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ISSN 1518-1324

SérieAnis
Número 55, junho de 2008

Bioética y Ética y Feminismo y Gênero y Direitos Humanos y Justiça y Desenvolvimento Social

A ÉTICA E O ETHOS DA A prática científica, bem como uma de suas


COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA expressões públicas e sociais, a comunicação
científica, devem ser entendidas como um ato
sagrado. As idéias e argumentos propostos pela
Debora Diniz ciência são capazes de alterar vidas e
sociedades, sendo seu impacto percebido em
todas as esferas da expressão humana, da
espiritualidade às artes, da medicina à
A comunicação científica é a marca engenharia. E, por ser um ato sagrado, suas
registrada da comunidade de pesquisadores e regras fundamentais ou, melhor dito, seus
pesquisadoras ao redor do mundo. Em termos dogmas não devem, sob nenhuma
metafóricos, o vocabulário da comunicação circunstância, ser violados. Para quem os
científica é a língua franca que perpassa todos infringe, não há espaço na comunidade
os campos disciplinares e preferências teóricas. acadêmica. A sentença é a exclusão absoluta.
Não há outra forma de comunicar idéias no
mundo acadêmico senão pelo aprendizado Há várias formas de estabelecer a
dessa língua franca. Isso pode soar ortodoxo comunicação científica, sendo a mais legítima e
demais para algumas pessoas, pois a pesquisa popular aquela feita por meio de publicações. A
científica é também o espaço da ruptura tal ponto esse é um preceito fundamental da
contínua, ou seja, assim como se mudam idéias pesquisa acadêmica que a expressão “publicar
e metodologias, seria possível modificar as ou morrer” é cada vez mais comum. Um
regras da comunicação científica. Muito embora pesquisador torna-se reconhecido pelo que é
essa afirmação seja verdadeira, pois resgata capaz de comunicar; modernamente, essa
um senso importante do processo de como as regra deve ser entendida pelo que é capaz de
regras são estabelecidas e de como podem ser publicar. Lembro que nem sempre foi assim,
transformadas, o argumento que pretendo pois houve tempos em que a publicação não
desenvolver neste artigo é o da importância e ocupava o espaço central da comunidade
permanência de algumas normas para a científica.1 Pelo contrário: tivemos
garantia da eficácia e legitimidade da pesquisadores importantes que pouco
comunicação. Centrarei meus argumentos em publicaram. Mas, dada a nossa atual divisão do
duas regras que compõem o que chamarei de trabalho acadêmico, a comunicação científica é
interditos da comunicação científica. o cerne do conhecimento. E é em torno da
publicação escrita que o respeito aos interditos
Há vários interditos na comunicação será mais rigoroso.
científica e alguns deles variam entre os
campos disciplinares. Algumas áreas assumem Exatamente por sua importância
os critérios de manuseio dos dados ou o central na promoção do conhecimento, a
relacionamento com as fontes como uma das comunicação científica tem regras. Conhecê-las
questões centrais do regulamento da boa é relativamente fácil, o desafio é incorporá-las
prática científica, ao passo que em outros como o fundamento ético de nossa expressão
campos essas são questões de menor no mundo acadêmico. Todas as pessoas
controvérsia. Minha argumentação focaliza dois envolvidas em pesquisa conhecem as regras
interditos comuns e inerentes a todas as áreas formais de registro da informação e sabem que
do conhecimento: o reconhecimento da cada campo disciplinar adota o seu sistema
autoria e o registro das fontes. Os interditos normativo particular: para algumas áreas, vale
compõem aquela parcela de regras da ABNT; para outras, Chicago, Vancouver ou APA.
comunicação científica que jamais deve ser Nesse sistema normativo, introduzimos o
violada. Transgredir essas regras é, por sua conteúdo de nossa comunicação, que são
vez, a mais grave infração ética na essencialmente nossas idéias e argumentos. O
comunicação científica. De acordo com os dois sistema normativo é, portanto, a parte
interditos, qualquer pesquisa tem de cosmética da comunicação. É a estrutura
reconhecer a autoria das idéias e argumentos lingüística que todos os pesquisadores devem
anteriores, assim como deve utilizar e citar conhecer para devidamente comunicar suas
somente as fontes de fato analisadas. A idéias. Porém, não é em torno dele que estão
desobediência a qualquer um desses interditos as maiores infrações éticas, aquelas que
conduz a dois crimes: para o não impedem a comunicação científica. O fato é que
reconhecimento da autoria, há o crime de esses sistemas normativos somente são válidos
plágio; para o não registro das fontes, há o se, antes, o pesquisador tiver se apropriado dos
crime de falsidade argumentativa. fundamentos éticos da pesquisa e da
comunicação científica. Ou seja, se tiver
Algumas pessoas podem me conhecimento da sacralidade dos interditos e de
considerar fatalista, pois, de um lado, utilizo sua importância para a comunidade de
uma terminologia religiosa para descrever as pesquisadores – o ethos da comunicação
regras fundamentais da comunicação científica científica.2
– o interdito – e, de outro, lanço mão de uma
qualificação jurídico-penal – o crime – para O ethos científico tem suas próprias
descrever a transgressão a essas regras regras. É preciso conhecê-las e utilizá-las com
fundamentais. Mas esse exagero, se assim rigor para ser aceito como um pesquisador
algumas pessoas preferirem, não é sem razão. sério e confiável. Como todo conjunto de

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regras, há aquelas negociáveis e aquelas que últimos tempos. Relatos de documentos


representam verdadeiros interditos, plagiados, de teses com referências que o autor
semelhantes aos tabus. Há tabus na desconhecia, além de inúmeros outros crimes
comunicação científica que, quando violados, que ameaçam nosso compromisso público como
conduzem o pesquisador à mais grave das pesquisadores são publicamente conhecidos.
penalidades no mundo acadêmico: a
desconfiança de suas idéias e argumentos. As regras que jamais podem ser
Erros no manuseio do sistema normativo, isto transgredidas são exatamente aquelas que
é, equívocos no domínio das regras de citação e garantem a livre circulação de idéias e
referenciação são relativamente tolerados. argumentos entre pessoas que não se
Essas não são as infrações graves, muito conhecem e, mais do que isso, que vivem em
embora os pesquisadores que violam os tempos históricos distintos. As regras
interditos, quase sempre, são também aqueles invioláveis são as que permitem que vivos e
que pouca importância dão ao sistema mortos, que pesquisadores jovens e
normativo. Há uma correlação moral entre pesquisadores maduros troquem suas idéias,
estrutura e dogmas que faz com que um bom com base em referenciais teóricos distintos ou
pesquisador se constranja em descumprir as mesmo em visões de mundo radicalmente
regras mais simples da comunicação científica, diferentes. A expressão “cheguei mais longe
como aquelas de normalização bibliográfica. porque subi nos ombros dos gigantes”,
atribuída a Newton para justificar suas
Um estudante jovem comete erros descobertas no campo da física, representa o
graves e, muitas vezes, por desinformação espírito da pesquisa e da comunicação
sobre os interditos, os equívocos são científica.3 Toda e qualquer pesquisa parte de
irreparáveis. Faz parte do aprendizado do ethos idéias e argumentos anteriores aos do próprio
da comunicação científica a fase de violação autor: reconhecer a anterioridade e a autoria
dos dogmas, mas esse é um momento bastante dessas idéias não é demonstrar fraqueza, mas
inicial, situando-se nos primeiros dois ou três dignidade. Não se espera criatividade ou
semestres do curso de graduação.3 É comum originalidade absoluta de um pesquisador,
que um estudante nos seus primeiros especialmente de um jovem pesquisador.
semestres de universidade plagie fontes ou cite Espera-se que seja capaz de articular uma boa
referências que não analisou, mas essa é uma idéia com fontes fidedignas. É preciso trazer
fase não só de apropriação das regras, como algo de novo, e para isso basta uma boa idéia;
também de definição de sua identidade como mas é também preciso, acima de tudo,
pesquisador. Na verdade, o início da produção respeitar os interditos: não se plagia e não se
científica não se dá na graduação, mas sim na citam fontes que se desconhece.4
pós-graduação. Um estudante de pós-
graduação é um jovem pesquisador quando o O plágio é sempre descoberto. Se não
colocamos diante de sua expectativa de futuro o for, é porque o documento que contém o
acadêmico, mas não perante o cumprimento plágio não atingiu sua ambição de comunicação
das regras fundamentais da comunicação e já foi relegado ao ostracismo antes mesmo de
científica. Espera-se que ele não viole essas ser publicado. O plágio é, sempre, uma
regras, especialmente porque o registro de sentença cruel: se a pesquisa se tornar pública
suas idéias não é mais somente parte de um e for seriamente considerada pela comunidade
aprendizado, mas também de uma científica, o crime será descoberto e não haverá
argumentação que será pública e perene, como mais espaço para o pesquisador; se, por outro
é uma dissertação de mestrado ou uma tese de lado, jamais for identificado, é porque a
doutoramento. pesquisa não foi sequer discutida pela
comunidade de especialistas. Um relatório de
Diferentemente de um estudante de pesquisa que contenha plágio é um relatório
graduação, um jovem na pós-graduação já faz medíocre que desonra o ethos científico. O
parte de uma comunidade de pesquisa, ocupa respeito ao interdito, assim como sua violação,
um espaço determinado na divisão social, confirma a postura ética do pesquisador. Não
política e ética da busca pelo conhecimento. E há pesquisador sério que plagie; assim, o
nossa postura ética como pesquisadores se respeito ao interdito é um sinal inicial de
define durante nossa socialização na confiabilidade na pesquisa.
universidade: primeiro como estudantes, em
seguida como aprendizes de pesquisadores, na A ambição de qualquer pesquisador é
pós-graduação. Aprende-se a ética da a comunicação científica, e o respeito à autoria,
comunicação científica, mas não somente pelo o mais sagrado dos interditos, é a condição de
exemplo dos pesquisadores mais maduros, sucesso. O mesmo se pode dizer do segundo
como infelizmente se acredita. São iniciativas interdito, o registro das fontes. Apesar de
de explicitação das regras, especialmente recorrente, a prática de citar fontes que não
daquelas invioláveis, que permitem que foram lidas ou analisadas pode levar a sérios
pesquisadores se dêem conta das normas da inconvenientes. Citar uma fonte que não foi lida
comunicação científica. Contudo, supõe-se, é considerá-la a partir de uma outra fonte, ou
equivocadamente, que os interditos são seja, é confiar que a interpretação de uma
tacitamente incorporados por todos aqueles fonte sobre outra corresponde aos argumentos
que compõem a comunidade de pesquisa, um originais. Embora constitua um risco tremendo,
princípio que vem se mostrando duvidoso nos isso é comumente desconsiderado, pois, regra

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geral, as pessoas se preocupam mais com o


primeiro crime, o do plágio, do que com o
segundo, o da falsidade dos argumentos. Citar
uma fonte sem a ler é falsear argumentos, é
mentir. Assim como plagiar argumentos e
idéias é roubar. Não se rouba nem se mente no
campo da ciência. Ou pelo menos não se faz
isso entre a comunidade de cientistas
confiáveis.

Por fim, gostaria de voltar à metáfora


de que Newton subiu nos ombros de gigantes
para pensar a teoria da gravidade. Essa
metáfora pode nos levar à falsa idéia de que
Newton não fez nada além de compilar o que
existia antes dele. Não basta acrescentar
orégano à receita de pizza de queijo para
outorgar a alguém o título de criador da pizza
de queijo com orégano.5 Se isso funcionar em
algum lugar, será nos livros de receita, em que
a toda hora se reinventa o mesmo e isso é
original. Mas não estamos falando de livros de
receitas, em que as mesmas receitas recebem
diferentes títulos e autorias a depender do
ramo de alecrim que foi adicionado ou de quem
as copiou. Basear-se em quem nos antecedeu
ou em nossos contemporâneos é reconhecer
que a pesquisa é a uma atividade social por
excelência, ou seja, que o diálogo por meio da
comunicação científica é o meio e o fim da
pesquisa científica.

Bibliotecária Responsável:
Kátia Soares Braga (CRB/DF 1522)
*Uma versão modificada deste artigo foi publicada em Diniz D.
Ethics and ethos of scientific communication. CTJ J Editora Científica:
Debora Diniz
2005;43:14-7.
Editores Executivos:
Cristiano Guedes
Fabiana Paranhos

Conselho Editorial:
Alessandra Barros
Dirce Guilhem
Marilena Corrêa
Roger Raupp Rios
Sérgio Ibiapina Costa
Silvia Yannoulas
Tatiana Lionço

Qualis Filosofia/Teologia/A Local/Capes


Referências Qualis Saúde Coletiva/C Nacional/Capes

1. Meadows AJ. Communication research. San


Diego: Academic Press; 1998. A SérieAnis é uma publicação seriada da Anis para
divulgação de resultados de pesquisa sobre ética,
bioética, direitos humanos, direitos reprodutivos,
2. Kate T. A manual for writers of term papers,
sexualidade, gênero, feminismo, deficiência,
thesis and dissertations. Chicago: Chicago desigualdade, raça e justiça social. São publicados
Press; 1996. trabalhos originais, cujo objetivo é promover a discussão
acadêmica.
3. Booth W, Colomb G, Williams J. The craft of
research. Chicago: Chicago Press; 2003. Tiragem:
50 exemplares
4. Buranen L, Roy A, eds. Perspectives on Endereço:
plagiarism and intellectual property in a Editora LetrasLivres
postmodern world. New York: State University Caixa Postal 8011
of New York Press; 1999. CEP 70.673-970
Brasília-DF Brasil
+55 61 3343 1731
5. Fadiman A. Ex-libris: confessions of a
serieanis@anis.org.br
common reader. New York: Farrar, Straus and
Giroux; 2000.

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