As ligações iônicas
Autores
aula
11
Governo Federal
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Reitor
José Ivonildo do Rêgo
Vice-Reitora
Ângela Maria Paiva Cruz
Arquitetura atômica e molecular / Ótom Anselmo de Oliveira, Joana D’arc Gomes Fernandes – Natal
(RN) : EDUFRN – Editora da UFRN, 2006.
280 p.
ISBN 85-7273-278-0
CDU 541
RN/UF/BCZM 2006/18 CDD 541.5
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2ª Edição
Apresentação
P
rosseguindo com o estudo das ligações químicas, passaremos a discutir os
mecanismos de interação entre espécies iônicas que sempre resultam na formação
de sólidos cristalinos. Destes, a grande maioria é de natureza inorgânica, embora
algumas espécies orgânicas também se liguem através de mecanismos semelhantes. Em
todos esses mecanismos, porém, o que se verifica é a união entre íons positivos e negativos,
gerando redes tridimensionais bem organizadas.
Nesse tipo de composto, as ligações podem ser analisadas em termos das energias
envolvidas na formação dos cristais e das relações de tamanho entre os íons formadores de
cada substância.
Nesta aula, daremos maior atenção aos aspectos energéticos, mas, também, utilizaremos
dados relativos às dimensões dos íons, especialmente àqueles necessários a cálculos de
parâmetros energéticos.
Objetivos
Após esta aula, você deverá: conhecer os mecanismos
envolvidos nas ligações iônicas, podendo descrever cada
etapa de reação; saber analisar as energias envolvidas
nesses mecanismos e realizar cálculos de alguns
parâmetros termodinâmicos das reações; interpretar
os fatores determinantes das diferentes geometrias
desses compostos e correlacionar as geometrias com
as energias de formação dos cristais. Além disso, você
poderá compreender as causas de algumas propriedades
desse tipo de composto, tais como estabilidade térmica,
ponto de fusão, solubilidade e condutibilidade elétrica.
A
s ligações iônicas são estabelecidas entre íons de cargas opostas. Esses íons são
formados mediante transferência de elétrons entre átomos ou grupos de átomos,
conferindo-lhes determinadas cargas. Nesses processos, a espécie que fica com carga
positiva é denominada cátion e a que fica com carga negativa recebe o nome de ânion.
Os compostos que apresentam esse tipo de ligação, ao invés de formarem moléculas
isoladas, formam aglomerados de íons, assumindo a forma sólida à temperatura ambiente,
sendo cristalinos, duros, não condutores de eletricidade quando puros, mas bons condutores
quando em solução.
Nos arranjos estruturais desses compostos, os íons positivos e negativos se alternam
formando estruturas tridimensionais (o cristal do composto), com alta estabilidade
termodinâmica.
A título de exemplo, vamos analisar a formação do cloreto de sódio em todas as suas
etapas, objetivando entender o mecanismo e as energias envolvidas na formação desse
composto que, guardadas certas peculiaridades, se assemelham à de outros compostos
dessa natureza.
Inicialmente, podemos dizer que a síntese do NaCl se faz pela reação entre o sódio
metálico e o cloro gasoso, num processo que pode ser expresso na forma:
Na(s) + ½Cl2(g) NaCl(s); Hf = - 412 kJ mol-1.
A variação de entalpia observada em reações dessa natureza (síntese a partir dos
elementos constituintes) é definida como entalpia de formação ( Hf) e como, nesse caso,
o seu valor é bastante negativo (-412 kJ mol-1), pode-se dizer que a síntese do cloreto de
sódio é bastante exotérmica, o que indica que as ligações entre os íons Na+ e Cl- são muito
fortes nesse composto.
É interessante registrar que tais ligações resultam da combinação de uma série de etapas,
as quais passaremos a analisar para melhor compreender os mecanismos dessas ligações.
Como vocês já sabem, a configuração eletrônica do sódio é 1s2, 2s2, 2p6, 3s1 e a do
cloro é 1s2, 2s2, 2p6, 3s2, 3p5. Assim, para que os dois assumam configuração de octeto
no nível de valência, basta o sódio transferir um elétron para o cloro. Porém, no estado
padrão, os átomos de sódio estão ligados entre si formando um sólido (Na(s)) e os átomos
de cloro estão ligados formando moléculas (Cl2(g)). Portanto, para que os dois possam reagir,
é necessário que os seus átomos rompam tais ligações. Ou seja: é necessário que ocorram
os processos:
Veja que essas três etapas são endotérmicas, portanto, desfavoráveis à reação. Porém, as
etapas seguintes são exotérmicas e é isso que assegura a formação do composto iônico (NaCl).
Destas, a primeira corresponde à recepção de um elétron pelo cloro, formando o íon cloreto e,
como o cloro tem uma alta afinidade eletrônica, ocorre liberação de energia. Ou seja:
Cl(g) + e-(g) C l-(g) ; H4 ≡ afinidade eletrônica = -349 kJ mol-1.
Em seguida, pode-se imaginar que os íons formados se ligam por forças eletrostáticas
gerando pares iônicos (“moléculas” de NaCl) que imediatamente continuam a se ligar,
alternando íons sódio e íons cloreto, formando o retículo cristalino do cloreto de sódio num
processo também exotérmico, já que ocorre pela interação entre partículas com cargas
opostas.
Na+(g) + Cl-(g) NaCl(g) NaCl(s) ; H5 ≡ U (energia reticular)
Na+(g) + e- + Cl(g)
ΔH4°
ΔH3°
Na+(g) + Cl-(g)
Na (g) + Cl (g)
Energia
ΔH2°
Na (g) + ,N Cl 2(g)
ΔH1°
Na (s) + ,N Cl 2(g)
ΔHf° [NaCl(s)]
NaCl(s)
H1 H2 H3 - H4 Hf U
Um aspecto que deve ser enfatizado é o fato das ligações iônicas sempre se formarem
entre metais e não metais, uma vez que, para os primeiros, geralmente as energias de
ionização (fator desfavorável ao processo) são pequenas; e os não metais normalmente
apresentam afinidades eletrônicas negativas, favorecendo a ocorrência das reações, além do
que, quando seus valores são positivos (desfavoráveis ao processo), são pequenos.
Não devemos esquecer, porém, da existência de muitos compostos iônicos formados
mediante ligações entre íons poliatômicos, como NaC2H5O2 ou NH4CL, os quais, por sua
maior complexidade, não serão discutidos nesta aula.
A
Um sólido iônico pode ser definido como um aglomerado de íons positivos e negativos,
empacotados num arranjo estrutural regular repetitivo em que os cátions e os ânions
fazem ligações sucessivas que se propagam em três dimensões, gerando a estrutura
cristalina correspondente a cada composto. Nessas estruturas, cada íon fica rodeado por outros
de cargas opostas, cujas posições e quantidades têm como um dos fatores determinantes os
tamanhos desses íons, conforme se pode perceber observando a Figura 2.
A determinação desse parâmetro experimentalmente não é uma tarefa fácil, mas, para
muitos compostos, isso pode ser feito a partir de modelos teóricos com relativa facilidade e
com resultados satisfatórios.
Para tanto, pode-se definir a energia de atração eletrostática de um par iônico do tipo
m+ n-
M X através da equação:
onde z+ e 2 z- são as cargas dos íons, e, a carga do elétron, rMX é a distância entre os centros
dos dois íons e 0 é a permissividade do vácuo ( 0 = 8,854.10-2 C2 m-1 J-1).
Assim, para o cloreto de sódio, como as cargas dos íons sódio (1+) e cloro (1-) são
iguais, diferindo apenas pelo fato de uma ser positiva e a outra negativa, essa equação pode
ser escrita na forma:
Porém, após essa camada de cloretos vem uma camada de doze íons sódio que ficam a
√
uma distância igual a ro 2, sendo repelidos pelo sódio central e contribuindo negativamente
√
para a formação do cristal. Em seguida, a uma distância igual a ro 3, vem uma nova camada
constituída por oito cloretos, que contribui para a estabilização do cristal. Assim, com a
sucessão de camadas de íons positivos e negativos, ocorre a formação do cristal, nos quais
as distâncias interiônicas podem ser definidas por relações trigonométricas, como pode ser
visto na Figura 4.
A disposição dos íons Na+ e Cl- nos cristais de cloreto de sódio faz com que a energia
de ligação do íon de referência na Figura 4, em relação aos demais, seja expressa pela
equação:
1 6e2 12e2 8e2 6e2 24e2
E=− − √ + √ − + √ − ...
4πεo ro ro 2 ro 3 2ro ro 5
e2 12 8 6 24
E=− 6 − √ + √ − + √ − ...
4πεo ro 2 3 2 5
e2 M
E = −
4 0 0
r
Agora, para expressar a energia de ligação por mol de cloreto de sódio formado, basta
introduzir o número de Avogrado (N), obtendo-se a equação:
e 2 MN
E = −
4 0 0
r
e2 BN
Erep = −
4rn
e2 MN NB
Etotal = EAtração + ERepulsão = − +
4 0 0
r r0n
e2 M
B= r0n-1
4 0
n
e2 M N 1
U =− 1−
4πεo ro n
Agora, introduzindo os termos constantes universais e fazendo as operações aritméticas
pertinentes, a equação assume uma forma mais simples, podendo ser aplicada a qualquer
composto constituído por íons de carga unitária, bastando se conhecer a distância interiônica,
a constante de Madelung e o expoente de Born. Ou seja, U passa a ser expressa por:
M 1
U = 1389 1−
ro n
Nessa equação, o fator 1389 está dimensionado para se utilizar a distância interiônica
(r0) em angstrom (Å).
z − z+ M 1
U = −1389 1−
ro n
(+1)(-1)1,748 1 1,748 1
U = - 1389 1− 1−
2,82 9, 1 U = - 1389 2,82 9, 1
É necessário destacar que existem outras equações para cálculos das energias reticulares A.F. Kapustinskii
estabelece que a energia
(U) dos sólidos iônicos. Uma delas inclui parâmetros relacionados com a covalência da
reticular (U) de um
ligação (presente mesmo nos compostos iônicos), com as repulsões entre os elétrons dos composto iônico pode ser
íons (de um íon sobre o outro) e a energia do ponto zero. Outra é a equação de Kapustinskii estimada pela equação
que é menos precisa, mas pode ser aplicada mesmo quando não se conhece a estrutura 120200νz+ z−
U =
ro
cristalina do composto. Resultados pela via experimental e pelos três modelos teóricos 1 − 34,5 kJ mol−1
ro
citados são apresentados no Quadro 4. Nessa equação, ν é o
número de íons por
fórmula do composto.
Conclusão
Durante esta aula, quase sempre consideramos que as ligações iônicas são estabelecidas,
apenas, por interações de natureza eletrostática entre íons ou esferas de cargas positivas e
negativas. Neste contexto, podemos concluir que tais ligações são mais simples do que as
que fazem pelo modelo da covalência.
Pela natureza dessas ligações, os sólidos cristalinos apresentam altos pontos de fusão
e são quebradiços, pois como os íons se ligam em redes, ao ocorrer rompimento de ligações,
estas ocorrem em toda a superfície de clivagem do cristal.
Não devemos esquecer que tais simplificações feitas no tratamento das ligações iônicas
podem levar a conclusões equivocadas, uma vez que, em qualquer ligação, sempre existe
alguma covalência. De fato, existem compostos, como muitos dos haletos alcalinos, em que
o caráter covalente pode ser desconsiderado para muitas das interpretações que se deseja
fazer. Porém, em compostos formados por elementos com eletronegatividade não muito
diferentes, a covalência tem caráter mais significativo.
Outro aspecto que dever ser registrado é que as redes cristalinas nem sempre são
perfeitas. Na formação dos cristais, freqüentemente ocorrem defeitos (por descontinuidade
da rede ou pela presença de impurezas) que podem fazer o composto mudar algumas das
suas propriedades, e isso possibilita diversos usos interessantes para esses materiais.
1.
sua resposta
2.
3.
4.
Auto-avaliação
Qual a razão das ligações entre os elementos alcalinos e halogênios terem caráter
1 predominantemente iônico?
Relembrando carga nuclear efetiva, você acha que esse parâmetro tem alguma
2 relação com a formação de ligações iônicas? Justifique.
Os íons Na+ e Mg2+ são isoeletrônicos; o F- e o O2- também. Então, qual a razão da
4 energia reticular do NaF ser 929 kJmol-1 e a do MgO ser 3.850 kJ mol-1?
5 Qual a razão do número de coordenação no NaCl ser 6:6 e no CsCl ser 8:8?
Referências
ATKINS, P. W.; JONES, L. Princípios de química. Porto Alegre: Bookman, 2001.
BRADY, J. E.; RUSSEL, J. E.; HOLUM, J. R. Química: a matéria e suas transformações. 3.ed.
Rio de Janeiro: LTC, 2003. v. 1 e 2.
J. D. LEE. Química inorgânica não tão concisa. 5.ed. São Paulo: Edgard Blücher LTDA, 1999.
KOTZ, J. C.; TREICHEL JR, P. Química e reações químicas. 4.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2002.
v. 1 e 2.
MAHAN, B. M.; MYERS, R. J. Química: um curso universitário. 4.ed. São Paulo: Edgard
Blücher LTDA, 1993.
EMENTA
Estrutura atômica e periodicidade dos elementos. Estrutura molecular e as ligações químicas. Forças intermoleculares.
As interações nos líquidos. Ligações químicas nos sólidos. Química nuclear.
AUTORES
AULAS
11 As ligações iônicas
13 As forças intermoleculares
14 O estado sólido
15 Radioquímica