Anda di halaman 1dari 13

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ


PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
COORDENAÇÃO DO MESTRADO ACADÊMIO EM LETRAS

Disciplina: Tópicos em Crítica Literária I


Professora: Margareth Torres de Alencar Costa
Aluna: Ana Raquel de Sousa Lima
Área de Concentração: Literatura
Linha de Pesquisa: Literatura, cultura e sociedade
Carga Horária: 45 horas
Período: 2017.2
FICHAMENTO

OBRA: O Pacto Autobiográfico: de Rousseau à Internet

AUTOR: Philippe Lejeune

LEJEUNE, Philippe. O pacto Autobiográfico: de Rousseau à Internet. Tradução de


Jovita Maria Gerheim Noronha; Maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte, UFMG,
2008.

Sobre a obra: Este livro reúne ensaios de um autor cujo nome já se confunde com seu
próprio objeto de investigação, as escritas do eu. A coletânea de ensaios de Philippe
Lejeune aqui apresentada cobre mais de 30 anos de reflexão, pesquisa e defesa de um
gênero cuja proliferação atual e o interesse acadêmico crescente não significam de fato
que haja consenso em torno dele.

Sobre o autor: Es un profesor y ensayista francés, especialista en la autobiografía. Es el


autor de numerosas obras que tratan esencialmente sobre la autobiografía y los diarios
personales. Fonte: https://es.wikipedia.org
PARTE I

O PACTO AUTOBIOGRÁFICO

Seria possível definir a autobiografia?

Tentei fazer em L’autobiographie en France, para ter condições de estabelecer um corpus


coerente. Mas minha definição deixava em suspenso um certo número de problemas
teóricos. Tive necessidade de afiná-la e ajustá-la, tentando encontrar critérios mais
estritos. Ao fazê-lo, deparei-me fatalmente com as discussões clássicas sempre suscitadas
pelo gênero autobiográfico: relações entre biografia e autobiografia, relações entre
romance e autobiográfica (...) Nesta nova tentativa de definição, o que busquei esclarecer
foram, pois, os próprios termos da problemática do gênero. (p.13)

DEFINIÇÃO: narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de sua própria
existência, quando focaliza sua história individual, em particular a história de sua
personalidade. (p.14)

Para que haja autobiografia (e, numa perspectiva mais geral, literatura íntima), é preciso
que haja relação de identidade entre o autor, o narrador e o personagem. Mas essa
identidade levanta numerosos problemas. (p.15)

- como pode se expressar a identidade do narrador e do personagem na narrativa? (Eu, tu


e ele);

- no caso da narrativa em primeira pessoa, como se manifesta a identidade autor-


personagem – narrador? (Eu abaixo assinado);

- não haveria confusão, na maior parte dos raciocínios relativos à autobiografia, entre a
noção de identidade e a de semelhança? (Cópia autenticada) (p.15)

EU, TU , ELE : A identidade narrador-personagem principal, suposta pela autobiografia,


é na maior parte das vezes marcada pelo emprego da primeira pessoa. É o que Gerard
Genete denomia narração autodiegética, em sua classificação das vozes da narrativa,
classificação que ele estabelece a partir de obras de ficção. Entretanto o autor deixa claro
que pode haver narrativa “em primeira pessoa” sem que o narrador seja a mesma pessoa
que o personagem principal. É o que chama, numa perspectiva mais ampla, de narração
homodiegética. (P.16)
Autodiegética: diz-se do narrador que é personagem principal e que relata, na primeira
pessoa, as suas experiências pessoais

É preciso distinguir dois critérios diferentes: o critério da pessoa gramatical e o da


identidade dos indivíduos aos quais remetem os aspectos da pessoa gramatical. Essa
distinção elementar é esquecida por causa da polissemia da palavra “pessoa”. E
mascarada, na prática, pelas conjunções que se estabelecem quase sempre entre tal pessoa
gramatical e tal tipo de relação de identidade ou tal tipo de narrativa. (p.16)

De fato, ao colocar o problema do autor, a autobiografia elucida fenômeno que a ficção


deixa numa zona de indecisão: em particular o fato de que pode muito bem haver
identidade do narrador e do personagem principal no caso da narrativa “em terceira
pessoa”. Essa identidade, embora não seja mais estabelecida no texto pelo emprego do
“eu”, é estabelecida indiretamente, mas sem nenhuma ambiguidade, através da dupla
equação: autor = narrador e autor = personagem, donde se deduz que narrador =
personagem, mesmo se o narrador permanecer implícito. Este procedimento corresponde,
ao pé da letra, ao sentido primeiro da palavra autobiografia: é uma biografia, escrita pelo
interessado, mas escrita como uma simples biografia. (p.16)

Esses empregos da terceira pessoa e da segunda pessoa são raros na autobiografia, mas
nos proíbem de confundir os problemas gramaticais da pessoa com os problemas da
identidade. (p.18)

EU ABAIXO ASSINADO

Suponhamos então que todas as autobiografias sejam escritas em primeira pessoa (...)
mesmo nesse caso fica a seguinte pergunta: como se manifesta a identidade do autor e do
narrador? Para um autobiógrafo, é natural se perguntar simplesmente: quem sou eu? Mas,
uma vez que sou leitor, não é menos natural que eu faça primeiro a pergunta de outro
modo: quem é “eu?” (Ou seja, quem diz “quem sou eu?’). (p.19)

Partirei das análises de Benveniste, ariscando-me a chegar a conclusões ligeiramente


diferentes. 1. Referência: os pronomes pessoais (eu/tu) só possuem referência atual
dentro do discurso, no próprio ato de enunciação. Benveniste assinala que o conceito “eu”
não existe. O “eu” remete, sempre, àquele que fala e que identificamos pelo próprio fato
de estar falando. 2.Enunciado: os pronomes pessoais de primeira pessoa marcam a
identidade do sujeito da enunciação e do sujeito do enunciado. (p.21)
Beveniste assinala (p.261) que o conceito “eu” não existe: observação muito acertada, se
acrescentarmos que o conceito “ele” também não existe, e que, de maneira geral, nenhum
pronome pessoal, possessivo, demonstrativo etc. remete a um conceito, mas exerce
simplesmente uma função, que consiste em remeter a um nome, ou a uma entidade
suscetível de ser designada por um nome. (p.21)

É no nome próprio que pessoa e discurso se articulam, antes de se articularem na primeira


pessoa, como demostra a ordem de aquisição da linguagem pela criança. A criança fala
de si mesma na terceira pessoa, chamando-se pelo próprio nome, bem antes de
compreender que também pode utilizar a primeira pessoa. (p.22)

É, portanto, em relação ao nome próprio que devem ser situados os problemas da


autobiografia. Nos textos impressos, a enunciação fica inteiramente a cargo de uma
pessoa que costuma colocar seu nome na capa do livro e na folha de rosto, acima ou
abaixo do título. É nesse nome que se resume toda a existência do que chamamos de autor.

A autobiografia (narrativa que conta a vida do autor) pressupõe que haja identidade de
nome entre o autor (cujo nome está estampado na capa), o narrador e a pessoa de quem
se fala. Esse é um critério muito simples, que define, além da autobiografia, todos os
outros gêneros da literatura íntima (diário, autorretrato, auto ensaio). Uma objeção vem
logo à mente: e os pseudônimos? Objeção fácil de ser descartada, a partir do momento
em que o pseudônimo é definido e diferenciado do nome do personagem fictício. (p.24)

No caso do nome fictício (isto é, diferente do nome do autor) dado a uma personagem
que conta sua vida, o leitor pode ter razões de pensar que a história vivida pelo
personagem é exatamente a do autor: seja por comparação com outros textos, seja por
informações externas, ou até mesmo pela própria leitura da narrativa que não parece ser
de ficção (como quando alguém diz: “Eu tinha um grande amigo a quem aconteceu...”, e
começa a contar a história desse amigo com uma convicção inteiramente pessoal). Ainda
que se tenha todas as razões do mundo para pensar que a história é exatamente a mesma,
esse texto não é uma autobiografia, já que esta pressupõe, em primeiro lugar, uma
identidade assumida na enunciação, sendo a semelhança produzida pelo enunciado
totalmente secundária. (p.25)
Esses textos entrariam na categoria do “romance autobiográfico”. Chamo assim todos os
textos de ficção em que o leitor pode ter razões de suspeitar, a partir das semelhanças que
acredita ver, que haja identidade entre autor e personagem, mas que o autor escolheu
negar essa identidade ou, pelo menos, não afirma-la. (p.25)

A autobiografia não é um jogo de adivinhação, mas exatamente o contrário disso(...) As


formas do pacto autobiográfico são muito diversas, mas todas elas manifestam a intenção
de honrar sua assinatura. O leitor pode levantar questões quanto à semelhança, mas nunca
quanto à identidade. (p.26)

A identidade de nome entre autor, narrador e personagem pode ser estabelecida de duas
maneiras:

1.Implicitamente, na ligação autor-narrador, no momento do pacto autobiográfico. Este


pode assumir duas formas: a) Uso de títulos que não deixem pairar nenhuma dúvida
quanto ao fato de que a primeira pessoa remete ao nome do autor (história de minha vida,
autobiografia etc.); b) Seção inicial do texto onde o narrador assume compromisso junto
ao leitor, comportando-se como se fosse o autor, de tal forma que o leitor não tenha
nenhuma dúvida quanto ao fato de que o “eu” remete ao nome escrito na capa do livro,
embora o nome não seja repetido no texto. (p.27).

2. De modo patente, no que se refere ao nome assumido pelo narrador-personagem na


própria narrativa, coincidindo com o nome do autor impresso na capa. É necessário que
a identidade seja estabelecida pelo menos por um desses meios, mas ocorre
frequentemente que ambos sejam mobilizados. (p.27)

COPIA AUTENTICADA: Identidade não é semelhança. (p.35)

A identidade é um fato imediatamente perceptível – aceita ou recusada, no plano da


enunciação; a semelhança é uma relação, sujeita a discussões e nuances infinitas,
estabelecida a partir do enunciado. (p.35)

A identidade se define a partir de três termos: autor, narrador e personagem. Narrador e


personagem são as figuras às quais remetem, no texto, o sujeito da enunciação e o sujeito
do enunciado. O autor, representado na margem do texto por seu nome, é então o
referente ao qual remete, por força do pacto autobiográfico, o sujeito da enunciação.
(p.36)
Em oposição a todas as formas de ficção, a biografia e a autobiografia são textos
referenciais: exatamente como o discurso cientifico ou histórico, eles se propõem a
fornecer informações a respeito de uma “realidade” externa ao texto e a se submeter
portanto a uma prova de verificação (...) Seu objetivo não é a simples verossimilhança,
mas a semelhança com o verdadeiro. Não o “efeito de real”, mas a imagem do real. Todos
esses textos referenciais comportam então o que chamarei de pacto referencial, implícito
ou explícito, no qual se incluem uma definição do campo do real visado e um enunciado
das modalidades e do grau de semelhança aos quais o texto aspira. (p.36)

CONTRATO DE LEITURA: Ao término dessa reflexão, um breve balanço, permitirá


constatar um deslocamento do problema. Lado negativo: certos pontos permanecem
nebulosos ou insatisfatórios. Lado positivo: inversamente, minhas análises me parecem
fecundas todas as vezes que, indo além das estruturas aparentes do texto, sou levado a
colocar em questão as posições do autor e do leitor. (p.44)

A problemática da autobiografia aqui proposta não está, pois, fundamentada na relação,


estabelecida de fora, entre a referência extratextual e o texto – pois tal relação só poderia
ser de semelhança e nada provaria. Ela tampouco está fundamentada na análise interna
do funcionamento do texto, da estrutura ou dos aspectos do texto publicado, mas sim em
uma análise, empreendida a partir de um enfoque global da publicação, do contrato
implícito ou explícito proposto pelo autor ao leitor, contrato que determina o modo de
leitura do texto e engendra os efeitos que, atribuídos ao texto, nos parecem defini-lo como
autobiografia. (p.45).

Explicação: o autor expõe através de explicações detalhadas a forma como o leitor deve
conceber um texto autobiográfico. Lejeune argumenta que autor-narrador-personagem
idênticos são peças chave para a compreensão das obras autobiográficas. Ele ressalta
ainda que a identidade não é uma semelhança e que a autobiografia não é um jogo de
adivinhações.
O PACTO AUTOBIOGRÁFICO (BIS)

“O pacto autobiográfico “é válido como hipótese e instrumento de trabalho: é normal que


eu avalie ou remodele à luz do trabalho que empreendi a partir dele e das críticas que o
texto suscitou. (p.49)

As discussões críticas me foram preciosas, me ajudaram a ver as imperfeições e os limites


de minhas análises e também situá-las no campo cada vez mais produtivo dos estudos
sobre a autobiografia [...] Em 1980, ampliei em várias direções, minha reflexão acerca da
identidade (os casos da autobiografia em terceira pessoa e do autor múltiplo que havia
deixado de lado em 1973) (p.49)

Minha releitura terá essencialmente como objeto os problemas de método em torno de


alguns pontos sensíveis: a definição, o vocabulário, o contrato, o “estilo” e a ideologia
autobiográfica. (p.49)

DEFINIÇÃO: Narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de sua própria
existência, quando focaliza especialmente sua história individual, em particular a história
de sua personalidade. (p.49)

Mas não me arrependo de nada. Afinal de contas, se essa definição passou a ser uma
referência, é porque corresponde a uma necessidade. (p.50)

O que me deteve foi uma certa tendência ao “nominalismo” e, de modo mais geral, uma
atitude dogmática quanto ao problema da identidade. Isso fica claro quando chego na
autobiografia anônima. Ao invés de proceder de uma análise mais ampla dos diferentes
casos possíveis (e das diferentes reações possíveis do leitor), fico bloqueado – e sentindo
que estou equivocado, tento me safar, perdendo a paciência com meus leitores: ‘ é certo
que, ao declarar impossível uma autobiografia anônima, estou apenas enunciando um
corolário de minha definição e não tentando “prová-la”. Dou inteira liberdade a quem
quiser declarar a coisa possível, mas seria preciso então partir de uma outra definição”.
Ou seja, me eximo de toda e qualquer responsabilidade, lavo minhas mãos... (p.52)

VOCABULÁRIO: Já no início queixei-me da “imprecisão do vocabulário utilizado”


nas discussões sobre autobiografia (...) é por sua elasticidade, sua plasticidade, sua
polissemia que os termos literários (assim como os outros) são úteis ao diálogo e
asseguram a continuidade da língua, (p.52)
Quanto à palavra “biografia”, ela designa hoje, dependendo de quem a empregue: 1) a
história de um homem (em geral célebre) escrita por outrem (é o sentido antigo e mais
comum); 2) a história de um homem(em geral obscuro) contada oralmente por ele próprio
a outra pessoa que o levou a empreender essa narrativa para estudá-la (é o método
biográfico das ciências sociais); 3) a história de um homem contada por ele próprio a
outra ou outras pessoas que o ajudam, com sua escuta, a se orientar na vida (é a
(auto)biografia feita no âmbito da formação). (p.53)

Assim, antes de estabelecer em que sentido pretendia usar a palavra “autobiografia”, eu


deveria ter tido a prudência de situá-la dentro do leque de seus significados. (p.53)

A palavra “autobiografia” foi importada da Inglaterra no início do século 19 e empregada


em dois sentidos próximos, mas mesmo assim diferentes. O primeiro sentido (o que
escolhi) foi proposto por Larousse, em 1886: “Vida de um indivíduo escrita por ele
próprio” (p.53)

A IDENTIDADE: O inegável aspecto normativo do “pacto” se deve essencialmente à


apresentação categórica do problema da identidade. (p.55)

Sempre raciocinei como se o centro do campo autobiográfico fosse a confissão: avaliei o


todo, de acordo com as regras de funcionamento de uma de suas partes: as confissões
devem ser assinadas para que tenham valor, não há como entrar em acordo com a
verdade...mas tal escolha só é passível de crítica se implicar a negação da existência de
graus possíveis: do momento em que a aceitamos, o ponto de referência da confissão
permite avaliar outras estratégias de escrita e de leitura (p.56)

O CONTRATO: O termo “contrato” sugere que se trata de regras explícitas, fixas e


reconhecida de comum acordo pelos autores e leitores: no cartório, as duas partes assinam
o mesmo contrato, na mesma hora. (p.56)

Em literatura, é completamente diferente. Valéry dizia que todo julgamento que


estabelece uma relação a três entre produtor, obra e consumidor é ilusório, já que essas
três instâncias nunca participam ao mesmo tempo de uma mesma experiência. (p.56)

Ao fazer um acordo com o narratário cuja imagem constrói, o autobiográfo incita o leitor
real a entrar no jogo dando a impressão de um acordo assinado pelas duas partes. Mas
sabe-se que o leitor real pode adotar modos de leitura diferentes do que é sugerido e que,
sobretudo, muitos textos publicados não comportam nenhum contrato explícito. (p.57)
O que chamo autobiografia pode pertencer a dois sistemas diferentes: um sistema
referencial “real” (em que o compromisso autobiográfico, mesmo passando pelo livro e
pela escrita, tem valor de ato) e um sistema literário, no qual a escrita não tem pretensões
à transparência, mas pode perfeitamente imitar, mobilizar as crenças do primeiro sistema.
(p.57)

Em relação ao autor, pode haver defasagem entre sua intenção inicial e a intenção que lhe
será atribuída pelo leitor, seja porque o autor desconhece os efeitos induzidos pelo modo
de apresentação que escolheu, seja porque entre ele e o leitor existem outras instâncias:
muitos elementos que condicionam a leitura (subtítulo, classificação genérica,
publicidade, adendo) podem ter sido escolhidos pelo editor e já interpretados pelos meios
de comunicação. (p.57)

Enfim, é preciso admitir que podem coexistir leituras diferentes do mesmo texto,
interpretações diferentes do mesmo “contrato” proposto. O público não é homogêneo.
(p.57)

Como observar leituras reais?

A CASA CEGA: (p.28). Esse quadro mostra os efeitos da combinação do pacto com o
emprego do nome próprio (relação entre o nome do autor e o nome do personagem
principal): em cada casa inscrevi o efeito produzido. Há duas casas “cegas” que
correspondem a casos “excluídos por definição”. Cego estava eu. Salta aos olhos que o
quadro está mal feito (palavras do autor). (p.58)

Esse quadro teve a sorte de cair nas mãos e inspirar um romancista (que também é
professor universitário), Serge Doubrovsky que decidiu preencher uma das casas vazias,
combinando o pacto romanesco e o emprego do próprio nome. Seu romance Fils (1977)
se apresenta como uma “autoficção” que, por sua vez, me inspirou. (p.59)

Desse modo, pude observar um fenômeno mais amplo: nos últimos 10 anos, da “mentira
verdadeira” à “autoficção”, o romance autobiográfico literário aproximou-se da
autobiografia a ponto de tornar mais indecisa do que nunca a fronteira entre esses dois
campos. (p.59)

Qual é a diferença entre a leitura de um texto de ficção e de um texto autobiográfico?

O ESTILO: Minha análise foi desenvolvida a partir de uma evidência: “como distinguir
autobiografia e romance autobiográfico? Tenho que confessar que, se nos ativermos à
análise interna do texto, não há nenhuma diferença”. Consequentemente, concentrei-me
nos elementos que, à margem do texto, fazem a diferença: o nome próprio e o contrato.
(p.60)

A IDEOLOGIA AUTOBIOGRÁFICA: Mas chegamos ao ponto essencial. Ao


enfatizar o contrato, não apenas negligenciei certos elementos da percepção genérica,
mas, sobretudo, corri o risco de passar por ingênuo. De fato, abordei esses problemas de
contrato (compromisso de dizer “a verdade”, emprego do nome próprio, emprego do “eu”
etc ) de um ponto essencialmente linguístico e formal. (p.64)

É óbvio que os problemas levantados pelo contrato podem ser analisados a partir de outras
disciplinas e por outros métodos: a psicologia e a psicanálise e também a sociologia e o
estudo da ideologia. (p.64)

Dizer a verdade sobre si, se constituir em sujeito pleno, trata-se de um imaginário. Mas,
por mais que a autobiografia seja impossível, isso não a impede de existir. (p.66)

Talvez, ao descrevê-la, tomei, por minha vez, meu desejo pela realidade: mas o que quis
fazer foi descrever esse desejo em sua realidade, que é ser compartilhado por um grande
número de autores e leitores. (p.66)

IDOLATRIA: Fiquei impressionado com uma frase de George May, no início de seu
livro sobre a autobiografia, em que ele se vangloria por não ser “afligido por nenhuma
forma aberrante de idolatria por esse gênero de literatura”. Devo confessar o inverso; a
forma aberrante que assumiu minha idolatria é o desejo de escrever. Escolhi trabalhar,
academicamente, com autobiografia, porque, paralelamente, queria trabalhar em minha
própria autobiografia. (p.66)

Democratizei-me: passei a me interessar pela vida de qualquer um e pelas formas mais


elementares e também mais comuns do discurso e da escrita autobiográfica. (p.66)

Todo homem traz em si uma espécie de rascunho, perpetuamente remanejado, da


narrativa de sua vida: é o que busca captar, no gravador, a história oral. Ao redor de nós,
bem mais numerosas, que pensamos, há pessoas que passam esse rascunho da vida a
limpo...(p.67)
Minha explicação: Nesse capítulo o autor faz uma releitura de sua teoria e por meio da
avalição de algumas críticas, que surgiram após o seu posicionamento com relação ao
gênero autobiográfico, reconsidera algumas postulações. Em sequência enfatiza o
surgimento da autoficção a partir das observações e publicação da obra de Serge
Doubrovski..

PACTO AUTOBIOGRÁFICO, 25 ANOS DEPOIS.

Este título comemorativo, que surgiu durante uma conversa entre Anna Caballé e eu está
me deixando, hoje, um pouco constrangido. Li alguns tratados de boas maneiras. A
baronesa Staffe, por exemplo diz claramente, em 1893: “É por generosidade que se deve
evitar falar de si, ainda que seja para falar mal. Deve-se impedir o máximo possível a
intervenção de seu eu, pois este é quase sempre um assunto que incomoda ou entendia os
outros”. Mas, na verdade, o que vou contar aqui é uma aventura teórica na qual minha
importância é apenas circunstancial. (p.70)

Recuo no tempo e olho para “30 anos atrás”. L’autobiographie en France é um pequeno
livro muito simples, composto de três capítulos: definição (defino a autobiografia em
relação a outros gêneros), “História” (tento responder às seguintes perguntas: quando
começa a história da autobiografia e como escrevê-la, forneço, em seguida, uma série de
pontos de referência) e “Problemas” (analiso o pacto e o discurso autobiográfico, evoco
os argumentos “a favor” e “contra” e situo a autobiografia em relação à psicanálise).
(p.70-71)

Porque escrevi esse livro? Para satisfazer uma paixão e preencher uma lacuna. (...) folheio
o livro e fico bastante espantado. A definição não é realmente objeto de nenhuma análise
aprofundada, mas é utilizada, sobretudo, para constituir um corpus baseado em um
modelo estritamente rousseauniano. O propósito é claramente normativo. (p.71)

De fato se eu tivesse sido mais aberto, teria reunido um corpus imenso e confuso. Todo
erro tem sua verdade. A identidade, aqui como em toda parte, é uma escolha. (p.71-72)

Algo de essencial me guiava nesse trabalho: a recorrência obstinada de um certo tipo de


discurso dirigido ao leitor, o que chamei “pacto autobiográfico” (p.72)
A que remete pacto? Certamente a uma ideia de “contrato” (...) Não sou um teórico
revolucionário, mas antes um publicitário que teve uma boa ideia (...) uma das críticas
feita à ideia de pacto é que ela supõe a reciprocidade, um ato em que duas partes se
comprometem mutuamente a fazer alguma coisa. Ora, no pacto autobiográfico, como,
aliás, em qualquer “contrato de leitura”, há uma simples proposta que só envolve o autor:
o leitor fica livre para ler ou não e, sobretudo, para ler como quiser. Isso é verdade. Mas
se decidir ler, deverá levar em conta essa proposta, mesmo que seja para negligenciá-la
ou contestá-la (p.73)

Quando você lê uma autobiografia, não se deixa simplesmente levar pelo texto como no
caso de um contrato de ficção ou de uma leitura simplesmente documentária, você se
envolve no processo: alguém pede para ser amado, para ser julgado, e é você quem deverá
fazê-lo. (p.73)

Forneci uma definição e estou contente que tenha agradado. (...)trinta páginas depois, faço
um pequeno balanço, dizendo em que pontos pareço ter avançado e o que continua
confuso, e proponho examinar o problema de outro ângulo, o da recepção. (p.79)

A palavra “autobiografia”, aliás, que muitos suspeitam de ser sectária, vem sofrendo a
concorrência de algumas expressões mais abrangentes, mais flexíveis. No fim dos anos
de 1970, começou-se a falar de “relatos de vida” (...) a expressão tem virtudes
interdisciplinares, designa um terreno comum aos literários e aos especialistas de ciências
humanas: engloba a narrativa oral (que-“grafia” exclui) e a hetero – (que “auto” exclui)
sem deixar de respeitar o contrato de verdade. No inicio dos anos de 1980, e até hoje,
outras expressões, como “escrita do eu” ou “ escrita de si’, surgiram com uma função um
pouco diferente, às vezes em programas de provas e concursos. Tratava-se, dessa vez, de
ampliar o campo, incluindo a “verdadeira” literatura, isto é, ficção, fazendo do pacto de
verdade uma especificação secundária. (p.82)

Acredito simplesmente que é difícil pensar o passado. Que nem tudo sempre existiu. Que
certos elementos formalmente idênticos podem ter tido funções diferentes. Que as
relações com o tempo, a identidade, o grupo, a escrita variaram. (p.84-85)
AUTOBIOGRAFIA E FICÇÃO

Tenho duas categorias de adversários: os primeiros são os que não acreditam na verdade.
Eles me olham com piedade. Os outros, os que acreditam na literatura. Eles me olham
com indignação. (p.103)

Os primeiros estão convencidos de que o compromisso de dizer a verdade não tem


nenhum sentido (...) é um erro no plano da arte. Recorrem seja à psicologia, seja à
narratologia (toda narrativa é uma fabricação). (p.103)

A promessa de dizer a verdade, a distinção entre verdade e mentira constituem a base de


todas as relações sociais. Certamente é impossível atingir a verdade, em particular a
verdade de uma vida humana, mas o desejo de alcançá-la define um campo discursivo e
atos de conhecimento um certo tipo de relações humanas que nada tem de ilusório. (p.104)

A autobiografia se inscreve no campo do conhecimento histórico e no campo da ação


tanto quanto no campo da criação artística. (104

O fato de a identidade individual, na escrita como na vida, passar pela narrativa não
significa de modo algum que ela seja uma ficção. (p.104)

Minha explicação: Após uma avaliação do seu percurso teórico Lejeune faz diversas
observações acerca da compreensão por parte dos leitores do que ele chamou de pacto ou
contrato de leitura. A teoria do gênero autobiográfico, segundo o autor, passou uma
impressão de algo dogmático consequentemente, um dos grandes problemas. Para ele
persistem as tentativas de definir o termo autobiografia em relação as narrativas
ficcionais. Nesse sentido observa-se, por parte do autor, uma posição de defesa ao pacto
autobiográfico.

“SOMOS SEMPRE VÁRIOS QUANDO ESCREVEMOS, MESMO SOZINHOS, MESMO


NOSSA PRÓPRIA VIDA”. (LEJEUNE, 2008, p.118)

Anda mungkin juga menyukai