125-139
ISSN: 0430-5027
doi: 10.18055/Finis11943
Artigo
O BRASIL E O ÁRTICO
ABSTRACT – BRAZIL AND THE ARCTIC. This article presents the geographical
definition of the Arctic and identifies the complex international regime that consolidates
over the international seabed and waters of the Arctic Ocean and adjacent seas. This scheme
is based on the United Nations Convention on the Law of the Sea (UNCLOS) implementa-
tion. Concerns, interests and changes over the Arctic region are also discussed, involving
issues such as: environment, climate change, sustainable development, resource exploita-
tion, especially fisheries and oil and gas, (new) sea routes, strategy and security, considering
possible territorial disputes. But mainly speculates about the possibility of the effects of cli-
mate change on the Arctic Region generating impacts on the Brazilian and South American
space and environment. Based on these assumptions, it considers the pertinence of the Bra-
zilian insertion in the region, through the development of associated scientific research, the
accession of Brazil to the Arctic Council (AC), International Arctic Science Committee
(IASC) and Svalbard Treaty and its work in the United Nations, mainly to the UNCLOS and
the Commission on the Limits of the Continental Shelf (CLCS) and other regimes in which
issues relevant to the Arctic are discussed.
I. INTRODUÇÃO
O Ártico geograficamente definido possui áreas sob o domínio dos Estados (árticos)
e áreas sob domínio internacional (ainda não totalmente definidas) (fig. 1). Sobre as últi-
mas, que tendem a ser mínimas e restritas partes do Oceano Ártico e mares adjacentes,
vem se consolidando a aplicação de um regime internacional complexo, com fundamento
base na Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar (CNUDM).
Sobre o Ártico recaem preocupações, interesses e mudanças. Estas abrangem temas
como: ambiente, mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável, exploração de
Santos, L. E. F., Júnior, E. S., Simões, J. C., & Filippi, E. E. Rev. Finis. LIII(107), 2018, pp. 125-139 127
1. As rotas marítimas
Não obstante ser a CNUDM o instrumento jurídico básico de regulação das rela-
ções no Oceano Ártico e mares adjacentes e da sua aplicação que decorrem as princi-
pais disputas observadas na área. Trata-se da definição dos limites da Plataforma
Continental Jurídica – PCJ (ou Plataforma Continental Estendida – PCE), ou seja,
quais seriam os limites de extensão da PC para além das 200 milhas náuticas (m.n.),
entre os Estados costeiros.ii
Os Estados costeiros reivindicam a PCJ perante a Comissão de Limites da Plataforma
Continental (CLPC), órgão da CNUDM. A CLPC tem competência para, considerando
as reivindicações e dados fornecidos pelos Estados costeiros interessados, ampliar os
limites exteriores da PC, fazendo recomendações sobre questões relacionadas ao estabe-
lecimento destes limites externos. Os conflitos emergem na medida que os Estados cos-
teiros podem concorrer nas suas reivindicações e tal situação resultar em sobreposição de
áreas reivindicadas (Santos, 2016).iii
As preocupações políticas, estratégicas e de segurança também se manifestam em
função dos temas já citados: ambiente, mudanças climáticas, desenvolvimento sustentá-
vel, exploração de recursos, especialmente pesqueiros e petróleo e gás e rotas marítimas.
entre a radiação refletiva, portanto sem absorção, e a absorvida por uma superfície)
(IPCC, 2007a; 2007b; 2007c; 2013; 2014a; 2014b) O descongelamento do permafrost
(em sua camada ativa), libera metano (CH4), um gás do efeito estufa, que por um retro-
processamento positivo que provoca mais aquecimento. A redução da área coberta por
neve, bem como o seu derretimento, está sendo acelerado, o que determina exposição
direta do solo ao sol, provocando direta e indiretamente maior aquecimento (Souza
Junior, 2015).
As mudanças provocam, por consequência, impactos locais e externos. Os locais são
aqueles que alcançam a própria Região Ártica e os externos, vão para além das fronteiras
da Região, e incluem, principalmente: o aumento do nível médio do mar (n.m.m.), a
intensificação do aquecimento global e das mudanças nas correntes oceânicas que, por
sua vez, alteram o clima (com alterações de padrões climáticos e eventos extremos).
As mudanças no climáticas são rápidas e se amplificam em face do retroprocessa-
mento positivo, ou seja, quanto mais aquecimento menos cobertura glaciar, menos
cobertura glaciar mais calor é absorvido. O aquecimento provoca mudanças no
ambiente local, em especial, nos padrões climáticos, alterações em rios (fluxo e tempe-
ratura da água) e lagos (períodos de congelamento e descongelamento e temperatura
da água), alterações na flora (crescimento e distribuição das plantas) e fauna (distribuição
e padrões migratórios dos animais). Estas mudanças impactam as populações locais e,
especialmente, as autóctones. Haverá necessidade de remoção de comunidades em face
da erosão costeira e recessão do gelo do mar. O gelo do mar está deixando de ser uma
plataforma segura para subsistência. O derretimento do gelo pode colapsar a infraes-
trutura da Região. Nestas condições, as comunidades autóctones em face da sua pró-
xima e direta relação com os recursos naturais e sua economia simples têm uma faixa
mais estreita de opções adaptativas, portanto, potencialmente, são as que mais sofrem
com as mudanças (IPCC, 2007a; 2007b; 2007c; 2013; 2014a; 2014b; Souza Junior, 2015;
Santos, 2016).
A cooperação brasileira deve se dar tanto com os países árticos, que tem expertise em
relação ao espaço ártico, quanto com países não árticos, cuja realidade espacial e política
podem estrategicamente contribuir com os objetivos a serem alcançados com a presença
do país na Região.
V. CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Brasil. (2013). Ciência Antártica para o Brasil: Um plano Cohen, J., Screen J. A., Furtado J. C., Barlow M., Whit-
de ação para o período 2013–2022 [Antarctic tleston D., Coumou D… Jones, J. (2014). Recent
Science for Brazil: An action plan for the period Arctic amplification and extreme mid-latitude
2013-2022]. Brasília: Comitê Nacional de Pes- weather. Nature Geoscience, 7, 627-637. doi:
quisas Antárticas, Coordenação para o Mar e 10.1038/ngeo2234
Antártica, Secretaria de Políticas e Programas de Conley, H. A., David, L. P., Terence, M. T., Mihaela, D.
Pesquisa e Desenvolvimento, Ministério da (2013). Arctic Economics in the 21st Century The
Ciência, Tecnologia e Inovação. Retrieved from Benefits and Costs of Cold. A Report of the CSIS
http://www.ufrgs.br/inctcriosfera/arquivos/Pla- Europe Program. Lanham, Boulder, New York,
noAcaoCienciav1.10.pdf Toronto, Plymouth: Rowman&Littlefield,
Brigham, L. W. (2013). The challenges and security issues Retrieved from http://csis.org/files/publica-
of Arctic marine transport. In J. Kraska (Ed.), Arc- tion/130710_Conley_ArcticEconomics_WEB.
tic Security in an Age of Climate Change (pp. 20-32). pdf
New York: Cambridge University Press. Francis, J. Skific, N. (2015). Evidence linking rapid Arc-
Cardoso, L. F. P. B. (2012). O domínio Polar Ártico e o tic warming to mid-latitude weather patterns.
Direito Internacional Público [The Arctic Polar Philosophical Transactions A., 373(2045), 1-9.
domain and Public International Law]. (Disser- Ilulissat Declaration. (2008). The Ilulissat Declaration.
tação de Mestrado), Departamento de Direito Arctic Ocean Conference. Gronelândia: Ilulissat.
Internacional, Faculdade de Direito, Universi- Retrieved from http://www.oceanlaw.org/down-
dade de São Paulo – USP. São Paulo. loads/arctic/Ilulissat_Declaration.pdf
138 Santos, L. E. F., Júnior, E. S., Simões, J. C., & Filippi, E. E. Rev. Finis. LIII(107), 2018, pp. 125-139
Intergovernamental Painel on Climate Change. (IPCC). Intergovernamental Painel on Climate Change. (IPCC).
(2007a). Contribution of Working Group II to (2014b). Contribution of Working Groups I, II
the Fourth Assessment Report of the Intergover- and III to the Fifth Assessment Report of the
nmental Panel on Climate Change. In M. L. Intergovernmental Panel on Climate Change. In
Parry, O. F. Canziani, J. P. Palutikof, P. J., van der Core Writing Team (Coord.), R. K. Pachauri, &
Linden, & C. E. Hanson. (Eds.), Fourth Assess- L.A. Meyer. (Eds), Climate Change: Synthesis
ment Report: Climate Change. Cambridge/New Report. Genebra: Intergovernamental Painel on
York: Cambridge University Press. Retrieved Climate Change. Retrieved from https://www.
from http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar5/syr/SYR_
publications_ipcc_fourth_assessment_report_ AR5_FINA L_full.pdf
wg2_report_impacts_adaptation_and_vulnera- Johnston, P. (2012). Arctic Energy Resources: Security
bility.htm and Environmental Implications. Journal of Stra-
Intergovernamental Painel on Climate Change. (IPCC). tegic Security, 5(3), 13-30.
(2007b). Regional Climate Projections. In M. L. Larsen, C. F., Burgess, E., Arendt, A. A., O’Nell S., John-
Parry, O. F. Canziani, J. P. Palutikof, P. J., van der son, A. J., & Kienholz, C. (2015). Surface melt
Linden, & C. E. Hanson. (Eds.), Fourth Assessment dominates Alaska glacier mass balance. Geophy-
Report: Climate Change (pp. 848-940). Cam- sical Research Letters, 42(14), 5902-5908. doi:
bridge/New York: Cambridge University Press. 10.1002/2015GL064349
Retrieved from https://www.ipcc.ch/pdf/assess- Leary, D. (2008). Bioprospecting an Emerging Issue for the
ment-report/ar4/wg1/ar4-wg1-chapter11.pdf Arctic? Bi-polar Disorder? Is Bioprospecting an
Intergovernamental Painel on Climate Change. (IPCC). Emerging Issue for the Arctic as well as for Antarc-
(2007c). Polar regions (Arctic and Antarctic). In tic? Review of European, Comparative & Interna-
M. L. Parry, O. F. Canziani, J. P. Palutikof, P. J., tional Environmental Law-RECIEL, 17(1), 41-55.
van der Linden, & C. E. Hanson. (Eds.), Fourth Overland, J., Francis, J. A., Hall, R., Hanna, E., Kim, S-J.,
Assessment Report: Climate Change (pp. 653-685). & Vihma, T. (2015).The melting arctic and mid-
Retrieved from https://www.ipcc.ch/publica- -latitude weather patterns: are they connected?
tions_and_data/ar4/wg2/en/ch15.html e https:// Journal of Climate. Retrieved from http://dx.doi.
www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/wg2/ org/10.1175/JCLI-D-14-00822.1
ar4-wg2-chapter15.pdf Rahmstorf, S., Foster, G., & Cazenave, A. (2012). Com-
Intergovernamental Painel on Climate Change. (IPCC). paring climate projections to observations up to
(2013). Summary for Policymakers. In T. F. Sto- 2011. Environmental Research Letters, 7(4),
cker, D. Qin, G.-K. Plattner, M. Tignor, S. K. Allen, 044035. doi:10.1088/1748-9326/7/4/044035
J. Boschung, A. Nauels, Y. Xia, V. Bex, & P. M. Rainwater, S. (2013). Race to the North: China’s Arctic
Midgley (Eds.), Climate Change 2013: The Physi- Strategy and its implications. Naval War College
cal Science Basis. Contribution of Working Group I Review, 66(2), 62-82.
to the Fifth Assessment Report of the Intergovern- Richter-Menge, J., Overland, J. E., & Mathias, J. T. (Eds.).
mental Panel on Climate Change. Cambridge/New (2016). Arctic Report Card 2016. Retrieved from
York: Cambridge University Press. Retrieved from http://www.arctic.noaa.gov/Report-Card
http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-eport/ar5/ Santos, L. E. F. (2016). Cooperação e Conflito nas Regiões
wg1/WG1AR5_SPM_FINA L.pdf Polares: um cenário para o século XXI [Coopera-
Intergovernamental Painel on Climate Change. (IPCC). tion and Conflict in the Polar Regions: a scenario
(2014a). Polar Regions. In T. F. Stocker, D. Qin, for the twenty-first century]. (Tese de Doutora-
G.-K. Plattner, M. Tignor, S. K. Allen, J. Boschung, mento). Programa de Pós-Graduação em Estu-
A. Nauels, Y. Xia, V. Bex, & P. M. Midgley (Eds.), dos Estratégicos Internacionais, Faculdade de
Climate Change Impacts, Adaptation, and Vulne- Ciências Econômicas, Universidade Federal do
rability. (Work Group II – AR5) (pp. 1567-1612). Rio Grande do Sul.
Retrieved from http://www.ipcc.ch/pdf/assess- Serreze, M. C., & Barry, R. G. (2011). Processes and
ment-report/ar5/wg2/WGIIAR5-Chap28_ inpacts of Arctic amplification: A research synthe-
FINAL.pdf sis. Global and Planetary Change, 77(1-2), 85-96.
Santos, L. E. F., Júnior, E. S., Simões, J. C., & Filippi, E. E. Rev. Finis. LIII(107), 2018, pp. 125-139 139
Simões, J. C. (2011). O ambiente antártico: domínio de Geografia Física, 9(4), 1137-1156. doi. 10.5935/
extremos [The Antarctic environment: domain of 1984-2295.20160077
extremes]. In J. Goldemberg (Coord.), J. C. Simões, Trillo Barca, A. (2012). El conflicto en el Ártico: ¿hacia
H. Evangelista, L. S. Campos, M. M. Mata, C. A. E. untratado internacional? [Conflict in the Arctic:
Garcia, U. F. Breme (Eds.), Antártica e as Mudan- Towards an international treaty?]. Documento
ças Climáticas Globais: um desafio para humani- de Trabajo del Instituto Universitário de Estu-
dade [Antarctica and Global Climate Change: a dios Europeos, Serie Unión Europea y Relacio-
challenge for humanity]. Série Sustentabilidade nes Internacionales, 54. Madrid: CEU Edicio-
(pp. 15-27). São Paulo: Editora Edgard Blücher. nes.
Souza Junior, E. (2015). O Novo Ártico: Mudanças United States Geological Survey. (USGS). (2008). Cir-
Ambientais e Geopolítica [The new Arctic: Envi- cum-Arctic Resource Appraisal: Estimates of
ronmental changes and Geopolitics]. (Disserta- Undiscovered Oil and Gas North of the Arctic
ção de Mestrado). Universidade Federal do Rio Circle. Retrieved from http://pubs.usgs.gov/
Grande do Sul-UFRGS. fs/2008/3049/fs2008-3049.pdf
Souza Junior, E., & Simões, J. (2013). A Rápida Retra- Vihma, T. (2014). Effects of Arctic Sea Ice Decline on
ção do Gelo Marinho no Ártico e as Tensões Weather and Climate: A Review. Surveys in
Socioambientais Associadas [The Rapid Retrac- Geophysics, 35, 1175-1214. doi: 10.1007/
tion of Sea Ice in the Arctic and the Socio-Envi- s10712-014-9284-0
ronmental Stress Associated]. Revista Geonorte, Young, O. R. W. (2011). Review article: The future of
Edição Especial 3, 7(1), 349-360. the Arctic: cauldron of conflict or zone of
Souza Junior, E., Simões, J., & Rosa, K. K. (2016). Con- peace? International Affairs, 87(1), 185-193.
sequências das rápidas mudanças ambientais Young, O. R. W. (2009). Whither the Arctic? Conflict
no Ártico [Consequences of rapid environmen- or cooperation in the circumpolar north. Polar
tal changes in the Arctic]. Revista Brasileira de Record, 45(1), 73-82.
i
Nesta esteira é fundamental a permissão para o CA tratar dos temas de segurança, cujo impedimento está estabelecido na
Convenção de Ottawa (Young, 2009).
ii
A PC compreende parte do leito do mar adjacente à costa, cuja profundidade não excede a 200 m. Há interrupção da PC
quando a extensão da costa é seccionada por inclinações abruptas que conduzem aos fundos marinhos e oceânicos. A PC se estende
até 200 m.n. das linhas de base da costa, de modo que seus limites coincidam com o limite da ZEE ou até a borda exterior da margem
continental, que se estende para além das 200 m.n., desde que não ultrapasse 350 m.n. (§ 1º do artigo 7 da CNUDM). O artigo 77 da
CNUDM garante direitos soberanos ao Estado costeiro sobre a PC e seu subsolo para fins de gestão e exploração dos seus recursos
naturais (Santos, 2016, p. 202-203).
iii
Em relação as áreas continentais não há disputas de soberania, contudo algumas ilhas estariam sob disputa no Ártico. Este é
caso da ilha de Hans, que é disputada pelo Canadá e Dinamarca.
iv
A União Europeia foi admitida como observador permanente mas aguarda a solução de pendências políticas com Estados
membros para que possa perfectiblizar seu novo status na Instituição.
v
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm