Marcello Carmagnani
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Marcos Vinícios Luft
Economia
A expansão econômica não se constituiu num fenômeno que ameaçasse a ordem
vigente na sociedade. Não era necessária uma renovação da estrutura produtiva. A alta
concentração da renda nacional em poucas mãos impediu que os efeitos positivos do
incremento das exportações fossem sentidos em toda a sociedade. Só os grandes se
aproveitaram do progresso das exportações.
Entre 1850 e 80 há um moderado incremento das rendas nacionais, conseqüência da
reativação do comércio exterior, o que não foi igual em todas as regiões, favorecendo
especialmente as áreas do Atlântico e voltadas à exportação de bens agrícolas de clima
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Licenciando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
temperado. Há variações nas mercadorias exportadas por alguns países. Por causa dos altos
preços das matérias-primas é que há uma expansão física da produção (ex: café brasileiro).
Os preços dos produtos exportados sobem, mas não sobe o preço dos produtos industriais
importados, o que traz uma balança comercial positiva, o que permite um
autofinanciamento do processo de modernização dos setores produtivos, que asseguram o
aumento constante dos ingressos das oligarquias.
Há uma utilização distinta dos fatores produtivos já existentes. A área ocupada
economicamente em 1850 segue sendo a mesma do fim da época colonial. A partir dessa
data há, em vários lugares, a expansão da fronteira entre economia voltada à exportação e
as economias não voltadas a esse fim, beneficiando sobre tudo a expansão do latifúndio,
que atua como elemento de controle social e político sobre o excedente demográfico,
favorecida pela expansão das exportações e por disposições governamentais. A expansão da
área agrícola se obtém graças a mecanismos tradicionais, especialmente com a coerção.
Com o tempo, a complementaridade entre estância e pequena propriedade / comunidades
índias vai desaparecendo, pela racionalização do latifúndio e também para descarregar os
custos de manutenção da mão-de-obra sobre as unidades produtivas camponesas. Isto
incide na desapropriação de terras das comunidades indígenas e da Igreja.
Na mineração há um crescimento também decorrente do restabelecimento de
mecanismos tradicionais. A oligarquia monopoliza todos os recursos mineiros, que na
época colonial podiam ter pessoas não incluídas nesse grupo. Surgem sociedades mineiras,
formadas com capital proveniente do comércio e do latifúndio.
O aspecto tradicional é a sobrevivência dos mecanismos coloniais de apropriação
dos recursos naturais e atitude coercitiva frente à mão-de-obra. O aspecto moderno está na
gestão das unidades produtivas, que desejam suministrar a máxima quantidade de bens
suscetíveis de comercialização sem alterar seu equilíbrio interno. Mediante tal gestão da
unidade produtiva, a classe proprietária alcançava seu objetivo, o de obter grandes
ingressos monetários sem recorrer a despesas de capital. O que muda em relação à época
colonial é que os ingressos são superiores e que se concentram num número menor de
pessoas.
O capital inglês se insere em setores aonde a dominação da oligarquia era débil ou
nula: os transportes, as finanças, as comunicações e o comércio. Nunca no setor produtivo.
E seus investimentos são lentas até 1880. A classe dominante de cada país controlava os
recursos naturais e a mão-de-obra do setor produtivo. Por isso, o capital inglês apóia as
oligarquias, procurando não entrar em conflito com ela. É o primeiro esboço da aliança
imperialista. A tecnologia, como as ferrovias, é o principal investimento do capital inglês,
pois as oligarquias vêem nesta um elemento que poderia multiplicar seus ingressos sem que
perigasse o controle dos fatores produtivos. Só os grandes podiam transportar pelas
ferrovias, pois valia a pena esse transporte, que era caro, quando há grandes quantidades de
produtos. Assim, a inovação tecnológica (e com isso, o capital inglês) contribuem para
reforçar o latifúndio como centro da vida econômica. A produção dos pequenos se orienta
cada vez mais ao mercado interior. O Estado assume grande parte desses investimentos,
recorrendo a empréstimos ao capital inglês. Transforma-se a divida interior em exterior,
podendo transferir à oligarquia, que detinha grande parte dos títulos da dívida interior, uma
grande parte dos ingressos fiscais, decorrentes da exportação, do governo.
O capital foi complementário aos recursos naturais e humanos. O primeiro explica
parcialmente o desenvolvimento da comercialização e do setor financeiro, mas não explicas
o incremento da produção agropecuária e mineira, que se deve pelo controle dos recursos
naturais e da mão-de-obra.
Há alguns problemas de mão-de-obra, pois não há um mercado de trabalho nacional
ou regional, assim como não há um mercado nacional, o que dificulta a substituição do
antigo estrato mercantil colonial. Mas há uma separação da atividade produtiva e da
atividade comercial, incentivada pela modernização do setor comercial, pela necessidade de
domínio de uma técnica mercantil, a disposição de uma infra-estrutura e da capacidade de
operar em mercados nacionais e internacionais. Surgem grandes companhias mercantis,
substituindo o comerciante colonial, que estimulam os grandes produtores, deixando de
lado a produção de interesse local ou regional. Isso é fundamental no desinteresse pelas
comunidades índias e pelos pequenos proprietários, incidindo na expropriação de terras
indígenas, acabando com a complementaridade. Assentam-se as bases da futura
proletarização desses grupos.
Sociedade
Poucas mudanças de 1850 a 80. Incremento demográfico ainda decorrente da
relação natalidade/mortalidade. Já há imigração, mas não nos números vistos após 1880,
assim como no crescimento das principais cidades, que crescem pela expansão do comércio
exterior, desenvolvimento a rede de serviços ligados a isto, e a burocracia estatal. A
ausência de mudanças nas relações sociais favorece a mestiçagem (tendência plurissecular
das nossas sociedades), uniformizando as classes sociais (aonde a população índia era
escassa). A população rural continua predominante.
É uma estrutura social feudal, pois as relações, entre o senhor e o subordinado, são
mediatas. Trinta anos de expansão produtiva e estímulos modernizantes não serviram para
decompor a estrutura social pré-existente e provocar uma transformação. Tudo leva a uma
consolidação das estruturas sociais pré-existentes, e não a uma modernização dessas
estruturas. Mas há uma mudança significativa: inicia o processo de empobrecimento das
camadas sociais inferiores, que irá desembocar na sua proletarização, pela redução de seus
ingressos, conseqüência de uma jornada de trabalho mais longa sem reposição salarial, que
levará à sua consciência de classe. Há agitações no campo e na cidade.
Oligarquia: não é burguesia, pois o núcleo de seus interesses permanece vinculado à
terra, e que, portanto, seus lucros não são proveito, senão renda fixa, já que o fator que as
explica e as determina não é o risco. Mesmo com a diversificação dos interesses
econômicos, não há um espírito empreendedor, típico da burguesia européia. Muitos dos
grupos sociais emergentes procuram a terra, o que é decorrência do prestigio, pois a terra,
nessas circunstâncias, confere domínio sobre os homens. O fato da classe dominante ser
uma classe rural leva a relação entre classe dominante e classe dominada ser de
clientelismo, mediata, feudal, que permite o domínio inconteste da oligarquia. Já as
relações com as camadas médias, como funcionários, administradores, empregados de
bancos e do comércio, são diretas, mas também de clientelismo.
Subalternos: grupos resultantes da mestiçagem, estão implicados nas relações
clientelares, ainda não há grande diferenças entre camadas populares urbanas e rurais. Mas
há a diferença entre um grupo de empregados, da administração pública e dos serviços, e a
maioria, de caráter predominantemente rural.
O grupo dos empregados ainda não é a classe média, mas cresce muito no período,
principalmente pelas conseqüências da expansão produtiva, como o incremento dos
serviços comerciais e financeiros e estatais. São os intermediários entre a oligarquia e o
restante dos grupos subalternos. Mas sua existência depende da vontade da oligarquia,
pelos mecanismos de subordinação, com o clientelismo cultural e político. Sentem-se parte
da oligarquia, impedindo que desenvolva uma identidade de classe própria. Pelo fato de
serem eleitores, eles constituem a base social que legitima o setor oligárquico.
No ultimo terço do XIX foi a idade de ouro da oligarquia: nenhum veto impedia sua
hegemonia, exercendo domínio sobre todos os grupos sociais, no campo e na cidade,
controlando as rédeas do poder político e do poder cultural e, de acordo com o capital
inglês, do poder econômico.
Política
Também com mecanismos tradicionais. Apresenta aspectos menos personalistas,
mas não há mudanças significativas. O mecanismo clientelar se transfere dos lideres locais
e nacionais para o deputado ou senador, no interior de um mecanismo eleitoral. Acabam-se
as lutas entre os próprios grupos da oligarquia pelo poder, típico do caudilhismo, já que um
grupo predomina sobre os outros, mas não uma hegemonia total. Com isso há o principio
da representação de todos os grupos oligárquicos regionais na gestão do poder político.
Passa-se de um mecanismo de moderação de tipo pessoal para um impessoal, criando o
Estado e de suas instituições, com os grupos oligárquicos delegando o poder político no
Estado para garantir o principio da representação eqüitativa.
O Estado não é uma força debilitadora, nem política, social ou economicamente.
Há, então, o reconhecimento do poder central como moderador de suas dissensões, por
todos, sancionado pela constituição. Isso explica por que não há contradições dentro da
classe oligárquica neste e no próximo período. Tanto o poder central como os grupos
oligárquicos principais criam clientelas para legitimar o seu poder.
A Igreja teve uma grande força no desenvolvimento social e político, por chegar a
todos os rincões do continente. Foi, no nesse período, um apoio aos grupos oligárquicos
conservadores, que cresceu muito paralela à difusão do liberalismo entre a maior parte da
oligarquia. Só por volta dos anos 60-70 o liberalismo se converte na ideologia dominante.
A Igreja se preocupava com essa difusão, pois a separação dela do Estado
significaria a perda do monopólio sobre a instrução, assistência hospitalar, o registro civil.
Mas isso era necessário para o aperfeiçoamento do Estado oligárquico, porque a carência de
uma estrutura própria impediria respeitar os fins para que foi criado. Isso é um dos
principais princípios fundadores dos partidos políticos na América Latina, o que confirma
que as contradições entre os grupos oligárquicos são de índole ideológica.
Economia
Componentes básicos: incremento constante das exportações; afluência de novos
capitais; domínio do comércio exterior e da comercialização em geral por parte do capital
inglês; crescente subordinação ao anterior da produção controlada pela oligarquia. Mas a
economia internacional não se interessa no mesmo grau pelas diferentes economias latino-
americanas. Há uma especialização e um crescimento maior nas zonas exportadoras de
produtos agropecuários de clima temperado, fazendo crescer as diferenças interregionais. O
autor é contra a diferença entre unidades produtivas modernas (voltadas à exportação) e
tradicionais (voltadas ao mercado externo). Ambas têm como característica a produção
extensiva e a baixo custo, o que faz seus produtos competitivos no exterior, e a produção de
um só produto (o que as deixam dependentes das oscilações do mercado).
Há uma renovação das unidades produtivas e uma tendência à especialização
extrema, o que ocorre pela conquista de superfícies não ocupadas anteriormente.
Continuam os mecanismos descritos no capitulo anterior. As diferenças entre o latifúndio
de 1850 e o de 1910 são mínimas. Introduzem-se uma maior seleção de sementes,
maquinaria, tenta se introduzir novas raças de gado, mas a característica extensiva continua.
Continua não existindo um mercado de trabalho nacional; em algumas regiões já existe um
local, por causa da imigração. O modo-de-produção permanece praticamente sem
mudanças neste período, pelo contrário: reforça-se a tendência ao latifúndio ter o papel
central na produção.
A autonomia do Estado oligárquico e, também das oligarquias, cai bastante, se
compararmos ao período anterior. Pode-se falar inclusive em estados neocoloniais. É que os
impostos cobrados pelo Estado recaiam sobre o comércio exterior. Mas este sofria
flutuações, e o governo não podia prever as entradas, impedindo que este elaborasse uma
política de investimentos. Para não taxar as rendas da oligarquia, o Estado aceita a conexão
com o capital inglês, para obter empréstimos, para financiar as obras públicas, além de
cobrir seu próprio déficit. O Estado acaba preso pela divida externa. Pela capacidade
demonstrada pelos governos de pagar pontualmente seus empréstimos, o capital inglês
percebe a importância de entrar nesse mercado, mas sendo distribuído desigualmente,
permitindo que outros paises investissem capitais na América Latina. Mediante os
empréstimos, o capital inglês, aliado às oligarquias, controla o aparelho financeiro do
Estado. Geralmente esses investimentos eram em setores em que as oligarquias não
estavam presentes, exceto em alguns paises mineiros, como o Chile, onde o investimento
no próprio setor produtivo foi alto.
Há alguns investimentos da oligarquia em setores controlados pelo capital inglês,
como no setor financeiro, com a criação de bancos nacionais, emprestando dinheiro ao
Estado, obtendo proveitos sem nenhum risco. Há uma divisão do trabalho no setor
financeiro: os bancos nacionais financiam as firmas nacionais presentes na estrutura
produtiva; os bancos ingleses financiam o comércio exterior, permitindo às oligarquias e ao
capital inglês incrementar seus benefícios. O setor financeiro é o enlace entre o capital
inglês, que continuava controlando o comércio, e as oligarquias, que continuavam
controlando o setor produtivo. Porém, isto não implica que a oligarquia fosse submetida aos
interesses do capital inglês. Aliando-se com o capital inglês, a oligarquia garantiria seu
papel como centralizadora das decisões referentes ao emprego da renda nacional, que
deveria servir para ganhar a adesão dos subalternos, mas também para que as inovações não
destruíssem a ordem oligárquica. Com a continuidade dessa aliança, os benefícios para o
capital inglês seriam cada vez maiores. Para fugir disso, as oligarquias, mediante ao
aumento da exploração, fazem cair nos grupos subalternos o custo econômico disso. Essa
síntese de um modo-de-produção feudal e um capitalista estava condenada ao fracasso,
dando origem às contradições sociais.
Política
Governos sem oposição, refreando no âmbito político as contradições, atendendo
aos conselhos e advertências do capital inglês, por intermédio dos agentes diplomáticos.
Este Estado tem como base o poder moderador e a representação eqüitativa de todos os
grupos, obrigando os grupos a participar da gestão do poder e atribuindo ao governo uma
função impessoal. Mas o poder central não chega a assumir um papel determinante nos
sistemas federais, pela interação dos grupos oligárquicos mais fracos com os mais fortes,
que impediu o fortalecimento desse poder, que poderia redistribuir os ingressos do Estado
para regiões menos desenvolvidas. Já nos sistemas unitários prevalece a vontade dos mais
fortes, mas com negociações com setores menos potentes das oligarquias para evitar
rebeliões.
Esse sistema político era caracterizado pela coerção institucionalizada; a violência
pura e simples era a exceção. Tentou-se fazer na política como se fazia nos campos
econômico e social, procurando não alcançar um grau de opressão que colocasse em perigo
as bases do sistema.
Predominância do partido Liberal e do Conservador. Não há grandes diferenças nos
programas, a não ser na questão da relação entre a Igreja e o Estado, além das questões das
autonomias regionais (com os conservadores levemente inclinados à centralização, e os
liberais, a uma redução do poder central), e das relações com a economia internacional
(conservadores inclinados à proteger atividades não vinculadas à exportação, e os liberais,
por um livre comércio). Isso não significa uma divisão da classe dominante, mas é a
manifestação das exigências econômicas e sociais dos diversos grupos oligárquicos de um
mesmo país, levando a pequenas variações no jogo político. Há partidos de classe média,
como a UCR Argentina, mas a maioria das classes médias não formulou um partido
político, geralmente indo para as fileiras do partido Liberal. Há também as organizações da
nascente classe operaria, influenciadas por idéias anarquistas e socialistas. As sociedades de
socorro mútuo são fundamentais na tomada de consciência de classe e na constituição do
proletariado.