaterais), descaracterizando-

30 A Lei nº 12.529/2011 entrou em vigor em 30 de acordos verticais ou horizontais, na qual o foco ciativa entre concorrentes pode decorrer a impo-
maio de 2012. Entre 1994 e 2012, o Direito Con- metodológico resta na relação econômica entre sição de práticas comerciais caracterizadas como
correncial foi tutelado pela Lei nº 8.884/94. A Lei os agentes, e (ii) à divisão entre condutas colusi- abuso de posição dominante.
nº 12.529/2011 trouxe profundas mudanças (i) na vas e unilaterais (ou abuso de posição dominante), 34 GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana
estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Con- cujo foco resta na conduta incorrida e nos efeitos Oliveira. Direito Antitruste. 3ª Edição. São Paulo:
corrência e (ii) no controle de estruturas. Toda- econômicos. Para os fins do presente ensaio, op- Saraiva, 2012, p. 139 e ss.
via, para fins do presente estudo, a alteração mais tou-se por adotar a segunda classificação, pois se 35 A nova redação do art. 4º da Lei de Crimes Eco-
relevante diz respeito à descriminalização de de- entende mais adequada para a análise proposta. nômicos deixou de tipificar condutas unilaterais
terminadas condutas anticompetitivas em decor- 32 FORGIONI, Paula A.. Os Fundamentos do Anti- anteriormente incluídas no rol de crimes econô-
rência da alteração da redação da Lei nº 8.137/90, truste. 5. ed. São Paulo: Editora Revista Dos Tribu- micos, especialmente nos incisos IV e seguintes: IV
como apresentado a seguir. nais, 2012, p. 338 - açambarcar, sonegar, destruir ou inutilizar bens
31 Há diversas metodologias adotadas pela lite- 33 Muito embora o artigo 90, IV da LDC considere de produção ou de consumo, com o fim de esta-
ratura para classificar as práticas concorrenciais. contratos associativos como atos de concentra- belecer monopólio ou de eliminar, total ou parcial-
Aqui, refere-se basicamente (i) à divisão entre ção, há hipóteses em que, de uma relação asso- mente, a concorrência; V - provocar oscilação de

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 17

-se “criminalmente várias dessas recente entendimento apresen- do CADE podem ser classificadas
condutas [anteriormente defini- tado pelo tribunal do CADE, con- entre condutas colusivas e unila-
das], apenas mantendo os casos dutas colusivas que se caracte- terais. Tal diferenciação será de
dos cartéis [i.e., condutas colusi- rizariam como cartel clássico grande utilidade para determi-
vas], para os quais dificilmente se seriam infrações definidas pelo narem-se as esferas de possível
configuram eficiências compen- objeto, havendo dispensa da pro- resolução de conflitos concor-
satórias que impliquem um efeito dução de provas sobre os efeitos renciais por arbitragem, o que se
líquido positivo da conduta”39. anticompetitivos pela presunção verá a seguir.
Segundo, tal distinção entre de ilicitude, bastando para a ca-
condutas colusivas e unilaterais racterização a comprovação da 2.2. Esferas de Aplicação
relaciona-se ao standard de pro- exteriorização da conduta41. Tal As três formas de incidência
va necessário para a verificação presunção dispensaria a autori- de questões concorrenciais aci-
do ilícito, i.e., quanto à necessi- dade concorrencial, o CADE, da ma descritas podem ser aplica-
dade ou não de comprovação de comprovação dos efeitos de de- das em diversas esferas: admi-
efeitos econômicos para sua ca- terminada ilicitude, transferindo nistrativa, criminal e cível.
racterização. O debate iniciado aos investigados o ônus de com- A primeira e mais conhecida
pela doutrina norte-americana provar que a restrição analisada esfera de aplicação – a adminis-
acerca da oposição entre ilícitos seria acessória a algum arranjo trativa – é exercida por meio do
per se e regra da razão40, possui lícito e com objeto distinto – e CADE. Nos termos do artigo 4
hoje, no Brasil, evolução teórica, ainda, que os efeitos benéficos da LDC, o CADE é entidade judi-
discernindo-se entre os ilícitos advindos de tal arranjo supera- cante que possui a competência
pelo objeto e pelo efeito. riam os riscos42. para aplicar as normas previs-
Nos termos do caput do art. Portanto, seja pela perspec- tas na lei. Compete a esse órgão,
36 da LDC, “constituem infração tiva da gravidade das condutas portanto, a investigação e impo-
da ordem econômica, indepen- (i.e., ilícitos administrativos e sição de penas, em âmbito admi-
dentemente de culpa, os atos sob crimes), seja pela perspectiva nistrativo, de condutas colusivas
qualquer forma manifestados, da necessidade da comprova- e unilaterais, bem como a análise
que tenham por objeto ou pos- ção dos efeitos econômicos por prévia de atos de concentração43.
sam produzir os seguintes efei- elas gerados (i.e., condutas pelo A segunda esfera de atuação –
tos”. Assim, ainda que haja even- efeito e pelo objeto), as condu- a criminal – é aplicável somente
tuais exceções, de acordo com tas objeto da prática repressiva às condutas colusivas tipificadas

preços em detrimento de empresa concorrente ou gerando uma obrigação de dar, de fazer ou não a segunda caracterizaria aqueles ilícitos que de-
vendedor de matéria-prima, mediante ajuste ou fazer’”( PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômi- mandariam uma investigação dos efeitos. Todavia,
acordo, ou por outro meio fraudulento; VI - vender co. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, como afirma Luis Fernando Schuartz, “[p]er se e
mercadorias abaixo do preço de custo, com o fim 2013.p. 51). rule of reason são, a rigor, padrões de investigação
de impedir a concorrência; VII - elevar, sem justa 38 CORDOVIL, Leonor. Disposições Finais e Tran- antitruste”, pois a presença de efeitos anticompei-
causa, os preços de bens ou serviços, valendo-se sitórias. In: CORDOVIL, Leonor et al. Nova Lei de tivos seriam sempre necessários” [...] “Logo, a ili-
de monopólio natural ou de fato. VII - elevar sem Defesa da Concorrência Comentada: Lei 12.529, citude per se de um determinado tipo de conduta
justa causa o preço de bem ou serviço, valendo-se de 30 de novembro de 2011. São Paulo: Editora (fixação de preços entre concorrentes, por exem-
de posição dominante no mercado. Revista dos Tribunais, 2011. p. 228. plo) não consiste na suposta independência em
36 Segundo Prado, “[p]or ajuste na seara penal, 39 MATTOS, Cesar apud TAUFICK, Roberto D. relaçao ao efeito anticompetitivo, mas sim (o que é
entende-se o acordo, livre e consciente, feito en- Nova Lei Antitruste Brasileira: a Lei 12.529/2011 muitíssimo diferente), na autorização para abreviar
tre vários indivíduos com o objetivo de praticar COMENTADA e a Análise Prévia no Direito da o percurso analítico necessário para provar que o
um fato punível” (PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Concorrência. São Paulo: Método, 2012, p. 509. efeito – real ou provável – é de fato anticompeti-
Econômico. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos 40 De acordo com grande parte dos autores, a di- tivo”. (SCHUARTZ, Luis Fernando. Ilícito Antitruste
Tribunais, 2013.p. 50-51) ferença entre regra per se e regra da razão restaria e Acordos entre Concorrentes. In: POSSAS, Mario
37 Para Diniz apud Prado, “acordo é ‘a conven- no fato de que a primeira caracterizaria ilícitos que, Luiz (Org.). Ensaios sobre Economia e Direito da
ção ou ajuste entre contratantes, conjugando para a condenação, não seria necessária a compro- Concorrência. São Paulo: Editora Singular, 2002. p.
suas vontades para a efetivação do ato negocial, vação dos efeitos anticompetitivos, ao passo que 113, 11797-134.)

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18 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

na Lei nº 8.137/90. Nessa hipó- inquérito ou processo adminis- processo administrativo – nos
tese, embora haja esforços para trativo, ou qualquer comunica- termos do art. 47 da LDC.
a persecução conjunta de tais ção prévia ao CADE. Seja em que esfera for inves-
crimes44, não há a necessidade As três formas de incidência tigada a conduta, além de serem
de existir um procedimento ad- do direito concorrencial brasi- independentes entre si os proce-
ministrativo no CADE em curso leiro, portanto, podem ser apli- dimentos, há de se destacar que
para que seja iniciada uma inves- cadas – originariamente46 – em igualmente independentes são
tigação criminal, e vice-versa. distintas esferas em cada caso os resultados, isto é, pode haver
A terceira e última esfera de (administrativa, criminal e cível). casos em que o CADE condene
atuação – a cível – foi estabele- Conforme já se aludiu, a aná- uma prática, mas o juízo criminal
cida pelo art. 47 da LDC45 para lise prévia de atos de concentra- absolva os investigados.
que os prejudicados por práticas ção é de competência exclusiva Portanto, a partir das defini-
anticoncorrenciais possam in- do CADE47. Além disso, a repres- ções acima descritas, serão tra-
gressar em juízo (a chamada liti- são a cartéis, considerados ilíci- çadas a seguir hipóteses de in-
gância privada) para a obtenção tos administrativos e crimes no cidência de questões de ordem
da cessação das práticas e a in- Brasil, podem ser investigados e concorrencial em procedimen-
denização pelos danos sofridos. julgados tanto em instância ad- tos arbitrais à luz do ordena-
Estão aptos a ingressar com ação ministrativa, como diretamente mento jurídico brasileiro.
judicial aqueles prejudicados por pelo Ministério Público e pela
quaisquer práticas anticompe- justiça criminal, sendo que os 3. HIPÓTESES DE
titivas, independentemente de prejudicados pelas práticas po- INCIDÊNCIA DE
serem colusivas ou unilaterais. A dem, ainda, ingressar em juízo
QUESTÕES DE ORDEM
litigância privada permite que os cível para a obtenção de indeni-
prejudicados, sejam eles consu- zação pelos danos sofridos. CONCORRENCIAL EM
midores, fornecedores, clientes Por fim, as condutas unila- PROCEDIMENTOS
ou concorrentes, demandem ju- terais podem ser investigadas ARBITRAIS NO DIREITO
dicialmente o ressarcimento dos em âmbito administrativo pelo BRASILEIRO
danos decorrentes das práticas CADE, podendo, igualmente, se- Como mencionado, há um nú-
anticoncorrenciais. Ressalta-se rem invocadas na esfera cível mero bastante reduzido de tra-
que o ajuizamento de ação de pelos prejudicados pelas práti- balhos a respeito da inter-rela-
reparação disposta no art. 47 da cas anticoncorrenciais – inde- ção entre arbitragem e direito da
LDC independe da existência de pendentemente do inquérito ou concorrência ora analisada sob a

41 Processo Administrativo nº 08012.010215/2007- ca de Estado, implicando atuação efetiva e arti- do inquérito ou processo administrativo, que não
96, Voto do Conselheiro Relator Eduardo Pontual culada de todos os agentes públicos envolvidos será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.
Ribeiro em 6 de março de 2012. com o tema.” (Estratégia Nacional de Combate a 46 Há de se considerar que quaisquer decisões
42 Processo Administrativo nº 08012006923/ Cartéis, disponível em: http://portal.mj.gov.br/ administrativas do CADE estão sujeitas à revisão
2002-18, Voto-vista do Conselheiro Marcos Paulo main.asp?View={87802C87-B7BE-4EAF-91DB- judicial, nos termos do artigo 5º, XXXV da Cons-
Veríssimo em 20 de fevereiro de 2003. F5843CEB74F2}&BrowserType=IE&LangID=pt- tituição Federal.
43 Por questões de delimitação do tema, não será br&params=itemID%3D%7B2AA1B152-B1A0- 47 Há discussões a respeito da possibilidade da
abordada no presente ensaio a hipótese de confi- 4501-8AF1-E2E46EB718DB%7D%3B&UIPartU- análise de atos de concentração ser realizada por
guração de ilícito concorrencial pela não notifica- ID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4C- juízos falimentares. Sobre o tema, vide: CRAVO,
ção de atos de concentração ao CADE, nos termos B26%7D) Daniela Copetti. Aplicação da teoria da failing
do art. 88, § 3º da LDC. 45 Art. 47. Os prejudicados, por si ou pelos legiti- company defense nos atos de concentração de-
44 “O cartel é crime e o mais grave ilícito à ordem mados referidos no art. 82 da Lei no 8.078, de 11 correntes da recuperação judicial: atribuição do
econômica, merecendo uma atuação coordena- de setembro de 1990, poderão ingressar em juí- CADE ou competência exclusiva do Juízo falimen-
da e integrada das diferentes autoridades res- zo para, em defesa de seus interesses individuais tar? Revista Magister de Direito Empresarial, Con-
ponsáveis por sua repressão. A Enacc possibilita ou individuais homogêneos, obter a cessação de correncial e do Consumidor, Porto Alegre, v. 8, n.
uma mudança de rumo no tratamento da crimi- práticas que constituam infração da ordem eco- 43, p. 84-106, fev./mar. 2012
nalidade organizada no Brasil, ao ressaltar o papel nômica, bem como o recebimento de indenização 48 Para a pesquisa realizada em 18.8.2014, foram
do combate a cartéis no contexto de uma políti- por perdas e danos sofridos, independentemente feitas duas buscas: “Arbitragem” e “Concorrên-

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 19

perspectiva brasileira, em espe- relações contratuais do Direito conduta, ou ainda, podem estar
cial sob a égide das recentes al- Privado”50. relacionadas a condutas colusivas
terações trazidas pela LDC. Um bom exemplo de incidên- ou condutas unilaterais. Todas
De forma a corroborar a au- cia de questões concorrenciais essas hipóteses possuem conse-
sência de trabalhos a respeito, em procedimentos arbitrais é o quências e desfechos distintos.
pesquisa jurisprudencial48 no STJ apresentado por José Gabriel de De antemão, importa traçar
e nos Tribunais de Justiça de al- Almeida: A e B celebram contra- um esclarecimento adicional
guns dos Estados com maior ati- to de distribuição de um produ- acerca da divisão metodológica
vidade comercial (SP, RJ, MG, DF, to com cláusula de exclusivida- entre condutas colusivas e uni-
PR, SC e RS) demonstra não ter de, garantindo ainda o direito laterais: a medida da “ordem pú-
ocorrido ainda no país, aparen- de A fixar o preço de revenda do blica”52 da questão concorrencial
temente, um debate em âmbi- produto. O contrato possui cláu- envolvida. Como afirma Luca Di
to judicial acerca da incidência sula compromissória e é levado Brozolo:
de questões concorrenciais em ao conhecimento do tribunal ar- As únicas infrações ao di-
procedimentos arbitrais49. bitral por B, alegando que teria reito da concorrência ca-
Todavia, a despeito da au- liberdade de fixar os seus pre- pazes de se qualificar como
sência de julgados e do reduzi- ços, havendo violação ao direito violações à ordem pública, e
do número de estudos em torno da concorrência51. Ocorre que o por isso de implicar a anu-
lação ou recusa de execução
da matéria no Brasil, a interação exemplo apresentado é uma par-
de uma sentença, são por-
entre o direito da concorrência cela pequena das hipóteses em tanto aquelas que seriamente
e a arbitragem – inicialmente que questões de ordem concor- põem em risco os objetivos da
vista como incompatível – tor- rencial podem surgir em proce- política concorrencial. 53
na-se, pois, necessária. Sob essa dimentos arbitrais.
perspectiva, entende-se que, na As questões concorrenciais Portanto, parece fazer senti-
evolução da aceitação da arbi- podem ser apresentadas como do o entendimento de que con-
trabilidade de questões concor- objeto central do litígio, ou po- dutas colusivas seriam aquelas
renciais, não haveria a supressão dem surgir de forma incidental de maior gravidade, aquelas que
do papel dos órgãos especiali- na instrução do procedimento; poriam em risco os objetivos
zados (i.e., CADE), mas sim uma podem surgir após a decisão do concorrenciais e, consequen-
“readaptação, pelo mercado, de CADE ou do judiciário a respeito temente, poderiam implicar a
uma modalidade dentre outras da conduta anticoncorrencial, ou anulação ou recusa à homolo-
de que ele dispõe, para assegu- podem surgir sem que haja qual- gação de sentenças54. Por outro
rar a eficácia da prática do Direi- quer suspeita pelas autoridades lado, condutas unilaterais teriam
to da Concorrência no plano das competentes da existência da menor potencial lesivo e não le-

cia”; e “Arbitral” e “Concorrência”, com resultados, 50 VAZ, Isabel. Arbitrabilidade do Direito da Con- Doméstica e Internacional: Estudos em Homena-
quando disponível a opção, em “ementas” corrência. Revista do IBRAC – Direito da Concor- gem ao Prof. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio
49 De acordo com a pesquisa proposta: (i) o STJ rência, Consumo e Comércio Internacional, vol. 16, de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 199 e 202).
não apresentou nenhum resultado, (ii) o TJSP São Paulo, p. 353, janeiro 2009. 52 A ordem pública é “um conceito jurídico inde-
apresentou 5 casos, sendo todos relacionados a 51 O autor baseia-se nos Arts 20, I e 21, XI da Lei terminado, na medida em que seu elevado grau
questões de “concorrência desleal”, (iii) o TJRJ não nº 8.884/94, que foram basicamente transpostos de ambiguidade e vagueza exige do intérprete
apresentou nenhum caso, (iv) o TJMG apresen- à LDC, no art. 36 I, e §2º IX. Embora seja de gran- constante preenchimento valorativo” sendo “mu-
tou somente um caso, relacionado à concorrên- de clareza e didática, o autor afirma só existir in- táveis as circunstâncias particulares a cada caso
cia pública, (v) o TJDFT não apresentou nenhum frações à concorrência se os agentes possuírem e as concepções do aplicador da norma” (ABBUD,
caso, (vi) o TJPR apresentou 16 casos, sendo que poder de mercado, o que, contudo, como apre- André de Albuquerque Cavalcanti. Homologação
nenhum se relacionava ao direito concorrencial, sentado anteriormente, nem sempre é verdade. de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. São Paulo:
(vii) o TJSC não apresentou nenhum caso, e (viii) o (ALMEIDA, José Gabriel Assis de. A Arbitragem e Editora Atlas, 2008. p. 204)
TJRS apresentou somente um caso, relacionado à o Direito da Concorrência. In: FERRAZ, Rafaella; 53 BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Di-
concorrência de jurisdição. MUNIZ, Joaquim de Paiva (Coord.). Arbitragem reito da Concorrência. Revista de Arbitragem e

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20 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

variam à anulação ou recusa à A primeira hipótese, e talvez comando da espécie ao caso


execução de sentenças arbitrais. aquela de mais clara resposta, em disputa. 58
Nesse sentido, entende-se haver envolve a situação em que se
considerável distanciamento en- submete à arbitragem um acor- Nesse sentido, de acordo com
tre as condutas unilaterais e as do (com cláusula compromissó- o já mencionado relatório da
colusivas – o que deve ser consi- ria) entre concorrentes no qual OCDE, nos últimos anos teria
derado caso-a-caso. se estipula, de forma conjunta, ocorrido uma mudança consi-
Assim, tendo como linha con- preços de bens ou serviços, o derável na relação entre cartéis
dutora a divisão entre os tipos volume (ou sua restrição) a ser e arbitragens, quando esta era
de condutas55, passa-se à aná- produzido ou ofertado, ou ainda utilizada como método para es-
lise das hipóteses de incidência a divisão geográfica de suas ati- capar das autoridades concor-
de questões concorrenciais em vidades. Tal acordo enquadrar- renciais59.
procedimentos arbitrais56. -se-ia nas hipóteses do art. 36 § A segunda hipótese igualmen-
3, I da LDC e no art. 4º da Lei de te parece possuir uma solução
3.1. Condutas Colusivas Crimes Econômicos e, enquanto pouco questionável. Imagine-
Na possível intersecção entre crime, não seria passível de de- -se que, após a decisão do CADE
arbitragem e direito da concor- cisão no sistema arbitral . Como
57
reconhecendo a existência de
rência, vislumbram-se três hipó- afirma Pedro Batista Martins: cartel entre diversas empresas,
teses de incidências de condu- um cliente de uma das empresas
tas colusivas em procedimentos A arbitragem não se presta
condenadas que firmou contra-
arbitrais: (i) arbitragens cujo a chancelar ilicitudes e com
elas não pode compactuar. to de fornecimento com cláusu-
objeto do litígio compreenda la arbitral possa ingressar com
Atente-se para o fato de que
condutas colusivas ainda não in- procedimento arbitral para de-
a inarbitrabilidade da questão
vestigadas e julgadas pelo CADE não se denuncia pelo sim- mandar os prejuízos decorrentes
ou pelo judiciário; (ii) arbitragens ples fato de envolver norma do aumento de preços derivados
cujo objeto do litígio seja con- de ordem pública. Há de se do cartel. Nesse caso, parece não
dutas colusivas que já tenham visualizar o elemento vio- haver oposições quanto à possi-
sido investigadas e julgadas pelo lador dessa regra cogente. bilidade de o juízo arbitral deci-
CADE ou pelo judiciário; (iii) ar- Reprime-se a decisão arbitral dir sobre a eventual necessidade
bitragens nas quais as condutas que infringe norma de ordem de indenização, nos termos do
colusivas sejam identificadas de pública ou a convenção que
art. 47 da LDC. Em tendo ocorri-
forma incidental. busca afastar a imposição de

Mediação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010. a análise da interação entre concorrência e ar- que há acordo mútuo entre as partes quanto à
p. 7. bitragem na atividade preventiva do controle de aplicação do direito da concorrência, (ii) a situ-
54 Nos termos dos arts. 2º, §2 e 39, II da Lei de atos de concentração. Nos termos do Relatório ação em que uma das partes invoca o direito da
Arbitragem. Ainda, sobre a nulidade de sentenças da OCDE, “[t]here is a very limited role for arbi- concorrência, (iii) a situação em que há acordo
arbitrais contrárias à ordem pública, segundo Pe- tration in the ex ante application of competition mútuo entre as partes para a desconsideração de
dro A. Batista Martins, “não se pode negar que a law, for example in mergers and state aid, as these normas de direito concorrencial pelos árbitros e,
lista do art. 32 da Lei de Arbitragem reflete, em si, areas remain the exclusive competence of the na- (iv) a situação em que o direito da concorrência
matérias elevadas à condição de ordem pública, tional competition authorities (NCAs)” (ORGANI- não é invocado pelas partes, intencionalmente ou
frente ao ordenamento jurídico nacional. Daí su- SATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND não. (BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e
por-se que a sentença que viola a ordem pública DEVELOPMENT. Arbitration and Competition Direito da Concorrência. Revista de Arbitragem e
se insere numa concepção interpretativa ampla e 2010: Hearings. 2012. p.11) Mediação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010).
analógica dos itens que compõem a lista do art. 32 56 Sob uma perspectiva distinta, Luca Di Brozolo 57 MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre
da Lei”. (MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos apresenta diversas hipóteses pelas quais ques- a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Foren-
sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora tões concorrenciais poderiam surgir em procedi- se, 2008. p. 9.
Forense, 2008. p. 319) mentos arbitrais, apresentando para cada caso, a 58 MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos so-
55 Portanto, não será objeto do presente ensaio conduta esperada dos árbitros: (i) a situação em bre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 21

do a proteção coletiva garantida árbitros de reportar a ciência de mente relacionado), a arbitra-


pelo CADE (e pelo judiciário), não tal conduta? gem não poderia ser utilizada
haveria óbice à disputa, em sede Considerando-se que con- como instrumento a proteger as
de arbitragem, para a verifica- dutas colusivas são tipificadas partes envolvidas em condutas
ção da incidência do dever de na Lei de Crimes Econômicos, a colusivas da ciência das autori-
indenizar e da quantificação da análise proposta assemelha-se à dades competentes.
indenização. Trata-se de direito incidência de quaisquer crimes Já o segundo questionamen-
disponível das partes60. tipificados pelo sistema jurídico to, i.e., se há algum dever de os
Por fim, a terceira e última hi- nacional. árbitros reportarem a ciência de
pótese relacionada às condutas Assim, no que se refere ao pri- tal conduta, parece ter uma res-
colusivas afigura-se como a que meiro questionamento, parece posta menos clara, havendo opi-
pode trazer maiores questiona- ser evidente que, ainda que não niões divergentes.
mentos. Imagine-se, por exem- seja o objeto direto do procedi- Cândido Rangel Dinamarco é
plo, uma disputa arbitral relativa mento arbitral, a existência de enfático ao afirmar que o árbi-
à matéria societária envolvendo um crime indiretamente relacio- tro não teria o dever de reportar
dois sócios de uma determinada nado à lide em questão já seria crimes às autoridades compe-
companhia, tendo como objeto suficiente para a anulação62 da tentes:
do litígio uma conduta plena- sentença arbitral, eis que feriria
mente lícita, mas que, ao longo a ordem pública. De forma con- Perante as partes, o árbitro
da instrução do procedimento trária, o instituto da arbitragem tem o compromisso de bem
arbitral, descobre-se ter um dos poderia ser utilizado para chan- aplicar o direito de regên-
sócios participado de um cartel celar ilícitos concorrenciais ain- cia do caso (salvo hipóteses
ainda desconhecido pelas auto- da que indiretamente envolvi- de julgamento por equidade)
mas perante a própria ordem
ridades concorrenciais ou pelo dos. É dizer, partícipes de cartéis jurídico-material do País seu
judiciário, ou, em outra hipóte- poderiam, mediante a utilização compromisso é nenhum. [...]
se, situação na qual já haja inves- da arbitragem em seus contratos Sem ser um guardião da le-
tigação em curso, porém, ainda de fornecimento e distribuição, galidade, o árbitro não tem
confidencial. Nesse caso, seria estipulando a confidencialidade qualquer compromisso com
válida61 a sentença arbitral que, no procedimento, estar sujeitos o interesse público, ao qual a
embora tivesse como objeto de a menor risco de descoberta do própria arbitragem não se as-
análise uma conduta lícita, fos- ilícito caso a questão concorren- socia.64
se relacionada, indiretamente, a cial não seja levantada ao longo
E segue:
uma conduta colusiva cuja apu- do procedimento63. Portanto,
ração ainda não se iniciou ou se seja pela primeira hipótese (ilí- Diante dessas realidades
concretizou nas outras esferas? cito como objeto da arbitragem), práticas, éticas e sistemáti-
Ainda, haveria algum dever dos seja por esta (ilícito indireta-

Forense, 2008. p. 7. não no âmbito individual” (ALMEIDA, José Gabriel sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora
59 “The situation has changed considerably in Assis de. A Arbitragem e o Direito da Concorrên- Forense, 2008. p. 313)
recent years and the time when arbitration was cia. In: FERRAZ, Rafaella; MUNIZ, Joaquim de Pai- 62 Vide Nota de Rodapé nº 61
perceived by cartels as a method for escaping va (Org.). Arbitragem Doméstica e Internacional: 63 Para exemplos dos diversos momentos e
the competition authorities is undoubtedly over” Estudos em Homenagem ao Prof. Theóphilo de formas pelas quais questões concorrenciais po-
(ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPE- Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Editora Forense, deriam surgir em procedimentos arbitrais, vide
RATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and 2008. p. 203). BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Direi-
Competition 2010: Hearings. 2012. p. 53). 61 Conforme afirma Pedro A. Batista Martins, o to da Concorrência. Revista de Arbitragem e Me-
60 “A distinção é sutil e encontra-se no fato que art. 32 da Lei de Arbitragem trata de nulidade de diação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010.
a proteção individual é apenas e tão-somente um sentença arbitral, muito embora “na realidade, os 64 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem
derivado e um reflexo da proteção coletiva. A in- casos elencados, em sua maioria, são de anulabi- na Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros
disponibilidade encontra-se no âmbito coletivo e lidade” (MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos Editores, 2013.p. 64-65

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22 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

cas, a confidencialidade da Nesse oportuno – e conside- A solução não parece de fácil


arbitragem deve prevalecer rando o referido exercício de mu- solução, cabendo aos tribunais
inclusive para o reconheci- nus publicum pelo árbitro – cabe decidirem a respeito – caben-
mento de que o árbitro não mencionar eventual extensão do do aos tribunais analisarem a
tem o dever de comunicar à dever de juízes reportarem cri- questão, decidindo-a de modo
autoridade competente even- mes às autoridades competentes a pacificá-la.
tuais infrações penais ou
prevista no art. 40 do Código de
tributárias de que venha a ter
conhecimento no exercício de Processo Penal68 aos árbitros, em 3.2. Condutas Unilaterais
seu munus. Mais que isso: ele uma análise conjunta com o art. Para condutas unilaterais,
tem o dever de não fazer tais 14 da Lei de Arbitragem69, segun- i.e., abuso de posição dominan-
revelações65. do o qual caberia aos árbitros os te, também podem ser aplicadas
mesmos direitos e deveres dos analogamente as mesmas três
Por outro lado, afirma Pedro juízes. hipóteses apresentadas acima:
Batista Martins que “o Estado não A esse respeito, Cretella Neto (i) arbitragens cujo objeto do lití-
pode abrir mão é da concretiza- afirma que a lei de arbitragem gio trata de condutas unilaterais
ção da justiça, no que toca seus equipararia os árbitros aos juízes ainda não investigadas e julgadas
elementos primários, essenciais de Direito70. Em sentido seme- pelo CADE ou pelo judiciário; (ii)
e fundamentais”. E continua afir- lhante, Carreira Alvim afirma que arbitragens cujo objeto do litígio
mando que “a exclusividade da “aplicam-se, no que couber, aos seja condutas unilaterais que já
atuação estatal deve se dirigir ao árbitros, o disposto na lei pro- tenham sido investigadas e jul-
controle dos vícios que violem cessual sobre os deveres e res- gadas pelo CADE ou pelo judiciá-
os direitos fundamentais do ci- ponsabilidades dos juízes” 71-72 . rio; e (iii) arbitragens nas quais
dadão e da coletividade, nomea- Parece haver argumentos re- condutas unilaterais sejam iden-
damente, a ordem pública rele- levantes sustentando ambas as tificadas de forma incidental.
vante66. Para o autor, os árbitros posições a respeito de even- A primeira hipótese relaciona-
se projetariam perante as partes tual dever de os árbitros re- -se aos precedentes estrangeiros
como uma longa manus estatal, portarem às autoridades com- mencionados (Mitsubishi e Eco
em um “verdadeiro exercício de petentes a ciência de crimes Swiss), em que se questionou a
munus publicum e, por esta ra- – dentre os quais se incluem os arbitrabilidade de questões con-
zão, estão submetidos a deveres crimes contra a ordem econômi- correnciais. O exemplo clássico
e obrigações especiais”67. ca dispostos na Lei nº 8.137/90. aqui é, pois, aquele mencionado

65 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem mento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, 71 ALVIM, J. E. Carreira. Comentários à Lei de Ar-
na Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros no que couber, os mesmos deveres e responsabi- bitragem (Lei nº 9.307, de 23/9/1996. 2. ed. Rio de
Editores, 2013.p. 65 lidades, conforme previsto no Código de Processo Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004. p.104.
66 MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitragem no Di- Civil. 72 Foram consultados outros comentadores à
reito Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012. P. § 1º As pessoas indicadas para funcionar como ár- Lei de Arbitragem, como Pedro Batista Martins
32-33. bitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da (MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a
67 MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos so- função, qualquer fato que denote dúvida justifica- Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Forense,
bre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora da quanto à sua imparcialidade e independência. 2008. p. 9.) e Carlos Alberto Carmona (CARMO-
Forense, 2008. p. 216. § 2º O árbitro somente poderá ser recusado por NA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um co-
68 Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que motivo ocorrido após sua nomeação. Poderá, en- mentário à Lei nº 9.307/96. 3ª Edição. São Paulo:
conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a tretanto, ser recusado por motivo anterior à sua Editora Atlas, 2009.), mas nenhum aborda na aná-
existência de crime de ação pública, remeterão ao nomeação, quando: a) não for nomeado, direta- lise do art. 14 o dispositivo relacionado a eventual
Ministério Público as cópias e os documentos ne- mente, pela parte; ou b) o motivo para a recusa equiparação de deveres e responsabilidades dos
cessários ao oferecimento da denúncia. do árbitro for conhecido posteriormente à sua árbitros e dos juízes.
69 Art. 14. Estão impedidos de funcionar como ár- nomeação. 73 ALMEIDA, José Gabriel Assis de. A Arbitra-
bitros as pessoas que tenham, com as partes ou 70 CRETELLA NETO, José. Comentários à lei de gem e o Direito da Concorrência. In: FERRAZ,
com o litígio que lhes for submetido, algumas das arbitragem brasileira. Rio de Janeiro: Forense, Rafaella; MUNIZ, Joaquim de Paiva (Coord.).
relações que caracterizam os casos de impedi- 2007. p. 95. Arbitragem Doméstica e Internacional: Estudos

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 23

anteriormente, no qual A e B ce- em procedimentos arbitrais de- vidade (eis que tipificadas na Lei
lebram contrato de distribuição veriam ser levantadas ao longo de Crimes Econômicos), e tam-
de um produto com cláusula de do procedimento, ao invés de se bém independem da verificação
exclusividade, garantindo ainda dar na decisão final, de forma a dos efeitos anticompetitivos (eis
o direito de A fixar o preço de garantir a resposta adequada das que se caracterizam como ilí-
revenda do produto. partes75 e evitar que sejam sur- citos pelo objeto), as condutas
Para José Gabriel de Almeida, preendidas com a decisão. unilaterais possuem menor po-
“o tribunal arbitral não pode se A segunda hipótese, qual seja, tencial lesivo e também deman-
escusar de aplicar o direito da arbitragens cujo objeto do litígio dariam maior nível de investiga-
concorrência em um determi- seja condutas unilaterais que já ção para sua caracterização.
nado litígio. Essa inescusabilida- tenham sido investigadas e jul- Para que seja configurada a
de [...] tem a ver com o caráter gadas pelo CADE ou pelo judi- ocorrência de abuso de posição
dispositivo, ou não, de determi- ciário – assim como ocorreu na dominante, é necessário (i) que
nadas normas da ordem públi- análise das condutas colusivas, seja comprovada a existência de
ca brasileira”73. Para o autor, o – não carece de maiores exames, poder de mercado no mercado
direito da concorrência deveria uma vez que as situações em específico relacionado à condu-
ser, inclusive, aplicado de ofício que verificada são decorrentes ta e, adicionalmente, (ii) que seja
pelo tribunal arbitral74. de procedimentos previamente comprovada a existência de efei-
Sobre essa hipótese, cabem investigados pelas autoridades tos anticompetitivos decorren-
ainda dois comentários. O pri- competentes e, por isso, não ha- tes do abuso do poder de merca-
meiro é o de que decisões de tri- veria o risco de a matéria não ser do. Portanto, ao menos que uma
bunais arbitrais sobre questões levada a conhecimento das auto- prática unilateral incidental fos-
concorrenciais devem se res- ridades competentes. se objeto do procedimento ar-
tringir (i) às partes envolvidas e Por fim, analisa-se a terceira bitral e, portanto, de necessária
àqueles direitos disponíveis ob- hipótese: a ocorrência de forma análise pelo tribunal, dificilmen-
jeto do litígio, nos termos do art. incidental de condutas unilate- te tal prática seria identificada
47 da LDC, sob pena de anulação rais em procedimentos arbitrais. pelos árbitros.
nos termos do art. 32, IV da Lei Como afirmado por Laurence Assim, parece haver uma
de Arbitragem e (ii) aos direitos Idot, essa seria a hipótese mais questão prática relacionada à
disponíveis envolvidos , nos ter- comum de incidência de ques- comprovação do abuso de posi-
mos do art. 1º da Lei de Arbitra- tões concorrenciais em procedi- ção dominante a impossibilitar
gem. O segundo é que, de acordo mentos arbitrais76. a identificação pelos árbitros
com o relatório da OCDE, ques- Diferentemente das condutas de tal ilícito. Ainda, não pare-
tões concorrenciais que surgem colusivas, que são de maior gra- ce haver obrigação de reportar

em Homenagem ao Prof. Theóphilo de Azeredo Internacional: Estudos em Homenagem ao Prof. não é possível às partes interessadas em valer-
Santos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: -se da arbitragem para solucionar seu litígio
p. 208. Editora Forense, 2008. p. 208.) furtarem-se à incidência das normas nacionais
74 “Um corolário da aplicação obrigatória do 75 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERA- sobre a questão – se pretendem que o laudo
direito da concorrência é a aplicação de ofício TION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Com- tenha efeitos nesse país. Ainda que os interes-
desse mesmo direito. Pode acontecer que as petition 2010: Hearings. 2012. p. 9. sados pactuem a realização do processo arbi-
partes não invoquem, perante o tribunal arbi- 76 IDOT, Laurence. Arbitration and Competi- tral no exterior, a eficácia do decisum no Bra-
tral, o direito da concorrência. Mesmo assim, o tion. In: ORGANISATION FOR ECONOMIC CO- sil estará sempre subordinada à observância
tribunal arbitral está vinculado á aplicação do -OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration daqueles preceitos legais. Evita-se, com isso,
direito da concorrência, que deve ser invocado and Competition 2010: Hearings. Disponível em sejam fraudadas normas integrantes da ordem
de ofício pelo referido tribunal“ (ALMEIDA, José <http://www.oecd.org/daf/competition/abuse- pública nacional.” (ABBUD, André de Albuquer-
Gabriel Assis de. A Arbitragem e o Direito da ofdominanceandmonopolisation/49294392.pdf>. que Cavalcanti. Homologação de Sentenças Ar-
Concorrência. In: FERRAZ, Rafaella; MUNIZ, Jo- Acesso em: 20 set. 2012. p.59 bitrais Estrangeiras. São Paulo: Editora Atlas,
aquim de Paiva (Coord.). Arbitragem Doméstica e 77 Sobre o tema, André Abbud afirma que “[...] 2008. p. 199)

Revista Comercialista
24 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

tais condutas às autoridades aprofundamento do estudo es- bitragem Comercial e Interna-


competentes, visto que – ao não pecialmente no que diz respei- cional. São Paulo: Lex Magister,
configurarem crimes – não se to à eventual necessidade de 2011.
enquadram no âmbito do dever os árbitros informarem às au- BLANKE, Gordon. Arbitrating
previsto no art. 40 do Código de toridades competentes a exis- Competition Law Issues. Alphen
Processo Penal. tência de condutas colusivas. Ann Den Rijn: Kluwer Law Inter-
Ainda que tenham fugido do es- national, 2008
CONCLUSÕES copo do presente ensaio, mere- BLANKE, Gordon; LANDOLT,
A questão da arbitrabilida- cem igualmente futura análise Phillip. EU and US Antitrust Ar-
de de questões concorrenciais questões referentes (i) à homo- bitration. A Handbook for Prac-
parece já ter sido superada em logação de sentenças arbitrais titioners. Alphen Ann Den Rijn:
âmbito internacional e nacional, estrangeiras77 e a eventual revi- Kluwer Law International, 2011
admitindo-se, no Brasil, que árbi- são de sentenças arbitrais pelo BROZOLO, Luca G. Radicati.
tros decidam a respeito de ques- judiciário envolvendo questões Arbitragem e Direito da Concor-
tões concorrenciais. Todavia, a concorrenciais, bem como (ii) à rência. Revista de Arbitragem e
fim de se evitar generalizações, relação entre a confidencialida- Mediação, vol. 27, São Paulo, p.
há que se diferenciar as distintas de de procedimentos arbitrais e 162, outubro 2010.
formas de incidência do direito a ordem pública de questões de CARAMELO, António Sam-
da concorrência. Nesse sentido, ordem concorrencial. paio. Critérios de Arbitrabilidade
a divisão metodológica proposta dos Litígios. Revisitando o Tema.
evidencia a diversidade de for- REFERÊNCIAS Revista de Arbitragem e Media-
mas de interação entre o direito BIBLIOGRÁFICAS ção, vol. 27, São Paulo, p. 129, ou-
da concorrência e a arbitragem ABBUD, André de Albuquer- tubro 2010.
e, consequentemente, soluções que Cavalcanti. Homologação CARMONA, Carlos Alberto.
diversas para cada caso. de Sentenças Arbitrais Estran- Arbitragem e Processo: um co-
Merece destaque o fato de geiras. São Paulo: Editora Atlas, mentário à Lei nº 9.307/96. 3ª
que a legislação brasileira consi- 2008. Edição. São Paulo: Editora Atlas,
dera crime determinadas práti- ALMEIDA, José Gabriel Assis 2009.
cas anticompetitivas, o que afeta de. A Arbitragem e o Direito da CORDOVIL, Leonor. Dispo-
consideravelmente as conclu- Concorrência. In: FERRAZ, Ra- sições Finais e Transitórias. In:
sões acerca da arbitrabilidade de faella; MUNIZ, Joaquim de Paiva CORDOVIL, Leonor et al. Nova
questões envolvendo o direito da (Coord.). Arbitragem Doméstica Lei de Defesa da Concorrência
concorrência. e Internacional: Estudos em Ho- Comentada: Lei 12.529, de 30 de
Portanto, nesse espectro de menagem ao Prof. Theóphilo de novembro de 2011. São Paulo:
possíveis hipóteses de incidên- Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Editora Revista dos Tribunais,
cia de questões concorrenciais Editora Forense, 2008. p. 197-212. 2011. p. 225-229.
em procedimentos arbitrais, as ALVIM, J. E. Carreira. Comen- CRAVO, Daniela Copetti.
soluções são igualmente diver- tários à Lei de Arbitragem (Lei nº Aplicação da teoria da failing
sas, devendo se levar em conta as 9.307, de 23/9/1996. 2a. ed. Rio company defense nos atos de
características de cada conduta de Janeiro: Editora Lumen Juris, concentração decorrentes da
analisada, não podendo o direito 2004. recuperação judicial: atribuição
da concorrência ser ignorado ou ALVIM, J. E. Carreira. Direito do CADE ou competência exclu-
negligenciado. Arbitral. 3ª Edição. Rio de Janei- siva do Juízo falimentar? Revista
Como agenda de pesquisa, ro: Forense, 2007. Magister de Direito Empresarial,
vislumbra-se a necessidade do BAPTISTA, Luiz Olavo. Ar- Concorrencial e do Consumidor,

Revista Comercialista
REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 25

Porto Alegre, v. 8, n. 43, p. 84- www.institutoeuropeu.eu/ima- de normas de ordem pública nos


106, fev./mar. 2012 ges/stories/LM-Abertura-Con- laudos arbitrais. Revista dos Tri-
CRETELLA NETO, José. Co- f-Arb-Conc-Arb-ADR.pdf. Aces- bunais, vol. 606, São Paulo, abril
mentários à lei de arbitragem so em 8.9.2014. 1986
brasileira. Rio de Janeiro: Foren- MOURRE, Alexis. Arbitrabil- TAUFICK, Roberto D. Nova
se, 2007. ity of Antitrust Law from the Lei Antitruste Brasileira – A
CRISTOFARO, Pedro Pau- European and US perspective. Lei 12.529/2011 COMENTADA
lo Salles; NEY, Rafael de Moura In: BLANKE, Gordon; LANDOLT, e a Análise Prévia no Direito da
Rangel. Possibilidade de Aplicação Phillip. EU and US Antitrust Ar- Concorrência. São Paulo: Méto-
de Normas do Direito Antitruste bitration. A Handbook for Prac- do, 2012.
pelo Juízo Arbitral. In: ALMEIDA, titioners. Alphen Ann Den Rijn: VAZ, Isabel. Arbitrabilidade do
Ricardo Ramalho. Arbitragem In- Kluwer Law International, 2011, Direito da Concorrência. Revista
ternacional: Questões de doutri- p. 5-67 do IBRAC – Direito da Concor-
na e de prática. Rio de Janeiro: MOURRE, Alexis. Arbitration rência, Consumo e Comércio In-
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DINAMARCO, Cândido Ran- the Duties of the Arbitrator. In: 353, janeiro 2009.
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do Processo. São Paulo: Malheiros Kluwe Law Internatinoal 2006,
Editores, 2013. Volume 222, p. 95-118
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damentos do Antitruste. 5. ed. NOMIC CO-OPERATION AND
São Paulo: Editora Revista Dos DEVELOPMENT. Arbitration and
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GABAN, Eduardo Molan; DO- sponível em <http://www.oecd.
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Paulo: Saraiva, 2012. tion/49294392.pdf>. Acesso em:
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Apontamentos sobre a Lei de Ar- PACHIKOSKI, Silvia Rodrigues
bitragem. Rio de Janeiro: Editora P.. Antitruste e Arbitragem. In:
Forense, 2008. Revista Direito Ao Ponto: CIESP
MARTINS, Pedro A. Batista. - FIESP, Rio de Janeiro, v. 7, p.44-
* Bruno Bastos Becker
Arbitragem no Direito Societário. 46, 2011 Mestrando em Direito Comercial USP,
São Paulo: Quartier Latin, 2012. PRADO, Luiz Regis. Direito advogado do Barbosa, Müssnich &
MATTOS NETO, Antonio José Penal Econômico. 5ª Ed. São Pau- Aragão Advogados, diretor do Instituto
de. Direitos Patrimoniais Dis- lo: Editora Revista dos Tribunais, de Direito e Economia do Rio Grande do
Sul (IDERS).
poníveis e Indisponíveis à Luz 2013.
O autor agradece à doutoranda Giova-
da Lei da Arbitragem. Revista de SCHUARTZ, Luis Fernando. na Valentiniano Benetti pela cuidadosa
Processo, vol. 106, São Paulo, p. Ilícito Antitruste e Acordos entre revisão do texto do artigo, bem como ao
221, abril 2002. Concorrentes. In: POSSAS, Mario advogado Rafael Xavier e a acadêmica
MORAIS, Luis Silva. Palavras Luiz (Org.). Ensaios sobre Eco- Mariane Piccinin Barbieri pelos aten-
tos comentários ao texto. Na pessoa de
Iniciais na Sessão de Abertu- nomia e Direito da Concorrên-
Rodrigo Fialho Borges, o autor também
ra da Conferência “Arbitragem cia. São Paulo: Editora Singular, agradece o convite formulado pelo cor-
e Direito da Concorrência”. Lis- 2002. p. 97-134. po editorial da Revista Comercialista
boa, 2012. Disponível em: http:// STRENGER, Irineu. Aplicação para participar desta obra.

Revista Comercialista
26 REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

Instrumentos Jurídicos
e Diálogo Institucional
nos Grandes Projetos de
Mobilidade Urbana: o caso
do PMI da linha 6 do metrô
de São Paulo
Por Pedro do Carmo Baumgratz de Paula*

Em 18 de dezembro de 2013, “A Linha 6-Laranja será inte-


deste estudo, trata-se do mais
o Governo do Estado de São gradora e proporcionará mais complexo4 contrato de parce-
Paulo anunciou a celebração sinergia ao transporte metro- ria público-privada em mobili-
do contrato de concessão pa- ferroviário. A linha sairá de São
dade urbana já celebrado pelo
trocinada com o Consórcio Joaquim, passará pelas univer-Estado de São Paulo.
MOVE1 para fins de construção sidades, cruzará o Rio Tietê e Portanto, o estudo dessa li-
irá até Freguesia do Ó e Brasi-
e operação da linha 6 – Laranja nha de metrô evoca a análise
lândia. Trata-se de uma grande
– do metrô.2 obra.” 3 de diferentes temas relativos
A linha 6 – também conhe- aos grandes projetos urbanos,
cida como “linha das universi- Aparte da óbvia conota- a saber: mobilidade urbana e
dades” - já que cruzará regiões ção política da relevância dada sua conexão com outros seto-
próximas à FGV (futura estação pelo governador à celebração res sociais, parcerias público-
14bis), Mackenzie, PUC e FAAP deste contrato, a linha 6 tam- -privadas, diálogo institucio-
- teve sua importância ressal- bém é um importante caso nal, entre outros.
tada pelo governador Geraldo para fins de análise acadêmi- Todos esses temas serão
Alckmin: ca. Conforme se verá ao longo abordados neste breve artigo
5

Revista Comercialista
REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 27

com a finalidade de obter me- cente experiência prática do apenas 20% dos não-usuá-
lhores entendimentos a respei- Estado de São Paulo. rios de transporte público não
to de uma temática geral, qual 1. O Transporte Público se tornaria usuário desta mo-
seja: quais instrumentos jurídi- Urbano e os investimentos dalidade sob nenhuma condi-
cos são capazes de auxiliar as em Infraestrutura ção. Podendo-se concluir, as-
políticas públicas a serem me- O deslocamento e a movi- sim, que 80% dos usuários de
lhor concretizadas e assim in- mentação das pessoas no es- meios de transporte privados
crementar o desenvolvimen- paço são condições para a re- o fazem em razão da ineficiên-
to econômico e social do país? alização das atividades em que cia na prestação (rapidez; pre-
Esta pergunta ampla que nor- estão envolvidas. Assim, a es- ço; e conforto são os principais
teia a presente pesquisa des- truturação de um sistema de fatores de ineficiência men-
dobra-se em um questiona- mobilidade urbana efetivo e cionados) ou mesmo da insufi-
mento mais específico: como a eficiente consiste em elemen- ciência/inexistência de oferta
utilização dos Procedimentos to central da organização e da de transporte público urbano.
de Manifestação de Interesse evolução de uma sociedade. A A inadequação do servi-
(PMIs) - na celebração de PPPs mobilidade das pessoas e das ço de transporte público urba-
- pode auxiliar ou prejudicar a mercadorias afeta a qualidade no às necessidades da popula-
realização de grandes projetos de vida da população, geran- ção é um problema que afeta
urbanos? do externalidades no desem- a maioria dos grandes centros
Para tentar responder às penho das atividades econô- urbanos brasileiros (IPEA,
questões acima, é necessário micas. Não sendo concretizada 2011a), mas é especialmente
analisar três grandes tópicos: de maneira adequada, ela pio- grave na região metropolitana6
a relevância e as peculiarida- ra as desigualdades sócioespa- de São Paulo (RMSP), cuja po-
des do setor de transporte pú- ciais e pressiona as já frágeis pulação estimada é de, apro-
blico urbano no Brasil; a evolu- condições de equilíbrio am- ximadamente, 20 milhões de
ção da celebração de contratos biental nos espaços urbanos. pessoas ou 10,77% da popula-
de PPPs no Brasil; e a perspec- (IPEA, 2011a) ção do país7 (VASCONCELLOS,
tiva teórica do diálogo e do ex- De acordo com dados de 2005a). Destes, de acordo com
perimentalismo institucional. percepção social do IPEA pesquisa da Companhia do
A partir do estudo desses três (2011b), nos grandes centros Metropolitano (METRO, 2007),
tópicos será possível fazer uma urbanos brasileiros, aproxi- 55,3% são usuários do sistema
breve, mas (acredita-se) bem madamente 60% da população de transporte público urbano,
informada, análise do caso do se vê dependente do sistema ao passo que 44,7% se valem de
PMI da linha 6 do metrô e, com de transporte público urbano. meios privados de transporte8.
isso, retirar conclusões da re- A mesma pesquisa aponta que O tempo médio de percurso

1 Composto pelas empresas Odebrecht, Queiroz 4 As justificativas desta qualificação serão expos- entre bairros com, no mínimo, 72 moradias não
Galvão, UTC Participações e Fundo Eco Realty. tas no tópico pertinente. ultrapassa 14 kilômetros. Ver EMPLASA, 2013.
2 Conforme noticiado, entre outros meios, pelo 5 Muito embora a estrutura textual do presente 7 Números depreendidos dos dados estimados
jornal Estado de São Paulo: http://www.estadao. estudo seja de artigo científico seu conteúdo e pelo IBGE disponíveis em http://www.ibge.gov.
com.br/noticias/cidades,alckmin-anuncia-li- “espírito” se aproximam aos de um ensaio (tam- br/home/estatistica/populacao/estimativa2011/
nha-6-para-2018-e-fala-de-demora-em-obras- bém acadêmico) exploratório, em virtude de ex- estimativa.shtm , acesso em 10 de junho de 2012.
-do-metro,1110071,0.htm plorar tema recente e sugerir encaminhamentos 8 Interessante destacar que este números, apu-
3 Trecho retirado do site de informações gerais de pesquisa mais detalhada que só poderão ser rados em São Paulo no ano de 2007, são bastante
sobre a linha, da Secretaria de Transportes Metro- efetuados com o decorrer do tempo. próximos àqueles constatados em 2011 pelo IPEA
politanos: http://www.stm.sp.gov.br/index.php/ 6 Ou mesmo “macrometropolitana”, já que con- em pesquisa de percepção social (IPEA 2011b),
obras/parcerias-publico-privadas-ppp/linha-6 globa 4 regiões metropolitanas cuja distância quando o objeto de estudo eram os grandes cen-

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28 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

por viagem no transporte pú- A infraestrutura de trans- Estes indicadores das defi-
blico, na RMSP, é de 67 minu- portes é inadequada neste país ciências do serviço de trans-
tos enquanto no transporte in- de dimensões continentais. (…) porte público urbano no Brasil
dividual é de 31 minutos. O metrô de São Paulo, o úni- e na RMSP refletem, em grande
A atual situação, no Brasil co sistema no Brasil que atin- medida, a falta de investimen-
e em São Paulo, foi assim sin-
ge altos padrões de qualidade,
tos no setor a partir da segun-
possui somente 74 km de ex-
tetizada em relatório elabora- tensão, para servir uma região da metade da década de 19809
do pela revista The Economist metropolitana de 20 milhões de até o final dos anos 9010, assim
(ECONOMIST INTELLIGENCE habitantes espalhada por uma como o crescimento da opção
UNIT, 2011): área de 8 mil km2. O Rio (popu- pelo transporte individual (BN-
“Em 2010, o produto inter- lação: 11,5 milhões) possui me- DES, 1997; IPEA, 2011a11; NO-
no bruto do Brasil (PIB) cresceu nos de 50 km. Por comparação, BRE, 2004; VASCONCELLOS et
7,5% em termos reais (a taxa Madri oferece 300 km de tri- al., 2011).
mais elevada em 25 anos). De- lhos para servir a uma popula- De acordo com a literatu-
pois de desacelerar para cerca ção de 5 milhões de habitantes, ra (VASCONCELLOS et al, 2011;
de 3,6% em 2011, o Economist enquanto a área metropolitana
Intelligence Unit prevê um GOMIDE, 2008), para além da
de Nova York (população: cerca
crescimento médio anual de falta de “vontade política”, a re-
de 19 milhões) possui mais de
4,5% no médio prazo. 400 km de trilhos subterrâneos. dução nos investimentos se
O desenvolvimento da infra- A discrepância é parcial- deveu, principalmente, a dois
estrutura de transporte público mente o resultado de um início fatores: a crise fiscal dos anos
urbano está aquém ao cresci- tardio na construção de siste- 80, e a municipalização e con-
mento econômico há décadas. mas subterrâneos. O sistema sequente desvinculação de re-
As redes de metrô servem, rela- de metrô de Londres funciona cursos federais ao financia-
tivamente, a poucos; os ônibus desde 1863, enquanto a primei- mento de transportes públicos
são quase sempre de baixa qua- ra linha de São Paulo foi inau- operada pela Constituição Fe-
lidade e lotados, além de com- gurada em 1974. Mas a Cidade deral de 198812.
petir por espaço com os carros do México começou a construir
particulares. Dadas essas con- Tendo em vista esses pro-
seu sistema de metrô à mesma
dições, a classe média, em rá- blemas, bem como a extin-
época que São Paulo e, agora,
pida expansão, escolheu carros possui três vezes mais trilhos.” ção da Empresa Brasileira de
e motocicletas como principal (p. 3-5) Transportes Urbanos (EBTU),
meio de transporte. foi criado na Secretaria Espe-

tros urbanos brasileiros; o que reforça a credibili- tivas de financiamento (como taxas de transporte, 10 “Embora as recomendações da política de
dade de ambas pesquisas. contribuições de melhoria, selo pedágio, taxas de transportes, desde pelo menos a década de 70
9 “Se entre meados da década de 1970 e 1980 acessibilidade, títulos de privatização etc.) e a re- apregoem a prioridade ao transporte coletivo, o
parecia haver considerável oferta de recursos discussão do próprio conceito de tarifa e sua rela- que se constata, de um modo geral, é justamente
federais para o financiamento de planos, infra- ção com teoria da produção no setor de transpor- um aumento do transporte individual e uma que-
estrutura e sistemas de transportes urbanos, na te urbano (LIMA, 1992). da do transporte realizado tanto por ônibus como
segunda metade dos anos 1980 e início dos anos Embora a tarifa assumisse, cada vez mais, o papel sobre trilhos, notadamente quando comparados
1990 houve uma estiagem nas fontes de recursos. da principal e mais permanente fonte de recur- à evolução da população. (…) A política de finan-
Segundo Lima (1992), a receita tarifária e os re- sos, a fim de cobrir despesas de operação e cus- ciamento sofreu, no entanto descontinuidades,
cursos orçamentários (formado por arrecadação teio do transporte urbano, a falta de fontes extras a partir da década de 80, quando as dificuldades
de tributos não vinculados) teriam constituído as de financiamento estáveis para provisão de infra- apresentadas ao financiamento do setor público
principais fontes de financiamento do transporte estrutura adequada e a ausência de uma política impediram de se atingir as metas previstas de in-
público urbano até início dos anos 1980. de financiamento para o setor conduziram à es- vestimento no setor ferroviário, além de restrin-
Com a crise fiscal do estado, a partir de 1982, a tagnação quase total dos investimentos ao longo gir também o financiamento aos Estados e Mu-
estiagem de fundos setoriais de financiamento da década de 1990.” (VASCONCELLOS et al., 2011, nicípios, responsáveis, basicamente, pelo sistema
suscitou a discussão em torno de fontes alterna- p. 40) rodoviário de passageiros.” (BNDES, 1997, p. 6-7)

Revista Comercialista
REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 29

cial de Desenvolvimento Ur- nais, na reunião geral da Frente se consolidou no ano de 2012,14
bano da Presidência da Repú- Nacional de Prefeitos em 2007 quando diversos investimentos
blica, no ano 2000, um grupo – do envio pelo Presidente da em mobilidade urbana foram
(GTrans) para estudar e pro- República de um projeto de lei anunciados por meio das Por-
por soluções para o transpor- de diretrizes da política de mo- tarias 185 e 328 de 2012 do Mi-
te público urbano no Brasil. bilidade urbana ao Congresso nistério das Cidades.
Este grupo, aliado a uma sé- Nacional. (GOMIDE, 2008) Este Paralelamente aos projetos
ria de eventos que o seguiram, projeto, após prolongado pro- federais, mas pelos mesmos
como as manifestações po- cesso legislativo, instituciona- motivos, o Estado de São Pau-
pulares contra o aumento das lizou-se pela publicação da lei lo, em 199715, lança o Plano In-
passagens de ônibus de 2003, 12.587 de 2012, que instituiu a tegrado de Transportes Urba-
a atuação da Frente Parlamen- Política Nacional de Mobilida- nos (PITU-2020) para a Região
tar do Transporte Público, a de Urbana. Metropolitana de São Paulo16.
criação do Movimento Nacio- Na mesma oportunidade em O PITU 2020 possui metas de
nal pelo Direito ao Transporte que foi anunciado o projeto promoção do desenvolvimento
Público de Qualidade para To- que deu origem à Política Na- urbano via melhoria na mobi-
dos (MDT), a criação do Gru- cional de Mobilidade Urbana lidade e com foco em: investi-
po de Trabalho de Transporte (em 2 de agosto de 2007), o Mi- mentos em infraestrutura; me-
Urbano do Comitê de Articu- nistro das Cidades anunciou a didas de gestão em transporte;
lação Federativa da Subche- intenção do governo federal de medidas de gestão no trânsito;
fia de Assuntos Federativos da formular o “PAC da Mobilidade e política de preços.17
Casa Civil13, gerou estudos e Urbana”. (GOMIDE, 2008) O Plano prevê R$30 bilhões
projetos que culminaram com Curiosamente, o que veio a de investimentos até 2020 em
o anúncio – por parte do Mi- tornar-se o “PAC2-Mobilida- medidas de melhoria do trans-
nistro das Relações Institucio- de Urbana” também somente porte, dos quais mais de R$21

11 De acordo com esta pesquisa, em 1977 os meios via recursos diretos e R$12 bilhões via financia- habitantes/IBGE2010), com montante de R$ 7 bi-
de transporte particulares (automóveis, taxis e mento aos Estados-Membros, Distrito Federal e lhões a ser investido nas mesmas áreas de infra-
“outros”) representavam 34% dos modais utiliza- Municípios) em infraestrutura de transporte pú- estrutura do PAC2 grandes cidades.
dos nos centros metropolitanos do Brasil, ao pas- blico urbano em municípios com população su- 15 Embora se saiba que o PITU foi criado ante-
so que esse número cresceu para 49% em 2005. perior a 700 mil habitantes; mais especificamente riormente a 1997, é somente nesse ano que surge
12 Exceção feita à CIDE-Combustíveis, que tem em obras e equipamentos de corredores de ôni- o PITU-2020, marco do planejamento de trans-
a infraestrutura de transporte público como uma bus, veículos leves sobre trilhos, trens urbanos e porte na RMSP, por essa razão optou-se por dar
das três possíveis destinações de parte de sua ar- metrôs. Em abril de 2012 o montante a ser investi- ênfase a essa versão do Plano e não à sua prede-
recadação, sendo esta destinação obrigatória no do foi aumentado para R$32 bilhões (R$22 bilhões cessora. No mesmo sentido: “O embrião do PITU,
tocante aos repasses aos Estados, Distrito Federal da União e R$10 bilhões dos Estados-Membros, desenvolvido no ano de 1993, orientou os investi-
e Municípios, conforme se vê nos artigos 177, § 4o Distrito Federal e Municípios). A portaria n. 185 de mentos no sistema de transportes da capital pau-
e 159, III da Constituição Federal de 1988. abril de 2012 do Ministério das Cidades formali- lista até 2010. Entretanto, sua maior contribuição
13 “O grupo de trabalho foi integrado por, além de zou a seleção de 32 projetos de infraestrutura de foi ter dado origem ao PITU-2020, que se tornou
integrantes da Casa Civil, representantes da Fren- transporte público urbano (em sua totalidade são uma referência no planejamento estratégico dos
te Nacional dos Prefeitos, da Associação Brasilei- projetos que envolvem trens urbanos, metrôs, transportes na RMSP.” (ESTADO DE SÃO PAULO,
ra de Municípios, da Confederação Nacional dos VLTs e BRTs, corredores de ônibus, entre outros 2006b, p. 22)
Municípios, do Fórum Nacional de Secretários de modais dependentes de infraestrutura própria e 16 Atualmente há dois planos para a RMSP (o PITU
Transporte, e dos Ministérios das Cidades, Minas com alta eficiência energética) de 22 municípios 2020 foi atualizado após a edição do Estatuto da
e Energia, Trabalho e Emprego, e Fazenda.” (GO- brasileiros para receber verbas federais em forma Cidade e da realização do Censo de 2000 e passou
MIDE, 2008, p. 14) de repasse direto e financiamento. A população a ser o PITU 2025), um para a Região Metropolita-
14 No início de 2011, o Governo Federal brasileiro total dos municípios agraciados é de aproxima- na da Baixada Santista e outro para a Região me-
lançou o Programa de Aceleração do Crescimento damente 45 milhões de habitantes, ou 24% da tropolitana de Campinas: http://www.stm.sp.gov.
da Mobilidade Urbana (como parte do que ficou população do país. A segunda etapa do PAC2 foi br/index.php/planos-e-projetos/pitu.
conhecido como PAC2), em que inicialmente se instituída pela portaria n. 328 de 2012, para cida- 17 PITU 2020, disponível em http://www.stm.sp.
comprometeu a investir R$18 bilhões (R$6 bilhões des médias (com população entre 250 e 700 mil gov.br/index.php/o-pitu-2020.

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30 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

bilhões serão destinados à rede mobilidade urbana, ferrovias, rência dada pelos órgãos na-
metroviária (implantação de li- portos, entre outros, é paten- cionais (federais, estaduais ou
nhas de metrô subterrâneo, te e os inúmeros investimentos municipais) e internacionais à
metrô em nível e metrô leve para fornecê-la18 compõem um adoção de PPPs em infraestru-
ou veículo leve sobre trilhos esforço de tentativa de suprir tura de transporte público de
[VLT]). O PITU-2025, atuali- o hiato entre a infraestrutura massa e, em especial, de me-
zação e continuação do PITU- necessária para o crescimento trô.19 O que se deve a justifica-
2020, prevê investimentos da econômico do país e a disponí- tivas de diversas ordens.20
ordem de R$ 48 bilhões, dos vel. (TORRES e AROEIRA, 2010) No plano político-econômi-
quais – aproximadamente – R$ É nesse contexto que se in- co, busca-se justificar a ado-
30 bilhões se destinam à rede sere a contratação da linha 6 ção das PPPs, via de regra, por
metroviária, encontrando-se a e o presente estudo. Busca-se questões de eficiência e de
diferença aproximada de R$ 9 analisar uma das formas de se inovação. Alega-se que as PPPs
bilhões justamente nos inves- contratar obras e serviços de promovem acesso a novas for-
timentos previstos para entre infraestrutura de transporte mas e fontes de financiamento
2020 e 2025. (ESTADO DE SÃO público urbano, mais especifi- e a novas tecnologias, viabili-
PAULO, 2006a, p. 11) camente de se contratar obras zando inovações e melhoran-
Tanto o PAC2-Mobilidade e serviços de metrô. Portanto, do a prestação e a manutenção
Urbana quanto o PITU-2020 a seguir será abordado o sur- do serviço. (BANCO MUNDIAL,
e o PITU-2025 inserem-se em gimento das Parcerias Públi- 2012b)
um contexto de tentativa dos co-Privadas para o provimento De acordo com Trebilcock
governos Federal e Estadual de desses serviços no direito bra-e Daniels (1996), um dos prin-
prover a imensa demanda por sileiro. Após, serão levantadoscipais fatores de eficiência de
infraestrutura (nesses casos os principais aspectos desse prestação de serviços públicos
infraestrutura de mobilidade modelo jurídico e as questões por meio de parcerias com o
urbana) que afeta o país. Essas institucionais mais relevantes setor privado encontra-se, pa-
medidas compõem um quadro no caso da linha 6 - laranja. radoxalmente, na – via de regra
ainda maior de investimen- - maior dificuldade de acesso a
tos em infraestrutura geral no crédito que os parceiros priva-
Brasil. A defasagem da infra-
2 - Características e dos enfrentam. Essa dificulda-
estrutura brasileira em diver- condições de implantação de de acesso a crédito faz com
sos setores como saneamen- do modelo de PPPs que o financiamento de proje-
to, energia, telecomunicações, Atualmente, é clara a prefe- to proposto pelo parceiro pri-

18 Um bom panorama do que está acontecendo respectivamente: “Public-Private Partnerships markets have needed capacity and appetite, and
foi o mapeamento feito pelo caderno especial Reference Guide”, “Transport Infrastructure In- laws and regulations encourage or enable PPP -
“Infraestrutura”, junho de 2013, do jornal “Valor vestment: options for efficiency” e “Handshake: and whether changes need to be made to the in-
Econômico” (doravante “VALOR, 2013”). Neste IFC’s quarterly journal on public private partner- stitutional, legal and regulatory climate in order
documento relata-se os investimentos da ordem ships. Vol. 7” (BANCO MUNDIAL, 2012b; OCDE, to provide the right context for PPP. Once these
de R$1 trilhão que estão sendo ou que ainda serão 2008; IFC, 2012). basic issues have been addressed, those design-
realizados no Brasil para suprir a demanda por in- 20 Nesse sentido, Delmon (2010, p. 8): “The de- ing the PPP solutions available to policymakers
fraestrutura em diversos setores no país. cision to adopt PPP must be political, first. The must consider the most commercially and fi-
19 Essa afirmação decorre da existência de diver- government must consider the political and so- nancially viable and appropriate structures. This
sas PPPs em metrô no país, sendo licitadas ou pla- cial implications of PPP and whether there is must involve consideration of cost benefit, value
nejadas (vide projetos em São Paulo, Recife, Salva- sufficient political will to implement PPP. Next, for money, the sources of finance, the commer-
dor, entre outras mencionadas na portaria n. 185 consideration needs to be given to the institu- cial arrangements, the nature of investors and
de 2012 do Ministério das Cidades), mas também tional, legal and regulatory context - the extent to government participants, and a variety of other
de documentos propositivos do Banco Mundial, which government institutions have the needed circumstances that need to be addressed in the
OCDE e IFC (braço financeiro do Banco Mundial), skills and resources, the financial and commercial design of appropriate PPP structures.”

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 31

vado seja submetido a análises 2010; DELMON, 2010) e ju- • Legislação que permita di-
criteriosas pelos financiadores rídica (WILLOUGHBY, 2013; visão objetiva de riscos;
quanto a sua qualidade, renta- MEYER e ENEI, 2004; TREBIL- • Asseguração legal do rece-
bilidade e performance, o que COCK e ROSENSTOCK, 2013), bimento das tarifas;
culmina por incrementar a estabelecem condições insti- • Previsão legal - transparen-
performance do serviço.21 tucionais para a viabilidade da te e imparcial - de procedimen-
Do ponto de vista jurídico, celebração de parcerias pú- tos licitatórios e contratuais;
diz-se que as razões para ado- blico-privadas para fins de fi- • Viabilidade de comprome-
ção do modelo de PPPs no Bra- nanciamento de projetos. De timento do orçamento público
sil se ligam à necessidade de maneira geral, essas condi- por longos períodos;
promover investimentos em ções institucionais podem ser • Experiência dos órgãos go-
infraestrutura sem impactar o resumidas nos seguintes re- vernamentais com contrata-
nível de endividamento estatal quisitos22: ções;
e de viabilizar acesso a inves- • Possibilidade de criação de De acordo com a literatura
timentos privados em serviços uma sociedade de propósito jurídica brasileira (SUNDFELD,
deficitários, cujas tarifas pos- específico (SPE); 2011; MARQUES NETO e SCHI-
sam ser complementadas por • Desimpedimento do funcio- RATO, 2011; RIBEIRO e PRA-
contrapartidas públicas. (RI- namento dessa SPE nas ativida- DO, 2010; MONTEIRO, 2009;
BEIRO e PRADO, 2010; MAR- des relacionadas ao projeto; RIBEIRO, 2011), a lei 11.079 de
QUES NETO, 2011) • Possibilidade de forneci- 2004 trouxe diversos meca-
Para além de justificativas mento de subsídios do gover- nismos para viabilizar o aten-
para a adoção deste modelo no ao parceiro privado; dimento destes requisitos (al-
de contratação, entidades in- • Viabilidade de transferên- guns já se viam presentes no
ternacionais (BANCO MUN- cia de recursos, financeiros ou ordenamento jurídico brasi-
DIAL, 2012b; OCDE, 2008; IFC, não, para o parceiro; leiro, mas foram também apli-
2012) bem como a literatu- • Sistema judiciário impar- cados às concessões adminis-
ra econômica (DE JONG et al, cial e eficiente; trativas e patrocinadas; outros

21 Esse aparente paradoxo é esclarecido da se- vey few of these activities, at least in a market project financing are sharply different. With the
guinte forma: “(...) both the design and construc- economy, requires an explanation. In the pres- government as borrower, lenders can ignore
tion functions are highly sensitive to incentives ent context, the explanation appears to lie in the project-specific returns, given that lenders ul-
created by the nature of the financing function. fact that while the cost of capital to the private timately have access to the governments’ entire
The nature of these cross-function incentives sector infrastructure provider will be higher tax and asset base. With project financing, proj-
effects (interdependencies) are key to under- than the cost of an equivalent amount of capital ect returns become central; lenders are likely to
standing what superficially may appear to be to the government (which has the same access screen development consortia more carefully
one of the major mysteries of private sector fi- to private capital markets), offsetting efficiency before lending, to insist on adequate security
nancing of infrastructure projects. In most cases, gains from the other functions performed by the and financial penalties against non-completion
private sector financing will carry a higher cost private sector provider are influenced positively or default, and to monitor performance more
of capital than government financing, simply be- by virtue of the fact that it is bearing the finan- closely through the inclusion of numerous, tai-
cause the default risk on sovereign debt (given cial risk on the project. However, this trade-off in lored covenants than they would if they were
that governments have access to the entire tax- turn depends upon how the capital investment lending to government which in turn then fi-
payer base) is obviously lower than for a private is to be recouped. If the investment must be re- nanced the project, thus significantly improving
sector infrastructure provider, where the cost couped from competitively determined revenues the performance of the infrastructure provider.”
of capital will reflect both project-specific risks from the project, then this will create socially (TREBILCOCK e DANIELS, 1996, p. 401-402)
and its de jure or de facto limited liability. Thus, appropriate incentives with respect to the de- 22 As principais características do modelo suge-
if the financing function were viewed in isolation sign, construction, operation, and maintenance rido por entidades internacionais e pela literatura
from the other functions, given the lower cost of projects. While it may be true that govern- jurídica e econômica foram mapeadas em revisão
of sovereign debt relate to private sector debt, ments and private sector infrastructure develop- de literatura e são apresentadas de forma esque-
we should see governments financing all activ- ers borrow capital from the same sources, lend- mática por razões de adequação aos propósitos
ities in the economy. The fact that they finance ers’ incentives with respect to the private sector desse texto.

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32 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

decorrem de amadurecimento das (SUNDFELD, 2011b; MON- Muito embora os objetivos


institucional mais amplo que a TEIRO, 2009). centrais do mencionado estu-
simples positivação de uma lei, Independentemente da par- do consistam em mudanças es-
como, p.e., a garantia de um ticipação de financiadores ex- truturais no sistema financeiro
sistema judiciário imparcial e ternos, o modelo – conforme e, com isso, na sociedade como
eficiente), entre os quais po- já exposto acima – vem sen- um todo, as propostas partem
de-se mencionar as mais im- do cada vez mais utilizado pelo da premissa de que mudanças
portantes inovações e aplica- Estado de São Paulo na contra- benéficas advém de arranjos
ções23: tação de serviços de transpor- institucionais que - ao invés de
• Possibilidade de contra- te público urbano dependente proibir, isolar ou limitar – es-
partida pecuniária pública ao de infraestrutura, o que justifi- timulam a imaginação institu-
concessionário privado (i.e. ca a relevância de melhor com- cional por meio de diálogos en-
complementação de tarifa de preender seus instrumentos, tre atores públicos e privados
serviços deficitários); vantagens, problemas, possibi- e mesmo entre diversos atores
• Existência de mecanismos lidades e limitações. públicos ou privados.
de garantia do parceiro públi- Outra importante premissa
co ao privado; adotada por Unger e Lothian
3 - PPPs,
o Entre os quais encontra- (2011), para os fins da análise
-se a possibilidade de criação experimentalismo, aqui realizada, é que as distin-
de “Fundos Garantidores de diálogo e aprendizado ções entre sistemas político e
Parcerias”; institucional econômico mostraram-se ex-
• Possibilidade de previsão Ao estudar a crise financei- tremamente tênues e artifi-
de cláusula arbitral; ra de 2007 e as possíveis so- ciais com o advento da crise,
• Permissão de utilização do luções institucionais dispo- estando tais sistemas cada vez
“procedimento de manifesta- níveis, Unger e Lothian (2011) mais imbricados.
ção de interesse”; criticam o dualismo simplis- Para além da ideia de inova-
• Remuneração vinculada ao ta entre mais ou menos re- ção e experimentalismo insti-
desempenho; gulação/intervenção que se- tucionais subjacentes à pro-
• Possibilidade de conjuga- guiu a crise no debate político posta de Unger e Lothian,
ção, em um mesmo contrato, e jurídico. Os autores se va- outro importante paradigma
de obra pública e concessão de lem da experiência norte-a- de democracia experimenta-
serviço público; mericana do New Deal para lista está na teoria do apren-
No entanto, a lei parece re- mostrar como pouco se utiliza dizado institucional propos-
presentar apenas a institucio- dos aprendizados históricos ta por Sabel e Reddy (2007)24.
nalização de um projeto - já em e como há falta de imagina- Os autores colocam a seguin-
curso desde o final dos anos ção institucional nas soluções te questão: “porque devemos
90 - de adoção de um mode- propostas recentemente para aprender a aprender?” para a
lo de parcerias público-priva- a crise. qual trazem a resposta.

23 Reitera-se, aqui, as ressalvas feitas na nota de an example. At the ‘top’, a benchmarking com- ties or partnerships of both – compete to pres-
rodapé n. 28. mittee of the relevant government entities and ent projects that score highly under the emer-
24 A noção de aprendizado institucional fica qualified private actors collaborates with po- gent criteria. ‘Top’ and ‘bottom’ are in quotation
explicitada no seguinte trecho que trata de um tential users to establish the initial substantive marks because the relation between them is
modelo hipotético de política de subsídios: “It is and procedural criteria for participation and cyclical, not hierarchical: one entity proposes
possible to sketch the kernel of a two-level eco- defines the initial metrics by which applications a framework for action, the other revises the
nomic-development framework that encourag- are to be ranked. At the ‘bottom’, project groups proposal in enacting it, the first responds to the
es constraint-relaxing learning-offered only as – whose members can be public or private enti- revisions, and so on. Lead actors dominate early

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 33

“Uma justificativa para fa- cedimento de manifestação de festar sobre os projetos bási-
vorecer arranjos experimen- interesse e a consulta pública. cos de eventual PPP. Essa aber-
talistas é que eles podem nos De acordo com Pereira tura vem sem custos adicionais
permitir solucionar melhor et al (2012): para o Estado, vez que este es-
problemas que encontramos. tabelece um teto de ressarci-
Podemos confiar nesse resulta- Uma das estratégias ao dis- mento aos estudos que forem
do em razão da eficácia prática por do poder público para ob- efetivamente aproveitados,
de abordagens experimentais ter as informações e análises mas quem arcará com tal res-
que já podem ser constatadas consolidadas nos estudos de sarcimento será o vencedor na
no mundo e porque tais arran- viabilidade, a fim de decidir licitação; ou seja o próprio par-
sobre a contratação ou não
jos estão mais próximos em de uma PPP e a publicação do ceiro privado interessado.
forma e essência aos requisitos respectivo edital, é o chamado Além de eventuais parcei-
inerentes ao processo de solu- Procedimento de Manifestação ros privados no projeto em si,
ção de problemas sob condi- de Interesse (PMI). a abertura para envios de pro-
ções de incerteza. O PMI é um instrumento jetos é feita a todos interessa-
que institucionaliza o diálogo dos. Sendo assim, grupos orga-
Uma justificativa mais pro- público-privado a respeito de nizados que tenham interesse
funda, entretanto, é que a de- um projeto de interesse públi- em enviar projetos (p.e. estu-
mocracia favorece e é favoreci- co a ser concedido à iniciativa dantes e/ou empresas júniores
da pelo experimentalismo. Isso privada. Por intermédio desse de engenharia e arquitetura;
é verdade pois o experimenta- instrumento, o setor público ONGs, etc), são partes legíti-
lismo requer abertura e abertu- obtém, de consultores ou dire-
ra requer democracia. Também tamente das empresas interes- mas para tanto.
é verdade porque, para flores- sadas em disputar futuros con- Já a consulta pública, ao con-
cer, o experimentalismo requer tratos de concessão, os estudos trário do PMI que é uma facul-
a quebra de limites sociais à de viabilidade sobre projetos dade, é um requisito obrigató-
comunicação e a existência de de infraestrutura que estão na rio previsto no artigo 10, inciso
igualdade procedimental de agenda da tomada de decisão VI da lei 11.079/2004. Por meio
trabalho.” (p. 90, tradução livre) do Estado. desse dispositivo exige-se que
Em outras palavras, o PMI a minuta do edital seja publi-
Desse modo, acredita-se é um convite do poder públi- cada na imprensa oficial e seja
que uma maneira de promover co para que a iniciativa privada colocado à disposição de qual-
melhores formas de regulação interessada possa apresentar, quer interessado a possibilida-
e de melhor entender o merca- por sua conta e risco, análises e
propostas sobre um projeto de de de enviar sugestões.
do regulado, bem como as inú- Conclui-se, assim, que as
interesse público que, no futu-
meras interconexões entre as ro, poderá ser licitado. (p.6) PPPs podem ser formuladas e
diversas políticas públicas con- discutidas com auxílio de dois
comitantes levadas a cabo pelo Por meio do PMI, conforme canais de diálogo institucional,
Estado, é por meio de abertura pode-se depreender da cha- um obrigatório e outro faculta-
e criação de fóruns de debate mada pública 1/2011 do PMI tivo.
com os diversos atores. para a linha 6 do metrô, publi- A seguir far-se-á uma des-
Acredita-se que alguns ins- cada no Diário Oficial do Es- crição dos acontecimentos da
trumentos das PPPs são aptos tado de São Paulo no dia 5 de linha 6 até o momento com
a criar estes fóruns e a efetiva- outubro de 2011, o parceiro pú- a concomitante análise dos
mente promover diálogo insti- blico abre a possibilidade de pressupostos teóricos expos-
tucional. Entre eles estão o pro- qualquer interessado se mani- tos até esse momento.

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34 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

4 – A linha 6 do metrô como as linhas 3 – Vermelha e 11 - Intervalo entre as partidas


de São Paulo: o diálogo, – Coral, ampliando as conexões na hora pico manhã = 171 se-
a experimentação e as com a rede metroferroviária. gundos;
Características Físicas e - Frota operacional = 18
falhas Operacionais trens;
Em 05 de outubro de 2011, o Na configuração detalhada, - Frota total = 20 trens.
Estado de São Paulo publicou o trecho prioritário da linha 6 Trechos Adicionais
a chamada pública 1/2011 con- – Laranja inicialmente contará No Plano de expansão do
vocando interessados a apre- com 13,5km descontado a ex- Metrô, há a previsão de 02 ex-
sentar projetos de viabilidade tensão das vias referentes ao tensões para esta linha, a saber:
para eventual linha de metrô pátio de manobras e guarda da Trecho Bandeirantes – Bra-
ligando a estação São Joaquim frota de trens e de manobras no silândia, com aproximadamen-
à região da Brasilândia.
final da linha. Considerando es- te 6,1km, continuando da re-
tes segmentos de operação não gião da Brasilândia/Pátio em
Essa chamada foi motivada comercial, toda a extensão do direção à Rodovia Bandeirantes
pela manifestação de interesse trecho possui 15,9km, com as e atendendo ao Centro de Con-
privado (MIP) promovida pela seguintes características ope- venções Pirituba.
Odebrecht Transport Partici- racionais: Trecho São Joaquim – Cida-
pações S/A em que a empresa - A demanda esperada para de Líder, com extensão aproxi-
sugeriu a criação de uma linha o trecho prioritário da Linha 6 mada de 14,5km e 13 estações
de metrô nos moldes do que – Laranja, nas simulações re- [...], estendendo a Linha 6 em
foi publicado nesse edital. alizadas pelo Metrô, apontam direção à Zona Leste, atenden-
O edital descrevia as carac- para um carregamento total de do áreas com reconhecida defi-
terísticas gerais para apresen- aproximadamente 600 mil pas- ciência de transporte.”
tação de projetos de viabilida-
sageiros por dia útil. Os carre-
gamentos nos trechos críticos Após a publicação do edi-
de nos seguintes termos: apontados na modelagem fo- tal de chamada pública para o
ram de 33 mil usuários na hora PMI, três projetos foram rece-
“1 – Descrição e Caracterís- pico, na Estação Santa Marina,
ticas gerais do empreendimen- bidos conforme noticiado no
sentido Brasilândia – São Joa- portal PPPBrasil26:
to: linha 6 laranja do metrô de quim, e 21 mil usuários na hora
São Paulo pico, na Estação Higienópolis-
Traçado -Mackenzie, sentido São Joa- “O Chamamento Público
A linha 6 – Laranja deverá quim – Brasilândia. 1/2011, divulgado pelo Estado de
ligar a região noroeste de São - Tempo de ciclo completo São Paulo em 05/10/2011 e que
Paulo ao Centro Expandido, fa- (incluindo manobras nas esta- obteve estudos de viabilidade
zendo articulação de linhas de ções finais) = 50 minutos; para a PPP da Linha 6 - Laranja
ônibus das regiões atendidas - Velocidade comercial final da Rede Metroviária de São Pau-
propiciando a reorganização do = 33,6 km/h lo de 3 (três) empresas interes-
transporte coletivo. Além disso, - Viagens na hora pico ma- sadas, teve como resultado final
deverá reduzir a saturação dos nhã = 21; o aproveitamento de 67,80% dos
eixos de transporte existentes, estudos apresentados.

project rounds; weaker actors come to the fore Because the implicit theory of economic de- quando o ente privado “provoca” o ente pública
in later ones. After each round, the selection velopment – expressed in the operationally ap- acerca de eventual serviço ou obra a serem exe-
criteria, benchmarks, and institutional arrange- plied selection criteria – is revised in light of the cutados.
ments are adjusted to reflect improved mea- means chosen to pursue them – the pooled ex- 26 Notícia disponível em http://www.pppbrasil.
sures of performance and a richer operational perience of actual projects – we can call these com.br/portal/content/modelagem-final-da-
understanding of success. There is thus public arrangements ‘experimentalist’.” (p. 85) linha-6-do-metrô-de-são-paulo-aproveitou-
learning as well as learning by private agents. 25 Procedimento diverso do PMI, trata-se de MIP 6780-dos-estudos-de-viabilidade- .

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 35

As empresas participantes edital de concorrência públi- Estado de São Paulo e celebra-


do Procedimento de Manifesta- ca internacional 1/2012 com ção de aditivo contratual.
ção de Interesse (PMI) terão di- previsão recebimento de pro- Curioso notar, também, que
reito ao ressarcimento total de postas para até maio de 2013. a empresa Odebrecht está en-
R$ 5.152.800,00 (cinco milhões Contudo, devido ao grande nú- volvida desde o início no proje-
cento e cinquenta e dois mil e mero de questionamentos rea- to, tendo incitado seu estudo e
oitocentos reais) em função dos
lizados pelas empresas, foi ne- elaboração, auxiliado a formu-
estudos de viabilidade aprovei-
tados na modelagem final do cessária a ampliação do prazo lação dos projetos técnicos de
projeto. até 31/07/2013, quando a lici- viabilidade (foi quem mais teve
Os estudos da Galvão Enge- tação foi considerada deserta estudos aproveitados no PMI)
nharia S.A. e Somague Engenha- (sem proponentes). e integrado o consórcio vence-
ria S.A. foram aproveitados em Após tal fato, o edital foi re- dor. Tal fato indica a possibili-
um percentual de 20,29% do to- publicado em 13/09/2013, dade de ganhos de eficiência e
tal utilizado, cabendo um ressar- com data para apresentação de de redução de assimetrias in-
cimento de R$ 1.045.601,00 (um propostas no dia 31/10/2013 formacionais pelo potencial li-
milhão, quarenta e cinco mil e às 14:00. Nessa oportunida- citante caso se engaje no pro-
seiscentos e um reais). Dos estu- de, o único licitante interessa- jeto desde o início.
dos apresentados pela Constru-
do foi o Consórcio MOVE que, Uma questão relevante que
tora Queiroz Galvão S.A., foram
aproveitados em um percentual nos termos da ata de julga- sobressai da análise desse caso
de 35,65% do total utilizado, ca- mento divulgada em dezembro é que, embora os fóruns de di-
bendo um ressarcimento de R$ de 2013, foi considerado apto e álogo criados pelo PMI e pela
1.837.193,00 (um milhão, oitocen- sagrou-se vencedor. Consulta Pública possam au-
tos e trinta e sete mil e cento e O contrato celebrado entre o xiliar a melhoria do projeto e a
noventa e três reais). Por sua vez, Estado de São Paulo e o Consór- inserção de elementos neces-
os estudos apresentados pela cio MOVE tem o valor de R$9,6 sários aos interesses públicos e
Odebrecht Transport Participa- bilhões, sendo metade do inves- privados envolvidos, a experi-
ções S.A. foram aproveitados em timento realizado pelo Estado ência com a licitação deserta e
um percentual de 44,05% do to- de São Paulo (cobrirá as desa- a necessidade de se aumentar
tal utilizado, cabendo um ressar-
propriações e outros custos) e a consideravelmente o valor do
cimento de R$ 2.270.005,00 (dois
milhões, duzentos e setenta mil e outra metade (referente aos de- projeto evidenciam que nem
cinco reais).” mais custos de obra e operação) sempre o diálogo ocorre com
está a cargo do concessionário. a fluidez e adequação necessá-
Após a divulgação do apro- O valor inicialmente previsto rias à realização do projeto.
veitamento dos projetos, foi era de R$8 bilhões, indicando Outro fato digno de desta-
realizada uma audiência públi- um considerável descompas- que é que todos os documen-
ca em que se responderam a so com o que foi efetivamen- tos desde o início do processo
perguntas de pessoas presen- te contratado (necessidade de foram disponibilizados eletro-
tes representantes dos meios aumento de 20%). nicamente, mesmo antes da lei
de comunicação, bancos, cons- Além disso, dos dois trechos de acesso à informação, algo
trutoras, sindicatos de metro- de extensão previstos na cha- que não é corriqueiro em con-
viários e cidadãos em geral. mada pública inicial, apenas um tratações públicas do gênero.
Uma vez realizada a audiên- (Brasilândia – Bandeirantes) foi A publicidade e transpa-
cia pública, foi publicado o edi- mantido no contrato final e so- rência do processo é um fator
tal de consulta pública em ou- mente será construído median- determinando para sua con-
tubro de 2012, que resultou no te manifestação de interesse do formidade com o Estado De-

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36 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

mocrático de Direito. Confor- externalidades em outros se- ainda mais longas, dado à re-
me apontam Bersch, Taylor e tores da sociedade como saú- versibilidade dos bens em fa-
Praça (2013), o setor de infra- de e meio ambiente. Contudo, vor da Administração Pública,
estrutura é tradicionalmente na análise dos documentos, há consequências para o de-
conhecido por escândalos de em nenhum momento nos fó- bate democrático e a atuação
corrupção, sendo a transpa- runs de diálogo institucio- da Administração Pública que
rência dos procedimentos um nal esses temas foram trata- ainda não são bem compreen-
importante fator para a gover- dos de forma relevante, sendo didas.
nança pública de tais projetos mencionados em falas políti- O clássico embate weberia-
(RACO, 2013). cas mas não estando presen- no entre democracia e tecno-
Um importante fator a ser tes análises e comparações cracia estaria resolvido pela
levado em consideração é a técnicas de peso. O debate e a regulação? Em que medida a
pouca ou nenhuma inserção, melhor compreensão sobre as abertura para o diálogo previa-
nos fóruns formais de debate interconexões entre políticas mente à celebração do contra-
da linha 6, de discussões sobre públicas de transporte, saúde, to e a divisão objetiva de ris-
o modelo de cidade e as con- trânsito, meio ambiente, mo- cos e atribuições realizada por
sequências dessa intervenção radia e urbanização devem es- esse não eliminam, quase que
urbanística, ainda que tenha tar no centro das discussões por completo, o campo de atu-
havido espaço para tanto. de um grande projeto com ta- ação da sociedade civil nas
Acredita-se que isso se deva manho potencial estruturan- questões a ele atinentes? Ou
à falta de mobilização (ressal- te e urbanizador, algo que não seja, o “momento democrá-
va feita às críticas dos mora- esteve presente neste projeto tico” é trazido para a (não tão
dores da bela vista no tocante bilionário. acalorada) discussão prévia de
às desapropriações na região) Quanto aos dois últimos conteúdo contratual e, a partir
e conhecimento, já que, p.e., pontos, vale fazer uma pon- da sua celebração, não há mar-
até mesmo nos meios téc- deração. Estudos envolvendo gens para mudanças?
nicos especializados não se projetos urbanos, infraestru- A estabilização das relações
dispõe de ampla percepção tura, grandes eventos e go- jurídicas e a necessária segu-
de que qualquer interessa- vernança pública (RACO, 2013; rança e previsibilidade opera-
do pode apresentar um pro- LEVI-FAUR, 2011; LEVI-FAUR, das pelo contrato (administra-
jeto nos PMIs. Explica-se, um 2005; MURPHY, 2011; e outros) tivo, aqui, mas ainda contrato
grupo organizado e interes- têm apontado que o “esvazia- em seus termos jurídicos for-
sado em promover a inserção mento” do Estado por meio da mais) carregam, nesse caso,
urbanística de determina- contratualização de sua atua- um conceito de cidade que re-
da área, pode apresentar um ção têm sérias implicações de- percutirá na vida de inúmeros
projeto específico para suge- mocráticas. cidadãos, isso ficou claro para
rir e detalhar exigências para Ao se outorgar a um ente a população afetada e/ou in-
a intervenção urbana nos en- privado, ainda que devidamen- teressada? Em que medida, em
tornos de uma estação espe- te regulado em questões téc- um sentido mais amplo, a “de-
cífica. nicas, uma concessão para sestatização” da gestão dos in-
Outra questão relevante re- construir e gerir bens e servi- teresses públicos27 não tor-
fere-se especificamente ao ços públicos de inegáveis rele- na o Estado, concebido como
setor de mobilidade urbana. vância social por meio de um o principal gestor dos diversos
Sabe-se que o transporte pú- contrato por um prazo de 25 interesses públicos, em um au-
blico urbano possui inúmeras anos, mas com repercussões ditor de aspectos técnicos de

Revista Comercialista
REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 37

contratos, expurgando todos blica tem no efetivo e contí- Salvador, Instituto de Direito
aspectos de confronto político nuo diálogo institucional para Público da Bahia, no. 2, maio-
do bojo da sua atuação contí- o próprio desenvolvimento da -jun-jul, 2005. Disponível na
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mento de celebração do con- A linha 6 – Laranja, do me- todoestado.com.br>. Acesso
trato? trô de São Paulo é um impor- em 10/06/2013.
Essas e outras questões tante projeto que terá grande AMARAL, Miguel. Public vs
emergem desse caso especí- repercussão na configuração Private managemente of pub-
fico, mas não é o objeto desse urbanística da região metro- lic utilities – The case of ur-
breve texto fornecer subsídios politana de São Paulo, mas os ban public transportation in
suficientes para respondê-las. instrumentos de diálogo e de Europe. in Research in Trans-
aprendizado abertos em sua portation Economics, 22, p.
Considerações finais formatação foram utilizados 85-90, 2008.
Ao longo do presente estu- apenas para questões técnicas AMOS, Paul. Public and Pri-
do tentou-se abordar a ques- da obras e referentes à renta- vate Sector Roles in the sup-
tão das políticas públicas e bilidade do projeto. Ao que pa- ply of transport infrastruc-
grandes projetos urbanos sob rece, a pauta da mobilidade ture and services: operational
a perspectiva jurídica como urbana enquanto bem políti- guidance for world bank staff.
auxílio à promoção do diálogo co que estava presente nas rua Transport Papers, The World
institucional e do desenvolvi- em junho de 2013 foi dada por Bank Group, 2004. Disponível
mento econômico e social. resolvida pela sociedade civil. em http://www.worldbank.
Pode-se concluir, pelo ex- Esperamos estar enganados. org/transport/ , acesso em
posto, que os novos instru- 11/04/2012.
mentos jurídicos já colocados BANCO MUNDIAL. Imple-
em prática possuem grande REFERÊNCIAS mentation Completion and
potencial de transformação e BIBLIOGRÁFICAS Results Report. 2012a. Di-
permitem experimentação em ALEM, Ana Cláudia; GIAM- sponível em http://docu-
novas formas de contratação e BIAGI, Fabio. O BNDES em ments.worldbank.org/curat-
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tudo, esse potencial ainda tem Disponível em http://www. brazil-sao-paulo-metro-
sido usado de forma conser- bndes.gov.br/SiteBNDES/ line-4-project , acesso em
vadora (limitada) e percebe-se exp or t/s ites/default/ b n- 10/06/2013.
a participação mais ativa dos des_pt/Galerias/Arquivos/ BANCO MUNDIAL. Pub-
grandes atores econômicos, con h ecimento/ livro_b ra- lic-Private Partnerships Refer-
sendo reduzida a participação sil_em_transicao/ brasil_ ence Guide. 2012b. Disponível
de outros entes sociais. em_transicao_completo.pdf em http://wbi.worldbank.
Adicionalmente, há uma , acesso em 26/08/2012. org/wbi/news/2012/04/10/
preocupação com as implica- ALVARENGA, José Eduar- now-available-public-pri-
ções (anti)democráticas dessa do. Parcerias Público-Priva- vate-partnerships-refer-
contratualização das ativida- das: breves comentários. Re- ence-guide-version-10 , aces-
des estatais e o papel que esse vista Eletrônica de Direito so em 10/06/2013.
modelo de gestão da ação pú- Administrativo Econômico, BNDES. Informe Infra-es-

27 Ou “the hollowing out of the State” nos termos do texto seminal de R. A. W. Rhodes, “The New Governance: Governing without Government” de 1996.

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42 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

Constituição de reservas
em prejuízo de acionistas
minoritários

Por Eduardo Benetti*

O objetivo do presente artigo é com- I - Reserva para Fins de


partilhar com o leitor prática corrente em Contingência
muitas sociedades anônimas de capital fe- Conforme ensinamentos do ilustre Prof.
chado cujos acionistas majoritários, res- Nelson Eizirik1 “a finalidade dessa reserva
paldados por administradores por estes consiste em segregar lucros, que seriam dis-
eleitos, e sob ilusória alegação de regula- tribuídos como dividendos, para cobrir perda
ridade e legalidade, se utilizam da consti- ou prejuízo ainda não efetivamente incorri-
tuição de reservas como meio para reduzir do, mas cuja ocorrência se fundamenta em
lucros auferidos pela companhia, prejudi- razões justificadas, evitando que tal perda
cando, assim, a distribuição de dividendos provável seja apenas computada no resulta-
a acionistas minoritários, o que caracteri- do do exercício que vier a ocorrer.”
za flagrante violação à legislação aplicável e A par do nobre fim a que essa reserva se
aos direitos essenciais dos acionistas. destina e dos benefícios que, quando bem
O tema constituição de reservas é ex- utilizada, serão usufruídos pela compa-
tremamente amplo e complexo, merecendo nhia e seus acionistas, existem problemas
profunda análise, o que se torna inviável em de ordem prática que podem surgir em sua
um simples artigo. Por esta razão limitare- constituição, podendo resultar em prejuízo
mos nossos comentários à constituição de de determinados grupos de acionistas.
duas reservas, quais sejam: (i) reserva para Neste sentido, cumpre esclarecer que,
fins de contingência (art. 195); e (ii) reserva conforme disposto no artigo 195 e §1°2 da Lei
de retenção de lucros (art. 196). das S/As, os administradores apresentarão

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 43

à Assembléia Geral proposta para proposta de constituição da reser- cela destinada à constituição da
deliberar sobre a constituição de va para contingências deveria vir reserva para fins de contingência,
reserva para fins de contingência, acompanhada de parecer de juris- sendo que o dividendo mínimo
indicando a causa da perda pre- ta especialista na matéria, que não obrigatório será calculado sobre
vista e justificando a recomenda- fosse empregado da companhia.” o saldo remanescente, se houver5.
ção de sua constituição. A despeito das sábias reco- Merece destaque o fato de que
O texto da lei, apesar de men- mendações doutrinárias, o que se as reservas para fins de contin-
cionar que a proposta para a vê na prática dos negócios é que gência não apresentam limite má-
constituição da reserva deva ser muitos administradores, quan- ximo de valores a ela destinados,
fundamentada, não faz qualquer do da elaboração da proposta ao contrário do que ocorre em
menção à forma ou formalidade a de constituição da reserva para outras reservas. Ou seja, caso a
ser cumprida quanto à fundamen- fins de contingência, têm levado Assembléia Geral decida, com ba-
tação da proposta apresentada. ao conhecimento da Assembléia se em justificativas subjetivas e
Ou seja, bastará aos administra- Geral fundamentos imprecisos carentes de fundamentação téc-
dores apresentar em Assembléia, e, muitas vezes, carregados de nica, incrementar os valores ali
de forma verbal ou escrita, as ra- subjetividade, recomendando, depositados, ano após ano, os re-
zões que no seu entender são simplesmente, a aprovação da re- cursos a ela destinados poderão
justificadoras para formação da serva. Em casos mais extremos, crescer ilimitadamente6.
reserva. o que se tem visto é uma simples Frente à omissão legal e não
Sensível à lacuna da lei, a me- apresentação verbal e superficial cumprimento das orientações
lhor doutrina buscou suprir a au- das razões pelas quais a reserva existentes na melhor doutrina
sência de forma e formalidade na deva ser constituída. sobre o tema, administradores
apresentação dos fundamentos Diante deste cenário e com re- agindo em conjunto com acionis-
da proposta, recomendando, co- ceio de que os negócios da com- tas majoritários têm se utilizado
mo nos ensina o aclamado Prof. panhia sejam prejudicados, os da reserva para fins de contin-
Modesto Carvalhosa3 que: “os acionistas, muitas vezes alheios gência como meio de reduzir o
fundamentos da proposta deve- aos reais riscos de que a contin- pagamento de dividendos, impos-
rão ser objetivamente expostos, de gência informada venha a se con- sibilitando, em alguns casos, o
modo a afastar qualquer decisão cretizar, acabam por aprovar a pagamento do próprio dividendo
subjetiva, baseada apenas em re- constituição da reserva por una- mínimo obrigatório.
ceios não fundados em fatos com- nimidade. A prática recorrente de tal ato,
prováveis, ou em simples opiniões. Ao tomar tal decisão, os acio- por alguns exercícios, acaba por
Os casos mais comuns de perdas nistas automaticamente au- desestimular acionistas minoritá-
prováveis decorrem de ações judi- torizam os administradores a rios de permanecer na sociedade,
ciais. Nesses casos, por exemplo, a descontar do lucro líquido4 a par- possibilitando ao grupo controla-

1 Eizirik, Nelson. A Lei das S/A Comentada, §1º A proposta dos órgãos da administração e a provisão para o Imposto de Renda, antes
volume III, São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. deverá indicar a causa da perda prevista e que haja qualquer participação.
56. justificar, com as razões de prudência que a 5 Assim, vê-se que a constituição da reserva
2 Art. 195. A assembléia geral poderá, por pro- recomendem, a constituição da reserva. para fins de contingência pode se dar em pre-
posta dos órgãos da administração, destinar 3 Carvalhosa, Modesto. Comentários à Lei de juízo do dividendo mínimo obrigatório.
parte do lucro líquido à formação de reserva Sociedades Anônimas, 3° Volume, São Paulo: 6 Cumpre lembrar que, conforme disposto
com a finalidade de compensar, em exercício Editora Saraiva, 2009, p. 803. no § 2º do artigo 195 da Lei das S/As, en-
futuro, a diminuição do lucro decorrente de 4 Vale lembrar que o lucro líquido, nos termos cerrado o risco da contingência, os valores
perda julgada provável, cujo valor possa ser do artigo 191 da Lei das S/As é o resultado do destinados a essa reserva deverão ser rever-
estimado. exercício deduzidos os prejuízos acumulados tidos

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44 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

dor adquirir ações a valores bem los administradores e submetido, A falta de formalidade na apre-
inferiores ao seu real preço. posteriormente, à aprovação da sentação e fiscalização do or-
Como conclusão ao presente Assembléia Geral. Nada impede, çamento de capital acaba por
tema, o que se recomenda é se- contudo, que a própria Assem- beneficiar administradores mal
guir rigorosamente as orienta- bléia Geral venha a deliberar so- intencionados, pois os acionistas
ções doutrinárias existentes, no bre o orçamento de capital. encontram muitas dificuldades
sentido de que a fundamenta- Tenha o orçamento de capital para demonstrar que a consti-
ção da constituição da reserva de sido previamente aprovado pelos tuição da reserva em análise teve
contingência seja baseada em pa- administradores ou seja objeto de outro objetivo que não a realiza-
recer de especialista que não pos- aprovação da Assembléia Geral, ção de investimentos.
sua vínculos com a empresa. é fundamental que cópia do do- Assim, é fundamental que, es-
Sem prejuízo dessa prática, cumento esteja à disposição dos tando na pauta da assembléia de-
existindo qualquer dúvida acerca acionistas para análise e acompa- liberação sobre a constituição de
da real necessidade da constitui- nhamento de seu cumprimento. reserva de retenção de lucros, se-
ção da reserva, o acionista deverá Destaquem-se, ainda, as regras ja exigida dos administradores
procurar especialista de sua inte- contidas nos § 1° e 2° do artigo 196 a apresentação prévia do orça-
gral confiança para assessorá-lo da Lei das S/As, segundo as quais mento de capital a embasar a sua
na avaliação da proposta da ad- o orçamento de capital poderá ter constituição. Caso a pauta nada
ministração, votando contra sua duração de até 5 exercícios, salvo mencione sobre a aprovação da
constituição, sempre que julgar se o projeto a ser realizado exigir constituição dessa reserva, mas
impertinente. prazo maior, bem como a exigên- o assunto venha a ser posto em
cia de revisão anual para os or- pauta no curso da assembléia, a
II - Reserva de Retenção de çamento com prazo de execução apresentação do orçamento deve
Lucros superior a 1 ano. ser exigida antes de qualquer de-
Outra prática comum que se Não obstante existirem regras liberação.
tem visto em algumas compa- claras e precisas para a constitui- A formação de reservas nas so-
nhias é a constituição de reser- ção desta reserva, a prática dos ciedades é sempre salutar, por
vas de retenção de lucros como negócios nos tem mostrado que, exigência legal ou conveniência
manobra para reduzir a distribui- em companhias fechadas, os ad- administrativa, mas desde que
ção de dividendos aos acionistas. ministradores muitas vezes, sem não haja fins escusos.
Contudo, diferentemente do que apresentar qualquer orçamento E, para evitar uma manobra
acontece com a reserva para fins de capital, propõem aos acionis- ou suspeita dela, basta a trans-
de contingência, a constituição tas a aprovação da constituição parente apresentação dos moti-
desta reserva não pode se dar em da reserva de retenção de lucros, vos da reserva. No caso, o parecer
prejuízo da distribuição do divi- sob o argumento da realização de da contingência e o orçamento de
dendo mínimo obrigatório. investimentos. Constituída a re- capital.
Esclareça-se, por oportu- serva, os investimentos acabam
no, que sua finalidade está um- por se realizar parcialmente ou
sequer se realizam, ficando os lu- * Eduardo Benetti
bilicalmente atrelada à existência Advogado especializado em direito
de orçamento de capital7 previa- cros destinados a esta conta reti- societário, sócio do escritório BGR
mente elaborado e aprovado pe- dos por prazos longos. Advogados.

5 Conforme ensinamentos do Prof. Nelson Eizirik, em A Lei das S/A Comentada, Volume III, pág. 64: “O orçamento de capital deve compreender os
recursos econômico-financeiros previstos para serem utilizados pela companhia na aquisição, formação e construção de ativos imobilizados e em inves-
timentos que contribuirão para melhorar sua atividade empresarial.”
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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 45

Psico-história e Antitruste:
avaliação de impacto
e os conceitos legais
indeterminados
Por Caio Cesar Moreira Pinto*

1. INTRODUÇÃO de influenciar os “movimentos sociais”. Em seguida


O Conselho Administrativo de Defesa Econômi- tratarei da avaliação de impacto como meio de con-
ca (CADE) possui corpo técnico para dosar a pena de cretizar tais premissas, através da coleta de informa-
multa e aplicar outros remédios. A Lei da Concor- ções e de externalidades positivas.
rência deixa margem bem ampla para a aplicação de
penas. Tal escolha legislativa está correta, haja vista 2. A PSICO-HISTÓRIA
o fato de que o CADE decide sobre os mais variados Isaac Asimov criou uma ciência fictícia chama-
mercados, cada um com as suas peculiaridades; o da “psico-história” na série “Fundação” (Foundation).
antitruste, por sua natureza, exige esse caráter mais Através do uso de cálculos matemáticos baseados
amplo de aplicação e o uso de conceitos legais inde- em estatísticas, probabilidades e dados históricos,
terminados. os “psico-historiadores” (cientistas que fazem o uso
A aplicação da lei da concorrência se dá prin- daquela ciência fictícia) analisam comportamentos
cipalmente pelos efeitos negativos de deter- humanos passados, bem como presentes, e fazem
minadas condutas, mas como saber os efeitos previsões probabilísticas acerca de comportamen-
causados pelas decisões da própria agência antitruste? tos futuros. A leitura dessa série proporciona insi-
A principal pergunta aqui é “tendo em vista a neces- ghts que levam a crer na possibilidade de uma forma
sidade do uso de conceitos legais indeterminados, limitada da psico-história, principalmente através da
quais são os meios adequados para saber quais cri- análise econômica. Nesse sentido, um dos objetivos
térios utilizar?”. deste artigo é o de passar da ideia de que “estudamos
Para responder a essas perguntas, serão expostos o passado para não cometer os mesmo erros” para a
alguns dos princípios básicos da Psico-história, da de que “estudar o passado e o presente (tanto os er-
série “Fundação” de Isaac Asimov, relativos ao modo ros quanto os acertos) de forma sistemática é a chave

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46 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

para podermos prever probabilisti- os dados históricos – para definir o gundo Império Galáctico. Assim,
camente comportamentos sociais”. ponto de partida adequado; e a pre- Seldon aplicou aquela ciência no-
Essa ciência existente no mun- visão – através de probabilidades vamente para reduzir esse perío-
do da série Fundação pode ser de- calculáveis. Há o cuidado de que os do para mil anos – esse era o Plano
finida como “o ramo da matemática comportamentos sociais sejam de- Seldon. Outros psico-historiado-
que trata das reações dos conglo- duzidos a partir de pressuposições res, após a morte de Seldon, utili-
merados humanos a estímulos so- apropriadas, que são resultados da zavam as informações dadas pela
ciais e econômicos fixos”1. O ponto análise dos dados históricos. Supri- psico-história para definir quais as
de partida para definir essas pos- mir o caos seria obter informações melhores estratégias para conduzir
síveis reações é de extrema im- suficientes para deduzir o compor- o Plano.
portância, pois, nas palavras de tamento humano. Os psico-historiadores utiliza-
Seldon2: Essa era a proposta de Stigler: vam como instrumentos de coer-
Em muitos sistemas, a situ- ao invés de postular um compor- ção poderes mentais desenvolvidos
ação configura-se de uma ma- tamento humano, deveríamos de- na Segunda Fundação, mas os uti-
neira que, sob determinadas duzi-lo3, embora ele argumentasse lizavam somente em situações ex-
condições, eventos caóticos que isso seria somente papel da tremas. Normalmente, eles se
acontecem. Isso quer dizer que, Economia. Do ponto de partida do infiltravam nos governos e influen-
dependendo do ponto de parti-
comportamento econômico den- ciavam de modo menos incisivo as
da, é impossível prever as con-
sequências. É algo verdadeiro tro do mercado, por exemplo, a figuras políticas mais importantes.
até mesmo em sistemas bas- maximização do lucro seria aque- Isso porque usar ferramentas pa-
tante simples, e, quanto maior le pressuposto apropriado de Asi- ra comandar de forma específica
a complexidade de um siste- mov para a teoria neoclássica, de as ações de cada indivíduo eleva-
ma, maiores são as chances de modo que ela implicaria as formas ria o tempo de barbárie. A liber-
que ele se torne caótico. Parti- de comportamento4. dade individual deveria, portanto,
mos sempre do pressuposto de Essa linha de pensamento pode ser preservada. Nesse sentido, era
que qualquer coisa tão compli- ser aplicada desde a elaboração de adotada a estratégia de criar am-
cada quanto a sociedade huma- leis até de decisões proferidas por bientes de incentivos (não de co-
na rapidamente se torna caóti- órgãos administrativos e judiciais. mandos específicos) para que o
ca e, desse modo, imprevisível.
Para fazer uma análise mais especí- plano Seldon fosse cumprido da
O que fiz foi demonstrar que, ao
estudarmos a sociedade huma- fica, escolhi as decisões de órgãos maneira mais eficiente.
na, é possível escolher um pon- de defesa da concorrência (órgãos
to de partida e fazer pressuposi- antitruste) que versam sobre con- 2.2. A ORDEM ESPONTÂNEA
ções apropriadas para suprimir dutas anticompetitivas. E AS TEORIAS ECONÔMICAS
o caos. Isso fará com que seja
possível prever o futuro. Não de EVOLUCIONÁRIAS
2.1. LIBERDADE E “Ordem espontânea” (sponta-
maneira detalhada, claro, mas
sim em grandes pinceladas; sem INCENTIVOS neous order) é o termo utilizado por
precisão, com probabilidades A psico-história deveria ter apli- Hayek para se referir ao processo
calculáveis. cação. Através dela, foi previsto de adaptação a um grande número
Observa-se que a psico-histó- que a humanidade entraria em um de fatos particulares que não pre-
ria tem dois elementos essenciais: período de trinta mil anos de bar- cisam ser conhecidos em sua tota-
bárie, quando então surgiria o Se- lidade por ninguém5. Ele parte do

1 ASIMOV, Isaac. Fundação. São Paulo: Editora 3 STIGLER, George J. The Organization of In- ticas no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
Aleph, 2013. Tradução: Fabio Fernandes. p. 25. dustry. The University of Chicago Press, 1983. 2013. p. 17.
2 ASIMOV, Isaac. Prelúdio à Fundação. São p. 39. 5 HAYEK, Friedrich A. Law Legislation and Li-
Paulo: Editora Aleph, 2013. Tradução: Henrique 4 KUPFER, David. HASENCLEVER, Lia. Econo- berty. Vol. 1. The University of Chicago Press,
B. Szolnoky. p. 23 e 24. mia Industrial: Fundamentos teóricos e prá- 1983. p. 41.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 47

pressuposto de que é impossível da” do agente econômico é neces- condutas humanas e a regulação
tomar decisões a partir do conhe- sariamente probabilística. Nessa por meio de incentivos (e não co-
cimento de tudo o que pode afetar linha, as relações (entre indivíduos) mandos) é importante.
o nosso objetivo. O conhecimento que possuem certa regularidade A capacidade de previsão de
limitado (a racionalidade limitada) podem gerar ordens espontâneas probabilidades será melhor quan-
não é necessariamente ruim, mas a – relações estas que não precisam to mais conhecimento sobre o
noção dessa limitação é de grande ser conhecidas, mas o seu estudo funcionamento dos mercados for
valor para que possamos nos adap- é de extrema importância se qui- acumulado. Isso é válido tanto para
tar às mudanças através do uso do sermos regular algum setor social o ponto de vista dos agentes eco-
conhecimento disperso entre os para que a ordem resultante seja nômicos quanto para o do governo.
indivíduos6. benéfica9. Logo, se o último quer implantar
Essa ideia se aproxima da de A Psico-história de Asimov seria uma determinada política antitrus-
Schumpeter à medida que há a pre- o exemplo extremo de estudos das te (de acordo com uma determinada
ocupação com a adaptação. Hayek relações que geram ordens espon- ordem econômica), ele deve buscar
leva em consideração qualquer cir- tâneas. Curiosamente, as previsões mais conhecimentos acerca dos
cunstância que afete o comporta- feitas pelos psico-historiadores mercados para atingir um desem-
mento do indivíduo no sentido de são probabilísticas, e a precisão de- penho econômico melhor através
se adaptar; já Schumpeter se refere las se dá justamente por causa da da concorrência.
aos incentivos dos empresários pa- quantidade de informação que eles Note-se que Giovanni Dosi tam-
ra se adequarem às inovações dos possuem sobre a sociedade. Ou- bém fala sobre o processo de adap-
demais agentes para se manterem tro ponto interessante é o de que, tação da firma. Esta escolhe um
no mercado7. apesar de obter tanto conheci- paradigma tecnológico, ou trajetó-
Em geral, existem circunstân- mento sobre a humanidade em ge- ria tecnológica: em um mercado de
cias conhecidas pelos indivíduos ral, os psico-historiadores somente televisão (paradigma tecnológico),
(por exemplo, os próprios custos agiam diretamente na sociedade o empresário pode investir em te-
da firma são conhecidos por ela em casos extremamente excepcio- levisões com tela de LED (trajetória
mesma) e outras não conhecidas. nais; normalmente eles utilizavam tecnológica). A decisão sobre qual
De acordo com Nelson & Winter, ambientes de incentivos para di- caminho escolher (no que inves-
de um lado há o “comportamento recionar a sociedade para o menor tir) não é um processo aleatório; é
de rotina” dos indivíduos de acor- tempo de barbárie possível (a or- baseado em pesquisas e principal-
do com o que já sabem e com o que dem benéfica). mente na experiência que a firma
podem prever (de forma limitada); Hayek adota a mesma posição: adquire através do uso da tecnolo-
de outro lado, os indivíduos podem a complexidade da sociedade é a gia (learning by doing e learning by
tomar decisões que não se encai- razão de não devermos impor co- using). Portanto, a empresa toma
xam dentro do conceito de “roti- mandos específicos para organizar suas decisões através da análise do
na” que podem ser tomadas a partir a sociedade. Isto afetaria negativa- que deu certo e do que deu errado,
de fatos que não eram conhecidos mente a ordem espontânea. Assim, ou seja, ela faz uma análise do seu
anteriormente. Nesse sentido, o nunca é vantajoso substituir as re- próprio processo de adaptação pa-
comportamento das firmas geral- gras da ordem espontânea por co- ra decidir suas ações futuras11. Es-
mente é parcialmente estocástico8. mandos isolados10. É nesse sentido ta é uma percepção essencial que
Logo, a previsão da próxima “joga- que a união de informação sobre será elaborada ao longo do texto.

6 HAYEK, Friedrich. Op. cit., p. 14. Cycle. Social Science Classics Series. Transac- Belknap Press, 1985. p. 14 e 15.
7 SCHUMPETER, Joseph A. The Theory of tion Publishers, 1982. p. 232-236 9 HAYEK, Friedrich A. Op. cit., p. 40.
Economic Development: An Inquiry into Pro- 8 NELSON, Richard R.; WINTER, Sidney G. An 10 Ibid., p. 51.
fits, Capital, Credit, Interest, and the Business Evolutionary Theory of Economic Change. 11 DOSI, Giovanni. Technical change and survival:

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48 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

O ponto de vista adotado aqui é o sas adaptações, podemos passar à vas. Podemos verificar isso através
dos órgãos regulatórios como ins- análise das consequências para fa- do uso da Teoria dos Jogos, que
tituições que evoluem. Em relação zer uma comparação do papel da trabalha a partir dos incentivos
à regulação da concorrência, há a psico-história e o do antitruste. que jogadores têm para trapace-
necessidade de avaliar os seus im- Em primeiro lugar está a liberda- ar em um dado jogo. Portanto, em
pactos nos mercados para saber de. Para Asimov, intervenções inci- ambos os casos, há um estudo dos
se ela ainda é adequada à política sivas em indivíduos eram realizadas possíveis incentivos que os indiví-
econômica, e para se aperfeiçoar. somente quando realmente neces- duos teriam para praticar ou não
Assim, o governo agiria de modo sárias e dentro de certos limites (uma tais condutas de modo que podem
semelhante à firma sob o ponto de espécie de nudge). Assim, tomarei ser previstos (dentro de certos li-
vista da economia evolucionária. como referência o modelo econômi- mites) seus comportamentos.
Todos esses insights em conjun- co que tem como base a livre con- Esses aspectos do antitruste
to corroboram a possibilidade de corrência. Ainda assumirei que a não são novidades, mas há um da
aplicação de alguns dos principais política econômica tem como obje- psico-história muito interessan-
princípios da psico-história. Esta tivo o bem-estar social. Então, adoto te quando é feito um paralelo com
tem as mesmas características das um sistema antitruste que tem como o mundo real (não somente com o
teorias acima: 1) ela considera que objetivo a proteção da concorrência antitruste): fórmulas matemáticas
intervenção direta na sociedade como meio de aumentar o bem-es- que utilizam dados passados e pre-
teria muitos riscos; essa interven- tar dos consumidores, que é alcan- sentes (dados históricos) para pre-
ção deve ser feita somente quan- çado através de um mercado mais ver probabilisticamente, através de
do necessária; 2) considera que os competitivo –“competitivo” defini- estatísticas, o movimento da so-
movimentos sociais são parcial- do como o mercado onde há preços ciedade. Com essa ferramenta ma-
mente estocásticos; e 3) a análise baixos, alta oferta, e alta capacidade temática, os psico-historiadores
de dados empíricos são importan- de inovação12. podiam tomar decisões mais sóli-
tes para aferir pressupostos ade- Nessa questão, a nova Escola de das e consistentes.
quados para o estudo da sociedade. Harvard13 se aproxima da forma de Infelizmente tais recursos ma-
intervenção dos psico-historiado- temáticos (ainda) não existem, mas
2.3. PSICO-HISTÓRIA E res: há a preocupação com a estru- existe uma ferramenta da econo-
tura do mercado, pois dependendo mia que busca avaliar, através de
ANTITRUSTE
dela o ambiente do mercado pode métodos qualitativos e quantitati-
Esclarecidos esses pontos, fa-
ser mais ou menos propício a ati- vos, os efeitos de decisões tomadas
rei algumas adaptações: (i) os psi-
tudes anticompetitivas. Então, de- sobre a sociedade: a avaliação de
co-historiadores seriam os órgãos
ve haver a preocupação também impacto. A principal aplicação dela
de defesa econômica; (ii) o Plano
com as condutas anticompetitivas. atualmente se dá sobre as políticas
Seldon seria a política econômi-
Para preservar o Plano Seldon públicas. No antitruste ela vem si-
ca do País; e (iii) a humanidade se-
com o mínimo de intervenção, os do aplicada a alguns casos de con-
ria representada pela população do
psico-historiadores usavam sis- trole de estrutura, porém não há
país (adiante, assumirei que a hu-
temas de incentivos para preve- aplicação ao controle de conduta.
manidade, como beneficiária das
nir condutas prejudiciais ao Plano. Quando analisamos a psico-his-
decisões dos órgãos antitruste, é a
O antitruste também conta com tória, percebemos que há gran-
parte da população corresponden-
sistemas de incentivos, mas para de preocupação com a previsão do
te aos consumidores). A partir des-
prevenir condutas anticompetiti- movimento social. Entretanto, se

Europe’s semiconductor industry (Industrial ad- 12 HOVENKAMP, Herbert. The Antitrust Enter- 13 Ibid., p. 37 e 38.
justment and policy). Sussex European Research prise: principle and execution. Harvard Uni- 14 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8. ed.
Centre, University of Sussex, 1981). p. 129-131 versity Press, 2008. p. 2. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 4.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 49

nos preocupamos com o movimen- acordo com o avanço da sociedade, tariam de acordo com uma dada
to social, devemos levar em consi- assim como ocorre com o progres- decisão: dados anteriores e poste-
deração ações individuais, afinal so da tecnologia e das teorias eco- riores às decisões tomadas (dados
a sociedade se movimenta a par- nômicas. Esse é um aspecto muito históricos) são concretos e obser-
tir de condutas individuais que te- importante no Antitruste. Por ou- váveis e, portanto, servem justa-
nham efeitos em outras pessoas. tro lado, não são extirpadas teo- mente para facilitar esse processo.
Dessa maneira, nos preocupamos rias ultrapassadas ou até mesmo A partir do momento em que
com a estrutura do mercado e com erros de interpretação econômi- prever qual será exatamente o
as condutas individuais dos agen- ca (em seu aspecto positivo) e ju- comportamento individual de um
tes econômicos, haja vista que há rídica (quanto à identificação das agente econômico é impossível, é
influências recíprocas entre eles. hipóteses legais de incidência). objetivado o uso da análise de im-
Essa premissa explica o moti- O aumento arbitrário dos lucros pactos para buscar meios de for-
vo da preocupação com mercados pode ser considerado infração à talecer as decisões da agência
mais concentrados: quanto mais ordem econômica, mas a lei não antitruste e, consequentemente
concentrado é o mercado, maior traz um conceito de “arbitrarieda- reduzir os incentivos às condutas
é o poder de mercado de algumas de”. Desse modo, quanto mais di- anticompetitivas. Para isso, é pre-
empresas. O problema de um po- fícil é identificar um evento, mais ciso saber os aspectos gerais teó-
der de mercado grande é o de que árdua ainda é a sua tradução para ricos e de aplicação das avaliações
a decisão individual tem maior ca- a linguagem jurídica. Torna-se di- de impacto.
pacidade de afetar o mercado e, fícil identificar a hipótese de inci-
portanto, os consumidores (aqui dência da norma Antitruste. Isto
assumo os consumidores como os é, utilizando os conceitos de Kel- 3. A AVALIAÇÃO DE
principais beneficiários do anti- sen14, temos duas dificuldades: 1) a IMPACTO
truste). Além disso, uma empresa definição do “fato” em si (a factici- A avaliação de impacto atual-
com grande poder de mercado po- dade); e 2) interpretar a norma e o mente é largamente utilizada no
de criar barreiras à entrada de no- fato descrito para dá-lo uma signi- âmbito das políticas públicas. Nes-
vos concorrentes para manter o ficação jurídica. se ponto, esse instrumento econô-
mercado concentrado. Dessa for- É nesse momento que se verifica mico é um conjunto de métodos
ma, assim como ocorreu com Go- a importância da avaliação de im- utilizados para entender se progra-
lan Trevize na série Fundação, a pacto no controle de condutas. Em mas públicos funcionam, assim co-
intervenção específica sobre uma princípio, essa é uma ferramenta mo os seus efeitos nos potenciais
empresa detentora de poder de muito útil porque nem sempre te- beneficiários15, através de produ-
mercado pode ser necessária. mos um caso ideal que enseje um ção de evidências16.
No entanto, o uso de conceitos remédio predeterminado e por- A questão principal da avaliação
abertos demais abre muito espa- que muitas vezes se faz necessário de impacto é de verificar quais os
ço para que o intérprete da Lei da o uso de proxies que, por vezes, não efeitos de uma determinada deci-
Concorrência adote modelos eco- substituem satisfatoriamente algu- são. Para isso, devem-se isolar os
nômicos que não sejam adequados. ma variável importante. A avaliação efeitos do programa de efeitos ge-
Um quadro com moldura muito de impacto forneceria informações rados por outros fatores17 por meio
ampla tem a vantagem de possibi- importantes para saber como os de relações causais entre o projeto
litar maior avanço das decisões de agentes econômicos se compor- ou programa e os seus resultados18.

15 KHANDKER, Shahidur R.; KOOLWAL, Gaya- 16 GERTLER, Paul J.; MARTINEZ, Sebastian; 17 12 KHANDKER, Shahidur R.; KOOLWAL, Gaya-
tri B.; SAMAD, Hussain A. Handbook on impact PREMAND Patrick; RAWLINGS, Laura B., VER- tri B.; SAMAD, Hussain A. Op. cit., p. 4.
evaluation: quantitative methods and practi- MEERSCH, Christel M. J.. Impact Evaluation in 18 Ibid.
ces. The World Bank, 2010. p. 3. Practice. World Bank 2011. p. 14.

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50 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

A partir de então, os policy mak- ra contextualizar a avaliação e os


caso concreto deve ser dada in-
ers podem decidir se a intervenção seus resultados. Ela não é projeta-
dependentemente de uma avalia-
através de determinado programa da tipicamente para gerar spillover
ção de impacto prévia. Esta é útil
vale a pena ser sustentada e se es- effects, mas sim para dar respostas
àquela, mas não necessária. Vin-
te deve ser mantido, expandido ou a um caso individual a partir das
cular as duas traria sérios proble-
encerrado19. particularidades deste. Portanto, a
mas de morosidade e de custos
Durante a avaliação há gastos avaliação deve estar alinhada com
altos e desnecessários para cada
com pessoal, com buscas de in- os objetivos do programa, bem co-
procedimento.
formação etc. Logo, não é todo mo ser guiada com informações A avaliação de impacto de polí-
programa que será objeto de tal ticas públicas serve para guiar um
sobre como, quando e onde o pro-
procedimento. Para justificar os grama está sendo implantado22. projeto antes da sua execução e du-
custos envolvidos no processo de A psico-história utiliza dados
rante ela. Essa ferramenta aumen-
avaliação, o programa a ser avalia- históricos, que são dados relativos
ta a eficiência do plano de governo
do deve ser: 1) Inovador – ele testa ao contexto em que comportamen-uma vez que revela se as decisões
uma nova e promissora aborda- tos humanos são tomados, e bus-sobre políticas públicas adotadas
gem; 2) Replicável – ele pode ser ca prever comportamentos futuros
são ou não eficazes, de modo que
aplicado em outros casos; 3) Re- através de relações de causa-efeito
gera consequências na alocação de
levante estrategicamente – é um com auxílio de fórmulas matemáti-
recursos na implantação e condu-
programa piloto, requer recursos cas. As principais caraterísticas da
ção de projetos.
substanciais, abrange, ou pode ser avaliação de impacto ex post estãoAs decisões elaboradas por um
expandido para abranger, um gran- presentes na psico-história: a rela-
órgão antitruste são definitivas em
de número de pessoas, ou pode ge- ção de causa-efeito e a necessidade
um momento determinado e não
rar economias substanciais; 4) Não de informações sobre o contexto.
poderão ser modificadas desde en-
testado – pouco se sabe sobre a Já a avaliação de impacto ex ante
tão. Se os seus objetivos não forem
eficácia do programa, globalmen- se aproxima mais da característi-
alcançados, não há a possibilidade
te ou em um contexto particular; e ca preditiva daquela ciência, pois a
de modificação. Além disso, o pro-
5) Influente – os resultados podem primeira tenta prever os resultados
cesso de elaboração da decisão não
ser usados para informar decisões deve ser muito longo. Portanto, a
de mudanças políticas pretendidas
políticas chave20 (tradução livre) com base em pressupostos sobre o
avaliação ex ante pode se mostrar
A avaliação de impacto se torna comportamento individual e sobre
como um obstáculo, pois ela ne-
ainda mais importante quando são mercados23 – psico-história tam-
cessita de tempo para que sejam
gerados spillover effects, ou seja, bém tenta prever resultados de mu-
coletados dados suficientes e pa-
quando ela produz resultados ge- danças comportamentais com basera que, a partir destes, sejam feitas
neralizáveis, que possuem validade em pressupostos sobre o compor-análises satisfatórias.
externa (external validity), de modo tamento individual. Outro argumento é o de que
que podem ser utilizados em áreas uma decisão deve ser tomada, não
mais amplas de interesse21 além do há a possibilidade de não julgar um
caso particular. Este seria o caso de 3.1. AVALIAÇÃO DE caso – a política pública pode ou
externalidades positivas. IMPACTO DE DECISÕES DA não ser implantada, dependendo
Então, para que sejam gerados AGÊNCIA ANTITRUSTE da análise ex ante, ao contrário das
esses efeitos desejados, informa- Desde logo, devemos ter em decisões da agência antitruste. No
ções sensíveis são necessárias pa- mente que uma decisão sobre um último caso, a análise ex ante servi-

19 Ibid, p. 18. MEERSCH, Christel M. J.. Op. cit., p. 11 PREMAND Patrick; RAWLINGS, Laura B.,
20 GERTLER, Paul J.; MARTINEZ, Sebastian; 21 Ibid., p. 14. VERMEERSCH, Christel M. J.. Op. cit., p. 15.
PREMAND Patrick; RAWLINGS, Laura B., VER- 22 GERTLER, Paul J.; MARTINEZ, Sebastian; 23 KHANDKER, Shahidur R.; KOOLWAL, Gaya-

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 51

ria para aperfeiçoar a decisão, mas Uma avaliação ex post deve ter rarem os seus benefícios, então o
utilizando um grande período de os melhores pressupostos possí- melhor para a sociedade é a inér-
tempo. Além disso, no caso de con- veis para que obtenha os melhores cia do Estado. Assim, uma manobra
dutas anticompetitivas, somen- resultados possíveis. Nesse senti- que serviria para beneficiar os con-
te é preciso que sejam verificados do, verificar o que funcionou e o sumidores com o desenvolvimento
efeitos anticoncorrenciais através que não funcionou é muito útil pa- do antitruste, poderia acabar pre-
do exercício do poder de merca- ra aferir não somente se uma dada judicando-os.
do, sendo presumido o fato de que decisão gerou os efeitos espera- A intervenção estatal no merca-
a decisão condenatória será bené- dos ou não, mas também se a me- do apresenta efeitos desde o cur-
fica à sociedade. todologia utilizada na elaboração to prazo. Já a avaliação de impacto
A avaliação ex post teria, portan-
foi adequada, se as conclusões al- de decisões de órgãos antitruste,
to, o objetivo de constatar se aque-
cançadas foram certas (se hou- assim como nas políticas públicas,
la presunção era ou não verdadeira,ve alguma incorreta, o porquê) e apresenta efeitos no longo prazo
haja vista que diferentes situaçõesse os mecanismos adotados para e podem ter spillover effects subs-
podem exigir diferentes tipos de concretizar a decisão também fo- tanciais26. Portanto, a comparação
sanção. Com efeito, a avaliação uti-
ram adequados. Essa abordagem dos custos dessa intervenção de-
lizada é a ex post, o que ocorre com
pode, através de dados estatísti- ve ser feita no longo prazo depois
as decisões sobre mergers24. cos, confirmar ou contestar pres- que tenham sido sentidos os efei-
supostos teóricos utilizados em tos (principalmente os spillover
decisões futuras – por exemplo, se effects) das avaliações de impactos.
3.2. LIMITE CONTEXTUAL E a maximização de lucros é o único Todavia, afirmar que os custos ge-
O SPILLOVER EFFECT objetivo das empresas, se outros rados pela intervenção são maiores
Os resultados das avaliações de objetivos das empresas indicados que um possível trade-off sem da-
impacto de decisões, assim como pela nova economia institucional dos ou implicações lógicas satisfa-
os de políticas públicas, possuem são verdadeiros. tórias não é suficiente para afastar
limitações quanto ao contexto, o uso de um instrumento que tem
principalmente no que diz respei- custos, mas com grande poten-
to às decisões sobre aquisições e
3.3. A QUESTÃO DOS
cial para o desenvolvimento de en-
fusões. Entretanto, existe o cha- CUSTOS DA AVALIAÇÃO forcement do Antitruste.
mado spillover effect. Esse é um DE IMPACTO Dessa feita, tomarei aquela posi-
dos benefícios gerados pela ava- É claro que para realizar tal pro- ção de Asimov quanto à intervenção:
liação de impacto: os seus resul- cedimento é necessário contratar uma vez que o processo de avalia-
tados, baseados em relações de pessoal especializado e fornecer ção de impacto gera custos (sociais),
causa e efeito, podem oferecer in- meios e informações para que os ele deverá ser feito quando neces-
sights para a elaboração de futu- resultados sejam satisfatórios. Se sário, quando as características do
ras decisões aplicadas a âmbitos considerarmos o Estado como um caso particular se mostrarem sufi-
diferentes – os seus pressupos- tipo de super-firma (“super-firm”), cientes. Assim, para justificar tais
tos e mecanismos utilizados pa- como queria Ronald Coase25, te- custos, a decisão deve apresentar
ra atingir seus objetivos podem mos que ele age de forma econo- características semelhantes àque-
ser utilizados (ou deixarem de ser micamente racional: se os custos las, já citadas, dos programas públi-
utilizadas) em outras decisões. de uma avaliação de impacto supe- cos: inovadora; replicável; relevante;

tri B.; SAMAD, Hussain A. Op. cit., p. 4. dtables. 2011. 26 KHANDKER, Shahidur R.; KOOLWAL, Gaya-
24 Ver The Organisation for Economic Co- 25 COASE, Ronald H. The Firm, The Market tri B.; SAMAD, Hussain A.; Handbook on impact
-operation and Development. Impact Evalua- and The Law. The University of Chicago evaluation: quantitative methods and practi-
tion of Merger Decisions. OECD Policy Roun- Press, 1990. p. 117. ces. The World Bank, 2010. p. 3.

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52 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

não testado – no que concerne aos Esse custo é, por definição, liga- o valor delas somente poderá ser
remédios; e influente. do a todo tipo de conduta ilegal, de calculado após a decisão do órgão
modo que está relacionado a todo antitruste, haja vista que não há um
4. AVALIAÇÃO DE IMPACTO tipo de conduta anticompetitiva. remédio predeterminado em lei
NO CONTROLE DE Com base nas fórmulas apresen- para casos específicos.
tadas por Posner27 e Becker28, esse Quando analisamos a equa-
CONDUTA
custo pode ser representado mate- ção (1) podemos observar o fato de
Em contraste com as avaliações
maticamente da seguinte maneira: que, se temos uma pena fixa, quan-
sobre mergers, as sobre condutas
possuem menos limitações quanto µ=pf to maior a certeza dela, maior se-
(1) onde µ é o custo, p a probabi- rá o µ. Do mesmo modo, se temos
ao mercado relevante. Isso se dá
lidade de punição, e f (fine) o valor a probabilidade constante, quan-
porque mesmo em mercados dife-
da punição. to maior a pena, maior serão os
rentes, a conduta considerada co-
custos de punição esperados. En-
mo crime, em si, é a mesma. Uma
Assumirei que as empresas tretanto a pena não é totalmente
empresa de fornecimento de pe-
agem de forma racional – sendo predeterminada em lei – quando
ças automobilísticas e uma de ci-
“racional” o fato de elas balancea- se trata de multa, esta ainda varia
mento, na condição de suppliers,
rem os ganhos e custos potenciais. entre um mínimo e um máximo; já
podem praticar discriminação de
Só há incentivos para praticar con- probabilidade de punição não tem
preços, podem formar cartéis com
dutas ilegais quando o custo delas como ser calculada exatamente –
seus respectivos concorrentes
é menor que os benefícios gerados não há informação sobre a quanti-
etc. A influência do contexto so-
(o seu trade-off). Assim, se o valor, dade de condutas que estão sendo
bre a prática diz respeito à forma
por exemplo, da multa correspon- praticadas e que estão impunes. É
de sua execução e aos incentivos
dente à prática de cartel, descon- nesse momento que também se faz
às condutas anticompetitivas, ha-
tada a probabilidade de imposição importante os benefícios da avalia-
ja vista que cada mercado possui
da punição, é maior que os lucros ção de impacto.
as suas particularidades (concen-
gerados através da cartelização, Quando é realizada a avaliação
tração de mercado, diferenciação
haverá um “desincentivo” para a de impacto de decisões, os efeitos
de produtos, economias de esca-
prática desta conduta. destas ficam mais claros, ou seja,
la etc.).
Aliás, é mais fácil calcular qual há disponibilidade de mais infor-
Desse modo, é possível que o
seria o µ nos casos em que é apli- mação sobre as consequências de
spillover effect seja maior quando
cada somente multa. Isso porque o uma decisão. Isso é de extrema im-
da análise de condutas: os insights
mínimo e o máximo da multa já são portância pra analisarmos os cus-
sobre condutas, por terem menos
predeterminados em lei, de mo- tos de punição esperados.
limitações contextuais, podem ser
do que podemos calcular o mínimo O órgão antitruste possui cer-
aplicados de forma mais ampla; e o
e máximo do µ derivado daquela tos parâmetros para fazer a dosi-
fato de melhorar as decisões, po-
sanção – no Brasil, temos estipula- metria da pena. No Brasil, a Lei nº.
de causar efeitos sobre incentivos
dos esses valores no art. 37, I, II e 12.529/2011, em seu artigo 45, dis-
de práticas anticompetitivas. Essa
III da Lei nº. 12.529/2011. Já nos ca- põe sobre algumas considerações
é uma vantagem de se avaliar o im-
sos em que há outras punições im- que devem ser feitas na aplicação da
pacto de decisões.
postas que não denotam um valor pena. No entanto, o órgão ainda de-
“imediato” – por exemplo, remé- ve decidir qual valor exato da mul-
4.1. CUSTOS DE PUNIÇÃO dios estruturais, como vender uma ta deverá ser aplicado e quais outras
ESPERADOS parcela dos ativos da empresa. –, medidas deverão ser tomadas. Nes-

27 POSNER, Richard A. Antitrust Law. 2. ed. The 28 BECKER, Gary. Crime and Punish- nal of Political Economy, Vol. 76, No.2,
University of Chicago Press, 2001. p. 47. ment: An Economic Approach The Jour- 1968. p. 185.
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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 53

se momento, a avaliação de impacto The sad fact is that econo- poderá afetar o funcionamento
oferece dados empíricos para o cál- mists are often convinced that do mercado, pelo menos no cur-
culo da multa adequada. a certain practice can be anti- to prazo, prejudicando a qualidade
Em relação à multa aplicada te- competitive, at least part of the dos produtos e serviços ofertados
mos três possibilidades: 1) ela é time. However, antitrust is for- aos consumidores, bem como seus
insuficiente, caso em que ainda ha- ced to leave the practice alo- preços, já que a oferta poderá ser
verá incentivos para praticar o ilí- ne because it has not developed reduzida. Por esses motivos, temos
cito, pois mesmo que este seja e rules that can reliably distin- que a decisão deve aplicar penas
sofra sanção, ainda haverá lucro; guish anticompetitive results or com valores adequados – concei-
2) ela é adequada, caso em que ela remedy them effectively.30 tuo como adequado o valor da pena
se mostrou suficiente para deses- Os remédios, muitas vezes, po- suficiente para não gerar incentivo
timular tal conduta; e 3) ela é exa- dem acabar sendo ineficazes ou até à prática de condutas anticompe-
cerbada, caso em que o valor muito mesmo prejudiciais. Hovenkamp titivas. Estabelecer quais as penas
elevado da multa pode gerar cus- afirma também que há situações a serem aplicadas e os seus valores
tos sociais, como insolvência que em que o mercado teria ficado me- é tarefa complexa, que é facilitada
pode afetar os consumidores em lhor se nenhum remédio fosse apli- quando o órgão julgador dispõe de
mercados com fraca concorrência, cado e que, em casos nos quais os informações essenciais sobre o ca-
refrear a tomada de atitudes com- trade-offs não são tão claros, e que so e sobre as possíveis consequên-
petitivas por parte de empresários o melhor seria deixar o mercado cias de sua decisão (que é o papel
pelo receio de elas serem conside- trabalhar do seu próprio modo31. da avaliação de impacto).
radas anticompetitivas29 etc. Nesse sentido, a avaliação de Através da análise da equação (1),
A avaliação de impacto de de- impacto fornece informações so- podemos alcançar esse resultado
cisões oferece informações sobre bre a eficácia de remédios já adota- de três formas: (i) aumentando o va-
os efeitos da multa aplicada. Por dos. Tais dados sobre os efeitos de lor da pena; (ii) aumentando a pro-
exemplo, se o objetivo era punir os novos remédios serviriam de base babilidade da conduta ser punida; e
integrantes de um cartel de modo para a o seu aperfeiçoamento ou (iii) aumentar ambos. Aumentar de-
eficaz para que os preços fossem abandono e para criação de outros. mais o valor da pena (f), como já foi
reduzidos para os de competição, Cumpre-se observar que os re- argumentado, pode levar a prejuí-
uma avaliação ex post pode esclare- médios também são valores a se- zos ao mercado. Também, subir es-
cer se tal objetivo foi alcançado ou rem somados à punição. Portanto, se valor e manter a probabilidade de
não, e o porquê em caso negativo. balancear multa e remédio é uma punição muito baixa não gera resul-
Em relação à aplicação de re- atividade complexa e necessária tados satisfatórios. Por outro lado,
médios, através da avaliação de im- para que seja atingida uma decisão trabalhar somente com a probabi-
pacto teremos a informação sobre mais adequada. lidade de punição (p) pode não ter
a eficácia de um remédio já aplica- Por um lado, temos que se a de- os resultados desejados, pois o valor
do (principalmente se ele for novo) cisão não for suficiente para alcan- da punição pode não ser adequado.
e sobre como os agentes econômi- çar o seu objetivo, os consumidores Logo, a melhor estratégia é adequar
cos se comportaram após a apli- serão prejudicados, pois haverá in- f e aumentar p.
cação dele. Hovenkamp já alertava centivo no sentido das condutas Através da avaliação de impac-
sobre as limitações da legislação anticompetitivas. Por outro lado, se to podemos ter melhor noção de
antitruste nos Estados Unidos: a decisão for incisiva, forte demais, como punir, logo os valores das

29 TERKAZEN, John; HUIZING, Pieter. How nº. 2, 2013. p. 6. 31 HOVENKAMP, Herbert. The Antitrust En-
Much Is Too Much? A Call For Global Prin- 30 HOVENKAMP, Herbert. The Antitrust En- terprise: principle and execution. Harvard
ciples To Guide The Punishment Of Interna- terprise: principle and execution. Harvard University Press, 2008. p. 30.
tional Cartels. ABA Antitrust Magazine. vol. 7. University Press, 2008. p. 7.

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54 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

penas seriam mais adequados. As dos de Asimov para que possamos quadro de interpretação das nor-
experiências passadas ajudariam melhor deduzir o comportamento mas antitruste.
a realizar a dosimetria da pena e ados agentes econômicos a partir de É adotada uma perspectiva
escolher qual remédio aplicar, bem dados históricos e relações causais, institucional evolucionária atra-
como balancear os dois. de maneira que possamos prever vés da melhor adequação de de-
Em relação à probabilidade de as suas ações. Através do forneci- cisões a partir da constatação de
punição, as relações causais en- mento de informações, há um al- se as penas aplicadas atingiram
tre decisões e seus efeitos reve- to potencial de validade externa da seus objetivos ou não e o motivo.
lariam de qual forma as decisões avaliação ex post no sentido de apri- As consequências esperadas são:
anteriores surtiram efeito no mer- morar decisões da agência antitrus- 1) o fortalecimento do órgão anti-
cado, de modo que novos insights te sistematicamente e de oferecer truste através do aprimoramen-
poderiam ser retirados dos dados percepções importantes acerca do to de suas decisões; 2) a redução
empíricos. Isso faria com que pu- comportamento do agente econô- de “falsos positivos” e “falsos nega-
déssemos distinguir melhor se há mico no mercado, possibilitando tivos” no controle de conduta; 3) a
ou não a prática de conduta anti- previsões probabilísticas de com- redução de incentivos às condutas
competitiva, eliminando boa parte portamentos futuros. anticompetitivas; e 4) o desenvolvi-
dos “falsos positivos” e dos “falsos Se quisermos prevenir a prática mento do ambiente competitivo.
negativos” (termos usados por Ho- de condutas anticompetitivas, en- No fundo, trata-se daquela
venkamp32) – é importante notar- tão devemos trabalhar com siste- questão de aprender com o pas-
mos que apenas punir um número mas de incentivos. Nessa linha, um sado para não cometer os mes-
maior de condutas não é desejável, sistema de incentivos está ligado mos erros, porém de uma forma
pois o número de falsos positivos ao aumento dos custos de punição mais sistemática e consisten-
pode aumentar. Se reduzimos os esperados e da redução da possibi- te, com uma capacidade maior de
falsos negativos, significa que mais
lidade de danos causados ao mer- previsibilidade quanto a problemas
condutas anticompetitivas não são cado por penas não adequadas. futuros. Afinal, como já disse o fe-
“absolvidas”, o que aumenta a pro- Somente algumas decisões po- deral agent Fox Mulder, “how do we
babilidade de punição de forma efi-dem ser submetidas à análise, know about the present? We look
ciente, que é o nosso objetivo. sob pena de haver um trade-off to the past”. Indo além, how do we
Em geral, há duas externalidadesnegativo. Nesse sentido, a decisão know about the future? We look to
geradas a partir do aprimoramen- objeto da avaliação deve ser: 1) ino- the past and to the present.
to das decisões com a avaliação de vadora; 2) replicável (observando-
impactos no controle de conduta: -se os limites contextuais ligados ao REFERÊNCIAS
1) menos incentivos à prática anti-mercado e ao tipo de remédio utili- ASIMOV, Isaac. Fundação. São
competitiva, tendo em vista o me- zado); 3) relevante estrategicamen- Paulo: Editora Aleph, 2009. Tradu-
nor número de falsos negativos; e te; 4) não testada; e 5) influente. ção: Fábio Fernandes.
2) maior confiança das firmas na Dois elementos devem ser con- ____. Fundação e Império. São
atuação da agência antitruste, con-siderados: as características dos Paulo: Editora Aleph, 2009. Tradu-
siderando-se a redução de falsos mercados e o tempo, culminando- ção: Fabio Fernandes.
positivos. -se em um processo de evolução. ____. Segunda Fundação. São
É nesse sentido que o uso de ins- Paulo: Editora Aleph, 2009. Tradu-
5. CONCLUSÃO trumentos econômicos que mos- ção: Marcelo Barbão.
Os dados empíricos nos auxiliam trem os resultados práticos das ____. Limites da Fundação.
a estabelecer pressupostos adequa- decisões pode ajudar a limitar o São Paulo: Editora Aleph, 2012. Tra-

32 HOVENKAMP, Herbert. The Antitrust Enterprise: principle and execution. Harvard University Press, 2008. p. 7.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 55

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56 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

As teorias econômicas da
regulação e a dicotomia
entre regulação econômica
e social
Por Thomaz Teodorovicz*

1. INTRODUÇÃO
Uma função governamental central na moderna eco-
nomia capitalista é promover o bem-estar econômico e
social. Especialmente a partir do século XX, dentre os
diversos modos pelos quais governantes buscam alcan-
çar tal objetivo, como políticas econômicas, educacio-
nais e de saúde, um merece especial destaque: a política
regulatória (OCDE, 1997). Esse período foi marcado pe-
la passagem de um modelo no qual os governos atua-
vam como agentes econômicos ativos a um modelo de
“estado regulador”. Neste, atividades produtivas passa-
vam a ser centralizadas no setor privado, enquanto ao
governo ficou incumbida a supervisão e regulação de
tais atividades (JORDANA; LEVI-FAUR, 2004). A ascen-
são do modelo de estado regulador é ilustrada por um
relatório emitido pela Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2005), no qual
se destaca o crescimento do número de agências re-
guladoras nos segmentos de telecomunicações, ener-
gia e financeiro de seus países-membro, passando de um
agregado de 8 para 90 agências reguladoras entre 1960
e 2005.

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 57

Os diversos mecanismos re- introdução. A seção dois explicita amplitudes da noção de regula-
gulatórios utilizados pelos gover- como a distinção entre regulação ção: i) o primeiro e mais restrito
nos geraram a percepção de que econômica e social vem sido per- caracteriza a regulação como um
as regulações poderiam ocasionar cebida na literatura, pautando-se conjunto de regras específicas as-
diversos resultados e perseguir em uma definição ligada aos ob- sociadas à ação de um órgão ou
objetivos diferentes, o que resul- jetivos de cada regulação. A ter- agência estatal; ii) a segunda ado-
tou em uma divisão entre regula- ceira apresenta a abordagem do ta uma amplitude moderada ao
ção econômica e social. A primeira interesse público da regulação e tratar de regulação como a go-
estaria voltada à eficiência pro- sua interpretação da dicotomia vernança geral e todos os tipos
dutiva e à regulação de variáveis regulação social x econômico po- de intervenção das agências esta-
como preços, quantidades produ- de ser inserida nessa análise. A tais para “guiar” a atividade e os
zidas e barreiras à entrada. Já a se- quarta seção é voltada à explana- agentes econômicos; e iii) a mais
gunda compõe ações regulatórias ção da “teoria econômica da re- ampla noção de regulação co-
ligadas ao bem-estar social co- gulação”, desenvolvida pela escola mo qualquer ação estatal capaz
mo meio-ambiente, condições de de Chicago, e à tentativa de ex- de afetar o comportamento hu-
trabalho, de saúde e proteção ao plicar como ela incorpora tanto mano. Eisner, Worsham e Ring-
consumidor. Concomitantemente, a regulação econômica como so- quist (2006) definem regulação
economistas tentaram compreen- cial. A quinta e última seção apre- como um amplo conjunto de polí-
der as motivações da atividade re- senta as considerações finais. ticas incidentes sobre as ativida-
gulatória e quais os seus impactos des econômicas, seja no âmbito
econômicos e de bem-estar, dan- da firma ou do indivíduo. Ade-
do origem a duas teorias econô-
2. A DISTINÇÃO ENTRE mais, a regulação se pauta no po-
micas conflitantes: a “teoria do REGULAÇÃO ECONÔMICA E tencial poder de coerção, punição
interesse público” da regulação e SOCIAL e legislação do Estado para im-
a “teoria econômica da regulação”, Conforme apontado por den por regras que limitam a ação dos
associada à escola de Chicago. Hertog (1999; 2010) e Windholz agentes econômicos com o intui-
Uma questão que surge da e Hodge (2012), não há consenso to de atingir determinados objeti-
transposição da dicotomia entre respectivo à definição do concei- vos desejados pelos policy makers
regulação econômica e social pa- to “regulação”. As várias definições (OCDE, 1997; VISCUSI; VERNON,
ra o âmbito teórico é a de se as de regulação refletem as preocu- HARRINGTON JR, 2005; DEN
teorias econômicas da regulação pações do pesquisador ligadas HERTOG, 2010). Assim, apesar de
conseguem enfatizar diferenças à sua área disciplinar, de modo diferentes concepções de regula-
percebidas entre esses dois tipos que não haveria sentido oferecer ção, sua definição está associada
de regulação ou se, do ponto de uma única definição autoritária à interferência estatal nas ativi-
vista econômico, há uma aproxi- da noção de regulação para to- dades econômicas.
mação entre elas. A partir dessa das as disciplinas (JORDANA; LE- Quatro dimensões básicas
questão, o objetivo deste artigo é VI-FAUR). compõem qualquer regulação: ti-
verificar como e se as duas prin- Há trabalhos que buscam, en- po, escopo, forma e função/objeti-
cipais abordagens econômicas da tretanto, clarificar e sistematizar vo. O tipo está associado à criação
regulação incorporam ou podem as diversas acepções do termo de informação e incentivo à ação
incorporar a dicotomia entre re- a partir de perspectivas econô- (positiva) ou ao impedimento e à
gulação econômica e social. micas, sociais e legais. Baldwin, imposição (negativa); o escopo re-
O presente trabalho é dividido Scott e Hood (1998) identificam presenta a extensão do controle
em mais quatro seções além desta três significados com diferentes e da supervisão imposta; a forma

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58 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

é caracterizada pelos procedi- ao impedir a fusão de firmas2, e caracterizada pelo foco em com-
mentos utilizados para desenhar o estabelecimento de preços-te- bater os efeitos deletérios do
e impor a regulação; e a função é to em algum segmento de merca- mercado no que tange à esfera
caracterizada pelo objetivo o qual do devido ao poder de monopólio social. Por meio da imposição de
se deseja atingir por meio dela (PI- existente3. requisitos mínimos e de controle
NHEIRO; SADDI, 2009). A partir da década de 1970, nos referentes ao processo produtivo,
A partir da análise de objeti- Estados Unidos, problemas re- assim como critérios de qualida-
vos regulatórios, legitimou-se a sultantes da aceleração econô- de dos produtos e disposição de
distinção entre a regulação eco- mica durante o período do New informação, a regulação social in-
nômica e social1. A regulação Deal como a crescente poluição e corpora diversos objetivos sociais
econômica é caracterizada pe- as más condições de trabalho cria- como a manutenção da saúde, se-
la OCDE como aquela que inter- ram a demanda para um novo tipo gurança e proteção ambiental,
vém diretamente nas decisões de intervenção estatal que pro- os quais podem ser lesados pelo
de mercado, como precificação, tegesse o público geral dos da- processo produtivo (TABB, 1980).
competição, entrada e saída do nos gerados pela intensificação Tais objetivos podem, por sua vez,
mercado, sendo voltadas ao au- do processo produtivo (EISNER, ser associados tanto à prevenção
mento da eficiência econômica 2002). A resposta estatal a essa e compensação de danos socias
(OCDE, 1997). A literatura eco- demanda resultou na criação de gerados pelo setor privado como
nômica e política enfatiza que o diversas agências reguladoras: a a objetivos paternalistas, morais e
objetivo da regulação econômi- Environmental Protection Agency, éticos intrínsecos ao policy maker
ca é assegurar o funcionamen- a Occupational Safety and Health e que são percebidos como “de
to eficiente da economia a partir Administration e a U.S. Consumer interesse público” (OGUS, 2002;
de, basicamente, ferramentas li- Product Safety Commmision são SAGGAR, 2008; WINDHOLZ, HO-
gadas diretamente ao mercado e exemplos de agências norte-ame- DGE, 2012). O conceito difundido
aos agentes econômicos: contro- ricanas criadas na década de 1970 pela OCDE captura essas caracte-
le de preços, da quantidade pro- com a responsabilidade de regular rísticas, o qual define regulações
duzida/ofertada, da entrada e da e prezar pela manutenção e prote- sociais como aquelas que
saída do mercado e de demais ção do meio ambiente, condições
condições que afetem a competi- de trabalho e proteção ao consu-
protect public interests su-
tividade e eficiência do mercado midor, respectivamente (VISCUSI; ch as health, safety, the environ-
(TABB, 1980; VISCUSI; VERNON; VERNON; HARRINGTON JR., 2005; ment, and social cohesion. The
HARRINGTON JR., 2005; EISNER; EISNER, 2002). Esse outro tipo de economic effects of social regu-
WORSHAM; RINGQUIST, 2006; regulação preocupado em respon- lations may be secondary con-
EISNER, 2007; WINDHOLZ, HO- sabilizar as empresas pelas possí- cerns or even unexpected, but
DHE; 2012). Alguns exemplos de veis consequências danosas que can be substantial (OCDE, 1997).
regulação econômica são o da le- suas ações geram na sociedade foi
gislação antitruste, a qual impacta nomeado “regulação social”. Se por um lado verifica-se uma
diretamente a estrutura de com- Diferentemente da regulação segregação entre regulação eco-
petição do mercado no qual atua econômica, a regulação social é nômica e social, por outro la-

1 Apesar de haver distinções com base no tipo jetivos econômicos como “ferramentas econô- 3 Em 1989, por exemplo, a Federal Commu-
de ferramenta regulatória utilizada e ator ou micas” são capazes de atingir objetivos sociais. nication Commission (agência reguladora das
atividades sendo reguladas, Windholz e Hodge 2 Um exemplo de aplicação pode ser encon- telecomunicações nos Estados Unidos) ins-
(2012) argumentam que tais quesitos são inca- trado no impedimento de fusão da Garoto e tituiu preços-teto para as ligações de longa-
pazes de explicar a diferenciação entre regu- da Nestlé, em 2002, devido ao elevado market -distância da AT&T devido ao poder de mo-
lação social e econômica. Tanto “ferramentas share resultante desse possível ato de con- nopólio detido por essa empresa (VISCUSI,
sociais” podem ser utilizadas para atingir ob- centração horizontal (BRASIL, 2002). VERNON, HARRINGTON JR., 2005).

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do uma segunda dicotomia pode estar5. Essa definição restrita de mas e resultados ineficientes do
ser observada nas chamadas “te- bem-estar leva à conclusão de ponto de vista do bem-estar eco-
orias econômicas da regulação”. que ganhos de eficiência são de- nômico. Em um mercado compe-
Objetivando analisar os determi- sejáveis per se e, consequente- titivo, firmas não possuem poder
nantes e motivadores das ações mente, são de interesse público. de mercado e preços são deter-
regulatórias a partir de conceitos De tal modo, intervenções go- minados pela livre interação en-
e ferramentais econômicos, du- vernamentais em mercados “per- tre oferta e demanda. Nesse caso,
as abordagens concorrentes fo- feitos” retiram o mercado do seu a receita marginal de uma firma
ram desenvolvidas: a tradição do equilíbrio, geram ineficiências é igual ao preço de mercado e a
interesse público da regulação e a e, portanto, reduzem o bem-es- maximização de lucros (e do bem-
tradição do interesse privado da tar social. Essa conclusão é, toda- -estar econômico) ocorre quando
regulação. As próximas sessões via, intrinsecamente dependente os preços se igualam aos custos
expõem brevemente tais aborda- da suposição de condições per- marginais de produção. Já em si-
gens e buscam explicitar como e feitas na abordagem da economia tuações nas quais há poder de
se elas refletem a dicotomia regu- do bem-estar. A partir da percep- mercado, uma firma é capaz de al-
lação econômica/social. ção empírica da presença de “fa- terar o preço do mercado (price-
lhas de mercado”, a economia do makers) ao restringir a oferta em
3. A ECONOMIA DO BEM- bem-estar propõe que o governo um ponto que maximize seu lu-
ESTAR E O INTERESSE pode agir de acordo com o inte- cro. A existência de poder de
PÚBLICO DA REGULAÇÃO resse público ao corrigir falhas de mercado resulta em uma situação
A primeira grande abordagem mercado existentes. com restrição da oferta, elevação
econômica da atividade regula- A regulação pública surge, dos preços e, consequentemen-
tória deriva da escola econômica portanto, com o intuito de com- te, menor bem-estar econômico
da “economia do bem estar”, in- pensar tais falhas e atingir maio- quando comparada ao mercado
troduzida por Pigou em “The Eco- res níveis de eficiência alocativa competitivo. (PINHEIRO; SADDI,
nomics of Welfare” (1920). Ela trata (DEN HERTOG, 2010). Segundo 2009).
a regulação a partir das premis- Schleiffer (2005), a introdução da Um caso especial de poder de
sas de que o governo atua com o análise das falhas de mercado foi mercado é o “monopólio natural”.
objetivo de aumentar o bem-es- um marco para a moderna econo- Um mercado é um monopólio na-
tar da população, portanto, dando mia do setor público. Três falhas tural quando seu ponto de ótimo
origem a uma “teoria de interesse de mercado são mais destacadas social é atingido a partir da pre-
público” (SHLEIFER, 2005). como propulsores da regulação: i) sença de uma única firma produ-
A economia do bem-estar ana- existência de poder de mercado e tora sujeita a retornos crescentes
lisa a interação entre oferta e monopólio natural; ii) a assimetria de escala. Esse caso usualmen-
demanda e conclui que, em con- de informações entre os agentes te ocorre quando os custos fixos
dições perfeitas4, o livre merca- econômicos; e iii) externalidades. de produção são grandes em re-
do resultaria na melhor alocação Primeiramente, a existência lação aos custos marginais, como
produtiva dos recursos e, conse- de firmas com poder de merca- na produção de energia elétrica e
quentemente, no máximo bem- do implica em alocações subóti- provimento de serviços de tele-

4 Um mercado perfeito é caracterizado por: demandantes, de modo que todos os agentes desconsiderando variáveis como distribui-
ausência de poder de mercado; preços equi- são price-takers. ção ou justiça. Desse modo, essa análise
librados no ponto em que se igualam aos cus- 5 Essa noção de bem-estar é, entretanto, restringe a definição de “bem-estar” a um
tos marginais de produção; os agentes pos- pautada exclusivamente em um critério conceito de “bem-estar econômico”. Tal
suem informações completas e são racionais; econômico, uma vez que a mensuração e restrição foi reconhecida, inclusive, por Pi-
há livre entrada e saída de agentes do mer- análise são embasadas nos preços de mer- gou (1932), Prest e Turvey (1965) e Mishan
cado; e há grande quantidade de ofertantes e cado e na maximização da riqueza total, (1974).

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comunicações. A firma monopo- as condições; e ii) carros em más todas as suas informações (devido
lista busca, entretanto, maximizar condições. Devido à assimetria de à busca de um preço mais baixo)
o seu próprio lucro e não o bem- informações, apenas o ofertante e, ademais, poderá agir de modo
estar econômico, de modo que sabe ex ante se o seu carro está ou “descuidado” após a contratação
restringe a oferta a um volume não em boas condições. Um de- do seguro sem custos adicionais.
abaixo do “ótimo social”. Perce- mandante individual pode gastar O problema do risco moral tam-
be-se um conflito entre eficiência recursos para obter informações, bém ocorre em casos em que
alocativa e produtiva: enquanto a mas, devido ao spill-over dessas fábricas de alimentos utilizam co-
primeira se dá na presença de di- informações a outros demandan- mida de baixa qualidade ou advo-
versas firmas ofertantes, de mo- tes que não ocorreram em cus- gados dão conselhos infundados
do que o preço se iguale ao custo tos (free-riders), há desincentivo devido às suas vantagens infor-
marginal, a eficiência produtiva é e subalocação de recursos vol- macionais. Nesses casos, o pre-
atingida somente com a presença tados à busca de informações. ço pago pelo serviço ou produto
de uma única firma devido aos ga- Essa assimetria resulta na indis- não reflete as verdadeiras carac-
nhos crescentes de escala. A pre- tinção entre carros em boas ou terísticas do serviço prestado ou
sença de poder de mercado e de más condições, fazendo com que a conduta real dos agentes (DEN
monopólio natural resulta, por- o preço de mercado seja dado pe- HERTOG, 2010).
tanto, em ineficiência e justifica- la “qualidade média” percebida Uma “externalidade” ocorre
tiva para a ação governamental pelo mercado. Como somente os quando as ações de um agente (A)
(VISCUSI; VERNON; HARRING- ofertantes de carros de boa quali- afetam o bem-estar ou a produção
TON JR., 2005). dade sabem de sua superioridade de outro agente (B), e o agente A
A assimetria de informações qualitativa ex ante, alguns não se não leva isso em consideração ao
é uma segunda falha de merca- sujeitam a vender seus produtos determinar seu comportamento.
do que ocorre no mercado infor- pelo preço “médio” e, consequen- Ela pode ser caracterizada como
macional e se reflete no mercado temente, há escassez de mercado “positiva” ou “negativa”. A primei-
de bens e serviços, resultando de produtos de alta qualidade. ra diz respeito àquela que gera
em possibilidade de comporta- Já o problema do risco moral é benefícios a outros agentes, como
mentos oportunistas a partir dos relacionado ao desvio de conduta o caso do “prazer visual” associa-
processos de “seleção adversa” e de um agente econômico ex post do à manutenção de um parque.
“risco moral” (OGUS, 2002; DEN à consumação de um contrato ou Já a segunda prejudica outros
HERTOG, 1999; 2010). O proces- acordo. Ele surge da impossibili- agentes, mas o responsável pe-
so de seleção adversa foi eviden- dade de acompanhar as ações dos la criação da externalidade não é
ciado em um famoso estudo do agentes posteriormente à transa- punido ou não leva isso em consi-
“mercado de limões” de Akerlof ção econômica e é um problema deração. Um exemplo muito utili-
(1970). A partir da análise do mer- muito estudado na literatura so- zado de externalidade negativa é
cado de carros usados dos Es- bre o mercado de seguros (STI- o da poluição resultante do pro-
tados Unidos, Akerlof observou GLITZ, 2002). Por exemplo, ao cesso produtivo: a empresa não
que os vendedores tinham van- observar a contratação de um se- tem o intuito de poluir, mas os re-
tagens informacionais em rela- guro de vida, verifica-se que o se- síduos poluentes que são libera-
ção aos compradores e que essa gurador tenta adquirir uma série dos devido ao processo produtivo
interação resultava no “desapare- de informações do segurado para causam impactos socioambien-
cimento” de mercados potenciais tentar estimar sua conduta ex post tais que podem afetar uma comu-
e consequente perda de bem- à contratação para, somente de- nidade inteira.
estar. A princípio, ele dividiu o pois, estabelecer o preço do con- A presença de externalidades
mercado de carros usados em trato. Contudo, o segurado pode negativas faz com que o merca-
dois segmentos: i) carros em bo- não ter incentivos para revelar do competitivo resulte em per-

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das de bem-estar econômico e A regulação de defesa da con- socioambientais gerados por uma
ineficiência. Isso é defendido pe- corrência, responsável por ana- indústria específica e pode obri-
la comparação entre “disponibi- lisar os processos de fusões e de gá-la a pagar um imposto equi-
lidade a pagar” (DP), preço (P) e aquisição entre empresas, visam valente. Esse processo gerará um
perda de bem-estar devido à ex- evitar grandes concentrações de desincentivo à ação e uma trans-
ternalidade (EX). Segundo essa mercado, são um exemplo de re- ferência da renda do gerador da
abordagem, uma transação eco- gulações econômicas que atuam externalidade negativa ao gover-
nômica ocorre apenas quando o para impedir o exercício de po- no, de modo a levar o mercado
consumidor considera que o ga- der de mercado e a geração de novamente ao ponto de “máxi-
nho de bem-estar proveniente da ineficiências alocativas. Não so- ma eficiência” (PINHEIRO; SADDI,
aquisição de um bem é maior do mente isso, mas as regulações 2009). A tentativa de atingir um
que o preço pago, ou seja, DP > de indústrias caracterizadas co- ponto de “ótimo social” pode sur-
P e, portanto, DP - P > 0 signifi- mo monopólios naturais, como o gir de uma ação privada como o
ca um ganho de bem-estar eco- de energia elétrica, telecomuni- mercado de créditos de carbono.
nômico líquido em condições de cações e transporte, são outros O que deve ser destacado é que
mercado competitivo. A presença exemplos de regulações notada- a regulação social não está pauta-
de externalidade negativa altera, mente econômicas. As agências da em critérios morais ou éticos,
todavia, esse resultado ao inserir reguladoras atuam fixando pre- mas sim na mensuração mone-
seu impacto como um redutor do ços, controlando as quantida- tária dos danos e emulação das
bem-estar líquido, de modo que o des mínimas ofertadas e impondo condições de livre mercado como
cálculo passa a ser (DP – P) - EX e, price-caps, por exemplo, tentan- um “ótimo social”.
quando EX > DP – P, evidencia-se do conciliar a eficiência aloca- O núcleo da abordagem do in-
a perda de bem-estar mesmo em tiva com a eficiência produtiva. teresse público para explicar a re-
um mercado competitivo (VISCU- O que se objetiva é uma aproxi- gulação pode ser resumido pela
SI; VERNON; HARRINGTON JR., mação do bem-estar econômico figura 1: a regulação, tanto econô-
2005; PINHEIRO; SADDI, 2009; que seria atingido caso não hou- mica como social, buscará ma-
DEN HERTOG, 2010). vesse o poder de mercado (DEN ximizar a eficiência e atingir o
Sempre que ocorre uma falha HERTOG, 1999). ponto (R*) que minimiza a ine-
de mercado, a abordagem do inte- A assimetria de informações é ficiência e maximiza o bem-es-
resse público pode justificar a pre- combatida via regulações de de- tar econômico, após considerar
sença de regulações com o intuito fesa do consumidor e, princi- os custos de regulação (CR) e a as
de remediar as perdas de eficiên- palmente, obrigatoriedade de perdas decorrentes das falhas de
cia geradas. Entretanto, essas fa- disponibilização das informações mercado (FM).
lhas de mercado também podem sobre os produtos ofertados e ní- Enquanto o interesse público
ser associadas à diferença en- veis mínimos de qualidade. A Food é assumido como a maximização
tre regulação econômica e social. and Drug Administration (FDA) da produção e da simulação de
Conforme destaca Ogus (2002), a dos Estados Unidos é uma agên- condições de livre mercado em
regulação econômica é associada cia reguladora que atua com esse condições perfeitas, há ênfase na
ao combate das ineficiências ge- intuito, atingindo a indústria far- eficiência alocativa e na impossi-
radas pela existência de poder de macêutica e alimentar. Já as ex- bilidade de atingi-la por meio de
mercado e de monopólio natural, ternalidades são abordadas com um mercado com falhas.
enquanto a regulação social é de- ações que visam “internalizar” a Observa-se que, apesar da as-
fendida a partir da assimetria de externalidade. A Environmental sociação de regulação econômi-
informações e, principalmente, Protection Agency (EPA) atua, por ca e social a diferentes falhas de
como meio de compensar a pre- exemplo, mensurando os custos mercado, há uma motivação idên-
sença de externalidades negativas. financeiros da poluição e danos tica para ambas: maximizar a efi-

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FIGURA 1 – NÍVEL ÓTIMO DE REGULAÇÃO NA TEORIA DO INTERESSE PÚBLICO

Fonte: Elaboração própria a partir de Den Hertog (2010).

ciência e simular as condições do na busca intrínseca de eficiência A primeira linha de ataque


livre mercado. Assumindo que os econômica como motivador das consistia na argumentação de que
diferentes objetivos que pautam a regulações. A partir dos proble- a abordagem do interesse público
ação regulatória levam, original- mas percebidos na abordagem exagerava a extensão dos danos
mente, a tal distinção, a aborda- do interesse público, delineou- das falhas de mercado e subjugava
gem do interesse público torna -se uma alternativa pautada no a própria capacidade do mercado
irrelevante e não incorpora a di- interesse privado como crucial em lidar com seus problemas. A
ferença entre regulação social em para a compreensão da ação re- própria competição resultava na
relação à econômica, sendo qual- gulatória. “auto-gestão” do mercado, uma
quer regulação exclusivamente vez que competidores teriam in-
um mecanismo para aumentar o 4.1. A CRÍTICA À centivos a minimizar os danos
“bem-estar econômico” a partir ABORDAGEM DO provenientes das falhas de mer-
do aumento da eficiência. INTERESSE PÚBLICO DA cado para manter sua posição no
mercado. A própria percepção do
REGULAÇÃO
4. A ESCOLA DE CHICAGO E monopólio também foi vista co-
A abordagem do interes-
O INTERESSE PRIVADO DA mo exagerada devido à análise de
se público foi alvo de extensas
chamados “mercados contestá-
REGULAÇÃO críticas cujos principais articula-
veis”, onde um monopolista agiria
A partir da década de 1970, dores estavam associados à Esco-
como se estivesse em condições
uma nova teoria econômica da la de Chicago. Dentre os diversos
de concorrência perfeita devido à
regulação surgiu na Escola de apontamentos realizados, cinco
ameaça realizada pelos entrantes
Chicago. Ela adotava uma pos- se destacaram e foram a base pa-
potenciais (SCHLEIFER, 2005).
tura crítica perante a explicação ra uma nova explicação da ativi-
Mesmo quando as falhas de mer-
pautada nas falhas de mercado e dade regulatória.
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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 63

cado fossem evidenciadas, Coase Mesmo se a regulação fos- mica, não abarcada na abordagem
(1960) argumentava que a neces- se motivada pelo interesse públi- do interesse público, passou a ser
sidade de regulação seria peque- co, o trabalho empírico de Stigler incorporada na “teoria do inte-
na, pois seria mais eficiente lidar e Friedland (1962), no qual os au- resse privado” da regulação.
com as falhas de mercado a par- tores analisaram a eficácia da re-
tir da ação de um poder judiciário gulação de preços do setor de
imparcial voltado à manutenção energia elétrica dos Estados Uni-
4.2. OS MODELOS DE
de contratos e prática da juris- dos, trouxe uma quarta crítica as- STIGLER, PELTZMAN E
prudência. sociada à aderência empírica da BECKER
A abordagem do interesse pú- abordagem do interesse público e Especialmente pautados na vi-
blico também foi criticada por a possibilidade da regulação efe- são de que as ações estatais não
ser incompleta e apresentar baixa tivamente resultar em benefícios são benevolentes, essa aborda-
densidade teórica. Posner (1974) líquidos (PELTZMAN, 1989). gem analisa a regulação não co-
apontou que o processo legislati- A última, e talvez principal crí- mo resultado da busca de um
vo e político associado à promul- tica, é a de que a abordagem do bem-estar social e do “interes-
gação de regulações não estava interesse público não poderia ser se público”, mas sim como con-
sendo considerado e a ação esta- considerada uma explicação po- sequência de um jogo político no
tal era explicada somente a partir sitiva, mas sim um argumento qual interesses privados pautam
da transposição direta de veri- normativo para defender a inter- a ação governamental. Essa nova
ficação da falha de mercado pa- venção governamental na eco- tradição deixa de lado as consi-
ra uma regulação. Mais que isso, nomia. Ela considerava que a derações da eficiência econômica
essa abordagem não gerava hipó- regulação existia devido às falhas e ilumina o poder redistributi-
teses testáveis por haver falta de de mercado, quando na realidade vo que acompanha as atividades
formalização teórica referente ao o argumento das falhas de merca- regulatórias.
processo político, sendo pautada do era utilizado como um meio de Os estudos desse novo olhar
unicamente na análise de eficiên- legitimar a própria ação regulató- sobre a regulação incorporam
cia econômica (VISCUSI; VERNON; ria. Essa percepção fez com que também o desenvolvimento da
HARRINGTON JR., 2005). Joskow e Noll (1981) a caracteri- “teoria da escolha racional”, a qual
Uma terceira crítica deriva da zassem como uma análise nor- utiliza o individualismo metodo-
desconsideração do âmbito po- mativa transposta a uma teoria lógico e uma abordagem racio-
lítico e dos conflitos de interes- positiva. nalista para a explicação da ação
ses inerentes à ação pública. Ao Essa corrente crítica de Chi- política. Seguindo a análise do
assumir um governo benevolen- cago não apenas resultou um comportamento político elabora-
te, a interpretação dessa aborda- ataque à abordagem do interes- da por Downs (1957), a Escola de
gem adotava o falso pressuposto se público, mas também propôs Chicago considera o policy maker
de que a ação governamental seria novos modelos alternativos pa- como um agente exclusivamen-
exclusivamente motivada e voltada ra explicar a existência e reali- te auto-interessado e que busca a
ao interesse público (OGUS, 2004). zação de regulações, buscando maximização individual do apoio
Ligada a essa crítica, Joskow e Noll formalizar uma “teoria econô- político. Embasados também no
(1981) observaram que considerar a mica da regulação” ou “teoria do trabalho de Olson (1965), essa no-
eficiência econômica como único interesse privado”. va abordagem incorporará a dis-
motivador seria insuficiente para A partir do estudo crítico dos cussão sobre quais as condições
explicar a existência de regulações, principais modelos dessa esco- necessárias para agentes indivi-
uma vez que objetivos como redis- la, a questão que buscará ser res- dualistas e racionais se organiza-
tribuição de renda e justiça pode- pondida a seguir é se a distinção rem em grupos de pressão, assim
riam motivar a ação pública. entre regulação social e econô- como a análise da competição en-
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tre tais grupos por influência e assume que o comportamento de maximizar a renda de grupos pri-
vantagens políticas/econômicas. todos os indivíduos é pautado ex- vados em detrimento de outros7.
Dentre os trabalhos da teoria clusivamente pelo auto-interesse Stigler levanta quatro políticas
privada da regulação, os trabalhos e maximização da utilidade indi- principais que uma indústria po-
de Stigler (1971), Peltzman (1976) e vidual. Desse modo, a ação estatal de demandar dos agentes regula-
Becker (1983) foram os mais pro- não pode ser pautada pela “bus- dores: i) subsídio direto; ii) fixação
eminentes, sendo citados por di- ca do interesse público” a não ser e controle de preços e quantida-
versos autores como centrais a que isso gerasse benefícios priva- des; iii) alteração sobre condições
essa escola (VISCUSI; VERNON; dos ao policy maker. Em segundo de produtos substitutos e com-
HARRINGTON JR., 2005; DEN lugar, o governo possuiria poder plementares; e iv) controle da en-
HERTOG, 1999; 2010; PELTZMAN, de redistribuir renda entre diver- trada de novos rivais por meio da
1989; SCHLEIFER, 2005). sos grupos econômicos e sociais construção de barreiras à entrada.
existentes. Por último, conside- As duas primeiras são diretamen-
4.2.1 A CAPTURA DOS ra a existência de uma compe- te relacionadas com o aumen-
AGENTES POLÍTICOS E A tição entre grupos privados, os to das receitas da firma, seja por
quais barganham suporte político aporte direto de recursos finan-
“TEORIA DA REGULAÇÃO
em troca de regulações favoráveis ceiros ou por estabelecimento de
ECONÔMICA”: O MODELO (VISCUSI; VERNON; HARRING- preços acima do custo marginal
DE STIGLER TON JR., 2005). no segmento industrial. A tercei-
A ascensão da teoria do inte- A partir dessas premissas, a ra é relacionada com o favoreci-
resse privado teve seu início com hipótese de Stigler é que regu- mento das condições de oferta
a publicação do artigo “The The- lações são mercadorias oferta- de produtos complementares e
ory of Economic Regulation” de das pelos policy makers em troca restrições à de produtos substi-
George Stigler (1971). Nele, Sti- de apoio político e votos. Já a de- tutos. A última, e talvez mais im-
gler demonstra uma insatisfação manda é formada pelas indús- portante, política diz respeito ao
com teorias prévias sobre as mo- trias que desejam obter algum aumento das barreiras à entra-
tivações para ações regulatórias6 tipo de vantagem econômica da: tarifas protetoras e licencia-
e, a partir disso, intui preencher frente aos outros grupos de in- mento obrigatório para algumas
o que considerou uma lacuna te- teresse (OGUS, 2004). Desse mo- profissões, por exemplo, impedi-
órica a ser preenchida. Adotando do, ao invés de concluir que as riam a livre concorrência e bene-
como questões centrais analisar regulações são intrinsecamen- ficiariam as firmas incumbentes.
como e quais grupos se benefi- te necessárias para maximizar a Segundo Stigler, “[...] every indus-
ciam das atividades regulatórias, eficiência econômica devido às try or occupation that has enough
para então analisar como tais falhas de mercado, ele conclui power to utilize the state will seek
ações são definidas, Stigler em- que a regulação é um mecanis- to control entry” (1971, p. 5).
basa sua análise em três elemen- mo resultante da captura da ação A contribuição de Stigler foi
tos principais. Primeiramente, ele política e que é utilizado para responsável por dois desloca-

6 A insatisfação de Stigler recaía tanto sobre políticos seria uma função dos benefícios custo. Devido a essas considerações, a or-
a teoria do interesse público da regulação, individuais esperados pelos indivíduos, do ganização e definição da ação conjunta são
como a uma corrente que defendia a alea- custo total da ação em conjunto e da possi- mais fáceis para grupos pequenos, como lí-
toriedade de decisões regulatórias, as quais bilidade de oversight da conduta dos agen- deres de uma indústria, do que para grupos
não seguiriam um comportamento deter- tes individuais. Isso ocorre devido ao pro- grandes, como consumidores. Além disso,
minístico. blema do free-rider, o qual impediria uma os possíveis benefícios individuais para um
7 A ênfase dada aos industriais é um re- ação individual caso apenas o custo indivi- grupo de industriais seriam maiores dada
flexo do trabalho de Olson (1967) sobre a dual fosse considerado, pois haveria a pos- a pouca quantidade de participantes vis-à-
organização de grupos de interesse: a or- sibilidade de outros receberem o mesmo -vis os benefícios individuais para todo o
ganização e ação de indivíduos em grupos benefício mesmo sem incorrer em nenhum grupo de consumidores (STIGLER, 1971).

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mentos na análise econômica da ta econômico, exercendo grande os consumidores fornecem me-


regulação. Em primeiro lugar, a influência e motivando o estu- nos apoio político quanto maio-
ação estatal deixou de ser com- do de Peltzman (1976). Essencial- res os preços praticados. O lucro,
preendida como pautada no inte- mente, Peltzman defendia que o por sua vez, depende dos preços
resse público e passou a ser vista
deslocamento da regulação como praticados, de tal modo π(P) cor-
como resultado do jogo de inte- “protetora do bem-estar social” responde à função lucro. Parti-
resses entre grupos privados. Em para uma posição de “proteto- cularmente, π(P) é crescente até
segundo lugar, a regulação dei- ra do produtor” seria observável. o ponto em que o preço pratica-
xou de ser um mecanismo vol- Entretanto, algumas fraquezas do é o preço de monopólio (PM),
tado à eficiência em detrimento precisavam ser reparadas: pri- decrescendo para P> PM (VISCU-
da evidência no papel redistri- meiramente, sentia a necessidade SI; VERNON; HARRINGTON JR.,
butivo que ela poder exercer na de transpor os argumentos de Sti- 2005).
economia. gler em um modelo matemático O modelo de Peltzman
Posner (1971) evidenciou, to- que fosse capaz de produzir hipó- consiste em sujeitar a função de
davia, que a teoria de Stigler era
teses testáveis; em segundo lugar, apoio político do policy maker à
incompleta, uma vez que somen- considerava a hipótese de que to- restrição da função lucro dos in-
te estabelecia um genérico grupo da a regulação é voltada ao bem- dustriais. Desse modo, as regula-
“industrial” como demandante de estar da indústria muito geral. ções emitidas correspondem ao
regulações, não analisando quais A partir dessas objeções, Peltzman auto-interesse dos reguladores
indústrias efetivamente seriam propõe um modelo que possibili- em maximizar apoio político, de
beneficiadas pelas regulações. Si-
te incorporar diversos grupos de tal modo, não apenas os lucros,
milarmente, o trabalho de Stiglerinteresse como responsáveis por mas também os votos dos con-
não explicava por que algumas capturar a ação regulatória, per- sumidores e de outros grupos de
regulações beneficiavam os con- mitindo explicar tanto regulações interesse são capazes de motivar
sumidores e outros grupos de in- voltadas aos industriais como aos ações regulatórias (destaca-se
teresse que não os industriais8. consumidores e outros grupos que esse modelo considera ape-
Tais insuficiências motivaram (PELTZMAN, 1989). nas dois grupos por motivos de
modificações e levaram ao desen- O núcleo do modelo de Peltz- simplificação: industriais e con-
volvimento de outros dois mode- man é a consideração de que os sumidores). A representação grá-
los associados à teoria econômicapolíticos maximizam sua função fica do modelo é apresentada na
da regulação, os quais serão ex- de apoio político (M) a partir da figura 2. As curvas M1, M2 e M3 re-
postos a seguir. emissão de regulações capazes presentam três níveis de apoio
de controlar os preços exercidos político, sendo M1 < M2 < M3 devido
4.2.2 AÇÃO (P) e os lucros da indústria (π). O à relação inversa com os preços e
apoio político pode consistir em direta com lucros. As regulações
GOVERNAMENTAL E votos ou recursos financeiros re- seriam realizadas de modo que
A MAXIMIZAÇÃO DO passados ao policy maker. Assu- um equilíbrio fosse atingido em
SUPORTE POLÍTICO: O me-se M=f(P; π), onde M é uma P*, em um patamar entre PM e o
MODELO DE PELTZMAN função decrescente de P e cres- preço do mercado competitivo PC.
O trabalho de Stigler consis- cente de π. Isso ocorre porque as Uma conclusão do modelo de
tiu em uma mudança de para- indústrias respondem com maior Peltzman é a de que a estrutura
digma no que tange ao estudo da apoio político quanto maiores os de mercado influencia a ação re-
regulação sob um ponto de vis- lucros esperados, assim como gulatória. Na medida em que os

8 Posner utilizou o exemplo do subsídio-cruzado que levava a uma redução dos preços para alguns grupos de consumidores, consequente-
mente, beneficiando-os em detrimento dos industriais (POSNER, 1971).

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66 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

FIGURA 2 – O MODELO DE PELTZMAN E A MAXIMIZAÇÃO DO APOIO POLÍTICO

Fonte: Adaptado de Peltzman (1976).

mercados forem mais próximos ênfase ao policy maker como ator mas sim envolta pelo embate en-
da competição perfeita, os indus- maximizador do apoio político tre diversas pressões conflitantes,
triais possuem maior incentivo geral, não restringindo aos indus- como o caso de grupos de indus-
para realizar pressão e, portanto, triais a possibilidade de captura triais já estabelecidos em relação
regulações que impusessem bar- do agente público. Contudo, a di- aos possíveis entrantes no mer-
reiras à entrada e aumentassem nâmica de interação entre os di- cado. De tal modo, o modelo de
o poder de monopólio dos indus- versos grupos de interesse, cada Becker tem como seu principal
triais surgiriam. Já em condições qual buscando vantagens muitas pressuposto que:
de monopólio, os consumidores vezes conflitantes, ainda não ha-
seriam mais capazes de exercer via sido abordada. Coube a Be- […] taxes, subsidies, regula-
pressão por meio de seus votos, cker (1983) enfocar esse aspecto tions, and other political instru-
demandando regulações para be- da regulação ao propor um mo- ments are used to raise the wel-
nefício próprio e que reduzissem delo que, contrastando com o de fare of more influential pressure
os preços. Peltzman, focava a competição groups. Groups compete within
entre grupos de interesse. the context of rules that trans-
Assim como os outros mode- late expenditures on political
4.2.3. A COMPETIÇÃO pressure into political influen-
los da Escola de Chicago, Becker
ENTRE GRUPOS DE considerava a regulação como um ce and access to political re-
INTERESSE: O MODELO DE produto de interesses privados sources. (BECKER, 1983, p.374).
BECKER capazes de influenciar a decisão
Peltzman (1976) incorporou política. A pressão política não Conforme Peltzman (1989), a
outros grupos de interesse à aná- seria, entretanto, exercida por análise de Becker explicita a ca-
lise da decisão regulatória, dando somente um grupo de interesses, racterística redistributiva da re-

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 67

gulação, associada à Escola de A partir das pressões exercidas O modelo de Becker leva à con-
Chicago, vis-à-vis ao enfoque da pelos grupos, Becker propõe a exis- clusão de que regulações resul-
eficiência encontrado na abor- tência de uma função de influência tantes em melhoras do bem-estar
dagem do interesse público. Es- dada por IA (pA; pB; x), em que IA cor- são mais prováveis de serem im-
sa afirmação é relacionada com o responde ao nível de influência polí- plantadas, pois a perda marginal
modo pelo qual a competição en- tica do grupo A, pA à pressão exercida ao grupo taxado seria menor do
tre grupos é exposta por Becker. pelo próprio grupo A, pB à pressão que o benefício marginal do gru-
Para ele, a competição é pautada política exercida pelo outro grupo po subsidiado. Um exemplo é o
pela transferência de renda en- de interesse (B), e x representa ou- da própria existência de falhas de
tre grupos, de modo que um gru- tras variáveis. Paralelamente a IA, o mercado: os grupos beneficiados
po A buscará obter subsídios ou grupo B possuiria sua própria função teriam mais incentivo a exercer
vantagens que implicarão, neces- de influência IB (pB; pA; x). O mode- pressão, pois esperam maiores
sariamente, em taxação do grupo lo proposto para essas funções im- benefícios líquidos, enquanto os
competidor B9. Todavia, Becker plica que a influência política de um grupos taxados não incorreriam
supõe a não integralidade da grupo não é dada pela pressão ab- em custos marginais altos (VIS-
transferência de um grupo ao ou- soluta, mas sim pela pressão relati- CUSI; VERNON; HARRINGTON
tro, havendo uma perda-líquida va em relação àquela exercida pelos JR., 2005).
associada aos custos de realoca- grupos competidores, de tal modo
ção dos recursos e “desequilíbrio” que quanto maior a pressão exerci- 4.3. AS REGULAÇÔES
em relação à alocação eficiente da por A e menor a exercida por B, ECONÔMICA E SOCIAL NA
do mercado. maior será a influência política de A.
TEORIA DO INTERESSE
O nível de pressão exercida por A importância da influência relati-
determinado grupo “i” seria dado va de cada grupo é que ela seria res- PRIVADO
pela função, pi=f(mi;ni), onde mi é ponsável pela emissão de regulações Ao analisar os modelos pro-
o total gasto pelo grupo para exer- favoráveis, assim como pela transfe- postos pela escola de Chicago, é
cer pressão e ni corresponde ao rência de recursos de um grupo ao possível levantar algumas palavras-
número de membros do grupo. Su- outro (BECKER, 1983).Um fator im- -chave que resumem essa abor-
põe-se que o aumento dos gastos portante na análise de Becker é que dagem: “captura”, “racionalidade
em pressão efetivamente aumenta a transferência de renda e a influ- econômica”, “maximização priva-
a pressão absoluta exercida, sen- ência política de um grupo não po- da”, “grupos de interesse”, “pres-
do mi diretamente proporcional à dem ser aumentadas infinitamente. são política”, “redistribuição de
pi. Já o número de membros, ape- Ao considerar que cada transferên- renda” e “preços” são enfatizados
sar de aumentar o potencial de re- cia gera uma perda líquida, Becker nos trabalhos de Stigler, Peltzman
cursos despendidos em pressão, assume que elas crescem a taxas e Becker. A partir de tais palavras,
seria inversamente proporcional crescentes, de tal modo que a trans- se compreende o porquê da te-
a pi, aqui justificado pela lógica da ferência marginal de um grupo que oria do interesse privado ser co-
ação coletiva desenvolvida por Ol- já é altamente subsidiado aos custos mumente utilizada para explicar
son (1965), já explicitada na apre- de outro geraria uma perda elevada as regulações econômicas em de-
sentação do modelo de Stigler, a ao grupo taxado. Desse modo, have- trimento das regulações sociais
qual sugere que grupos menores ria forte incentivo para aumento da (OGUS, 2004).
têm mais facilidade de organiza- pressão relativa entre o grupo taxa- O modelo de captura proposto
ção e exercício de pressão política do e o grupo subsidiado (DEN HER- por Stigler enfatizava como a in-
devido ao problema do free-rider. TOG, 2010). teração entre industriais e policy

9 Assim como no modelo de Peltzman, Becker simplifica a análise ao incorporar a competição entre apenas dois grupos de interesse.

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68 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

makers era possível no que ele ca- tanto, ser originadas de interes- e republicanos para a obrigato-
racterizava como um “mercado de ses econômicos. Se tal afirmação riedade da análise custo-benefí-
regulações”, no qual apoio político for verdadeira, as regulações so- cio na aprovação de regulações
era trocado por regulações favo- ciais seriam incorporadas à teo- econômicas e sociais nos EUA.
ráveis que beneficiassem econo- ria do interesse privado, havendo Apesar de ser um discurso pau-
micamente o grupo industrial. Os uma aproximação entre a regula- tado na eficiência econômica, ca-
quatro mecanismos regulatórios ção econômica e social. so que justificaria a análise dessa
aplicados para trazer vantagens O aspecto econômico da regula- ferramenta como um meio de
aos industriais (subsídio direto, ção social é evidenciado no mode- argumentar a favor da aborda-
controle de preços e quantidades, lo de Stigler a partir da restrição à gem do interesse público, Eisner
influência nos produtos substitu- entrada de novos concorrentes no (2007) levanta a possibilidade de
tos e complementares e controle mercado. A indústria já estabeleci- que o apoio à análise custo-bene-
da entrada de novos concorren- da visa manter um determinado ní- fício pode ter sido motivado pela
tes) expostos por Stigler são as- vel de preços e lucros, assim como postergação da ação regulatória e
sociados à regulação econômica um possível poder de mercado, que consequente extensão dos lucros
devido a sua capacidade de al- podem ser rebaixados caso novos da indústria.
terar diretamente as condições concorrentes entrem no mercado e Não somente pela ótica dos
de mercado (VISCUSI; VERNON; iniciem uma competição via preço. interesses “industriais”, ao con-
HARRINGTON JR., 2005). Desse modo, é de interesse dela au- siderar grupos de interesse que
Petlzman, por sua vez, se em- mentar as barreiras à entrada, sen- buscam “capturar” os policy
basa na relação entre o preço, lu- do a emissão de regulações sociais makers, é possível incorporar na
cro e as vantagens econômicas um dos meios para atingir tal fim análise grupos que buscam obje-
dos consumidores perante os in- econômico. Um exemplo disso é ex- tivos ambientais, de qualidade e
dustriais como variáveis levadas plicitado pelo próprio Stigler (1971): ligados à saúde. A pressão exerci-
em consideração para a pressão o estabelecimento de padrões mí- da por ambientalistas, por exem-
política. Já Becker observa como a nimos de qualidade ou especifica- plo, poderia ser analisada sob o
transferência de renda entre gru- ções obrigatórias para produtos ou modelo de Peltzman a partir do
pos é o objetivo da pressão polí- serviços e a necessidade de creden- possível apoio político que ela
tica, a qual influencia a decisão ciamento junto às agências regula- conferiria ao político maximiza-
política a partir da influência re- doras, ações geralmente associadas dor de suporte.
lativa entre grupos competidores à regulação social, levanta barrei- Reconhece-se a limitação das
e as perdas líquidas de bem-estar ras à entrada para novos ofertantes teorias econômicas da regulação,
econômico. e ser utilizada como mantenedores as quais não conferem valor a ou-
Contudo, não é possível ig- de lucros de monopólio às empre- tros motivos que pautam a ação
norar como tais modelos podem sas estabelecidas. regulatória, como a ideologia do
tratar a regulação social sob um Similarmente, os grupos de in- policy maker e a própria auto-
ponto de vista econômico. Ao in- teresse analisados por Peltzman nomia política dos reguladores.
vés de considerar o controle di- e Becker também podem exer- Apesar disso, o objetivo do traba-
reto das variáveis econômicas e cer pressão a favor de regulações lho não é o de criticar os resulta-
regulações “capturadas por inte- sociais que aumentem as barrei- dos sugeridos pelos modelos, mas
resses privados” como um indi- ras à entrada e garantam um po- sim o de evidenciar que a dicoto-
cativo de regulação econômica, é der de monopólio responsável mia entre regulação econômica e
possível observar que as chama- por transferir a renda dos consu- social não é incorporada nas te-
das “regulações sociais” também midores aos industriais. Um ca- orias de interesse privado. Isso
podem resultar em mudanças nas so possível de ser analisado foi a ocorre, em primeiro lugar, pelos
condições de mercado e, por- pressão exercida pelos industriais impactos econômicos resultantes

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REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014 Doutrina 69

das regulações sociais, em espe- mica e a regulação social. Enquanto ções sociais podem ser incorpo-
cial aqueles relacionados às bar- a primeira visa aumentar a eficiên- radas como resultado da pressão
reiras à entrada, que podem estar cia alocativa e produtiva, atuando política exercida por grupos com
na pauta de interesse dos gru- diretamente no controle de pre- preferências voltadas às questões
pos privados. Em segundo lugar, ços, quantidade produzida e bar- sociais. Entretanto, percebe-se que
grupos voltados ao apoio de re- reiras a entrada, a segunda estaria impactos econômicos das regula-
gulação social também podem associada a questões sociais, co- ções sociais, especialmente devi-
competir com outros grupos e mo a preservação do meio ambien- do à possível elevação de barreiras
exercer pressão política que afe- te, promoção da saúde e qualidade à entrada e consequente manuten-
tará a decisão política. de vida. ção de poder de mercado, podem
Buscou-se interpretar se as te- levar grupos de industriais pauta-
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS orias econômicas da regulação dos em interesses econômicos a
Diante de um cenário econômi- refletiam a dicotomia social x eco- exercer pressão em prol de regula-
co no qual o papel do governo como nômica e, ademais, se seria possível ções sociais.
agente produtor de bens e serviços incorporá-la em suas explicações. Este trabalho enfatiza, portanto,
vem decaindo vis-à-vis a sua função Verificou-se que tanto na aborda- a proximidade entre as duas clas-
de supervisionar as atividades eco- gem do interesse público como na ses de regulação segundo as abor-
nômicas, percebeu-se a ascensão do interesse privado, a regulação dagens econômicas da regulação.
da regulação como ferramenta para econômica e a regulação social são O comportamento maximizador do
restringir as ações dos agentes eco- explicadas a partir de uma mesma político, os interesses econômicos
nômicos de modo a atingir objetivos motivação econômica. privados e a busca por eficiência
políticos. Paralelamente a tal ascen- Na primeira, enquanto a re- alocativa são as causas e motiva-
são, economistas teorizaram sobre gulação econômica visa maximi- ções centrais tanto para a regulação
a origem da regulação e quais seus zar a eficiência produtiva por meio econômica como para a regulação
impactos econômicos. Duas gran- da emulação dos resultados de um social.
des veias de “teorias econômicas mercado competitivo, a internali-
gerais da regulação” surgiram desse zação de externalidades, como co- REFERÊNCIAS
movimento. A “abordagem do inte- brança de impostos sobre poluição, BIBLIOGRÁFICAS
resse público” é pautada na existên- sugere justificativa para uma regu- AKERLOF, G. A. The Market for
cia de falhas de mercado que geram lação social pautada na busca de “Lemons”: quality uncertainty and
ineficiências alocativas e, portanto, eficiência. Tanto uma como outra the market mechanism. The Quar-
a regulação surgiria para otimizar a surgem da necessidade de otimizar terly Journal of Economics, v. 84, n.
produção e o bem-estar econômi- a alocação de recursos por meio de 3, p. 488-500, 1970.
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a regulação como um mecanismo tação neoclássica de maximização C. Introduction. In: BALDWIN, R.;
que reflete interesses privados, en- da eficiência dada por um mercado SCOTT, C.; HOOD, C. (eds), A Read-
fatizando a competição política e a perfeito. er on Regulation, Oxford: Oxford
captura dos policy makers por gru- Já a segunda, ao incorporar o pa- University Press, 1998, p. 1–55.
pos de pressão. pel de grupos de interesse na ex- BRASIL. Ministério da Justiça.
Com a percepção dos diferentes plicação da decisão política, sugere Secretaria de Direito Econômi-
fins que moldam as regulações, as- que tanto interesses econômicos co, Ato de Concentração nº
sim como os métodos de aplicação como sociais afetam a decisão re- 08012.001697/2002-89, Brasília,
e os impactos econômicos gerados, gulatória, uma vez que assumem a 2002.
difundiu-se uma categorização das condição de um policy maker que BECKER, G. S. A Theory of Com-
atividades regulatórias em dois gru- atua visando maximizar seu apoio petition Among Pressure Groups
pos principais: a regulação econô- político. Desse modo, as regula- for Political Influence. The Quar-
Revista Comercialista
70 Doutrina REVISTA COMERCIALISTA | v. 4, n. 12, 2014

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*Thomaz Teodorovicz
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Revista Comercialista
REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 12 Estante Comercialista 71

Estante Comercialista
Conflito de Interesses nas Assembléias de S.A. (e outros
escritos sobre conflitos de interesses)
Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, 2a ed., Editora Malheiros.

Em seu mais recente trabalho, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes


França, Professor de Direito Comercial da USP, aborda assunto do
qual é uma das principais referências no direito brasileiro, o conflito
de interesses no âmbito das sociedades anônimas. Sobre tema re-
corrente na vida de todos os comercialistas, trata-se de obra indis-
pensável àqueles que querem se aprofundar no estudo da matéria.
O autor, partindo de erudita digressão ao direito estrangeiro, ana-
lisa o interesse social, por meio do qual delineia o profundo estudo
do conflito de interesses e do abuso de direito de voto. Finaliza-se
a obra com análises de importantes julgados da CVM e crítica à di-
ferenciação acerca de conflito de interesses e benefício particular.

Abuso de Minoria em Direito Societário


Marcelo Vieira von Adamek, Editora Malheiros

Derivado de sua tese de doutorado, o Prof. Marcelo Viei-


ra von Adamek nos brinda com inovador estudo acerca de
tema corriqueiro na vida societária, porém nunca antes
abordado com profundidade na doutrina brasileira, o abu-
so de minoria. Trata-se, assim como a obra do Prof. Erasmo
Valladão, de item essencial na estante de aplicadores e es-
tudiosos do direito.
Nesse livro o autor caracteriza o abuso de minoria no di-
reito societário utilizando-se, inclusive, do direito compa-
rado. Apresenta situações em que o abuso de minoria pode
se manifestar no cotidiano da sociedade, bem como técni-
cas de inibição ou mitigação dessa prática.

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