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FÉ HOJE

N0 38 - Nov/2012 - R$10

pa r a

Comprometida com a Fé que foi entregue aos santos

da fé cristã
Vamos semear!

Nosso desejo ao produzir esta revista é que, através dela, possamos colocar
conteúdo bíblico nas mãos de pessoas que estão buscando a verdade de
Deus para suas vidas e ministérios. Precisamos ser fieis na semeadura se
queremos um dia ver uma grande colheita. Queremos ser colaboradores
com Cristo e compartilhar as verdades da Palavra com todos quantos pu-
derem ler as páginas dessa revista. Certa feita ouvi de alguém que encon-
trou uma cópia de nossa revista numa pilha de papéis, num lixão e, lendo-
-a, foi convertido por Deus. Hoje podemos compartilhar os artigos desta
revista gratuitamente para as mais de 90.000 pessoas que seguem nosso
ministério pelo Facebook.

Nossa missão é servir a Cristo e sua igreja. Nossa esperança é ver homens
e mulheres fieis ao ensino da Palavra. Quero também incentivar os irmãos
a juntar-se a nos em compartilhar este conteúdo tanto na forma gratuita
digital, ou quando possivel abençoar algum outro irmão ou seu pastor com
uma assinatura impresa.

J. Richard Denham III


Presidente, Editora Fiel

Faç a a as s inat ura an ual da r e v ista


Fé para Ho j e p or ap enas R $ 1 5,00*
Ligue 12 3919.9999 ou acesse www.editorafiel.com.br/feparahoje
* Assinatura anual inclui duas revistas por ano. Se você deseja receber a revista fora do Brasil,
entre em contato conosco pelo e-mail: feparahoje@editorafiel.com.br
Sumário
Editorial
Tiago Santos............................................ 2

1. Uma nota sobre o primeiro artigo do


Credo dos Apóstolos – Jonas Madureira. . . 3

2. Um Evangelho que DevemosConhecer e


Tornar Conhecido – Paul Washer.......... 13

3. A morte de uma igreja


Hernandes Dias Lopes........................... 21

4. Deus, você e a igreja


Sillas Campos.. ....................................... 25

5. A glória de Deus no chamado para pregar


às nações – Franklin Ferreira.. .............. 31

6. Quão f irme fundamento!


Steven Lawson....................................... 41

7. Missões e Sof rimento


Zane Pratt............................................. 45

8. O fundamento da Igreja e a fé
Mauro Meister.. ..................................... 59

editor-chefe Tiago J. Santos Filho tradução Francisco Wellington Ferreira


revisão Marilene Paschoal diagramação Rubner Durais presidente James Richard Denham III
presidente emérito James Richard Denham Jr. realização Editora Fiel | Novembro de 2012 | no 38
Editorial

As coisas essenciais
Tiago Santos

Precisamos voltar às coisas essen- tes nesse texto, que deviam chamar
ciais. nossa atenção; por exemplo, edificar
Há muita riqueza, beleza e profun- uma casa é algo que envolve muita di-
didade na Palavra de Deus – fazemos ligência e trabalho. Ambos os homens
bem em perscrutar essas coisas; em da história o fizeram. Normalmente
buscar entender todo o conselho de casas são construídas para servir de
Deus – aquilo que ele revelou por sua abrigo, proteção, reduto familiar, lar
Palavra e legou ao seu povo. – seu propósito é bom. Todavia, o Se-
Mas não podemos avançar para as nhor conta que um deles construiu sua
coisas mais profundas sem antes nos casa na areia e que esta casa, não tinha
apegarmos às coisas essenciais. Para alicerces. O outro construiu sua casa
que nossas construções tenham vigor, sobre a rocha e a edificou sob alicer-
é preciso que os alicerces sejam muito ces muito firmes. A diferença está nos
firmes. alicerces.
O apóstolo Pedro traduz bem essa Nesta edição da revista oferecemos
ideia em sua carta, ao dizer para seus ao querido leitor alguns artigos que
leitores que quer “lembrá-los” de cer- nos remetem a essas coisas essenciais;
tos ensinos que eles já haviam recebi- que lidam com alguns dos alicerces de
do. Paulo faz a mesma coisa em quase nossa fé. Preparada no contexto da 28ª
todas as suas epístolas, lembrando Conferência Fiel para Pastores e Líde-
seus leitores que, no fim, a vida cris- res de 2012, trabalhamos aqui temas
tã deve ser caracterizada por algumas fundamentais, como doutrinas essen-
coisas essenciais, como fé, esperança ciais, igreja, missões. Naturalmente, há
e amor. muitos assuntos importantes que não
O Senhor Jesus Cristo ensinou trouxemos nesta edição, mas cremos
também sobre as coisas essenciais. Em que estes haverão de ajudar-nos a che-
um de seus ensinos, ele conta a his- gar na rocha, onde nosso alicerce deve
tória da construção de duas casas (Lc estar fundamentado.
6.46-49). Há muitas coisas importan- Que Deus abençoe sua leitura.
Uma nota
sobre o primeiro Jonas
Madureira
artigo do Credo
dos Apóstolos
No Credo dos Apóstolos
se enumera sucintamente e em
ordem precisa toda a história
de nossa fé. Nele nada há que
não esteja calcado em sólidos
testemunhos da Escritura.”

João Calvino

“Creio em Deus Pai todo-podero- cristãos chamam Deus de Pai. Para os


so, criador do céu e da terra.” Assim cristãos, a doutrina da Trindade sem-
reza o primeiro artigo do Credo dos pre está nas entrelinhas da confissão
Apóstolos. É bastante peculiar que de Deus como Pai. A razão disso se
um dos símbolos mais significativos deve ao fato de que, antes de Deus ser
da fé cristã comece com uma confissão o nosso pai celestial (Mt 6.9; Ef 4.6),
de que Deus é Pai. Isso, em princípio, ele é o Pai de Jesus Cristo (Mt 26.26;
pode não parecer uma peculiaridade, Ef 1.3). Nesse caso, ao confessar que
uma vez que outras religiões também Deus é Pai, o cristão inevitavelmente
chamam suas divindades de pai. Con- traz à memória a bondade e o amor de
tudo, uma leitura mais atenta do con- Deus que entregou o seu único Filho, o
texto e do significado dessa confissão “unigênito do Pai” ( Jo 1.14), para que
revelará que tal declaração — que re- todo aquele que crê no Filho não pere-
conhece Deus como Pai — não é ape- ça, mas tenha a vida eterna ( Jo 3.16).
nas significativa para os cristãos, mas Portanto, quando os cristãos chamam
acima de tudo exclusiva a eles. Deus de Pai, eles não estão se referin-
Sem dúvida, outras religiões tam- do apenas à imagem de Deus como
bém chamam suas divindades de pai, um pai celestial, mas principalmente
porém não da mesma forma como os à imagem trinitária de Deus, ou seja,

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a imagem do Pai de Jesus Cristo que, absoluto poder como criador de todas as
em favor da humanidade, entregou o coisas (Gn 1.1; Sl 19.1-6; At 17.22-31;
seu único Filho, num ato de suprema Rm 1.18-23).
bondade e incomparável amor.1 Assim como a confissão de Deus
Em outras palavras, ao começar a como Pai reflete a doutrina da Trin-
confissão dessa forma, o cristão pres- dade, a confissão de Deus como to-
supõe não apenas a bondade do pai do-poderoso reflete a doutrina da
celestial, mas acima de tudo a incom- Criação, tal como foi herdada da fé
parável e suprema bondade do Pai de judaica. A doutrina da Criação par-
Jesus Cristo. A intenção do cristão é te do pressuposto de que tudo o que
expressar que, antes de tudo, ele conce- existe deve sua existência a um ser de
be Deus como o summum bonum, isto é, grandeza máxima: Deus. Uma vez
como a bondade suprema que nenhuma que, por definição, um ser de grande-

A intenção do cristão é expressar que,


antes de tudo, ele concebe Deus como o summum
bonum, isto é, como a bondade suprema que
nenhuma criatura é e jamais será capaz de ser”.

criatura é e jamais será capaz de ser.2 E za máxima é onipotente, então, nada


isso, diga-se de passagem, é confirma- de concreto pode existir independente
do pelo próprio Jesus, quando diz que do seu poder criativo.3 Em seu famoso
“Ninguém é bom, a não ser um, que é ensaio Das Glaubensbekenntnis: ausge-
Deus” (Mc 10.18). Entretanto, o Credo legt und verantwortet vor den Fragen
é ainda mais preciso, uma vez que não der Gegenwart [O Credo: interpreta-
pressupõe apenas a bondade suprema, do e respondido à luz das questões de
mas também o poder absoluto de Deus. hoje], Wolfhart Pannenberg elucidou,
Afinal, não podemos esquecer que a de forma precisa, o reflexo da doutrina
confissão do cristão se dirige ao Deus da Criação na confissão de Deus como
Pai que é, ao mesmo tempo, todo-pode- todo-poderoso. Em suas palavras:
roso, criador do céu e da terra. Ou seja,
o Credo não confessa apenas a suprema Para ser preciso, nas versões gregas
bondade de Deus, mas também o seu primitivas do Credo dos Apósto-

Revista fé par a h oje | 5


los, a confissão Deus todo-podero- bém o mundo invisível, o céu, são
so se expressa por meio do título obra de suas mãos.4
grego Pantokrator, Senhor de tudo
[Allherr], termo também emprega- Portanto, ao confessar Deus Pai
do ocasionalmente em referência todo-poderoso, o cristão afirma a uni-
a deuses gregos, como Hermes. dade que há entre o conceito trinitário
No entanto, muito tempo antes, o de Deus Pai e o conceito cósmico de
termo se tornou familiar à tradição Deus todo-poderoso, o Criador do céu
judaica e cristã, através da tradu- e da terra. Dessa forma, professa-se
ção grega do Antigo Testamento, a crença não apenas na existência de
na qual a junção Kyrios Pantokra- Deus, mas sobretudo na existência de
tor era usada como tradução para Deus como absolutamente bondoso
Yahweh Sabaoth, um dos nomes e onipotente. Isso não é pouca coisa,
veterotestamentários de Deus. pois, para o cristão, a confissão Deus
Ademais, tal tradução mostra, Pai todo-poderoso expressa duas rea-
mais uma vez, o quanto o poder lidades divinas que jamais devem ser
absoluto de Yahweh permanecia disjuntivas, isto é, a crença cristã em
no centro da fé judaica. Portan- Deus não admite que essas duas reali-
to, a menção Deus todo-poderoso dades constituam uma relação do tipo
no Credo dos Apóstolos confirma “ou-ou” – ou Deus é todo-bondoso ou é
ainda mais a identidade do Deus todo-poderoso. Pelo contrário, a rela-
da fé cristã com o Deus de Israel. ção é conjuntiva, ou seja, uma relação
O fato de nada lhe ser impossível do tipo “tanto-quanto” – Deus é todo
foi mostrado de forma renovada -bondoso tanto quanto todo-poderoso.
aos cristãos, por meio da ressur- Isso significa que toda a tentativa de
reição de Jesus dentre os mortos fundamentar a crença em Deus que
(cf. Rm 4.24). Entretanto, também privilegie um conceito em detrimento
está presente na confissão Deus to- do outro será qualquer crença menos
do-poderoso a noção de Deus como uma crença cristã.
criador de todas as coisas. Quando A crença em Deus Pai todo-podero-
a confissão credal Deus todo-po- so é precisamente a confissão da unida-
deroso, “Senhor de tudo”, foi mais de que há entre a bondade suprema e o
bem elucidada pela adição da refe- poder absoluto de Deus. Sem dúvida,
rência explícita à criação do mun- são realidades distintas, porém inse-
do, tal fato, portanto, não passou paráveis na crença cristã. Vale a pena
de mera expressão daquilo que já enfatizar que, em nenhum momento,
estava presente na noção de Deus estamos dizendo que ambas as realida-
como todo-poderoso. Se Deus é, des são indiscerníveis. Pelo contrário,
de fato, todo-poderoso, não apenas é óbvio que são discerníveis, mas isso
o mundo visível, a terra, mas tam- não quer dizer que sejam separáveis.

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Ora, no mundo existem coisas que são qualquer outra religião que sustente a
assim, ou seja, que são discerníveis, crença básica em um Deus todo-bon-
mas que nem por isso devem ser sepa- doso tanto quanto todo-poderoso.
radas. Da mesma forma que existem Vejamos a razão disso a partir de uma
coisas que são discerníveis e separáveis versão da formulação clássica do pro-
– como um galho que tanto é distinto blema do mal, que foi atribuída a Epi-
de uma árvore como pode ser separa- curo (341-270 a.C.) por Lactâncio, um
do dela – também existem coisas que famoso apologista cristão que viveu
são discerníveis e inseparáveis – como aproximadamente entre 260-320 d.C.:
é o caso, por exemplo, da cor verme- De acordo com Epicuro, ou Deus
lha que, embora seja discernível, não deseja remover o mal e não é capaz; ou
pode ser separada da maçã vermelha. ele é capaz e não deseja; ou ainda não
Logo, existem coisas que são discerní- deseja nem é capaz; ou então tanto de-
veis embora sejam inseparáveis. Esse é seja quanto é capaz. Se desejar e não for
o caso da crença cristã. Podemos dis- capaz, deve ser fraco, o que não pode ser
cernir a bondade suprema de Deus do afirmado sobre Deus; se for capaz e não
poder absoluto de Deus, porém não desejar, deve ser malévolo, o que tam-
podemos separar a bondade suprema bém é contrário à natureza de Deus; se
de Deus do poder absoluto de Deus. não deseja nem é capaz, deve ser tanto
É justamente por causa da inse- malévolo quanto impotente, e conse-
parabilidade que há entre a bondade quentemente não pode ser Deus; agora,
suprema e o poder absoluto de Deus se tanto deseja quanto é capaz – a única
que o problema do mal se impõe como possibilidade compatível com a nature-
uma questão demasiado espinhosa, za de Deus – então de onde vem o mal?
tanto para o cristianismo como para [De Ira Dei, XIII]5

OPÇÕES DE EPICURO IMPLICAÇÕES

1. Ou Deus deseja eliminar o mal,


Deus é fraco.
mas não pode.

2. Ou Deus é capaz de eliminar o


Deus é malévolo.
mal, mas não deseja eliminá-lo.

3. Ou Deus nem deseja e nem é


Deus é malévolo e fraco.
capaz de eliminar o mal.

4. Ou Deus deseja e é capaz de


Deus é bondoso e poderoso.
eliminar o mal.

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De acordo com essa versão de Lac- Não precisamos gastar páginas e
tâncio, vemos que Epicuro enumerou páginas para convencer o leitor de que
quatro opções e suas respectivas im- o problema do mal é, para os cristãos,
plicações quanto ao problema do mal: um “exercício de fé”.6 O problema toca
A partir do que já foi dito, é ób- em questões muito difíceis, que estão
vio que, de todas as quatro opções, relacionadas não apenas com a nossa
apenas a quarta opção é compatível inteligência, mas também com o nosso
com a crença cristã. No entanto, é sentimento religioso. Nas palavras do
justamente a quarta opção que co- filósofo Alvin Plantinga:
loca o cristão diante de uma questão
difícil. Afinal, um ser todo-bondoso O Credo dos Apóstolos começa
não desejaria que acontecessem coi- assim: “Creio em Deus Pai todo
sas más, que crianças desenvolvessem -poderoso, criador do céu e da ter-
leucemia, que terremotos fizessem ra...”. Quem repete essas palavras

Se Deus é, de fato, todo-poderoso,


não apenas o mundo visível, a terra,
mas também o mundo invisível, o céu,
são obra de suas mãos”.

edifícios desabarem sobre pessoas e leva a sério o que elas dizem não
ou que terroristas jogassem bombas está apenas confessando o fato de
em escolas repletas de crianças. Em aceitar que uma dada proposição é
vez disso, desejaria impedir que tais verdadeira; algo muito mais forte
males acontecessem, se pudesse fa- do que isso está em jogo. A crença
zê-lo. Como o Deus do cristão não é em Deus significa confiar em Deus,
apenas todo-bondoso, mas também aceitá-lo, entregar-lhe a nossa
todo-poderoso, logo, é óbvio que ele vida. Para o crente, o mundo intei-
pode impedir que tais males aconte- ro parece diferente. (...) O universo
çam. Mas o fato é que eles acontecem. inteiro assume para ele um aspec-
Então, como compreender que seja to pessoal; a verdade fundamental
todo-bondoso um Deus que sendo sobre a realidade é a verdade sobre
também todo-poderoso permite que uma pessoa. Assim, acreditar em
tais males aconteçam? Deus é mais do que aceitar a pro-

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posição de que Deus existe. Mes- igual ao quadrado da hipotenusa basta
mo assim, inclui pelo menos isso. uma postura intelectual ativa. A mes-
Não faz muito sentido acreditar ma coisa não pode ser dita da crença
em Deus e agradecer-lhe pelas cristã na existência de Deus. Para a
montanhas sem acreditar que há crença no teorema de Pitágoras é su-
tal pessoa a quem agradecer, e que ficiente uma postura intelectual ativa
ela é de algum modo responsável (mera compreensão). Todavia, para a
pelas montanhas. Nem podemos crença em Deus se requer bem mais
confiar em Deus e entregar-nos a do que uma postura intelectual ativa (a
ele sem crer que ele existe: “é ne- compreensão de que Deus é Pai e, ao
cessário que quem se aproxima de mesmo tempo, todo-poderoso). O que
Deus creia que ele existe e recom- se requer é o que chamamos de uma
pensa os que o buscam” (Hb 11.6).7 postura intelectual passiva, pois, antes
de confessar Deus
Ora, por que Pai todo-pode-
o dilema de Epi- roso, o cristão é
curo é, para os A crença em Deus Pai primeiro afetado
cristãos, um exer- todo-poderoso é precisamente a pelo poder do Es-
cício de fé? Em confissão da unidade que há entre pírito que, atra-
primeiro lugar, vés da palavra de
a bondade suprema e o poder
porque os cristãos Deus, o compele
acreditam jus-
absoluto de Deus”. a acreditar que
tamente em um toda a sua vida,
Deus todo-bon- bem como to-
doso tanto quanto todo-poderoso. Em das as coisas à sua volta, enfim, tudo
segundo lugar, porque, quando se fala está nas mãos de um Deus bondoso
da crença em Deus, não se fala apenas e onipotente. Como se trata de uma
de uma postura intelectual ativa, mas crença que determina a “cosmovisão”
sobretudo de uma postura intelectual (Weltanschauung) de uma pessoa, en-
passiva. Por exemplo, para acreditar tão, é natural que não apenas a inteli-
que “o todo é maior do que as partes”, gência, mas sobretudo o modus viven-
que “a menor distância entre dois pon- di do cristão sejam determinados por
tos é uma reta” ou que “2+2=4” basta a essa crença. Entretanto, aquele que
compreensão do que significam essas confessa a fé cristã não apenas pro-
proposições (uma postura intelectual fessa e assume uma cosmovisão, mas
ativa). Veja, tanto um ateu como um vive em função dela. Isso só pode ser
crente podem conhecer e acreditar assim porque a crença cristã não é um
nessas mesmas verdades. Para acre- produto das faculdades intelectuais,
ditar que, em um triângulo retângulo, ou seja, não é o resultado de uma
a soma dos quadrados dos catetos é mera atitude mental. Ela é, antes de

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tudo, fruto do impacto da palavra de solução ou a disjunção da crença em
Deus que, como disse Herman Doo- Deus Pai todo-poderoso não convence
yeweerd, o cristão que aderiu a essa crença não
apenas por uma operação do seu in-
pode ser explicado apenas pelo Espí- telecto, mas sobretudo pelo impacto
rito Santo, o qual abre nosso coração, da palavra de Deus, através do poder
de forma que nossa crença não é mais iluminador do Espírito. É o poder do
uma mera aceitação dos artigos da fé Espírito que por meio da palavra de
cristã, mas uma crença viva, instru- Deus convence o cristão de que Deus
mental para a operação central da é todo-bondoso tanto quanto todo-po-
palavra de Deus no coração, o centro deroso. Por isso, não é uma boa estra-
religioso de nossa vida.8 tégia tentar modificar a crença cristã
para torná-la mais palatável diante do
Ou como disse Agostinho de Hi- problema do mal — até porque Epi-
pona: curo já mostrou que tais modificações
pioram ainda mais as coisas. Além do
Amo-te, Senhor, e minha cons- mais, modificar a crença cristã para
ciência não duvida e nem vacila. eliminar as dificuldades do problema
Feriste-me o coração com a tua pa- do mal não é apenas uma péssima es-
lavra, e desde então te amei (Con- tratégia, mas acima de tudo um sinal
fissões, X, 6, 8). de desonestidade intelectual.

Antes de confessar Deus Pai todo-poderoso, o cristão é


primeiro afetado pelo poder do Espírito que, através da
palavra de Deus, o compele a acreditar que toda a sua vida,
bem como todas as coisas à sua volta, enfim, tudo está nas
mãos de um Deus bondoso e onipotente”.

A crença do cristão em um Deus Para o cristão, faz sentido crer que


bondoso e onipotente não é fruto de o Criador do céu e da terra seja todo
pura intelecção, mas sobretudo da -poderoso. Entretanto, não basta que o
ação interna do Espírito9 que impul- Criador mantenha apenas uma relação
siona o cristão a crer em Deus dessa de poder com as obras de suas mãos. O
forma. Portanto, uma solução para o cristão professa que o Deus que cria to-
problema do mal que implique a dis- das as coisas deseja também uma rela-

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ção amorosa com a sua criação. Aquele bom?”. De novo me deixava abater
que foi impactado pela palavra de Deus e sufocar com estes pensamentos,
não consegue separar, na sua crença, a mas não me deixava arrastar até
bondade suprema e o poder absoluto àquele inferno do erro, onde nin-
de Deus. E exatamente porque não guém te confessa, quando se julga
consegue separar ambas as realidades que és tu a padecer o mal, e não o
que o cristão se depara com a dificulda- homem que o pratica.10
de de entender a origem do mal:
Em vez de adotar uma postura cí-
Mas de novo dizia: “Quem me fez? nica e simplista, que passa a régua e diz
Porventura não foi o meu Deus, “Não há dificuldade alguma! A crença
que é não apenas bom, mas o pró- em Deus é tão simples. Os teólogos e

Somente a crença em Deus pai todo-poderoso


pode dar para o cristão a esperança na vitória
sobre o mal, no triunfo do Bem, no Dia do
Senhor, na consumação escatológica”.

prio bem? Donde me vem então o filósofos é que complicam!”, o cris-


querer o mal e o não querer o bem? tão precisa encarar com seriedade as
Será para haver um motivo para dificuldades que o problema do mal
que eu seja castigado justamen- impõe.11 Por outro lado, soluções es-
te? Quem colocou isto em mim, capistas e demasiado retóricas, que sa-
e plantou em mim este viveiro de crificam ou a bondade ou a onipotência
amargura, embora todo eu tenha divina, são insuficientes para quem foi
sido feito por um Deus tão doce? “ferido pela palavra de Deus” (Agosti-
Se o autor é o diabo, donde veio o nho). Qualquer solução que, diante do
mesmo diabo? Mas se também ele, problema do mal, abra mão da bonda-
por uma vontade perversa, de anjo de divina em favor da onipotência de
bom se tornou diabo, donde lhe Deus é tão desastrosa quanto é a so-
veio, também a ele, a má vontade lução que abre mão da onipotência di-
pela qual se tornaria diabo, quando vina em favor da bondade de Deus. A
o anjo, na sua totalidade, tinha sido solução que condiz com a crença cristã
criado por um criador sumamente é aquela que, a despeito do mal, susten-

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ta a crença em Deus Pai todo-poderoso. é um dilema para o cristão, mas um exercício de fé,
na medida em que esperamos o triunfo do Bem, no
Mesmo porque somente a crença em Dia do Senhor, na consumação escatológica.”
Deus pai todo-poderoso pode dar para 7 Alvin Plantinga. God, Freedom, and Evil. Grand
o cristão a esperança na vitória sobre Rapids, Cambridge: Eerdmans, 1974, p. 2.

o mal, no triunfo do Bem, no Dia do 8 Herman Dooyeweerd. No crepúsculo do pensamen-


to. São Paulo: Hagnos, 2010, p. 255.
Senhor, na consumação escatológica.
9 João Calvino designa essa ação do Espírito, que colo-
Mas isso é matéria para outra nota. ca o homem diante de Deus, de testimonium internum
Spiritus Sancti (testemunho interno do Espírito
Santo) [Institutas, 1.7.4-5; 3.2.33]. Calvino entende
que, para o homem ouvir a voz divina, não basta Deus
falar. A razão é simples. O homem é, por natureza,
surdo para ouvir a voz de Deus e cego para enxergar
1 Sobre a noção de Deus Pai como primeira pessoa a verdade revelada. Por isso, antes de ouvir, ele precisa
da Trindade, bem como a estrutura trinitária do ser curado de sua surdez; antes de ver, ele precisa ser
Credo dos Apóstolos, cf. J. N. D. Kelly. Early curado de sua cegueira. Nas palavras de Calvino, “a
Christian Creeds. London: Longman, 1972, palavra de Deus é semelhante ao sol: ilumina a todos a
especialmente os capítulos 12 e 13. quem é pregada, mas não produz fruto entre os cegos.
E, nessa parte, todos nós somos, por natureza, cegos.
2 “É que nenhuma alma alguma vez pôde ou poderá
Por isso, não pode penetrar em nossa mente, a não ser
conceber alguma coisa que seja melhor do que tu,
pelo acesso que lhe dá o Espírito, esse mestre interior,
que és o supremo e o melhor bem [qui summum et
com sua iluminação” [Institutas, 3.2.34]. Cf. João
optimum bonum es].” Santo Agostinho. Conf issões.
Calvino. A instituição da religião cristã. Tomo II. São
Lisboa: INCM, 2004, p. 273 (VII, 4, 6).
Paulo: Unesp, 2009, p. 58-59.
3 Cf. William L. Craig. Apologética contemporânea:
10 Santo Agostinho. Conf issões. Lisboa: INCM,
a veracidade da fé cristã. São Paulo: Vida Nova,
2004, p. 273 (VII, 4, 6).
2012, p. 181.
11 Sobre essa atitude cínica e simplista, C. S.
4 Wolfhart Pannenberg. Das Glaubensbekenntnis:
Lewis diz: “Pois bem, então o ateísmo é sim-
ausgelegt und verantwortet vor den Fragen der
plista. E vou lhes falar de outro ponto de vista
Gegenwart. Gütersloh: Gütersloher Verlagshaus Mohn,
igualmente simplista que chamo de ‘cristia-
1982, p. 38-39. Veja também Franklin Ferreira.
nismo água com açúcar’. De acordo com ele,
Teologia cristã: uma introdução à sistematização das
existe um bom Deus no céu e tudo o mais vai
doutrinas. São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 74-82.
muito bem, obrigado – o que deixa completa-
5 Apud Pierre Bayle. Historical and critical dictio- mente de lado as doutrinas difíceis e terríveis
nary. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1965, p. 169. a respeito do pecado, do inferno, do diabo e da
redenção. Os dois pontos de vista são filosofias
6 Em uma conversa que tive com Franklin Ferreira, pueris. Não convém exigir uma religião simples.
ele me disse algo bastante esclarecedor, e que Afinal de contas, as coisas no mundo real são
reproduzo a seguir com a sua anuência: “Se, para complexas. Parecem simples, mas não são”.
o cristão, o problema do mal é a oportunidade do Cristianismo puro e simples. São Paulo: Martins
exercício da fé, em contrapartida, para o incrédulo, Fontes, 2005, p. 53-54.
o problema do mal é demasiado constrangedor, na
medida em que suas opções são: (1) ou a negação
da existência de Deus (que reduz o mal à mera
percepção humana, relativizando-o); (2) ou o Franklin Ferreira: É mestre em teologia, pastor
panteísmo (que nega a existência do mal); (3) ou batista, autor, preletor, diretor do Seminário
o dualismo (que sugere que o bem e o mal são Martin Bucer, em São José dos Campos, SP.
equivalentes). Entendo que o problema do mal não

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Um Evangelho que
DevemosConhecer e
Tornar Conhecido
Paul
washer

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Irmãos, venho lembrar-vos o
evangelho que vos anunciei...”

1 Coríntios 15.1

Um escritor ou pregador do evan- sagem de introdução ao cristianismo.


gelho teria muita dificuldade para Ele é “a” mensagem do cristianismo; e
elaborar uma introdução melhor ao o crente fará muito bem se gastar sua
evangelho de Jesus Cristo do que esta vida em procurar “conhecer” a glória
introdução dada pelo apóstolo Paulo do evangelho e em “tornar conhecida”
à igreja de Corinto.1 Nestas poucas esta glória. Há muitas coisas a conhe-
linhas, Paulo nos oferece verdades su- cermos neste mundo e inúmeras ver-
ficientes para vivermos durante toda a dades a serem investigadas na esfera
vida e conduzir-nos à glória. Somente do cristianismo, mas o glorioso evan-
o Espírito Santo poderia capacitar um gelho de nosso Deus bendito2 e de seu
homem a dizer tanto, com tanta clare- Filho, Jesus Cristo, é superior a todas
za, em tão poucas palavras. elas. É a mensagem de nossa salvação,
o instrumento de nosso progresso na
Conhecendo o evangelho santificação e a fonte cristalina da qual
flui toda motivação pura e correta para
Nesta pequena passagem das Es- a vida cristã. O crente que compreende
crituras, achamos uma verdade que algo do conteúdo e do caráter do evan-
tem de ser redescoberta por todos nós. gelho nunca terá falta de zelo, nunca
O evangelho não é apenas uma men- será tão necessitado que buscará forças

14 | Revista f é pa r a h o j e
em cisternas rotas e vazias feitas pelas primitiva, passando pelos reforma-
mãos de homens.3 dores e puritanos, até aos eruditos do
De nosso texto, entendemos que tempo presente, estejamos certos de
o apóstolo Paulo já tinha pregado o que ainda não atingimos nem mes-
evangelho à igreja de Corinto. De mo os contrafortes deste Everest que
fato, ele era o pai espiritual daqueles chamamos de “evangelho”. E isso será
crentes!4 Entretanto, Paulo viu a ne- dito a nosso respeito mesmo depois de
cessidade de continuar pregando-lhes uma eternidade de eternidades!
o evangelho: não somente de recordar Vivemos em mundo que nos ofere-
as suas verdades essenciais, mas tam- ce um número quase infinito de possi-
bém de ampliar o seu conhecimento. bilidades, e existe um número incalcu-
Na conversão deles, começaram uma lável de opções que rivalizam por nos-
jornada de descoberta que abrangeria sa atenção. O mesmo pode ser dito so-
toda a sua vida e se estenderia pelas bre o cristianismo e a ampla esfera de
eras intermináveis da eternidade – a temas teológicos que um aluno pode

Somos “evangélicos” porque


cremos no evangelho e o estimamos
como a verdade primordial e central da
revelação de Deus para os homens”.

descoberta das glórias de Deus revela- estudar. Há um número quase infinito


da no evangelho de Jesus Cristo. de verdades bíblicas que um homem
Como pregadores e congregantes, pode gastar a vida examinando-as. E
seríamos sábios se víssemos o evan- mesmo o tema menos importante da
gelho novamente com os olhos deste Escritura é digno de milhares de vidas
apóstolo da antiguidade e o estimásse- em seu estudo. Todavia, há um tema
mos como digno de uma vida inteira que se eleva sobre todos os demais e
de investigação cuidadosa. Embora já que é fundamental para o entendi-
tivéssemos vivido muitos anos na fé, mento de todas as outras verdades
embora possuíssemos o intelecto de bíblicas – o evangelho de Jesus Cristo.
Edwards e o discernimento de Spur- É por meio desta mensagem singular
geon, embora pudéssemos entender que o poder de Deus se manifesta na
toda publicação desde os pais na igreja igreja e na vida do crente individual.

Revista fé par a h oje | 15


Quando examinamos os anais da e o estimamos como a verdade pri-
história do cristianismo, vemos ho- mordial e central da revelação de Deus
mens e mulheres de paixão incomum para os homens. O evangelho não é
por Deus e por seu reino. Anelamos um prefácio, um provérbio ou uma ex-
ser como eles e nos perguntamos como plicação posterior. Não é meramente a
chegaram a possuir um zelo tão dura- classe de introdução ao cristianismo,
douro. Depois de uma consideração e sim todo o curso de estudo do cris-
diligente de sua vida, doutrina e mi- tianismo. É a história de nossa vida, as
nistério, descobrimos que eles diferi- insondáveis riquezas que procuramos
ram em muitas coisas, mas tiveram um explorar e a mensagem que vivemos
denominador comum entre si. Todos para proclamar. Por esta razão, pode-
eles tiveram um vislumbre da glória mos dizer que somos mais cristãos e
do evangelho, e sua beleza acendeu a mais evangélicos quando o evangelho
paixão deles e os impulsionou a pros- de Jesus Cristo é a nossa única espe-

Esta é a grande necessidade


do momento, uma paixão por conhecer o
evangelho e uma paixão idêntica
por torná-lo conhecido”.

seguir. A vida e o legado deles pro- rança, o nosso único motivo de orgu-
vam que paixão genuína e duradoura lho e a nossa única e maior obsessão.
resulta de um entendimento cada vez Hoje, são realizadas tantas confe-
mais crescente e mais profundo do que rencias no âmbito do evangelicalismo,
Deus fez por seu povo na pessoa e na especialmente para jovens, que têm
obra de Jesus Cristo! Não há substitu- o objetivo de estimular a paixão dos
to para esse conhecimento! crentes por meio de música, comu-
O evangelho cristão tem sido de- nhão, palestrantes eloquentes, histó-
signado como “evangelho”, uma pala- rias emocionais e apelos comoventes.
vra que vem do latim evangellium, que Contudo, o entusiasmo que tais con-
significa boas novas. Esta é a razão por ferências produzem, seja ele qual for,
que os crentes são muitas vezes cha- desaparece rapidamente. Pequenos
mados de evangélicos. Somos “evan- fogos foram acessos em pequenos co-
gélicos” porque cremos no evangelho rações e se acabam em poucos dias.

16 | Revista f é pa r a h o j e
Temos esquecido que paixão genuína mem excepcionalmente dotado, em
e duradoura nasce do conhecimento especial no que concerne ao seu inte-
da verdade e, em específico, a verdade lecto e zelo. Todavia, ele mesmo nos
do evangelho. Quanto mais “conhe- ensinou que o poder de seu ministério
cemos” e compreendemos a beleza não estava em seus dons, mas na pro-
do evangelho, tanto mais somos to- clamação fiel do evangelho. Em sua
mados por seu poder. Um vislumbre primeira carta dirigida aos cristãos de
do evangelho moverá o coração ver- Corinto, Paulo escreveu sua grande
dadeiramente regenerado a segui-lo. resignação:
Cada vislumbre maior do evangelho
acelerará o seu passo, até que ele este- Porque não me enviou Cristo para
ja correndo resolutamente em direção batizar, mas para pregar o evange-
ao prêmio.5 A essa beleza o coração lho; não com sabedoria de palavra,
verdadeiramente cristão não pode re- para que se não anule a cruz de
sistir. Esta é a grande necessidade do Cristo.6
momento! É o que temos perdido e o Porque tanto os judeus pedem si-
que temos de obter novamente – uma nais, como os gregos buscam sabe-
paixão por conhecer o evangelho e doria; mas nós pregamos a Cristo
uma paixão idêntica por torná-lo co- crucificado, escândalo para os ju-
nhecido. deus, loucura para os gentios; mas
para os que foram chamados, tanto
Tornando conhecido judeus como gregos, pregamos a
o evangelho Cristo, poder de Deus e sabedoria
de Deus.7
Não seria um exagero dizer que
o apóstolo Paulo foi um dos maiores Podemos dizer que o apóstolo
instrumentos humanos do reino de Paulo foi, acima de tudo, um prega-
Deus, na história da humanidade e na dor! Como Jeremias antes dele, Paulo
história da redenção. Ele foi respon- foi constrangido a pregar. O evange-
sável pela propagação do evangelho lho era como um fogo ardente encer-
em todo o Império Romano durante rado em seus ossos, que ele não podia
um tempo de perseguição incompa- suportar.8 Aos cristãos de Corinto,
rável e permanece como um exemplo Paulo declarou: “Eu cri; por isso, é que
do que significa ser um ministro cris- falei”9 e: “Ai de mim se não pregar o
tão. No entanto, ele fez tudo isto por evangelho!”10 Essa estimativa tão ele-
meio da proclamação simples da men- vada do evangelho e de pregá-lo não
sagem mais escandalosa de todas que pode ser fingida, quando não existe no
já chegaram aos ouvidos dos homens. coração do pregador, e não pode ser
Ao considerarmos a vida do apóstolo ocultada, quando existe. Deus chama
Paulo, notamos que ele foi um ho- diferentes tipos de homens para le-

Revista fé par a h oje | 17


varem o fardo da mensagem do evan- maneira de pregar porque o evangelho
gelho. Alguns deles são mais solenes parece loucura para o mundo.
e sérios, enquanto outros são mais Essa atitude para com a pregação
desatentos e joviais, porém, quando é prova de que perdemos nosso senso
a conversa muda para o assunto do de direção na comunidade evangélica.
evangelho, uma mudança ocorre no Foi Deus quem ordenou que a “lou-
semblante do pregador, e parece que cura da pregação” seja o instrumento
você tem diante de si uma pessoa mui- para levar ao mundo a mensagem sal-
to diferente. A eternidade está estam- vadora do evangelho.13 Isto não signi-
pada na face dele, o véu foi removido, fica que a pregação deve ser tola, ilógi-
e a glória do evangelho brilha com ca ou bizarra. Contudo, o padrão pelo
uma paixão genuína. Tal homem tem qual toda pregação deve ser compara-
pouco tempo para histórias fantás- da é a Escritura e não as opiniões con-
ticas, antídotos morais ou para com- temporâneas de uma cultura decaída
partilhar pensamentos vindos de seu e corrupta, que é sábia a seus próprios
coração. Ele veio para pregar e tem de olhos14 e prefere ter seus ouvidos co-
pregar! Não descansará enquanto seu çados e seu coração entretido a ouvir a
povo não ouvir a mensagem de Deus. Palavra do Senhor.15
Se o servo Eliezer não pôde comer Aonde quer que o apóstolo Pau-
enquanto não entregou a mensagem lo viajasse, ele pregava o evangelho.
de seu senhor, Abraão,11 quanto me- Faremos bem se seguirmos o seu
nos um pregador do evangelho ficará exemplo. Embora o evangelho pos-
tranquilo enquanto não houver entre- sa ser compartilhado por meio de
gado o tesouro do evangelho que lhe instrumentos, não há outro instru-
foi confiado!12 mento tão ordenado por Deus como
Embora poucos discordem do a pregação. Portanto, aqueles que es-
que escrevi até aqui, parece que, de tão buscando constantemente meios
modo geral, a pregação apaixonada inovadores para compartilharem o
do evangelho está fora de moda. Ela evangelho com uma nova geração de
é considerada por muitos como algo pessoas interessadas fariam bem se
que não possui o requinte e a sofisti- começassem e terminassem sua busca
cação necessários para que seja eficaz nas Escrituras. Aqueles que enviam
nesta era moderna. O pregador cheio milhares de questionários que per-
de paixão que proclama ousada e ca- guntam aos nãos convertidos o que
tegoricamente a verdade é agora con- eles mais gostariam de ver em um cul-
siderado um obstáculo para o homem to de adoração devem compreender
pós-moderno que prefere um pouco que as inúmeras opiniões de homens
mais de humildade e de abertura para carnais não possuem a autoridade de
com outras opiniões. O argumento da “um i ou um til” da Palavra de Deus.16
maioria é que temos de mudar nossa Precisamos entender que há um gran-

18 | Revista f é pa r a h o j e
de abismo de diferenças irreconci- do evangelho, assim como porcos não
liáveis entre o que Deus ordena nas podem ver beleza em pérolas, ou como
Escrituras e o que a cultura carnal cães não podem mostrar reverência
contemporânea deseja. para com carne santificada, ou como
Não devemos nos admirar de que cegos não podem apreciar uma pin-
homens carnais tanto dentro como tura de Rembrandt.18 Os pregadores
fora da igreja desejem teatro, músi- não fazem bem aos homens carnais
ca e mídia no lugar da pregação do por oferecer-lhes as coisas que seu co-
evangelho e da exposição bíblica. En- ração caído deseja, e sim por colocar
quanto o coração de um homem não diante deles a verdadeira comida,19 até
for verdadeiramente regenerado, ele que, pela obra miraculosa do Espírito
aborda o evangelho da mesma ma- Santo, reconheçam-na como o que ela
neira como os demônios gadarenos realmente é, provem e vejam que o Se-
abordaram o Senhor Jesus Cristo: nhor é bom!20

Precisamos entender que há um grande


abismo de diferenças irreconciliáveis entre
o que Deus ordena nas Escrituras e o que a
cultura carnal contemporânea deseja”.

“Que temos nós contigo?”17 Sem a Antes de terminar esta breve dis-
obra de regeneração realizada pelo cussão sobre a pregação do evangelho,
Espírito Santo, o homem carnal não temos de falar sobre um assunto final.
tem nenhum interesse ou apreciação Apresenta-se frequentemente a teoria
verdadeira pelo evangelho, mas, ape- de que nossa cultura não pode tolerar
sar disso, este milagre é operado no o tipo de pregação que foi tão eficaz
coração de um homem por meio da durante os grandes despertamentos e
pregação do evangelho que, a princí- avivamentos do passado. A pregação
pio, ele desdenha. Portanto, devemos de Jonathan Edwards, George Whi-
pregar aos homens carnais a própria tefield, Charles Spurgeon e outros
mensagem que eles não querem ouvir, pregadores semelhantes seria ridicu-
e o Espírito Santo deve agir! Sem isto, larizada, satirizada e escarnecida pelo
os pecadores não podem ver a beleza homem moderno. No entanto, esta

Revista fé par a h oje | 19


teoria não leva em conta o fato de que 1 1 Coríntios 15.1-4.

estes mesmos pregadores foram ridi- 2 1 Timóteo 1.11.


cularizados e satirizados pelos homens 3 Jeremias 2.13-14; 14.3.
de seus dias! A verdadeira pregação do 4 1 Coríntios 4.15.
evangelho será sempre “loucura” para 5 Filipenses 3.13-14.
toda cultura. Qualquer tentativa de
6 1 Coríntios 1.17.
remover a ofensa do evangelho e de
tornar a pregação “conveniente” di- 7 1 Coríntios 1.22-24.

minui o poder do evangelho. Também 8 Jeremias 20.9.


frustra o propósito para o qual Deus 9 2 Coríntios 4.13.
escolheu a pregação como o meio de 10 1 Coríntios 9.16.
salvar homens – que a esperança dos
11 Gênesis 24.33.
homens não esteja em nobreza, elo-
quência ou sabedoria mundana, e sim 12 Gálatas 2.7; 1 Tessalonicenses 2.4; 1 Timó-
teo 1.11; 6.20; 2 Timóteo 1.14; Tito 1.3.
no poder de Deus.21
Vivemos numa cultura que está 13 1 Coríntios 1.21.

presa ao pecado com algemas de aço. 14 Romanos 1.22.


Histórias morais, máximas extraor- 15 2 Timóteo 4.3.
dinárias e lições de vida compartilha- 16 Mateus 5.18.
das de um coração de um palestrante
17 Mateus 8.29.
querido ou de um “tutor de vida espi-
ritual” não têm nenhum poder verda- 18 Mateus 7.6.

deiro contra essas trevas. Precisamos 19 Isaías 55.1-2.


de pregadores do evangelho de Jesus 20 Salmos 34.8.
Cristo, que conhecem as Escrituras e
21 1 Coríntios 1.27-30.
são capacitados, pela graça de Deus,
a encarar qualquer cultura e a clamar:
“Assim diz o Senhor!” Franklin Ferreira: É mestre em teologia, pastor
batista, autor, preletor, diretor do Seminário
Martin Bucer, em São José dos Campos, SP.

20 | Revista f é pa r a h o j e
A MORTE DE
UMA IGREJA
Hernandes
Dias Lopes

Revista fé par a h oje | 21


Precisamos voltar aos
princípios da Reforma e clamar
por uma reavivamento!”

As sete igrejas da Ásia Menor, guarida à perniciosa doutrina de Ba-


conhecidas como as igrejas do Apo- laão e se corromperam tanto na teo-
calipse, estão mortas. Restam apenas logia como na ética. Uma igreja não
ruínas de um passado glorioso que se tem antídoto para resistir a apostasia
foi. As glórias daquele tempo distante quando abandona sua fidelidade às
estão cobertas de poeira e sepultadas Escrituras nem a inevitabilidade da
debaixo de pesadas pedras. Hoje, nes- morte quando se aparta dos preceitos
sa mesma região tem menos de 1% de de Deus. Temos visto esses sinais de
cristãos. Diante disso, uma pergunta morte em muitas igrejas na Europa,
lateja em nossa mente: o que faz uma América do Norte e também no Bra-
igreja morrer? Quais são os sintomas sil. Algumas denominações históricas
da morte que ameaçam as igrejas ainda capitularam-se tanto ao liberalismo
hoje? como ao misticismo e abandonaram a
Em primeiro lugar, a morte de uma sã doutrina. O resultado inevitável foi
igreja acontece quando ela se aparta o esvaziamento dessas igrejas por um
da verdade. Algumas igrejas da Ásia lado ou o seu crescimento numérico
Menor foram ameaçadas pelos falsos por outro, mas um crescimento sem
mestres e suas heresias. Foi o caso da compromisso com a verdade e com a
igreja de Pérgamo e Tiatira que deram santidade. Não podemos confundir

22 | Revista f é pa r a h o j e
numerolatria com crescimento saudá- Pai não está nele. Há pouca ou quase
vel. Nem sempre uma multidão sina- nenhuma diferença hoje entre o estilo
liza o crescimento saudável da igreja. de vida daqueles que estão na igreja e
Uma igreja pode ser grande e mesmo daqueles que estão comprometidos
assim estar gravemente enferma. Sem- com os esquemas do mundo. O índi-
pre que uma igreja troca o evangelho ce de divórcio entre os cristãos é tão
da graça por outro evangelho, entra alto como daqueles que não professam
por um caminho desastroso. a fé cristã. O número de jovens cris-
Em segundo lugar, a morte de uma tãos que vão para o casamento com
igreja acontece quando ela se mistu- uma vida sexual ativa é quase o mes-
ra com o mundo. A igreja de Pérgamo mo daqueles que não frequentam uma
estava dividida entre sua fidelidade a igreja evangélica. A bancada evangé-
Cristo e seu apego ao mundo. A igreja lica no Congresso Nacional é conhe-
de Tiatira estava tolerando a imorali- cida como a mais corrupta da política
dade sexual entre seus membros. Na brasileira. A teologia capenga produz

Uma igreja não tem


antídoto para resistir a apostasia
quando abandona sua fidelidade
às Escrituras”.

igreja de Sardes não havia heresia nem uma vida frouxa. Precisamos voltar aos
perseguição, mas a maioria dos cren- princípios da Reforma e clamar por
tes estava com suas vestiduras conta- uma reavivamento!
minadas pelo pecado. Uma igreja que Em terceiro lugar, a morte de uma
flerta com o mundo para amá-lo e igreja acontece quando ela não discerne
conformar-se com ele não permanece. sua decadência espiritual. A igreja de
Seu candeeiro é apagado e removido. Sardes olhava-se no espelho e dava
Alguém disse: “Fui procurar a igreja nota máxima para si mesma, dizen-
e a encontrei no mundo; fui procu- do ser uma igreja viva, enquanto aos
rar o mundo e o encontrei na igreja”. olhos de Cristo já estava morta. A
A Palavra de Deus é clara: ser amigo igreja de Laodicéia considerava-se
do mundo é constituir-se inimigo de rica e abastada, quando na verdade
Deus. Quem ama o mundo, o amor do era pobre e miserável. O pior doente

Revista fé par a h oje | 23


é aquele que não tem consciência de tem doutrina e vida, ortodoxia e pie-
sua enfermidade. Uma igreja nunca dade, credo e conduta!
está tão à beira da morte como quando Em quinto lugar, a morte de uma
se vangloria diante de Deus pelas suas igreja acontece quando falta-lhe perse-
pretensas virtudes. O cristão não deve verança no caminho da santidade. As
ser um fariseu. O fariseu aplaudia a si igrejas de Esmirna e Filadélfia foram
mesmo por causa de suas virtudes, mas elogiadas pelo Senhor e não receberam
olhava para os publicanos e os enchia nenhuma censura. Mas, num dado
de acusações descaridosas. O cristão momento, nas dobras do futuro, essas
verdadeiro não é aquele que faz um igrejas também se afastaram da ver-
solo do hino “Quão grande és tu” dian- dade e perderam sua relevância. Não
te do espelho, mas aquele chora diante basta começar bem, é preciso terminar
de Deus por causa de seus pecados. bem. Falhamos, muitas vezes, em pas-
Em quarto lugar, a morte de uma sar o bastão da verdade para a próxima
igreja acontece quando ela não associa a geração. Um recente estudo revela que
doutrina com a vida. A igreja de Éfe- a terceira geração de uma igreja já não
so foi elogiada por Jesus pelo seu zelo tem mais o mesmo fervor da primeira
doutrinário, mas foi repreendida por geração. É preciso não apenas come-
ter abandonado seu primeiro amor. çar a carreira, mas terminar a carreira
Tinha doutrina, mas não vida; ortodo- e guardar a fé! É tempo de pensarmos:
xia, mas não ortopraxia; teologia boa, como será nossa igreja nas próximas
mas não vida piedosa. Jesus ordenou a gerações? Que tipo de igreja deixare-
igreja a lembrar-se de onde tinha caí- mos para nossos filhos e netos? Uma
do, a arrepender-se e a voltar à práti- igreja viva ou igreja morta?
ca das primeiras obras. Se a doutrina
é a base da vida, a vida precisa ser a
expressão da doutrina. As duas coisas
não podem viver separadas. Doutrina
sem vida produz orgulho e aridez es- Franklin Ferreira: É mestre em teologia, pastor
batista, autor, preletor, diretor do Seminário
piritual; vida sem doutrina desemboca
Martin Bucer, em São José dos Campos, SP.
em misticismo pagão. Uma igreja viva

24 | Revista f é pa r a h o j e
Sillas Campos

DEUS, VOCÊ
E A IGREJA
Revista fé par a h oje | 25
É maravilhoso saber que
Deus salva todos os que são seus
filhos! Que ele não desiste de
nenhum deles!”

O que você pensa acerca da Igreja A igreja não é uma democracia na


de Cristo? Como você a vê? Qual a qual escolhemos a Deus, mas uma
importância dela em sua vida? Es- teocracia na qual Ele nos escolheu.
tas são questões muito importantes, John Blanchard
cujas respostas revelam sua situação
diante de Deus. Quero dizer, seu Não vamos à igreja, somos a igreja.
amor ou desprezo pela igreja reve- Ernest Southcoot
lam seu amor ou desprezo para com o
próprio Deus. Por isso, através deste Sei que a Igreja tem suas tolices, in-
artigo, quero fortalecer sua visão, es- coerências e irrelevâncias; mas eu a
perança e amor pela igreja de Cristo. amo, assim como amo minha mãe,
Porém, antes de apresentar-lhe meus a despeito de suas fraquezas e rugas.
argumentos principais trago à sua Stanley Jones
mente algumas frases anotadas na
capa de minha Bíblia: Estas frases expressam a opinião
de alguns homens, mas nada como a
Onde quer que vejamos a Palavra de opinião do próprio Deus! Por isso, ba-
Deus pregada e ouvida com pureza, seando-nos em 1 Coríntios 3, vejamos
ali existe uma igreja de Deus, mesmo o que Deus pensa sobre a igreja; como
que ela esteja repleta de falhas. ele a vê; como ele se relaciona com ela;
João Calvino o que ele está fazendo por ela.

26 | Revista f é pa r a h o j e
Como Deus vê a igreja e você passaremos, mas a igreja pros-
seguirá vitoriosa. Como alguém disse:
Escrevendo para a igreja em Co- “Deus sepulta seus servos, e prossegue
rinto, o apóstolo Paulo é usado pelo nos seus projetos”. Por isso precisamos
Espírito Santo para nos revelar como dizer uns aos outros: “Na igreja de
Deus vê a igreja. Usando figuras de Cristo, eu não sou indispensável! Você
linguagem, ele nos ensina que o Se- não é indispensável! Somente Deus
nhor vê a sua igreja como “cooperado- é indispensável!” Alguém disse que
res de Deus” (3.9a); “lavoura de Deus” pastores e líderes vivem estressados
(3.9b); e “edifício de Deus” (3.9c). porque se esquecem de quatro impor-
Interessante que no original grego a tantes leis espirituais, que são:
palavra Deus precede os substantivos, Deus existe!
ficando assim: “De Deus somos coo- Você não é ele!
peradores; de Deus lavoura, de Deus Arrependa-se! Pare de “dar uma
edifício sois vós”. E o propósito dis- de Deus”.
to no grego é salientar vigorosamente Faça sua parte e descanse nele.

Dentro da igreja não há lugar para


personalidades indispensáveis!”

que nós, os instrumentos, não temos


importância, e enfatizar que tudo é de Deus Honra Sua Igreja
Deus, e todos pertencem a Deus. Tan-
to é que no verso 6 e 7 Paulo confirma O texto diz: “Porque de Deus so-
esta ideia: “Eu plantei, Apolo regou, mos cooperadores...” (9a). O que
mas Deus é quem fez crescer; de modo significa isto? Isto significa que o
que nem o que planta nem o que rega Deus todo-poderoso, autossuficien-
são alguma coisa, mas unicamente te, e completo em si mesmo, na sua
Deus, que efetua o crescimento”. condescendência nos confere a honra
Através destes versos Deus está di- de trabalhar na sua seara. Isto me faz
zendo: “Dentro da minha igreja não há lembrar quando eu tinha quatro anos
lugar para personalidades indispensá- e gostava de ajudar meu pai a lavar o
veis!” Isto significa que devemos pen- carro. Lembro-me do dia que estraguei
sar menos acerca de nós mesmos ou boa parte da pintura do capô. Hoje sei
de qualquer outro líder humano. Eu que eu mais atrapalhava do que ajuda-

Revista fé par a h oje | 27


va, porém meu pai me honrava diante está confuso, ele usa seu povo para
de toda família dizendo que eu o aju- aconselhá-lo! Se alguém está caído,
dava a lavar o carro. Esta era uma for- ele usa seu povo para levantá-lo! Se
ma dele me aproximar de si mesmo, de alguém conquista uma vitória, ele
me amar, de me ensinar a crescer. Da usa seu povo para alegrar-se com ele!
mesma forma, o nosso Deus “que não é Por isso, quando a igreja de Cristo se
servido por mãos de homens, como se reúne, às vezes ela se assemelha a um
necessitasse de algo...” (At 17.25a) nos salão de festa cheio de celebração! Às
confere a honra de sermos seus coope- vezes, com a sala de emergência de um
radores. hospital que acolhe e trata os feridos!
Às vezes, como uma reunião familiar
Deus Fortalece Sua Igreja permeada com palavras e atitudes de
apoio, carinho e exortação! E, às ve-
Ao mesmo tempo em que o texto zes, com uma escola, um centro de
exalta a primazia da ação sobrenatu- ensino e aprendizado. Num mesmo
ral e soberana de Deus na edificação culto, Deus trata das diversas necessi-
da sua igreja, o próprio texto não es- dades do seu povo, através da instru-
conde o fato dele usar seu povo para mentalidade do seu povo.
abençoar o seu povo. No início do
capítulo vemos Deus usando Paulo Deus Avalia Seu Povo
para alimentar a sua igreja (3.2). De-
pois vemos Deus usando os discursos Dentro de um capítulo de aplica-
de Apolo e o ensino de Paulo para ção corporativa encontramos quatro
conferir o dom da fé a eles (3.5). E, versículos com aplicação individual.
logo em seguida vemos Deus usando Isto significa que Deus se relaciona
a vida de Paulo e Apolo, para plantar com a igreja como um todo, e ao mes-
e regar (3.6). Logo, concluímos que mo tempo com cada membro indivi-
“Deus fortalece seu povo através do dualmente. Paulo fala do seu ministé-
seu povo”. rio inicial a favor da igreja e a partir daí
Isto não é uma teoria fria e mor- passa a falar da responsabilidade de
ta, mas uma prática comum e obser- cada membro na edificação da mesma
vável dentro de toda igreja de Cristo. – “veja cada um como constrói” (10).
A cada encontro, formal ou informal, Seu argumento é que o próprio Deus
Deus mesmo fortalece seus filhos. Se avalia como cada membro realiza a
alguém está necessitado, Deus usa seu obra da edificação do corpo de Cristo;
povo para suprir sua necessidade. Se que Deus vê quem edifica sobre o fun-
alguém está passando por uma luta, damento prescrito, que é Cristo (vs.
ele usa seu povo para fortalecê-lo! 10-11); Deus vê quem ensina e vive
Se alguém está entristecido, ele usa a verdade do evangelho (ouro, prata,
seu povo para consolá-lo! Se alguém pedras preciosas). E Deus vê quem

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fornece um ensinamento inadequado, a glutonaria, tabaco, promiscuidade,
ou deixa a desejar no seu testemunho etc. Porém nestes versos o autor já vol-
(madeira, feno, ou palha) (v.12). tou a falar da igreja de forma corpora-
Mas qual o resultado desta avalia- tiva. Sim, o nosso corpo é o templo do
ção divina? Primeiro: Deus recompen- Espírito Santo (1Co 6.19), mas estes
sa os fiéis! “Se permanecer a obra de versos afirmam uma outra maravilha:
alguém que sobre o fundamento edifi- Que, de forma especial, nós, a igreja de
cou, esse receberá galardão” (14). Se- Cristo, somos santuário de Deus (16);
gundo: Deus disciplina os infiéis! “Se e que, se alguém atacar a igreja, Deus
a obra de alguém se queimar, sofrerá mesmo o destruirá! Pois a igreja é ter-
ele dano...” (15a). Terceiro: Deus salva ritório sagrado (17).
a todos! “... mas esse mesmo será sal- Isto significa que, se durante um
vo, todavia, como que através do fogo” culto alguém decidir contar o número
(15b). É maravilhoso saber que Deus de pessoas presentes, não deve se es-
salva todos os que são seus filhos! Que quecer da pessoa mais importante: O
ele não desiste de nenhum deles! Nem próprio Deus!

Num mesmo culto, Deus trata


das diversas necessidades do seu povo,
através da instrumentalidade
do seu povo”.

daquele que faz a obra do Senhor re- Muitos de nós estamos preocupa-
laxadamente. Contudo, devemos nos dos. Vemos certas barbaridades sen-
perguntar: Por que desperdiçar o pri- do introduzidas ao cristianismo (ex.:
vilégio de glorificar com o nosso me- misticismo, pragmatismo) e tememos
lhor àquele que é digno de toda honra, pelo presente e futuro da igreja. Po-
glória e louvor? Por que desprezar os rém, há uma palavra de consolo para
galardões que Deus promete aos fiéis? nós nestes versos! Explico isto com
a seguinte pergunta: O que você faz
Deus Protege Sua Igreja para defender um leão? Resposta:
Você simplesmente senta e assiste ele
Já ouvi crentes usando os versos defender-se a si mesmo! Da mesma
16 e 17 deste capítulo para combater forma, a igreja é o corpo de Cristo, e

Revista fé par a h oje | 29


Cristo é o leão de Judá! Podemos fi- viar a devoção e louvor devido a ele!
car tranquilos! Cristo sabe muito bem Nenhum herói da fé, mártir, pai da
como proteger, cuidar e preservar sua igreja, teólogo, autor, pastor ou cantor
igreja. Confie nele! evangélico merece os elogios e depen-
dência que devemos somente a ele.
Deus Abençoa Sua Igreja (21-23) Cristão, espero que estas conside-
rações o ajudam a fortalecer sua visão,
Como muitas igrejas em nossos esperança e amor pela igreja de Cristo.
dias, a igreja em Corinto estava come- Se você encontra-se numa igreja onde
tendo um grande erro. O erro de de- a Palavra de Deus é pregada e ouvida
pender e se orgulhar de certos líderes com pureza, não se desanime diante
a quem estavam ligados. Então, Pau- dos erros e fraquezas. Faça sua parte,
lo conduz seus pensamentos para os dê um bom testemunho, encoraje seu
maiores e melhores tesouros que eles pastor a continuar pregando a Palavra
já possuíam em Cristo. Ele os recorda e ore para que o Espírito a use pode-
que todos os mestres, dons, sabedoria, rosamente na salvação dos perdidos e
e até as riquezas e coisas criadas têm edificação dos salvos.
sua origem em Cristo, e que, em Cris- E se o querido leitor ainda não faz
to isto tudo já lhes pertencia! Por isso, parte da igreja de Cristo, o desafio de
desprezar a Cristo a fim de depender, Deus para você é o seguinte: Creia
exaltar e apoiar-se em alguns mestres que “Jesus Cristo morreu pelos nos-
humanos é tolice! É empobrecer-se! sos pecados, segundo as Escrituras,
(21-22). foi sepultado e ressuscitou no tercei-
Nós, igreja de Cristo, precisamos ro dia” (1Co 15.3). “Se você confessar
apreciar esta grandiosa declaração e com a sua boca que Jesus é Senhor e
demonstração de amor! Nestes versos, crer em seu coração que Deus o res-
Paulo revela que Deus criou o univer- suscitou dentre os mortos, será salvo”
so, para sua própria glória, pensando (Ro 10.9). E assim você também será
na sua igreja! Que ele espalhou as es- introduzido ao que há de mais impor-
trelas no céu por causa da igreja! Que tante nesta vida: A igreja de Deus!
ele criou as flores, montanhas, vales,
e pássaros para o aprazimento da sua
igreja. Que ele concedeu dons aos ho-
mens pensando na igreja! Assim como
ele realizou a grande obra da redenção Sillas Larghi Campos: Mestre em Teologia,
pastor da Primeira Igreja Batista de Tupã, SP,
por causa da sua igreja! Não podemos
preletor.
nos esquecer disto! Não devemos des-

30 | Revista f é pa r a h o j e
Sermão pregado na 27ª Conferência Fiel para
Pastores e Líderes em 4 de outubro de 2011.

A glória de Deus
Franklin
no chamado para ferreira
pregar às nações
Revista fé par a h oje | 31
Aqueles dentre nós chamados
ao santo ministério da Palavra, devem pregar
as realidades grandiosas e magníficas de Deus
e do Espírito Santo, da Escritura e da criação,
da cruz de Cristo e da aliança, da salvação
e de uma vida santa, a oração,
o batismo, a santa ceia”.

Gostaria de usar o texto de Jere- tote, a cinco quilômetros de Jerusalém.


mias 1.4-19 para tratar de três temas Na verdade, Jeremias viveu em meio a
vitais ao ministério cristão de ensino: um turbulento momento político na
a vocação, a pregação e seu conteúdo, história da região: a Assíria entrara
e a coragem necessária para permane- em declínio como império, o Egito
cer firme. Na verdade, gostaria de usar tentava recuperar sua influência, e a
o texto de Jeremias como um texto de Babilônia era o poder em ascensão no
formação, que entrelace nossas voca- leste. Pouco depois, Josias foi morto
ções de ensino à vocação de Jeremias, em Megido e, em rápida sucessão, três
que nos ajude a recuperar o senso de de seus filhos, Joacaz, Jeoaquim e Ze-
chamado para pregar a mensagem de dequias, e um neto, Joaquim, sucede-
Deus às nações. Antes de continuar, ram-no no trono. Por não temerem a
fazem-se necessárias algumas palavras Deus, esses reis conduziram o povo da
introdutórias. Jeremias, que significa aliança aos eventos mais devastadores
“aquele que exalta o Senhor”, começou da história de Judá: a invasão babilô-
seu ministério no reinado de Josias, nica, a destruição do templo e o exílio
que iniciou uma reforma e renovação no estrangeiro.
da aliança, de curta duração. Ele per- Nós hoje vivemos numa encruzi-
tencia a uma família de sacerdotes e lhada da história. A igreja tem crescido
recebeu seu chamado quando tinha 18 globalmente. Aqui no Brasil há muitos
anos, na segunda década do século sé- pastores devotos, crentes sérios, igre-
timo a.C., na pequena cidade de Ana- jas saudáveis, sinais da obra do Espíri-

32 | Revista f é pa r a h o j e
to Santo. Ao mesmo tempo, há super- foi consagrado (“separado”, “santifica-
ficialidade e infidelidade bíblica, trai- do”) por Deus para essa tarefa ( Jr 1.5;
ção ministerial, divisões, idolatria por cf. Gl 1.15). Desde a concepção até a
crescimento de igreja a qualquer custo. consagração, Deus tinha preparado
Na esfera pública temos governos po- cada etapa do processo, conhecendo
pulistas, corrupção, pessoas morrendo todas as necessidades e sabendo como
em portas de hospitais, violência cres- supri-las. Em outras palavras, Jere-
cendo assustadoramente e impunida- mias recebeu o caráter e a personali-
de ampla, geral e irrestrita. Há preo- dade necessários para a obra profética.
cupantes sinais de ameaças à liberdade “E te constituí”: significa “dei”, isto é,
de culto e de expressão. Diante desse antes mesmo de Jeremias nascer ele foi
quadro, (1) qual deve ser a imagem dado. Essa é a maneira de Deus agir.
cultivada por aqueles chamados a obe- Ele fez isso com seu próprio Filho, Je-
decer à ordem de pregar a palavra de sus Cristo ( Jo 3.16). Deus o ofereceu
Deus? (2) Qual deve ser o conteúdo de às nações. Deus continua enviando
tal mensagem? (3) Como aqueles cha- aqueles que ele chama a pregar às na-
mados a pregar essa soberana Palavra ções, em obediência ao chamado e em
devem se portar? imitação a seu Filho (1Co 11.1).
Por outro lado, a reação de Jere-
1. Vocação (4-8) mias mostra que ele não era voluntário
( Jr 1.6). Ele menciona sua idade: “Eis
Vamos nos deter um pouco nos que não sei falar, porque não passo
versículos 4-7: O relato começa com de uma criança”. Na verdade, ele não
a afirmação “a mim me veio, pois, a queria dizer que era uma “criança”,
palavra do Senhor” ( Jr 1.4). Essas mas que ainda não chegara aos trinta
palavras ou expressões equivalen- anos, que era o tempo quando os levi-
tes ocorrem outras vezes no livro ( Jr tas iniciavam oficialmente seu minis-
7.1; 11.1; 14.1; 16.1; 18.1). A palavra tério, sendo, portanto, muito jovem
way’hi (“continuou a vir”) sugere que para atender o chamado. Mas Deus
este chamado veio não de forma súbi- responde a objeção: “Não digas: Não
ta, mas de forma persistente. “Antes passo de uma criança” ( Jr 1.7). A com-
que eu te formasse”: estas primeiras preensão de que ele tinha sido esco-
palavras do Senhor a Jeremias revelam lhido como instrumento da revelação
que foi iniciativa de Deus o fato de ele de Deus para uma geração endure-
ter sido escolhido para ser profeta. O cida forneceu a convicção de que sua
nome de Deus domina a cena: nessa missão provinha de Deus, e levou-o a
pequena passagem o nome do Senhor proclamar a palavra do Senhor a uma
é citado 12 vezes! Ele o predestinou nação teimosa e rebelde. E ele recebeu
para anunciar a mensagem, e antes forças da comunhão constante com
mesmo de seu nascimento, Jeremias Deus em oração (cf. Jr 12-20, as cin-

Revista fé par a h oje | 33


co “confissões” de Jeremias). “Porque a de Deus. Mas, ainda assim, podemos
todos a quem eu te enviar irás; e tudo ser instrumentos para levar a Palavra
quanto eu te mandar falarás”: Quanto de Deus às nações.
mais próximo do exílio, o cumprimen- Parece que o estilo de vida dos ho-
to da profecia, mais sua timidez inicial mens que exercem hoje a vocação pro-
é substituída por coragem, o que mos- fética no Brasil está em ruínas. Esta
tra o quanto ele amadureceu em sua vocação proclamadora foi substituída
vocação. por estratégias comandadas por bu-
Como acontece com Jeremias no rocratas religiosos munidos de planos
versículo 8, os servos de Deus recebe- de negócios. Pensa-se hoje no pastor
ram muitas vezes a ordem “não temas”, como alguém “que faz as coisas” ou
como Abraão (Gn 15.1), Moisés (Nm que “faz as coisas acontecerem”. Pasto-
21.34; Dt 3.2), Daniel (Dn 10.12, 19), res construtores de templos. Pastores
Maria (Lc 1.30), Simão (Lc 5.10) e administradores. Pastores executivos.
Paulo (At 27.24). Diante do medo, uma Pastores seniores. Essa definição se
emoção terrível e paralisante, Deus aplica aos modelos básicos de lideran-

Deus continua enviando aqueles que ele


chama a pregar às nações, em obediência ao
chamado e em imitação a seu Filho”.

assegura que sustentará seu servo. Je- ça em nossa cultura: políticos, homens
remias não estaria livre de oposição e de negócios, celebridades e atletas.
até de perigo físico, porém cumpriria Mas nossa vocação precisa ser mode-
seu ministério em todas as dificulda- lada por Deus, pelas Escrituras e pela
des, porque Deus estaria com ele para oração. O elemento central da vocação
fortalecê-lo. Portanto, Jeremias sub- profética não é de alguém “que faz as
meteu-se à sua vocação. E, mesmo sem coisas”, e sim de alguém colocado na
sair de Jerusalém, ele seria um profeta comunidade para estar atento e cha-
às nações – a mensagem de Deus ecoa- mar a atenção ao que Deus fala em sua
ria por Egito, Filistia, Moabe, Amom, Palavra, palavra de juízo e denúncia,
Edom, Damasco, Quedar, Hazor, Elão mas palavra de graça, misericórdia e
e Babilônia ( Jr 46-51). Talvez, como renovação.
Jeremias, nunca viajemos para fora de Neste sentido, precisamos relem-
nosso país para anunciar a mensagem brar: Deus chama alguns membros da

34 | Revista f é pa r a h o j e
santa comunidade sacerdotal para pre- anunciar fielmente “todo o desígnio
gar o evangelho, as boas novas da livre de Deus” (At 20.27), portando-se
graça de Deus. Essa vocação é uma como alguém que pertence exclusiva-
obra interna de Deus, que chama os mente ao Senhor.
servos da Palavra. E embora seja inter-
no, o chamado para o ministério inevi- 2. Conteúdo e Pregação (9-16)
tavelmente virá acompanhado por um
testemunho externo. Ou seja, aqueles Analisando os versículos 9-10,
chamados para a pregação da Palavra percebemos que tocando na boca do
demonstrarão dons e aptidões para o jovem, Deus simboliza a comunica-
exercício do ministério. Eles são equi- ção de sua mensagem. Agora o Se-
pados pelo Espírito Santo para pasto- nhor proclama sua mensagem às na-
rear, evangelizar, pregar e ensinar – e ções tendo Jeremias por arauto. Para
frutos visíveis serão evidenciados por transmitir esta mensagem, Deus usa
conta desse chamado interno. E será metáforas baseadas na agricultura e na
confirmado diante da igreja este cha- construção, constituída por três pares
mado interno, por conta dos frutos ex- de verbos, os dois primeiros negativos
ternos da obra da graça que já aconte- e o terceiro positivo: o profeta deve
ceu interiormente. Portanto, a vocação arrancar e derribar, destruir e arruinar
profética não pode ser reduzida a mero para então edificar e plantar ( Jr 1.10).
trabalho. Este pode ser quantificado e Toda a corrupção na nação deve ser ar-
avaliado. Pode-se dizer se este chegou rancada e derrubada, e somente depois
ao fim ou não, assim como se pode ser disto é que se pode edificar e plantar de
contratado ou demitido. Uma vocação novo. Portanto, a mensagem do pro-
não é um trabalho. A vocação proféti- feta teria duas funções. Em primeiro
ca é sobre a pregação da Palavra, so- lugar, essa mensagem era uma decla-
bre a administração dos sacramentos, ração sobre a maldição da aliança que
sobre chamar o povo de Deus a adorar seria executada em seu devido tempo
o Pai, Filho e Espírito Santo, é sobre (Dt 28.1-68). Em segundo lugar, as
lembrar semanalmente à comunidade bênçãos da aliança se tornariam rea-
da fé os privilégios e responsabilidades lidade. Deus quer renovar, reconstruir
da aliança. e restaurar seu povo, mas antes da re-
Karl Barth afirmou que quem não novação é necessária a remoção radical
houver sido chamado para pregar, que do pecado e da infidelidade à aliança e
não o faça, pois não será pequeno mal eleição. A ruína é inevitável, enquanto
que causará se subir ao púlpito sem a nação persistir no pecado, mas a pa-
haver sido escolhido por Deus para lavra de renovação oferece esperança
isto. Por outro lado, se você foi cha- de restauração. Usando a linguagem
mado para anunciar a santa Palavra, do Novo Testamento, Deus tem pri-
você só tem um, e um único oficio: meiro de remover o pecado, antes de o

Revista fé par a h oje | 35


pecador começar a crescer na graça e puro e indolente, obrigando o povo a
no conhecimento de Jesus Cristo. voltar seus olhos para o que é essencial
Jeremias, entretanto, é humano. e eterno. Mas Jeremias não vai trazer
Ele reage inicialmente com medo e o fim por meio da espada ou da ação
inadequação. São reveladas então a política. Ele é chamado a proclamar a
Jeremias duas visões inaugurais, des- palavra do Senhor quantas vezes for
critas nos versículos 11-13. A primei- necessário, custe o que custar, e um
ra é a de “uma vara de amendoeira” ( Jr alto preço será exigido dele.
1.11). Em hebraico, a palavra “amen- Aqueles chamados ao ofício de
doeira” (shaqéd) e o verbo “eu velo so- anunciar a Palavra de Deus não são
bre” (shoqéd) têm som semelhante. Há chamados a trocar a mensagem da
um jogo de palavras aqui que ilustra a aliança pelo discurso político. Nenhu-
prontidão com que Deus cumpre suas ma ideologia é absoluta e nem pode ser
promessas. Sempre que o profeta vis- confundida com o evangelho. Sempre
se a cada primavera uma amendoeira que a igreja ou mesmo pastores e teó-
em flor, ele seria lembrado de que o logos identificaram determinada ideo-
Senhor está observando para assegu- logia com o reino de Deus ou com a
rar que sejam cumpridas todas as pa- mensagem bíblica, essa foi não apenas
lavras transmitidas em seu nome ( Jr distorcida, mas acabou sendo perdida.
1.12). A segunda visão tinha um tom Portanto, a preocupação primeira da-
mais sinistro, “uma panela ao fogo” queles chamados a anunciar a Palavra
(ou “fervendo”), literalmente uma pa- de Deus não é tanto com a mudança
nela sobre a qual alguém sopra, e cuja da sociedade civil, mas com a refor-
boca se inclina do Norte, indicando ma e renovação da igreja por meio da
que seu conteúdo se derrama em dire- mensagem de Deus. Aqueles chama-
ção ao sul ( Jr 1.13). Essa visão indica dos ao ofício de anunciar a palavra
a invasão babilônica, que virá do norte de Deus não são chamados para lidar
( Jr 20.4). com aqueles que ouvem e se submetem
Percebemos nos versículos 14-16 à mensagem profética como se fossem
que o exército da Babilônia executará problemas. É fácil reduzir as pessoas
o propósito de Deus de punir a idola- a problemas, pois na maior parte das
tria de Judá e a quebra da aliança do vezes é fácil solucionar esses proble-
Sinai. O verbo qtr, “queimar incenso” mas. Mas os profetas são chamados a
( Jr 1.16), é usado em outras passagens conduzir as pessoas dos ídolos a Deus,
significando queimar a gordura dos da rebelião para a aliança, por meio
sacrifícios (cf. 1Sm 2.16; Sl 66.15). A da Palavra, da adoração e da oração.
tensão entre o culto aos ídolos e a ado- Aqui somos meros instrumentos nas
ração exclusiva ao Senhor chegaram mãos de Deus. As pessoas não devem
ao clímax. A guerra viria para inter- ser vistas como problemas em busca de
romper um modo de vida inútil, im- solução, mas como pecadores que po-

36 | Revista f é pa r a h o j e
dem ser renovados à imagem de Deus. plica voltar-se dos próprios caminhos
Portanto, a vocação é sobre conduzir para a aliança ( Jr 6.16), é um chamado
as pessoas a Deus, por meio de sua Pa- à comunidade para um retorno à “ver-
lavra, em humildade. Trata-se de per- dade”, “juízo” e “justiça”. Em suma, o
manecer junto ao povo. povo é chamado ao arrependimento e
A tentação à qual os profetas es- ao conhecimento de Deus por meio do
tão sujeitos é considerar Deus uma Messias. E o remédio de Deus para o
mercadoria, utilizá-lo para legitimar coração enfermo ( Jr 17.9) será gravar
a idolatria (cf. Jr 23.21-40). Qual é, sua lei no coração da nova comunidade
então, o conteúdo da mensagem pro- ( Jr 31.31-34). Portanto, o verdadeiro
fética? Deve-se conhecer o Senhor profeta é aquele que procura distanciar
( Jr 8.7; 24.7; 31.31-34). Este conhe- o povo do mal, enfatizando as exigên-
cimento se dá por meio do Messias, o cias de Deus na aliança ( Jr 23.14, 22).

O verdadeiro profeta é aquele que procura


distanciar o povo do mal, enfatizando as
exigências de Deus na aliança”.

Renovo Justo, descendente de Davi, Usando a linguagem do Novo Tes-


que executa juízo e justiça na terra ( Jr tamento, aqueles dentre nós chamados
33.14-18), a fonte de águas vivas ( Jr ao santo ministério da Palavra, devem
2.13), o bálsamo de Gileade ( Jr 8.22), pregar as realidades grandiosas e mag-
o Bom Pastor ( Jr 23.4), o Renovo Jus- níficas de Deus e do Espírito Santo,
to ( Jr 23.5), o Senhor justiça nossa ( Jr da Escritura e da criação, da cruz de
23.6), aquele que trará a nova aliança Cristo e da aliança, da salvação e de
( Jr 31.31-34). E este novo conheci- uma vida santa, a oração, o batismo, a
mento redunda em preocupação pelo santa ceia. E isso deve ser pregado no
aflito e necessitado e na prática da jus- púlpito, nas salas de aula e na visitação
tiça e retidão. pastoral, ansiando por vidas moldadas
A mensagem profética é o convite pela Palavra de Deus, renovada pelo
para “voltar” ( Jr 4.1-2; cf. 9.24; 22.2, Espírito Santo, de uma humildade dis-
13, 15; 23.5; 33.15). Este termo e seus posta ao sacrifício, que erguem a Deus
cognatos foram usados quase cem ve- um louvor santo, sofrendo sem perder
zes neste livro e são o significado lite- o contentamento, orando sem cessar,
ral da palavra “arrependimento”. Im- perseverando na santidade.

Revista fé par a h oje | 37


3. Segurança (17-19) quer seja oportuno, quer não, corrige,
repreende, exorta com toda a longani-
Na seção composta dos versícu- midade e doutrina” (2Tm 4.1-2).
los 17-19 podemos ver que o desâni- Deus, então, faz uma das promes-
mo que o profeta sentiu ao entender sas mais ricas que ele pode fazer aos
o conteúdo da profecia é combatido seus servos: “Tu, pois, cinge os lom-
por uma ordem direta: “cinge os lom- bos, dispõe-te e dize-lhes tudo quanto
bos” ( Jr 1.17), que pode ser traduzida eu te mandar; não te espantes diante
como: “e você, prepare-se!” A frase é deles, para que eu não te infunda es-
um termo militar hebraico usado para panto na sua presença. Eis que hoje te
descrever um soldado vestido e de- ponho por cidade fortificada, por co-
vidamente preparado para tomar sua luna de ferro e por muros de bronze,
espada. Antes mesmo de nascer, ele foi contra todo o país, contra os reis de
convocado para lutar nessa batalha. Judá, contra os seus príncipes, contra
Não lhe foram concedidos alguns anos os seus sacerdotes e contra o seu povo.
nos quais pudesse refletir e decidir em Pelejarão contra ti, mas não prevale-
que lado se posicionaria ou mesmo se cerão”. Mesmo com todos contra ele,
iria lutar. Ele foi escolhido. Deus o Deus estará ao seu lado, fazendo-o in-
chamou para ser um guerreiro. Então, vencível. A presença de Deus lhe dá a
ele deve ser fiel ao anunciar a Palavra certeza de que ele será uma fortaleza
de Deus e não deve temer a ninguém. invencível, firme como uma “coluna
Mais do que isso, o Senhor incita Je- de ferro” e resistente aos ataques como
remias a se preparar para a batalha. Se “muros de bronze”. E sua mensagem
Jeremias perder sua coragem, Deus o afetará pessoas de todas as classes so-
abandonará por sua falta de fé: “Não te ciais em Judá, dos líderes políticos e
espantes diante deles, para que eu não sacerdotes ao cidadão comum.
te infunda espanto na sua presença”. No início do verão de 1942, uma
Devemos entender: há uma verdadeira crente luterana, Sophie Scholl, par-
batalha espiritual sendo travada. Há ticipou da produção e distribuição de
maldade, crueldade e infelicidade. Há panfletos de um pequeno movimento
superstição e ignorância; brutalidade de resistência pacífica chamado Rosa
e dor. Não existe zona neutra no Uni- Branca. Ela foi presa, junto com seu
verso. Cada centímetro quadrado é irmão, Hans Scholl, e outro univer-
área de combate. Deus se levanta con- sitário, Christoph Probst, em 18 de
tra tudo isso. Ele está salvando, resga- fevereiro de 1943, depois que o rei-
tando, abençoando, provendo, julgan- tor da Universidade de Munique os
do, renovando: “Conjuro-te, perante surpreendeu distribuindo esses pan-
Deus e Cristo Jesus, que há de julgar fletos no pátio da universidade. Em
vivos e mortos, pela sua manifestação 22 de fevereiro de 1943 os três foram
e pelo seu reino: prega a palavra, insta, julgados em menos de quatro horas,

38 | Revista f é pa r a h o j e
acusados de alta traição e decapitados deixou de anunciar a mensagem de
no mesmo dia. Suas últimas palavras Deus. Ele foi tremendamente pressio-
foram: “Como podemos esperar que nado para que fizesse concessões, de-
a justiça prevaleça quando são poucos sistisse e se escondesse, porém, jamais
os que estão dispostos a se doarem in- cedeu. Cada músculo do seu corpo foi
dividualmente a uma causa justa? Um exigido até o limite da fadiga. Mas ele
dia bonito e ensolarado, e eu tenho foi corajosamente “coluna de ferro”
de partir, mas o que importa a minha e “muros de bronze”. Muitos se opo-
morte, se através de nós milhares de riam, mas Deus prometeu estar com
pessoas forem despertadas e instadas ele e protegê-lo: “Eu sou contigo, diz o
à ação?” Sophie Scholl foi martiriza- Senhor, para te livrar” ( Jr 1.19).
da com 21 anos. Mesmo tão jovem,
ela se opôs ao totalitarismo nazista, Conclusão
por causa de sua fé, num contexto de
repressão, censura e conformismo. Jeremias foi o profeta mais rejeitado e
Isso é coragem invencível! Se você foi resistido da história israelita. Ele re-
chamado a anunciar a Palavra, fique cebeu a ordem de não se casar ou ter
firme! A promessa e a graça de Deus filhos ( Jr 16.1-4), uma experiência
estão com você! Como diz a canção do incomum de celibato. Experimentou
grupo Logos: oposição, castigos e prisões ( Jr 11.18-
23; 12.6; 18.18; 20.7; 26.9-19; 28.5-17;
Meu servo, não temas! 37.11-38.28). Muitas vezes é chamado
Não temas, pois eu te escolhi! de o “profeta chorão” ( Jr 9.1; 13.17;
Sei que é difícil, mas confia em mim! 14.17). Quando levado para o Egito,
Confia em mim e então, contra a sua vontade, caiu no esqueci-
Tu verás o meu poder! mento – de acordo com a tradição, ele

Jeremias foi o profeta mais rejeitado


e resistido da história israelita”.

Durante seus quarenta anos de mi- morreu naquele país, dez anos depois,
nistério, Jeremias foi invencível. Di- apedrejado por seus compatriotas, que
versas vezes passou por intensa ago- ainda se recusavam a aceitar sua men-
nia, mas não traiu sua vocação. Ele foi sagem. Mas não somos chamados a
desprezado e perseguido, mas jamais andar por vista, mas por fé. Jeremias

Revista fé par a h oje | 39


foi grandemente honrado pelos escri- a reduza à escuridão” ( Jr 13.16).
tores do Novo Testamento. Sua pro-
fecia é citada 40 vezes, a metade no “Não nos rejeites, por amor do teu
Apocalipse (cf. 50.8; Ap 18.4; 50.32; nome; não cubras de opróbrio o trono
Ap 18.8; 51.59s; Ap 18.24s). A mais da tua glória; lembra-te e não anules
longa citação do Antigo Testamento a tua aliança conosco” ( Jr 14.21).
no Novo Testamento é a passagem da
“nova aliança” ( Jr 31.31-34; cf. Hb 8.8- “Ó Senhor, Esperança de Israel! Todos
13). As denúncias de Jeremias contra o aqueles que te deixam serão envergo-
povo como incircunciso de coração e nhados; o nome dos que se apartam de
ouvido ( Jr 6.10; 9.26) foram repetidas mim será escrito no chão; porque aban-
por Estevão (At 7.51), uma pregação donam o Senhor, a fonte das águas vi-
que lhe custou a vida. As lições tiradas vas. Cura-me, Senhor, e serei curado,
da visita à casa do oleiro ( Jr 18.1-10) salva-me, e serei salvo; porque tu és o
foram aplicadas por Paulo ao chamado meu louvor” ( Jr 17.13-14).
dos gentios por Deus (Rm 9.20-24). E
Jeremias, que foi considerado o mais
humano dos profetas, recebeu a maior
Issiaka Coulibaly, “Jeremias”, em Tokunboh Adeye-
honra, ter sido comparado ao Filho do mo (ed. geral), Comentário bíblico africano. São Paulo:
Homem (Mt 16.14). Que obedeçamos Mundo Cristão, 2010.
nossa vocação, preguemos fielmente a Karl Barth, Carta aos Romanos. São Paulo: Fonte Edi-
mensagem recebida, que finquemos os torial, 2009.

pés no chão com coragem, para que em F. Cawley, “Jeremias”, em F. Davidson (ed.), Novo co-
tudo Deus seja glorificado. mentário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, s/d.

J. G. S. S. Thomson, “Jeremias”, em J. D. Douglas


“Todavia, o meu povo trocou a sua (ed.), Novo dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1995, p. 794-800.
Glória por aquilo que é de nenhum
R. K. Harrison, Jeremias e lamentações; introdução e comen-
proveito. Espantai-vos disto, ó céus, e tário. São Paulo: Vida Nova & Mundo Cristão, 1989.
horrorizai-vos! Ficai estupefatos, diz
Eugene H. Peterson, Memórias de um pastor. São Pau-
o Senhor. Porque dois males cometeu lo: Mundo Cristão, 2011.
o meu povo: a mim me deixaram, o
Eugene H. Peterson, Ânimo; o antídoto bíblico contra
manancial de águas vivas, e cavaram o tédio e a mediocridade. São Paulo: Mundo Cristão,
cisternas, cisternas rotas, que não re- 2008.

têm as águas” ( Jr 2.11-13). J. R. Soza, “Jeremias”, em T. Desmond Alexander &


Brian S. Rosner, Novo dicionário de teologia bíblica. São
Paulo: Vida, 2009, p. 324-329.
“Dai glória ao Senhor, vosso Deus,
antes que ele faça vir as trevas, e an-
tes que tropecem vossos pés nos montes Franklin Ferreira: É diretor e professor de teologia
sistemática e história da igreja no Seminário Martin
tenebrosos; antes que, esperando vós Bucer e consultor acadêmico de Edições Vida Nova.
luz, ele a mude em sombra de morte e

40 | Revista f é pa r a h o j e
Steven
Lawson QUÃO FIRME
FUNDAMENTO!

Revista fé par a h oje | 41


As doutrinas relacionadas
com a soberania de Deus na
salvação do homem lançam a mais
sólida pedra angular e, assim,
protegem firmemente a vida e o
ministério do povo de Deus”.

Nenhum edifício erigido por mãos pessoa é o único Edificador da igreja,


humanas pode ser e permanecer sólido como prometeu: “Edificarei a minha
e forte, a não ser que os seus alicerces igreja, e as portas do Hades não pode-
estejam bem fixos e sejam firmes. Um rão vencê-la” (Mt 16.18b). Cristo não
edifício alto não pode ser construído disse “vocês edificarão a minha igreja”.
sobre uma fundação tendente a frag- Tampouco disse: “Eu edificarei a igre-
mentar-se. Não se deve construir um ja de vocês”. Em vez disso, afirmou:
edifício sobre mero lixo ou entulho. “[Eu] edificarei a minha igreja”. Cris-
Sem uma base sólida e sem colunas to, pessoalmente, está construindo a
enterradas profundamente, a estrutu- sua igreja, e, como um sábio constru-
ra superior cairá. E mais, quanto mais tor, está estabelecendo-a sobre funda-
alto o edifício, mais profundas as colu- ção de sólidas pedras – o sólido funda-
nas devem ser. A solidez estrutural do mento da doutrina (Ef 2.20).
edifício todo repousa completamente
na firmeza do alicerce. Amarras Inamovíveis da Graça
Em nenhum outro lugar essa ver- Soberana
dade é mais aplicável do que na cons-
trução da igreja, que é “uma casa es- A pedra angular, a principal pedra
piritual” (1Pe 2.5). Jesus Cristo em de uma igreja construída por mãos di-

42 | Revista f é pa r a h o j e
vinas, é a fé no senhorio de Jesus Cris- ter esperança de subsistir nos dias de
to. Afinal de contas, foi essa a grande tribulação. Mas a história registra que
confissão de Pedro – “Tu és o Cristo, o quando uma igreja é edificada com o
Filho do Deus vivo” (Mt 16.16) – que ouro, a prata e as pedras preciosas de
deu azo à grande promessa de Jesus de uma mensagem centrada em Deus,
que construiria soberanamente a sua ela é fortalecida e pode resistir aos
igreja. Há, porém, outras amarras ina- mais difíceis temporais. Nem mesmo
movíveis da igreja, além desta de que os ventos tempestuosos da apostasia,
acabamos de falar. No processo de edi- da perseguição e das terríveis chamas
ficar a sua igreja, o Senhor Jesus levan- do martírio podem fazê-la cair. De
ta e coloca nos respectivos lugares as fato, sempre que a igreja é edificada
fortes colunas e os fortes componentes sobre a sólida rocha da graça soberana
de tudo quanto ensinou – o completo de Deus, ela permanece inamovível,
conselho de Deus. Jesus ordenou que como inamovível tem permanecido
os seus discípulos ensinassem “tudo o nas horas mais tenebrosas da história.
que eu lhes ordenei” (Mt 28.20, com
ênfase em tudo). As verdades que A Graça Soberana:
Cristo ensinou constituem a fundação um Firme Fundamento
sólida e segura. E no coração mesmo
do seu ensino doutrinário está um As verdades da graça soberana for-
inequívoco compromisso com a so- mam o mais forte fundamento doutri-
berania da graça divina. Estas verda- nário para qualquer igreja ou crente.
des centrais formam a sólida base do As doutrinas relacionadas com a sobe-
firme fundamento da igreja. A igreja rania de Deus na salvação do homem
que é construída sobre as doutrinas da lançam a mais sólida pedra angular e,
graça, é erguida sobre a inexpugnável assim, protegem firmemente a vida
rocha da revelação divina. Que firme e o ministério do povo de Deus. O
fundamento tal igreja tem! culto na igreja é mais puro quando o
Mas, triste é dizer, a igreja atual ensino dessa igreja sobre a graça sobe-
parece ter a intenção de retirar as dou- rana é mais claro. Seu modo de viver
trinas da graça do seu alicerce. Em vez é mais limpo quando a sua exposição
disso, prefere construir com madeira, das doutrinas da graça é mais rica. Sua
palha e restolho sobre areia movediça. comunhão é mais agradável quando a
Uma igreja assim pode ter uma im- instrução sobre a soberania de Deus é
pressionante aparência externa, e, por- mais firme. Sua obra de evangelização
tanto, pode atrair muita gente. Mas, no mundo é mais forte quando a sua
interiormente ela não é espiritual, é proclamação da teologia transcenden-
instável, e, pior, em grande parte não tal é mais ousada. A vida espiritual
é convertida. Tal igreja, construída da igreja toda é elevada quando a sua
sobre um alicerce tão frágil não pode mensagem está ancorada no mais alto

Revista fé par a h oje | 43


conceito sobre a graça soberana de Warfield está certo em sua ava-
Deus. Foi nos tempos da história em liação. A culpa humana e a graça
que as doutrinas da graça eram apre- divina se cruzam no Evangelho, e as
sentadas em sua rica plenitude, que a doutrinas da graça soberana retratam
igreja esteve melhor. Eis onde perma- vividamente a grandiosidade da obra
nece o firme fundamento da igreja: de salvação planejada e operada por
nas enriquecedoras verdades da graça Deus.
soberana. Sobre este ponto, Boice declara
A respeito desse sólido fundamen- sucintamente: “As doutrinas da graça
to, Benjamin B. Warfield escreveu: permanecem ou caem juntas, e juntas
apontam para uma verdade central:
Pois bem, estes Cinco Pontos a salvação é toda de graça porque é
compõem uma unidade orgânica, toda de Deus; e, porque é toda de
um singular e uno corpo da ver- Deus, é toda para a sua glória”.2 Toda
dade. Eles estão baseados em duas a glória seja para Deus, que supre
pressuposições que a Escritura en- toda a graça.
dossa abundantemente. A primei-
ra pressuposição é a completa im-
potência do homem, e a segunda é
a absoluta soberania de Deus em
sua graça. Todos os demais pon- 1 B. B. Warfield, “A Review of Studies in Theology”, em
tos são decorrências. O local de Selected Shorter Writings of Benjamin B. Warf ield, II,
ed. John E. Meeter (Nutley, NJ: Presbyterian and Re-
encontro desses dois fundamentos formed, 1973), 316.
é o coração do Evangelho, pois, se 2 Boice e Ryken, The Doctrines of Grace: Rediscovering the
o homem é totalmente depravado, Evangelical Gospel, 32.

segue-se que é necessário que a


graça de Deus em salvá-lo seja so-
berana. De outro modo, o homem
Franklin Ferreira: É diretor e professor de teologia
inevitavelmente a recusará em sua sistemática e história da igreja no Seminário Martin
depravação, e permanecerá não re- Bucer e consultor acadêmico de Edições Vida Nova.
dimido.1

44 | Revista f é pa r a h o j e
Zane
Pratt

Missões e
Sofrimento
Revista fé par a h oje | 45
Somente Jesus poderia
sofrer ou morrer pelos pecados
do mundo. Somente ele, Deus
perfeito e homem perfeito,
poderia sofrer em nosso lugar
para pagar a penalidade que
merecíamos pagar”.

Introdução das pessoas. Em tal ambiente, não é


surpresa que estas coisas tenham che-
Somos de uma cultura de direitos. gado a ser consideradas como direitos
Os ocidentais, em geral, e os ameri- inegociáveis. Além disso, numa cultu-
canos, em específico, são criados para ra materialista adversa ao conceito de
acreditar que seus direitos são invio- transcendência, valores como confor-
láveis e que a vida lhes deve algo. Os to, conveniência e segurança parecem
nossos direitos perceptíveis vão muito ser cruciais para a maioria das pessoas.
além dos direitos básicos de liberdade Esses valores sobrepujam tudo mais.
de religião, de expressão e de reunião. Qualquer coisa que ameaça ou pertur-
Afinal de contas, a Declaração de In- ba a experiência destas coisas é vista
dependência Americana diz que todos automaticamente como má.
têm o direito inalienável de buscar a Essa maneira de pensar penetrou
felicidade; e isso é facilmente tradu- na igreja cristã. Os evangélicos oci-
zido, na mente das pessoas, como di- dentais cantam sobre amar a Jesus
reito à própria felicidade. Na cultura mais do que sobre qualquer outro as-
ocidental, confronto, conveniência e sunto ou outra coisa. Todavia, o com-
segurança se tornaram a experiência promisso deles permanece frequente-
de vida normal para a vasta maioria mente dentro do contexto de expec-

46 | Revista f é pa r a h o j e
tativas determinadas culturalmente. mente tachados de fanáticos e consi-
Como ocidentais, eles consideram derados como potencialmente con-
inconscientemente, como muitos ou- fusos. Mesmo no avanço da Grande
tros, segurança e conforto como seus Comissão, muitas igrejas e cristãos do
valores mais importantes; por isso, eles Ocidente valorizam inconscientemen-
constroem seu entendimento da vida te o dinheiro mais do que a obediência
de discipulado dentro desses parâme- e supõem que Deus nunca pediria aos
tros. A supremacia destes interesses seus que arrisquem sua vida por amor
parece tão autoevidente que nem mes- à sua obra. Sofrer é visto como anor-
mo ocorre a alguém examiná-los. Os mal, incomum e mau.
evangélicos ocidentais simplesmente Nisto, assim como em muitas coi-
não pensam na possibilidade de que sas, a experiência cultural do Ocidente
Deus exija deles algo que seja descon- está em desarmonia com a maior parte
fortável ou inseguro, além do, talvez, do mundo no decorrer da maior par-
desconforto brando de compartilha- te da História. A maior parte da raça
rem o evangelho com alguém que se humana não tem tido outra escolha,
ofende no decorrer do processo. senão a de suportar sofrimento como
Quando um evangelho centrado uma ocorrência comum da vida. Sem
no homem é pregado, esta tendência os grandes escudos protetores que o
se torna ainda mais visível. Quando Ocidente desfruta (tecnologia, medi-
pessoas ouvem que o alvo da salvação cina, sistemas de distribuição global
é satisfazer suas necessidades ou seus de alimentos, paz interna e o governo
desejos por realização (ou mesmo dar- da lei), a maior parte da raça humana
lhes uma “vida abundante” mal defini- tem vivido com a ameaça de doenças,
da como “sua melhor vida agora”), não fome, desastres naturais e violência
faz sentido alguém pensar que seguir a humana, como uma condição normal.
Jesus pode envolver sofrimento e per- Até no Ocidente, embora o sofrimen-
da. No entanto, mesmo em igrejas que to seja restringido e ocultado, ele não
mantêm um teocentrismo bíblico, esta pode ser eliminado verdadeiramente.
aversão inconsciente ainda se mantém Crimes ainda acontecem. Desastres
real. O sofrimento como uma parte naturais destroem comunidades in-
normal da vida e um componente nor- teiras, e crises econômicas aniquilam
mal de seguir a Cristo não integra a anos de economias numa noite. Pode-
agenda mental da maioria dos cristãos mos ter os melhores cuidados médicos
ocidentais. Quando os crentes seguem do mundo, mas as pessoas ainda ficam
um caminho de obediência que envol- doentes, e todos, por fim, morrem – às
ve desconforto, eles são considerados vezes, de maneira lenta e dolorosa. A
heróis da fé incomuns. Quando esse diferença é que as pessoas do Ocidente
caminho de obediência os coloca em se ofendem com o sofrimento, como
um risco físico sério, são frequente- se seus direitos fossem de algum modo

Revista fé par a h oje | 47


violados por sua mera existência. O siderar o sofrimento como totalmen-
resto do mundo sabe que sofrer é ape- te mau, a Bíblia destaca benefícios e
nas uma parte da vida. bênçãos que fluem do sofrimento. Por
É muito estranho que os cristãos fim, a Bíblia dá instrução clara sobre
ocidentais tenham essa visão reduzida como os crentes devem reagir quando
do sofrimento. O sofrimento é um dos o sofrimento lhes sobrevêm na sábia
grandes temas da Bíblia. O fato de que providência de Deus.
os cristãos ocidentais não observam
isso (ou supõem inconscientemente Sofrendo em um mundo caído
que o sofrimento não se aplica a eles)
é um exemplo clássico de suposições Vivemos num mundo bagunçado.
culturais que afetam a interpretação A causa desta bagunça é a nossa re-
da Escritura. Quer o observem, quer belião contra Deus. Quando ele criou
não, a Bíblia fala muito sobre sofri- o mundo, ele viu que tudo era bom, e
mento. Prestar atenção especial a coi- tudo permaneceu bom até que a raça
sas que aparecem proeminentemente humana parou de confiar em Deus
na Palavra de Deus é um princípio e lhe desobedeceu. A queda de Adão
correto de interpretação da Escritura. e Eva no pecado introduziu alguma
O evangelicalismo ocidental precisa forma de sofrimento em cada área
desesperadamente recapturar uma da vida. Imediatamente, o relaciona-
teologia bíblica do sofrimento. Sem mento conjugal deles foi corrompido,
ela, faremos de nosso conforto e se- Adão procurou culpar Eva por seu
gurança um ídolo e marginalizaremos próprio pecado, e o filho mais velho
a nós mesmos no serviço da Grande deles assassinou seu irmão mais novo.
Comissão. A primeira família foi também a pri-
A Bíblia fala sobre o sofrimento meira família disfuncional! Os poucos
em várias categorias. O sofrimento capítulos seguintes de Gênesis mos-
existe em todos os lugares e sobrevém tram a espiral descendente e rápida
a todas as pessoas apenas porque este da depravação humana, chegando até
mundo é um mundo caído. Às vezes, ao ponto em que Gênesis 6.5 nos dá
o sofrimento acontece como conse- esta triste acusação: “Viu o Senhor
quência de mau comportamento, em- que a maldade do homem se havia
bora a Bíblia nos alerte contra o fazer- multiplicado na terra e que era conti-
mos julgamento imediato nesses ca- nuamente mau todo desígnio do seu
sos. O sofrimento é prometido espe- coração”. Como resultado da rebelião
cialmente àqueles que seguem a Jesus do homem, os relacionamentos dos
em um mundo que está em rebelião seres humanos estão confusos. E os
contra ele. E, de maneira mais inten- resultados incluem tudo, desde amiza-
sa, o sofrimento está ligado à obra do des destruídas e casamentos rompidos
avanço do evangelho. Em vez de con- a assassinato e opressão. Toda pessoa

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que vive neste mundo caído está sujei- dencial, Deus protege, muitas vezes,
ta ao sofrimento apenas por causa da o seu povo de desastres que poderiam
propensão inata das pessoas para feri- ter acontecido. Todo crente tem um
rem umas às outras. testemunho de maneiras pelas quais
A queda afetou muito mais do que Deus o protegeu de dano potencial, e,
apenas os relacionamentos humanos. muito provavelmente, no céu desco-
Ela corrompeu toda a ordem criada. briremos inúmeras outras ocasiões em
Em Gênesis 3, Deus disse a Eva que que Deus nos protegeu, quando nem
sua dor no parto aumentaria grande- mesmo percebemos. No entanto, ele
mente e disse a Adão que sua sobrevi- nunca promete que sempre nos prote-
vência dependeria de labor doloroso. gerá e não está sob qualquer obrigação
Em Romanos 8, Paulo explicou que de fazer isso. O sofrimento acontece
toda a criação está “sujeita à vaidade”, apenas porque este é um mundo caí-
em “cativeiro da corrupção” e, “a um só do. Algumas pessoas experimentam
tempo, geme e suporta angústias até menos sofrimento por causa do lugar
agora” (Rm 8.18-22). Como resultado em que vivem, e parte desta diferen-
de nossa rebelião, este mundo se tor- ça pode ser atribuível ao impacto da
nou um lugar de desastres naturais, e Palavra de Deus na cultura, através
nossa vida é caracterizada por doença e do tempo. Todavia, cada pessoa está
morte. Terremotos, furacões, tornados, sujeita à possibilidade de desastres na-
secas, inundações, fomes, deslizamen- turais ou crimes. Cada pessoa pode ter
tos de terra, câncer, doenças de cora- câncer ou doença de coração; por fim,
ção e coisas semelhantes, tudo resulta cada pessoa morre. Estas formas de
do fato de que este é um mundo caí- sofrimento vêm apenas porque o mun-
do. Essas coisas atingem tanto o povo do é caído, e os sofrimentos não discri-
de Deus como aqueles que desafiam minam entre crentes e não crentes.
a Deus. Em sua Palavra, Deus nunca
promete que seu povo será isento de Sofrimento por fazermos o mal
qualquer destas características doloro-
sas de um mundo caído. Neste mundo O sofrimento vem, às vezes, como
bagunçado pelo pecado humano, coi- resultado de fazermos o mal. Algumas
sas más acontecem a todas as pessoas. coisas são apenas as consequências na-
Devido à gravidade do pecado, é turais de desconsiderarmos as orienta-
admirável que as coisas não sejam pio- ções dadas por Deus. Alcoolismo, abu-
res. Nas operações da graça comum, so de drogas e glutonaria causam seu
Deus ainda provê bênçãos para os jus- próprio dano natural na raça humana.
tos e, também, para os injustos. E o Quando alguém comete um crime e
Espírito de Deus restringe o mal, para é apanhado, sua punição subsequente
que as coisas não sejam tão más como vem como uma consequência legal do
poderiam ser. Em seu cuidado provi- procedimento errado. Também é ver-

Revista fé par a h oje | 49


dade que em certas passagens da Es- Sofrendo como cristão
critura (como as maldições pronuncia-
das em Deuteronômio 28), sofrimento Neste assunto, o pensamento da
e desastre são ligados diretamente, por Escritura é diretamente contrário às
Deus, à desobediência aos seus man- expectativas culturais do evangelica-
damentos. No entanto, a Escritura nos lismo ocidental irrefletido. O Novo
adverte contra estabelecermos muito Testamento tanto pressupõe como
rapidamente uma conexão entre o pe- afirma que o sofrimento é normal, é
cado de uma pessoa e o seu sofrimen- uma parte expectável do que signifi-
to. O livro de Jó, em específico, anula ca seguir a Cristo. Em face do que a
esta conexão. Os amigos de Jó estavam Bíblia diz sobre a condição caída do
convencidos de que as tribulações de mundo, isto não deve ser uma surpre-
Jó eram, de algum modo, resultado sa para o crente. Em Jesus, Deus se
de algum pecado que ele cometera. Jó tornou homem e viveu entre nós, e o
protestou em sentido contrário, e, no mundo reagiu assassinando-o. Em vez
final, Deus afirmou que Jó, e não os de buscar a Deus, a humanidade caída
seus amigos, falara corretamente sobre o odeia e está tentando escapar dele.
este assunto. Jesus rejeitou a noção de Se uma pessoa fala a pecadores rebel-
que um homem nascido cego estava des sobre o Deus verdadeiro ou expõe
sendo punido por algum pecado dele a autojustiça deles como a fraude que
mesmo ou de seus pais ( Jo 9.1-3). E, ela é, tal pessoa incorre no mesmo
quando lhe perguntaram sobre dois ódio que caiu sobre Jesus. Ele deixou
grupos de pessoas que haviam morri- clara a conexão: “Lembrai-vos da pa-
do – um grupo, por causa de opressão lavra que eu vos disse: não é o servo
política, e outro, por causa da uma maior do que seu senhor. Se me per-
torre que caíra sobre eles –, Jesus in- seguiram a mim, também perseguirão
sistiu em que eles não eram pecadores a vós outros; se guardaram a minha
piores do que os outros que haviam palavra, também guardarão a vossa”
escapado desses infortúnios. A coisa ( Jo 15.20). Eles perseguiram a Jesus,
mais segura que podemos dizer é que logo, a conclusão deve ser óbvia. Em
fazer o mal não tem frequentemente as um mundo corrompido pelo pecado,
suas próprias consequências naturais, é realmente verdadeiro que nenhuma
e Deus pode usar o sofrimento como obra boa fique sem punição. Paulo ex-
uma chamada de despertamento para pressou isso quando disse: “Ora, todos
pessoas que estão seguindo o caminho quantos querem viver piedosamente
errado; mas devemos dizer que rara- em Cristo Jesus serão perseguidos”
mente é sábio supor que, se uma pes- (2 Tm 3.12). Sob a inspiração do Es-
soa está sofrendo, ela está sofrendo por pírito Santo, Paulo não disse “talvez
causa de algum pecado específico que sejam”, ele disse: “Serão”. Sofrer por
cometeu. amor a Cristo é entendido como uma

50 | Revista f é pa r a h o j e
dádiva: “Porque vos foi concedida a nosso lugar para pagar a penalidade
graça de padecerdes por Cristo e não que merecíamos pagar. Nesse sentido,
somente de crerdes nele” (Fp 1.29). A Jesus sofreu para que os crentes não
palavra traduzida aqui por “foi conce- tivessem de passar por esse sofrimen-
dida” vem da família da palavra charis, to. Porque ele suportou a ira de Deus
no grego, e poderia ser traduzida por contra a nossa rebelião, aqueles que
“foi presenteada”. A Bíblia nos diz que creem nele nunca terão de enfrentar
os apóstolos se regozijaram por terem essa ira. Nenhum crente jamais sofreu
sido considerados dignos de sofrer para compensar qualquer de seus erros
por causa do nome de Jesus (At 5.40- aos olhos de Deus. A morte expiatória
41). As igrejas em Jerusalém (At 8.1), de Jesus é totalmente suficiente para
na Galácia (Gl 3.4), em Filipos (Fp pagar todos os pecados de todas as
1.29), em Tessalônica (1 Ts 2.14) e na pessoas que crerão nele, em todos os
Ásia Menor (1 Pe 4.12), todas expe- lugares, em todo o tempo. Nada pode
rimentaram sofrimento, tal como os ser acrescentado a essa morte.
recipientes originais da Epístola aos No entanto, a Escritura nos diz
Hebreus (Hb 10.32). Paulo atravessou que aqueles que creem em Cristo es-
sofrimento horrível (2 Co 11.23-29), tão agora, eles mesmos, “em Cristo”.
como também os outros apóstolos (At Por meio da habitação do Espírito,
5-8). Na Escritura cristã, a chamada os crentes possuem agora uma união
para seguir a Cristo é uma chamada íntima com Jesus. Muitas bênçãos
para abandonar a tranquilidade, a se- maravilhosas fluem para o povo de
gurança e o conforto deste mundo, a Deus por meio desta união com o seu
fim de tomar a cruz. Isto não é uma Salvador. Esta mesma união os une
descrição de uma superfé extraordi- também com o contínuo sofrimen-
nária. É uma descrição bíblica da vida to dele no mundo, não como obra de
normal do cristão normal.1 expiação, e sim como a experiência de
oposição do mundo ao amor e à santi-
A comunhão no sofrimento de dade dele. Parte do que significa estar
Cristo “em Cristo” é compartilhar da comu-
nhão de seus sofrimentos. Paulo une
No Novo Testamento, muitas das o conhecer a Cristo e o poder de sua
referências que falam sobre sofri- ressurreição com o compartilhar de
mento dizem respeito especialmente seus sofrimentos, como se estas duas
ao sofrimento de Jesus. Há um forte coisas fossem inseparáveis (Fp 3.10).
sentido em que estes sofrimentos são Paulo disse aos cristãos de Corinto:
exclusivos de Jesus. Somente ele pode- “Porque, assim como os sofrimentos
ria sofrer ou morrer pelos pecados do de Cristo se manifestam em grande
mundo. Somente ele, Deus perfeito medida a nosso favor, assim também a
e homem perfeito, poderia sofrer em nossa consolação transborda por meio

Revista fé par a h oje | 51


de Cristo” (2 Co 1.5). Pedro ecoou este dessa aflição que será experimentada
mesmo tema, ao dizer: “Alegrai-vos na pelo povo de Deus antes do fim desta
medida em que sois coparticipantes era; e Paulo viu seu próprio sofrimen-
dos sofrimentos de Cristo, para que to como algo que contribuía para essa
também, na revelação de sua glória, medida. A intimidade da união de
vos alegreis exultando” (1 Pe 4.13). Em Cristo com seu povo é tão profunda,
Romanos 8.17, Paulo chegou ao ponto que os sofrimentos deles são de Cristo,
de dizer que os crentes são “herdeiros e os sofrimentos de Cristo são deles.
de Deus e coerdeiros com Cristo; se Isto significa que cristãos confor-
com ele sofremos, também com ele se- táveis e prósperos do Ocidente devem
remos glorificados”. Sofrer com Cristo sair por aí e tentar provocar persegui-
é tão intimamente conectado com o ção ou afligir intencionalmente a si
gozo final de sua glória, que as duas mesmos com práticas ascéticas? Não.
coisas não podem ser separadas. A O ascetismo é inútil como um instru-
menos que Paulo tenha negado o que mento de santificação (Cl 2.23), e os
dissera em outra passagem, isto não crentes não são ordenados a buscarem
pode significar que estes sofrimentos perseguição. No entanto, a condição
são, de algum modo, salvadores. Mas deles deve alarmá-los. É perigosa e
isto parece demonstrar que sofrer com anormal. Eles precisam especialmente
Cristo é uma parte tão normal de estar acautelar-se das seduções da respeita-
em Cristo, que Paulo não podia conce- bilidade e da prosperidade. Precisam
ber uma coisa sem a outra. acautelar-se da idolatria sutil de fa-
Em Colossenses 1.24, Paulo dis- zerem de Jesus um meio para obterem
se: “Agora, me regozijo nos meus so- seu próprio gozo desta vida. Precisam
frimentos por vós; e preencho o que acautelar-se do mundanismo de co-
resta das aflições de Cristo, na minha locarem seu coração nas coisas deste
carne, a favor do seu corpo, que é a mundo e valorizarem possessões, saú-
igreja”. É impressionante ouvirmos de e segurança mais do que a glória de
Paulo falar sobre algo que faltava nas Cristo. Precisam examinar a si mesmos
aflições de Cristo, até que compreen- com honestidade e verificar constante-
demos que a palavra que ele usou nesta mente se o desejo de manterem seu es-
passagem nunca é usada a respeito do tilo de vida os seduziu a comprometer
sofrimento expiatório de Jesus. Paulo de alguma maneira a sua obediência.
não disse que estava contribuindo para Precisam cultivar a mentalidade de
a obra salvadora de Cristo em morrer prontidão para perder qualquer coisa e
por nossos pecados. Antes, esta aflição tudo, quase imediatamente, por causa
de Cristo é sua experiência, em união do supremo valor de Cristo. Riqueza e
com seu corpo na terra, da aflição deles segurança são condições perigosas nas
como seu povo em um mundo hostil. quais um discípulo de Jesus e aqueles
Aparentemente, há uma plena medida que vivem nelas precisam exercer cui-

52 | Revista f é pa r a h o j e
dado especial. A condição normal de o contexto indica claramente que ele
um seguidor de Cristo é participar da falava sobre participar da obra do
comunhão dos sofrimentos dele, e os evangelho (2 Tm 1.6-9).
que não fazem isso precisam sempre Este padrão tem permanecido até
perguntar a si mesmos por que não o ao presente. Aqueles que têm levado
estão fazendo. o evangelho a lugares onde ele nunca
foi ouvido antes têm sido, sempre, al-
Sofrimento e o avanço do vos especiais de oposição e sofrimento.
evangelho David Garrison, em seu livro Church
Planting Movements (Movimentos de
Promover o avanço do evangelho é Plantação de Igreja), lista o sofrimen-
um empreendimento perigoso. Aque- to de missionários como uma das prin-
les que levam a luz de Cristo às trevas cipais características na maioria dos
de um mundo rebelde parecem expe- lugares em que Deus tem agido de ma-
rimentar um nível intensificado de neiras extraordinárias.2 Isto não deve
sofrimento. Isto foi certamente uma surpreender-nos. O mundo, o Diabo e
experiência de Paulo. Bem no começo a nossa própria carne se opõem, todos,
da vida cristã de Paulo, quando Ana- à obra de Deus. Aqueles que levam o
nias lhe foi enviado em Damasco para evangelho a lugares em que Cristo
restaurar-lhe a visão, Deus ligou uma ainda não é conhecido têm de fazer
descrição de sua chamada missionária isso com seus olhos abertos para o que
com estas palavras: “Eu lhe mostrarei possa vir adiante. Além disso, a igreja
quanto lhe importa sofrer pelo meu no Ocidente tem de abraçar a verdade
nome” (At 9.16). Paulo entendeu esta de que o evangelho é digno de qual-
ligação e a expressou a Timóteo no quer preço que Deus pede que pague-
final de sua vida, ao descrever o evan- mos e tem de abandonar sua aversão
gelho e dizer sobre ele: “Para o qual instintiva ao desconforto e ao perigo.
eu fui designado pregador, apóstolo A Grande Comissão não será cumpri-
e mestre e, por isso, estou sofrendo da sem sofrimento.3 Se uma parte do
estas coisas” (2 Tm 1.11-12). Para corpo de Cristo demonstra que não
que ninguém pense que esta conexão está disposta a pagar qualquer tipo de
entre sofrimento e serviço do evange- preço, Deus os deixará de lado e usa-
lho era exclusiva dos apóstolos, Paulo rá aqueles cujos valores estão mais em
aplicou-a também a Timóteo, dizen- harmonia com os valores dele.
do: “Participa dos meus sofrimentos
como bom soldado de Cristo Jesus” Cosmovisão Bíblica e Sofrimento
(2 Tm 2.3). Na verdade, esta conexão
era tão íntima, que Paulo usou a ex- Até aqui esta discussão têm sido
pressão “participa comigo dos sofri- um tanto sombria. Tudo isto signifi-
mentos, a favor do evangelho”, onde ca que o cristianismo bíblico é algum

Revista fé par a h oje | 53


tipo de ascetismo melancólico? De to, o que Paulo considerou melhor
modo nenhum! Como disse C. S. Le- do que qualquer coisa que esta vida
wis, Deus é um hedonista no coração.4 poderia oferecer (Fp 1.23). Em qual-
Há prazeres eternos à sua mão direita quer circunstância, Cristo é tudo. Ele
(Sl 16.11). A vida cristã é uma questão é o tesouro escondido no campo que é
de “alegria indizível e cheia de glória” digno de vendermos tudo para obtê-lo
(1 Pe 1.8). Mesmo quando fala sobre (Mt 13.44). Ele mesmo é a coisa mais
os sofrimentos de Jesus, a Bíblia nos preciosa que já existiu nesta terra. É a
diz que ele suportou a cruz “em tro- verdadeira vida, a verdadeira alegria,
ca da alegria que lhe estava proposta” a verdadeira paz, a verdadeira satisfa-
(Hb 12.2). O cristianismo bíblico não ção. Em Cristo, o crente tem perdão
valoriza o sofrimento por si mesmo. A do pecado, novo nascimento, recon-
atitude cristã para com o sofrimento ciliação com Deus, adoção na família
é uma questão de sistema de valores de Deus, o dom do Espírito Santo,

Sofrer com Cristo é tão intimamente


conectado com o gozo final de sua glória, que
as duas coisas não podem ser separadas”.

transformado. Por causa do verda- transformação progressiva na imagem


deiro tesouro, o crente está disposto de Cristo e a garantia da vida eterna na
a renunciar as coisas menores, como alegria e glória infinitas da presença de
possessões, conforto temporal e segu- Deus. Este é o verdadeiro tesouro, é
rança ou até a esta vida. A realidade um tesouro que não pode ser perdido.
não é o que você perde. A realidade é o Todas as coisas que o mundo valoriza
sobrepujante valor do que você ganha. – possessões, conforto, saúde e a pró-
Paulo resumiu sua perspectiva em pria vida – são coisas que todos, por
sua carta aos cristãos de Filipos. No fim, perderão. Que pessoa racional se
contexto em que Paulo falou sobre apega, enquanto pode, a coisas que por
a possibilidade de ser executado por fim perderá, às expensas de coisas de
causa de sua fé, ele disse: “Para mim, muito maior valor que ela nunca per-
o viver é Cristo, e o morrer é lucro” derá? Vista da perspectiva de Deus,
(Fp 1.21). Seu maior tesouro nesta a pessoa verdadeiramente sensata é
vida era conhecer Cristo. O benefício aquela que suporta quaisquer perdas
ganho na morte era o estar com Cris- temporais que acompanham o tesouro

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genuíno e eterno. Quando os crentes a reconhecer que não pertencem a
assimilam o incrível valor de Cristo e si mesmos, mas vivem somente pela
de seu evangelho e o valor comparati- graça e para a glória dele. Quando
vamente menor e passageiro das coisas essa perspectiva é atingida, a chamada
boas desta vida, podem ver com os para suportar sofrimento por causa do
mesmos olhos de Paulo, o qual, depois evangelho deixa de ser notícias som-
de tudo por que passou, escreveu: “A brias e se torna uma parte razoável de
nossa leve e momentânea tribulação nossa chamada jubilosa em Cristo.
produz para nós eterno peso de glória, Os cristãos que têm assimilado a
acima de toda comparação, não aten- mentalidade da cosmovisão bíblica
tando nós nas coisas que se veem, mas aceitam o sofrer por Cristo porque ele
nas que se não veem; porque as que se é intrinsecamente digno disso. Eles
veem são temporais, e as que se não acharam em Cristo o maior tesouro do
veem são eternas” (2 Co 4.17-18). mundo, e em comparação com ele to-
Evidentemente, o problema é que das as atrações e confortos do mundo
as coisas que podemos ver são imedia- parecem esterco coberto de ouropel.
tas e sedutoras, enquanto as que não Como Paulo, eles podem dizer com
podemos ver só podem ser assimiladas honestidade: “Sim, deveras considero
pela fé. Aqueles que têm muitas coisas tudo como perda, por causa da sublimi-
boas que podem ver aqui têm frequen- dade do conhecimento de Cristo Jesus,
temente mais dificuldade para assimi- meu Senhor; por amor do qual perdi
lar o valor superior das coisas que não todas as coisas e as considero como re-
podem ver. A maioria das pessoas pre- fugo, para ganhar a Cristo” (Fp 3.8). As
fere ter seu bolo e, também, comê-lo. coisas deste mundo não são dignas de
Preferem gozar as coisas boas desta nosso sofrimento, mas Jesus é.
vida e as coisas melhores da vida por
vir. Contudo, em sua sabedoria, Deus Benefícios do sofrimento
sabe que não podemos servir a dois
senhores (Mt 6.24). Ele não chama Vale a pena sofrer por Jesus por-
seus filhos a renunciarem todas as que ele é muito maior do que qualquer
possessões e prazeres, assim como não coisa que percamos em segui-lo. Além
nos ordena buscar o sofrimento por si disso, há certos benefícios que vêm ao
mesmo. Tudo que ele criou é bom, in- crente por meio do sofrimento. Um
cluindo possessões e prazeres usados desses benefícios é que o sofrimento
corretamente. Deus chama os seus fi- testa e demonstra se a fé é genuína
lhos a valorizarem aquilo que é infinita ou não. Em sua parábola dos quatro
e eternamente valioso, acima daquilo solos, Jesus falou sobre aqueles que
que é menos importante e temporal. fazem uma aceitação superficial do
Deus os chama a investir sua vida nas evangelho, mas não aprofundam suas
coisas da vida por vir. Ele os chama raízes. Quando a perseguição ou as di-

Revista fé par a h oje | 55


ficuldades vêm, eles voltam atrás rapi- namento rigoroso molda o corpo de
damente, mostrando que sua fé nunca um atleta e o torna preparado para o
fora genuína (Mt 13.20-21). Por outro esporte, assim também o sofrimento
lado, falando aos crentes que haviam molda o caráter de um cristão e o tor-
suportado sofrimento, Pedro disse: na preparado para o serviço do reino.
“Nisso exultais, embora, no presente, Por último, o sofrimento provê
por breve tempo, se necessário, sejais uma oportunidade para o crente ex-
contristados por várias provações, perimentar o poder de Deus. Paulo
para que, uma vez confirmado o valor mostrou ter compreendido isso, quan-
da vossa fé, muito mais preciosa do do disse: “Pelo que sinto prazer nas
que o ouro perecível, mesmo apurado fraquezas, nas injúrias, nas necessida-
por fogo, redunde em louvor, glória e des, nas perseguições, nas angústias,
honra na revelação de Jesus Cristo” (1 por amor de Cristo. Porque, quando
Pe 1.6-7). sou fraco, então, é que sou forte” (2
Outro benefício do sofrimento é Co 12.10). A força de Deus é supre-
que ele é um aliado na luta contra o mamente maior do que a nossa, porém
pecado. Em sua primeira carta, Pedro experimentaremos mais provavelmen-
também escreveu: “Ora, tendo Cris- te essa força quando chegarmos ao fim
to sofrido na carne, armai-vos tam- de nossos próprios recursos e descan-
bém vós do mesmo pensamento; pois sarmos somente nele.
aquele que sofreu na carne deixou o
pecado” (1 Pe 4.1). O sofrimento não Reagindo ao sofrimento
deve ser buscado, como o faziam os
ascetas medievais, na esperança de que Como um cristão deve reagir
a autopunição intencional possa puri- quando o sofrimento lhe sobrevém?
ficar o pecado. Entretanto, quando o Primeiramente, não devemos ficar
sofrimento vem, ele é usado frequen- surpresos. “Amados, não estranheis o
temente por Deus para tornar Cristo fogo ardente que surge no meio de vós,
mais atraente e tornar o mundo menos destinado a provar-vos, como se algu-
atraente e, assim, ajudar-nos na luta ma coisa extraordinária vos estivesse
por santidade. acontecendo” (1 Pe 4.12). A cultura
O sofrimento ajuda a moldar o ocidental pode instilar a expectati-
caráter do crente na imagem de Je- va de que a vida deve ser fácil, mas a
sus. Em uma passagem famosa, Pau- Bíblia indica claramente o contrário,
lo escreveu: “E não somente isto, mas especialmente para os cristãos. Não
também nos gloriamos nas próprias devemos ser surpreendidos nem con-
tribulações, sabendo que a tribulação fundidos pelo sofrimento. Deus nos
produz perseverança; e a perseverança, instruiu que devemos esperá-lo.
experiência; e a experiência, esperan- Em segundo, devemos suportar
ça” (Rm 5.3-4). Assim como o trei- pacientemente qualquer sofrimento

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que nos sobrevenha, sem comprome- abandonará. Nada pode tirar-nos de
termos nossa integridade em Cristo. suas mãos ou separar-nos de seu amor.
O Novo Testamento ressoa este tema Nosso dever é pagar o mal com o bem.
repetidas vezes. Eis dois exemplos. Devemos deixar as consequências com
Paulo disse a Timóteo: “Tu, porém, sê Deus e ser proativos em fazer a obra
sóbrio em todas as coisas, suporta as de seu reino em face de qualquer coisa
aflições, faze o trabalho de um evange- que nos sobrevenha. Precisamos guar-
lista, cumpre cabalmente o teu minis- dar-nos da tentação real de entrarmos
tério” (2 Tm 4.5). Pedro afirmou: “Por- no modo de sobrevivência e, em vez
que isto é grato, que alguém suporte disso, permanecermos ativos na pro-
tristezas, sofrendo injustamente, por pagação de sua glória.
motivo de sua consciência para com Devemos usar nossas experiências
Deus” (1 Pe 2.19). A nossa tentação de sofrimento para confortar os outros
carnal é fazer quaisquer comprometi- que sofrem. Paulo abordou isto com
mentos que forem necessários para ba- alguma amplitude em 2 Coríntios 1.
nir nosso sofrimento. Deus nos chama Em vez de tornar-nos apáticos ou in-
a suportar com paciência. sensíveis, o sofrimento deve nos tor-
Em terceiro, devemos amar aque- nar compassivos para com os outros
les que nos perseguem e orar por seu em suas aflições.
bem-estar (Mt 5.43-47). Não deve- Devemos fixar nossos olhos em
mos tomar vingança daqueles que er- Jesus (Hb 12.1-3). Esta talvez seja a
ram contra nós (Rm 12.14, 17, 19-21). reação mais essencial de todas. Nossa
Tanto a nossa carne quanto o mundo carne sempre recuará do sofrimento.
ao nosso redor nos instigam a que vin- O mundo sempre nos dirá que somos
diquemos a nós mesmos, mas devemos loucos por nos colocarmos no sofri-
reagir aos instrumentos humanos de mento, em primeiro lugar. Somente
nosso sofrimento como Jesus reagiu, por mantermos uma perspectiva bí-
amando até as pessoas que o mataram. blica sobre o supremo valor de Jesus,
Em quarto, devemos crer em Deus seremos capazes de suportar com pa-
em meio ao nosso sofrimento e reagir ciência o sofrimento, enquanto aben-
por fazermos o bem proativamente. çoamos nossos perseguidores, confor-
“Os que sofrem segundo a vontade tamos outros que sofrem e continua-
de Deus encomendem a sua alma ao mos ativamente na obra do reino de
fiel Criador, na prática do bem” (1 Pe Deus. Isto exige dedicação em oração
4.19). A consequência de nosso sofri- e no estudo da Palavra de Deus. Tam-
mento está nas mãos de Deus, e pode- bém exige encorajar e desafiar outros
mos confiar nele quanto a essa conse- no corpo de Cristo, a menos que es-
quência. Deus pode nos libertar por tejamos involuntariamente separados
levar-nos ao lar para ficarmos com ele, dos outros crentes. Somente em Cris-
mas ele nunca nos deixará, nem nos to o sofrimento pode não somente ser

Revista fé par a h oje | 57


suportado, mas também transformado to, confiadamente, junto ao trono da
em algo que glorifica a Deus e nos faz graça, a fim de recebermos misericór-
bem. dia e acharmos graça para socorro em
Por fim, somos até ordenados a re- ocasião oportuna” (Hb 4.16). Ele não
gozijar-nos. Pedro disse: “Alegrai-vos a dá necessariamente antes do tempo.
na medida em que sois coparticipantes Deus não me dá graça agora para que
dos sofrimentos de Cristo” (1 Pe 4.13). eu precise enfrentar algo que pode ou
Isto parece insensato para o mundo, não acontecer-me no futuro. Toda-
mas foi a reação espontânea dos após- via, no momento de necessidade, ele é
tolos, que se regozijaram por haverem sempre fiel. Nessa confiança, precisa-
sido considerados dignos de sofrer por mos repudiar os temores de nossa car-
causa de Cristo (At 5.41). Regozijo ne e as mentiras do mundo e suportar
como este só pode surgir pelo poder o sofrimento como bons soldados de
do Espírito Santo, em mentes que Jesus Cristo.
compreenderam plenamente o valor
supremo de Cristo, em vidas que têm
seus olhos fixados habitualmente em
Cristo. Somente nele, faz sentido re- 1 Quanto a uma leitura adicional sobre o
gozijar-nos em meio ao sofrimento. sofrimento à luz do reino de Deus, ver
John Piper e Justin Taylor, eds., Suffering
and the Sovereignty of God (Wheaton:
Conclusão Crossway, 2006).
2 David Garrison, Church Planting
Um artigo como este é difícil de ser Movements (Midlothian, VA: WIGTake
escrito. Se eu dei a impressão de que Resources, 2004), 235-38.
já fiz tudo que recomendei aos outros 3 Quanto a uma leitura adicional sobre
neste artigo, esta é realmente uma im- o sofrimento e o avanço do evangelho,
pressão errada. Comparado com meus ver John Piper, Let the Nations Be Glad:
The Supremacy of God in Missions, 3rd ed.
irmãos e irmãs na igreja perseguida, (Grand Rapids: Baker, 2010), 93-131; e J.
eu não sofri ainda. Ainda acho inti- Dudley Woodberry, ed., From Seed to Fruit
midante a perspectiva do sofrimento (Pasadena: William Carey, 2008), especial-
mente o capítulo 24.
e da perseguição. No entanto, com
base na leitura da Palavra de Deus e 4 C. S. Lewis, Screwtape Letters (San Fran-
cisco: HarperCollins, 2001), 118.
com base em conversas com outros ir-
mãos que suportaram muito mais por
causa do reino de Deus, aprendi uma Franklin Ferreira: É mestre em teologia, pastor
batista, autor, preletor, diretor do Seminário
coisa. Deus nos dá graça quando ela é
Martin Bucer, em São José dos Campos, SP.
necessária. “Acheguemo-nos, portan-

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O FUNDAMENTO
DA IGREJA E A FÉ
Mauro
Meister

Revista fé par a h oje | 59


A Igreja de Jesus
nunca poderá ser edificada sobre
fundamentos humanos”.

Em Mateus 16 temos a narrativa a respeito das mais diversas conversas


de um diálogo entre Jesus e seus dis- e discussões acaloradas, tidas depois
cípulos durante um “retiro espiritual” das leituras dos textos da Torá aos sá-
que fizeram pelas “bandas de Cesaréia bados na Sinagoga. Quem é o “Filho
de Filipe” (v. 13). Afastado das multi- do Homem” segundo os Salmos ou o
dões, das controvérsias com os fariseus Daniel, ou mesmo na forma como a
e outros adversários, das tremendas expressão é empregada para chamar o
demandas diárias que recebia de todos profeta Ezequiel? Quem é esse a quem
à volta, o Senhor chama aqueles que tanto esperamos, era a pergunta no ar?
estavam mais próximos à reflexão, para A resposta estava pronta, mos-
lhes mostrar alguns dos fundamentos trando que havia algumas principais
sobre os quais a “sua igreja” seria conti- correntes de interpretação entre os
nuada e firmada na face da terra. doutos, correntes essas que se espalha-
Com a excelência da pedagogia vam na opinião do povo: João Batista,
que sempre é evidente nos Evange- Elias, Jeremias ou algum dos profetas...
lhos, nosso Senhor começa a sua lição (v. 14). Mal sabia o povo que o Filho
sobre os fundamentos da Igreja com do Homem já andava entre eles a cerca
uma pergunta que vai levar a uma ou- de 30 anos, e pouquíssimos o reconhe-
tra: “Quem diz o povo ser o Filho do ceram, dentre eles, alguns cegos, exa-
Homem?”. Certamente, o simples in- tamente para mostrar que o real pro-
vocar do nome “Filho do Homem” já blema da humanidade não é a cegueira
faria com que os discípulos refletissem física, mas a cegueira espiritual.

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Continuando com a sua sutil e cer- das fundamentais diferenças entre o
teira pedagogia, Jesus faz, então, a per- cristianismo e outras religiões. A reve-
gunta que realmente interessa: “Mas lação que vem da parte de Deus e que
vós, continuou ele, quem dizeis que eu corresponde à realidade dos fatos. Je-
sou?” (v. 15). Observe que a associa- sus é aquele que a Escritura diz que ele
ção é imediata: “o Filho do Homem” e é. Jesus é aquele que ele mesmo diz ser.
quem “eu sou”. Aqui está a primeira Jesus é aquele que Deus diz ser! Temos
lição direta: Jesus é o Filho do Homem aqui três ideias básicas. Primeiro, que a
anunciado no Antigo Testamento. revelação passada se cumpre em Cris-
Como é usual, Pedro sai na frente to, afinal, ele é o Messias prometido.
ao dar a resposta. É peculiar de Pedro Segundo, que a revelação presente, na
adiantar-se em falar e agir. E a respos- encarnação do Filho do Deus vivo, é
ta de Pedro é direta: “Tu és o Cristo, o superior. Não no sentido de que a re-
Filho do Deus vivo” (v. 16). A resposta velação anteriormente dada fosse im-
é carregada de conceitos teológicos fun- perfeita, mas agora, ela é completa e
damentais que são trazidos pelos textos plena. Tudo o que Deus quis revelar,
da Lei, dos Salmos e dos Profetas. Em mostrou-nos no seu Filho (Hb 1.3;
resumo, Pedro faz uma associação teo- Jo 1.18). E terceiro, aprendemos que a
lógica dizendo que o Filho do Homem iluminação individual é fundamental.
é o mesmo Messias, que é o Cristo e que O verso 17 nos ensina que Deus reve-
este mesmo é o Filho do Deus vivo, e, lou a Pedro esta verdade. Os escribas,
afinal, era este homem que estava dian- fariseus e todos os estudiosos da época
te dos seus próprios olhos na região de tinham as mesmas fontes que Pedro ti-
Cesaréia de Filipe. A partir desta reali- nha, mas foi Pedro quem conectou os
dade, aprendemos alguns importantes pontos da revelação passada com a re-
princípios no diálogo que se desenvolve. velação presente diante dos seus olhos.
Esta mesma verdade é viva hoje quan-
Princípio da Revelação do, pela iluminação do Espírito Santo,
percebemos na Escritura a verdade de
Na resposta do diálogo, Jesus mos- Deus. Crer na revelação da Palavra de
tra, então, o primeiro grande funda- Deus é uma bem-aventurança: “Bem
mento sobre o qual a sua igreja está fir- -aventurado és, Simão Barjonas”. So-
mada: a iluminação do Espírito Santo bre esta revelação é que a fé da Igreja
sobre a Revelação, ou como chamarei deve ser fundamentada.
aqui, o Princípio da Revelação. O
Senhor Jesus diz que não foi carne ou Princípio da Edificação
sangue que fizeram Pedro reconhecer
esta verdade revelada nas Escrituras e A resposta de Jesus a Pedro come-
agora exposta diante de seus próprios çou com uma troca de palavras: você
olhos, mas o próprio Deus. Esta é uma disse que eu sou o Cristo, e eu digo,

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Simão Barjonas (Simão filho de Jo- Princípio da Propriedade
nas), que você é pedra (o significado
do apelido de Simão, Pedro). Jesus usa Da mesma forma como a igreja
deste trocadilho para trazer à luz uma não pode ter fundamentos lançados
das mais importantes verdades a res- por homens, ela não pode ter homens
peito da fé da Igreja: “Sobre esta pedra como seus proprietários! No final do
edificarei a minha igreja” (v. 18). verso 18, o Senhor Jesus usa a expres-
O catolicismo romano imediata- são “minha igreja”. A igreja é dele, sua
mente interpretou o jogo de palavras, noiva, pela qual ele tem verdadeiro
Pedro e pedra, como sendo a mesma zelo e compromisso. Com base nesta
palavra e nisto construiu a doutrina do verdade é que são feitas muitas pro-
papado, sendo Pedro o primeiro desta messas à Igreja e a respeito da Igreja,
suposta sucessão. Mas há aí uma falácia. dentre elas, a de que vai ele apresentá
Quando Jesus diz “esta pedra”, não re- -la sem mancha, ruga ou mácula.

A verdadeira Igreja trabalha como


uma agência do céu aqui na terra”.

fere-se a Pedro, mas à verdade pronun- O Senhor sabe que é necessário


ciada por Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho cumprir toda a sua obra pela Igreja, para
do Deus vivo”. É sobre esta verdade que que possa resgatá-la de forma comple-
a Igreja irá subsistir, a obra do Filho de ta. Por isto mostra aos seus discípulos:
Deus. O próprio Pedro, refletindo sobre “Desde esse tempo, começou Jesus
esta verdade, fala-nos em sua primeira Cristo a mostrar a seus discípulos que
epístola: “Por isso, na Escritura se diz: lhe era necessário seguir para Jerusalém
Eis que ponho em Sião uma principal e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos
pedra angular, eleita e preciosa; e quem principais sacerdotes e dos escribas, ser
nela crer não será confundido” (1Pe 2.6). morto e ressuscitado no terceiro dia” (v.
A grande lição aprendida aqui é 21). Ele diz “minha igreja” porque ele é
que a Igreja de Jesus nunca poderá ser o único dono dela, trabalhou até a mor-
edificada sobre fundamentos huma- te para que pudesse comprá-la com seu
nos. Sempre que interferimos e nos sangue e ninguém mais pudesse clamar
colocamos no lugar do fundamento posse sobre ela e seus membros. A Igre-
verdadeiro encontramos diante de nós ja de Jesus não existiria como tal sem a
uma igreja falsificada, trasvestida e ir- sua morte e ressurreição, o que lhe dá
reconhecível como igreja de Cristo. completa posse dela.

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Princípio da Autoridade que as “portas do inferno” não operem
dentro dela mesma. Logo, a Igreja na
Por último, podemos perceber o terra deve viver na busca de realizar a
princípio da autoridade de Cristo so- vontade soberana do Pai do céu.
bre a sua Igreja. Para demonstrar este E como, afinal, esta fé deve ser vi-
princípio temos, em primeiro lugar, a vida aqui na terra?
afirmação desta autoridade: “E as por- “Então, disse Jesus a seus discípulos:
tas do inferno não prevalecerão contra Se alguém quer vir após mim, a si mes-
ela” (v.18b). O conceito é, de certa for- mo se negue, tome a sua cruz e siga-me.
ma, muito simples: o fato da Igreja ter Porquanto, quem quiser salvar a sua
a autoridade da revelação de Deus, ser vida perdê-la-á; e quem perder a vida
a propriedade e a edificação de Cris- por minha causa achá-la-á. Pois que
to, não há nada neste mundo, nem o aproveitará o homem se ganhar o mun-
próprio inferno, que possa se colocar do inteiro e perder a sua alma? Ou que
contra ela e vencer. Assim, a verdadeira dará o homem em troca da sua alma?
Igreja de Cristo não tem o que temer; Porque o Filho do Homem há de vir na
não há poderes que possam terminá-la, glória de seu Pai, com os seus anjos, e,
porque ela pertence a Cristo. Aliás, então, retribuirá a cada um conforme
opor-se à obra de Cristo na Igreja é as suas obras. Em verdade vos digo que
obra de Satanás e é por isto que Pedro alguns há, dos que aqui se encontram,
é repreendido severamente ao opor-se, que de maneira nenhuma passarão pela
quando foi dito que era necessária a morte até que vejam vir o Filho do Ho-
morte e ressureição do Senhor. mem no seu reino” (16.24-28).
Por outro lado, a verdadeira Igreja O que o texto nos mostra é que a
trabalha como uma agência do céu aqui vida de fé na igreja deve ser vivida em
na terra. O Senhor afirma: “Dar-te-ei torno da cruz! É, com certeza, uma vida
as chaves do reino dos céus; o que liga- de negação dos padrões da individua-
res na terra terá sido ligado nos céus; e lidade egoísta para viver os padrões da
o que desligares na terra terá sido des- vida do bem-aventurado. Da mesma
ligado nos céus” (v.19). Veja que o texto forma como era necessário que o Se-
é muito claro em dizer que a ordem da nhor fosse a Jerusalém para passar pela
ação de ligar e desligar começa no céu cruz, o cristão toma a sua cruz e segue a
e é implementada na terra pela Igreja. Jesus nos passos da ressurreição.
Acredito que aqui temos o ensino claro,
somado ao contexto de Mateus 18.15-
18, onde aparece a mesma expressão,
que a Igreja tem a obrigação de admitir
e demitir aqueles que não cogitam das Franklin Ferreira: É mestre em teologia, pastor
batista, autor, preletor, diretor do Seminário
coisas de Deus. A Igreja tem a respon- Martin Bucer, em São José dos Campos, SP.
sabilidade de abrir e fechar a porta para

Revista fé par a h oje | 63


conferência FIEL
Juntos em Cristo
11 e 12 de outubro de 2013

Fo rtale za - C E

o Deus presente

Dave Michael Heber Leonardo Cleyton


Harvey Horton Campos Jr. Sahium Gadelha

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Criação
Ø Queda
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Consumação
teologia
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prover aos pastores, líderes e estudantes de teologia uma oportunidade de reflexão e apro-
fundamento no conhecimento de diversos temas bíblicos. As aulas são ministradas aos
sábados e você pode optar por fazer o curso de forma presencial ou pela internet.

Módulo 1 (09/03/2013) – Criação


Módulo 2 (22/06/2013) – Queda
Módulo 3 (05/10/2013) – Redenção
Módulo 4 (23/11/2013) – Consumação

Stephen J. Wellum | Hermisten Maia | Bruce Ware | Franklin Ferreira


D. A. Carson | Michael Horton | Heber Campos | Mauro Meister
Luiz Sayão | Jonas Madureira | Mauricio Andrade | Tiago Santos

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Escrituras, Steven Lawson nos mostra que as Doutrinas da Graça estão
presentes e são ensinadas em toda a Bíblia.

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